DOI: 10.4025/4cih.pphuem.648
HISTÓRIA: APROPRIAÇÃO DE SABERES
Maria de Lurdes Pertile
Professora da Unochapecó /SC
Renilda Vicenzi
Professora Senai Chapecó /SC
1.1.Elementos para a compreensão da história
A tônica principal do ensino de História não se resume em fixar determinados
conteúdos. A própria Lei de Diretrizes e Bases - LDB no 9394/96, artigo 22, preza por: “[...]
desenvolver o educando, assegurar-lhe formação comum indispensável para o exercício da
cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.”
A História enquanto disciplina escolar tem de oferecer meios e instrumentos para que o
estudante possa pensar historicamente, para que aproprie-se, utilize-se e processe
informações, para que se condicione a participar do processo histórico. Desenvolver as
habilidades e competências para aprender e construir conhecimentos, são valores e princípios
pedagógicos pelos quais os professores devem pautar-se.
Não se pode separar, por exemplo, o processo de aprendizagem dos conteúdos
disciplinares do processo de participação dos alunos, nem desvincular as disciplinas
da realidade atual. Os conteúdos disciplinares não surgem do acaso. Deveriam ser
fruto da interação dos grupos sociais com a realidade cultural. Por outro lado, as
novas gerações não podem prescindir do conhecimento acumulado socialmente e
organizado nas disciplinas, sob pena de estarmos sempre ‘redescobrindo a roda’.
Também não é possível descartar a presença dos alunos com seus interesses, suas
concepções, sua cultura, principal motivo de existência da escola. (LEITE, 1996, p.
29).
Recai sobre a escola e professores o cuidado para com a seleção e organização de
conteúdos. É compreensível que a História não tem por obrigação somente transmitir
conhecimentos, como também é impossível dar a conhecer todo o acúmulo cultural
historicamente construído pela humanidade e criticamente problematizá-lo na academia. Daí a
necessidade de seleções e de opções teórico-metodológicas.
Nas Orientações Curriculares Nacionais, a contextualização é assim entendida:
[...] Os conhecimentos produzidos pelos estudiosos da História e do ensino de
História, no âmbito das universidades, por exemplo, são referências importantes
para a construção dos conhecimentos escolares na dimensão da sala de aula. No
5356
entanto imprescindível que a seleção da narrativa histórica consagrada pela
historiografia esteja relacionada aos problemas concretos que circundam os alunos
das diversas escolas que compõem o sistema escolar. (ORIENTAÇÕES
CURRÍCULARES PARA O ENSINO MÉDIO, 2006, p.69)
Os conteúdos selecionados assumem posição central nos processos de ensino, visto que
estão intimamente relacionados com o desenvolvimento de capacidades e habilidades.
Portanto, são superiores às meras informações, pois conduzem aos valores, às atitudes, às
normas.
A forma clássica de organização de conteúdos históricos consiste na divisão linear das
temporalidades - História Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea – na sequencialidade.
Atualmente existem várias experiências de superação dos critérios exclusivamente
cronológicos. É o exemplo da História Temática, cujo fio condutor é a contextualização dos
fatos históricos através de problematizações, de envolvimento na trama que constrói a
história, na relação da concretude do mundo, para com o mundo da cultura do sujeito que
aprende.
A História e seus conceitos fundamentais:
A história está sempre no centro das controvérsias. De que assuntos devem tratar?
Os acontecimentos apenas, ou também os desígnios da providência, os progressos da
humanidade, os fenômenos repetitivos, as estruturas? Deve por a tônica da
continuidade ou, pelo contrário, nas revoluções, nas rupturas, nas catástrofes? Deve
ocupar-se prioritariamente dos indivíduos promovidos ao papel de herói ou de
massa? De quem tem poder e autoridade no Estado ou na Igreja ou, ao contrário, dos
camponeses, do proletariado, dos burgueses, da população no seu conjunto e de
todas as classes que a compõe? [...] O debate sobre a história que promove todas
estas interrogações e ainda outras procede da Antiguidade e tem todas as
possibilidades de se prolongar no futuro. (LE GOFF, 2003, p. 17-18)
Sendo a História a ciência dos indivíduos humanos em diferentes espaços e tempos, esta
pressupõe a necessidade e a existência de conceitos básicos como: tempo, processo histórico,
sujeito, cultura, cidadania, classe social. Entre as principais destacamos a seguir os que
consideramos relevantes para compreensão da História:
1. Tempo
Durante muito tempo a história foi concebida pela noção de tempo atemporal, era um
tempo histórico imóvel. Foi a partir do século XVIII que surge a nova concepção de tempo:
“Como conhecimento do passado, a história tem por objeto de estudo o tempo. Mas definir o
que ele representa na história é das questões mais complexas dessa ciência, pois o ‘tempo da
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história’, ou o regime de historicidade, está em permanente evolução”. (CADIOU... [et al],
2007, p. 154).
Iniciemos pela negação. Ou seja, o tempo não é igual em todos os espaços, em todas as
objetividades e subjetividades. O tempo não é natural, nem espontâneo, tampouco
ininterrupto.
O tempo é uma construção mental, por isso deve se levar em conta os
imperativos sociais e naturais ao conceber as longas durações, as curtas durações, as
permanências, as rupturas, e mesmo as transformações. O passado é o fomento do tempo e da
História em si, pois sem ele - o passado - não há história. É necessário localizar os
acontecimentos históricos em seus determinados tempos. Portanto: “Podemos afirmar que os
historiadores de hoje se interessam pela maneira como o tempo é vivido, seja ele como
memória, compreensão do passado [...]”. (CADIOU... [et al], 2007, p. 171).
2. Processo Histórico
O sentido da História não está em verdades absolutas, mas nas verdades pertinentes aos
fatos históricos, quer nos momentos da escrita ou na análise dos mesmos. Neste contexto a
pertinência da História se dá na análise dos processos históricos. Como explica
Ciro
Flamarion Cardoso:
Os processos históricos são sempre únicos, mas iluminam em perspectiva – quando
focalizamos adequadamente – as condições comuns a todos eles, ou a um certo
número (ao mesmo tempo, já o disséramos, o conhecimento do que é comum ajuda a
perceber melhor as especificidades irredutíveis de cada caso ou processo). Em outras
palavras, a busca das leis de organização e mudança das sociedades humanas –
objetivo último das ciências sociais no seu conjunto, e condição necessária das
desejadas previsibilidade e formas científicas de intervenção no social – passa
necessariamente pelo conhecimento da História. (CARDOSO, 1981, p. 107)
No embate das ações humanas, constituem-se as regularidades, as uniformidades, as
rupturas das formações sociais. Em realidade, o passado humano é uma junção de
comportamentos profundamente interligados, mesmo que na maioria das vezes não nos damos
conta disso. Já os registros dos acontecimentos são definidos pelos homens de maneira
consciente e racional. No entanto, deve-se registrar que a conceituação do processo histórico é
obra dos estudiosos, portanto depende das posturas teórico-metodológicas.
3. Sujeito
A construção da história não é resultado da ação imediata de figuras fabricadas, de
destaque, de grupos de figuras heróicas, enfim. Mas o tecido da história é constituído pela
ação dos diferentes atores sociais, em tempos e espaços diferentes, que se encontram /
5358
encontraram em diferentes condições para fazer história, e que nem sempre fizeram / fazem
nos moldes que gostariam de fazer, mas em condições estritamente impostas.
Perceber a complexidade das relações sociais, presentes no cotidiano e na
organização social mais ampla, permite indagar qual o lugar que o indivíduo ocupa
na trama da História ecomo são construídas as identidades pessoais e as sociais em
dimensão temporal. Os sujeitos históricos, que se configuram na inter-relação
complexa, duradoura e contraditória das identidades sociais e pessoais, são os
verdadeiros construtores da História. Assim, é necessário acentuar que a trama da
História não é o resultado apenas da ação de figura de destaque, consagradas pelos
interesses explicativos de grupos, mas consequência das construções conscientes ou
inconscientes, paulatinas e imperceptíveis, de todos os agentes sociais, individuais
ou coletivos.
Conceber a História como resultado da ação de sujeitos históricos significa não
atribuir o desenrolar do processo como vontade de instituições, tais como o estado,
os países, a escola etc, ou como resultante do jogo de categorias de analise (ou
conceitos): sistema, capitalismo, socialismo etc. É perceber também a trama
histórica não se localiza nas ações individuais, mas no embate das relações sociais
no tempo. (Parâmetros Curriculares Nacionais, 2002, p.20)
Esta percepção situa-se nas relações sociais presentes no cotidiano, mas também no
contexto social mais amplo, dependendo do lugar que o sujeito ocupa na história, serão
construídas as identidades sociais e pessoais.
4. Cultura
A cultura é uma forma de expressão da realidade, que se faz de forma simbólica, isto
significa que os sentidos se entrelaçam nas palavras e as ações nos atores sociais.
A cultura, entendida no âmbito das ciências sociais, em especial da História e da
Antropologia, enriquece as fontes de análise, de modo a concebê-la como sendo todas as
manifestações e realizações materiais e imateriais de determinada povo.
Cultura é todo um complexo de conhecimentos e toda habilidade humana
empregada socialmente. Além disso, é também todo comportamento aprendido, de
modo independente da questão biológica. [...] Em todo universo cultural, há regras
que possibilitam aos indivíduos viver em sociedade, nessa perspectiva, cultura
envolve todo cotidiano dos indivíduos. Assim, os seres humanos só vivem em
sociedade devido à cultura. (SILVA; SILVA, 2006, p. 85-86).
5. Memória
Mnemosine, deusa grega e mãe de nove musas filhas de Zeus. A memória na cultura
clássica grega representava a recordação dos grandes feitos e dos heróis.
5359
A memória na história é responsável por guardar e conservar informações. Ao longo do
tempo a memória foi penetrada por diversos interesses, na religião no período medieval
durante o processo de cristianização, ou nos nacionalismos do século XIX.
A memória pode ser individual ou coletiva, ambas são arquivos de fatos /
acontecimentos históricos. No que tange a memória coletiva ela pode propiciar liberdade ou
mesmo significar instrumento de coerção e poder por parte de grupos dominantes.
A memória oral tem por objetivo ‘lembrar o que os outros esqueceram’ e a escrita
recordar as manifestações registradas. De acordo com Le Goff: “A memória, na qual cresce a
história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao
futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para
a servidão dos homens”. (LE GOFF, 2003, p. 471)
6. Classe social
Marx definiu classe social como a posição comum de um conjunto de indivíduos no
interior das relações sociais de produção. Para ele, classe era um grupo social com
uma função específica no processo produtivo. Por exemplo, os proprietários de terra,
os capitalistas e os trabalhadores constituem classes distintas. Cada um deles ocupa
um lugar específico no processo de produção: uns possuem terras, outros, o capital,
e os trabalhadores, a habilidade do trabalho. As diferentes funções dão a cada classe
interesses conflitantes, além de ideias e maneiras de agir diferentes. A História, por
sua vez, seria o relato desses conflitos. Nesse sentido, a tradição marxista tende a
conceituar classe com base no lugar que cada grupo ocupa na economia. (SILVA;
SILVA, 2006, p. 63)
Mesmo tendo presente as abordagens culturalistas para a História, em fins do século
XX, o conceito de classe permanece vivo, como também cada vez mais necessário na
ciência histórica. Mas, é preciso ter cuidado em abordar tal conceito em sala de aula, para
não cometer anacronismos, pois nem todas as sociedades são divididas em classes e nem
todas as pessoas que pertencem à determinada classe social, agem como tal. Ou mesmo as
reivindicações políticas e comportamentos sociais são unicamente de indivíduos
pertencentes a uma mesma classe social.
7. Cidadania
Termo tão amplamente citado, para não dizer propalado por pessoas comuns,
governantes, políticos, legislações, etc. O conceito e a concretude de cidadania não são iguais
5360
em todos os lugares do mundo, basta observar a formação da sociedade brasileira ao longo da
história, ou seja, ser cidadão em um país de capitalismo (imperialista) central como, por
exemplo, a Suíça, Estados Unidos, Itália, entre outros, não adquire as mesmas conotações, ou
os mesmos moldes que sermos cidadãos em países de capitalismo periférico, como a maioria
dos países africanos, sudeste asiático ou latino-americano.
Ser cidadão, para as minorias excluídas - mulheres, negros, indígenas, homossexuais,
imigrantes, etc - significa enfrentar governos, grupos econômicos, neonazistas, fascistas,
poderes, instituições, na luta para ser realmente aceito e respeitado enquanto cidadão.
O conceito atual de cidadania é resultante das Revoluções Burguesas do século XVIII,
que culminaram com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e reeditados pela
ONU em 1948. Mesmo que tais direitos declarados não valham para todos os povos e nações.
Cidadania, assim entendida: “[...] Como um complexo de direitos e deveres atribuídos aos
indivíduos que integram uma nação, complexo que abrange direitos políticos, sociais e civis”.
(SILVA; SILVA, 2006, p. 47).
Pensando a especificidade da história, no que se refere às discussões acadêmicas,
elaboramos uma análise sobre a importância da história regional, tendo presente seus marcos
teóricos.
1.2. A história regional
Sob o enfoque da temática História e região, realizaremos uma análise de textos que
dizem respeito à mesma, tendo sempre a noção de conceitos de local, regional, estadual,
nacional, global, interligados entre si e voltados para o espaço das diversas e diferentes
identidades.
Remetermo-nos à História Regional hoje: mostra-se como um desafio, pois as
problemáticas que envolvem a temática são recentes na produção historiográfica brasileira. A
partir da crise de paradigma, em que a mudança epistemológica historiográfica volta-se ao
estudo do real vivido pelos indivíduos nos diferentes tempos históricos, traz à tona o estudo
do Regional perante o Global, o que havia sido relegado pela história tradicional/factual,
quando esta negava a existência da maior parcela dos sujeitos sociais como parte integrante da
história. Realizando-se uma história global, sem ter presente suas especificidades, atendendo
somente aos interesses dos “grandes homens”, quer em suas conquistas ou derrotas.
Esta ruptura, em torno do equilíbrio do paradigma Iluminista, traz consigo a análise e a
compreensão da História Regional. O marxismo e os Annales, em seu método científico no
5361
que se refere à história, partiram do paradigma Iluminista. O primeiro (marxista) apregoa
uma história científica e racional, na ambição holística e dinâmica das sociedades com uma
vinculação epistemológica dialética entre presente e passado. Encontra-se uma contradição
dialética, reconhecida pelo materialismo histórico marxista que se dá entre o homem e a
natureza. Ambos possuem movimento dialético autodeterminado, mas, por outro lado,
vinculados um ao outro. O segundo, (Annales) caracteriza a História como uma ciência em
construção, com conceitos, métodos, problemáticas e técnicas, numa síntese histórica global
do todo social, voltada para os aspectos coletivos, percorrendo todos os tipos de fontes
(escrita, oral, vestígios…), a utilização da temporalidade, a preocupação com o espaço,
trazendo presente a tradição francesa da história regional, a história ciência do passado e
presente.
Situamos a Revolução Francesa (1789), onde instituíram-se os direitos dos cidadãos,
independente de qualquer origem social, como momento em que vem à tona o regionalismo
francês. Este, para Anne-Marie Thiesse, “desempenha na história francesa um papel de
consolidação da identidade nacional, relegado com freqüência ao segundo plano, mas
subitamente colocado em evidência nos períodos de crise intensa”.
(THIESSE, 1995, p. 5)
Com a preocupação na historiografia francesa em estudar o regional, já então no final
do século XIX, este passa a ser o alvo da intelectualidade, que propunha uma discussão mais
acentuada em torno do tema. Anne-Marie Thiesse prossegue dizendo que “O regionalismo
estava assim em toda parte, de preferência com um tom festivo e brilhante. Nos 1900 – 1930
desenvolveu-se uma importante produção literária regionalista, que alcançou grande sucesso
junto ao grande público”. (THIESSE, 1995, p. 8)
Ressaltamos que, região e regionalismo não são sinônimos, possuem diferenças que
serão estabelecidas no decorrer do presente texto. Pretende-se trilhar caminhos que começam
a ser globais em torno da problemática da História Regional. Para isso é elementar tentarmos
conceituar Região.
Na Antiguidade – regione – era uma denominação utilizada para designar áreas que,
ainda que dispusessem de uma administração local, estavam subordinadas às regras gerais e
hegemônicas do poder central romano. No período Medieval, as subdivisões regionais,
espaciais, são do poder autônomo dos feudos, a Igreja reforçou esse tipo de divisão do espaço.
Na Idade Moderna, a relação esta entre a centralização e a uniformização administrativa, que
determinam a diversidade espacial, seja ela física, cultural, econômica e política. Na Idade
Contemporânea, ocorre a redefinição do papel do Estado, a quebra dos pactos territoriais, o
ressurgimento das questões regionais e a manifestação dos nacionalismos e regionalismos.
5362
Estas
definições
para
a
periodização
européia
da
História
mostram
a
maleabilidade/flexibilidade, de como fatores, sejam políticos, econômicos ou sociais agiam
sobre o regional/local, desvinculando-o de seu contexto maior e vice-versa. Iná Elias de
Castro assim define região:
A região é, então, uma fração estruturada do espaço territorial. Por constituir uma
estrutura, ela possui uma identidade que permite diferenciá-la de seu entorno. Essa
personalidade regional possibilita a sua delimitação a partir da compreensão da
especificidade que ela contém. [...] A região é, portanto, concreta, observável e
delimitável. Como qualquer segmento do espaço é dinâmica, historicamente
construída e, faz parte da totalidade social. Portanto, suas características internas são
determinadas e determinantes da sua interação com o todo. (CASTRO, 1989, p. 389404)
A região mostra-se como o espaço da sociedade local, interagindo com a sociedade
global, porém de forma diferenciada, ela é historicamente construída, possuindo uma
identidade própria, faz parte de um espaço territorial, uma totalidade social, possui
características determinadas e determinantes que interagem com o todo. Não existe
isoladamente, e encontra-se em todas as instâncias, até mesmo nas político–administrativas.
Conforme Vera Alice Cardoso Silva:
A região só se entende, então, metodologicamente falando, como parte de um sistema
de relações que ela integra. Deve, portanto, ser definida por referência ao sistema que
fornece seu princípio de identidade. Assim, pode-se falar tanto de uma região no
sistema internacional, como de uma região dentro do estado nacional, ou dentro de
uma das unidades de um sistema político federativo. Pode-se, falar igualmente de uma
região cujas fronteiras não coincidam com fronteiras políticas juridicamente
definidas. (SILVA, 1990, p. 43)
São as identidades que diferenciam e singularizam a região: o espaço de identidades
comuns à própria construção histórica das identidades. Não é somente o espaço geográfico,
mas o conjunto de relações estabelecidas na sociedade. Segundo Paulo César da Costa
Gomes, “… é necessário que o pesquisador se aproxime, conviva e indague à própria região
sobre sua identidade”. (GOMES, 1995, p.57). Ocorre a aproximação do pesquisador com os
indivíduos, para desvendar as dinâmicas de suas manifestações, que lhes são próprias e dizem
respeito somente à sua região.
Uma região não começa ou termina, tendo por base uma linha imaginária, estabelecida
politicamente ou fisicamente, logo, delimitar região só é possível, pelas estruturas de classe,
entre outros elementos. Para Claúdia Maria Ribeiro Viscardi: “A identidade regional é, pois,
um produto da construção humana”. (VISCARDI, 1995, p.84)
Enquanto categoria, a região de acordo com Newton Luis Garcia Carneiro, busca
“definir traços culturais, simbólicos, econômicos, políticos, etc”, (CARNEIRO, 2000, p. 25)
5363
que constituem um espaço-histórico, onde a sociedade local interage com a global, numa
construção humana – social, em território determinado. Nestas perspectivas, reforça Iná Elias
de Castro “as questões setoriais e locais adquirem maior visibilidade quando encaminhadas
como regionais”. (CASTRO, 1989, p. 402)
O espaço local na história regional associa-se ao âmbito da temporalidade para
melhor compreensão do indivíduo. Logo, a totalidade mostra-se como a soma dos fragmentos
suscetíveis de serem estudados em nível regional.
A noção de lugar pode assim ser definida, Segundo Laura Maria Silveira:
O lugar não é um fragmento, é a própria totalidade em movimento que, através do
evento, se afirma e se nega, modelando um subespaço do espaço global… É, aliás, o
outro da totalidade, porque o lugar se transforma numa totalidade parcial… que está
ligada a todas as outras totalidades parciais, mas sempre via totalidade global.
(SILVEIRA, 1994, p. 95)
Com isso os indivíduos/homens, estão sempre presentes e como elementos fazendo
parte de qualquer estrutura em movimento. Pensar o lugar, enquanto espaço concreto dos
sujeitos na história é permitir a articulação entre a fragmentação e a globalização na
possibilidade de continuidade da emergência da vida humana. Para Ana Fani Alessandri
Carlos:
O lugar permitiria desvendar a sociedade atual na medida em que aponta para a
globalidade. Enquanto parcela do espaço, enquanto construção social, o lugar abre
perspectiva para se pensar o viver e o habitar, o uso e o consumo, os processos de
apropriação do espaço. Ao mesmo tempo, posto que preenchido, por múltiplas
coações, expõe as pressões que se exercem em todos os níveis. (CARLOS In:
SANTOS, 1994, p.303)
Isto é, o lugar possui em seu significado a relação entre os indivíduos e os processos
globais das sociedades contemporâneas.
Na abordagem conceitual, destacamos o regionalismo como mobilização política de
grupos dominantes de uma região, em defesa de interesses específicos, em relação a outros
grupos dominantes de outras regiões ou ao próprio Estado, isto é, ele expressa relações
políticas entre as regiões ou com o poder central, mobilizado por grupos particulares, onde
geralmente preservam sua posição de poder e de exploração em relação aos outros grupos,
sendo absorvida coletivamente, isto é, comum a todos. Nesse sentido, Iná Elias de Castro
afirma que: “O regionalismo constitui a expressão das relações políticas entre as regiões ou
destas com o poder político econômico ou cultural”. (CASTRO, 1989, p. 392)
5364
Regionalismo sob os caracteres políticos, econômicos, ideológicos e culturais de
grupos em defesa de seus interesses, que visam tornar comum estes aspectos para assim
evidenciar-se e efetivar-se como vencedores ou derrotados. Joseph Love assim conceitua
regionalismo:
Regionalismo é definido como um comportamento (político) caracterizado, de um
lado, pela aceitação de uma unidade política mais abrangente, mas, de outro, pela
busca de um certo favoritismo e de uma certa autonomia, de decisão (em matéria
política e econômica) mesmo ao risco de pôr em, perigo a legitimidade do sistema
político vigente. (LOVE, 1992, p 35).
Enquanto mobilização social, no regionalismo busca-se autonomia frente a grupos que
dominam, seja no campo político ou econômico, além de propiciar a introdução de novos
sujeitos ou grupos nos processos políticos que os envolvem.
O espaço, nesta análise regional que geralmente conduz ao regionalismo, não é
meramente físico, mas sim cultural, social, político e ideológico, portanto, este espaço
interage e comunica-se com os indivíduos. A ciência histórica passará então a moldar através
de identidades comuns, sua base espacial/territorial concreta. Conforme enfatiza Rosa Maria
Godoy Silveira:
Milton Santos conceitua o Espaço como um fato social, produto da ação humana,
uma natureza socializada que por sua vez, interfere no processo social, não apenas
pela carga de historicidade passada, mas também pela carga inerente de
historicidade possível de ser construída, na medida que é instância de determinação
no movimento do real, de transformação deste último, em outras palavras, de
determinação na história, a ser constituída. (SILVEIRA, 1990, p. 17)
Este geógrafo brasileiro foi quem mais aprofundou, em nível crítico, o teórico e o
prático do conceito de espaço, vinculado às ações humanas nos processo sociais na construção
da história. Segundo Júlia Bernardes: “Assim, estamos de acordo com SANCHEZ e
SANTOS, que consideram que o espaço deve ser visto como uma instância junto com a
econômica, a político-institucional e a ideológico-cultural na articulação da sociedade,
desempenhando um papel importante na explicação dos processos sociais”. (BERNARDES
In: CASTRO, 1989, p.244)
Considerando para este espaço o fato social, as relações entre os homens passam a
constituir-se como instrumento de manipulação por parte dos grupos dominantes, onde o fator
econômico apresenta-se como a base da sociedade.
Iná Elias de Castro define o espaço, “enquanto produto e mediador de relações sociais
[...] O espaço é produzido pelas relações sociais”. .Aqui deixamos explícito que cada grupo
5365
social transforma, produz o seu próprio espaço, num determinado território. A mesma autora
refere-se ao território, enquanto: “Suporte estabelecido pela natureza sobre o qual uma
sociedade se organiza [...], é um condicionamento inescapável das relações sociais e das
inovações que elas propõem [...], o território é uma unidade geográfica, mas também é uma
unidade social, é uma unidade política”. (CASTRO, 1989, p.390)
Em outros termos, o território é o suporte estabelecido pela natureza, sobre o qual a
sociedade cria e organiza o seu espaço, é unidade geográfica, social, política, relacionado a
questões de poder (domínio político).
Enfatiza Marcelo José Lopes de Souza: “O território […], é fundamentalmente um
espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder”. (SOUZA In: CASTRO,
1989, p.78). Com isso ele é parte integral do espaço social, que vai além do Estado-Nação.
Uma vez que as relações de poder não são as mesmas igualitárias, mas possuem
especificidades próprias de cada local, seja ele, regional, nacional ou mundial.
Munidos destes conceitos, passamos a compreensão da História Regional que segundo
Claúdia Maria Ribeiro Viscardi “não se constitui em um método e nem possui um corpo
teórico próprio. É uma opção de recorte espacial do objeto estudado”. (VISCARDI, 1995,
p.84).
Não é dada a priori, porém na dinâmica do local (parte) para o contexto maior (todo),
ela passa a testar a validade das grandes teorias homogenizadoras. A História Regional busca
detectar nas continuidades e descontinuidades os processos de mudanças econômicas e
sociais, utilizando estudos comparativos para a (re) construção e mesmo revisão de teorias.
Atualmente, o enfoque sobre história regional em nível nacional (Brasil) ou
internacional, sugere a discussão acerca da visão microscópica para o estudo da história. Esta
análise traz mais segurança ao pesquisador que busca verificar e tornar plausível suas
pesquisas.
Ir ao encontro de elementos que constituem e expliquem a realidade vinculada às
identidades dos sujeitos históricos, para assim tornar o conhecimento, o saber acessível à
humanidade, adequando-o na busca da almejada liberdade em todos os seus espaços.
A História, assim como as demais ciências sociais, passa por mudanças significativas
em sua episteme e acompanhar este processo mutável faz parte do ofício de cientistas e
pesquisadores sociais. A inserção cada vez maior do termo “região” em análises locais,
regionais, nacionais e mundiais, sem dúvidas contribui para o entendimento de questões que a
história tradicional não se preocupou. No presente o macro só existe em função do micro, as
grandes sínteses só podem partir das sínteses locais e vice–versa. Para compreendermos o
5366
todo, só partindo das partes que visam o todo. Em suma, a História Regional é constituída
pelos indivíduos com suas identidades locais associadas a outros espaços, como o nacional, o
internacional e outros contextos, que produzem a História da humanidade.
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