DOI: 10.4025/4cih.pphuem.648 HISTÓRIA: APROPRIAÇÃO DE SABERES Maria de Lurdes Pertile Professora da Unochapecó /SC Renilda Vicenzi Professora Senai Chapecó /SC 1.1.Elementos para a compreensão da história A tônica principal do ensino de História não se resume em fixar determinados conteúdos. A própria Lei de Diretrizes e Bases - LDB no 9394/96, artigo 22, preza por: “[...] desenvolver o educando, assegurar-lhe formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.” A História enquanto disciplina escolar tem de oferecer meios e instrumentos para que o estudante possa pensar historicamente, para que aproprie-se, utilize-se e processe informações, para que se condicione a participar do processo histórico. Desenvolver as habilidades e competências para aprender e construir conhecimentos, são valores e princípios pedagógicos pelos quais os professores devem pautar-se. Não se pode separar, por exemplo, o processo de aprendizagem dos conteúdos disciplinares do processo de participação dos alunos, nem desvincular as disciplinas da realidade atual. Os conteúdos disciplinares não surgem do acaso. Deveriam ser fruto da interação dos grupos sociais com a realidade cultural. Por outro lado, as novas gerações não podem prescindir do conhecimento acumulado socialmente e organizado nas disciplinas, sob pena de estarmos sempre ‘redescobrindo a roda’. Também não é possível descartar a presença dos alunos com seus interesses, suas concepções, sua cultura, principal motivo de existência da escola. (LEITE, 1996, p. 29). Recai sobre a escola e professores o cuidado para com a seleção e organização de conteúdos. É compreensível que a História não tem por obrigação somente transmitir conhecimentos, como também é impossível dar a conhecer todo o acúmulo cultural historicamente construído pela humanidade e criticamente problematizá-lo na academia. Daí a necessidade de seleções e de opções teórico-metodológicas. Nas Orientações Curriculares Nacionais, a contextualização é assim entendida: [...] Os conhecimentos produzidos pelos estudiosos da História e do ensino de História, no âmbito das universidades, por exemplo, são referências importantes para a construção dos conhecimentos escolares na dimensão da sala de aula. No 5356 entanto imprescindível que a seleção da narrativa histórica consagrada pela historiografia esteja relacionada aos problemas concretos que circundam os alunos das diversas escolas que compõem o sistema escolar. (ORIENTAÇÕES CURRÍCULARES PARA O ENSINO MÉDIO, 2006, p.69) Os conteúdos selecionados assumem posição central nos processos de ensino, visto que estão intimamente relacionados com o desenvolvimento de capacidades e habilidades. Portanto, são superiores às meras informações, pois conduzem aos valores, às atitudes, às normas. A forma clássica de organização de conteúdos históricos consiste na divisão linear das temporalidades - História Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea – na sequencialidade. Atualmente existem várias experiências de superação dos critérios exclusivamente cronológicos. É o exemplo da História Temática, cujo fio condutor é a contextualização dos fatos históricos através de problematizações, de envolvimento na trama que constrói a história, na relação da concretude do mundo, para com o mundo da cultura do sujeito que aprende. A História e seus conceitos fundamentais: A história está sempre no centro das controvérsias. De que assuntos devem tratar? Os acontecimentos apenas, ou também os desígnios da providência, os progressos da humanidade, os fenômenos repetitivos, as estruturas? Deve por a tônica da continuidade ou, pelo contrário, nas revoluções, nas rupturas, nas catástrofes? Deve ocupar-se prioritariamente dos indivíduos promovidos ao papel de herói ou de massa? De quem tem poder e autoridade no Estado ou na Igreja ou, ao contrário, dos camponeses, do proletariado, dos burgueses, da população no seu conjunto e de todas as classes que a compõe? [...] O debate sobre a história que promove todas estas interrogações e ainda outras procede da Antiguidade e tem todas as possibilidades de se prolongar no futuro. (LE GOFF, 2003, p. 17-18) Sendo a História a ciência dos indivíduos humanos em diferentes espaços e tempos, esta pressupõe a necessidade e a existência de conceitos básicos como: tempo, processo histórico, sujeito, cultura, cidadania, classe social. Entre as principais destacamos a seguir os que consideramos relevantes para compreensão da História: 1. Tempo Durante muito tempo a história foi concebida pela noção de tempo atemporal, era um tempo histórico imóvel. Foi a partir do século XVIII que surge a nova concepção de tempo: “Como conhecimento do passado, a história tem por objeto de estudo o tempo. Mas definir o que ele representa na história é das questões mais complexas dessa ciência, pois o ‘tempo da 5357 história’, ou o regime de historicidade, está em permanente evolução”. (CADIOU... [et al], 2007, p. 154). Iniciemos pela negação. Ou seja, o tempo não é igual em todos os espaços, em todas as objetividades e subjetividades. O tempo não é natural, nem espontâneo, tampouco ininterrupto. O tempo é uma construção mental, por isso deve se levar em conta os imperativos sociais e naturais ao conceber as longas durações, as curtas durações, as permanências, as rupturas, e mesmo as transformações. O passado é o fomento do tempo e da História em si, pois sem ele - o passado - não há história. É necessário localizar os acontecimentos históricos em seus determinados tempos. Portanto: “Podemos afirmar que os historiadores de hoje se interessam pela maneira como o tempo é vivido, seja ele como memória, compreensão do passado [...]”. (CADIOU... [et al], 2007, p. 171). 2. Processo Histórico O sentido da História não está em verdades absolutas, mas nas verdades pertinentes aos fatos históricos, quer nos momentos da escrita ou na análise dos mesmos. Neste contexto a pertinência da História se dá na análise dos processos históricos. Como explica Ciro Flamarion Cardoso: Os processos históricos são sempre únicos, mas iluminam em perspectiva – quando focalizamos adequadamente – as condições comuns a todos eles, ou a um certo número (ao mesmo tempo, já o disséramos, o conhecimento do que é comum ajuda a perceber melhor as especificidades irredutíveis de cada caso ou processo). Em outras palavras, a busca das leis de organização e mudança das sociedades humanas – objetivo último das ciências sociais no seu conjunto, e condição necessária das desejadas previsibilidade e formas científicas de intervenção no social – passa necessariamente pelo conhecimento da História. (CARDOSO, 1981, p. 107) No embate das ações humanas, constituem-se as regularidades, as uniformidades, as rupturas das formações sociais. Em realidade, o passado humano é uma junção de comportamentos profundamente interligados, mesmo que na maioria das vezes não nos damos conta disso. Já os registros dos acontecimentos são definidos pelos homens de maneira consciente e racional. No entanto, deve-se registrar que a conceituação do processo histórico é obra dos estudiosos, portanto depende das posturas teórico-metodológicas. 3. Sujeito A construção da história não é resultado da ação imediata de figuras fabricadas, de destaque, de grupos de figuras heróicas, enfim. Mas o tecido da história é constituído pela ação dos diferentes atores sociais, em tempos e espaços diferentes, que se encontram / 5358 encontraram em diferentes condições para fazer história, e que nem sempre fizeram / fazem nos moldes que gostariam de fazer, mas em condições estritamente impostas. Perceber a complexidade das relações sociais, presentes no cotidiano e na organização social mais ampla, permite indagar qual o lugar que o indivíduo ocupa na trama da História ecomo são construídas as identidades pessoais e as sociais em dimensão temporal. Os sujeitos históricos, que se configuram na inter-relação complexa, duradoura e contraditória das identidades sociais e pessoais, são os verdadeiros construtores da História. Assim, é necessário acentuar que a trama da História não é o resultado apenas da ação de figura de destaque, consagradas pelos interesses explicativos de grupos, mas consequência das construções conscientes ou inconscientes, paulatinas e imperceptíveis, de todos os agentes sociais, individuais ou coletivos. Conceber a História como resultado da ação de sujeitos históricos significa não atribuir o desenrolar do processo como vontade de instituições, tais como o estado, os países, a escola etc, ou como resultante do jogo de categorias de analise (ou conceitos): sistema, capitalismo, socialismo etc. É perceber também a trama histórica não se localiza nas ações individuais, mas no embate das relações sociais no tempo. (Parâmetros Curriculares Nacionais, 2002, p.20) Esta percepção situa-se nas relações sociais presentes no cotidiano, mas também no contexto social mais amplo, dependendo do lugar que o sujeito ocupa na história, serão construídas as identidades sociais e pessoais. 4. Cultura A cultura é uma forma de expressão da realidade, que se faz de forma simbólica, isto significa que os sentidos se entrelaçam nas palavras e as ações nos atores sociais. A cultura, entendida no âmbito das ciências sociais, em especial da História e da Antropologia, enriquece as fontes de análise, de modo a concebê-la como sendo todas as manifestações e realizações materiais e imateriais de determinada povo. Cultura é todo um complexo de conhecimentos e toda habilidade humana empregada socialmente. Além disso, é também todo comportamento aprendido, de modo independente da questão biológica. [...] Em todo universo cultural, há regras que possibilitam aos indivíduos viver em sociedade, nessa perspectiva, cultura envolve todo cotidiano dos indivíduos. Assim, os seres humanos só vivem em sociedade devido à cultura. (SILVA; SILVA, 2006, p. 85-86). 5. Memória Mnemosine, deusa grega e mãe de nove musas filhas de Zeus. A memória na cultura clássica grega representava a recordação dos grandes feitos e dos heróis. 5359 A memória na história é responsável por guardar e conservar informações. Ao longo do tempo a memória foi penetrada por diversos interesses, na religião no período medieval durante o processo de cristianização, ou nos nacionalismos do século XIX. A memória pode ser individual ou coletiva, ambas são arquivos de fatos / acontecimentos históricos. No que tange a memória coletiva ela pode propiciar liberdade ou mesmo significar instrumento de coerção e poder por parte de grupos dominantes. A memória oral tem por objetivo ‘lembrar o que os outros esqueceram’ e a escrita recordar as manifestações registradas. De acordo com Le Goff: “A memória, na qual cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens”. (LE GOFF, 2003, p. 471) 6. Classe social Marx definiu classe social como a posição comum de um conjunto de indivíduos no interior das relações sociais de produção. Para ele, classe era um grupo social com uma função específica no processo produtivo. Por exemplo, os proprietários de terra, os capitalistas e os trabalhadores constituem classes distintas. Cada um deles ocupa um lugar específico no processo de produção: uns possuem terras, outros, o capital, e os trabalhadores, a habilidade do trabalho. As diferentes funções dão a cada classe interesses conflitantes, além de ideias e maneiras de agir diferentes. A História, por sua vez, seria o relato desses conflitos. Nesse sentido, a tradição marxista tende a conceituar classe com base no lugar que cada grupo ocupa na economia. (SILVA; SILVA, 2006, p. 63) Mesmo tendo presente as abordagens culturalistas para a História, em fins do século XX, o conceito de classe permanece vivo, como também cada vez mais necessário na ciência histórica. Mas, é preciso ter cuidado em abordar tal conceito em sala de aula, para não cometer anacronismos, pois nem todas as sociedades são divididas em classes e nem todas as pessoas que pertencem à determinada classe social, agem como tal. Ou mesmo as reivindicações políticas e comportamentos sociais são unicamente de indivíduos pertencentes a uma mesma classe social. 7. Cidadania Termo tão amplamente citado, para não dizer propalado por pessoas comuns, governantes, políticos, legislações, etc. O conceito e a concretude de cidadania não são iguais 5360 em todos os lugares do mundo, basta observar a formação da sociedade brasileira ao longo da história, ou seja, ser cidadão em um país de capitalismo (imperialista) central como, por exemplo, a Suíça, Estados Unidos, Itália, entre outros, não adquire as mesmas conotações, ou os mesmos moldes que sermos cidadãos em países de capitalismo periférico, como a maioria dos países africanos, sudeste asiático ou latino-americano. Ser cidadão, para as minorias excluídas - mulheres, negros, indígenas, homossexuais, imigrantes, etc - significa enfrentar governos, grupos econômicos, neonazistas, fascistas, poderes, instituições, na luta para ser realmente aceito e respeitado enquanto cidadão. O conceito atual de cidadania é resultante das Revoluções Burguesas do século XVIII, que culminaram com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e reeditados pela ONU em 1948. Mesmo que tais direitos declarados não valham para todos os povos e nações. Cidadania, assim entendida: “[...] Como um complexo de direitos e deveres atribuídos aos indivíduos que integram uma nação, complexo que abrange direitos políticos, sociais e civis”. (SILVA; SILVA, 2006, p. 47). Pensando a especificidade da história, no que se refere às discussões acadêmicas, elaboramos uma análise sobre a importância da história regional, tendo presente seus marcos teóricos. 1.2. A história regional Sob o enfoque da temática História e região, realizaremos uma análise de textos que dizem respeito à mesma, tendo sempre a noção de conceitos de local, regional, estadual, nacional, global, interligados entre si e voltados para o espaço das diversas e diferentes identidades. Remetermo-nos à História Regional hoje: mostra-se como um desafio, pois as problemáticas que envolvem a temática são recentes na produção historiográfica brasileira. A partir da crise de paradigma, em que a mudança epistemológica historiográfica volta-se ao estudo do real vivido pelos indivíduos nos diferentes tempos históricos, traz à tona o estudo do Regional perante o Global, o que havia sido relegado pela história tradicional/factual, quando esta negava a existência da maior parcela dos sujeitos sociais como parte integrante da história. Realizando-se uma história global, sem ter presente suas especificidades, atendendo somente aos interesses dos “grandes homens”, quer em suas conquistas ou derrotas. Esta ruptura, em torno do equilíbrio do paradigma Iluminista, traz consigo a análise e a compreensão da História Regional. O marxismo e os Annales, em seu método científico no 5361 que se refere à história, partiram do paradigma Iluminista. O primeiro (marxista) apregoa uma história científica e racional, na ambição holística e dinâmica das sociedades com uma vinculação epistemológica dialética entre presente e passado. Encontra-se uma contradição dialética, reconhecida pelo materialismo histórico marxista que se dá entre o homem e a natureza. Ambos possuem movimento dialético autodeterminado, mas, por outro lado, vinculados um ao outro. O segundo, (Annales) caracteriza a História como uma ciência em construção, com conceitos, métodos, problemáticas e técnicas, numa síntese histórica global do todo social, voltada para os aspectos coletivos, percorrendo todos os tipos de fontes (escrita, oral, vestígios…), a utilização da temporalidade, a preocupação com o espaço, trazendo presente a tradição francesa da história regional, a história ciência do passado e presente. Situamos a Revolução Francesa (1789), onde instituíram-se os direitos dos cidadãos, independente de qualquer origem social, como momento em que vem à tona o regionalismo francês. Este, para Anne-Marie Thiesse, “desempenha na história francesa um papel de consolidação da identidade nacional, relegado com freqüência ao segundo plano, mas subitamente colocado em evidência nos períodos de crise intensa”. (THIESSE, 1995, p. 5) Com a preocupação na historiografia francesa em estudar o regional, já então no final do século XIX, este passa a ser o alvo da intelectualidade, que propunha uma discussão mais acentuada em torno do tema. Anne-Marie Thiesse prossegue dizendo que “O regionalismo estava assim em toda parte, de preferência com um tom festivo e brilhante. Nos 1900 – 1930 desenvolveu-se uma importante produção literária regionalista, que alcançou grande sucesso junto ao grande público”. (THIESSE, 1995, p. 8) Ressaltamos que, região e regionalismo não são sinônimos, possuem diferenças que serão estabelecidas no decorrer do presente texto. Pretende-se trilhar caminhos que começam a ser globais em torno da problemática da História Regional. Para isso é elementar tentarmos conceituar Região. Na Antiguidade – regione – era uma denominação utilizada para designar áreas que, ainda que dispusessem de uma administração local, estavam subordinadas às regras gerais e hegemônicas do poder central romano. No período Medieval, as subdivisões regionais, espaciais, são do poder autônomo dos feudos, a Igreja reforçou esse tipo de divisão do espaço. Na Idade Moderna, a relação esta entre a centralização e a uniformização administrativa, que determinam a diversidade espacial, seja ela física, cultural, econômica e política. Na Idade Contemporânea, ocorre a redefinição do papel do Estado, a quebra dos pactos territoriais, o ressurgimento das questões regionais e a manifestação dos nacionalismos e regionalismos. 5362 Estas definições para a periodização européia da História mostram a maleabilidade/flexibilidade, de como fatores, sejam políticos, econômicos ou sociais agiam sobre o regional/local, desvinculando-o de seu contexto maior e vice-versa. Iná Elias de Castro assim define região: A região é, então, uma fração estruturada do espaço territorial. Por constituir uma estrutura, ela possui uma identidade que permite diferenciá-la de seu entorno. Essa personalidade regional possibilita a sua delimitação a partir da compreensão da especificidade que ela contém. [...] A região é, portanto, concreta, observável e delimitável. Como qualquer segmento do espaço é dinâmica, historicamente construída e, faz parte da totalidade social. Portanto, suas características internas são determinadas e determinantes da sua interação com o todo. (CASTRO, 1989, p. 389404) A região mostra-se como o espaço da sociedade local, interagindo com a sociedade global, porém de forma diferenciada, ela é historicamente construída, possuindo uma identidade própria, faz parte de um espaço territorial, uma totalidade social, possui características determinadas e determinantes que interagem com o todo. Não existe isoladamente, e encontra-se em todas as instâncias, até mesmo nas político–administrativas. Conforme Vera Alice Cardoso Silva: A região só se entende, então, metodologicamente falando, como parte de um sistema de relações que ela integra. Deve, portanto, ser definida por referência ao sistema que fornece seu princípio de identidade. Assim, pode-se falar tanto de uma região no sistema internacional, como de uma região dentro do estado nacional, ou dentro de uma das unidades de um sistema político federativo. Pode-se, falar igualmente de uma região cujas fronteiras não coincidam com fronteiras políticas juridicamente definidas. (SILVA, 1990, p. 43) São as identidades que diferenciam e singularizam a região: o espaço de identidades comuns à própria construção histórica das identidades. Não é somente o espaço geográfico, mas o conjunto de relações estabelecidas na sociedade. Segundo Paulo César da Costa Gomes, “… é necessário que o pesquisador se aproxime, conviva e indague à própria região sobre sua identidade”. (GOMES, 1995, p.57). Ocorre a aproximação do pesquisador com os indivíduos, para desvendar as dinâmicas de suas manifestações, que lhes são próprias e dizem respeito somente à sua região. Uma região não começa ou termina, tendo por base uma linha imaginária, estabelecida politicamente ou fisicamente, logo, delimitar região só é possível, pelas estruturas de classe, entre outros elementos. Para Claúdia Maria Ribeiro Viscardi: “A identidade regional é, pois, um produto da construção humana”. (VISCARDI, 1995, p.84) Enquanto categoria, a região de acordo com Newton Luis Garcia Carneiro, busca “definir traços culturais, simbólicos, econômicos, políticos, etc”, (CARNEIRO, 2000, p. 25) 5363 que constituem um espaço-histórico, onde a sociedade local interage com a global, numa construção humana – social, em território determinado. Nestas perspectivas, reforça Iná Elias de Castro “as questões setoriais e locais adquirem maior visibilidade quando encaminhadas como regionais”. (CASTRO, 1989, p. 402) O espaço local na história regional associa-se ao âmbito da temporalidade para melhor compreensão do indivíduo. Logo, a totalidade mostra-se como a soma dos fragmentos suscetíveis de serem estudados em nível regional. A noção de lugar pode assim ser definida, Segundo Laura Maria Silveira: O lugar não é um fragmento, é a própria totalidade em movimento que, através do evento, se afirma e se nega, modelando um subespaço do espaço global… É, aliás, o outro da totalidade, porque o lugar se transforma numa totalidade parcial… que está ligada a todas as outras totalidades parciais, mas sempre via totalidade global. (SILVEIRA, 1994, p. 95) Com isso os indivíduos/homens, estão sempre presentes e como elementos fazendo parte de qualquer estrutura em movimento. Pensar o lugar, enquanto espaço concreto dos sujeitos na história é permitir a articulação entre a fragmentação e a globalização na possibilidade de continuidade da emergência da vida humana. Para Ana Fani Alessandri Carlos: O lugar permitiria desvendar a sociedade atual na medida em que aponta para a globalidade. Enquanto parcela do espaço, enquanto construção social, o lugar abre perspectiva para se pensar o viver e o habitar, o uso e o consumo, os processos de apropriação do espaço. Ao mesmo tempo, posto que preenchido, por múltiplas coações, expõe as pressões que se exercem em todos os níveis. (CARLOS In: SANTOS, 1994, p.303) Isto é, o lugar possui em seu significado a relação entre os indivíduos e os processos globais das sociedades contemporâneas. Na abordagem conceitual, destacamos o regionalismo como mobilização política de grupos dominantes de uma região, em defesa de interesses específicos, em relação a outros grupos dominantes de outras regiões ou ao próprio Estado, isto é, ele expressa relações políticas entre as regiões ou com o poder central, mobilizado por grupos particulares, onde geralmente preservam sua posição de poder e de exploração em relação aos outros grupos, sendo absorvida coletivamente, isto é, comum a todos. Nesse sentido, Iná Elias de Castro afirma que: “O regionalismo constitui a expressão das relações políticas entre as regiões ou destas com o poder político econômico ou cultural”. (CASTRO, 1989, p. 392) 5364 Regionalismo sob os caracteres políticos, econômicos, ideológicos e culturais de grupos em defesa de seus interesses, que visam tornar comum estes aspectos para assim evidenciar-se e efetivar-se como vencedores ou derrotados. Joseph Love assim conceitua regionalismo: Regionalismo é definido como um comportamento (político) caracterizado, de um lado, pela aceitação de uma unidade política mais abrangente, mas, de outro, pela busca de um certo favoritismo e de uma certa autonomia, de decisão (em matéria política e econômica) mesmo ao risco de pôr em, perigo a legitimidade do sistema político vigente. (LOVE, 1992, p 35). Enquanto mobilização social, no regionalismo busca-se autonomia frente a grupos que dominam, seja no campo político ou econômico, além de propiciar a introdução de novos sujeitos ou grupos nos processos políticos que os envolvem. O espaço, nesta análise regional que geralmente conduz ao regionalismo, não é meramente físico, mas sim cultural, social, político e ideológico, portanto, este espaço interage e comunica-se com os indivíduos. A ciência histórica passará então a moldar através de identidades comuns, sua base espacial/territorial concreta. Conforme enfatiza Rosa Maria Godoy Silveira: Milton Santos conceitua o Espaço como um fato social, produto da ação humana, uma natureza socializada que por sua vez, interfere no processo social, não apenas pela carga de historicidade passada, mas também pela carga inerente de historicidade possível de ser construída, na medida que é instância de determinação no movimento do real, de transformação deste último, em outras palavras, de determinação na história, a ser constituída. (SILVEIRA, 1990, p. 17) Este geógrafo brasileiro foi quem mais aprofundou, em nível crítico, o teórico e o prático do conceito de espaço, vinculado às ações humanas nos processo sociais na construção da história. Segundo Júlia Bernardes: “Assim, estamos de acordo com SANCHEZ e SANTOS, que consideram que o espaço deve ser visto como uma instância junto com a econômica, a político-institucional e a ideológico-cultural na articulação da sociedade, desempenhando um papel importante na explicação dos processos sociais”. (BERNARDES In: CASTRO, 1989, p.244) Considerando para este espaço o fato social, as relações entre os homens passam a constituir-se como instrumento de manipulação por parte dos grupos dominantes, onde o fator econômico apresenta-se como a base da sociedade. Iná Elias de Castro define o espaço, “enquanto produto e mediador de relações sociais [...] O espaço é produzido pelas relações sociais”. .Aqui deixamos explícito que cada grupo 5365 social transforma, produz o seu próprio espaço, num determinado território. A mesma autora refere-se ao território, enquanto: “Suporte estabelecido pela natureza sobre o qual uma sociedade se organiza [...], é um condicionamento inescapável das relações sociais e das inovações que elas propõem [...], o território é uma unidade geográfica, mas também é uma unidade social, é uma unidade política”. (CASTRO, 1989, p.390) Em outros termos, o território é o suporte estabelecido pela natureza, sobre o qual a sociedade cria e organiza o seu espaço, é unidade geográfica, social, política, relacionado a questões de poder (domínio político). Enfatiza Marcelo José Lopes de Souza: “O território […], é fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder”. (SOUZA In: CASTRO, 1989, p.78). Com isso ele é parte integral do espaço social, que vai além do Estado-Nação. Uma vez que as relações de poder não são as mesmas igualitárias, mas possuem especificidades próprias de cada local, seja ele, regional, nacional ou mundial. Munidos destes conceitos, passamos a compreensão da História Regional que segundo Claúdia Maria Ribeiro Viscardi “não se constitui em um método e nem possui um corpo teórico próprio. É uma opção de recorte espacial do objeto estudado”. (VISCARDI, 1995, p.84). Não é dada a priori, porém na dinâmica do local (parte) para o contexto maior (todo), ela passa a testar a validade das grandes teorias homogenizadoras. A História Regional busca detectar nas continuidades e descontinuidades os processos de mudanças econômicas e sociais, utilizando estudos comparativos para a (re) construção e mesmo revisão de teorias. Atualmente, o enfoque sobre história regional em nível nacional (Brasil) ou internacional, sugere a discussão acerca da visão microscópica para o estudo da história. Esta análise traz mais segurança ao pesquisador que busca verificar e tornar plausível suas pesquisas. Ir ao encontro de elementos que constituem e expliquem a realidade vinculada às identidades dos sujeitos históricos, para assim tornar o conhecimento, o saber acessível à humanidade, adequando-o na busca da almejada liberdade em todos os seus espaços. A História, assim como as demais ciências sociais, passa por mudanças significativas em sua episteme e acompanhar este processo mutável faz parte do ofício de cientistas e pesquisadores sociais. A inserção cada vez maior do termo “região” em análises locais, regionais, nacionais e mundiais, sem dúvidas contribui para o entendimento de questões que a história tradicional não se preocupou. No presente o macro só existe em função do micro, as grandes sínteses só podem partir das sínteses locais e vice–versa. Para compreendermos o 5366 todo, só partindo das partes que visam o todo. Em suma, a História Regional é constituída pelos indivíduos com suas identidades locais associadas a outros espaços, como o nacional, o internacional e outros contextos, que produzem a História da humanidade. Referências Bibliográficas BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Média e Tecnológica. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: Ciências Humanas e suas Tecnologias. Brasília, 2006. ___________. Parâmetros curriculares nacionais para o ensino médio PCN+Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais – Ciências Humanas e suas Tecnologias. Brasília: MEC, 2002. ______________. Lei de Diretrizes e Bases da Educação n. 9394/96. Brasília, 2006. CARNEIRO, Newton Luis Garcia. A identidade inacabada. O regionalismo político no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Edipucrs, 2000. CASTRO, Iná Elias de. “Política e território: evidências da prática regionalista no Brasil”. In: Dados. Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, V.32, n.3, 1989, p. 389-404. CASTRO, Iná Elias de.GOMES, Paulo César da Costa. CORRÊA, Roberto Lobato (orgs). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. CARDOSO, Ciro Flamarion. Uma introdução à história. São Paulo: Brasiliense, 1984. CARDOSO, Ciro F. “História e paradigmas rivais”. In: CARDOSO, Ciro F & VAINFAS, Ronaldo (Orgs). Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p.1-23. CADIOU, François... [et al]. Como se faz a história: historiografia, método e pesquisa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. GOMES, Ângela de Castro. Política, História, Ciência, Cultura, etc. Estudos Históricos, RJ, vol. 9, n. 17, 1996, p. 59-84. LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Editora da Unicamp, 2003. LEITE, Lúcia Helena Alvarez. Pedagogia de projetos: intervenção no presente. In: Presença Pedagógica. Belo Horizonte. Ed. Dimensão, v. 2, n. 8, março/abril 1996. LOVE, Joseph. A Locomotiva. São Paulo na federação brasileira (1889-1937). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. SILVA, Vera Alice Cardoso. “Regionalismo: o enfoque metodológico e a concepção histórica”. In: SILVA, Marco A. da (Coord.). República em migalhas. História regional e local. São Paulo: Marco Zero, 1990, p. 43-50. SILVA, Vera Alice Cardoso. “Fontes de História regional: subsídios para estudos comparativos e temáticos”. Acervo. Rio de Janeiro, v.1, n.1, jan-jun. 1986, p. 83-93. 5367 SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2006. SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. “Região e história: questão de método”. In: SILVA, Marcos A. da (Coord.). República em migalhas. História regional e local. São Paulo: Marco Zero, 1990, p.17-42. THIESSE, Anne Marie. “La petite patrie enclose dans la grande: regionalismo e identidade regional na França durante a Terceira República (1870-1940)”. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 8, n.15, 1995, p. 3-16. VISCARDI, Claudia Maria Ribeiro. “História, Região e poder; a busca de interfaces metodológicas”. In: Lócus - revista de história. Juiz de Fora, v.3, n.1, p.84-97.