FUNDAMENTOS DA HISTÓRIA AMBIENTAL DO PLANALTO OCIDENTAL DO
ESTADO DE SÃO PAULO
Antonio Manoel dos Santos Oliveira
[email protected]
Universidade Guarulhos
Christian Brannstrom
[email protected]
Texas A&M University
Resumo
A história ambiental do interior do estado de São Paulo, mais especificamente o Planalto
Ocidental, que se inicia a cerca de 200 km a oeste da capital do estado e vai até o rio Paraná, na
fronteira com o Mato Grosso do Sul, com uma área aproximada de 126 mil km2, começou a ser
escrita praticamente só no começo do século XX, por força da ocupação das terras impulsionada
sobretudo pela economia do café.
Os fundamentos da história ambiental, tendo por pressuposto o homem como agente
geológico e o ambiente quaternário, como o ambiente sujeito às transformações decorrentes da
ocupação, correspondem na região, por um lado, à própria história da ocupação, suas fases e suas
concretizações (construção de estradas, abertura de terras para a lavoura, construção de cidades,
etc) marcadas por razões sócio-econômicas e, por outro, pela natureza do meio físico geológico,
expressa pelas relações existentes entre seus
principais componentes: rocha-relevo-solo-
cobertura vegetal-clima, caracterizadas na região, predominantemente, por arenitos – colinas –
latossolos/argissolos – florestas – clima tropical a temperado úmido .
São estes fundamentos que podem alicerçar as observações realizadas sobre as
transformações ambientais decorrentes da ocupação. Dos aspectos fundamentais, ocupação e
meio físico, destaca-se, como mecanismo principal, responsável pelas primeiras transformações,
a alteração do balanço hídrico provocado pelo desmatamento drástico da região e a
intensificação do escoamento d’água concentrado, superficial e subterrâneo.
Em cerca de 50 anos a região praticamente perdeu um dos componentes primitivos do
meio ambiente natural: o meio biótico, alterando profundamente o balanço hídrico. As
conseqüentes erosões provocaram o assoreamento dos fundos dos vales, formando depósitos
denominados tecnogênicos que, atualmente, passam por um processo de re-entalhe revelando
suas camadas que contem, da mesma forma que nas formações geológicas, elementos indicativos
da história desta primeira fase de ocupação.
1. Introdução
Os fundamentos da história ambiental podem ser definidos por dois conjuntos de
conhecimentos. O conhecimento do ambiente como se encontrava antes das alterações, que
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ocorreram na história ambiental considerada, e o conhecimento das ações humanas que as
provocaram tais alterações. O conhecimento do ambiente, antes de qualquer alteração
significativa causada pelo homem, refere-se, em geral, ao ambiente natural do quaternário, após
a última glaciação, ou última idade do gelo (Glaciação Würm) encerrada há cerca de 10.000
anos, que marca, segundo vários autores (Salgado-Labouriau, 1998), o início do Holoceno. Este
conhecimento contempla com maior ênfase as alterações climáticas e de vegetação como Ledru
et al (1998) e Behling (2002). Após os sucessivos ambientes naturais quarternários, os ambientes
transformados que se seguiram, alterados pelo homem referem-se, nas Américas, basicamente a
dois períodos, o período anterior e o posterior ao descobrimento, considerando-se que, no
primeiro, essas alterações corresponderam às ações dos povos indígenas e , no segundo, às dos
colonizadores europeus (Denevan, 1992; Dean, 1996; Denevan, 2001; Whitmore e Turner,
2002).
Neste artigo, a história do Planalto Ocidental do estado de São Paulo refere-se ao período
da ocupação realizada pelo europeu, não havendo ainda estudos suficientes, além de certas
suposições, que caracterizem as alterações provocadas pelos povos indígenas nessa região (Dean,
1996).
2. O Meio Físico Natural
O Planalto Ocidental do estado de São Paulo ocupa uma área de aproximadamente 126 mil
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km , desde cerca de 200 km a oeste da capital do estado (São Paulo) até o rio Paraná, na fronteira
com o estado do Mato Grosso do Sul. Este planalto foi moldado predominantemente em arenitos
do Grupo Bauru, cretácicos, e, secundariamente, em basaltos da Formação Serra Geral,
subjacente aos arenitos, ocorrendo nos fundos de alguns vales (IPT, 1981). Formações mais
recentes correspondem a depósitos aluvionares que ocorrem nos leitos dos maiores rios da
região. Os solos oriundos do arenito são principalmente de dois tipos: os latossolos vermelhos
de textura arenosa e os argissolos vermelho – amarelos de textura arenosa / média em relevos
suave – ondulados a ondulados. Os solos derivados dos basaltos, com ocorrência mais restrita
aos fundos dos vales, são latossolos vermelhos de textura argilosa (latossolos roxos) e nitossolos
vermelhos (terras – roxas estruturadas) (Oliveira et al. 1999).
O clima quente com inverno seco (Cwa de Koppen) com precipitações médias anuais da
ordem de 1000 mm. A precipitação máxima diária para períodos de retorno de 10 e 50 anos foi
estimada em 106,5 e 135,1 mm respectivamente (Vieira et al., 1991). Sob estas condições
climáticas, desenvolveu-se a cobertura vegetal da Mata Atlântica, constituída, na maior parte,
por floresta mesofítica semi-decídua (Salis et al., 1995; Torres, et al., 1997; Brannstrom, 2002).
Ocorriam também cerrado e cerradão em áreas mais restritas (Leitão, 1992; Victor, 1974).
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3. Ao encontro da história
O uso extensivo do solo iniciou sua marcha decisiva no Planalto Ocidental entre 1880 e
1910, comandada pelos cafeicultores, como prosseguimento do processo de ocupação de terras
por café que, principiando no estado do Rio de Janeiro, avançou pelo vale do Paraíba no estado
paulista e se dirigiu para o oeste do estado de São Paulo. Segundo Waibel (1955) esta região,
ainda no primeiro decênio do século XX, era desconhecida e povoada apenas por um pequeno
grupo de índios e intrusos. Entretanto, Monbeig (1984) levanta a suspeita de que as áreas que
ocorrem nos fundos dos vales, de cerradinho ou de quiçaça, ou seja, formações vegetais
secundárias, teriam sido obra dos índios, que instalaram suas aldeias junto aos cursos d’água.
Leite (1970) constatou que nas áreas da cujas matas foram derrubadas, quando abandonadas,
apresentam crescimento de uma vegetação pobre, sem correspondência com a original.
Mas as primeiras excursões do europeu, por exemplo os bandeirantes, também devem ter
contribuído para as alterações, mesmo sem qualquer motivo forte, como as testemunhadas por
Florence (1977), na década de 1820: “quando a gente por desenfado atira fogo aos campos ..”
Monbeig (1984) assinala que as condições naturais teriam ficado adormecidas, como
estiveram durante longos séculos de ocupação indígena, se o movimento colonizador não as
tivesse acionado.
Despertas pela colonização, estas condições foram traduzidas pelas
transformações para as novas condições, não naturais, humanizadas. A história começou assim a
ser escrita.
4. As condições históricas
Um encadeamento de fatores concorreu para a rápida colonização do interior do estado de
São Paulo, desde terras estrangeiras até o mais distante rincão do oeste paulista: a expansão do
consumo e a crescente importação do café pelos Europa e pela América do Norte; o aumento dos
capitais dos fazendeiros brasileiros que financiaram a construção de ferrovias; as imigrações de
europeus e asiáticos para trabalhar nas lavouras, assim como de nordestinos; etc. (Brannstrom,
1998). Como disse Monbeig (1984): “Desde o seu início, a marcha para oeste foi um episódio
da expansão da civilização capitalista, nas duas margens do Atlântico. Ambas não cessaram de
ser solidárias”. Mas se o grande impulso inicial foi dado pelo café (Picchia, 1927), também
devem ser considerados nessa colonização o algodão e a pecuária. Os plantadores de algodão
também recebiam importantes subsídios do governo pelo desenvolvimento de novas variedades e
oferta de mão de obra, de imigrantes nordestinos, como para o café (Brannstrom, 1998). Embora
a história do uso do solo não tenha sido a mesma em todo o Planalto Ocidental, com áreas de
usos predominantes diferenciados, de grandes pastagens, culturas de café e algodão; o
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desmatamento foi comum a todas elas. Na década de 1930, o assim chamado sertão paulista,
como grande espaço continuo, já se restringia a uma faixa de cem a duzentos quilômetros ao
longo do rio Paraná (Monbeig, 1984).
A esta primeira alteração ambiental promovida pela colonização, sucederam-se outras
alterações dentre as quais podem ser destacadas aquelas provocadas pelo processo de
urbanização desde os anos de 1960; pela substituição das culturas agrícolas por outras e pela
pecuária; pela construção de barragens de grande porte nos principais rios que delimitam o
Planalto - o Grande, o Paraná e o Paranapanema – que transformaram seus principais cursos
d’água em lagos artificiais, durante os anos de 1960 a 1990 (Dean, 1996). Entretanto, deve-se
reconhecer a superioridade da intensidade da primeira intervenção sobre as seguintes, pelo
simples fato de que, em poucos anos, foi praticamente suprimido o componente biótico natural
do meio ambiente e introduzido o componente sócio-econômico trazido pelos colonizadores.
5. Os primeiros impactos
Despertas pela colonização, as condições naturais foram traduzidas pelas ações antrópicas
para as novas condições, não naturais, humanizadas, como as doenças tropicais dos pioneiros
que avançavam sertão a dentro; pelas erosões que selecionavam os solos mais erodíveis, abrindose em ravinas e voçorocas; pelos cursos d’água que, sem capacidade de transportar tantos
sedimentos, acabaram assoreados; enfim as condições naturais manifestaram-se na
transformação para as novas condições, não naturais, humanizadas.
Os primeiros impactos foram estudados por Pierre Monbeig em sua tese de doutoramento
apresentada à Universidade Sorbonne em Paris na década de 1940, posteriormente publicada no
Brasil (Monbeig, 1984) com o título “Pioneiros e Fazendeiros do Estado de São Paulo”.
Seguiram-se vários outros estudos, por exemplo, Brannstrom e Oliveira (2000), que abordam as
modificações dos cursos d’água no Planalto e suas implicações na história ambiental e na gestão
do território. Estes primeiros impactos foram os mais intensos, pois de um ambiente sujeito,
quase que exclusivamente, a uma dinâmica natural há milhares anos, foi eliminado drasticamente
um dos seus principais componentes - o meio biótico - em poucas dezenas de anos. A
manifestação dos impactos, com a perda da cobertura florestal e sua substituição por plantações
de café e de algodão e, também, por pastagens em grandes propriedades; de culturas de
subsistência nas pequenas propriedades; aparecimento dos primeiros núcleos urbanos e redes de
estradas vicinais, além das estradas de ferro e de rodagem maiores, resultaram não só em
profunda alteração dos ecossistemas, mas também do seu funcionamento, representado pelos
processos dinâmicos presentes na interação entre os componentes do meio ambiente.
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No meio físico ou meio não biótico, especialmente nos solos (uma abstração necessária
para a descrição de componentes que, na realidade, estão intimamente conectados) os processos
foram profundamente alterados, especialmente pelas grandes voçorocas deflagradas nas
cabeceiras de drenagem. A descrição de tais alterações pode ser aprofundada considerando o
papel da floresta no balanço hídrico dos ecossistemas. Conforme já foi destacado por diversos
autores (p. ex. Prandini et al. 1982) a cobertura florestal atua com diversos papéis: interceptação
das chuvas; retardamento do escoamento superficial; promoção da evaporação na água retida na
sua superfície foliar e nos caules, após as chuvas, e transpiração. Portanto a sua eliminação
provoca: a perda de proteção do solo do impacto direto da chuva; a liberação do escoamento
superficial; a redução da evaporação imediata após as chuvas e a eliminação da transpiração da
floresta. Tais alterações tiveram profundo impacto no comportamento da água. O escoamento
superficial passou a se manifestar na forma de enxurradas que, inicialmente, descobrem os solos,
carreando a serapilheira encostas abaixo e, em seguida, desprendem as partículas de solo,
gerando erosões cuja linearidade representa a origem antrópica. O escoamento subterrâneo,
manifestado pela ascensão do freático, foi testemunhado pelos pioneiros, conforme registro de
Monbeig (1984) e confirmado em algumas regiões por Oliveira (1994). A ascensão do freático,
que se seguiu ao desmatamento, provocou o aparecimento de surgências de água em posições
mais elevadas nos talvegues e nas vertentes, elevando os gradientes que promoveram o
escoamento subterrâneo, em horizontes pedológicos acima da zona hidromórfica. Como
resultado, houve desestruturação dos solos e, em condições de escoamento concentrado, erosão
interna, ou piping, poderoso mecanismo de colapso dos solos, criador e
promotor do
voçorocamento. Milhares de voçorocas e ravinas eclodiram na região
6. A história dos impactos não para
Ao longo dos anos seguintes, verifica-se que os processos erosivos no Planalto Ocidental
paulista, especialmente as voçorocas, vão perdendo intensidade atingindo aos poucos certa
estabilidade, de tal forma que as idades das voçorocas dessa região correspondem ao tempo de
ocupação dos terrenos (Ponçano & Prandini, 1987). A redução do aporte de sedimentos favorece
o entalhe dos depósitos tecnogênicos formados nos fundos dos vales (Oliveira e Queiroz Neto,
1994; Brannstrom, 2004a). Entretanto, esta tendência geral tem importantes exceções subregionais e locais, pois as mudanças do uso o solo sempre vem acompanhadas de novos
impactos, especialmente quando o novo nível de stress supera os limites aos quais os solos foram
submetidos, no desmatamento. Nas áreas rurais destaca-se, como mudança do manejo do solo, a
introdução do trator, por volta do final dos anos de 1960, que resultou na criação de horizontes
antrópicos, correspondentes a uma camada compactada, conhecida por “pé de grade”, sotoposta
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a camada superficial sem coesão e que nas primeiras enxurradas é erodida. expondo, segundo
expressão local, as costelas da terra da camada compacta (Brannstrom & Oliveira, 2000)
Nas áreas urbanas, a rápida expansão das cidades, a partir da década de 1960, provocou a
reativação, nas periferias, de processos erosivos que estavam apenas iniciados como resposta aos
desmatamentos. Assim, a erosão linear, cuja intensidade ia aos poucos sendo atenuada na zona
rural, deslocou-se para as zonas urbanas, acompanhando o êxodo do rural e a migração para as
cidades nessa época (Oliveira, 1944)
A partir dessa década destaca-se, ainda, o ciclo dos barramentos sucessivos dos principais
rios da região, o rio Tietê (SP), o rio Paranapanema (SP/PR); o rio Paraná (SP/MS) e o rio
Grande (SP/MG), podendo-se dizer que a região de fluvial, tornou-se uma região lacustre, com o
represamento de águas em reservatórios com um volume total da ordem de mais de 100 bilhões
de metros cúbicos e uma somatória dos perímetros de quase duas vezes o comprimento do litoral
brasileiro. Resulta destes empreendimentos, além de outros impactos ambientais, a ascensão dos
níveis freáticos com produção de processos erosivos ao longo dos fundos dos vales devido à
saturação dos terrenos. Outros impactos estão em curso como resultado de mudanças nos usos e
ocupações dos solos do Planalto Ocidental, tais como as mudanças de culturas, por exemplo o
avanço da cana de açúcar sobre áreas de pastagem e de culturas anuais em alguns locais; a
implantação de rede de estradas de diversos portes; linhas de transmissão, dutos; etc. Em
paralelo, são verificadas ações no sentido de melhorar a conservação do solo e dos recursos
hídricos, destacando-se o Programa de Microbacias Rurais da Secretaria da Agricultura estadual
e a gestão de bacias hidrográficas por meio dos Comitês de Bacias do Plano Estadual de
Recursos Hídricos do Estado de São Paulo (Brannstrom, 2001; Brannstrom, 2004b).
6. Conclusões
A história ambiental do Planalto Ocidental do estado de São Paulo pode ser fundamentada
no conhecimento do ambiente quaternário, mais ou menos modificado pelos povos indígenas, e
sua história de ocupação e uso do solo desde o início do século XX, que vem produzindo as
transformações ambientais. A alteração do balanço hídrico constitui o fundamento destas
transformações, especialmente
dos processos do meio físico. Os processos erosivos,
especialmente as voçorocas, que fazem recuar as cabeceiras das drenagens e, em decorrência, os
depósitos de sedimentos nos fundos dos vales, constituem respostas que buscam novas condições
de equilíbrio hídrico. Esta tendência a um novo equilíbrio vem se dando até hoje, ao longo dos
anos, em que alterações do uso do solo, urbano e rural, não cessam, sobrepondo ações aos efeitos
em curso, de forma que a dinâmica superficial atual, embora ainda fortemente marcada pelo
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grande impacto inicial do desmatamento, constitui uma herança complexa de processos com
diversas idades.
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Antonio Manoel dos Santos Oliveira e Christian Brannstrom