ADB Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros Ano XIII - Nº 56 - Janeiro / Fevereiro / Março 2007 ISSN 0104-8503 No ritmo da diplomacia Da crítica à invasão cultural americana à globalização, samba está presente nas relações internacionais ADB Conversa com os Associados Carta aos associados E m dezembro último, a Assembléia Geral da ADB elegeu chapa única em que eu constava como candidato a presidente da Associação. Na mesma ocasião, foram eleitos os dois vice-presidentes e cinco diretores. Somos, ao todo, três diplomatas da ativa e cinco aposentados. Ao dirigir-me pela primeira vez aos associados, quero registrar meu apreço pelo ministro Flávio de Oliveira Castro e pelo trabalho que realizou na presidência da ADB. Ele muito fez pela associação e pelos interesses de seus membros. Muito obrigado, Flávio. Mas sempre resta o que fazer. Primeiramente, desejaria atrair mais diplomatas em atividade para a ADB e vê-los participando de nossos trabalhos, contribuindo com suas idéias, compartilhando-as comigo e meus colegas de diretoria. Isto é, a meu ver, especialmente importante no caso dos mais jovens, ainda nos primeiros escalões da carreira. É evidente que não se espera dedicação integral à ADB por parte de quem trabalha na Secretaria de Estado e de tempos em tempos viaja em missão. Mas, para nós, será sempre útil tê-los conosco e ouvi-los. Talvez alguns hesitem em mostrar interesse pela ADB devido a um temor reverencial inspirado pelo fato de formarmos um corpo em que a hierarquia deve, necessariamente, ser tomada em consideração. Contudo, sugerir mudanças que possam beneficiar o desempenho da Casa ou defender o que se julga serem direitos não configura falta de respeito, muito menos indisciplina. Só quem deseja acólitos, e não colaboradores, esmaga a possibilidade de apresentar idéias novas; só quem prefere a “tranqüilidade” das autocracias considera a defesa de direitos como hostilidade à hierarquia. Não é o que acontece no Itamaraty e por isso os que estão nos primeiros degraus da carreira não devem ter receio de aderir à ADB e nela participar. Também gostaria de voltar a contar com maior participação das diplomatas. Os oito eleitos acima mencionados são do sexo masculino; não deveria ser assim. Não somos um old boys’ club; quero contar também com a participação das girls. Afinal, nossa primeira presidenta foi a dinâmica embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues e mais recentemente tivemos o benefício da participação de outras colegas do sexo feminino. Meu espaço acabou e devo parar por aqui. Contem comigo, tal como conto com meus companheiros de chapa e com vocês. Marcelo Raffaelli Presidente da ADB 1 Índice ADB 4 Marina Mercante Internas Nova diretoria da ADB pretende estabelecer maior integração entre os dipllomatas e estimular a participação dos mais jovens. 13 9 Made in Brazil Programa Nacional de DST e Aids é referência mundial. Parceria com Igreja leva experiência brasileira a países africanos, como o Timor Leste. Prata da Casa A coleção de discursos do Visconde do Rio Branco no Parlamento, entre 1855 e 1875; o livro que aborda peças importantes para o estudo da diplomacia imperial; a compilação de pareceres dos consultores do Ministério dos Negócios Estrangeiros; e os arquivos pessoais do embaixador Paulo Nogueira Batista são destaques desta edição. 20 Arquivo Pessoal Talentos da Casa Os diplomatas Igor Germano e Gustavo de Sá contam como aliam a rotina de trabalho com arte. Unir amigos e descobrir talentos desconhecidos são as motivações. 22 Ponto de Vista D.. Pedro I, considerado mau estudante. que preferia trocar as lições pela companhia dos cavaleiriços, tinha, no entanto, talento nato para a música. 2 15 A jornalista e publicitária Aline Mirilli Mc Cord anlisa o samba sob a ótica da diplomacia. De Carmem Miranda a Gilberto Gil, passeia pelo universo Índice ADB Wanderley Pessoa/Ascom Mec 24 Além do Itamaraty O chefe da Assessoria Internacional do Ministério da Educação , o diplomata Alessandro Warley Candeas , mostra o potencial da educação como fator de política externa. 26 28 Arquivo Pessoal Vida que Segue Aposentado desde 1999, o embaixador Jório Dauster é presidente do Conselho de Administração da Brasil Ecodiesel e mantém agenda cheia como consultor de empresas e articulador de negócios. Cooperação PLP União de países de língua portuguesa fortalece o idioma e promove o desenvolvimento econômico e social entre os oito membros. 30 32 Prata da Casa Quatro livros tratam de acordos sobre IED, Mercosul no Direito Brasileiro, relações Brasil-EUA no Império e filosofia. Especial do ritmo brasileiro no contexto das relações internacinais, abordando temas como nacionalismo e globalização. Entrelinhas Relatório do assessor jurídico da ADB, Antônio Torreão Braz, mostra o andamento das 17 ações judiciais movidas pela associação. 3 Internas ADB ADB busca renovação Marina Mercante E stimular a participação de jovens é unanimidade na Associação dos Diplomatas Brasileiros. A nova diretoria, que tomou posse no dia 13 de fevereiro, no restaurante Porcão, em Brasília, pretende fortalecer a ADB por meio de maior integração dos diplomatas, principalmente dos que acabaram de ingressar na carreira. “Os jovens têm sempre boas idéias e podem trazer muitos benefícios”, afirmou o embaixador Marcelo Raffaelli, novo presidente da entidade. Os diretores continuarão o trabalho de luta pelos direitos da categoria. Uma das questões mais debatidas é a reivindicação por subsídios para a educação dos filhos dos diplomatas no exterior. “A ADB não deve intervir na administração do Itamaraty, mas vale a pena oferecermos sugestões”, pondera Raffaelli. Atualmente, a associação tem 1.178 associados, dos quais 916 estão ativa, 216, aposentados e 46, pensionistas. A seguir, o embaixador fala sobre as perspectivas para o seu mandato. 4 ADB Marcelo Raffaelli é carioca, tem 77 anos e está na carreira desde 1952. Ele serviu em Caracas, Amsterdan, Nova York (ONU), Washington, Montevidéu, Londres e Abidjã. Quais são seus planos para a ADB? Em princípio, não tenho planos especiais, porque a ADB já tem uma agenda. Ela já diz no seu estatuto qual é a sua destinação, o seu objetivo. Mas evidentemente sempre há alguma coisa a fazer. Creio que vamos continuar com o Boletim, que é de muito bom nível, com matérias interessantes. E procurar outras pessoas, outras áreas, que até agora não foram contatadas, para também contribuir com a revista. Quanto ao Itamaraty, à vida dos diplomatas, deixo que a Casa se encarregue deles. Como o senhor pensa em organizar o relacionamento dos associados da ADB com o Itamaraty? No momento, creio que é preciso atrair mais funcionários jovens. Você vê que nesta nova diretoria, por exemplo, de oito pessoas, cinco são aposentados e só três estão em atividade. Existe certa dificuldade, porque o Itamaraty é uma casa de hierarquia e às vezes a ADB pode ter posicionamentos que parecem desafiar essa ordem. Para os mais jovens, é um pouco difícil entrar para uma associação onde alguma coisa pode ser considerada indisciplina. Mas não é assim. Indisciplina só existe quando falta respeito às ordens recebidas. Defender seus direitos ou fazer sugestões não significa nem crítica nem indisciplina. Portanto, uma das minhas tarefas vai ser tentar atrair mais funcionários da ativa, especialmente gente que entrou no Itamaraty recentemente. Os jovens sempre têm boas idéias e podem trazer muitos benefícios. Internas O que o senhor planeja para estimular essa participação? Temos a idéia de fazer uma enquete entre os diplomatas associados para saber quais são suas sugestões e para que eles nos digam o que está faltando. A gestão do ministro Oliveira Castro foi muito boa, mas sempre há alguma coisa que ainda não foi feita. O que a nova diretoria da ADB pretende fazer com relação às reivindicações dos diplomatas sobre questões como subsídios para moradia no exterior e educação Marina Mercante dos filhos? A ADB não deve intervir na administração do Itamaraty, mas acho que vale a pena apresentar sugestões, porque, inclusive, há muita gente em atividade na carreira pensando assim. Um exemplo é a educação dos filhos no exterior. Eu tenho cinco e sei como custa educá-los em boas escolas lá fora. Em certos países, onde o Brasil tem aberto embaixadas, você não pode matricular seus filhos em uma escola local, porque a língua é incompreensível e nunca mais será utilizada pelo aluno. Se ele estudar em coreano e voltar para o Brasil, o que fará em uma escola brasileira? Acho importante pensar sobre esse assunto; afinal a Constituição garante a todos o ensino gratuito obrigatório. Quais serão os investimentos da ADB em ações jurídicas? Temos várias ações em andamento e já ganhamos algumas. Se os associados – tanto os da ativa quanto os aposentados – considerarem que têm direitos a reivindicar, continuaremos recorrendo à Justiça, porque, no final das contas, isso não é indisciplina, mas um direito. 5 Matan Gigovatte Internas Na gestão do ministro Flávio Mendes de Oliveira Castro, uma série de benefícios foi conquistada, como convênios na área de saúde. A equipe do Boletim da ADB conversou com o ex-presidente da entidade, que fez um balanço de sua gestão. Como o senhor avalia sua gestão? Nesses dois anos, realizamos algumas coisas importantes. Primeiro foi a construção da sede. Outra questão é que, no início da ADB, não tínhamos muita liberdade de atuação, sobretudo na parte jurídica. As primeiras ações foram consideradas indisciplina. Isso realmente evoluiu. Agora temos 17 ações no Judiciário, o que não significa nenhum conflito com a administração do Itamaraty, porque são direitos que os associados têm. Realizamos também convênios, principalmente na área de saúde, cujos serviços são caríssimos. Temos acordos com laboratórios, hospitais, centros radiológicos, redes de hotéis, lojas de aluguel de veículos e restaurantes. Além dessas ações, o que o senhor gostaria de destacar? Um dos aspectos positivos da gestão foi a mudança no boletim, que era modesto. Para melhorá-lo, fizemos licitações, contratamos uma boa gráfica, ampliamos o número de exemplares e a distribuição. Além disso, modernizamos o portal. Todas as manhãs, fazíamos um resumo das notícias referentes a relações internacionais e disponibilizávamos no site. Considero relevante também a participação da ADB no 1° Encontro de Associações Ibero-Americanas de Serviço Exterior, realiza6 ADB do em Quito, em maio de 2006. A reunião tratou de interesses dos associados. De modo geral, foi isso, mas poderíamos ter feito mais. Um exemplo seria inaugurar uma representação no Rio de Janeiro, onde vive a maior parte de nossos aposentados e pensionistas. Arranjamos uma sala excelente, fizemos uma negociação com o setor de administração da Casa, mas tivemos dificuldade para nomear um representante. Houve também modificações no estatuto. Quais foram as mais relevantes? Antigamente, para cada diretor, havia um suplente. Mas esse sistema não funcionou. O que ocorre é que o diplomata é versátil. Então, por exemplo, se saísse o diretor da área cultural, e o suplente, por alguma razão, não pudesse assumir, tínhamos de fazer uma nova eleição para preencher o cargo. Agora, os diretores podem se substituir à medida que as vagas são abertas. Qual é sua avaliação do diálogo da ADB com o Itamaraty? Procurei manter uma relação de cordialidade e respeito mútuo. É fundamental não pensar que a ADB é uma dependência do Itamaraty, somos absolutamente independentes. Mas estamos certos de que essa relação de cooperação é indispensável para o desenvolvimento dos trabalhos da ADB, porque representamos 90% dos diplomatas aposentados, pensionistas e da ativa. O senhor acha que houve avanço no que diz respeito à participação dos funcionários em reuniões e assembléias? Com franqueza, sempre falta quórum em nossos encontros. Uma vez, abri uma assembléia-geral em que havia um associado. E iniciei na hora certa. Depois vieram outras pessoas. Na minha gestão, primei pela pontualidade. Depois de dois anos, quando marco uma hora, quase todos chegam. Internas ADB CONFIRA O PERFIL DOS DIRETORES Marina Mercante Embaixador Luiz Brun de Almeida e Souza – vice-presidente executivo Nascido no Rio de Janeiro, em 1937, o embaixador Luiz Brun atuou como diretor suplente da ADB na gestão anterior. Para fortalecer a associação nos próximos dois anos, pretende buscar sugestões de funcionários da carreira que estão no exterior. “Acredito que temos de conhecer os problemas por meio dos funcionários. São eles que vivem a realidade de cada dia”, afirma. Apreciador de esportes, Brun é bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais e se tornou diplomata em 1962. O momento mais marcante da carreira ocorreu quando estava em missão na fronteira do Brasil com o Paraguai. Ele era encarregado de auxiliar os chamados “brasiguaios” a obter documentos. “Tive um contato humano essencial. Foi um momento em que me realizei como profissional”, recorda-se. O embaixador atuou também como terceiro-secretário em Washington, segundo-secretário em Moscou e conselheiro em Lisboa. Embaixador Guy M. de Castro Brandão – vice-presidente institucional Para o embaixador francês, naturalizado brasileiro, Guy Brandão, a ADB é um importante instrumento de congregação dos diplomatas. Aos 77 anos, pretende dedicar atenção Marina Mercante especial aos jovens associados, que podem contribuir com sugestões para o Boletim, por exemplo. O momento de destaque na trajetória profissional foi em 1982, quando assumiu a Embaixada do Brasil em Quito, no Equador. “Tornar-se embaixador é o topo da carreira, é marcante”, acredita. Guy atuou ainda como conselheiro em Paris, embaixador em Dakar e primeiro-secretário em Roma. Nos próximos dois anos, deve conciliar as atividades da ADB com a criação de peças de minério de ferro. Os pequenos cubos de hematita compõem figuras sobre madeira. Embaixador Cláudio Sotero Caio – diretor Marina Mercante O embaixador pernambucano Cláudio Sotero Caio, de 71 anos, participou de um importante momento do Itamaraty. De 1972 a 1983, chefiou uma equipe de 400 pessoas, encarregadas de modernizar a área de informática da Casa. “Considero esse o melhor período da minha vida profissional”, avalia. Também atuou como segundo-secretário em Belgrado e em Montevidéu e ministro-conselheiro em Hamburgo. Hoje, como membro da diretoria da ADB, pretende concentrar esforços para obter remuneração por subsídio para a carreira diplomática. Para o embaixador, a ADB precisa priorizar a integração de seus membros. “A associação é dispersa. Essa difusão torna a entidade frágil em termos de concentração de objetivos”, acredita Cláudio Sotero, que, nas horas vagas, toca violoncelo e dedicase à literatura. 7 Internas ADB Embaixador Hélcio Tavares Pires – diretor Marina Mercante Carlos Ribeiro Santana – secretário Nascido no Distrito Federal, em 1982, o secretário Carlos Ribeiro Santana é formado em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Em 2004, ingressou na carreira e tornou-se terceiro-secretário. No ano seguinte, concluiu o mestrado em Relações Internacionais, também pela UNB, e, em 2006, o curso do Instituto Rio Branco. No mesmo ano, começou a trabalhar no departamento de Promoção Comercial do Itamaraty. Desde os 23 anos, faz parte da ADB. Carlos Santana pretende estimular a participação dos colegas jovens. Marina Mercante O fato de ter se tornado diplomata é considerado uma vitória pelo embaixador pernambucano Hélcio Tavares Pires, de 78 anos. “Lá em Recife, acreditávamos ser difícil passar no concurso”, lembra-se. O período mais marcante foi a promoção a ministro-conselheiro, que proporcionou ao embaixador servir na China. Hélcio Pires começou a trabalhar no Itamaraty em 1955. Chefiou a Divisão de Transportes e Comunicações da Casa em 1980 e, no ano seguinte, foi promovido a ministro. Foi também terceiro-secretário e encarregado de negócios na Embaixada do Cairo e primeiro-secretário em Caberra. O embaixador, que na gestão passada atuou na ADB como diretor para Assuntos Jurídicos, afirma estar à disposição no que se refere à luta pelo reajuste dos vencimentos. Longe do trabalho, dedica-se à prática de esportes. Universidade de Brasília. Paulo Roberto e Almeida ressalta que a experiência na Academia o auxiliou a fazer do Itamaraty um espaço de reflexão. Leitor voraz, atuou também como ministro-conselheiro na embaixada de Washington. Sérgio C. de Toledo Barros – secretário Ministro Paulo Roberto de Almeida – diretor Arquivo Pessoal Arquivo Pessoal Nos últimos dois anos, o ministro paulista Paulo Roberto de Almeida, de 57 anos, atuou como diretor para Assuntos Culturais na ADB. Bacharel e doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas, na Bélgica, e mestre em Planejamento Econômico pela Universidade do Estado de Antuérpia, pretende dar continuidade ao trabalho de proporcionar entretenimento e transmitir informações aos diplomatas. Em 1985, começou a lecionar Sociologia Política no Instituto Rio Branco e na 8 Aos 35 anos, o Secretário paulista Sérgio Barros ingressou na ADB após convite do ministro Flávio Castro, que disse querer “sangue novo” na entidade. Formado em Economia, com extensão em Comércio Exterior, pela Universidade de São Paulo, ingressou no Instituto Rio Branco no ano passado. Ele destaca o trabalho da ADB pelos direitos dos diplomatas. “É uma ação importante porque a carreira é burocrática”, opina. O secretário, que trabalhou também como cartunista, alega estar disposto a aprender com os colegas que têm mais tempo de Casa. ADB Made in Brazil Brasil é exemplo na luta contra a Aids Atuação brasileira chama a atenção da comunidade internacional A tualmente, o Brasil é responsável pelo maior programa nacional de controle do vírus HIV e da Aids no mundo. Tal marca não é por acaso. Desde que a epidemia surgiu, na década de 1980, o País tem tido importantes respostas estratégicas que alteram a estrutura de saúde pública. Neste ano, completa 11 anos a lei que estabeleceu a distribuição dos medicamentos anti-retrovirais às pessoas que vivem com o HIV. A decisão legal de oferecer acesso ao tratamento, com a distribuição dos medicamentos, foi adotada em novembro de 1996, não sem ser precedida de um processo de avaliação técnica ao longo de meses. A população, assustada com a nova epidemia, pedia que houvesse uma concentração de esforços para controlá-la. O coquetel conhecido como AZT – denominado terapia combinada de alta potência – havia sido apresentado durante uma conferência internacional de Aids, no Canadá. Pesquisadores descobriram que a combinação de diferentes remédios resultava em um efeito melhor do que quando eles eram utilizados isoladamente. Resolver distribuir o coquetel suscitou críticas de cientistas, pesquisadores e organismos internacionais. Uma delas era que o Brasil não teria capacidade para administrar técnica e operacionalmente a decisão, principalmente pelo caráter inovador e relativamente desconhecido da nova terapia, com exigências de sofisticação técnica e tecnológica. Mas o reconhecimento de que o caminho era certo veio com os resultados da implantação do programa, entre eles a queda substancial da mortalidade por Aids, a redução das internações e 9 Made in Brazil ADB Magda Fernanda Mariangêla: "Brasil tem a epidemia concentrada" o decréscimo da ocorrência de enfermidades oportunistas. Foi constatada, assim, uma boa relação custo–beneficio, pois o investimento passou a representar redução de gastos e os recursos foram redirecionados a outras atividades. “O Brasil tomou uma decisão, contrária a todas as opiniões dos grandes organismos internacionais, de garantir o acesso das pessoas ao AZT. E isso fez toda a diferença”, afirma a diretora do Programa Nacional de DST/Aids, Mariângela Simão. Essa diferença remete aos anos anteriores à existência do coquetel, em que Brasil e África apresentavam situações epidemiológicas semelhantes. Hoje, o País tem a chamada epidemia concentrada e o continente africano tem uma epidemia generalizada. Mariângela relaciona o fato à estratégia direta de enfrentamento adotada pelos brasileiros, tanto no acesso a medicamentos quanto na questão preventiva. O Brasil possui atualmente 17 medicamentos no protocolo clínico; desses, produz oito que não estão protegidos por patentes. A sustentabilidade do programa é uma das questões que preocupam especialistas. Muitos acreditam que os acordos de preços de remédios protegidos por patentes afetam de forma negativa o orçamento do Ministério da Saúde. Isso pode comprometer a distribuição dos medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em um período de dois anos, os gastos com os antiretrovirais aumentaram em 66%, enquanto o número de pessoas que passaram a recebê-los foi apenas 9,2% maior. Cooperação – Em função do sucesso brasileiro no combate ao vírus e no tratamento da doença, o Ministério da Saúde conta com o Centro Internacional de Cooperação Técnica em HIV e Aids (CICT), iniciativa do governo Lula e do programa da ONU para a luta contra a Aids Pelo direito à liberdade de orientação sexual Em Curitiba, um grupo ligado à Associação Brasileira de Bissexuais, Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais (ABGLT) possui como um dos eixos de trabalho a prevenção e a assistência ao movimento homossexual brasileiro em relação à Aids e DST. Trata-se da Ong Dignidade, criada em 1992 como instrumento de resposta ao cenário de discriminação e violência agravado com o advento da síndrome da Aids. Os objetivos do grupo passaram a ser, entre outras coisas, a defesa e a promoção do direito à liberdade de orientação sexual, além da prevenção e da assistência em relação à doença. As ações já ultrapassaram fronteiras e, por meio do Centro Internacional de Cooperação Técnica (CICT), a Ong brasileira realiza trabalho de capacitação de agentes no México, Colômbia, Equador e Guatemala. 10 ADB (Unaids). É por meio dele que são feitos acordos de cooperação com países como Paraguai, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, República Dominicana, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Burkina Fasso e Timor Leste. A rede – Os países da América Latina e Caribe aproveitaram as experiências de cada um na área de saúde e uniram esforços na luta contra o vírus da Aids, criando o Grupo de Cooperação Técnica Horizontal em HIV/Aids (GCTH). Fazem parte dele os programas nacionais de 21 países latinoamericanos e caribenhos. Made in Brazil A iniciativa proporciona eventos técnicocientíficos sobre questões como avaliação de programas, planejamento estratégico, políticas de terapias em HIV/Aids, transmissão vertical do vírus, redes de vigilância epidemiológica, ações de aconselhamento. Também amplia e diversifica o intercâmbio entre os países, por meio de cursos e estágios, missões de observação e participação em eventos internacionais. Brasil, Argentina, Cuba, Nigéria, Rússia, Ucrânia, Tailândia e China fazem parte de uma rede que visa à transferência de tecnologia para a produção de anti-retrovirais – desde a matéria-prima até o produto final – e para investimento em laboratórios. Igreja enfrenta a epidemia P ara vencer um desafio de âmbito Lá, 99% da população se dizem católicos pramundial, não bastam os investi- ticantes. “Tive a oportunidade de visitar o país mentos governamentais: parcerias em 2006 e fiquei impressionado. No domincom outras instituições também go de manhã tudo pára porque todos estão são necessárias. É o caso da Pastoral da na missa. É um público que a Igreja atinge e por isso é importante que ela Aids, criada em 2001 pela atue para ajudar no trabalho Igreja Católica, com o objeGoverno e Pastoral de divulgação da epidemia”, tivo de tratar exclusivamenda Aids uniramafirma o frei. te questões relacionadas à se para divulgar Desde 2004, uma missioepidemia. Uma das ações nária brasileira está no Timor, o trabalho do é desenvolvida no Timor Leste, país com o qual o Programa Nacional onde ajuda a capacitar agentes locais para a prevenção e Brasil mantém projeto de de DST/Aids no o tratamento da doença. Ela intercâmbio e cooperação Timor Leste, onde também articula dentro do desde 2003. 99% da população país, com autoridades civis O secretário-executivo da se dizem católicos e membros da Igreja, ações Pastoral, frei José Bernardi, alternativas relacionadas ao conta que o Programa enfrentamento do HIV e da Nacional de DST e Aids esbarAids. A idéia, desde o início do projeto, é rava na dificuldade de comunicação com o Timor Leste, em conseqüência da diferença que o tema da Aids faça parte da agenda cultural. A solução veio a partir de um convite local. A missionária também monitora o do governo à Pastoral, já que ela mantinha, envio e o uso de medicamentos anti-retrovidesde 1999, missão com brasileiros no Timor. rais do Programa Nacional ao país asiático. 11 Made in Brazil ADB Arquivo Secretaria Pastoral da Aids Pastoral considera "uma riqueza" a união da sociedade civil e do governo brasileiro no combate à Aids Outra frente de trabalho da Pastoral é a construção de uma rede latino-americana de igrejas na luta contra a Aids, como trabalho complementar ao sistema de saúde dos governos federais. Tanto no campo da educação como no cuidado e no acompanhamento das pessoas que vivem com Aids, as ações realizadas por entidades ligadas à Igreja são muitas. No Quênia, por exemplo, uma congregação religiosa mantém um hospital móvel que atende 20 mil pessoas portadoras de HIV. Em 2005, um simpósio latino-americano e caribenho reuniu representantes de 13 países. Para este ano, uma segunda edição do simpósio deverá reunir ao menos 17 países. Frei Bernardi vê o Brasil como exemplo quando o assunto é o combate à Aids. “O programa nacional não é uma dádiva de um iluminado, é uma construção da sociedade civil e do governo, e acho que aí está sua riqueza”, explica o secretário-executivo da Pastoral. A experiência com o Timor rendeu novos contatos com outras pastorais. Uma equipe brasileira esteve na República Dominicana, e a Pastoral, em conjunto com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), pretende estreitar os laços com Guiné Bissau e Ruanda. Números • 260 milhões de preservativos foram distribuídos pelo Ministério da Saúde em 2003; em 1994 o número foi de 13 milhões; • 61% das escolas realizam atividades de prevenção e 9,1% delas disponibilizam camisinhas aos alunos. • 433 mil casos de Aids foram notificados no Brasil até junho de 2006; 67,2% deles foram do sexo masculino e 32,8% do feminino. 12 ADB Prata da Casa Dos arquivos da história: o Itamaraty nas fontes primárias O s quatro volumes constituem valiosas contribuições aos “garimpeiros” da história diplomática, ao disponibilizarem documentos originais e guias documentais sobre fontes que esclarecem elementos históricos negligenciados pelos pesquisadores contemporâneos. A coleção dos discursos do Visconde do Rio Branco no Parlamento, entre 1855 e 1875, é precedida de uma introdução que contextualiza sua vida e seu papel nas relações exteriores do Brasil: cinco vezes ministro dos negócios estrangeiros, antes jornalista voltado para os temas internacionais e consultor do MNE, mesmo não tendo formação em direito (ele era matemático). Conceitos como “interesses vitais” do Brasil, “interesses essenciais” ou “concretos” são constantes nos discursos do Visconde, preocupação, aliás, presente desde as Cartas ao Amigo Ausente, nas quais o jovem Paranhos defendera uma política externa isenta de partidarismos. O volume relativo às consultas da seção dos Negócios Estrangeiros do Conselho de Estado, entre 1858 e 1862, recolhe peças importantes para o estudo da diplomacia imperial, no tocante aos tratados de limites, relações consulares e contenciosos bilaterais. Dois documentos tratam da organização do próprio MNE, numa época em que Alvaro da Costa Franco (org.): Com a palavra, o Visconde do Rio Branco: A política exterior no Parlamento imperial [1855-1875] (Rio de Janeiro: Centro de História e Documentação Diplomática; Brasília: Funag, 2005, 574 p.) Brasil. Secretaria de Estado dos Negócios do Império e Estrangeiros: O Conselho de Estado e a política externa do Império: Consultas da Seção dos Negócios Estrangeiros, 1858-1862 (Rio de Janeiro: Centro de História e Documentação Diplomática; Brasília: Funag, 2005, xv + 450 p.) 13 Prata da Casa ele não chegava a ter mais de duas dúzias de funcionários (incluindo correios a cavalo) e quando o Secretário Geral era chamado de Oficial Maior. As maiores pendências com os vizinhos eram relativas aos direitos de navegação, terreno no qual a diplomacia imperial mantinha posturas diversas no Prata e no Amazonas. A compilação de pareceres dos Consultores do MNE, de 1859 a 1864, aprofunda o conhecimento sobre a construção jurídica da diplomacia imperial, legatária de uma tradição de respeito ao direito internacional que foi seguida até hoje. Abundam as reclamações e pendências de súditos e sobre espólios particulares, hoje de importância menor no trabalho consular, mas são bem mais interessantes os textos sobre tratados de limites, nos quais estão expostas posições sobre o uti possidetis que serão mantidas durante anos, até a sua resolução, na República. O quarto volume entra no domínio dos arquivos pessoais, neste caso os do embaixador Paulo Nogueira Batista. Trata-se de um guia da documentação depositada no Cpdoc, com introdução e perfil biográfico que ressaltam sua importância para a história da política externa, a da política nuclear em particular. No conjunto, estes quatro volumes compilam importantes documentos e guias de fontes que constituem subsídios primários relevantes ao pesquisador acadêmico ou ao simples curioso de nossa história diplomática. A Fundação Alexandre de Gusmão do Ministério das Relações Exteriores, em especial seu Centro de História e Documentação Diplomática, seus responsáveis e pesquisadores associados merecem encômios pelas iniciativas já tomadas de divulgação desses materiais relevantes, bem como pelas novas publicações que estão certamente em preparação. Paulo Roberto de Almeida 14 ADB José Antonio Pimenta Bueno; José Maria da Silva Paranhos; Sérgio Teixeira de Macedo: Pareceres dos Consultores do Ministério dos Negócios Estrangeiros: 1859-1864 (Rio de Janeiro: Centro de História e Documentação Diplomática; Brasília: Funag, 2006, 244 p.) Suely Braga da Silva: Paulo Nogueira Batista: o diplomata através de seu arquivo (Rio de Janeiro: Cpdoc; Brasília: Funag, 2006, 136 p.) ADB Especial Deu samba nas relações internacionais I: Até a Segunda Guerra Mundial Aline Mirilli Mac Cord* O samba, descendente de polcas e lundus, foi ganhando espaço com a expansão dos meios de comunicação. Em 1931, o grande sambista Lamartine Babo fazia a sua crítica à invasão cultural em “Samba para inglês ver”: I love you forget sclaine maine Itapiru morguett five underwood I shell, no bond Silva Manuel, Manuel, Manuel Noel Rosa também era reticente em relação à invasão cultural dos filmes falados americanos. Em 1933, ele reforçou sua crítica ao que acreditava ser mera imitação das produções hollywoodianas e compôs o samba “Não tem tradução”: O cinema falado é o grande culpado da transformação Dessa gente que sente que um barracão prende mais que o xadrez Lá no morro, seu eu fizer uma falseta A Risoleta desiste logo do francês e do Inglês Amor lá no morro é amor pra chuchu As rimas do samba não são I love you E esse negócio de alô, alô boy e alô Johnny Só pode ser conversa de telefone. As relações entre o Brasil e seu vizinho, Argentina, não passaram despercebidas aos compositores da época. Após a aproximação da década de 30, com a viagem de Vargas a Buenos Aires em 1935, os argentinos figuraram em diversas canções. Noel Rosa, em 1936, com “Tarzan, o filho do alfaiate”, brincou com a enganadora imagem de força e atletismo com que os paletós com ombreiras, tão em moda na época, mascaravam a real fraqueza de seus usuários: Eu poso pros fotógrafos, e distribuo autógrafos A todas as pequenas lá na praia de manhã Um argentino disse, me vendo em Copacabana: ‘No hay fuerza sobre-humana que detenga este Tarzan’ Em 1939, Carmen Miranda, estrela do Cassino da Urca, parte para os Estados Unidos às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Em março de 1940, Carmen canta em um banquete para o presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt, na Casa Branca, sede do governo em Washington. Samba exaltação de Assis Valente, composto ainda em 1940, “Brasil Pandeiro” refere-se à apresentação de Carmen na Casa Branca e ao sucesso da boa vizinhança entre os dois países: O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada Anda dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato Vai entrar no cuscuz, acarajé e abará Na Casa Branca já dançou a batucada com Ioiô, Iaiá Carmen retorna ao Brasil em julho do mesmo ano, mas é rejeitada com frieza pelo grupo germanista do governo brasileiro em uma apresentação realizada no Cassino da Urca para a cúpula do Estado Novo, que acusava Carmen de ter absorvido influências americanas. A resposta veio, no show seguinte, com a canção “Disseram que voltei americanizada”, música de Vicente Paiva e letra de Luís Peixoto. 15 divulgação Especial Mas para cima de mim? Pra que tanto veneno? Eu posso lá ficar americanizada? Eu que nasci com o samba e vivo no sereno Tocando a noite inteira a velha batucada Nas rodas de malandro, minhas preferidas Digo mesmo ‘eu te amo’ e nunca ‘I love you’ Enquanto houver Brasil na hora da comida Eu sou do camarão, ensopadinho com chuchu Em 1941, o empresário Walt Disney, no papel de “embaixador da boa vizinhança”, viaja pela América Latina com o pretexto de criar novos personagens, procurar novos talentos e buscar inspiração para futuras produções. No Brasil, ele é recepcionado por Paulo da Portela em sua visita à quadra da escola de samba, onde possivelmente surgiu o primeiro embrião do que viria a ser, no ano seguinte, o papagaio Zé Carioca. Os cartunistas J. Carlos e Luis Sá iniciaram, então, o desenvolvimento da personagem-símbolo da amizade entre os Estados Unidos e o Brasil. Disney também se reuniu com a elite política da capital em jantares, recepções e eventos diversos, inclusive em celebração oferecida por Lourival Fontes, diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), no Cassino da Urca, com show especial de Russo do Pandeiro e Linda Batista. Em reunião com o presidente Vargas, Disney falou dos princípios que norteavam a boa vizinhança e a disposição das autoridades americanas em estreitar os laços de amizade com o Brasil. Ao retornar da viagem, Disney conhece em Los Angeles o bandolinista José do 16 ADB Patrocínio Oliveira, que assinara contrato com a 20th Century Fox, para acompanhar Carmen Miranda e o Bando da Lua em diversos filmes. Essa foi a inspiração que faltava à finalização de Zé Carioca, que apareceu no ano seguinte como uma das estrelas do filme “Alô Amigos” (“Saludos Amigos”, 1942), que adotara a canção “Aquarela do Brasil”, de Ari Barroso, e recebeu três indicações ao Oscar nas categorias “Melhor Trilha Sonora de Filme Musical”, “Melhor Som”, e “Melhor Canção original”. O sucesso foi tanto que logo veio a continuação: “Você já foi à Bahia?” (The Three Caballeros, 1945), que apresentava os laços de amizade entre Estados Unidos, México e Brasil, aliados na Segunda Guerra Mundial, por meio da amizade dos personagens Donald (Estados Unidos), Panchito (México) e Zé Carioca (Brasil). O gaúcho argentino, presente em “Alô Amigos”, desaparece desse segundo filme, por motivos óbvios. Indicado ao Oscar nas categorias “Melhor Som” e “Melhor Trilha Sonora de Filme Musical”, trazia diversas canções de Ari Barroso e interpretados por Aurora Miranda e o Bando da Lua. Um terceiro longametragem musical foi lançado em 1948 sob o título de “Tempo de Melodia” (Melody Time), com uma seqüência baseada na composição de Ernesto Nazareth, “Apanheite Cavaquinho” (“Blame it on the Samba”) e uma estética semelhante de “Você já foi à Bahia?”. José do Patrocínio foi tão marcado por emprestar sua voz ao papagaio, que adotou para si mesmo o nome de Zé Carioca e seguiu trabalhando como músico para a Disney Produções. Ainda em 1940 e 1941 o maestro Leopold Stokowski, conhecido por sua participação musical no filme “Fantasia”, da Disney, veio ao Rio de Janeiro e reuniu, por intermédio do brasileiro Heitor Villa-Lobos, os maiores nomes do samba brasileiro para gravações realizadas a bordo do navio S.S. Uruguay, equipado com a aparelhagem de gravação da Columbia Records. Faziam parte do seleto grupo de artistas Pixinguinha, Jararaca, Ratinho, Luís Americano, Augusto Calheiros, Donga, Zé Espinguela, Mauro César, João da Baiana, Janir Martins, David Nasser e mais uma centena de outros, conforme noticiado Especial ADB pela imprensa à época. O resultado das gravações foi reunido pela Columbia em dois raríssimos álbuns, com quatro discos 78RPMA cada, sob o título de “Native Brazilian Music”, nunca lançado no Brasil. Orson Welles também veio ao Brasil, onde mergulhou no mundo do samba para a filmagem de “Carnival in Rio”, registrando a batucada do sambista Raul Marques e do cantor Grande Otelo. O episódio faria parte do filme “It’s All True” (“É Tudo Verdade”), que, entretanto, nunca chegou a ser terminado pelo cineasta. A Política de Boa Vizinhança dos Estados Unidos recebeu críticas e inspirou diversos compositores. Dentre esses, “Boggie Woogie na Favela”, de Denis Brean, gravado em 1945 por Ciro Monteiro e Roberto Silva: Chegou o samba minha gente lá da terra do Tio Sam com a novidade e ele trouxe uma cadência que é maluca pra mexer toda a cidade O boggie woogie boggie woogie boggie woogie a nova dança que balança mas não cansa a nova dança que faz parte da política boa vizinhança. A Segunda Guerra Mundial foi inspiração para diversos sambas debochados. Em 1941, Wilson Batista e Moreira da Silva, de quem o samba-de-breque era especialidade, escreveram “Esta Noite Eu Tive um Sonho”, onde brincam com o flerte de Getúlio Vargas com a Alemanha na frase “Ich mag dich”, confundida propositalmente por “Ich nag dich”, significando exatamente o oposto. Tive vontade de comer uns bifes Ich nag dich, seu Fritz Não se resolve assim não Venho do Brasil Trago um presente pro senhor Esta ganha, esta perde Na voltinha que eu dou Já tinha ganho todos os marcos para mim Quando ouvi o ruído de um Zeppelin Eu acordei, tinha caído no chão Salsicha à noite não faz boa digestão Eu tive um sonho em alemão. Em 1942, Afonso Teixeira e Ubirajara Nesdan brincam da figura do líder nazista, Adolf Hitler na canção “Quem é o tal?”: Quem á que usa cabelinho na testa E um bigode que parece mosca Só cumprimenta levantando o braço Ê, ê, ê, ê palhaço! Deu samba nas relações internacionais II: Dos anos dourados à globalização No final dos anos 1950 a nação respira o clima de otimismo do período Kubitschek. A entrada de empresas estrangeiras e a modernização do cenário nacional mudavam a cara do país e tomavam o centro das atenções. Em 1958, Jackson do Pandeiro se mostra aberto a um intercâmbio com os norteamericanos sob a condição de que seja respeitada também a cultura nacional. O sucesso é a canção “Chiclete com Banana”, de Gordurinha e Almira Castilho: Eu só boto bebop no meu samba Quando Tio Sam tocar o tamborim Quando ele pegar no pandeiro e no Zabumba Quando ele aprender que o samba não é rumba Ai eu vou misturar Miami com Copacabana Chiclete eu misturo com banana E o meu samba vai ficar assim Tirurururiu bop-be-bop-be-bop Eu quero ver a confusão Tirurururiu bop-be-bop-be-bop Olha ai o samba-rock meu irmão A modernização e a liberdade que a sociedade brasileira sentia refletiram-se na juventude carioca, dando origem à bossa nova. O Brasil redefinia a sua identidade, discutida 17 Especial ADB divulgação "Temos Idos", de Cartola, mostra trajetória de valorização do samba intensamente entre os estudiosos do ISEB e da UNE. A influência dos ritmos estrangeiros e a cultura popular geravam debates fervorosos na mídia e no meio intelectual. Ainda na década de 50, o Rio de Janeiro recebeu a visita da duquesa de Kent. Aconselhada a assistir apresentações de óperas e orquestras sinfônicas, a visitante não demonstrou interesse pelos espetáculos clássicos sugeridos pelo governo brasileiro e pediu para conhecer de perto uma escola de samba. O famoso sambista da Portela, Natal, recebeu do chanceler Negrão de Lima, a responsabilidade de oferecer um show de samba à duquesa. Tal apresentação inspirou o samba “Tempos Idos”, de Cartola, que descreve a trajetória de valorização do samba, referindo-se às apresentações de Pixinguinha do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e suas diversas viagens ao exterior. Cartola também mostra a transformação do samba num espetáculo, o que está diretamente ligado com a aproximação entre a elite e o samba. E muito bem representado Por inspiração de geniais artistas O nosso samba, humilde samba Foi de conquistas em conquistas Conseguiu penetrar no Municipal Depois de percorrer todo o universo Com a mesma roupagem que saiu daqui Exibiu-se pra Duquesa de Kent no Itamaraty Na virada da década de 1960, os Estados Unidos intensificavam suas demonstrações 18 internacionais de poderio militar e econômico. O envio de tropas norte-americanas à Coréia e ao Vietnã aumentou no Brasil a crítica à influência exercida nos campos econômico, político e cultural pelos EUA. A esse respeito, Nei Lopes e João Nogueira condenam o modismo e a belicosidade americana no samba “Eu não falo gringo”: Ou me dá um terno branco, ou não precisa me vestir Bunda de malandro velho não se ajeita em calça Lee Às vezes eu sinto um carinho por este velhinho chamado Tio Sam Só não gosto é da prosopopéia que armou na Coréia e no Vietnã Mesmo durante o regime militar brasileiro, a realeza sempre fez parte do imaginário popular, despertando curiosidade e respeito. Em 1968, durante o governo Costa e Silva, o Brasil recebeu a visita da família real inglesa. Em Salvador, o talentoso sambista baiano Riachão foi convidado a se apresentar para a rainha, apresentando a canção que escreveu em sua homenagem, agradecido e emocionado pela oportunidade de apresentar-se em frente à rainha Elizabeth II: Da Inglaterra Veio direto ao Brasil Sei que você também viu Em plena Avenida Sete Foi aplaudida no Palácio da Aclamação Foi a maior emoção A Rainha Elizabeth O nacionalismo e a defesa dos interesses nacionais despertavam manifestações de diversos segmentos da sociedade, nem sempre concordantes. O tema da relação entre Brasil e Estados Unidos continuava em voga, e não raro os artistas aplaudiam com orgulho a qualquer manifestação de resistência à grande potência. Na década de 70 o governo brasileiro estendeu de 12 para 200 milhas da costa a proibição da pesca por barcos estrangeiros, assinando o acordo Brasil-EUA sobre a pesca no mar territorial brasileiro, em 1972. No mesmo ano, o vigilante João Nogueira escreveu a canção “Das 200 para lá”: ADB Este mar é meu Leva seu barco pra lá deste mar Vá jogar a sua rede das duzentas para lá Pescador de olhos verdes vá pescar em outro lugar. Outro tema que inspirou diversas canções foi a política portuguesa. Em 1974 a Revolução dos Cravos põe fim ao salazarismo em Portugal, inspirando Chico Buarque a compor a canção “Tanto Mar”. Inicia-se o processo de descolonização das províncias ultramarinas portuguesas, e, em 1975, o Brasil é o primeiro país a reconhecer a independência de Angola. Dessa forma, chega ao fim o regime que anos antes proibira a canção “Terra Seca”, de Ari Barroso, por considerá-la uma crítica à manutenção das colônias portuguesas na África. Ai, meu sinhô, nego tá veio, não agüenta! Essa terra tão dura, tão seca, poeirenta... O nego pede licença pra falar Em 1978, ano em que se inicia a segunda crise do petróleo, o jogador Roberto Rivelino, titular da Seleção Brasileira campeã da Copa de 1970, foi jogar em um time da Arábia Saudita em troca de um pagamento milionário. Era o início do êxodo de craques brasileiros, registrada no samba “O Patrão Mandou”, de Paulinho Soares. Ironicamente, anos após a composição, Zico foi jogar no exterior exatamente como o sambista profetizou. O Patrão é fogo! Ele é quem dá as cartas, banca o jogo Tá mentendo sempre o bico no fubá qual tico-tico! No troca-troca, o Patrão que é mais rico Já levou o Rivelino e vem, depois, buscar o Zico! Apesar de sempre presente na cultura nacional, desde o surgimento do rock’n roll, o samba vinha perdendo espaço na mídia, que dedicava cada vez mais espaço aos produtos estrangeiros. As rádios já se dedicavam quase inteiramente a músicas de língua inglesa. O samba reforçava a sua postura de resistência cultural e lutava pela manutenção de seu espaço como a verdadeira música brasileira. Protestando contra o estrangeirismo adotado pela juventude e seu desprezo pela cultura nacional, Candeia cantou, evo- Especial cando o tema que se mostrou recorrente em todas as gerações do samba: Eu não sou africano nem norte-americano ao som da viola e do pandeiro sou mais o samba brasileiro. À juventude de hoje dou meu conselho de vez: quem não sabe o beabá, já quer falar inglês. Aprenda o português! A predominância dos produtos culturais estrangeiros na mídia tornou difícil a vida de muitos artistas brasileiros. No mesmo espírito de crítica à redução de espaço para sua música nas rádios, o sambista malandro Dicró grava o debochado samba “Mr. Dicró”, em 1988: É, pois é, eu também já mudei de opinião Vou querer ganhar em dólar escondido do leão (camon everybody) Vou traduzir meus pagodes, vou cantar só em inglês Vou tocar nas FMs, isso eu garanto a vocês A globalização da década de 90 renovou a visão da presença cultural estrangeira. O intercâmbio é visto de forma mais positiva, e já se torna inevitável. Ao mesmo tempo, a evolução das comunicações e o surgimento da internet criam nova interação de mídias e possibilitam uma forma de criação e divulgação independente da presença em rádio e gravadoras, abrindo espaço para a revitalização do samba e outros ritmos nacionais. A globalização, a internet, e a liberdade de informação em rede mundial influenciaram a obra de Gilberto Gil, que, em alusão ao primeiro samba gravado, “Pelo Telefone” (1917), de Donga e Mauro de Almeida, compõe a canção “Pela Internet”, em que gigabytes e orixás, Nepal, Praça Onze e videopôquer convivem na mesma rede. Eu quero entrar na rede pra contactar Os lares do Nepal, os bares do Gabão Que o chefe da polícia carioca avisa pelo celular Que lá na Praça Onze tem um videopôquer para se jogar *Aline Mirilli Mac Cord tem 31 anos, é jornalista e publicitária, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pela PUC-Rio, e pós-graduada em Marketing pela FGV. 19 Talentos da Casa ADB Diplomatas in concert Arquivo Pessoal Mesmo com a dificuldade de conciliar horários de ensaio com o trabalho, Igor Germano segue com sua guitarra e a banda Cafuné Experience C onciliar o talento para as artes com a pesada rotina da vida diplomática pode parecer difícil, mas para quem leva o hobby a sério, é uma experiência única. A música pode ser motivo para “estreitar laços” com os colegas de trabalho ou até mesmo para despertar dons ainda não explorados, como a literatura. Seja roqueiro ou músico mais erudito, não é difícil encontrar artistas entre os diplomatas brasileiros. Igor Germano, da Divisão de Informação Comercial (DIC), não precisou se separar da guitarra só porque se tornou diplomata. Guitarrista desde os 12 anos, aprendeu bem cedo a conciliar estudo e diversão. “Na época em que estava estudando para o Rio Branco, tive de deixar um pouco de lado a guitarra, mas valeu a pena”, diz. Igor, diplomata desde 2003, aproveitou o convívio 20 com outros colegas em início de carreira que moravam nos apartamentos funcionais do Itamaraty na SQS 411, para participar da “Festa da Prumada”, promovida por três apartamentos de diferentes andares da mesma prumada. Ambientes e sons distintos, oferecidos no inusitado evento, atraíam os festeiros de carteirinha. Reunir amigos – O diplomata, integrante da banda de rock Cafuné Experience, tocou em três edições da “Festa da Prumada”. Para ele, o evento era pura diversão. “Esse tipo de festa é muito bacana porque mistura gente do trabalho com pessoas desconhecidas. Dessa forma estreitamos os laços e podemos conhecer outros diplomatas que têm envolvimento com a arte”, comenta. Outra festa que faz sucesso entre os profissionais do Itamaraty é a “Lust for Life”. Idealizada ADB Talentos da Casa e organizada por Oficiais de Chancelaria, a Ter sido vencedor no concurso foi o estíprimeira versão aconteceu em dezembro do mulo que precisava para não parar mais de ano passado e a próxima está prevista para escrever. Começou pouco depois os estudos março. Igor Germano e a Cafuné Experience formais de composição, ao mesmo tempo já confirmaram a presença. “É difícil con- em que recebia as primeiras encomendas. ciliar horários para ensaiar, mas tentamos Para Gustavo, a composição demanda, além nos reunir toda semana”, conta. Apesar da de tempo, muita energia. Ele conta que é dificuldade, o diplomata roqueiro diz que preciso estar disposto para compor, pois é a música ocupa um lugar privilegiado em necessário muito mais de trabalho braçal do sua vida. “O universo da música têm gran- que se imagina. “Inspiração, quando aparede influência sobre mim, pois quebra meu ce, é ótimo, mas não é indispensável para cotidiano, me ajuda a abstrair os problemas começar a trabalhar”, afirma. e ainda me faz ter contato com amigos queridos”, afirma. Literatura – No entanRotina de Gustavo de Sá, chefe do to, compor não é sua única trabalho Setor Cultural da Embaixada atividade. Literatura é a do Brasil na Alemanha, é segunda grande paixão. E exigente não outro diplomata que mantém assim como a música, ele impede Gustavo estreita relação com a músiinscreveu um conto num de Sá de dedicar ca. Adotou a clarineta como concurso anual do jornal O pelo menos duas instrumento, pratica regularGlobo, chamado Contos do horas do dia à mente, e tornou-se composiRio. O tema era futebol, por tor. “Toco razoavelmente, mas ocasião da Copa do Mundo, arte não me atreveria a fazer uma e o conto deveria se passar apresentação, pois a rotina de obrigatoriamente no Rio de trabalho não me permite estudar o neces- Janeiro. Apesar de não ser um torcedor fanásário”, conta. Na opinião de Gustavo, é tico, Gustavo resolveu tentar a sorte. “Para normal para quem ama música querer participar do concurso, portanto, não podetocar algum instrumento, assim como ria nunca escrever um texto que envolvesse quem adora ler, querer escrever. detalhes técnicos do jogo”, conta. Foi então As composições, no entanto, ficaram res- que nasceu um conto sobre o passeio de um tritas à intimidade. Gustavo sabia o quanto uruguaio pelo Rio depois da final da Copa poderia ser difícil encontrar um músico de 1950. E para sua surpresa, mais uma vez que apostasse em seu trabalho de compo- ganhou o prêmio. “O tema atraiu escritores sitor iniciante. Mesmo assim, apostou no do Brasil inteiro, foram mais de dois mil talento e inscreveu uma peça no Concurso contos inscritos. Fiquei muito surpreso.” Nacional de Composição Coral, organiCom a prova de que tem talento de zado pela Escola de Música Villa-Lobos sobra, e apesar da rotina de trabalho e Fundação de Arte do Estado do Rio de muito exigente, Gustavo se esforça para Janeiro. Gustavo Sá esperava que sua com- dar fôlego a sua arte. Hoje tem se dedicaposição fosse classificada, mas o resultado do mais ao trabalho literário. “Duas horas foi além e o surpreendeu. O júri, composto de trabalho num texto podem render por uma banca de respeitados maestros e uma página sem grande dificuldade; em compositores, deu ao diplomata o primeiro música, isso freqüentemente não dá uma lugar no concurso, por unanimidade. linha”, explica Gustavo. 21 Ponto de Vista ADB DOM PEDRO I, AMANTE DA...MÚSICA O primeiro imperador do Brasil foi uma personalidade, se não protéica, pelo menos de vivos contrastes, em que se misturavam o sagacidade e faro político do pai com a decisão, mau gênio e mesmo violência de Carlota Joaquina. Felizmente para o Brasil, no coquetel de qualidades e defeitos herdados por D. Pedro I não constavam nem a poltronice do pai nem o espírito reacionário da mãe; este último ficou inteiramente (bem, quase inteiramente, pois sobrou um pouco para Pedro) para o irmão Miguel. 22 Mau estudante, o futuro imperador preferia trocar as lições pela companhia dos cavalariços e dos próprios cavalos. Conta Gilberto Freire que o inglês que o herdeiro do trono sabia foi em parte aprendido a um groom inglês, “de quem adquirira um vocabulário da língua de Shakespeare que não era precisamente de salão ou de corte”.1 Tal preferência não lhe foi destituída de proveito, pois Pedro tornou-se excelente cavaleiro: consta que certa vez cavalgou do Rio à capital paulista em cinco dias. Quanto ao idioma francês, só veio a estudá-lo quando ficou noivo de Leopoldina, a fim de poder comunicar-se com ela. Como diz Pedro Calmon: “A instrução de D. Pedro nunca foi uma cogitação séria[...]. Mais tarde imperador, daria a impressão de uma inculta inteligência que se dirige, toda, pelos sulcos da própria intuição”.2 Mau marido, logo se desinteressou da esposa austríaca e, para maior humilhação desta, trazia ao palácio a duquesinha de Goiás, filha nascida de sua escandalosa ligação com a Marquesa de Santos, para brincar com as filhas de seu casamento com Leopoldina. Afinal, eram todas irmãs... Depois de desfilar tantos defeitos de seu caráter, devo dizer que há um traço de sua personalidade que desperta minha simpatia: seu amor pela música. Sobre isto não pode haver dúvida: de música ele entendia e gostava de verdade. ADB Ponto de Vista Sua esposa, Leopoldina Carolina de missas cantadas, serenatas italianas e solHabsburgo, arquiduquesa d’Áustria,3 fejo”.6 Como se verá adiante, a falta de vinda da cidade mais musical da Europa, método no aprendizado musical de Pedro assim escrevia à tia Luísa Amélia, grã- foi mais tarde remediada. duquesa da Toscana, em 24 de janeiro de 1818: “Passo o dia todo a ler, escrever Instinto – Em carta a seu pai, o impee fazer música; como meu marido toca rador Francisco I, a futura imperatriz muito bem quase todos os insenviou um Te Deum e outra trumentos, eu o acompanho composição de autoria do ao piano e deste modo tenho marido, que aperfeiçoou o A música era a satisfação de estar sempre que aprendera instintivaa verdadeira perto da pessoa amada”.4 mente, de ouvido, tomando vocação do Pedro Calmon conta que, aulas com Sigismund von primeiro ao terceiro dia da chegada Neukomm durante a estada imperador de Leopoldina ao Rio, D. deste na capital brasileira. brasileiro. Falta Pedro, “para ser gentil, Pianista, organista e compode método foi cant[ou] uma ária em sitor, nascido em Salzburg, compensada por honra do embaixador Neukomm era considerado austríaco, o conde de o mais talentoso discípulo herança familiar Elts”.5 Em outro ponto de Haydn. Chegou ao Brasil diz o mesmo autor: em 1816, acompanhando o “Música - isto sim, era a sua voca- duque de Luxemburgo, enviado em misção. Aprendeu-a um pouco por são diplomática por Luís XVIII, e residiu si, instintivamente, sem no Rio de Janeiro até 1821, tendo retornamétodo, com uma do à Europa com D. João VI. ponta de gênio Em 7 de setembro de 1822, tendo a notícia que lhe herdara do ocorrido às margens do Ipiranga chegado a família atra- a São Paulo, e preparando-se grande manifesvés de cinco tação patriótica num teatro da cidade, Pedro gerações de em poucas horas compôs a música do Hino príncipes e da Independência, sobre texto que Evaristo rainhas doi- da Veiga havia escrito um mês antes. dos por A composição do príncipe foi entregue a arranjadores e copistas, cujo rápido trabalho fez com que tudo ficasse pronto a tempo do próprio compositor poder cantála no teatro, naquela mesma noite. Comecei dizendo que nosso primeiro soberano foi mau estudante; de música, no entanto, parece merecer nota 100 com louvor. Marcelo Raffaelli 23 Além do Itamaraty ADB Wanderley Pessoa/Ascom Mec Potencial da educação na política externa A pós 18 anos de carreira, o diplomata Alessandro Warley Candeas assumiu, pela primeira vez, um cargo fora do Itamaraty. Desde abril de 2005, é o chefe da Assessoria Internacional do Gabinete do Ministério da Educação (MEC), substituindo a colega embaixadora Vitória Cleaver, chamada para a Embaixada em Nicarágua. “A prioridade é mostrar às diversas áreas do Itamaraty o potencial da educação como fator de política externa e de cooperação internacional”, afirma. Nascido em Recife, 41 anos, o diplomata, bacharel em ciências jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, foi condecorado em 1988 com o Prêmio Barão do Rio Branco pelo primeiro lugar no Curso de Preparação à Carreira de Diplomata do Instituto Rio Branco (IRBr). Doutor em Socioeconomia do Desenvolvimento em Paris, na França, Candeas iniciou no Departamento de Organismos Internacionais do Itamaraty (1989-90) e passou pela Divisão do Meio Ambiente (1990-91). O diplomata ainda integrou a Delegação Permanente do Brasil junto à Unesco, em Paris (1993-97), trabalhou na Secretaria de Planejamento Diplomático (1997-2001) e seu último posto no Itamaraty foi como Chefe do Setor de Política Interna e Relações com o Congresso 24 na Embaixada do Brasil em Buenos Aires, Argentina (2001-05). Candeas também se destacou na vida acadêmica. Foi professor visitante no curso de Relações Internacionais das Universidades del Salvador e de Buenos Aires, ambas na Argentina. Em entrevista ao Boletim da ADB, o diplomata conta como está sendo a experiência no MEC. Candeas destaca que a gestão do ministro Fernando Haddad – a partir de julho de 2005 – foi marcada principalmente pela ampliação da agenda internacional e pela maior dinâmica da cooperação bilateral e multilateral. Segundo ele, o Brasil é cada vez mais percebido como ator relevante no plano educacional. Com isso, cresce o interesse de países desenvolvidos e em desenvolvimento em estabelecer estreita parceria com diversos setores brasileiros, em diferentes níveis, além de se construírem ADB parcerias políticas bem sucedidas, como merenda escolar, distribuição do livro didático, financiamento, avaliação e capacitação docente. O Integrador – De acordo com o chefe Além do Itamaraty Candeas aponta também o forte potencial de expansão das ações no ensino superior, incluindo pós-graduação da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (Capes), sobretudo nos países do Mercosul, da África e da Ásia, mantendo o alto nível de intercâmbio com a Europa. A Capes trabalha com propostas de internacionalização da pós-graduação em países africanos. da assessoria internacional do MEC, foram abertos, no plano bilateral, novos laços com os países em desenvolvimento e os desenvolvidos. No primeiro caso, a ênfase é no Mercosul e na África, onde existe Mercosul – O Brasil tem fronteira com interesse cada vez maior. Um dos exemplos todos os países que compõem o Mercosul, é o Proformação, programa de educação a exceto Chile e Equador. A idéia é implandistância que atua na formação tar nas cidades de fronteide professores em Cabo Verde, ras as Escolas Bilíngües de MEC ampliou na África. O Brasil também Fronteiras. Segundo Candeas, agenda ajuda na construção da primeia necessidade da maioria internacional , ra universidade do país. “Nossa é de Português e Espanhol, com dinamismo visão da África é de cooperamas no segundo semestre o na cooperação ção. Investimos na formação projeto também será implanbilateral e de recursos humanos daquele tado na Guiana, país interesmultilateral país, sem exportar os nossos sado em escola bilíngüe em professores; formamos profisInglês e Português. sionais locais, que ensinem a No inicio de março os munipartir da própria cultura”, frisa Candeas. cípios de Letícia e Tabatinga (AM), fronteira O crescente atendimento às necessidades com a Colômbia, lançam a Escola Bilíngüe educacionais das comunidades brasileiras no de Fronteira Brasil–Colômbia. O MEC está exterior é outro modelo citado por Candeas. trabalhando com a Universidade Federal do Segundo ele, o MEC tem trabalhado com Amazonas (Ufam) na formação de professores êxito na oferta do ENCCEJA (antigo supletivo) de espanhol, para ajudar os países vizinhos na no Japão e na Suíça. O Ministério também formação de professores de português. A ação recebeu pedido de realização de exames nos iniciou em 2004 na Argentina e será ampliado Estados Unidos e na Europa (Itália). para o Paraguai, o Uruguai e a Bolívia. Além do antigo supletivo, o MEC apóia escolas brasileiras no exterior. É o caso do Lições de um diplomata – Nesse Japão, onde estudantes brasileiros residentes processo educacional, Candeas percebeu naquele país recebem auxílio na grade cur- a importância da união da prática de ricular normal de escolas locais – Português, trabalho, a mentalidade institucional e a História, Geografia e Literatura Brasileira visão de mundo obtida no Itamaraty. “Da – com a formação de professores capacita- carreira diplomática, trouxe para o MEC dos e mecanismos de difusão de material muito da sensibilidade que aprendi, da didático. Nos Estados Unidos, a demanda importância de construirmos nova mentaé de escolas que querem ter mais apoio no lidade de integração a partir da escola e ensino do Português. da universidade.” 25 Vida que Segue ADB Corpo e mente em equilíbrio Arquivo Pessoal O Apanhador no Campo de Centeio, do escritor J.D. Salinger (1919), foi publicado nos Estados Unidos em 1951 e está entre as obras mais marcantes da literatura norte-americana do século XX. A primeira tradução em português da obra chegou ao Brasil em 1965. Entre os responsáveis pela versão brasileira do clássico estava o jovem diplomata e economista Jório Dauster Magalhães e Silva (foto). Natural do Rio de Janeiro, Dauster entrou no Itamaraty em 1961 e, ao lado dos colegas diplomatas Álvaro Alencar e Antônio Rocha, assina a tradução do clássico lançado no Brasil pela Editora do Autor. Selo criado pelos escritores Fernando Sabino, Rubem Braga e Walter Acosta. O título já superou a marca das 200 mil cópias vendidas no País. O embaixador se aposentou em 1999 ao ser convidado para assumir a presidência-executiva da Companhia Vale do Rio 26 Doce, a maior empresa privada do País, onde ficou até 2002. A tradução de obras literárias ainda é o grande hobby intelectual desse carioca. Ele também trouxe para a língua portuguesa o livro Lolita, do russo Vladimir Nabokov, entre outros. “Há muitos anos tenho algum trabalho em andamento: é só ligar o computador, puxar o arquivo e lá vou eu pelos caminhos e descaminhos dos jogos lingüísticos”. Para Jório Dauster, a tradução de grandes autores é um imenso desafio. “Conquanto ADB exija absoluto respeito ao original, sempre demandará um esforço de recriação no vernáculo. Tem de ser um trabalho de amor, sem prazos ou condições”. Biodiesel – Prestes a completar 70 anos de idade, Dauster é presidente do Conselho de Administração da Brasil Ecodiesel. “Meu envolvimento com o biodiesel tem sido estimulante porque estamos contribuindo para desenvolver um setor em que o Brasil em breve ocupará a liderança mundial”. Segundo o embaixador, melhor ainda é trabalhar em uma área em que se busca substituir os combustíveis fósseis, com reservas finitas e grande potencial de conflito geopolítico, por fontes energéticas renováveis, menos poluentes. “Meu engajamento na causa do biodiesel tem me levado a participar de numerosos seminários e conceder freqüentes entrevistas à imprensa tanto no Brasil quanto no exterior.” Dauster ressalta o caráter de inclusão social do Programa Nacional do Biodiesel (PNPB) e comprometimento da empresa em fomentar da agricultura familiar em todo o território nacional. Agenda cheia – Após deixar a presidência da Vale do Rio Doce, passou a atuar como consultor de empresas e articulador de negócios. Presta serviço para organizações como a Rio Tinto do Brasil e Grupo Synergy (empresas de construção naval). Além disso, foi presidente do Instituto de Estudos Políticos e Sociais entre 2003 e Vida que Segue 2006. É um dos fundadores do Instituto DNA Brasil e participa do Pen Clube do Brasil. Trabalha ainda como coordenador dos conselhos de negócios da Associação Comercial do Rio de Janeiro e é membro do Comitê Executivo do Global Crop Diversity Trust, com sede em Roma. Para ele, ter a agenda bem preenchida é indispensável para se ter qualidade de vida. “Essa gama variada de ocupações e interesses é essencial para que corpo e mente continuem operando a todo vapor”. Histórico – Durante os 38 de serviço no Itamaraty, o diplomata Jório Dauster trabalhou em países como Canadá, na então Tchecoslováquia, Reino Unido e Bélgica, onde foi embaixador junto à União Européia. Passou grande parte da carreira no Brasil. Foi diretor no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), presidente do Instituto Brasileiro do Café (IBC) e embaixador extraordinário para a negociação da dívida externa. Atualmente, Dauster mora em Brasília, mas ainda passa grande parte do tempo no Rio de Janeiro. Ele lamenta o atual contexto de violência cotidiana e a falta de civilidade generalizada na cidade natal. “Para quem teve o privilégio de viver os Anos Dourados na Tijuca e no Arpoador, é duro encarar os problemas de hoje em dia.” De qualquer modo, diz não ter cabeça para ficar vendo a vida pelo espelho retrovisor e declara seu amor pela cidade maravilhosa, com o respaldo de quem conhece as mais variadas paisagens do mundo. “Como aquela mistura de mar e montanha não tem igual neste nosso sofrido planeta, o resto a gente vai tratando de inventar – ou reinventar.” 27 Cooperação PLP Q Oito nações uni uando chegou ao Brasil em 2001, Nivaldo Domingos Gomes teve de se ajustar à cultura e ao estilo de vida brasileiro. O fato de ser de Guiné-Bissau, na África, país cujo idioma oficial é a língua portuguesa, não facilitou sua adaptação com o português falado por aqui. “No começo, não entendia nada, era muito difícil me comunicar”, lembra. Nivaldo estuda Sociologia na Universidade de Brasília (UnB), por meio do Programa de Estudantes – convênio de graduação (PEC-G), administrado pelos Ministérios da Educação e das Relações Exteriores (MRE). O PECG permite que jovens estrangeiros de mais de 43 países tenham a oportunidade de estudar em universidades brasileiras. Neste ano, 368 novos alunos ingressarão em instituições de nível superior de todo o País. “Em Guiné não tinha faculdade. Foi uma chance para continuar os estudos.” Entre 2000 e 2007 foram registrados 4,2 mil jovens no PEC-G e no Programa de Estudantes – convênio de pós-graduação (PECPG). Destes, 2.650 são de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (Palops). De acordo com a conselheira Almerinda Augusta Carvalho, chefe da Divisão de Temas Educacionais do Itamaraty, os PECs são uma importante política de Estado, pois criam vínculos entre pessoas de nações diferentes. Laços lusitanos – São 220 milhões de falantes nativos da língua portuguesa no mundo. Depois do espanhol, é a língua latina mais falada no mundo. São oito países, divididos em quatro continentes, que a têm como idioma oficial: Brasil, Angola, 28 ADB Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Portugal e Timor-Leste. Em julho de 1996, em Lisboa, realizouse a I Conferência de Chefes de Estado e de Governo desses países (exceto TimorLeste). A data ficou marcada pelo nascimento da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Em 2002, o Timor-Leste incorporou-se ao grupo. Apesar de a CPLP ter dez anos de idade, a idéia surgiu em 1989, durante o governo do então presidente José Sarney. Por iniciativa dele, foi criado o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), em São Luís, Maranhão. Na gestão de Itamar Franco, a ADB Cooperação PLP das pelo idioma Irene Sesana “Esses países passaram a entrar na agenda da política externa brasileira de maneira muito forte. Sobretudo os que enfrentaram processos internos complicados.” Parcerias – Os projetos de cooperação idéia de união dos países de língua portuguesa voltou à tona até que, em 1996, no governo de Fernando Henrique Cardoso, a comunidade se tornou oficial. A CPLP é um organismo multilateral e funciona em torno de três eixos: difusão, promoção, propagação e fortalecimento da língua portuguesa; cooperação para o desenvolvimento econômico e social entre os membros e concertação político-diplomática e criação de mecanismos de solução de crises. De acordo com o chefe da Divisão da África II, ministro João Inácio Padilha, o Brasil tem acordos de diversos tipos em todo o mundo, mas os programas de cooperação entre os integrantes da CPLP são mais numerosos. técnica entre os membros da CPLP estão divididos em diversas áreas. A Agência Brasileira de Cooperação (ABC) é um dos agentes de coordenação desses programas. A ABC tem como objetivo negociar, coordenar, implementar e acompanhar os programas e projetos brasileiros de Cooperação Técnica Internacional (CTI). Os projetos de cooperação da ABC no âmbito dos países de língua portuguesa são, em sua maioria, técnicos. A agência atua como principal instrumento da política externa brasileira na CPLP. “Depois que capacitamos e transferimos a tecnologia, o projeto passa a ser responsabilidade do governo local”, diz Monteiro. Organizações brasileiras são parceiras da ABC, como Senai, Embrapa e Fundação Oswaldo Cruz. Um exemplo da cooperação técnica prestada pelo Brasil a outros países é na área de saúde pública. Outro destaque é a criação do Centro de Desenvolvimento empresarial, Formação profissional e Promoção social, no Timor-Leste, e o Centro Regional de Excelência em Desenvolvimento Empresarial em Angola. Social – Não é só no Brasil que o governo investe em políticas sociais. Os Palops estão sendo capacitados para desenvolver o programa Bolsa Família. “Já implantamos alguns projetos pilotos em Angola e em Moçambique. Os resultados são positivos e pretendemos expandir a idéia para outros países”, conta o ministro Edson Monteiro. 29 Prata da Casa 30 ADB Luis Fernando Corrêa da Silva Machado: Brasil e investimentos internacionais: os acordos sobre IED firmados pelo País (Pelotas: Editora da UFPel, 2005, 222 p.). Otávio Augusto Drummond Cançado Trindade: O Mercosul no Direito Brasileiro: incorporação de normas e segurança jurídica (Belo Horizonte: Del Rey, 2007, 180 p.). A obra resulta do mestrado em relações internacionais na UnB e cobre de maneira quase completa – faltando referência ao MAI-OCDE – os instrumentos multilaterais, regionais e bilaterais existentes no campo do investimento direto estrangeiro e sua aplicação ao Brasil. Depois de breve histórico e do exame das teorias e medidas práticas relativas ao IED, no plano internacional, a obra cobre os fluxos de IED vindos para o Brasil na década de 1990 e a normativa a eles aplicada. Um capítulo trata dos protocolos aprovados no âmbito do Mercosul, bem como dos acordos bilaterais contraídos pelo Brasil, nenhum deles aprovados ou em vigor na atualidade. O Brasil continua relutante a esse respeito, confirmando que gosta de capitais estrangeiros, mas detesta capitalistas estrangeiros, como ocorre em diversas outras áreas também. A despeito do grande mercado interno, o Brasil continua recuando na atratividade do IED. Essa dissertação mostra algumas das razões da baixa captação. Uma monografia agraciada com o prêmio Hildebrando Accioly do mestrado em Diplomacia do Instituto Rio Branco, o trabalho deste jovem diplomata tem tudo para consagrar-se como uma das melhores análises acadêmicas sobre a “insegurança jurídica” do Mercosul, a despeito de todos os instrumentos aprovados no plano formal da solução de controvérsias. A razão disso é que os estados membros pouco fizeram para internalizar grande parte das normas aprovadas consensualmente (outra dificuldade). O autor não se contenta em examinar o conceito de segurança e a natureza jurídica das normas do Mercosul, mas examina sua incorporação ao direito interno dos países membros e formula sugestões para o aperfeiçoamento desse processo. A maior parte das sugestões são de procedimento, mas o autor reconhece a necessidade de uma reforma constitucional, tarefa que se choca com a velha defesa da soberania nacional. Assim, a integração continua a patinar... ADB Marcelo Raffaelli: A Monarquia e a República: aspectos das relações entre Brasil e Estados Unidos durante o Império (Rio de Janeiro: Centro de História e Documentação Diplomática; Brasília: Funag, 2006, 290 p.). Exemplo de síntese histórica, em sua objetividade e concisão, a compilação feita dos despachos e ofícios trocados pelos diplomatas dos dois países com suas respectivas Secretarias de Estado compõe um relato saboroso das relações bilaterais entre os dois grandes países do hemisfério. Organizado tematicamente, antes que cronologicamente, o livro cobre desde o reconhecimento da independência brasileira até o fim do regime monárquico e a inauguração da República. A obra faz a descrição sintética dos chefes de missão e suas respectivas instruções diplomáticas, analisa os problemas do tráfico escravo, da Guerra de Secessão e da abertura do rio Amazonas à navegação internacional, bem como as questões políticas e jurídicas do relacionamento bilateral (arbitragens). Excelente resumo das fontes primárias, com intenso apoio nos arquivos oficiais e em bibliografia equilibrada sobre essas relações. Prata da Casa Rubem Mendes de Oliveira: A Questão da técnica em Spengler e Heidegger (Belo Horizonte: Argumentum-Tessitura, 2006, 132 p.). O Itamaraty abriga alguns filósofos, mais empíricos do que profissionais, ainda que vários diplomatas tenham feito estudos e até obtido titulação pós-graduada nessa área. Mas, certamente ele ainda não contava, entre seus quadros, com um filósofo da “técnica”, com a competência e a amplidão de conhecimentos demonstrados por Rubem Oliveira neste seu livro de estréia, que reproduz sua dissertação na UFRJ (1991). O estatuto de Spengler e de Heidegger é diferenciado na história e na filosofia do século XX, mas o autor soube dialogar com ambos naquilo que eles apresentaram de mais relevante para o estudo e a discussão da modernidade e da ciência no contexto do pensamento ocidental, remontando inclusive a clássicos (Kant). Trata-se de uma leitura comparativa que vai à essência do problema da técnica na obra dos dois autores, amparada em sólida bibliografia de apoio. Um livro que coloca o autor na lista seleta dos pensadores profissionais da filosofia da técnica no Brasil. 31 Entrelinhas N a 14ª Assembléia Geral, realizada no Clube das Nações, em 14 de dezembro de 2006, o advogado Antônio Torreão Braz, assessor jurídico da ADB, apresentou relatório do andamento das 17 ações judiciais movidas pela associação. Segue abaixo alguns dos processos. A lista completa pode ser vista no site da ADB (www. adb.org.br). Reajuste residual de 3,17% – Processo 2002.32643-7 – A ação movida pela ADB que cobra da União o pagamento de atrasados relativos aos meses de janeiro de 1995 a dezembro de 2001, teve parecer favorável à associação e está em fase de execução de sentença. Os cálculos tiveram como base a diferença entre o que os filiados à ADB percebiam e o que deveriam perceber se em suas remunerações tivesse sido computado o reajuste residual de 3,17%, desde janeiro de 1995. Direito ao GDAD – Processo 2002.32644-0 – Visa a garantir aos aposentados e aos pensionistas o direito à percepção integral da Gratificação de Desempenho por Atividade Diplomática (GDAD), no mesmo patamar recebido pelos servidores em atividade. O processo em questão possui sentença favorável à ADB e está nas mãos do desembargador federal Carlos Moreira Alves, da Segunda Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal da 1a Região, para o julgamento das apelações da ADB e da União Federal. Licença-prêmio – Processo 2004.5986-7 – Procura o reconhecimento do direito de converter em dinheiro 32 ADB os períodos de licença-prêmio e/ou licença especial, conquistados e não gozados, com a conseqüente condenação da União ao pagamento de tais valores. Já há sentença favorável à ADB. A desembargadora federal Neuza Maria Alves da Silva, da Segunda Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal da 1a Região, deve julgar as apelações da associação e da União Federal. Reajuste de 28,86% – Processo 2003.7822-2 – A ação pretende condenar a União ao pagamento dos valores atrasados referentes ao reajuste de 28,86% sobre as parcelas compreendidas entre 1o de janeiro de 1993 e 30 de junho de 1998. O processo, cuja sentença é favorável à ADB, foi remetido ao Tribunal Regional Federal da 1a Região para o julgamento das apelações da ADB e da União Federal. Incorporação de quintos – Processo 2004.5987-0 – Tem o objetivo de garantir o direito à percepção acumulada das vantagens constantes dos artigos 62 e 192, II, da Lei no 8.112/90, em suas redações originais, assim como garantir o recebimento futuro do valor correto aos servidores em atividade que, em abril de 1998, haviam preenchido todos os requisitos para a aposentadoria. Os autos foram remetidos ao Tribunal Regional Federal da 1a Região para julgamento da apelação da União. Auxilio alimentação – Processo 2005.22417-4 – Prevê garantir a percepção do auxílio-alimentação nos mesmos valores pagos aos servidores do Poder Legislativo. O processo está com o eminente juiz do primeiro grau para prolação de sentença. ADB Diretoria da ADB Ministro Flávio Mendes de Oliveira Castro – Presidente Secretário André Luiz Costa de Souza (Deputado Federal PDT-RJ) – Vice-presidente Embaixador Hélcio Tavares Pires – Assuntos Jurídicos Ministro Paulo Roberto de Almeida – Assuntos Culturais Conselheiro Murillo de Miranda Basto Júnior – Aposentados e Pensionistas Secretário Paulo Gustavo Iansen de Sant'ana – Social e de Esportes Suplentes da Diretoria Embaixador Luiz Brun de Souza Conselheiro Milton Rondó Filho Conselheiro Ralph Peter Henderson Conselho Fiscal Embaixador Sérgio Damasceno Vieira Embaixador Fernando Jacques de Magalhães Pimenta Ministro Igor Kipman Secretariado da ADB Gerente Administrativo: Térsio Arcúrio Assistente Administrativa: Carina Oliveira da Silva Assistente Administrativa: Jacqueline Francisca da Cruz ADB Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros Ano XIII – nº 56 Edição Janeiro/Fevereiro/Março de 2007 - ISSN 0104-8503 Conselho Editorial Flávio Mendes de Oliveira Castro Luiz Villarinho Pedroso Paulo Roberto de Almeida Sérgio Damasceno Vieira Sérgio Fernando Guarischi Bath Reportagem Emmanuelle Girard Francisco Macedo Letícia de Souza Marina Mercante Natália Lambert Vanessa Montenegro Editora Patrícia Cunegundes Revisão Joíra Coêlho Furquim Suely Touguinha Projeto Gráfico Carlos Eduardo Felice Barbeiro Capa Irene Sesana Diagramação Fabrício Martins Impressão Gráfica Athalaia Tiragem 3 mil exemplares Diretor responsável Ronaldo de Moura (61) 3349 2561 33 ADB - Associação dos Diplomatas Brasileiros Ministério das Relações Exteriores - Esplanada dos Ministérios Palácio do Itamaraty, Anexo I, 3º andar, sala 329-A 70170-900 - Brasília - Brasil Fones: (61) 3411 6950 e 3224 8022 Fax: (61) 3322 0504