Língua da Montanha
(mountain Language) - 1988
Harold Pinter
Personagens
Mulher Jovem
Mulher Velha
Oficial
Sargento
Guarda
Prisioneiro
Língua da Montanha de Harold Pinter
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Ato Único
Um muro de prisão
Uma fila mulheres alinhadas. Uma Velha, embalando uma mão. Um cesto aos pés.
Uma Jovem com o braço em volta dos ombros da Velha. Entra um Sargento, seguido
por um Oficial. O Sargento aponta para a Jovem.
SARGENTO
Nome!
JOVEM
Já demos os nossos nomes.
SARGENTO
Nome?
JOVEM
Já demos os nossos nomes.
SARGENTO
Nome?
OFICIAL
(Para o Sargento) Pare com essa merda. (Para a Jovem.) Alguma queixa?
JOVEM
Ela foi mordida.
OFICIAL
Quem? (Pausa.) Quem? Quem é que foi mordido?
JOVEM
Ela. Tem um corte na mão. Olhe. Morderam-lhe a mão. Isto é sangue.
SARGENTO
(Para a Jovem) Como se chama?
OFICIAL
Cale-se. (Dirige-se à Velha.) O que lhe aconteceu à mão? Alguém lhe mordeu? (A
Mulher levanta lentamente a mão. Ele examina-a.) Quem fez isto? Quem lhe
mordeu?
JOVEM
Um pinscher Dobberman.
OFICIAL
Qual deles? (Pausa.) Qual deles? (Pausa.) Sargento!
(O Sargento dá um passo em frente.)
SARGENTO
Meu Capitão!
OFICIAL
Olhe para a mão desta mulher. Acho que o polegar está prestes a cair. (Para a
Velha.) Quem fez isto? (Ela olha fixamente para ele.) Quem fez isto?
JOVEM
Um cão grande.
Língua da Montanha de Harold Pinter
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OFICIAL
Como é que ele se chamava? (Pausa.) Como é que se chamava? (Pausa.) Todos os
cães têm um nome! Respondem ao nome. Os pais dão-lhe um nome e esse é o seu
nome! Antes de morderem, declaram o seu nome. É um procedimento formal.
Declaram o seu nome e depois mordem. Como é que ele se chamava? Se me disser
que um dos nossos cães mordeu esta mulher sem ter dado o nome, eu mando abater
esse cão! (Silêncio.) Agora - atenção! Silêncio e atenção! Sargento!
SARGENTO
Meu Capitão?
OFICIAL
Registre qualquer queixa.
SARGENTO
Qualquer queixa? Alguém tem alguma queixa?
JOVEM
Disseram-nos para estarmos aqui hoje de manhã às nove horas.
SARGENTO
Correto. Muito correto. Nove da manhã. Absolutamente correto. Qual é a sua
queixa?
JOVEM
Nós estávamos aqui às nove da manhã. Agora são cinco da tarde. Estamos aqui de pé
há oito horas. A neve. Os seus homens deixam pinschers Dobberman assustar-nos.
Um deles mordeu a mão desta mulher.
OFICIAL
Como é que esse cão se chamava?
JOVEM
(Olha para ele.) Não sei o nome dele.
SARGENTO
Com a sua permissão, meu Capitão?
OFICIAL
Prossiga.
SARGENTO
Os seus maridos, os seus filhos, os seus pais, esses homens que vocês estão à espera
de ver, são desprezíveis. São inimigos do Estado. São desprezíveis.
(O Oficial avança na direção das Mulheres.)
OFICIAL
Escutem agora o seguinte. Vocês são gente das montanhas. Estão ouvindo? A língua
de vocês está morta. É proibida. Não é permitido falar essa língua da montanha neste
lugar. Vocês não podem falar essa língua com os seus homens. Não é permitido.
Estão compreendendo? Não podem falar. Foi proscrita. Só podem falar a língua da
capital. Essa é a única língua permitida neste lugar. Serão severamente punidas se
tentarem falar a língua da montanha neste lugar. Isto é um decreto militar. É a lei.
Essa língua está proibida. Está morta. Ninguém está autorizado a falar a essa língua.
Ela não existe mais. Alguma dúvida?
JOVEM
Eu não falo a língua da montanha.
(Silêncio. O Oficial e o Sargento cercam-na lentamente. O Sargento põe a mão no
traseiro da Mulher.)
SARGENTO
Que língua que você fala? Que língua que fala com o seu rabo?
Língua da Montanha de Harold Pinter
OFICIAL
Estas mulheres, Sargento, até ao momento, não cometeram qualquer crime.
Lembre-se disso.
SARGENTO
Meu Capitão! Mas não está sugerindo que elas estão despidas de pecado?
OFICIAL
Oh, não. Oh, não, não estou sugerindo tal coisa.
SARGENTO
Esta está cheia de pecado. Ressoa de pecado.
OFICIAL
Ela não fala a língua da montanha.
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(A Mulher liberta-se da mão do Sargento e volta-se, olhando de frente para os dois
homens.)
JOVEM
O meu nome é Sara Johnson. Vim ver o meu marido. Tenho esse direito. Onde está
ele?
OFICIAL
Mostre-me os seus papéis. (Ela entrega-lhe um bocado de papel. Ele examina-o e
volta-se para o Sargento.) Ele não vem das montanhas. Está no grupo errado.
SARGENTO
E ela também. Ela, para mim tem aspecto de intelectual.
OFICIAL
Mas o Sargento disse que o rabo dela balançava.
SARGENTO
Os rabos intelectuais são os que balançam melhor.
(Black-out)
Sala de visitas
Um Prisioneiro sentado. A Mulher Velha sentada, com o cesto. Um Guarda por
detrás dela. O Prisioneiro e a Mulher falam numa pronúncia acentuadamente rural.
(Silêncio.)
VELHA
Trouxe pão.
(O Guarda bate-a com um pau.)
GUARDA
Proibida. Língua proibida. (Ela olha para ele. Ele bate-a com o pau.) Está proibida.
(Para o Prisioneiro.) Diga-lhe para falar a língua da capital.
PRISIONEIRO Ela não sabe. (Silêncio.) Ela não consegue. (Silêncio.)
VELHA
Trouxe maçãs.
(O Guarda bate-a com o pau e grita.)
GUARDA
Proibida! Proibida, proibida, proibida. Meu Deus! (Para o Prisioneiro.) Ela percebe
o que eu estou dizendo?
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PRISIONEIRO Não.
GUARDA
Não? (Inclina-se sobre ela.) Não percebe?
(Ela levanta os olhos e olha fixamente para ele.)
PRISIONEIRO Ela é velha. Não percebe!
GUARDA
E de quem é a culpa? (Ri.) Minha não é, isso posso dizer. E posso dizer outra coisa:
tenho mulher e três filhos. E vocês são todos um monte de merda. (Silêncio.)
PRISIONEIRO Eu tenho mulher e três filhos,
GUARDA
Tem o quê? (Silêncio.) Você tem o quê? (Silêncio.) O que é que você disse? Você
tem o quê? (Silêncio.) Você tem o quê? (Levanta o telefone e marca um dígito.)
Sargento? Estou na Sala Azul... Sim... Achei que devia comunicar, meu Sargento...
Acho que temos aqui um brincalhão.
(As luzes diminuem para metade. As figuras permanecem imóveis. Vozes em off.)
VELHA
(Voz) O bebê está à sua espera.
PRISIONEIRO (Voz) Morderam-lhe a mão.
VELHA
(Voz) Estão todos à sua espera.
PRISIONEIRO (Voz) Morderam a mão da minha mãe.
VELHA
(Voz) Quando voltar pra casa vai ter uma festa de boas-vindas. Todos estão à sua
espera. Estão todos à sua espera. Estão todos à espera de te verem. (As luzes sobem.)
(O Sargento entra.)
SARGENTO
Que brincalhão?
(Black-out.)
Fim
Texto digitalizado por Miguel Luiz em dezembro de 2010
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