PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR APELREEX Nº 13259/CE (0009044-65.2010.4.05.8100) APELANTE : FRANCISCO LOPES DA SILVA ADV/PROC : CLAUDIA MARIA SANTOS DA SILVA APELANTE : LUIZ CARLOS ANDRADE MORAIS ADV/PROC : ODIJAS DE PAULA FROTA e outros APELADO : UNIÃO APELADO : ANEEL - AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA REPTE : PROCURADORIA REGIONAL FEDERAL - 5ª REGIÃO APELADO : COELCE - COMPANHIA ENERGÉTICA DO CEARÁ ADV/PROC : ANTONIO CLETO GOMES e outros REMTE : JUÍZO DA 7ª VARA FEDERAL DO CEARÁ (FORTALEZA) ORIGEM : 7ª Vara Federal do Ceará RELATOR : DES. FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR RELATÓRIO O Exmo. Sr. Desembargador Federal EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR (Relator): Trata-se de recurso de apelação interposto por FRANCISCO LOPES DA SILVA e outro, bem como de remessa necessária, em face sentença que extinguiu o feito sem resolução do mérito. Em suas razões recursais, sustentam os apelantes que: a) por força do disposto no art. 6º da Lei 4.717/65, as empresas concessionárias de serviço público de fornecimento de energia elétrica que estão situadas fora dos limites da competência territorial do juízo a quo devem compor o polo passivo da presente lide, em razão da existência, in casu, de litisconsórcio passivo necessário; b) mostra-se “ desarrazoado determinar-se como foro competente para julgamento da ação popular no que pertine as concessionárias de energia elétrica os Estados em que estão situadas”(fl. 165); e c) o modelo de reajuste tarifário adotado pelas concessionárias de energia elétrica e chancelado pela ANEEL configura ofensa à moralidade administrativa, a justificar, por conseguinte, a utilização da via da ação popular para a revisão desse reajuste e “ devolução dos recursos cobrados a mais do povo brasileiro”(fl. 169). Contrarrazões apresentadas. Em seu parecer, o Ministério Público Federal, representado pelo ilustre Procurador Regional da República Dr. Domingos Sávio Tenório de Amorim, ressaltou que a sentença apelada se afigura antiética na parte em que o juiz a quo fixou os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada nesta demanda, mormente pelo fato de, em razão do reconhecimento da ausência de legitimidade ad causam, não ter sido possível a ocorrência do julgamento do mérito. No mais, afirmou não haver legitimidade ativa dos apelantes, por se tratar de ação coletiva direcionada à defesa de direitos individuais homogêneos dos M5622 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR consumidores, razão pela qual opinou pelo provimento parcial do recurso de apelação, somente para afastar da sentença a parte que restringe os efeitos de uma coisa julgada que não foi objeto da decisão. É o relatório. APELREEX 13259/CE -M5622 Pág. 2 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR APELREEX Nº 13259/CE (0009044-65.2010.4.05.8100) APELANTE : FRANCISCO LOPES DA SILVA ADV/PROC : CLAUDIA MARIA SANTOS DA SILVA APELANTE : LUIZ CARLOS ANDRADE MORAIS ADV/PROC : ODIJAS DE PAULA FROTA e outros APELADO : UNIÃO APELADO : ANEEL - AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA REPTE : PROCURADORIA REGIONAL FEDERAL - 5ª REGIÃO APELADO : COELCE - COMPANHIA ENERGÉTICA DO CEARÁ ADV/PROC : ANTONIO CLETO GOMES e outros REMTE : JUÍZO DA 7ª VARA FEDERAL DO CEARÁ (FORTALEZA) ORIGEM : 7ª Vara Federal do Ceará RELATOR : DES. FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR VOTO O Exmo. Sr. Desembargador Federal EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR (Relator): Ao extinguir o processo, sem resolução do mérito, o magistrado sentenciante aplicou ao caso concreto a regra contida no art. 16 da Lei 7.347/85, como também a norma insculpida no art. 2º-A da Lei 9.494/97, para reconhecer a ilegitimidade passiva das empresas concessionárias e distribuidoras de energia elétrica que se situam fora do Estado do Ceará. Em seguida, asseverou o Juízo monocrático o seguinte: “ [...] a teor do art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal de 1988 cominado com a disciplina legal que é dada pela Lei 4.717/65 à ação popular, não é cabível o manejo desta ação com o objetivo de tutelar direitos individuais homogêneos de consumidores, mas, tão-somente, dos direitos e interesses públicos previstos nas normas de regência da ação popular, tais como a moralidade administrativa, o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural. [...] Assim, como esta ação, essencialmente, busca a tutela jurisdicional de defesa dos consumidores de energia elétrica, como deflui claramente da inicial, manifesta é sua inadequação” . (fls. 141 e 143) Irretocáveis os fundamentos explanados na sentença recorrida, não havendo que se falar em reforma desse decisum. O entendimento esposado pelo juiz de primeiro grau, no sentido de reconhecer, no caso concreto, a ilegitimidade passiva das concessionárias e distribuidoras de energia elétrica com sede fora do Estado do Ceará, encontra-se APELREEX 13259/CE -M5622 Pág. 3 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR em consonância com o deste magistrado, que também entende ser aplicável à ação popular o disposto no art. 16 da Lei 7.347/85. Quanto às considerações do MPF, o fato de o juiz de primeiro grau ter invocado o disposto no art. 16 da Lei 7.347/85 e no art. 2º-A da Lei 9.494/97 serviu para, tão-somente, ser reconhecida a ilegitimidade passiva das concessionárias de energia elétrica que não possuem sede no Estado do Ceará, de modo que em nenhum momento houve a regulação dos limites da coisa julgada no presente feito, até porque, conforme salientado pelo próprio Parquet Federal, o processo foi extinto sem resolução do mérito. Além do mais, a referência feita pelo juiz sentenciante quanto aos limites objetivos e subjetivos da sentença de mérito proferida em ação popular compõe as suas razões de decidir, incapazes de serem atingidas pela coisa julgada (art. 469, I, do CPC). Assim, caso venha a ser enfrentado o mérito desta demanda em outra ação, não há qualquer impedimento no que se refere à regulação dos limites da eficácia da sentença. Agiu, portanto, de modo escorreito o Juízo a quo ao declarar a ilegitimidade das concessionárias de energia elétrica com sede fora dos limites de sua competência territorial, não havendo que se falar em decisão antiética. Quanto à ilegitimidade ativa dos autores, observo que ela se coadjuva com a inadequação da via eleita, pois, em se tratando de demanda com nítido propósito de tutela de interesses individuais homogêneos dos consumidores, a ação popular não se mostra como instrumento processual adequado, já que destinada “ a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural” (art. 5º, LXXIII, da CF). Com efeito, ensina Eurico Ferraresi (Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo: instrumentos processuais coletivos, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 175 e 186) que “ a ação popular é uma demanda judicial destinada a controlar a Administração Pública por intermédio do Poder Judiciário” , em que se busca defender “ o direito difuso (patrimônio cultural, meio ambiente, etc.) e o direito geral da coletividade (patrimônio pecuniário e moralidade administrativa)” . Para a defesa dos direitos individuais homogêneos dos consumidores existe a ação civil pública, não sendo os apelantes, todavia, legitimados para propô-la, mas somente aqueles que se encontram elencados nos arts. 5, I a V, da Lei 7.347/85 e 82, I a IV, do Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, cito precedente do STJ: “ PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. CONCESSÃO DE SERVIÇO. SUSPENSÃO DAS ATIVIDADES DE EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO DE GESTÃO DE ÁREAS DESTINADAS A ESTACIONAMENTO ROTATIVO. INOBSERVÂNCIA DE DIREITO CONSUMERISTA. INÉPCIA DA INICIAL. ILEGITIMIDADE ATIVA. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. SÚMULA 211/STJ. APELREEX 13259/CE -M5622 Pág. 4 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR 1. A Ação Popular não é servil à defesa dos consumidores, porquanto instrumento flagrantemente inadequado mercê de evidente ilegitimatio ad causam (art. 1º, da Lei 4717/65 c/c art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal) do autor popular, o qual não pode atuar em prol da coletividade nessas hipóteses. 2. A ilegitimidade do autor popular, in casu, coadjuvada pela inadequação da via eleita ab origine, porquanto a ação popular é instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros, revela-se inequívoca, por isso que não é servil ao amparo de direitos individuais próprios, como sóem ser os direitos dos consumidores, que, consoante cediço, dispõem de meio processual adequado à sua defesa, mediante a propositura de ação civil pública, com supedâneo nos arts. 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). [...] 4. A carência de ação implica extinção do processo sem resolução do mérito e, a fortiori: o provimento não resta coberto pelo manto da res judicata (art. 468, do CPC). [...] 7. Recurso especial provido.”(Primeira Turma, REsp 818725/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 16/06/2008) Não desconheço que as leis da ação civil pública e da ação popular fazem parte de um microssistema de tutela dos direitos difusos, uma vez que tais demandas veiculam pretensões relevantes para a coletividade, como a defesa do meio ambiente, do patrimônio histórico e cultural, etc. Contudo, a ação popular “ não é servil à defesa de interesses particulares, tampouco de interesses patrimoniais individuais, ainda que homogêneos”(STJ, REsp 776857, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 18/02/2009). No mesmo sentido, já lecionava Hely Lopes Meirelles (Mandado de segurança, 27. ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 126) que a ação popular “ é instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros, por isso que, através da mesma não se amparam direitos individuais próprios, mas antes, interesses da comunidade. O beneficiário direto e imediato desta ação não é o autor; é o povo, titular do direito subjetivo ao governo honesto. O cidadão a promove em nome da coletividade, no uso de uma prerrogativa cívica que a Constituição da República lhe outorga” . Nem se diga que há, nesta ação, pretensão voltada para a proteção da moralidade administrativa, pois, repita-se, é evidente nos presentes autos que se busca prestação jurisdicional direcionada para a defesa de interesses individuais dos consumidores, dada a relação contratual que envolve o fornecimento de energia elétrica e o reajuste tarifário questionado. Com essas considerações, nego provimento à apelação e à remessa oficial. É como voto. APELREEX 13259/CE -M5622 Pág. 5 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR APELREEX 13259/CE -M5622 Pág. 6 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR APELREEX Nº 13259/CE (0009044-65.2010.4.05.8100) APELANTE : FRANCISCO LOPES DA SILVA ADV/PROC : CLAUDIA MARIA SANTOS DA SILVA APELANTE : LUIZ CARLOS ANDRADE MORAIS ADV/PROC : ODIJAS DE PAULA FROTA e outros APELADO : UNIÃO APELADO : ANEEL - AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA REPTE : PROCURADORIA REGIONAL FEDERAL - 5ª REGIÃO APELADO : COELCE - COMPANHIA ENERGÉTICA DO CEARÁ ADV/PROC : ANTONIO CLETO GOMES e outros REMTE : JUÍZO DA 7ª VARA FEDERAL DO CEARÁ (FORTALEZA) ORIGEM : 7ª Vara Federal do Ceará RELATOR : DES. FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR EMENTA PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. CONTRATO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. REVISÃO DO MODELO DE REAJUSTE TARIFÁRIO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DAS CONCESSIONÁRIAS COM SEDE FORA DO ESTADO DO CEARÁ. DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DOS CONSUMIDORES. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ILEGITIMIDADE ATIVA. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL IMPROVIDAS. 1. O fato de o juiz de primeiro grau ter invocado o disposto no art. 16 da Lei 7.347/85 e no art. 2º-A da Lei 9.494/97 serviu para, tão-somente, ser reconhecida a ilegitimidade passiva das concessionárias de energia elétrica que não possuem sede no Estado do Ceará, de modo que em nenhum momento houve a regulação dos limites da coisa julgada no presente feito, até porque, conforme salientado pelo próprio MPF, o processo foi extinto sem resolução do mérito. Ausente, portanto, qualquer atitude antiética por parte do magistrado a quo. 2. Em se tratando de demanda com nítido propósito de tutela de interesses individuais homogêneos dos consumidores, a ação popular não se mostra como instrumento processual adequado, já que destinada “ a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural”(art. 5º, LXXIII, da CF). 3. Para a defesa dos direitos individuais homogêneos dos consumidores existe a ação civil pública, não sendo os apelantes, todavia, legitimados para propô-la, mas somente aqueles que se encontram elencados nos arts. 5, I a V, da Lei 7.347/85 e 82, I a IV, do Código de Defesa do Consumidor. 4. Apelação e remessa necessária a que se nega provimento. M5622 ACÓRDÃO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR Vistos, relatados e discutidos os autos do processo tombado sob o número em epígrafe, em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em sessão realizada nesta data, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas que integram o presente, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação e à remessa oficial, nos termos do voto do Relator. Recife (PE), 27 de março de 2012 (data do julgamento). Desembargador Federal EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR Relator APELREEX 13259/CE -M5622 Pág. 8