MILTON SANTOS E A EDUCAÇÃO1 2 Renata Lopes da Silva 3 Maria Isabel Moura Nascimento RESUMO Este artigo tem por objetivo estabelecer uma relação entre os fundamentos teóricos presentes no pensamento do professor Milton Santos (1926-2001) e a Educação. Expõe de forma geral a formação escolar do intelectual Milton Santos, em uma perspectiva histórica e crítica, considerando as contradições e relacionando com a totalidade. Procura contribuir para a reflexão sobre a Educação formal no Brasil, na atualidade, partindo de uma revisão da bibliografia de Milton Santos, em que alertava para as interfaces do neoliberalismo bem como as políticas educacionais circunscritas nesse ideário. Com a análise da realidade social deflagrada pelo intelectual estudado, contemplamos que a Educação poderá contrapor-se a essa ideologia. A discussão aqui apresentada baseia-se na pesquisa realizada como parte constituinte do Mestrado iniciado em 2007 na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Palavras-chave: Milton Santos, Educação, História e Política Educacional. INTRODUÇÃO A problemática que norteia o presente artigo configura-se como parte integrante de uma pesquisa realizada ao longo do Mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Participando das discussões realizadas no grupo de pesquisa História e Educação no Brasil - HISTEDBR, para concretizar o objeto de tal pesquisa, fora selecionado o professor Milton Santos, considerado um pensador da realidade mundial e cuja obra possibilita o entendimento da sociedade e do espaço em que ela está inserida, contribuindo para a análise da Educação. 1 Texto elaborado a partir do trabalho de pesquisa realizado no Mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). 2 Mestranda em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) na linha de História e Políticas Educacionais; professora de formação de professores no ensino médio e da Graduação em Pedagogia na Faculdade de Telêmaco Borba (FATEB). 3 Doutora em Educação (UNICAMP), orientadora do presente trabalho, pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) é professora efetiva da Graduação em Pedagogia e do Mestrado em Educação pela mesma instituição (UEPG). 2 O estudo do intelectual Milton Santos na área da Educação não é uma prática comum, sua obra está mais disseminada na dimensão que especifica seu trabalho, que é a Geografia. Porém, os conceitos discutidos e elaborados por ele, compõem a realidade histórica, política, social e econômica em que a Educação formal está presente e para tanto há a necessidade do esmiuçamento de seu pensamento. Na linha de pesquisa desse trabalho temos o norteamento da “História e das Políticas educacionais” e assim não tem como objetivo apenas biografar uma trajetória pessoal e profissional de um intelectual, mas sim elaborar uma discussão sobre alguns dos conceitos desenvolvidos e adotados na obra de Milton Santos, relacionando com a Educação. Efetivamente compreender como a Educação não está isolada e é influenciada pela totalidade e como ela pode se desenvolver como um meio de debate e enfrentamento à posicionamentos contrários a igualdade de direitos. Ao analisar a vida de Milton Santos, é possível identificar, a partir da Segunda República elementos históricos, políticos e sociais que influenciaram o seu desenvolvimento intelectual. A Segunda República está inserida dentro de uma realidade brasileira com o diferencial central que defende a existência de dois setores sócio-econômicos básicos: o pré-capitalista, localizado no campo e expresso por meio do latifúndio, onde predominam relações de tipo “semi-feudal”; e o urbano-capitalista, que deu origem a uma burguesia industrial e às classes médias urbanas (RIBEIRO,1998). E nesse contexto é importante salientar como se constituiu o desenvolvimento acadêmico do professor Milton Santos, quais as dificuldades, influências por ele sofridas ao longo de sua obra. A metodologia de investigação a ser utilizada se baseia nos pressupostos teórico-metodológicos do materialismo histórico e dialético (MARX, 1989). Em Teses sobre Feurbach, exposto na obra Ideologia Alemã, Marx e Engels explicam as dificuldades da concepção materialista da realidade e dá indícios do que seria a concepção materialista histórica e dialética. O principal defeito de todo materialismo até aqui (incluindo o de Feuerbach) consiste em que o objeto, a realidade, a sensibilidade, só é apreendido sob a forma de objeto ou de intuição, mas não como atividade humana sensível, como práxis, não subjetivamente. Eis porque em oposição ao materialismo, o aspecto ativo foi desenvolvido de 3 maneira abstrata pelo idealismo, que, naturalmente, desconhece a atividade real, sensível, como tal (MARX, ENGELS 1977, p. 11). É necessário, portanto, apreender a própria atividade humana como atividade objetiva, com categorias de análise como a ideologia, totalidade, contradição, mediação, entre outras. Opondo-se a uma concepção linear, ahistórica, harmônica e idealista. Frigotto em “O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional” (2001), alerta para uma concepção que se caracteriza por uma postura, um método e uma práxis. Uma postura remeteria a uma filosofia, uma concepção de realidade, de mundo, antecedendo nesse sentido o método, “funda-se na questão de que o pensamento, as ideias são o reflexo, no plano nervoso superior, das realidades e leis dos processos que se passam no mundo exterior” ( Frigotto, 2001). Ao método nos remeteremos à menção que faz Frigotto (2001) a uma concepção de realidade, de mundo e de vida em seu conjunto, uma mediação entre o processo de apreender; revelar e expor a estruturação, o desenvolvimento e transformação dos fatos sociais. E mantendo um compromisso com a transformação, com a reflexão teórica, com o pensamento na ação de mudança, temos a práxis. A questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é apenas uma questão teórica, mas prática. É na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto é, na realidade e o poder, o caráter terreno de seu pensamento [...] (MARX, 1977, p.12) A teoria e a ação intimamente interligadas fazem da práxis uma forma de reconhecimento do real, uma prática que transforma o que era anterior ao conhecimento histórico-social. Para desenvolver a análise do pensamento do intelectual Milton Santos, foi necessário realizar uma pesquisa sobre sua obra. Para que em sua produção, sua materialidade desenvolvida historicamente fosse esclarecida e para priorizar os conceitos que seriam estudados. Para a seleção de tais obras, adotamos a relevância da discussão sobre os conceitos que os trabalhos pormenorizam e que serão usadas como instrumento auxiliar à dialética com o objetivo de compreender a contribuição de seu pensamento. 4 Utilizamos da análise de conteúdo de entrevistas oficiais documentadas em periódicos e livros, sobre a vida e obra do professor Milton Santos e o estudo das seguintes obras selecionadas: “Por uma outra globalização”, escrita em 2000, sendo uma das obras mais conhecidas do professor Milton Santos. Analisa a realidade como ela é, pungente, o papel da ideologia, a força e o poder da materialidade, a atual competitividade e o individualismo que é marca predominante na sociedade atual. A imposição de uma política comandada por empresas, acarretando a falência de uma política estatal. Aborda, sobretudo, o desenvolvimento da Globalização. “O espaço do Cidadão”, obra publicada em 1987, utilizamos a edição de 2002. Neste trabalho, Milton Santos analisa a realidade do cidadão, o espaço da alienação na sociedade, do indivíduo consumidor, o território e a cidadania, contribuindo para a redemocratização brasileira. “Pensando o espaço do homem”, uma obra editada pela primeira vez em 1982 e que nesse trabalho usamos a edição de 2007. Milton Santos analisa o presente como espaço; o significado do espaço para o homem; a economia, a sociedade e o espaço, o que é essa ditadura do mercado e como o mundo se torna o espaço global do Capital. “Da Totalidade ao lugar” uma obra datada de 1996, aborda a formação social como teoria e método, os espaços da Globalização, o Estado-Nação como espaço, e categorias como a Totalidade, Lugar e Espaço, com um encaminhamento dialético, interpreta a realidade do espaço. Entretanto, apesar de terem sido selecionadas algumas obras de Milton Santos para maior detalhamento, serão também utilizadas outras obras do próprio 5 autor, bem como obras de autores comentadores do pensamento de Milton Santos como formas secundárias de análise que possuem também grande importância para o esclarecimento dos conceitos. Para tanto, neste artigo buscaremos ressaltar o pensamento do intelectual Milton Santos e a Educação numa dimensão histórica e política para contribuir como auxiliares no debate educacional e para a sua efetiva transformação. Estruturamos este artigo por meio das articulações entre o levantamento e análise do contexto social, histórico em que se organizou a produção teórica principalmente dos últimos dez anos de vida do professor Milton Santos. Ao realizar o estudo de uma determinada realidade, é necessário ir além do fenômeno aparente, ir até a essência da problemática, para entender os fatos como eles são na realidade concreta. No trato prático-utilitário com as coisas – em que a realidade se revela como mundo dos meios, fins, instrumentos, exigências e esforços para satisfazer a estas - o indivíduo “em situação” cria suas próprias representações das coisas e elabora todo um sistema correlativo de noções que capta e fixa o aspecto fenomênico da realidade. (KOZIK, 1976, p.10) Porém, não podemos afirmar que tais instrumentos utilizados no meio social definem o domínio de sua compreensão total, a práxis voltada apenas para o utilitarismo impede uma visão mais crítica, distorcendo a realidade e impedindo o seu amplo entendimento. Assim, o encaminhamento dado ao presente artigo possibilitará obter uma visão de conjunto, por isso, a categoria da totalidade servirá como instrumento de raciocínio, considerando a historicidade dos fatos sociais, para não ocorrer à fragmentação de elementos essenciais. 6 DESENVOLVIMENTO 1. UM POUCO DE MILTON SANTOS O professor Milton Santos, desenvolveu sua formação na academia de Direito e Geografia e foi um dos pensadores brasileiros cujas reflexões e produção teórica repercutiu além das fronteiras brasileiras, como também além do âmbito de sua comunidade profissional. Filho de professores primários de classe média, nascido a 3 de maio de 1926 em Brotas de Macaúba, na Chapada Diamantina (BA) e falecido no ano de 2001, se destacou por sua relevante contribuição intelectual, sendo premiado com uma série de títulos de “Doutor Honoris Causa” recebidos, em sua maioria, fora do Brasil. Com uma formação familiar, se prepara para entrar para o ginásio em que ocasionalmente lecionava aulas de Geografia e Matemática na escola em que estudava. Mas adiante começou a ser remunerado pelas aulas quando terminou o quinto ano e foi fazer o curso complementar no colégio oficial, o colégio da Bahia, dava aulas de Geografia além de ter alojamento e comida. Milton Santos atuou no jornalismo estudantil e foi um dos criadores da Associação de Estudantes Secundaristas Brasileiros, criou também e dirigiu dois jornais de escola, "O Farol" e "O Luzeiro", durante o curso secundário. Milton Santos viveu por 75 anos, bem vividos, conheceu diversos países e atravessou mudanças substanciais da história brasileira; discute entre tantos conceitos o que seria a plena cidadania; o pensamento único, o pensamento universal, a experiência da escassez, a globalização e o termo “globalitarismo”4. Por causa de sua atuação crítica, em 1964, com o advento da Ditadura Militar, Milton Santos é preso, fica adoentado e logo após sua liberação da cadeia se retira do Brasil e se exila na França, lugar em que continua a produzir pesquisas sobre o Brasil. Trabalhou também em Universidades na América do Norte (Cambridge 1971-1972 e Columbia University, Canadá, University of Toronto - 1972-1973; 4 Tais conceitos são relacionados com a Educação no trabalho de pesquisa que compõe a dissertação de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa, intitulada MILTON SANTOS: PENSAMENTO GLOBAL E EDUCAÇÂO de autoria de Renata Lopes da Silva sob a orientação da professora Doutora Maria Isabel Moura Nascimento. 7 Estados Unidos, Massachusetts Institute of Technology (MIT), como professor e pesquisador nos Estados Unidos, em 1977. Na América Latina no Peru, na Universidad Politécnica de Lima em 1973; na Venezuela, na Universidad Central de Caracas de 1975 a 1976 e na África Tanzânia, na University of Dar-es-Salaam de 1974 a1976. Produziu uma obra extensa de mais de quarenta títulos e uma série de artigos que se remetem a Geografia e um dos conceitos mais explorados por ele nos últimos anos de vida: a Globalização. 1.1 MILTON SANTOS: CONTRIBUIÇÕES DE UM INTELECTUAL PARA A EDUCAÇÃO Comprometido com os grandes problemas e questões do século XX, sobretudo com aquelas parcelas da população marginalizadas pelo que chamava de o “perverso processo de Globalização”, deixou sua marca de indignação e revolta por todos os meios e instrumentos nos quais teve a oportunidade de manifestar suas ideias, fossem eles textos acadêmicos, aulas na universidade, artigos de jornais ou em entrevistas. Dentro de uma realidade que exclui os que possuem menos recursos financeiros e que poucos têm a sua opinião considerada, surge a necessidade do detalhamento do pensamento de um intelectual brasileiro, reconhecido mundialmente pelo seu posicionamento crítico e inquietude diante das injustiças sociais. É necessário salientar que Milton Santos foi um combatente político (não partidário) e defendia sua postura e suas ideias. Corporificou a intenção de ser um educador consciente e apresenta uma relevante releitura da origem técnica e política do fenômeno da Globalização, como ideologia de um presente perverso e de um futuro que pode ser promissor. É possível notar que o processo de reestruturação produtiva e as mudanças características do Estado estabeleceram reformas no campo educacional, no sentido de conduzir adequações para a garantia do sucesso do novo modelo de acumulação capitalista. 8 As reformas capitalistas que tratam, em síntese da “[...]supressão dos abusos do capitalismo e não do próprio capitalismo” (LUXEMBURGO, 2003, p.97), portanto, uma alteração superficial, consentida pelo próprio capitalismo. Dessa forma, a concepção de que o investimento em Educação e treinamento proporciona uma potencialização do trabalho indica que ainda o capital humano é tão ou mais importante que o capital físico. Assim Frigotto (2001, p. 217) ressalta que “a idéia de conflito, de antagonismo, de contradição transmuta-se em equilíbrio e harmonia. Assim, para analisar alguns elementos teóricos mais expressivos presente na obra de Milton Santos que compõem a realidade em que está posta a Educação formal é necessário considerar que a Educação é uma esfera social que possui sua dimensão política e se constitui em um campo de luta ideológica, ou seja, de um campo de disputa hegemônica. (SILVA JUNIOR, 2003). Dentro de uma perspectiva gramsciana, a hegemonia é concebida como uma relação educacional. Em seus escritos, Gramsci deixa claro, a predominância ideológica de valores e normas da classe dominante, que não se dá apenas por meio da coerção, mas também do consenso espontâneo. Outro aspecto importante a ser analisado é a convicção do pensamento de Milton Santos que, diante do que é o mundo contemporâneo, concebe as condições materiais, como algo já dado e para que se imponha a desejada transformação, dependerá de como disponibilidades e possibilidades serão aproveitadas pelos sujeitos sociais politicamente organizados. Recentemente, com o neoliberalismo, é freqüente o abandono da idéia do nacional brasileiro, com a sedução de um imaginário influenciado por forte apelo da técnica e aceitação tranqüila da força totalitária dos fatores da globalização. ( SANTOS, p.32, 1996) O neoliberalismo privilegia os aspectos econômicos da Globalização, como uma consequência necessária das transformações tecnológicas que, somadas à expansão dos mercados, derrubam as fronteiras territoriais e assim sucateiam os projetos econômicos nacionais, promovendo uma redução obrigatória da soberania dos Estados. De acordo com essa perspectiva a Globalização econômica e a força dos mercados promoveriam uma homogeneização progressiva da riqueza e do desenvolvimento por meio do livre comércio e da completa liberdade de 9 circulação dos capitais privados, o que acabaria conduzindo a humanidade na direção de um governo global, uma paz perpétua e uma democracia plena. (AZEVEDO, 2004). Porém, o que Milton Santos reflete, gerando uma pertinente problematização, é: até que ponto este ideal vem sendo praticado? Os fatos, consequências sociais e econômicas do processo de Globalização são declarados realmente pelos neoliberais? Como se tem analisado no próprio contexto social contemporâneo, a presença de tais ideais permanece incisivamente em um “mundo de ideias”, muito distante da realidade em que vivemos. A compreensão histórica do pensamento de um intelectual brasileiro poderá proporcionar o desenvolvimento de um posicionamento crítico para constituir elementos norteadores para a construção de propostas que contribuam para a transformação da Educação. Combatente das ideias neoliberais e da má distribuição das riquezas do mundo, é um intelectual que reconhece os problemas sociais e que considera imprescindível o debate teórico e o enfrentamento, na ação, com vistas ao aprofundamento da crítica e à uma nova elaboração de projetos democráticos aptos a incorporar cidadania e direitos de todos. Santos considerava que o embate ideológico não deveria fazer parte apenas de uma parcela da população, mas sim de todos aqueles que se encaram como compromissados com a realidade e que fundamentam sua existência nas ideias bem como nas práticas da igualdade social. Podemos considerar a Educação como um dos meios articuladores de transformação em uma sociedade; CURY (1987) nos revela que a sala de aula ou qualquer outro lugar em que se dê a relação pedagógica é um lugar de luta em que ao conhecimento falso do real se opõe e complementa um conhecimento superador do senso comum e revelador do real, dentro de uma perspectiva de totalidade. A Educação de acordo com Milton Santos (2001) está servindo para uma valorização exacerbada da técnica e salienta a grande diferença entre ser educado e ser instrumentalizado. Você é treinado, mas não educado. [...] Se você só é treinado, você não está apto a discutir o seu lugar na sociedade, e esse é o debate central. 10 A estatística simplifica tudo. As pessoas ficam felicíssimas com os índices. [...] Os números são aparentemente concretos, mas na verdade são abstratos. (SANTOS, 2001, p.5) Os números podem ter diferentes interpretações, porém a que mais prevalece é a que diz que há qualidade nesse mercado voltado para a Educação. Analisando a Universidade pública temos dificuldades estruturais e, dependendo do setor, há uma maior burocracia para o desenvolvimento de pesquisas. Setores ligados ao “progresso tecnológico” e ao “imediato reconhecimento nacional e mundial” recebem seus investimento em larga escala. Mas setores de pesquisa nas ciências humanas, como é o caso da Educação, que apresentam resultados a longo prazo, ainda necessitam de maior investimento. Remetemo-nos a “teoria da escola dualista" com uma amostragem de escola que representa à divisão da sociedade capitalista em duas classes fundamentais: a burguesia e o proletariado e ainda o que seria um ideal de escola presente nesta sociedade. No quadro da "teoria da escola dualista" o papel da escola não é, então, o de simplesmente reforçar e legitimar a marginalidade que é produzida socialmente. Considerando-se que o proletariado dispõe de uma força autônoma e forja na prática da luta de classes suas próprias organizações e sua própria ideologia, a escola tem por missão impedir o desenvolvimento da ideologia do proletariado e a luta revolucionária.(SAVIANI, p. 30, 1996) Saviani nos explica como a “teoria da escola dualista” influencia as discussões sobre a Educação e hoje afirmamos que a mudança e a transformação que visa o acesso e a permanência de todos para uma Educação consistente, recorre à função da escola de fato democrática, que rompe com o dualismo. Em um artigo escrito para a Folha de São Paulo, em 1999, “Nação ativa, nação passiva”; Santos adverte para uma mudança necessária de “rever o que fazer com as coisas, as idéias e também com as palavras” mediante a transformação mundial instaurada pela Globalização. Acrescenta ainda a urgência de um debate nacional sério calcado nas necessidades e interesses da população para que não permaneça o domínio da economia global, representadas pelas empresas transnacionais. 11 Há, portanto, a necessidade se voltar à análise da necessidade de um aprofundamento em Educação em longo prazo, sem a obrigatória imagem utilitarista, mas sim como uma Educação com uma tradução de investimento em formação humana com consistência. É fato que a Educação sozinha não consegue resultado de mudança, não vai a nenhum lugar. São necessárias outras formas intencionais para ocorrer uma mudança significativa e Santos reflete sobre os meios sociais necessários. [...] Não é pela Educação sozinha que se vai a algum lugar. Isso é balela. [...] é preciso esta aliada a uma revolução social. Primeiro educar num outro nível. (...) Educação é um instrumento, mas não é algo que sozinha seja uma produção. [...] Nós devíamos ter uma cruzada pela ascensão social, que está em baixa e só seria possível com a mudança de estrutura dentro da sociedade. Teríamos que ter uma preocupação sistêmica com a melhoria das condições de todos os brasileiros (SANTOS, 2001, p. 3). Pensar uma melhoria educacional para todos os brasileiros é uma urgência, não para cumprir exigências mercadológicas, mas para realizar a mudança necessária na sociedade brasileira, considerando o que Santos alerta “a necessidade de uma mudança estrutural” para que haja mudanças mais significativas na dimensão educacional. Uma Educação que extrapole a lógica do capital, mais humana, mais democrática e que realize a lei de ser para todos efetivamente. . CONSIDERAÇÕES FINAIS Em busca da essência dos fatos, reconhecemos nesse trabalho uma realidade complexa e distorcida pela ideologia dominante, uma realidade que em sua grande maioria das vezes exposta à análise não é compreendida em sua totalidade. Para isso identificamos no movimento do processo histórico de idas e vindas, de conquistas e perdas da população em geral a presença das contradições, das posições contrárias que serão levadas em conta, já que a realidade é complexa e influenciada por múltiplas determinações. 12 Retomamos como essencial para desvelar o real e como recurso de investigação, a práxis, para que seja possível manter uma reflexão teórica sobre a realidade, estabelecendo um compromisso com a transformação da sociedade. Dentro do pressuposto teórico adotado, desvelar, portanto, a totalidade das relações de produção, que constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. (MARX, 1989). Deste modo, a produção da vida material influencia o processo de vida social, política e intelectual, fazendo com que a consciência dos homens tenha seu maior reconhecimento dentro das relações existentes na sociedade. Assim como não podemos julgar o indivíduo pela ideia que faz de si mesmo, tampouco se pode julgar uma tal época de transformação pela consciência que ela tem de si mesma. É preciso, ao contrário, explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. (MARX, 1989). Neste sentido é que a compreensão do pensamento de Milton Santos, não poderá ser isolada do conjunto de relações sociais existentes na sociedade. O processo por meio do qual o ser humano, como ser social, produz a sua história, possui sua base na materialidade real, nas condições determinantes da sociedade e por sua vez muito condicionadas historicamente. Buscou-se abordar com fidelidade as ideias do autor analisado, com o intuito de explicitar seu posicionamento o político apartidário, bem como as relações históricas, políticas e sociais e estabelecer uma relação com a Educação. A realidade social deflagrada pelo autor foi contemplada a fim de se perceber como ela tem contribuído para legitimar as políticas educacionais circunscritas no ideário neoliberal e como ela poderá contrapor-se a essa ideologia. 13 REFERÊNCIAS AZEVEDO, J. M. L. A Educação como Política Pública. 3. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2004. ASSIS, J. P. Milton Santos: Testamento Intelectual. São Paulo: UNESP, 2004. BUTTIGIEG, A. J. Educação e Hegemonia. in: COUTINHO, C. N. ; TEIXEIRA, A. P. (Org.). Ler Gramsci, entender a realidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p.39-49. CARNOY, M. Educação, Economia e Estado - Base e Superestrutura relações e mediações. São Paulo: Autores Associados, 1984. CURY, C. R. J. Educação e contradição. 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