INTELECÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS
Fundação Carlos Chagas e demais bancas de concursos públicos
As provas de Língua Portuguesa da Fundação Carlos Chagas têm características que podem
ser trazidas à luz. Farei uma análise sucinta do que elas apresentam de comum às demais provas
de Língua Portuguesa, assim como daquilo que há de mais específico na sua elaboração.
Na medida em que há muitos pontos que devemos elucidar, escreverei cada artigo visando
a um ponto específico, para ser bastante didático e dar ao candidato uma fonte útil de
informações.
Um dos pontos em que a referida prova se iguala às provas de Português em geral está na
parte que ela reserva à interpretação de textos. Portanto, neste momento, no que reporta a todas
as provas de Língua Portuguesa (que, hoje, possuem nomenclaturas diferentes: “Linguagens,
códigos e suas tecnologias”; “Comunicação”; “Conhecimentos gerais”), darei conselhos sobre
intelecção e interpretação que podem ser fundamentais a quaisquer desses exames.
Antes de tudo, é importante sabermos que, ao falarmos “interpretação”, muitas vezes
incluímos “intelecção”. A diferença é semelhante à que existe entre ENTENDER e INTERPRETAR
um enunciado. Um exemplo disso pode-se evidenciar no contraste dos seguintes enunciados
abaixo apresentados, para cuja análise parto de algo que está no meu livro “Desafios da Redação”
(Rio de Janeiro: Ferreira, 2012):
A) “Aquela menina é bonita, mas burra”;
B) “Aquela menina é burra, mas bonita”.
Ora, do ponto de vista meramente intelectivo (a intelecção ou entendimento), as duas
frases dizem a mesma coisa, possuem os mesmos referentes, SIGNIFICAM, pois, a mesma ideia:
uma menina que possui, simultaneamente, atributos de beleza (positivo) e burrice (negativo). Não
há o que se dizer mais sobre esses enunciados, se nos mantivermos no plano do entendimento,
linguisticamente conhecido como PLANO DO ENUNCIADO, ou do SIGNIFICADO propriamente dito.
Se partirmos para o PLANO DA ENUNCIAÇÃO (ou da SIGNIFICAÇÃO ou do SENTIDO),
contudo, que é o da interpretação, pois envolve os referentes físicos somados à força locucionária
presente no enunciado, podemos chegar a conclusões mais amplas. Nosso primeiro alerta, antes
mesmo de prosseguirmos, é o fato de que a maior armadilha para quem vai à enunciação, subindo
do simples enunciado à interpretação, está na chamada EXTRAPOLAÇÃO. Isso quer dizer que, ao
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Toque de Mestre nº 1 – 12/03/2012 – Marcelo Moraes Caetano
interpretarmos uma enunciação, grande é o risco de irmos ALÉM do que pode ser, de fato,
interpretado. Vamos ver a seguir.
Ocorre que a interpretação está cheia de implícitos, que podem ter sido ali postos, COM ou
SEM intenção, pelo locutor. Aliás, aqui está um primeiro perigo: é muito difícil afirmar − hábito
arraigado antigamente, e por alguns candidatos ainda hoje − que o autor “quis” dizer isso ou
aquilo. Não é nosso papel, numa prova de interpretação, tentarmos ser psicanalistas de um
locutor, nem transformá-lo em nosso paciente. Não importa o que supostamente ele QUIS dizer,
mas efetivamente o que está DITO. Podemos e devemos, apenas, ver o que foi obtido, sem irmos
à esfera da intenção propriamente dita; a menos que (vale o parêntese) essa intenção esteja
muito notória, caso em que cairíamos, até, numa questão de intelecção, não de interpretação.
Voltando, então, à questão dos implícitos, são eles que nos dão pistas de ênfase,
indiretividades, implicaturas, pressupostos ou pressuposições, inferências plausíveis, efeitos
obtidos e, somente em casos muito nítidos, como foi dito há pouco, efeitos pretendidos pelo
autor. Assim sendo, nos enunciados A e B acima, podemos inferir que houve ênfase, no caso A, do
atributo negativo da menina (a burrice), ao passo que, no enunciado B, pode-se inferir que a
ênfase foi dada à característica positiva da mesma menina (sua beleza). Essa distinção se dá no
plano da enunciação (é, portanto, uma questão interpretativa), pois não está escrito (não está
explícito) que o autor quis ou não quis enfatizar aspectos diferentes, tampouco a ênfase, por si só,
é explícita. Mas um falante da língua, como somos, pode, por seu conhecimento de mundo e sua
competência pragmática linguística, absorver essa indiretividade, esse implícito, esse pressuposto.
Na língua, diferentemente da Matemática, a ordem dos fatores altera o produto...
Extrapolaríamos a interpretação caso, por exemplo, escolhêssemos uma alternativa que
contivesse a seguinte frase: “No contexto, o autor deixa clara a sua intenção de enfatizar atributos
que representam antíteses”. Essa afirmação está errada porque, com ela, pretende-se chegar a
uma intenção do autor que, nesse caso, não é clara, mas apenas hipotética.
Com efeito, costumo dizer que, numa interpretação de textos, a mera hipótese de que algo
corresponda à verdade extraída do texto já é um sinal amarelo, muito reluzente, que indica que
devemos parar para ver se, de fato, aquela hipótese permanece como hipótese (HIPO-TESE =
“abaixo da tese”) ou se, afinal, torna-se uma tese real. No primeiro caso, devemos excluir a
alternativa, pois uma alternativa que contém uma simples hipótese parte, geralmente, das nossas
especulações pessoais, e não do texto propriamente dito que devemos interpretar.
Ainda relativo ao que eu vinha expondo, posso afirmar que um dos maiores inimigos para
os concursandos são os conceitos e ideias que eles já levam consigo ao fazerem as provas. Com
essa conduta, é muito fácil que eles acabem caindo nas arapucas armadas pelas bancas,
principalmente nas questões de intelecção e interpretação de textos. Se um trecho, por exemplo,
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defende o nazismo, devemos enxergar essa defesa, ainda que não concordemos, pessoalmente,
com ela. Nossos pontos de vista devem ser colocados em local seguro quando vamos entender e
interperpretar um texto, porque, no fim das contas, ele foi escrito por outra pessoa, e suas ideias
podem não convergir com as nossas.
Uma última dica para que os candidatos se sintam fortalecidos nas questões de intelecção
e interpretação está em algumas palavras que a FCC e muitas outras bancas usam para assinalar se
estão no plano do enunciado ou no plano da enunciação.
Como vimos, a intelecção, ou entendimento, restringe-se a extrair do texto o que está
explícito, nada além. Há palavras e frases que indicam essa solicitação por parte da(s) banca(s):
“de acordo com o texto, pode-se afirmar”; “traduz-se que”; “refere-se”; “está claro que”; “pode-se
substituir o segmento acima, sem prejuízo para a correção e o sentido”; além de verbos que vão
muito diretamente ao assunto, geralmente no presente do indicativo (“o texto afirma que”;
“aponta que”; “pelo texto, está claro que”). Com essas palavras, devemos tentar, ao máximo,
apenas reescrever o que está escrito com outras palavras − usar paráfrases −, sem nenhuma
modificação que acrescente emotividade, ênfase, subjetividade. Devemos observar com muita
objetividade o que foi dito e apenas reproduzir essa ideia. Essas questões nos alertam que há um
grande risco (e aí estará posta a armadilha) de extrapolarmos. Nosso cuidado deve ser
reduplicado.
Por sua vez, para indicar que se está indo ao plano da enunciação, da interpretação, dos
implícitos, há palavras-chave e frases de comando que podemos apontar: “o texto ressalta”; “o
trecho indica”; “enfatiza”; “assinala”; “depreende-se que”; “no contexto, deve-se entender”, “tem
como sentido implícito o que enuncia o seguinte segmento”, além de, frequentemente, verbos no
futuro do pretérito do indicativo (“seria adequado”; “poderia ser dito que”) e/ou advérbios de
modo-tempo como “geralmente”, “frequentemente”, “muitas vezes”.
Até a próxima.
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