1 O que pode a psicanálise no tratamento da dor crônica? Márcia Cristina Maesso, psicóloga, psicanalista, professora substituta e pesquisadora colaboradora no Departamento de Psicologia da UnB, pós-doutora pelo Departamento de Psicologia Clínica e Cultura da UnB, doutora e mestre em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da USP. E-mail: [email protected] [email protected] Resumo Visamos abordar a possibilidade de sustentar por meio da orientação psicanalítica, um tratamento que propõe escutar na ordem do significante, a manifestação da dor crônica sem referente orgânico, diagnosticada atualmente pela medicina como síndrome fibromiálgica, considerando a interposição de duas principais dificuldades para o trabalho psíquico: a resistência do paciente a estabelecer uma implicação subjetiva que favoreça a construção de um saber próprio acerca da dor; e um modo de discurso científico que responde a essa desincumbência, alimentado-a ao assumir a posição de saber no lugar do paciente. Recorremos aos conceitos de alienação e de sintoma para tratar desse tema e considerar que a oferta de uma escuta referida ao desejo do psicanalista, possa viabilizar a emergência do sujeito do pântano da dor. Palavras-chave: corpo; fibromialgia; clínica psicanalítica A questão posta no título, para ser abordada nessa mesa-redonda, surgiu no bojo da pesquisa de pós-doutorado intitulada Corpo e dor: da fibromialgia ao semi-dizer, inserida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da UnB em parceria com o Hospital Universitário de Brasília, local que recebe demanda de tratamento psicológico para os pacientes com diagnóstico de síndrome fibromiálgica e dor crônica em geral. Essa pesquisa se desdobrou em um programa de estágio que atualmente funciona no Departamento de Psicologia Clínica da UnB, com a proposta geral de acolhimento do discurso a partir da escuta psicanalítica, considerando o posicionamento do sujeito do inconsciente em relação à dor. Os atendimentos são realizados no Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos (CAEP) do Instituto de Psicologia da UnB, pelos estagiários do curso de Psicologia e profissionais voluntários, supervisionados e orientados a partir dos princípios éticos e conceituais da psicanálise. A oferta dessa escuta, que tem a função de dignificar a regra da associação livre, visa possibilitar aos pacientes 1 que chegam por causa da dor insistente no espaço 1 Optamos por usar a palavra paciente para fazer referência ao discurso médico ao qual estão enlaçados quando procuram tratamento psicológico, principalmente quando o pedido inicial não é próprio, mas do médico. A posição de paciente nesse tempo inicial do tratamento, também concerne à posição de espera serena pelo resultado que deverá advir do trabalho do psicólogo. 2 corporal, diagnosticada como síndrome fibromiálgica, falar de seu sofrimento no espaço psíquico. Constatamos com essa oferta de escuta, que um traço comum vem surgindo entre os casos recebidos, respeitante a um modo de organização do sujeito em torno da dor física, como saída diante de situações de extremo desamparo. As histórias contadas envolvem experiências difíceis, física e afetivamente dolorosas, com a descrição de episódios traumáticos sobre perdas importantes, abandono, maus tratos, abusos sexuais, enfim, várias formas de violência. A escuta analítica, por reservar um espaço vazio de significações, permite que essas experiências sejam tocadas pela palavra, inicialmente através da narrativa das próprias histórias, reservando também um espaço para que o sujeito venha a se articular na cadeia entre os significantes. O acolhimento das narrativas abre a via para o deslocamento da dor do lugar fixado no corpo como doença, para situá-la simbolicamente em relação à memória do que foi vivido, de modo que ocorre interpretação da dor pelo sujeito, na transposição da intensidade experimentada no corpo ao registro da linguagem falada. Com a narrativa um sentido é conferido à dor na história do sujeito, lembremos com Walter Benjamim (1994, p.206) que com a narrativa se imprime “a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso”. A narrativa ou relato da experiência implica na memória e interpretação, funções importantes que fundamentam a práxis psicanalítica, e são fundamentadas conceitualmente nesse campo. O artigo de Freud (1990/1914) Recordar, repetir, elaborar é esclarecedor quanto à importância da escuta como condição para a elaboração pela fala na situação analítica. Nele, Freud aponta as mudanças transcorridas na técnica psicanalítica, desde o tempo da rememoração pela hipnose, passando para a instauração da regra fundamental da associação livre, como técnica propiciadora da produção de material inconsciente para ser interpretado pelo analista, atribuindo o que não foi recordado à formação do sintoma, até que na última modificação Freud manteve a regra fundamental, porém abandonou o foco do sintoma, não mais solicitando ao paciente falar para buscar os acontecimentos que o teriam provocado, mas incentivando-o a falar sem censura sobre qualquer pensamento que lhe surgisse à cabeça. Coadunando com a regra fundamental da fala em associação livre, nessa última alteração, a escuta psicanalítica também comparece livre da determinação de selecionar algum material a fim de alcançar a meta de compreender a causa do sintoma, mas comprometida com a abertura de um espaço para a fala que remete à insistência do inconsciente em dizer. 3 Vale notar que o objetivo de “preencher as lacunas na memória” superando as resistências permanece o mesmo, com as mudanças técnicas. Portanto, o motivo de Freud havê-las mudado corresponde a privilegiar a transferência da repetição em atuação (acting out) na “esfera motora”, para a “região intermediária” que a transferência do saber suposto ao psicanalista permite criar, região na qual a repetição ocorre como elaboração na “esfera psíquica” (Freud, 1914/1990, p. 200-201). Freud aponta a importância da transferência do lugar da manifestação do sintoma na vida, para o espaço de tempo no qual ocorre a situação analítica, como possibilidade de tratamento e cura, pela passagem da doença posta na vida real à doença artificial. Portanto, a escuta analítica se colocaria como um artifício para a criação desse espaço artificial, no qual a repetição é renovada pela leitura realizada no trabalho psíquico. A repetição ma psicanálise implica em elaboração psíquica, encaminhamento de questões, enquanto na medicina a repetição gera certeza de conhecimento, re-conhecimento e confirmação das hipóteses levantadas em torno da doença. A clínica psicanalítica apresenta uma estrutura similar à da clínica médica, da qual se separou com a ruptura freudiana, abrindo um novo campo ético e metodológico. Embora articule etiologia, semiologia, diagnóstica e terapêutica, o faz na contramão da disposição metódica da clínica médica, que parte da semiologia através de anamnese, exames clínicos e laboratoriais, para fundamentar o diagnóstico com hipóteses etiológicas e posteriormente propor o tratamento. Na psicanálise é possível iniciar o tratamento independentemente da determinação diagnóstica, que pode ser formulada à posteriori, a semiologia se constitui no dispositivo de tratamento e a etiologia relacionase à posição do sujeito em relação ao objeto a na formação da fantasia (Dunker, 2011, p. 439 - 459). As concepções acerca de cada um desses quatro pilares clínicos foram modificadas na psicanálise em função de seu estabelecimento como uma práxis regulada pela ética orientada na relação do homem ao real, que não corresponde à deontologia, não se submete à ditadura dos ideais que circulam através dos discursos dominantes, determinando as condutas, o que é bom ou mau, certo ou errado, saúde ou doença, etc (Lacan, 1959-60/1997). Ressaltemos, em razão da questão que pretendemos contornar, o quanto é importante para o tratamento psicanalítico, a distinção quanto à concepção de sintoma em seu campo da que é sustentada no campo médico. Na medicina o sintoma é tomado como signo de doença para ser lido em correlação à linguagem dos códigos, por sua vez 4 produzidos pelo método que preconiza a descrição e domina o vizível. (Foucault, 1998). O sintoma na psicanálise não é tratado como signo para ser traduzido através dos manuais ou procedimentos pré-estabelecidos, a fim de revelar a verdade da doença. Desde Freud o sintoma na psicanálise é concebido como manifestação do inconsciente, um dos modos de sua formação, e se oferece à interpretação na “ordem do significante”, sendo que o sentido de um significante surge na relação com outro significante, “é nessa articulação que reside a verdade do sintoma” como designou Lacan (1966/1998, p.235), indicando que há relação entre o sintoma e a verdade do sujeito, verdade que “só se sustenta em um semi-dizer” (Lacan, 1969-70/1992, p. 103). Dado que na psicanálise o significante escapa ao significado único e universal, a possibilidade de interpretação do sintoma consiste numa significação singular produzida na fala do sujeito que se formula na situação transferencial. Essa breve distinção entre clínica médica e clínica psicanalítica resulta fundamental para que possamos circunscrever a particularidade da manifestação do sofrimento pela dor persistente no corpo, fora do discurso organicista que acompanha a tradição médica, buscando abrir um espaço discursivo para o sujeito. A fibromialgia ou síndrome fibromiálgica é o nome proferido pela medicina ao conjunto de sinais dolorosos que persistem pelo tempo mínimo de três meses. Está inscrita e codificada pelo discurso médico na categoria de doença, especificamente como uma “síndrome dolorosa crônica não inflamatória”, segundo a definição do Colégio Americano de Reumatologia (ACR). Na Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), da Organização Mundial da Saúde, encontra-se a indicação da Fibromialgia pelo código individualizado M79.7. O consenso brasileiro sobre o tratamento da fibromialgia, estabelecido pela Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) em 2010, propõe que o diagnóstico seja exclusivamente clínico, solicitando eventualmente outros exames além dos clínicos, para os casos que exigem um diagnóstico diferencial. Ou seja, quando os exames captam alguma lesão na estrutura ou alteração no funcionamento do organismo que justifique a origem da dor, exclui-se a hipótese de fibromialgia, que se aplica apenas aos casos cuja causa da dor é organicamente desconhecida. O diagnóstico é baseado na observação da persistência da dor e sua manifestação nos lados direito e esquerdo do 5 corpo, acima e abaixo da cintura, no momento da palpação digital. O Colégio Americano de Reumatologia (ACR) estabeleceu 18 pontos dolorosos (tender points) para identificar os casos de fibromialgia, entretanto basta que 11 deles sejam localizados, através do método da pressão dos dedos, para satisfazer o critério diagnóstico (Kuahara, 2004). Havendo pouco conhecimento sobre a etiologia, a fibromialgia vem sendo tratada e pesquisada pelos médicos reumatologistas por “envolver quadro crônico de dor musculoesquelética”. A SBR indica uma “avaliação abrangente da dor, da função e do contexto psicossocial” para a “completa compreensão da fibromialgia”, incluindo no quadro, além da dor, outros sintomas, como distúrbio do sono, do humor, da cognição e fadiga, que também se apresentam afetando a qualidade de vida. O tratamento recomendado pela SBR tem como objetivo o controle da dor crônica e não sua eliminação; associa recursos medicamentosos envolvendo a prescrição de antidepressivos, relaxantes musculares, analgésicos simples e opiáceos leves, e não medicamentosos, agregando exercícios físicos, fisioterapia e psicoterapia, sendo a cognitivo-comportamental a mais indicada (Hermann et al., 2010, p. 59 - 60). Nota-se nesse discurso que o foco incide sobre o sintoma principal, a dor, que deve ser controlada já que não pode ser eliminada, portanto o controle é feito preferencialmente com analgésicos e relaxantes musculares, devido à eficácia na redução ou alivio da dor; os sintomas secundários também são tratados dependendo do modo como são apresentados. Diante do que foi exposto até aqui, retomemos a questão posta no título: O que pode a psicanálise no tratamento da dor crônica? Já mencionamos a ruptura com os paradigmas da clínica médica, destacando que a psicanálise não irá se ocupar de uma doença ou síndrome como a fibromialgia, que é um signo universal e pode ser lido por aqueles que detêm o conhecimento específico dos códigos; mas, pode ocorrer no tratamento psicanalítico, que a fibromialgia seja tomada como um significante para um sujeito, tornando possível a intervenção psicanalítica, a fim de que ele possa decifrá-lo. Entretanto, para que a interpretação passe à ordem significante na língua singular é preciso um trabalho prévio, para a articulação do sujeito no dispositivo clínico, pois quem demanda tratamento está inicialmente na posição de paciente, enlaçado de modo alienado no discurso médico-científico. 6 A palavra alienação, do latim alienus designa o que pertence a um outro. Bebendo da fonte hegeliana, Lacan (1964/1973, p.194) a utilizou para formular sobre o lugar no campo do Outro, onde o sujeito é concebido, “o lugar em que se situa a cadeia do significante que comanda tudo que vai poder presentificar-se do sujeito”. Mas, é a partir da falta encontrada no discurso do Outro, quanto ao sentido de seu desejo, que o sujeito poderá engendrar-se, separar-se, sendo ele também marcado nessa operação pela falta, pela perda de ser no sentido do desejo situado no campo do Outro. Devido à impossibilidade de esmiuçar as operações envolvidas na alienação e separação, no escopo desse trabalho, tomemos essa apresentação geral e compacta para propor a leitura de que a dor pode situar-se na intersecção entre a dimensão do corpo do sujeito e o discurso médico, nessa operação de alienação que foi designada por Lacan através da função do vel que vem recobrir duas faltas. Do lado do sujeito a dor física recobre a perda do ser e do gozo pleno, perda que é geradora do sofrimento psíquico como “dor de existir”, o sujeito obtém um gozo com a dor física, que está além do princípio do prazer, recobrindo a falta, mantendo-o desincumbido do trabalho psíquico que a falta, por instituir o desejo, requer. Resumidamente, a dor física sobrepõe-se ao sujeito do desejo. Do lado do discurso médico-científico, a falta de saber sobre a etiologia da dor é recoberta pela crença de que a ciência venha a dominá-la futuramente e pelo tratamento que visa ao seu controle, principalmente anestesiando-a. A redução de produção simbólica em relação à dor, nos nossos tempos, pode ser lida a partir dessa operação de alienação da posição do sujeito ao discurso médico-científico, como uma resistência à separação e recusa a enfrentar a falta. Os apontamentos de Lacan (1966/2001) no colóquio sobre O lugar da psicanálise na medicina são bastante atuais acerca do domínio científico incidir, na forma de produção de substâncias químicas e outras tecnologias, na determinação da função do médico, colaborando para o distanciamento da medicina das questões que envolvem a dicotomia entre demanda e desejo, apresentada no pedido do paciente ao médico, e o problema da exclusão da dimensão do gozo do corpo do campo da ciência médica, denominado como falha epistemo-somática por Lacan. As observações lacanianas, no colóquio, são tributárias da ética que envolve o compromisso do desejo em relação a sustentar o princípio do prazer como “barreira ao gozo”. Enquanto o princípio do prazer envolve uma excitação mínima, o gozo experimentado no corpo excede em excitação. Lacan formula que há gozo no nível em que aparece a dor e nesse 7 nível da dor a dimensão do organismo é experimentada, sendo que de outra forma ela permanece velada. Ao excluir a dimensão do gozo na relação que a medicina estabelece com o corpo, o gozo não é barrado e se estende no consumo das drogas lícitas prescritas como tratamento. A psicanálise inclui a dimensão do gozo do corpo em seu campo. É possível escutar o corpo, que fala, porque está inscrito e marcado pela linguagem. A criação de Freud do conceito de trieb, traduzido por pulsão, possibilitou situar o corpo humano na psicanálise, rompendo com a determinação da natureza biológica e com a dicotomia entre corpo e alma disseminada pela proposição cartesiana. O corpo cartesiano foi identificado com a coisa extensa (res extensa) e separado da coisa pensante (res cogitans) única garantia da existência proposta pela máxima penso logo existo. O corpo, exilado do pensamento, ficou excluído da dimensão simbólica, mas também da dimensão real de gozo ao ser identificado com os atributos de largura, comprimento e profundidade da res extensa (Pollo, 2012). Freud (1915/2004) concebe o conceito de pulsão (trieb) como conceito-limite, “entre” o psíquico e o somático, mas ele não descarta a relação com o Outro e com a linguagem na produção de um corpo desnaturado. Pode parecer incongruente dizer isso, sendo que, em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud (1905/1990, p. 169 170) afirma que “a pulsão não está dirigida para outra pessoa; satisfaz-se no próprio corpo, é auto-erótica”. Entretanto, logo em seguida ele escreve: “... o ato da criança que chucha é determinado pela busca de um prazer já vivenciado e agora relembrado”. O que é relembrado no chuchar é a primeira atividade de mamar no seio materno, quando “os lábios da criança comportaram-se como uma zona erógena”. É nessa matriz pulsional que encontramos a abertura freudiana para considerar a constituição do corpo na relação com o Outro. A tese do apoio na satisfação da necessidade que Freud sustenta, serve justamente para mostrar que outra coisa acontece enquanto a necessidade é satisfeita e que não diz respeito a ela. As formulações de Lacan são mais explícitas que as de Freud sobre a dependência do corpo humano em relação ao Outro e à linguagem, para que ele se constitua. Com a criação e articulação dos três heterogêneos: o Real, o Simbólico e o Imaginário, Lacan possibilitou abordar conceitualmente, o corpo no campo psicanalítico incluindo a dimensão do gozo. A topologia lacaniana do nó borromeano é uma 8 apresentação da estrutura do sujeito pela amarração dos três registros RSI sem nenhuma hierarquia, de modo que a ruptura de uma das rodelas produz a separação das outras e o nó se desamarra. No entrecruzamento entre as consistências, Lacan situou a letra a representando o objeto a, que tem a função dupla de causa do desejo (objeto ausente) ou de mais-de-gozar (objeto presente), apontando as relações entre desejo e gozo que são articuladas nessa estrutura. Lacan demonstra no nó os lugares de três distintas modalidades de gozo: Entre o Imaginário e o Simbólico Lacan situou o gozo do sentido no qual o corpo fala (jouissance é homófono a jouis sens, gozo sentido); entre o Real e o Imaginário situa-se o gozo do Outro, gozo no corpo, fora do simbólico, e localizado no cruzamento entre o Simbólico e o Real está o gozo fálico, fora do corpo, ligado à palavra e ao sintoma que pode ser decifrado, pois tem conotação metafórica. Essas são segundo Lacan, as três dimensões do corpo, que ele por inclusão do traço na escrita da palavra di-mensão (dit-mension), nomeia como diz-mansão e depois como mansão do dizer, para formular que o corpo é lugar do dizer nos distintos modos de gozo (Lacan,1974-75). Em qual desses lugares de gozo a dor crônica, ou a fibromialgia estaria situada? Não há uma resposta única para essa pergunta, partindo do princípio de que na psicanálise o saber é constituído somente depois, a partir da fala do sujeito. O saber está para ser construído singularmente no próprio dispositivo do tratamento, e a fibromialgia também será significada em cada caso. Para finalizar, com intuito de abrir uma discussão, resta dizer que referimo-nos à ética que envolve a práxis da psicanálise, para considerar que o semi-dizer possibilitado pela fala, venha proporcionar uma devida distância do sujeito do gozo da dor, e a articulação do desejo. Diante da posição subjetiva de “paciente com fibromialgia” na qual muitos se apresentam, é preciso uma manobra prévia na clínica psicanalítica como propõe Castellanos (2009), visando a possibilitar que o desejo entre em circulação, essa manobra consiste em tomar a dor no corpo como um sintoma na acepção que a psicanálise confere, de formação do inconsciente, passível de interpretação na ordem do significante, mesmo sabendo não ser disso o de que se trata. Essa “impostura” do psicanalista é necessária para possibilitar o tratamento pelo simbólico, a fabricação de um sintoma singular e o deslocamento do significante fibromialgia, proferido pelo discurso médico como signo universal, ao significante particular do sujeito. Com a oferta da escuta psicanalítica como prática do desejo do psicanalista, livre das 9 associações com o conhecimento positivado da ciência, reserva-se o espaço vazio de sentido, para que haja deslocamento do paciente para a posição de analisante, investigador, e questionador das perturbações dolorosas de sua vida. Referências: Benjamin, W. (1994). O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. (pp. 197-221). São Paulo: Brasiliense. CID-10 (2007). Recuperado de www.google.com.br/search?hl=ptBR&tbo=p&tbm=bks&q=isbn:8531403855 Castellanos, S. (2009). El dolor y los lenguajes del cuerpo. Buenos Aires: Grama Ediciones. Dunker, C. I. L. (2011). Estrutura e constituição da clínica psicanalítica: uma arqueologia das práticas de cura, psicoterapia e tratamento. São Paulo: Annablume. Foucault, M. (1998). O nascimento da clínica. (5ª. ed.). Rio de Janeiro: Forense Universitária. Freud, S. (1905/1990). Três ensaios para a teoria da sexualidade. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, Vol. 7 (J. Salomão, Trad.). Rio de Janeiro: Imago. Freud, S. (1914/1990). Recordar, repetir e elaborar. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, Vol. 12 (J. Salomão, Trad.). Rio de Janeiro: Imago. Freud, S. (1915/2004). Pulsões e destinos das pulsões. In L. A. Hanns (coord. geral de trad.), Escritos sobre a psicologia do inconsciente (pp.145-162). Rio de Janeiro: Imago. Hermann, R.E., Paiva, E.S., Helfensein Junior, M., Pollak, D.F., Martinez, J.E., Provenza J.R. et al. (2010, janeiro/fevereiro). Consenso brasileiro do tratamento da fibromialgia. Revista Brasileira de Reumatologia: Órgão oficial da Sociedade Brasileira de Reumatologia, 50(1), 56-66. Kuahara, M.V. (2004). Fibromialgia: A percepção da doença pela mulher. Uma investigação através do método qualitativo. 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