Luis Henrique de Souza Teodoro O RPG NA EDUCAÇÃO: NOVAS OPORTUNIDADES DE CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO. São Paulo 2010 Luis Henrique de Souza Teodoro O RPG NA EDUCAÇÃO: NOVAS OPORTUNIDADES DE CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO. Monografia apresentada ao Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como parte dos requisitos exigidos para a conclusão do Curso de Licenciatura Plena em Ciências Biológicas. Orientador: Profo. Dr. Adriano de Castro Monteiro. São Paulo 2010 Por Deus e para minha família. “Todo ato de criação é, antes de qualquer coisa, um ato de destruição” (Pablo Picasso) “O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele.” (Immanuel Kant) “Educar sempre significa mudar.” (Vigotski) A g ra d e c i m e nt o s Meu muito obrigado a Universidade Presbiteriana Mackenzie, em especial ao Centro de Ciências Biológicas por terem me ofertado o melhor ambiente de aprendizagem possível. Agradeço imensamente ao meu orientador Professor Doutor Adriano por, além de ter me dado todo o suporte que precisei, por ter me ofertado um sorriso em cada tempestade. Não poderia também deixar de agradecer as minhas “coorientadoras”, Professora Doutora Rosana e Professora Doutora Magda. Sem elas, nada disso teria sido possível. Ao Dr. Gustavo Schmidt – diretor do curso de Ciências Biológicas – por ter sido tão criterioso na escolha dos docentes e, portanto, por ter sido tão importante na minha formação. Agradeço também a todo o corpo docente do meu curso, principalmente à Vera Farah, Miriam, Daniela Toyama, Olga e Patrícia Fiorino. Vocês foram espelhos para mim. Em especial, agradeço a professora Yur e a todas as suas palavras e carinho que um dia me trouxeram a certeza de querer ser biólogo. Muito obrigado – Senhor – a quem tudo devo. Faltam-me palavras, sobra-me vontade de agradecê-lo por tudo. À minha mãe, ao meu pai e ao meu irmão, sem os quais eu nada seria. Obrigado por cada dia, obrigado por todo o amor, meus amores. À Patrícia Cristina, que mais do que apoio de todas as formas que a palavra pode concernir, foi-me um exemplo de que família vai muito além do sangue. Aos longevos amigos que me acompanham desde a infância: Victor Augusto, Ana Paula e João Pedro. Vocês foram essenciais em mais momentos do que sou capaz de contar. Aos amigos que o esporte me trouxe, Diogo, W agner, Victória, Rogério, Gabriel, Gil, Alessandra, Marangoni, Pedro, Zé e Durval. Obrigado por me mostrarem, cada um a sua maneira, o que significa ser amigo. Meu muito obrigado aos amigos que o RPG me trouxe. Elara, João Adorno, W agner, Olga, Oscar, Daniel e Bruna. Guardo cada lembrança de vocês com muito carinho. Agradeço a algumas pessoas especiais, como a Paula Pelaes, por sempre ter me incentivado e apoiado, ao Ricardo por cada risada que me tirou dos momentos de tensão e ao Alex, por ser, simplesmente, tão, tão bom amigo. À Dora, Gilma e Bruna por cada hora de conversa quando tanto precisei. Encontrei muito carinho em vocês. Obrigado ao Gabriel Andrade e ao Caio Minatti, amigos ímpares aos quais sou muito, muito grato. Obrigado ao Eduardo Bisetto por ter me mostrado que eu ainda era capaz, mesmo quando duvidei. Por fim, mas não menos importante, agradeço muitíssimo aos meus amigos da faculdade. Victor Chalupe, Mayra di Matteo, Victor Martins, Andréia, Fernanda, Carlinha e Thaís, obrigado pelo imprescindível apoio. Deusa, Karina e Marina, faz 4 anos que tenho todo o conforto que preciso em vocês, é uma confiança e um carinho construídos como só nós sabemos como. Adriana e Luís Augusto, sem vocês eu jamais teria terminado a licenciatura. Muito obrigado por serem mais do que amigos. À Patrícia Marques, por ser um exemplo, por ser admirável, por ser uma excelente amiga com a qual sempre posso contar. Para a Juliana, do começo ao fim comigo, mil páginas não seriam suficiente para falar sobre você, redimo-me ao meu muito obrigado. Para o Luiz Fernando, um amigo essencial, um amigo mais que especial do qual jamais me esquecerei. Obrigado por toda a confiança, obrigado por todo o carinho. Ao Luiz Gustavo e ao Leonardo Crisóstomo por serem amigos que tanto amo e estarem comigo em todos, todos os momentos. Muito, muito obrigado. R e s um o A educação é uma atividade política e intencional. A partir dela e de suas estratégias de trabalho, tem-se como objetivo formar um cidadão que seja pertinente aos preceitos considerados relevantes para a concepção educacional proposta. Uma dessas propostas é o RPG e, portanto, o objetivo do presente estudo é conhecer e analisar as novas possibilidades de construção de conhecimento que o RPG propicia. Foram levantados caracteres comuns entre denominadores o RPG comuns e um sugerem ideário o RPG educacional. como uma Tais proposta educacional pertinente aos preceitos atuais da educação acerca da liberdade e emancipação. Palavras-chave: educação, RPG, liberdade, emancipação. A b s t ra c t Education is a political and intentional activity. From education and its work strategies, there is a purpose of citizen pretended to form that it ought to be pertaining to the relevant precepts for that educational assumption. A proposition might be the RPG and thus the aim of this study is to know and analyze the new construction possibilities of knowledge that the RPG provides.Common characters were raised between the RPG and educational ideas. These common denominators suggest the RPG as an educational proposal relevant to the current precepts of freedom and emancipation from education. K e yw o r d s : e d u c a t i o n , R P G , f r e e d o m , e m a n c i p a t i o n . Sumário Introdução. .................................................................................................... 11 Metodologia. ................................................................................................. 13 1. O Que É Ensino?.................................................................................... 14 2. A Pedagogia Transmissional .................................................................. 22 3. O Referencial Construtivista ................................................................... 40 4. Aprender para quê?................................................................................ 52 5. Histórico do RPG. ................................................................................... 63 6. Mecânica do RPG .................................................................................. 65 7. Análise e discussão. ............................................................................... 79 7.1. O papel do mestre e dos personagens. ................................................. 79 7.2. O papel do RPG. .................................................................................... 86 8. Considerações finais. ............................................................................. 90 Referências bibliográficas. ............................................................................ 92 11 Introdução. Pouco tempo depois do meu primeiro contato com o RPG nos idos de 1998 soube que o mesmo vinha sendo aplicado em sala de aula. Não sabia ao certo como isso seria possível, mas sabia que acontecia. Foi durante o curso de licenciatura, ao ter contato com um novo ideário de educação, de ensino e aprendizagem e ver que este se antepunha àquele tão disseminado que tive a primeira oportunidade para a investigação de como um passatempo que eu tanto aprecio poderia ser empregado na educação. Muitos são os estudiosos que se debruçaram a entender os processos cognitivos pertinentes à aprendizagem. E é levando em consideração estudos teóricos nesta direção que a busca por propostas alternativas de educação se fazem necessárias. Assim, analisar o objetivo quais as do presente possibilidades estudo de é conhecer e construção de conhecimento que o RPG propicia. O trabalho começa apresentando sua metodologia, relatando como este foi concebido e desenvolvido. A seguir, foram desenvolvidos quatro capítulos teóricos. O primeiro questiona o que é ensinar. O segundo atem-se a um estudo mais meticuloso sobre como o ensino é comumente 12 levado para a sala de aula. O terceiro capítulo apresenta um ideário diferente que, ao invés de ter seu foco no ensino, foca em como decorre a aprendizagem. Por fim, o último capítulo teórico traz a visão deste trabalho sobre a função do aprender. A próxima parte do trabalho é sobre seu objeto de estudo – o RPG –, que foi divido em histórico e mecânica. As particularidades do RPG são analisadas no capítulo seguinte trabalho. e, por fim, seguem as considerações finais do 13 Metodologia. Para análise a realização documental do do trabalho RPG que foi busca desenvolvida uma estabelecer suas características e tendências a fim de analisá-las à luz de um referencial teórico acerca da educação, buscando comparar seus denominadores comuns (PADUA, 2002). Os livros de RPG que o caracterizam foram selecionados mediante alguns critérios como o índice de disseminação no mundo, o índice de disseminação nacional, produção nacional e emprego na educação. Os dois livros da série Dungeons & Dragons são parte do sistema mais difundido no mundo. Até meados da década de noventa o sistema mais popular no Brasil era o Storyteller. Ademais, o Imortal recentes. Por utilizado para fim, e o o Opera GURPS, algumas são foi aventuras produções escolhido educativas nacionais por no ter sido país e também foi o primeiro sistema a desembarcar no Brasil. Para a realização da análise, foram elaboradas duas categorias que fazem menção, respectivamente, ao papel dos jogadores – mestres e personagens – e sobre o papel do RPG. Tais categorias foram elencadas porque parecem ser traços dos mais importantes que permitem a aproximação do RPG com a educação. 14 1. O Que É Ensino? Denotativamente, a palavra “ensino” se configura como um substantivo abstrato masculino derivado do verbo ensinar que se refere ao processo de transmissão de conhecimento. Antonimamente ao exposto acima, Mizukami (1986) relata que há outras acepções, outras concepções para a palavra ensino, as quais serão apresentadas ao longo deste capítulo. A visão proposta caracterizada por Transmissão, enquanto etimologicamente, Bordenave que (1984) por como Mizukami sua vez, Pedagogia (1986), é da assumindo pressupostos consonantes, denomina tal caracterização como Abordagem Tradicional. Saviani (1984) revela que o papel dessa concepção é difundir e transmitir sistematicamente o conhecimento da humanidade. Sob essa perspectiva, Bordenave (1984) e Mizukami (1986) convergem com o apontamento de Saviani (1984) e ressaltam o papel do professor como entidade responsável pela detenção e transmissão do conhecimento e o aluno como entidade passiva que deve absorver esse conhecimento, aludindo à análise etimológica. Acerca de uma segunda concepção, Bordenave (1984) diz que o ensino pode ser entendido como uma via de moldagem do homem em relação ao meio, uma vez que este 15 homem é produto de seu meio. O autor define tal acepção como Pedagogia Condutista, a qual Mizukami (1986) reconhece como Abordagem Comportamentalista. Tal perspectiva assume como elemento muito importante os recursos à disposição do professor que são capazes de guiar o aluno e sua produção, de modo que, acordando com Libâneo (1982) e Bordenave (1984), essa instrumentalização é capaz de guiar os alunos acerca daquilo que ele tem de aprender. Mizukami (1986) define semelhantemente tal conceitualização, destacando, ademais, o papel de molde de comportamento que essa perspectiva adota e pretende gerar em seus alunos, provendo, inclusive, recompensas para aquele comportamento tido como certo e eficiente, ao passo que punindo aquele tido como incorreto e ineficiente. Libâneo (1982) destaca que o foco dessa abordagem reside nos métodos em detrimento aos conteúdos a serem ministrados. Um terceiro apresentado por entendimento Mizukami acerca (1986) do como ensino é Abordagem Humanista; nesta, o foco da aprendizagem, e portanto do ensino, está nas relações desenvolvimento do sujeito. interpessoais focando o 16 Os preceitos que fundamentam esse ideário surgiram, segundo Bordenave (1984), a partir da proposição de um tratamento terapêutico. Segundo os autores supracitados, essa acepção prima pelo crescimento do indivíduo bem como pelos seus processos de organização pessoal. Libâneo (1982), acerca dessa perspectiva, diz que o aluno é o sujeito do conhecimento, de modo que o papel do professor, segundo Saviani (1984) passa a ser o de orientador e de incentivador pela busca de novos conhecimentos. Mizukami (1986) ressalta o papel não-diretivo do ensino, deixando técnicas e estratégias em plano secundário, valorizando, assim, o trabalho do professor como entidade que auxilia o aluno a encontrar seu eu, de modo que a partir desse pressuposto o aluno se encontrará apto para estruturarse. Bordenave (1984) não reconhece tais traços como sendo uma forma isolada de pedagogia, de modo que estes traços que servem para caracterizar a Abordagem Humanista de Mizukami (1986) são partes integrantes do que ele chama de Pedagogia da Problematização. Outras também abordagens podem ser entendidas por incluídas na Mizukami (1986) Pedagogia da 17 Problematização: a Abordagem Cognitivista e a Abordagem Sociocultural. Abordagem Cognitivista é aquela que se fundamenta através das pesquisas acerca dos processos de organização do pensamento, como elencado por Mizukami (1986). O ensino sob esse prisma articula-se na interação entre o indivíduo e o objeto de conhecimento, entre indivíduo e meio para propiciar reflexões porque, segundo Bordenave (1984) e Mizukami (1986), o suporte para esse ideário pressupõe que o pensamento e a reflexão são os alicerces para toda aprendizagem. Importantes nomes que fundaram tais pressupostos foram Piaget, Bruner e Vigotski. Saviani (1984) converge com Libâneo (1982) ao dizer que esta concepção prima pelo “aprender a aprender” e pelo “aprender fazendo”. Segundo tais autores, essa abordagem leva em consideração o valor da experimentação, de atividades de pesquisa, de estudos do meio, do trabalho investigativo e da problematização etc. Os mesmos ainda destacam o importante papel do respeito pelo estágio de desenvolvimento cognitivo do aluno, valorizando os estudos psicológicos e biológicos acerca da aprendizagem. conhecimentos Mizukami são (1986) relevantes para ressalta propiciar que tais situações desequilibradoras e conflitantes para os alunos, desafiando 18 sua capacidade de reflexão e seus conhecimentos ao passo que os guiando para a construção de novos conceitos e operações. Por fim, os últimos traços elencados por Bordenave (1984) que compõem a Pedagogia da Problematização são entendidos por Mizukami (1986) como Abordagem Sócio- cultural. Tal visão compreende o ensino como um ato irrestrito ao âmbito escolar, ou seja, o ensino vai além do espaço formal da escola e é parte integrante, se faz presente na sociedade. Mizukami (1986) aponta Paulo Freire como um autor de referência deste ideário. Freire (1970) é partidário de que o papel do ensino é formar um aluno critico capaz de conhecer, reconhecer, analisar e criticar a sociedade em que vive a fim de aprimorála, a fim de gerar intervenções buscando promover melhorias em sua realidade. Para tanto, Bordenave (1984) considera primordial que haja uma contexto problematização histórico-social do intrinsecamente aluno, pois atrelada é sob ao esta circunstância, isto é, quando o aluno se defronta com sua realidade que há o desenvolvimento da consciência crítica e de sua responsabilidade para com a sua sociedade. 19 Libâneo (1982) acrescenta que essa perspectiva valoriza e entende como fundamental o emprego do trabalho em grupo, ademais, Saviani (1984) diz que as teorias que sustentam essa concepção educação como postulam um não processo ser plausível desvinculado das entender a condições sociais, portanto, há a relevância do trabalho em grupo na construção de uma sociedade melhor e mais justa. Para este trabalho, serão adotadas as assunções de Bordenave (1984) e Mizukami, (1986), todavia, vale ressaltar que Libâneo abordagens de (1982) ensino e Saviani de forma (1984) classificam símile, com nomes as e pormenores diferentes mas que permitaem as comparações a seguir: 20 Quadro I – Classificações das abordagens de ensino para diferentes autores (elaborado pelo autor deste trabalho). Mizukami Libâneo Saviani Bordenave Abordagem Pedagogia Liberal Pedagogia Pedagogia da Tradicional Conservadora Tradicional Transmissão Abordagem Pedagogia Liberal Pedagogia Pegadogia Comportamentalista Renovada Tecnicista Condutista Pedagogia Nova Pedagogia da Progressista Abordagem Pedagogia Liberal Humanista Renovada Nãodiretiva Abordagem Pedagogia Liberal Cognitivista Renovada Problematização Progressista Abordagem Sócio- Pedagogia Teoria crítico- cultural Progressista reprodutivistas Libertadora De todas essas perspectivas de ensino apresentadas, a mais amplamente empregada refere-se à Pedagogia da Transmissão. Esta forjou um significado de professorar e de ensinar, de tal modo que não seria incorreto afirmar que a vasta maioria da população traz estigmas dessa história. 21 Zabala (2002) aponta que a concepção de ensino é fruto de escolhas políticas porque invariavelmente revela o tipo de cidadão que se quer formar. Tendo em vista que dentre os caminhos apresentados um – o da Pedagogia da Transmissão – é o majoritariamente escolhido e ofertado, tal caminho será o objeto de estudo do capítulo a seguir. 22 2. A Pedagogia Transmissional Um professor ininterrupta e disposto à frente inquestionavelmente; da alunos sala falando devem ouvi-lo atentamente para absorver o conhecimento contido em suas palavras. Não há quem não tenha vivenciado uma aula como esta, uma aula que, apesar de não ser o único modelo pertinente a esta perspectiva, é cunhada nos preceitos da transmissão de conhecimento. Mizukami (1986) refere-se a essa prática como Abordagem Tradicional, um nome conveniente, dada a sua ampla adoção. A referida autora destaca que esta é uma prática e um legado surgido e cultivado ao longo dos anos, que são transmitidos e aceitos como modelo comum, fundamentado em uma prática que se baseia em sua experiência longeva de aplicação. Seria justamente essa aplicação, na perspectiva de Rosa (1994), datada e amplamente difundida, um dos fatores que mais influenciam a concepção humana acerca da educação. Isto decorre porque a imagem de como é um professor começa a ser construída a partir dos primeiros contatos do aluno com o docente. Mizukami (1986) caracteriza tal concepção como aquela que entende o aluno como um “adulto em miniatura” que 23 precisa trilhar o caminho pré-estabelecido por um “adulto pronto” – o professor – para que a miniatura possa maturarse. Dessa forma, o papel central do docente no processo de aquisição de conhecimentos é impreterível, imprescindível. Bordenave (1984) e Hoffmann (2006) são consonantes quanto a essa assunção da Pedagogia da Transmissão. O discente, funcionar Bordenave como nessa uma (1984), perspectiva, página ou uma em deve branco, tábula rasa, incumbir-se de de acordo com de acordo com Mizukami (1986), isto é, deve incumbir-se de absorver o conhecimento que reside no docente. Para tanto, compete ao discente ser passivo, ouvinte, obediente e capaz de memorizar aquilo que o professor transmite ou aquilo disposto no livro didático. Freire (1970) é consonante com os autores supracitados e assemelha tal abordagem de ensino a um sistema bancário, de modo que o professor deposita os conhecimentos nos alunos ao passo que cabe a estes reter o depósito. A veiculação do conhecimento a ser transmitido, ressalta Bordenave (1984), pode ocorrer de diferentes formas, isto é, o depósito não necessariamente ocorre apenas quando se tem uma figura detentora do conhecimento à frente de uma sala – apesar de ser a mais comum –, a Pedagogia da Transmissão 24 pode se apresentar travestida, usufruindo de diversos recursos tecnológicos para veicular a transmissão. Em analogia ao sistema de educação bancário proposto por Freire (1970), o depósito poderia ocorrer, por exemplo, utilizando a internet. Se o intuito da utilização desse recurso condizer com as premissas transmissionais, ou seja, primar por um aluno, de acordo com Bordenave (1984), que ouve e observa passiva e acriticamente, que não questiona informações, então ainda será uma aplicação tradicional. Libâneo convergem (1982), ao Saviani ressaltar (1984) que esse e Bordenave ideário prima (1984) pela de conhecimentos transmitidos objetivando o abandono de um estado ignorante por parte do discente que é sempre reconhecido como vazio de determinados conteúdos. O papel de protagonista do professor na educação do aluno é um dos apontamentos cruciais que Mizukami (1986) faz acerca importância programa, dessa a as abordagem. outros Ademais, elementos disciplinas, os da agrega-se educação, métodos e as grande como o técnicas, especialmente as de repetição e reprodução do que foi visto com o professor ou no livro didático. A autora denota ainda que o aluno – receptor passivo – goza de uma visão rústica, pouco elaborada ou esclarecida acerca do mundo e que, através da transferência de 25 conhecimento, passa a ver e compreender mais talhada, polida e sofisticadamente o próprio mundo e seus fenômenos. Dentre outras palavras, os argumentos reforçam o que concerne o papel onipresente e indispensável do professor na formação do aluno, uma vez que este é o dono da verdade e dos conhecimentos que serão transmitidos. Bastos (1998) classifica essa perspectiva de conhecimento – aquela que pode ser transferida, por exemplo – como empirista. O papel do estudo, portanto, é extrair o conhecimento de um fenômeno observado ou de uma entidade interlocutora que conhece um fenômeno, uma vez que este conhecimento está previamente pronto, bastando retirá-lo, bastando absorvê-lo do fenômeno em questão. Uma abordagem semelhante é feita por Kant1 (2001), que denomina o conhecimento empírico como conhecimento a priori, este que desdenha a necessidade de qualquer tipo de experiência, bastando o contato com o objeto/fenômeno para que este tipo de conhecimento possa existir. Esta é a concepção de conhecimento assumida pelos professores denominados tradicionais, uma vez que, segundo Freire (2007), “pensar certo é fazer certo” sob um aspecto de criticismo que alia a prática e a teoria, ou seja, aquele que crê que o conhecimento deriva da absorção de um evento, 1 Filósofo alemão da era moderna. 26 seja ele natural ou em uma aula expositiva, também crê que o conhecimento científico é empírico, é ontológico e está a espreita de ser deduzido pelo homem. Este é o docente que assume a inteligência como, segundo Mizukami (1986) e Bastos (1998), uma faculdade mental incumbida de observar um fenômeno e, por conseguinte, extrair e acumular conhecimento. Hoffmann (2006) é consonante com Mizukami (1986) ao revelar o caráter tecnicista e reprodutivo do percurso da educação sob a perspectiva tradicional, convergindo com as assunções de Bordenave (1984) que acrescenta que a prática transmissional prima pela memorização, independentemente do conteúdo a ser memorizado fazer ou não sentido. Para esta perspectiva, Zabala (1995) revela que os conteúdos primordiais a serem transmitidos para os alunos são os factuais, ou seja, conteúdos e conceitos científicos. Os conceitos e conteúdos procedimentais recebem pouca importância e são pouco trabalhados – estes são aqueles que denotam o “como fazer?”. Por fim, os conteúdos atitudinais – aqueles que tangem “o que ser?” – são ainda mais raros que os procedimentais, quase não aparecendo de forma explícita. Deve-se ressaltar que não aparecer “de forma explícita” não implica que não estejam presentes – inclusive de forma não propositada. Zabala (2002) ao denotar que a opção de 27 ensino escolhida, isto é, ao definir a proposta de trabalho a ser empregada visando levar alguém a aprender inclui, de forma consciente ou inconsciente, a sociedade que se quer construir de modo que a opção pela abordagem transmissional implica automaticamente em um “como fazer?” e em um “o que ser?”. Respectivamente, reforçam-se através desta adoção, desta opção alguns valores e assunções, tal qual a forma de se fazer ciência – empiricamente – e o modo de aceitação automática e sem reflexão de um dado conhecimento. Mizukami (1986) ainda revela que a educação é entendida como produto com objetivos já pré-determinados, os quais normalmente são atingidos através de aulas expositivas, cabendo ao aluno tomar notas para facilitar sua memorização. A metodologia usual consiste em dar e tomar lições, consiste em um professor introduzindo um novo conceito, enquanto os alunos esforçam-se para reproduzir tal conceito. As habilidades individuais de cada um, nessa perspectiva, segundo Libâneo (1982), dependem desse tipo de conduta para que se aperfeiçoem. Adicionalmente, Freitas (2003) diz que para essa abordagem um ensino massificado é entendido como um ensino de qualidade. Desse modo, ao somar os argumentos de Libâneo (1982), Mizukami (1986) e Freitas (2003) pode-se assumir que 28 a Pedagogia da Transmissão fundamenta-se no papel do professor como centro do processo de ensino, responsável direto, portanto, do processo de aprendizagem, de tal modo que a este cabe propiciar um ensino de qualidade a todos os alunos de forma massificada, ou seja, dissemina seu conhecimento de forma única porque se assume que todos os alunos são responsivos a esse tipo de prática, isto é, porque este é o caminho que leva o “adulto em miniatura” a se tornar alguém, ou seja, a estar pronto para a sociedade. Para buscar este objetivo, a escola deve ser um ambiente de regime vertical em que o professor situa-se no topo e os alunos na extremidade inferior, sem paralelismo e/ou cooperação entre eles, primando pelo trabalho individual. Ou seja, um ambiente distintivo que designa e delineia claramente os papéis: os alunos são a platéia e o professor é o entertainer (do inglês, é aquele que propicia entretenimento), assemelhando-se a um auditório (MIZUKAMI, 1986). Tal como regime vertical, Bordenave (1984) ressalta que essa acepção prevê o trabalho individualizado, sem uma “horizontalização”, ou seja, sem estabelecer um diálogo entre os discentes. Nessa perspectiva, ministrar o conteúdo programado, de acordo com Snyders (1974 apud Mizukami, 1986), é suficiente 29 e promotor para a formação do aluno e para que este possa avançar em suas concepções do mundo, de seus fenômenos etc. É uma visão de fornecimento de receituário, o qual deve ser seguido pelos alunos. A capacidade quantitativa de reprodução desse receituário é o fator preponderante para avaliar a relação ensino-aprendizagem, de modo que o erro, diferentemente da proposição de Hoffmann (2006), Hadji (2001) e Rosa (1994) não é visto como um propulsor de uma situação de ensino, mas a evidência de que o aluno não foi capaz de absorver o conhecimento lecionado, como define Mizukami (1986) acerca do Ensino Tradicional. Em um quadro de crítica à essa abordagem do ensino e, em particular no âmbito da avaliação da aprendizagem, Hadji (2001) e Hoffmann (2006) ainda colocam a necessidade histórica que a escola carrega de transformar desempenho escolar em número matemático, ou seja, quantificar a capacidade de reprodução do aluno perante aquilo que o professor elencou como importante e, portanto, que foi ministrado em aula. A perspectiva tradicional, segundo os mesmos autores e Bourdieu (1998), valoriza e premia os acertos ao passo que punem os erros. Em outras palavras, a capacidade de reprodução dos alunos é premiada, tal medida intenta adequar 30 as respostas dos alunos àquela pretendida pelo professor, punindo a não reprodução que é interpretada como um erro. Essa prática, não obstante, favorece e desencadeia um processo de estratificação social, em que os que tiram as notas mais altas desempenhar são os funções mais mais capacitados importantes e aptos na para sociedade, enquanto os que obtêm as notas mais baixas devem resignarse às funções menos importantes. Campos e Nigro (1999) reportam que essa capacidade de reprodução problemas (palavra do fechados, da enigmas), conhecimento língua que é também inglesa admitem e verificada conhecidos que significa apenas uma através como de pu zzles quebra-cabeças, resposta como verdadeira, uma única solução. O autor caracteriza-se quanto o prossegue por aluno sua questões apenas extrínsecas pressuposto que objetividade, absorveu irrelevando as revelando de todos do que motivação de os cada que artifício permitindo lhe foi intrínseca, professor, alunos tal e aprendem inferir o transmitido, assumindo partindo da do mesma maneira, portanto, aplicam os mesmos métodos, as mesmas técnicas, utilizam os mesmos livros didáticos e seguem um mesmo ritmo de trabalho; (1986) e Freitas (2003). em consonância com Mizukami 31 Saviani (1984) ainda destaca um ponto importante dessa perspectiva de ensino: o professor é o responsável por inserir o conhecimento no aluno inclusive independentemente da vontade do discente. Caso se acrescente aqui a perspectiva que Libâneo (1982) levanta sobre o ensino tradicional não relacionar os conteúdos e os procedimentos ministrados com a realidade social, tem-se a máxima que o produto final, isto é, o adulto é alienado em relação à realidade e sociedade em que vive, porém, não ignorante acerca dos conteúdos ministrados. Mizukami (1986) critica tal acepção alegando que não há fundamentação científica, ou seja, não há uma justificativa alicerçada nos estudos científicos acerca de como se dá a aprendizagem. Adorno (2005) coloca que o ensino dessa forma é meramente informativo e não formativo. A aprendizagem não decorre da memorização e reprodução, salienta Rosa (1994), nem pela associação de estímulo-resposta, ela é fruto de um processo de reflexão, de um exercício de pensamento dependente do estágio de desenvolvimento cognitivo do aluno. Vigotski (2004), a este respeito, diz que o processo de desenvolvimento cognitivo e o processo de aprendizagem fomentam um ao outro, como é um “feedback positivo” aprendizagem de estimula tal e modo favorece que um o novo processo processo de de 32 maturação e que um novo processo de maturação propicia novos alicerces para novas aprendizagens. Sobre o papel do professor, Rosa (1994) afirma que deve deixar a postura de “façam como eu”, assumindo a postura de “façam comigo”. Freire2 (2007) consonante com Rosa (1994) ao deixar claro que ensinar não é transferir conhecimento. Para o autor, ensinar é oportunizar ao aluno condições para que este construa seu conhecimento. Ademais, ainda há a preocupação em evidenciar que o ensino não é uma via de mão única, mas sim uma via de mão dupla. Isto é, não é só o professor que ensina e não é só o aluno que aprende, o professor, ao passo que ensina, também aprende, enquanto o aluno, enquanto aprende, também ensina. Esse último concepção argumento transmissional, contradiz como as salientado premissas por da Mizukami (1986), uma vez que o professor deixa de ser o único detentor do conhecimento, assumindo uma postura passível de também aprender com o aluno. Se a aprendizagem, então, não decorre dos pressupostos do sistema bancário de ensino, então, do que decorre? 2 Originalmente publicado em 1996. 33 Piaget propôs através de observações e estudos científicos que a aprendizagem é fruto de um processo de equilíbrio-desequilíbrio-equilíbrio (ROSA, 1994; FERREIRA, 2008). Todavia, de que se trata esse processo? Rosa (1994) exemplifica tal processo com uma analogia à necessidade de beber água. Em uma situação de equilíbrio, o ser humano está sem sede, portanto em equilíbrio. Ao ser posto diante de uma situação desafiadora, que exige empenho e esforço por parte do corpo, em um dado momento, este apresentará a necessidade de tomar água, estará com sede e, por conseguinte, em desequilíbrio. Para saciar essa vontade, isto é, para voltar ao equilíbrio, o indivíduo precisa de água. É mais ou menos como esse processo que decorre a aprendizagem: é preciso fomentar um desequilíbrio no aluno acerca de um conhecimento e, determinado a partir de tópico, então, de um determinado auxiliá-lo a atingir novamente seu equilíbrio. Esse processo, inclusive, não ocorre estritamente da mesma maneira para todos os alunos e nem no mesmo tempo, tal qual a sensação de sede aparece em diferentes momentos em diferentes pessoas desempenhando a mesma atividade. Ademais, não se pode assumir que há somente uma via, uma maneira de se conseguir água, ou seja, cada sujeito com sede escolhe a via que lhe melhor couber para matar sua sede. 34 O reconhecimento das diferenças entre os alunos não é exclusivo das abordagens de ensino que se contrapõem às mais tradicionais. Bloom et al. (1971), representantes de uma corrente tecnicista, ao indicarem elementos norteadores para a construção de currículos escolares já afirmavam que com diferentes instrumentos de ensino aliados a uma quantidade de tempo suficiente – tempo o qual, vale ressaltar, não é igual para todos conteúdos – 95% dos ministrados, alunos conseguem demonstrando, aprender inclusive, um os alto domínio sobre os mesmos. Vigotski3 (2004) é outro autor que condena os moldes pedagógicos transmissionais como propulsor da aprendizagem e da maturação. Ele relata que historicamente são ministrados conteúdos em sala de aula que não possuem relevância para os alunos em um pressuposto que tais conhecimentos – adquiridos através de técninas de reprodução e memorização – colaborariam para o desenvolvimento mental do aluno. Posicionando-se contra tal pressuposto, Vigotski (2004) alega que o conhecimento – se é que pode ser posto nesses termos – de uma área específica influencia muito pouco o desenvolvimento cognitivo do indivíduo como um todo. A ensinar, 3 valorização das do técnicas método, que isto é, favorecem das e técnicas para promovem Traduzido em 2001 originalmente da obra em russo Pedagoguítcheskaya Psikhológuiya. a 35 memorização e reprodução não deveriam ser, segundo Rosa (1994) o foco da reflexão do professor, uma vez que esta acepção o limita a um tecnicista. Antes de tais questionamentos acerca do “como ministrar, do como conduzir uma aula”, algumas reflexões deveriam ser feitas pelos professores, como apontado por Solé e Coll (2006), acerca da aprendizagem e de como esta decorre. Os mesmos autores destacam que ensinar não é uma atividade estática, condição que contradiz a acepção da aprendizagem como um ato de memorização e reprodução. Uma proposição feita por Bastos (1998) assemelha o processo de aprendizagem com o processo de produção de conhecimentos científicos pelo prisma não-empirista, que combate a proposição empirista, previamente apresentada. O autor ressalta a importância da acepção não-empirista, sendo aquela que consiste na construção de conhecimento científico através do confronto de interpretações, análises e observações em torno de um fenômeno, assumindo que essas explicações gozem de coerência e consistência, adjetivos ressaltados por Campos e Nigro (1999) para validar uma teoria, e que são transitórias, podendo ser substituídas no futuro. 36 M a r q u e s ( 2 0 0 8 ) , a c e r c a d e P o p p e r 4, e B a s t o s ( 1 9 9 8 ) apontam que todo conhecimento científico, para ser entendido como tal, precisa ser suscetível à testabilidade, isto é, precisa ser passível de ser debatido a fim de se averiguar se este conhecimento é aceitável ou refutável e que esta conclusão só se faz possível através da experimentação. O conhecimento científico precisa ser entendido como passível de falseamento, uma vez que novas assunções podem ser feitas em diferentes momentos conforme novos conhecimentos e novas teorias são levantados. Kant (2001) denomina os conhecimentos derivados da experimentação de conhecimentos “a posteriori”, visto que são aqueles fenômenos que dão origem a um saber mediado pela observação, experimentação e vivência do homem acerca de um evento. Deste modo, sendo os conhecimentos “a posteriori” fruto do juízo de cada sujeito e, sendo o juízo uma faculdade, isto é, o juízo é uma convenção do homem, todo conhecimento “a posteriori” de hoje, condicionado aos pareceres vigentes, é instável, ou seja, não é uma verdade absoluta. Se o ensino é uma escolha política que reflete invariavelmente o cidadão que se quer formar (ZABALA, 2002) e, como criticado por Bastos (1998), Campos e Nigro (1999), 4 Austríaco filósofo da ciência, antropólogo e sociólogo que se naturalizou britânico em 1945. 37 Kant (2001) e Marques (2008), o conhecimento científico for assumido como entidade acima de questionamentos – acepção empirista –, como é a premissa da Pedagogia da Transmissão tratada por Bordenave (1984), a sala de aula se torna um objeto de disseminação do entender do homem como sujeito submisso, individualista, inerte perante a realidade social, sendo capaz apenas de reproduzi-la, nunca alterá-la, uma vez que não são levantados questionamentos acerca da mesma. Se, de acordo com Mizukami (1986), a perspectiva em questão não leva em consideração os estudos acerca de como decorre a científico, aprendizagem crendo determinados e apenas leciona no conhecimentos legado sem embasamento histórico reproduzidos de que caracterizam a aprendizagem do indivíduo – argumento refutado por Vigotski (2004) –, qual o fundamento deste ser o caminho majoritariamente escolhido? Apesar da Pedagogia da Transmissão intentar um ensino de qualidade e massificado, como salientado por Freitas (2003), o produto final acaba por ser um aluno alienado, que aprende conteúdos e conhecimentos com caráter propedêutico, utilitarista e de estratificação social. Por conta disto, Bordieu (1998) coloca que a escola, enquanto entendida sob o prisma transmissional, não pode ser entendida como um veículo de mobilização social, isto é, ao 38 passo que a idéia de ensino for cunhada nos preceitos da Pedagogia da pretendido em elemento de Transmissão, seu a campo perpetuação escola, das da diferentemente idéias, funcionará iniqüidade no do como acesso aos conteúdos curriculares. Professorar, portanto, enquanto for significado de aplicar técnicas indiscriminadamente e sem reflexão acerca das mesmas, ansiando que os alunos ouçam e reproduzam e, por fim, se desenvolvam, caracteriza-se como uma atividade quase aleatória. A educação, como demonstrado por Zabala (2002) é uma atividade intencional, logo, não pode ser maquiada como um elemento neutro em que os alunos devam se enquadrar nas técnicas. Freitas (2003) apresenta que educação concebida como atividade aleatória incide em uma curva normal de aproveitamento, medíocre, isto poucos é, poucos alunos alunos estão abaixo estão do acima medíocre do e a maioria dos alunos estão dispostos na faixa medíocre de aproveitamento. Por si só essa aceitação do ensino contradiz a premissa do “ensino equitativo e de transmissional, apegando-se “igualitário” seu em pior qualidade” apenas aspecto: submetidos às mesmas estratégias. a todos da idéia os concepção de ensino alunos serão 39 Rosa (1994) aponta que essa acepção por parte do professor é uma redução de si próprio, colocando-se como apenas um objeto de ensino e não como sujeito incumbido pelo ensino. Se a função do professor deve ser a de sujeito articulador e promotor do ensino (ROSA, 2004), este deve, por conseguinte, buscar a maior disseminação, o maior êxito possível de seus alunos, refutando a curva normal como pertinente à sua docência, isto é, como uma representação pertinente da aprendizagem esperada como coloca Freitas (2003). Um professor não pode ansiar outra que coisa que não o melhor desempenho possível por parte de seus alunos. Este é o exemplo de um bom professor (FREITAS, 2003). Todavia, como buscar este perfil? De certo que não é de acordo com os preceitos transmissionais. Uma alternativa, um novo ideário que concebe educação por outro prisma será apresentado a seguir. a 40 3. O Referencial Construtivista Antes de qualquer outro dizer, é importante ressaltar que é ideário e não um método. Talvez uma das grandes premissas desse conjunto de idéias seja justamente a não adoção de um modelo sobre como ensinar. Bastos (1998) diz que o ideário em questão é um conjunto de reflexões e estudos acerca da aprendizagem. Rosa (1994) é consonante com este apontamento e acrescenta que este ideário, muito distante de ser uma utopia, fundamenta-se em observações realizadas em âmbito escolar, em sala de aula. Segundo Zabala (1995), há mais de cem anos que a humanidade pesquisa e estuda sobre como ocorre a aprendizagem e que tais trabalhos, apesar de alguns não serem amplamente consonantes em todos os aspectos, são todos partidários de que a aprendizagem é um processo singular e único para cada indivíduo, sendo intrinsecamente ligada às experiências vividas pelo mesmo e à sua motivação. Logo, se aprender não é entendido como acepção passiva de conteúdos, mas como um processo que envolve mais de um fator, tem-se que aprender é fomentar a construção de uma rede de conhecimentos, como proposto por Machado (1999). 41 Adorno (1992 apud Machado, 1999) coloca que o conhecimento é o entrelaçar de alguns fatores resultantes das experiências vividas de cada sujeito dentro e fora da escola, criando uma rede. Essa rede não é dependente apenas dos conteúdos e conhecimentos factuais, essa rede abrange, quanto àquilo que cabe a escola, os conteúdos procedimentais e atitudinais em larga escala também (ZABALA, 1995). Isso decorre porque o construtivismo entende e concebe a educação, de acordo com Solé e Coll (2006), a partir de um prisma antropológico entidade corporificada e social, e no qual desenvolvida a em escola uma é uma instituição social maior. Para que o sujeito haja nesta instituição maior, não basta a ele conhecer conceitos factuais. Ele também precisa conhecer seu papel nessa instituição, saber quais condutas tomar e quais princípios valorizar – o “o que ser?” – para então escolher o como aplicar seus conceitos factuais, conhecer o modo de transformar teoria em prática – o “como fazer?”, isto é, há a necessidade dos três tipos de conteúdos para a confecção da rede. Sem tais preceitos, a rede torna-se insólita e incapaz de tornar o homem um agente efetor. Aprender, portanto, para a concepção construtivista, segundo Zabala (1995), é tecer mais fios para a rede de esquemas, para a rede de conhecimentos. Para atingir tal 42 objetivo, a aprendizagem precisa ser entendida como um fenômeno processual não pontual, irrestrito à sala de aula e que decorre de encontros e reencontros entre esquemas antigos e novos, entre idéias e conceitos novos e antigos, de modo que estes novos conceitos não substituem os antigos, mas vão agregando-se, justapondo-se de forma que modificações graduais são realizadas no cerne pessoal. Tem-se a partir disso que o construtivismo não concebe a criança como um adulto em miniatura ou em maturação. Para Vigotski (2004) a criança não é uma tabula rasa, ela é um sujeito que traz consigo uma série de conhecimentos, mesmo antes de ingressar na vida escolar. Ele trata a criança como um sujeito que se encontra em um estágio de desenvolvimento real, biológico e cognitivo singular. O autor coloca que o desenvolvimento das faculdades superiores da criança – intrinsecamente atrelado ao desenvolvimento biológico do sistema nervoso central –, isto é, de suas capacidades cognitivas, possui forte relação com a aprendizagem. A criança progride em suas aprendizagens conforme eleva sua zona de desenvolvimento real, mas para isso, esta precisa se defrontar com situações de aprendizagem que, ainda de acordo com Vigotski (2004), respeitem seu nível de desenvolvimento biológico, suas capacidades cognitivas e os 43 conhecimentos que esta possui. Tal respeito emplaca e implica em uma zona de desenvolvimento imediato, conceito que retrata aquilo que o sujeito ainda não sabe, mas que tem condições para saber com o auxílio de um mediador, que não necessariamente é o professor.. Há, então, uma contradição entre as assunções da aprendizagem ser pessoal e a necessidade de um professor? Não, não há. O aluno é o centro da aprendizagem, uma vez que este, como denotado por diversos autores, é o responsável por sua própria construção de conhecimentos. O professor é o propositor das estratégias de ensino, é aquele que detém as estratégias e os instrumentos que auxiliarão, segundo (2005) Zabala e Miras (1995), Campos (2006) o e Nigro (1999), Adorno a fomentar novos aluno conhecimentos, incrementando sua rede através da interação entre seus conhecimentos prévios e os conhecimentos novos. Para tanto, o professor deve ter apego à diversidade, isto é, como a construção é um processo pessoal, que depende daquilo que os alunos já sabem, e cada aluno traz consigo experiências únicas, cabe ao professor, segundo Zabala (1995), Schön (1998), Vigotski (2004), Solé e Coll (2006) e Freire (2007), assumir uma postura reflexiva, capaz de fomentar estratégias que contemplem a diversidade, sem perder de vista um dado objetivo, ofertando desafios, auxílios e avaliações apropriados. 44 Segundo Freire (2007), um profissional dito reflexivo vai muito além do exposto acima. Ele deve exercer a prática docente de forma crítica, implicando na dialética entre o pensar certo, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. Schön (1998) exalta a importância de três instâncias de reflexão. A primeira é a reflexão acerca da prática, que é o momento em que o professor fomenta suas estratégias de ação tendo em mente a teoria. A segunda instância é a reflexão-na-ação, isto é, o valor do pensar e refletir durante a execução de uma atividade, uma vez que a docência implicará, impreterivelmente, e em especial na assunção do ideário construtivista, em situações de singulares, imprevisíveis e de incertezas. A terceira instância é a que tange a reflexão acerca da reflexão-na-ação, que é um momento em que se analisa como foi procedida a reflexão durante a execução da ação. É questionar a própria reflexão momentânea e, dispondo de mais tempo, analisar mais densamente o evento, a reflexão e a ação tomada em um dado momento. Essa reflexão, inclusive, não precisa ser solitária. Ela pode ocorrer Trivelato com os (2005), desverticalização do alunos, o que ensino, horizontalização do mesmo. como destaca promove, promovendo, Pechilye inclusive, portanto, e a uma 45 Ser um profissional reflexivo implica, segundo Schön (1998) na dialética entre teoria e prática, significa refletir sobre a teoria, sobre a prática, sobre a relação teoria e prática e, não obstante, sobre as reflexões realizadas. O intento deste professor é, por conseguinte, formar um aluno também reflexivo, independentemente da área que este seguirá. Nas palavras de Freire (2007), teoria e prática devem se confundir, tamanha sua proximidade. A este professor cabe, novamente, o papel de intentar, de buscar o maior aproveitamento possível por parte de seus alunos, como coloca Freitas (2003), o que também implica em uma abertura intelectual por parte do profissional, como coloca Pechylie e Trivelato (2005), ou seja, é preciso que haja um espaço para a admissão de erros, para análise dos mesmos e para o diálogo entre docente e discente – e/ou outros membros do processo educativo – a fim de fomentar novas estratégias. Outro aspecto apontado por Pechylie e Trivelato (2005) é a valorização do trabalho coletivo na perspectiva construtivista para o processo de ensino-aprendizagem, de modo que a abertura intelectual seja uma moeda de duas faces, isto é, que docentes e discentes estejam dispostos a aproveitar erros para incrementar o processo. Essa, inclusive, é uma grande diferença do ideário construtivista em relação à Pedagogia da Transmissão: a valorização do erro. 46 Hadji (2001), Adorno (2005) e Hoffmann (2006) preconizam o erro como parte integrante do processo de aprendizagem e não como um não-acerto. Segundo tais autores, o erro é uma oportunidade de diálogo “silencioso”, porém, essencialmente revelador, entre professor e aluno. O erro evidencia falhas no processo de ensino-aprendizagem e oportuniza uma reavaliação das estratégias empregadas a fim de enunciar novas estratégias. Para a concepção capacidade de construtivista, memorização e aprender reprodução, não mas é a sim a capacidade de reflexão, elaboração e produção. Deste modo, o erro, segundo Hadji (2001) e Hoffmann (2006) pode ser entendido como uma etapa do processo de aprendizagem, principalmente pela assunção não-empírica da construção de conhecimento e ciência, colocando o erro como uma “etapa” valiosa para o ensino que visa formar alunos produtores de conhecimento e não somente consumidores de conhecimento, como colocado por Pechilye e Trivelato (2005). Para tal, como já colocado por Ferreira (2008), Piaget diz que a aprendizagem passa por um momento de desequilíbrio. O Campos desequilíbrio, e Nigro na (1999), proposição é de entendido Bastos como um (1998) e conflito cognitivo. Segundo tais autores, um conflito é estabelecido quando um conceito prévio defronta-se com um fenômeno e/ou 47 com um conceito novo de modo que o conceito prévio se mostra insuficiente apresenta menos para coerente explicar e tal menos fenômeno ou consistente que se o conceito novo. Nesse momento de invalidação de conceitos prévios, estes não devem ser tratados como erros e, portanto, punidos, segundo Campos e Nigro (1999), Hadji (2001) e Hoffmann (2006), este momento pode ser utilizado como propulsor do conflito cognitivo, como incitação para a busca de novas teorias e resoluções e, logo, para estimular o ato de reflexão. É através desses encontros e reencontros entre novos e “velhos” conceitos que a rede de conhecimentos se expande. Rosa (1994) e Bastos (1998) definem conflito cognitivo como o ato de reflexão que investiga resoluções para situações e/ou problemas que envolvam e demandem mudanças conceituais que, por sua vez, implicam na desconstrução e na reconstrução de um conhecimento. Tais conflitos precisam respeitar os preceitos da zona de desenvolvimento imediato de Vigotski (2004), isto é, respeitar o desenvolvimento das estruturas cognitivas do aluno, bem como respeitar a profundidade de seus conhecimentos. Para Vigotski (2004), o professor tem agora não o papel de garantir a aprendizagem, mas de buscar estratégias de 48 ensino que ampliem as oportunidades de mediação para a construção do conhecimento por parte do aluno, para esta assunção, Solé e Coll (2006) levantam algumas questões pertinentes para que o docente faça a si próprio, tais quais: “qual o papel do ensino na construção pessoal?”, “o que é construído?”, “qual o papel dos conteúdos ministrados?”, “qual o papel da escola e da educação?” etc. Ademais, Freire (2007) destaca que ser professor demanda pesquisar, é ser crítico e ético, é aliar teoria e prática sempre que possível, é formular um posicionamento de identidade, é buscar abertura intelectual – o saber ouvir –, é ser reflexivo, é buscar o diálogo, exige respeitar o educando, exige liberdade e autoridade e exige também crer que mudar é possível. Mudar, para Rosa (1994), é um processo conflituoso, árduo, trabalhoso e de bravura que demanda ruptura. Mudar é romper com estigmas, é romper com o legado, é romper com o comum. É ir além do inovar. Inovar para a autora é acrescentar elementos novos que incrementam, mas que não descaracterizam um dado objeto. Mudar, pelo contrário, implica em descaracterizar. Inovar pode ser um estágio da mudança, mas mudança sempre está além da inovação. A opção pelo caminho do construtivismo é complicada justamente a partir deste preceito: o mudar. 49 Como visto, a Pedagogia da Transmissão é um sistema vigente longevo e estabelecido. Mudar tal quadro, tal adoção implica em um olhar de desconfiança por parte da sociedade, implica em alterações não só na concepção da educação, mas na concepção do ser humano e do seu papel como cidadão. O construtivismo muito se assemelha aos preceitos da Pedagogia da Problematização de Bordenave (1984). O foco do aprender aqui é o sujeito e sua interação com o meio, ou seja, o professor deixa de ser o elemento mais importante de todo o processo de educação, isto é, do processo de ensinoaprendizagem. O professor deixa de ser o único detentor do conhecimento na sala de aula, ou seja, deixa de ser o dono da verdade. Tanto o conhecimento como a ciência são frutos de um processo não pontual e contínuo, demanda trabalho e esforço (ADORNO, 2005), são passíveis de serem falseados, como coloca Marques (2008) acerca de Popper, passíveis também de serem substituídos ou incrementados por novas explicações mais coerentes e consistentes. Ademais, segundo Hoffmann (2006), essa nova concepção de educação implica na retirada das mãos do professor do instrumento de disseminação de medo – a avaliação classificatória –, uma vez que o erro não é mais um indicador de não-acerto, e, portanto, uma arma da reprovação e classificação, mas sim 50 um elemento processual de diálogo, capacitando a reflexão e o desenvolvimento de novas estratégias. A função do professor deixou de ser a de um elemento estático de depósitos e/ou aleatório, como coloca Freire (2007), Adorno (2005) e Freitas (2003), a educação tem de ser realmente um elemento libertador, que promova a insubmissão e a curiosidade e os subsídios para a reflexão, que se anteponha ao estado de menoridade auto-culpável (KANT, 2001) e que isto está intimamente ligado a interação entre os sujeitos e o meio. Refletir, por sua vez, é outra função implícita no trabalho do professor na concepção construtivista, segundo Schön (1998). Refletir antes, durante e depois, ou seja, o professor não pode mais ser objeto de sua prática, como coloca Rosa (1994), mas sim um sujeito efetor e responsável por sua prática, não bastando a aplicação de técnicas, mas sim a fomentação de estratégias que se baseiem nas singularidades e na diversidade dos alunos, promovendo conflitos cognitivos adequados aos alunos. Mudar, portanto, significa não se limitar aos intuitos da Pedagogia da Transmissão e assumir os da Pedagogia da Problematização, significa romper com todos os paradigmas expostos acima. Mudar implica em combater dogmas da educação ao apresentar um ideário totalmente novo – o do 51 construtivismo – que se fundamenta não no ensino, mas em como se constrói a aprendizagem. E, sendo o foco desta nova visão a aprendizagem, pergunta-se: qual o novo papel da aprendizagem? 52 4. Aprender para quê? Etimologicamente “aprender” é denotado como um verbo transitivo direto que indica tomar conhecimento de algo. Também pode assumir forma transitiva indireta, em que a implicação é tornar-se apto em função de algo; sua forma bitransitiva, que implica em aprender algo de alguém; sua forma intransitiva, que significa simplesmente em aprender e reter algo. Tal assunção soa fiel à concepção clássica de ensino, soa fiel à sua significação denotativa e, por conseguinte, vinculada ao conceito da Pedagogia da Transmissão. Todavia, se há outras perspectivas acerca do ensino, há outras acerca do aprender? Sim. Se ensinar corresponde a ofertar um caminho, aprender, sob este prisma, corresponde a caminhar. Há uma relação intrínseca entre os conceitos ensinar e aprender porque de acordo com a acepção de como se dá a aprendizagem, há um referencial diferente sobre como orientar o ensino. Para este trabalho, responder a pergunta proposta no título deste capítulo requer evocar a similaridade entre o ideário construtivista e a Pedagogia da Problematização de Bordenave (1984). Haja dito que a proposição acima 53 contempla três proposições de abordagens de Mizukami (1986), a humanista, a cognitivista e a sócio-cultural. Segundo consonantes a referida autora, além de Libâneo (1982) e dos Saviani argumentos (1984), a abordagem humanista entende, sinteticamente, o aprender como um veículo para a descoberta de si mesmo. Os autores supracitados, acerca da abordagem cognitivista, assumem que o aprender, novamente em termos gerais, é um efetor investigativo que tem como objetivo o “aprender a pensar”. Por fim, ainda de acordo com os mesmos autores, a abordagem sócio-interacionista concebe, sucintamente, o aprender como aparelho conscientizador, que permite olhar, refletir e atuar em sua sociedade. Deste modo, se a proposição da Pedagogia da Problematização engloba as três abordagens dispostas acima de Mizukami (1986), o aprender para Bordenave (1984), nessa perspectiva, é um promotor do auto-conhecimento, de pesquisa, de investigação e de análises que permitem uma reflexão acerca de si e da sociedade, acarretando na mobilização de incremento social para si e para o meio. O referencial construtivista apoiado nos estudos, por exemplo, de Vigotski (2004), Bastos (1998), Campos e Nigro (1999) e Freire (2007) apontam que a aprendizagem é 54 caracterizada pelo crescimento e desenvolvimento pessoal, que só ocorre a partir de um exercício de reflexão em que o sujeito se vê analisando conceitos prévios e novos, fazendo juízo dos mesmos – investigando-os – a fim de poder aplicálos em função de uma mobilização social ascendente. São ideários símiles, como apresenta o mapa conceitual abaixo. Figura 1 – Referencial abordagem Preceitos do aprender Construtivista. humanista não para Deve-se pressupõe a Pedagogia ressaltar a que, interação da e do epistemologicamente, a entre Problematização sujeito e meio. A aproximação dos conceitos foi feita levando em consideração o produto final de cada abordagem, no caso, o desenvolvimento do sujeito (elaborado pelo autor deste trabalho). 55 Sabido dessa semelhança, o próximo passo na busca da centralidade deste capítulo passa pela proposição de uma adjetivação do aprender. Moreira (2008) traz que a escola atual – tradicional – prima por assunção uma é aprendizagem amplamente tida consonante como com mecânica. a Tal denotação do verbo aprender. Aprender, aqui, contém um viés propedêutico, utilitarista e efêmero. Aprende-se para conseguir um bom desempenho deve-se em ressaltar uma que, avaliação, segundo comumente Hadji (2001) uma e prova – Hoffmann (2006), o ideário construtivista concebe a prova como uma espécie de avaliação, mas ressalta que há outras formas de avaliar, de modo que a prova é um dos instrumentos mais tradicionais e de maior vigência na Pedagogia da Transmissão –, para conseguir uma aprovação e/ou para utilizar em sua profissão. Não há, de acordo com Moreira (2008), um primor pelo aprender por aprender. Desta forma, tudo o que é aprendido mecanicamente precisa ter uma função específica, e, não raro, essa função limita-se a um ou dois dias de “domínio” de um dado conceito ou conteúdo, isto é, para uma iminente aplicação. Para Zabala (1995), esse não é o ideal da aprendizagem para o ideário construtivista. 56 A busca do construtivismo é por uma aprendizagem tida como significativa que, para Moreira (2008), em termos gerais, é aprender fomentando uma rede de significações que passa não só por pensamentos conceituais, mas também por sentimentos, por ações e por procedimentos. Aprender significativamente é aprender com relevância, é aprender com compreensão. Em outras palavras, é aprender fomentando redes de conhecimentos objeto, cada (MACHADO, conceito e 1999), cada pois se fenômeno entende não como cada um elemento pontual, mas como um elemento que deve ser visto e entendido por várias nuances. Uma vez mais, o ideário construtivista é cunhado nas críticas ao ensino tradicional. Enquanto o primeiro prega a aprendizagem com compreensão, o segundo prega um mimetismo de conceitos cujo caráter mnemônico é fugaz. Todavia, há, então, uma dicotomia entre essas duas assunções? Moreira (2008) deixa claro que não. Em verdade, a aprendizagem é processual tal que, quanto mais se elabora a rede de conhecimentos, mais significados são atribuídos e que isso, em momento algum, exclui a possibilidade de incluir e passar por aprendizagens mecânicas. Taille (2002) é consonante com tal colocação, relatando que só se formula redes de conhecimentos significativas 57 empregando-se tempo e esforço, uma vez que é imprescindível que cada passo goze de sentido a fim de mudar ou alterar, acrescentar ou incorporar novas nuances em um dado ponto da rede. A aprendizagem mecânica e a significativa não compõem uma dicotomia. pensar em De uma aprendizagem acordo com progressão mecânica, Moreira em que enquanto o (2008), pode-se um extremo é a outro extremo é a aprendizagem significativa, de modo que entre elas há uma zona cinza. aprendizagem Esta zona cinza sem atribuição de é o intermédio significados, ou entre seja, mecânica, e a aprendizagem com atribuição de significados, ou seja, significativa. Mas a maior parte da aprendizagem não se encaixa totalmente como mecânica, nem tão quanto como significativa. Conforme mais significados são atribuídos, ou seja, quanto maior a complexidade da rede de conhecimentos, mais significativa é essa aprendizagem. Quanto menos complexa a rede e, portanto, aprendizagem, mais menos significados próxima de ser são atribuídos mecânica aprendizagem (MOREIRA, 2008; MACHADO, 1999). O diagrama a seguir ilustra tal conceito. é à essa 58 Figura 2 – Atribuição de significados na categorização da aprendizagem (elaborada pelo autor deste trabalho). O ideário construtivista intenta, ainda segundo o mesmo autor, aproximar aprendizagem o sujeito o significativa, máximo tecendo possível o maior de uma número de significados em sua rede, como colocado por Machado (1999). Para tanto, Taille (2002) ressalta que é preciso que o professor incite o aluno a transpor seus limites cognitivos, que o auxilie nesse processo a fim de buscar a auto- superação. A criança, como coloca Vigotski (2004), é um sujeito que percorreu, até o momento, um percurso menor em sua formação biológica e cognitiva, que se deparou com menos conflitos cognitivos. Entretanto, mesmo antes de ingressar na escola, a criança desbrava alguns desses conflitos e constrói seus conhecimentos. O que leva, portanto, a criança a superar seus próprios limites sem a mediação de um professor? Taille (2002) responde a essa pergunta ao colocar que toda criança tem em si um desejo intrínseco e inegável de 59 superar seus limites a fim de deixar de ser criança. Crescer é se desenvolver e este é um objetivo inato de qualquer criança. Está no cerne de suas motivações e isto implica em superar limites, em vencer conflitos. À escola cabe, segundo o referido autor, mostrar ao aluno que o adulto enxerga que o trabalho é a chave do crescimento e desenvolvimento. Que por trabalho, entende-se, literalmente, empenho, de modo que os conteúdos escolares demandarão esforço para serem assimilados e aprendidos (ADORNO, 2005). Que, como processo, deverá ir e vir a fim de fomentar a aprendizagem tida significativa. E que transpor tal caminho leva o adulto – que é aquilo que a criança quer ser – ao deleite, porque é o fruto do trabalho que provê e intensifica o deleite, porque é o sinônimo de superar seus limites. Moreira (2008) distingue três formas de aprendizagem significativa: a representacional, como o alfabeto, em que há atribuição de significado a uma representação; a conceitual, quando um elemento representativo traz consigo um conceito – a exemplo, a assimilação de um objeto ao ler seu nome –; e a proposicional, que é a atribuição de um valor universal para um conceito – tal qual o conhecimento humano e/ou uma teoria. 60 O diagrama sobre as categorias de aprendizagem, portanto, poderia ser expresso da seguinte maneira: Figura 3 – Atribuição de significados na categorização da aprendizagem (elaborada pelo autor deste trabalho). Notadamente, o próprio conceito de aprendizagem significativa traz uma idéia processual consigo. É deveras importante que o ensino busque promover condições para os alunos atingirem uma aprendizagem significativa proposicional, porque é esta que permite um crescimento em maior escala, é esta que provê a rede mais rica em relações. E qual a função de fomentar tal rede? Esta é, ora, a resposta para este capítulo, é a resposta para a função do aprender. Deve-se fomentar, segundo Moreira (2008), uma aprendizagem significativa crítica, subversiva e antropológica. Freire (1970) e Adorno (2005) são consonantes com esta função do aprender. 61 Deve-se refutar ao conhecimento dogmático porque este acarreta na submissão. prosseguem alertando Freire que é (1970) preciso e Adorno questionar (2005) para se libertar, que este é o fundamento e a paramentação para o questionamento, seja do homem, seja da sociedade, seja do conjunto, vem apenas em função de uma aprendizagem significativa. Deve-se aprender para integrar-se, como coloca Moreira (2008). Muito embora essa integração, essa inclusão, segundo Freire (1970), deva ser de insubmissão, ou seja, inclui-se e integra-se não para tão somente aceitar o meio – o que levaria a uma inclusão excludente –, inclui-se e integra-se para poder ser um catalisador de mudanças no meio. Aprende-se como coloca significativamente Taille (2002). para Aprende-se transpor para limites, poder se desenvolver, vencendo seus conflitos cognitivos, como aponta Vigotski (2004), elevando sua zona de desenvolvimento imediato. Aprende-se para aprender a superar limites pessoais e sociais. Aprende-se para crescer, integrar-se, para romper e ser livre. Liberdade fomenta e depende de liberdade (ADORNO, 2005). Educa-se sempre para mudar (VIGOTSKI, 2004), portanto, aprende-se para mudar. 62 Experenciar essa liberdade é fundamental para que o sujeito seja capaz de buscar essa liberdade porque as sensações que uma experiência traz sempre são verdadeiras (VIGOTSKI, 2004; ADORNO, 2005). 63 5. Histórico do RPG. O RPG, sigla em inglês para Role Playing Game, é um jogo de possibilidades inúmeras, que está em ascensão e em expansão. Defini-lo, portanto, é um exercício complexo mediante as suas várias ramificações. A história do RPG começa em 1974 com o surgimento do jogo Dungeons & Dragons (Masmorras e Dragões), popularmente conhecido como D&D, que cunhava um novo ramo na indústria de entretenimento. Os parágrafos a seguir foram baseados em Johson et al. (2004). Seu wargames criador (do – Gary inglês, Gygax jogos de – tinha guerra). como Estes hobby os consistem, basicamente, em mapas que delimitam áreas e miniaturas metálicas para brincar de simular guerras históricas, de fomentar estratégias para vencê-las. Em 1971, Gygax desenvolveu um conjunto de regras para poder incluir elementos de fantasia e magia aos wargames, intitulado Chainmail. No ano seguinte, Dave Arneson sugeriu a Gygax que ao invés de controlarem exércitos inteiros em miniaturas, passassem a controlar cada jogador uma única miniatura, um único personagem. Ademais, sugeriu que essas miniaturas e/ou personagens não se defrontassem mais, pelo contrário, 64 que agissem em conjunto para atingir um objetivo comum – derrotar um vilão e obter recompensas. Tais feitos fomentaram uma nova concepção de jogo que foi, como supracitado, intitulado D&D e publicado pela TSR, Inc.. O material elaboradas por consistia Gygax e em um Arneson livro para com que as um regras jogador pudesse assumir o papel de uma daquelas miniaturas, agora entendidas como heróis. A partir de meados da década de setenta e principalmente na década de oitenta o jogo experimentou um crescimento em diversas direções e nichos, aparecendo em forma de jogos para computador, jogos para consoles, novas edições do D&D, novos sistemas de RPG, desenhos em série, cenários específicos, romances e etc. O RPG chegou ao Brasil em 1991 através do sistema GURPS, que é sigla para Generic Universal Role Playing Game (JACKSON e REIS, 1999) A etapa a seguir apresentará uma caracterização do RPG. 65 6. Mecânica do RPG Para a compreensão do RPG é interessante recorrer ao desmembramento das palavras do inglês que compõe a sigla. Role é um substantivo abstrato que designa papel (a ser representado), playing é uma derivação do verbo to play que não apresenta uma tradução direta e única para o português, assumindo diversos significados, dentre os quais se destacam brincar, jogar e interpretar; por fim, game é um substantivo concreto que designa jogo. Desse modo, o conceito de roleplaying não apresenta um equivalente em português, o que leva muitos autores a buscarem traduções aproximadas. Godoy e Andrade (2004) sugerem, por representação, exemplo, mas que que se o RPG assemelha é um mais a jogo um de teatro interativo do que propriamente a um jogo. Jackson e Reis (1999) apresentam uma sugestão semelhante à supracitada, colocando-o como brincadeira ou jogo de interpretação. Um jogo narrativo de faz-de-conta é como define Lemke (2005). Essas muitas concepções de RPG não diferem quanto ao seu significado final, de modo que, genericamente, o conceito de “jogo narrativo de interpretação de papéis” é entendido por todos os autores supracitadamente apresentados. 66 Contar histórias era um ato muito mais comum antigamente, em especial antes da televisão, do rádio e do cinema de modo que, de acordo com Lemke (2005), após o advento desses meios de comunicação, passou a ser incomum contar histórias através de outros meios de comunicação que não aqueles de alcance em massa. Muniz (2002), sob esse prisma, afirma que nunca houve tamanho poder de disseminação de histórias como o gerado, por exemplo, pela televisão. Segundo o mesmo autor, a veiculação massificada dessas histórias acarretou em um perfil individualizante no que tange as inter-relações pessoais e a interação entre os ouvintes. O RPG, segundo Lemke (2005) e Muniz (2002), é um resgate da contação de histórias que, diferentemente daquelas massificadas, demanda a participação e a interação entre um grupo para que a história evolua até ser completada. Esse grupo de pessoas é denominado grupo de jogadores que, de acordo com Wyatt (2008), se divide em duas categorias: mestre e personagens. A primeira categoria, – o mestre – chamada por Lemke (2005) de narrador, apresenta as seguintes funções: narrar/contar a história, fomentar aventuras, mediar eventos e arbitrar. 67 Lemke (2005) relata que cabe ao mestre apresentar o arquétipo de uma história central. Essa história, sob o prisma le va ntado po r W yat t (2008 ), de ve subsid ia r a ima gina ção dos jogadores a fim de permitir que eles percebam e visualizem o cenário e a atmosfera em que o jogo se passa. W yatt (2008) ainda sugere que essa narração seja interpretada, ou seja, que receba uma entoação apropriada ao tema proposto, provendo uma melhor ambientação e inserção, tornando a narrativa mais verossímil. Esse arcabouço geral que é essa primeira etapa de narração é deveras aberto e abrangente, possibilitando uma série de rumos, ou seja, é uma ambientação, é um cenário e, portanto, sem um objetivo. Isso leva o mestre/narrador a fomentar uma série de acontecimentos em cadeia, como as cenas de um teatro, apresentando objetivos explícitos, denominadas por Collins, et al. (2008) como aventuras. Uma aventura é composta por uma série de eventos inter-relacionados mediados pelo mestre. Segundo W yatt (2008), os eventos que ocorrem em uma aventura podem ocorrem com ou sem combate. Lemke (2005) conflitos ou qualquer história, tornando-a considera combates mais como as situações os promovendo-a notória que uma que promovem grandes chamarizes intensa e história de vividamente, simples, sem 68 conflitos, em que alguém, por exemplo, apenas vai e volta de uma mercearia. As aventuras demandam aventureiros, como destacado por Collins et al. (2008), e esses aventureiros são a segunda categoria de jogadores – os personagens. Eles são os protagonistas da história, interferindo nela diretamente de acordo com suas escolhas e ações. Muniz (2002) destaca que os personagens são elaborações dos jogadores, o que é reiterado na proposição de Lemke (2005) que entende os personagens como uma criação imaginária dos jogadores que, apesar de irreais, carregam nuances da vivência do jogador. Os personagens usualmente, cada são jogador controlados responde por pelos um jogadores; personagem. Estes personagens, comumente, são representados por fichas que servem como um memorando das habilidades, utensílios e demais pormenores que os caracterizam. Todos os autores são consonantes quanto a essa proposição. Os embate eventos entre personagens, personagem conflitantes, duas ou todavia e um mais seja portanto, partes. mais coadjuvante (COLLINS et al., 2008). apresentam Pode comum ocorrer ocorrer controlado um entre entre pelo um mestre 69 Esse coadjuvante é chamado por Collins et al. (2008) de NPC (do inglês, Non-Player Character) e desempenha funções que dão homogeneidade para a história. São interpretados pelo mestre, são as personagens do mestre. Esses embates são viabilizados e regidos por sistemas de regras específicos. Como tais sistemas de regras visam trazer fidedignidade e verossimilhança ao RPG, cada um é pensado para satisfazer as peculiaridades do cenário e ambiente em questão. Collins et al. (2008), responsáveis pela quarta edição de Dungeons & Dragons, que é um RPG contextualizado em uma era medieval com elementos de fantasia, propõem um sistema de regras, por exemplo, que prevê determinados pontos que não estão previstos em outras ambientações que façam uso de outros sistemas, a exemplo de Changeling: O Sonhar, idealizado por Lemke, que tem uma ambientação moderna com uma proposta de dualidade entre dois mundos específicos e intercomunicáveis. Do mesmo modo, o sistema idealizado por Lemke apresenta peculiaridades que o Dungeons & Dragons não prevê. Alguns por sua vez surgem com uma proposta mais aberta, sem atrelar o sistema a um cenário, gerando um sistema “genérico” sistema OPERA que (sigla seja para de fácil adaptação, Observadores caso Perdidos do Em 70 Realidades Alternativas), ou de GURPS (sigla derivada do inglês para Generic Universal Role Playing System). Além dos encontros com combate há também os eventos sem combate que, como mencionado Collins et al. (2008), são todos aqueles fundamentados em outros elementos da trama, como se deparar com uma armadilha, ter de resolver um puzzle (do inglês, significa enigma, quebra-cabeça, porém, tornou-se jargão para um evento que demanda reflexão para que seja transposto), descobrir caminhos para transpor um obstáculo, realizar trabalhos investigativos ou mesmo eventos de cunho social-interativo, como conversar ou debater com um NPC; tentar persuadir alguém, negociar ou barganhar algum produto ou a liberdade de uma escrava e etc. Os eventos com e sem combate dão endosso à aventura, são acontecimentos que ocorrem para servir de trilha para os jogadores. Comumente tais eventos surgem como obstáculos que requerem um trabalho cooperativo, como ressaltado pelos autores supracitados. A mediação e articulação desses eventos encontram alicerces, para se tornarem verossímeis, nas regras, como ressalta Lemke (2005). Collins et al. (2008) compara o mestre/narrador a um juiz, a um árbitro esportivo, que é essencial para a conduta do jogo, mas que não o conduz efetivamente. 71 Lemke (2005) explicita que o papel do mestre/narrador também passa por interpretar as ações dos jogadores, “cruzálas” com as regras do jogo, ou seja, arbitrar, e então dar a réplica de como o cenário, os personagens não-jogadores e o faz-de-conta em geral se comporta em resposta à ação do jogador. O autor enaltece o papel do mestre/narrador como o de mantenedor de um equilíbrio meticuloso entre a narração e o arbítrio, bem como entre a história e o jogo. Lemke (2005), inclusive, aponta a busca pela imparcialidade pelo qual o mestre tem de primar em seu exercício de arbitrar acerca das ações efetuadas, sendo o mais fiel possível à realidade, ou seja, fazendo uso das regras sem ignorar a criatividade dos personagens. Em adição a esse conceito, pode ser agregado o levantamento que W yatt (2008) faz sobre o mestre/narrador exercer a função de antagonista em uma aventura e, portanto, em um cenário. Esse antagonista, no entanto, não joga contra os personagens, o insucesso dos personagens é o insucesso do mestre/narrador, trabalho em equipe que tem entre os como objetivo personagens fomentar para que o os obstáculos e desafios sejam transpostos. O papel do mestre demanda um exercício de reflexão e de mediação. A ele também cabe interpretar e representar, ademais, cabe narrar uma história. Em analogia com 72 construção de um edifício, o mestre é aquele que provê a ferragem necessária para a sua construção. Contudo, ao analisar as ferragens de uma edificação é possível antever o que será construído? Tornar-se-á uma loja, um consultório ou uma padaria? O papel do mestre é esse, prover as ferragens. O que será construído a partir das ferragens está à mercê da criatividade, imaginação e participação dos jogadores, porque são eles que completam a história proposta pelo mestre (LEMKE, 2005). Para que essa história seja completada, deve existir uma sintonia entre o mestre/narrador e os demais jogadores, entre a contação de histórias por parte do narrador, a qual deve ser interpretada e representada por todos os jogadores, que neste momento atuam como mediadores uns dos outros. O suporte e o respaldo para essa teatralização é encontrado, como já revelado por Lemke (2005), nas regras, que propiciam um impulso realista e auxiliam na direção e orientação do progresso da história. O referido autor compara o mestre/narrador a um artista porque em algum momento ele cria, descreve e narra um cenário, porque em muitos momentos ele arbitra e relata as respostas e o que está acontecendo no mundo criado por ele e porque é o responsável por contrabalancear e ponderar 73 entre as regras e a interpretação, ou seja, novamente arbitrar. Dessa forma, é de se pressupor que o mestre/narrador seja uma figura extremamente ativa no exercício de contação e narração da história. Entretanto, ainda mais ativos nesse quesito são os jogadores personagens, que estarão integralmente agindo e reagindo em função da “ferragem” proposta pelo acabamento mestre, final peculiaridades da de ou seja, o trabalho “edificação”, suma relevância as da de adorno e meticulosidades e história são dadas pelos personagens e não pelo mestre. As possibilidades de interação entre as personagens e o mundo em que se passa a história são capazes de modificar o curso dos narração acontecimentos, de acordo com de três acarretar fatores: implicações a na imaginação, o background (jargão do RPG para tudo aquilo que envolve as motivações da personagem em questão, como seu passado, religião e personalidade) e à aplicação de testes (COLLINS et al., 2008). Há livre arbítrio para que os personagens escolham seus comportamentos, o que usualmente corresponde a uma contra-ação do mestre/narrador, ainda segundo os mesmos autores, mediante seu background e a permissibilidade da ação intentada. Trocando em miúdos, algumas ações são automáticas – na maioria das vezes –, como conversar com o vizinho – exceto se estiver amordaçado, por exemplo. 74 Algumas ações implicam em testes que fazem uso dos dados, a exemplo, tentar escalar uma montanha. Tais testes estão condicionados ao sistema utilizado. Algumas ações não podem ser realizadas – a não ser, novamente, em situações de exceção –, como um ser humano tentar voar fazendo uso apenas da flexão de seus membros e de uma capa. Todas essas ações ocorrem por entre os eventos supracitadamente esclarecidos. Tais ações guiam a história rumo a uma progressão. Lemke (2005) explicita que esse progresso ocorre ao passo que os personagens são testados ante suas capacidades e suas fraquezas, acarretando também na progressão dos personagens. Essa progressão proposta por Lemke (2005) é similar em conceito aos esquemas de obtenção de experiência de Collins et al. (2008), de modo que ambos premiam os personagens conforme a história desempenhadas com evolui sucesso. e conforme Cada as sistema ações possui são suas regras específicas para atribuição de pontos de experiência e para a evolução dos personagens, mas todos aludem ao esquema de evolução da história atrelado sucesso das ações dos personagens. Uma aventura, como já exposto, possui um objetivo mais definido. No entanto, o jogo pode ir além de uma aventura, 75 pode ser composto por uma cadeia de aventuras, o que se d e n o m i n a c o m o c a m p a n h a (W Y A T T , 2 0 0 8 ) . Durante a campanha é possível observar uma série de evoluções nos personagens. Conforme vão adquirindo experiência, ou seja, conforme vão completando e suplementando o arquétipo de ferragens proposto pelo mestre/narrador, os personagens aumentam sua experiência até que, em determinados pontos da história, tais pontos possam ser convertidos em novas habilidades ou mesmo servirem para incrementar habilidades já conhecidas. Tal progressão é mais facilmente vivenciada em campanhas, uma vez que são mais longevas, visto que englobam várias aventuras que guiam o grupo de personagens a um objetivo m a i o r (W Y A T T , 2 0 0 8 ) . W yatt (2008) esclarece que diferentemente de outros jogos, o RPG não tem como função estabelecer um ganhador e um perdedor, fundamentalmente ponto, Muniz ao o (2002) contrário, trabalho tem como cooperativo. argumenta de preceito básico Acerca desse forma semelhante, reforçando a idéia de que não há vencedores exclusivos, que todos vencem quando constroem uma boa história. Lemke (2005) e concepção. Godoy e Andrade (2004) corroboram dessa 76 Para Lemke (2005) e Muniz (2002), o RPG é um jogo de liberdade, onde o faz-de-conta torna-se autêntico e esquivo da oligarquia de criadores de mitos que guiam a imaginação das massas. Para dar vida e corpo a essa imaginação, Collins et al. (2008) elencam a necessidade de apenas quatro elementos básicos: um mestre, jogadores, aventura(s) e dados. As experiências de sucessos e insucessos, bem como, de acordo com Lemke (2005), as revisitações à cultura, aos valores e ao âmago de cada um em diversas situações levam a um conhecimento de si mesmo através do RPG. Em acréscimo, pode-se colocar os dizeres de Godoy e Andrade (2004), amplamente consonantes ao dizer, inclusive, que além do exercício de auto-conhecimento promovido pelo RPG, há também o exercício de conhecimento do próximo, uma vez que cada personagem contém peculiaridades e partes da personalidade de cada jogador. Muniz (2002) incrementa essa acepção que durante uma sessão de RPG há liberdade de escolha para criar e interpretar um personagem totalmente averso a si ou sua própria personificação, mas que em ambos os casos haverá uma herança de seu criador. Jackson e Reis (1999) realçam o fenômeno de contação de histórias interativas e singulares provido pelo RPG. 77 Diferentemente da contação de histórias normais, em que já se conhece o ponto de partida, os caminhos e o ponto de chegada, ou, trocando em miúdos, é uma história engessada, passível de replicação previsível, com no máximo ressalvas de inflexões ou utilização de palavras diferentes, o RPG não é engessado, sofrendo articulações e alterações em conjunto por mestre e personagens, tornando-o inequivalente com histórias comuns. Lemke (2005) denota que brincar de contar tais histórias é ser artista, relatando e narrando conforme a si próprio, conforme a própria cultura; Godoy e Andrade (2004) são consonantes com os argumentos levantados por Lemke (2005) ao relatar a capacidade de incremento às potencialidades artísticas de mestres e personagens que o RPG apresenta – a criação de um enredo, a elaboração de um cenário, a atuação/teatralidade etc. É revelador e estimulante, é uma oportunidade de deixar de ser carregado pelas histórias fechadas, provendo a chance de formulação e, portanto, colaborando no entendimento da vida adulta (LEMKE, 2005). Um provérbio adaptado é utilizado por Muniz (2002) para endossar máscaras, tais uma argumentos, para cada alegando que situação ou todos utilizam necessidade. O personagem, nessa acepção, portanto, seria mais uma dessas 78 máscaras, e não seria surpresa alguma utilizá-la, uma vez que o homem brinca desse faz-de-conta desde os primórdios de sua socialização, seja brincando de polícia e ladrão enquanto criança, seja enquanto adulto, sendo simultaneamente pai, profissional e um humano passível de socialização. Godoy e Andrade (2004) ressaltam que um RPG não tem um final propriamente dito, o que apresenta um final são aventuras. O objetivo do jogo é a participação em uma boa história na qual haja sincera cooperação entre as partes para a sua gênese e para a transposição de obstáculos, aludindo o que foi colocado nesse sentido por Lemke (2005) e Collins et al. (2008). Tais preceitos de criação coletiva e cooperação são corroborados por Jackson e Reis (1999) bem como por Muniz (2002). “O RPG é uma forma de ficção, e o direito à fantasia é inalienável.” (ZANINI, 2002, p. 5). 79 7. Análise e discussão. Para conhecer construção de e analisar conhecimento as que o oportunidades RPG propicia, de suas características serão analisadas à luz do referencial teórico. A análise intituladas, será feita através respectivamente, de “O de duas Papel categorias, do Mestre e Personagens” e de “O Papel do RPG”. 7.1. O papel do mestre e dos personagens. A proposição desse capítulo é entender quais as novas perspectivas para professores e alunos no papel, respectivamente, de mestres e personagens. Antes de analisar tal caractere, deve-se ressaltar que a distribuição de papéis não necessariamente precisa ser dessa forma. Há condições de um aluno ser o mestre, de um conjunto de alunos e assim por diante. A distribuição de papéis foi colocada dessa forma para efeito de análise. Mestres são aqueles que propõem um arquétipo de história (LEMKE, 2005) que deve subsidiar as escolhas de caminhos por parte dos personagens para a elaboração da h i s t ó r i a (W Y A T T , 2 0 0 8 ) . Ao olhar para a Pedagogia da Transmissão (BORDENAVE, 1984), nota-se uma dissonância, uma vez que 80 o professor é o centro do processo de ensino-aprendizagem e não um agente que participa desse processo em conjunto com o aluno. Para Rosa (1994), o papel do professor é o de articulador de estratégias que favoreçam o desenvolvimento dos alunos. Nesse sentido, Muniz (2002) diz que os personagens são os protagonistas da construção da história e que isso está intimamente relacionado, de acordo com Lemke (2005) com as experiências de vida de cada jogador. A proposição (BORDENAVE, 1984), da Pedagogia bem como o da Problematização ideário construtivista, prevê o indivíduo como a entidade atuante na construção de seu conhecimento, no desenvolvimento de sua aprendizagem, e que isso está diretamente relacionado com a “bagagem” que é trazida em sua experiência de vida, argumento o qual é corroborado por Rosa (1994), Bastos (1998), Freire (2007), Vigotski (2004), Zabala (1995), Campos e Nigro (1999) etc. Para que os alunos desenvolvam a história, o mestre propõe aventuras (COLLINS et al., 2008), que são uma série de eventos, uma série de estratégias seqüenciais que servem de norte, de orientação para as tomadas de decisões e ações dos personagens (W YATT, 2008). Reitera-se aqui que o mestre traz orientações para os jogadores, ele não os efetivamente conduz. Tais argumentos 81 são consonantes com os argumentos de Zabala (1995), Campos e Nigro (1999) e Miras (2006) quando estes apontam que o papel do professor é o de fomentar as estratégias de ensino que auxiliarão os alunos na construção de conhecimento. Para portanto, que das o desenvolvimento histórias, tenha dessas aventuras verossimilhança, cabe e, ao mestre assumir uma postura de reflexão entre as ações dos personagens com as regras do jogo e também com os objetivos da história/aventura (LEMKE, 2005; COLLINS et al., 2008). Tem-se, portanto, que o papel de reflexão do mestre começa antes mesmo do RPG. Ou seja, se é de acordo com cada sistema de jogo que se tem um dado sistema de regras propício ou não para o desenvolvimento da aventura, cabe ao mestre, mediante seus objetivos, refletir sobre qual o sistema de jogo terá as regras mais adequadas para o desenvolvimento da história. Collins et al. (2008) coloca que o mestre é tal qual um juiz esportivo, isto é, cada ação dos jogadores demanda um ato de reflexão por parte dos mestres para que este arbitre as conseqüências da referida ação em relação ás regras. Ademais, Lemke (2005) ressalta que também é papel do 82 mestre mediar como o cenário responde em função de uma dada ação. Tais colocações são deveras semelhantes com o papel do profissional reflexivo apontado por Schön (1998) e Freire (2007) que dizem que o professor deve ter uma postura crítica e reflexiva. Que a reflexão precede a ação, semelhante à escolha de um sistema de regras adequado, por exemplo; que a reflexão ocorre no durante a ação, símile à mediação açãoresposta do cenário; que a reflexão ocorre após a ação, bastante próximo da reflexão demandada por parte do mestre no que tange as próximas estratégias de desenvolvimento da história. Seria incoerente, no entanto, afirmar que cabe tão somente ao mestre o papel de mediação entre ação-resposta do cenário. Sendo os jogadores a parte mais relevante da história, sendo aqueles que de fato executam ações, cada ação de um personagem reflete direta ou indiretamente em cada outro personagem. Muitas das nuances de resposta a uma ação também é dada pelos próprios personagens, visto que são eles que “adornam” a ferragem proposta pelo mestre (LEMKE, 2005). Collins et al. (2008) aponta que a interação personagempersonagem, ou seja, a relação de grupo, é amplamente 83 importante para o desenvolvimento da história tanto para a manutenção de seu curso quanto para alterações nesse curso. Libâneo (1982) e Saviani (1984) já traziam a importância do trabalho em grupo para desenvolvimento de uma sociedade. A esse respeito, Freire (1970), Freire (2007) e Bourdieu (1998) apontam a necessidade da escola de entender-se como um veículo de mobilização social e que isso automaticamente passa pelo trabalho em grupo. Para Bordenave (1984), é ao passo que se desenvolve a relação de interação entre os sujeitos e destes com o meio que se desenvolve a aprendizagem. Essa interação favorece o processo de revisitação à cultura que, de acordo com Lemke (2005), ocorre em diversas situações diferentes. Tais revisitações, de acordo com Godoy e Andrade (2004), propiciam um exercício de auto- conhecimento que é reiterado e ratificado a cada ação do personagem. Essas ações que passam pela revisitação da cultura são elementos importante para Zabala (1995) no que tange o trabalho de conceitos que vão além dos factuais, ou seja, também trabalham os conceitos atitudinais e procedimentais. Essa saberes experimentação favorece desenvolvimento do o que articula os auto-conhecimento, indivíduo o que, por três tipos de favorece o conseguinte, 84 favorece a articulação de mais conhecimentos, estabelecendo um feedback positivo entre os saberes e o desenvolvimento do indivíduo (VIGOTSKI, 2004). Os personagens, por serem parte efetiva na elaboração do conhecimento deixam de ser consumidores e passam a ser produtores de conhecimento (PECHYLIE e TRIVELATO, 2005) uma vez que, de acordo com Lemke (2005), os jogadores passam a ser autores, tendo suas potencialidades de criação trabalhadas. Conforme tais potencialidades são postas a prova, ou seja, são trabalhadas, os personagens vão se desenvolvendo e a d q u i r i n d o e x p e r i ê n c i a (W Y A T T , 2 0 0 8 ) . E s s a e x p e r i ê n c i a é tal qual uma “rede de domínios” do personagem, de modo que quanto mais desenvolvida, mais capacidades o personagem tem. Machado (1999) e Moreira (2008) apontam que a aprendizagem é um trabalho processual que quanto mais se desenvolve, mais complexa é a rede de conhecimentos uma vez que esta contém mais significados e, portanto, mais significativa é a aprendizagem. Olhando pelo prisma de Lemke (2005) sob esse aspecto, tem-se que os personagens tem no RPG a oportunidade de trabalharem seu entendimento da vida adulta conforme vão vivenciando e transpondo as aventuras (W YATT, 2008), ou seja, transpondo as situações conflituosas 85 que lhes são apresentadas, tal qual a transposição de conflitos cognitivos (BASTOS, 1998) que propicia um avanço na zona de desenvolvimento imediato, ou seja, elevando seu estágio de desenvolvimento cognitivo, sua zona de desenvolvimento real (VIGOTSKI, 2004). Mestres e personagens têm papéis distintos, mas ambos possuem um mesmo objetivo que é o trabalho cooperativo a fim do desenvolvimento da contação de historia, de tal modo que e o insucesso e o sucesso dos personagens é também o insucesso e o sucesso do mestre (W YATT, 2008). Hadji (2001), Adorno (2005) e Hoffmann (2006) colocam que o processo de ensino-aprendizagem, e, portanto, o de avaliação, concebe o insucesso e o erro como uma oportunidade de reflexão, de trabalhar estratégias e conceitos buscando a construção de conhecimento. E, como de acordo com a Pedagogia da Problematização, professores e alunos são agentes efetores no processo de ensino-aprendizagem, tem-se que o trabalho em sala de aula deve ser cooperativo e que os sucessos e os insucessos são de responsabilidade de ambas as partes. A análise posterior buscará evidenciar os traços que o RPG, enquanto entidade, adotado neste trabalho. traz de pertinente ao ideário 86 7.2. O papel do RPG. Além do papel de mestres e personagens, a essência do RPG também traz características pertinentes à educação. Lemke (2005) e Muniz (2002) apontam o RPG como um resgate ao ato de contar histórias e que, diferentemente daquelas veiculadas de forma massificada, o RPG conta uma história interativa. Os jogadores participantes – mestres e personagens – constroem juntos tais histórias. Essa é uma característica fundamental segundo o prisma de Adorno (2006), uma vez que a interação entre os jogadores demanda diálogo e reflexão, propiciando um âmbito formativo. Para o autor, um meio que pretende ser formativo demanda a participação ativa do indivíduo, no caso, o aluno, na construção estabelece-se de um conhecimento quadro em crítico que o ou, meio do contrário, passa a ser informativo e não mais formativo. No RPG, mestres e personagens, professores e alunos são agentes que medeiam a construção da aventura cooperando uns com os outros (GODOY e ANDRADE, 2004; LEMKE, 2005; COLLINS et al., 2008; W YATT, 2008). Em uma sala de aula, na perspectiva problematizadora/construtivista, o professor deve ser o articulador do ensino (ROSA, 2004) que busca o maior êxito possível com seus alunos (FREITAS, 2003). Ou seja, os objetivos são equiparáveis. 87 Muniz (2002) aponta o perfil individualizante acarretado pela massificação da veiculação de histórias e, portanto, de conhecimentos. Para Adorno (2005), uma situação de não-interação, de não questionamento gera um vício dogmático de aceitação de conhecimentos consciência e conceitos intransitiva e monoculares. falsa, gera Gera uma acomodação e estratificação. Esse quadro supracitado é exatamente o papel oposto que a educação tem de ter (FREIRE, 1970; FREIRE, 2007). A educação tem de ter um caráter libertatório (FREIRE, 1970, 2007) e emancipador (ADORNO, 2005), mas para tanto, os alunos precisam experimentar a liberdade. O RPG, como coloca Lemke (2005) e Muniz (2002) é um jogo de liberdade, é um movimento opositor a oligarquia de conhecimento. O RPG, portanto, é uma via libertatória ainda que possa fazer uso de uma série de elementos fantasiosos e imaginários. Vigotski (2004) aponta que ao ouvir uma história, ao ver um filme etc, apesar daquele conteúdo ser de fruto imaginativo, as sensações que acometem o corpo enquanto tal evento é acompanhado são reais. 88 Adorno (2005) diz que liberdade depende de e fomenta liberdade. Experienciar a liberdade através do RPG provê, portanto, uma experiência libertatória que pode ser levada para a vida. Quando o RPG traz uma série de situações conflitantes, sejam elas com ou sem combate, (COLLINS et al., 2008) que devem ser superadas pelos jogadores, ele flerta com a superação de limites. Taille (2002) ressalta que superar limites é um desejo intrínseco ao aluno e que é desta superação que parte o crescimento e o desenvolvimento do mesmo. Em analogia com o acúmulo de experiência por parte dos personagens (COLLINS et al., 2008), é conforme os limites são superados a fim de transpor, de superar e de completar uma aventura que se tem o desenvolvimento desses personagens. É assim que um aluno se desenvolve no RPG, através da interação para a superação de limites. Nesse quadro, os jogadores passam a vivenciar situações de autonomia e de autoria, uma vez que parte deles a proposição de caminhos que os levam a um sucesso e, ademais, que isso promove o desenvolvimento da história que é contada por eles mesmos. Vigotski (2004) defende o papel do lúdico na educação porque no que tange a preparação psicológica da vida adulta, 89 é através de brincadeiras, contos de fada etc que se tem o primeiro contato acréscimo, com pode-se “simulações” colocar os da vida apontamentos adulta. de Em Adorno (2005) sobre a necessidade de experimentar uma situação diferente daquela que se pretende desvencilhar, que se pretende romper. Se educar significa mudar, como coloca Vigotski (2004) e a educação é um exercício de experienciar (ADORNO, 2005), tem-se, portanto, que o RPG é uma escolha que provê experiências, que busca mudanças. Se a educação é uma escolha política sobre o cidadão que se escolher quer uma libertatória. formar (ZABALA, educação que 2002), escolher possibilite uma o RPG é experiência 90 8. Considerações finais. Uma série de autores, inclusive Adorno (2005), apontam que o grande problema da educação não é metodológico e sim acepcional. Deve-se dizer que o RPG tal como foi apresentado não é a via única de mudança para a educação e, ademais, o RPG não é uma “via”, uma ferramenta ou uma atividade de ensino. Nem tão quanto foi concebido a sua aplicação na educação como um jogo em si. O RPG aqui foi entendido como uma proposta educacional. De acordo com Zabala (2002), a educação é uma atividade de cunho político e intencional que reflete o cidadão que se quer formar, portanto, o RPG foi entendido como uma proposta que FREIRE, 2007) objetiva e um cidadão emancipado livre (FREIRE, (ADORNO, 2005), 1970; que se oponha a menoridade auto-culpável (2001). Mais estudos certamente são necessários para o entendimento maior do como essa nova proposta se insere na educação, analisando suas contribuições e limites. Entende-se, no entanto, que tal como coloca Bourdieu (1998), não é através da escola do passado que se chegará à sociedade do futuro. Acerca antinomia que se disso, Adorno estabeleceu entre uma (2005) traz a sociedade tão 91 avançada cientificamente como a nossa em relação ao atraso da educação. Sendo o RPG uma proposta inovadora, ou seja, representando uma mudança necessária no âmbito educativo, cabe a antecipação de que não faltarão opositores a tal mudança que alegarão ver aqui não uma possibilidade real de ruptura, mas sim uma utopia (ADORNO, 2005). Ademais, estudos também são necessários para desenvolver e fomentar formas para efetivamente levar o RPG para a sala de aula. 92 Referências bibliográficas. ADORNO, T. W. Educação e emancipação. 4ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005. BASTOS, F. Construtivismo e Ensino de Ciências. 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