Luis Henrique de Souza Teodoro
O RPG NA EDUCAÇÃO: NOVAS OPORTUNIDADES DE
CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO.
São Paulo
2010
Luis Henrique de Souza Teodoro
O RPG NA EDUCAÇÃO: NOVAS OPORTUNIDADES DE
CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO.
Monografia apresentada ao Centro de Ciências
Biológicas e da Saúde da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como parte dos requisitos exigidos para a
conclusão do Curso de Licenciatura Plena em Ciências
Biológicas.
Orientador: Profo. Dr. Adriano de Castro Monteiro.
São Paulo
2010
Por Deus e para minha família.
“Todo ato de criação é, antes de qualquer coisa, um ato de destruição”
(Pablo Picasso)
“O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele.”
(Immanuel Kant)
“Educar sempre significa mudar.”
(Vigotski)
A g ra d e c i m e nt o s
Meu muito obrigado a Universidade Presbiteriana Mackenzie,
em especial ao Centro de Ciências Biológicas por terem me
ofertado o melhor ambiente de aprendizagem possível.
Agradeço imensamente ao meu orientador Professor Doutor
Adriano por, além de ter me dado todo o suporte que precisei, por
ter me ofertado um sorriso em cada tempestade.
Não poderia também deixar de agradecer as minhas “coorientadoras”, Professora Doutora Rosana e Professora Doutora
Magda. Sem elas, nada disso teria sido possível.
Ao Dr. Gustavo Schmidt – diretor do curso de Ciências
Biológicas – por ter sido tão criterioso na escolha dos docentes e,
portanto, por ter sido tão importante na minha formação.
Agradeço também a todo o corpo docente do meu curso,
principalmente à Vera Farah, Miriam, Daniela Toyama, Olga e
Patrícia Fiorino. Vocês foram espelhos para mim. Em especial,
agradeço a professora Yur e a todas as suas palavras e carinho
que um dia me trouxeram a certeza de querer ser biólogo.
Muito obrigado – Senhor – a quem tudo devo. Faltam-me
palavras, sobra-me vontade de agradecê-lo por tudo.
À minha mãe, ao meu pai e ao meu irmão, sem os quais eu
nada seria. Obrigado por cada dia, obrigado por todo o amor,
meus amores.
À Patrícia Cristina, que mais do que apoio de todas as
formas que a palavra pode concernir, foi-me um exemplo de que
família vai muito além do sangue.
Aos longevos amigos que me acompanham desde a infância:
Victor Augusto, Ana Paula e João Pedro. Vocês foram essenciais
em mais momentos do que sou capaz de contar.
Aos
amigos
que
o
esporte
me
trouxe,
Diogo,
W agner,
Victória, Rogério, Gabriel, Gil, Alessandra, Marangoni, Pedro, Zé
e Durval. Obrigado por me mostrarem, cada um a sua maneira, o
que significa ser amigo.
Meu muito obrigado aos amigos que o RPG me trouxe. Elara,
João Adorno, W agner, Olga, Oscar, Daniel e Bruna. Guardo cada
lembrança de vocês com muito carinho.
Agradeço
a
algumas
pessoas
especiais,
como
a
Paula
Pelaes, por sempre ter me incentivado e apoiado, ao Ricardo por
cada risada que me tirou dos momentos de tensão e ao Alex, por
ser, simplesmente, tão, tão bom amigo. À Dora, Gilma e Bruna por
cada hora de conversa quando tanto precisei. Encontrei muito
carinho em vocês.
Obrigado ao Gabriel Andrade e ao Caio Minatti, amigos
ímpares aos quais sou muito, muito grato. Obrigado ao Eduardo
Bisetto por ter me mostrado que eu ainda era capaz, mesmo
quando duvidei.
Por fim, mas não menos importante, agradeço muitíssimo aos
meus amigos da faculdade. Victor Chalupe, Mayra di Matteo,
Victor Martins, Andréia, Fernanda, Carlinha e Thaís, obrigado pelo
imprescindível apoio.
Deusa,
Karina
e
Marina,
faz
4
anos
que
tenho
todo
o
conforto que preciso em vocês, é uma confiança e um carinho
construídos como só nós sabemos como.
Adriana e Luís Augusto, sem vocês eu jamais teria terminado
a licenciatura. Muito obrigado por serem mais do que amigos.
À Patrícia Marques, por ser um exemplo, por ser admirável,
por ser uma excelente amiga com a qual sempre posso contar.
Para a Juliana, do começo ao fim comigo, mil páginas não
seriam suficiente para falar sobre você, redimo-me ao meu muito
obrigado.
Para o Luiz Fernando, um amigo essencial, um amigo mais
que especial do qual jamais me esquecerei. Obrigado por toda a
confiança, obrigado por todo o carinho.
Ao Luiz Gustavo e ao Leonardo Crisóstomo por serem amigos
que tanto amo e estarem comigo em todos, todos os momentos.
Muito, muito obrigado.
R e s um o
A educação é uma atividade política e intencional. A partir
dela e de suas estratégias de trabalho, tem-se como objetivo
formar um cidadão que seja pertinente aos preceitos considerados
relevantes para a concepção educacional proposta. Uma dessas
propostas é o RPG e, portanto, o objetivo do presente estudo é
conhecer e analisar as novas possibilidades de construção de
conhecimento que o RPG propicia. Foram levantados caracteres
comuns
entre
denominadores
o
RPG
comuns
e
um
sugerem
ideário
o
RPG
educacional.
como
uma
Tais
proposta
educacional pertinente aos preceitos atuais da educação acerca
da liberdade e emancipação.
Palavras-chave: educação, RPG, liberdade, emancipação.
A b s t ra c t
Education
is
a
political
and
intentional
activity.
From
education and its work strategies, there is a purpose of citizen
pretended to form that it ought to be pertaining to the relevant
precepts for that educational assumption. A proposition might be
the RPG and thus the aim of this study is to know and analyze the
new
construction
possibilities
of
knowledge
that
the
RPG
provides.Common characters were raised between the RPG and
educational ideas. These common denominators suggest the RPG
as an educational proposal relevant to the current precepts of
freedom and emancipation from education.
K e yw o r d s : e d u c a t i o n , R P G , f r e e d o m , e m a n c i p a t i o n .
Sumário
Introdução. .................................................................................................... 11
Metodologia. ................................................................................................. 13
1. O Que É Ensino?.................................................................................... 14
2. A Pedagogia Transmissional .................................................................. 22
3. O Referencial Construtivista ................................................................... 40
4. Aprender para quê?................................................................................ 52
5. Histórico do RPG. ................................................................................... 63
6. Mecânica do RPG .................................................................................. 65
7. Análise e discussão. ............................................................................... 79
7.1. O papel do mestre e dos personagens. ................................................. 79
7.2. O papel do RPG. .................................................................................... 86
8. Considerações finais. ............................................................................. 90
Referências bibliográficas. ............................................................................ 92
11
Introdução.
Pouco tempo depois do meu primeiro contato com o RPG
nos idos de 1998 soube que o mesmo vinha sendo aplicado
em sala de aula. Não sabia ao certo como isso seria possível,
mas sabia que acontecia.
Foi durante o curso de licenciatura, ao ter contato com
um novo ideário de educação, de ensino e aprendizagem e ver
que este se antepunha àquele tão disseminado que tive a
primeira
oportunidade
para
a
investigação
de
como
um
passatempo que eu tanto aprecio poderia ser empregado na
educação.
Muitos são os estudiosos que se debruçaram a entender
os processos cognitivos pertinentes à aprendizagem. E é
levando em consideração estudos teóricos nesta direção que
a busca por propostas alternativas de educação se fazem
necessárias.
Assim,
analisar
o
objetivo
quais
as
do
presente
possibilidades
estudo
de
é
conhecer e
construção
de
conhecimento que o RPG propicia.
O
trabalho
começa
apresentando
sua
metodologia,
relatando como este foi concebido e desenvolvido.
A seguir, foram desenvolvidos quatro capítulos teóricos.
O primeiro questiona o que é ensinar. O segundo atem-se a
um estudo mais meticuloso sobre como o ensino é comumente
12
levado para a sala de aula. O terceiro capítulo apresenta um
ideário diferente que, ao invés de ter seu foco no ensino, foca
em como decorre a aprendizagem. Por fim, o último capítulo
teórico
traz
a
visão
deste
trabalho
sobre
a
função
do
aprender.
A próxima parte do trabalho é sobre seu objeto de
estudo – o RPG –, que foi divido em histórico e mecânica.
As particularidades do RPG são analisadas no capítulo
seguinte
trabalho.
e,
por
fim,
seguem
as
considerações
finais
do
13
Metodologia.
Para
análise
a
realização
documental
do
do
trabalho
RPG
que
foi
busca
desenvolvida
uma
estabelecer
suas
características e tendências a fim de analisá-las à luz de um
referencial teórico acerca da educação, buscando comparar
seus denominadores comuns (PADUA, 2002).
Os livros de RPG que o caracterizam foram selecionados
mediante alguns critérios como o índice de disseminação no
mundo, o índice de disseminação nacional, produção nacional
e emprego na educação.
Os dois livros da série Dungeons & Dragons são parte do
sistema mais difundido no mundo. Até meados da década de
noventa o sistema mais popular no Brasil era o Storyteller.
Ademais,
o
Imortal
recentes.
Por
utilizado
para
fim,
e
o
o
Opera
GURPS,
algumas
são
foi
aventuras
produções
escolhido
educativas
nacionais
por
no
ter
sido
país
e
também foi o primeiro sistema a desembarcar no Brasil.
Para a realização da análise, foram elaboradas duas
categorias que fazem menção, respectivamente, ao papel dos
jogadores – mestres e personagens – e sobre o papel do
RPG. Tais categorias foram elencadas porque parecem ser
traços dos mais importantes que permitem a aproximação do
RPG com a educação.
14
1. O Que É Ensino?
Denotativamente, a palavra “ensino” se configura como
um substantivo abstrato masculino derivado do verbo ensinar
que se refere ao processo de transmissão de conhecimento.
Antonimamente
ao
exposto
acima,
Mizukami
(1986)
relata que há outras acepções, outras concepções para a
palavra ensino, as quais serão apresentadas ao longo deste
capítulo.
A
visão
proposta
caracterizada
por
Transmissão,
enquanto
etimologicamente,
Bordenave
que
(1984)
por
como
Mizukami
sua
vez,
Pedagogia
(1986),
é
da
assumindo
pressupostos consonantes, denomina tal caracterização como
Abordagem Tradicional. Saviani (1984) revela que o papel
dessa concepção é difundir e transmitir sistematicamente o
conhecimento da humanidade.
Sob
essa
perspectiva,
Bordenave
(1984)
e
Mizukami
(1986) convergem com o apontamento de Saviani (1984) e
ressaltam o papel do professor como entidade responsável
pela detenção e transmissão do conhecimento e o aluno como
entidade
passiva
que
deve
absorver
esse
conhecimento,
aludindo à análise etimológica.
Acerca de uma segunda concepção, Bordenave (1984)
diz
que
o
ensino
pode
ser
entendido
como
uma
via
de
moldagem do homem em relação ao meio, uma vez que este
15
homem é produto de seu meio. O autor define tal acepção
como
Pedagogia
Condutista,
a
qual
Mizukami
(1986)
reconhece como Abordagem Comportamentalista.
Tal perspectiva assume como elemento muito importante
os recursos à disposição do professor que são capazes de
guiar o aluno e sua produção, de modo que, acordando com
Libâneo (1982) e Bordenave (1984), essa instrumentalização
é capaz de guiar os alunos acerca daquilo que ele tem de
aprender.
Mizukami
(1986)
define
semelhantemente
tal
conceitualização, destacando, ademais, o papel de molde de
comportamento que essa perspectiva adota e pretende gerar
em
seus
alunos,
provendo,
inclusive,
recompensas
para
aquele comportamento tido como certo e eficiente, ao passo
que punindo aquele tido como incorreto e ineficiente.
Libâneo (1982) destaca que o foco dessa abordagem
reside nos métodos em detrimento aos conteúdos a serem
ministrados.
Um
terceiro
apresentado
por
entendimento
Mizukami
acerca
(1986)
do
como
ensino
é
Abordagem
Humanista; nesta, o foco da aprendizagem, e portanto do
ensino,
está
nas
relações
desenvolvimento do sujeito.
interpessoais
focando
o
16
Os preceitos que fundamentam esse ideário surgiram,
segundo Bordenave (1984), a partir da proposição de um
tratamento terapêutico.
Segundo os autores supracitados, essa acepção prima
pelo
crescimento
do
indivíduo
bem
como
pelos
seus
processos de organização pessoal.
Libâneo (1982), acerca dessa perspectiva, diz que o
aluno é o sujeito do conhecimento, de modo que o papel do
professor, segundo Saviani (1984) passa a ser o de orientador
e de incentivador pela busca de novos conhecimentos.
Mizukami (1986) ressalta o papel não-diretivo do ensino,
deixando
técnicas
e
estratégias
em
plano
secundário,
valorizando, assim, o trabalho do professor como entidade
que auxilia o aluno a encontrar seu eu, de modo que a partir
desse pressuposto o aluno se encontrará apto para estruturarse.
Bordenave (1984) não reconhece tais traços como sendo
uma forma isolada de pedagogia, de modo que estes traços
que servem para caracterizar a Abordagem Humanista de
Mizukami (1986) são partes integrantes do que ele chama de
Pedagogia da Problematização.
Outras
também
abordagens
podem
ser
entendidas
por
incluídas
na
Mizukami
(1986)
Pedagogia
da
17
Problematização: a Abordagem Cognitivista e a Abordagem
Sociocultural.
Abordagem Cognitivista é aquela que se fundamenta
através das pesquisas acerca dos processos de organização
do pensamento, como elencado por Mizukami (1986).
O ensino sob esse prisma articula-se na interação entre
o indivíduo e o objeto de conhecimento, entre indivíduo e
meio para propiciar reflexões porque, segundo Bordenave
(1984)
e
Mizukami
(1986),
o
suporte
para
esse
ideário
pressupõe que o pensamento e a reflexão são os alicerces
para toda aprendizagem. Importantes nomes que fundaram
tais pressupostos foram Piaget, Bruner e Vigotski.
Saviani (1984) converge com Libâneo (1982) ao dizer
que esta concepção prima pelo “aprender a aprender” e pelo
“aprender fazendo”. Segundo tais autores, essa abordagem
leva
em
consideração
o
valor
da
experimentação,
de
atividades de pesquisa, de estudos do meio, do trabalho
investigativo e da problematização etc.
Os
mesmos
ainda
destacam
o
importante
papel
do
respeito pelo estágio de desenvolvimento cognitivo do aluno,
valorizando os estudos psicológicos e biológicos acerca da
aprendizagem.
conhecimentos
Mizukami
são
(1986)
relevantes
para
ressalta
propiciar
que
tais
situações
desequilibradoras e conflitantes para os alunos, desafiando
18
sua capacidade de reflexão e seus conhecimentos ao passo
que os guiando para a construção de novos conceitos e
operações.
Por fim,
os
últimos
traços elencados
por Bordenave
(1984) que compõem a Pedagogia da Problematização são
entendidos
por
Mizukami
(1986)
como
Abordagem
Sócio-
cultural. Tal visão compreende o ensino como um ato irrestrito
ao âmbito escolar, ou seja, o ensino vai além do espaço
formal da escola e é parte integrante, se faz presente na
sociedade.
Mizukami (1986) aponta Paulo Freire como um autor de
referência deste ideário.
Freire (1970) é partidário de que o papel do ensino é
formar
um
aluno
critico
capaz
de
conhecer,
reconhecer,
analisar e criticar a sociedade em que vive a fim de aprimorála, a fim de gerar intervenções buscando promover melhorias
em sua realidade.
Para tanto, Bordenave (1984) considera primordial que
haja
uma
contexto
problematização
histórico-social
do
intrinsecamente
aluno,
pois
atrelada
é
sob
ao
esta
circunstância, isto é, quando o aluno se defronta com sua
realidade que há o desenvolvimento da consciência crítica e
de sua responsabilidade para com a sua sociedade.
19
Libâneo (1982) acrescenta que essa perspectiva valoriza
e entende como fundamental o emprego do trabalho em grupo,
ademais, Saviani (1984) diz que as teorias que sustentam
essa
concepção
educação
como
postulam
um
não
processo
ser
plausível
desvinculado
das
entender
a
condições
sociais, portanto, há a relevância do trabalho em grupo na
construção de uma sociedade melhor e mais justa.
Para este trabalho, serão adotadas as assunções de
Bordenave (1984) e Mizukami, (1986), todavia, vale ressaltar
que
Libâneo
abordagens
de
(1982)
ensino
e
Saviani
de
forma
(1984)
classificam
símile,
com
nomes
as
e
pormenores diferentes mas que permitaem as comparações a
seguir:
20
Quadro I – Classificações das abordagens de ensino para diferentes autores
(elaborado pelo autor deste trabalho).
Mizukami
Libâneo
Saviani
Bordenave
Abordagem
Pedagogia Liberal
Pedagogia
Pedagogia da
Tradicional
Conservadora
Tradicional
Transmissão
Abordagem
Pedagogia Liberal
Pedagogia
Pegadogia
Comportamentalista
Renovada
Tecnicista
Condutista
Pedagogia Nova
Pedagogia da
Progressista
Abordagem
Pedagogia Liberal
Humanista
Renovada Nãodiretiva
Abordagem
Pedagogia Liberal
Cognitivista
Renovada
Problematização
Progressista
Abordagem Sócio-
Pedagogia
Teoria crítico-
cultural
Progressista
reprodutivistas
Libertadora
De todas essas perspectivas de ensino apresentadas, a
mais
amplamente
empregada
refere-se
à
Pedagogia
da
Transmissão. Esta forjou um significado de professorar e de
ensinar, de tal modo que não seria incorreto afirmar que a
vasta maioria da população traz estigmas dessa história.
21
Zabala (2002) aponta que a concepção de ensino é fruto
de escolhas políticas porque invariavelmente revela o tipo de
cidadão que se quer formar.
Tendo em vista que dentre os caminhos apresentados um
– o da Pedagogia da Transmissão – é o majoritariamente
escolhido e ofertado, tal caminho será o objeto de estudo do
capítulo a seguir.
22
2. A Pedagogia Transmissional
Um
professor
ininterrupta
e
disposto
à
frente
inquestionavelmente;
da
alunos
sala
falando
devem
ouvi-lo
atentamente para absorver o conhecimento contido em suas
palavras. Não há quem não tenha vivenciado uma aula como
esta,
uma
aula
que,
apesar de
não
ser o
único modelo
pertinente a esta perspectiva, é cunhada nos preceitos da
transmissão de conhecimento.
Mizukami
(1986)
refere-se
a
essa
prática
como
Abordagem Tradicional, um nome conveniente, dada a sua
ampla adoção.
A referida autora destaca que esta é uma prática e um
legado
surgido
e
cultivado
ao
longo
dos
anos,
que
são
transmitidos e aceitos como modelo comum, fundamentado em
uma prática que se baseia em sua experiência longeva de
aplicação.
Seria justamente essa aplicação, na perspectiva de Rosa
(1994), datada e amplamente difundida, um dos fatores que
mais influenciam a concepção humana acerca da educação.
Isto decorre porque a imagem de como é um professor começa
a ser construída a partir dos primeiros contatos do aluno com
o docente.
Mizukami (1986) caracteriza tal concepção como aquela
que entende o aluno como um “adulto em miniatura” que
23
precisa trilhar o caminho pré-estabelecido por um “adulto
pronto” – o professor – para que a miniatura possa maturarse.
Dessa forma, o papel central do docente no processo de
aquisição de conhecimentos é impreterível, imprescindível.
Bordenave (1984) e Hoffmann (2006) são consonantes quanto
a essa assunção da Pedagogia da Transmissão.
O
discente,
funcionar
Bordenave
como
nessa
uma
(1984),
perspectiva,
página
ou
uma
em
deve
branco,
tábula
rasa,
incumbir-se
de
de
acordo
com
de
acordo
com
Mizukami (1986), isto é, deve incumbir-se de absorver o
conhecimento que reside no docente. Para tanto, compete ao
discente
ser
passivo,
ouvinte,
obediente
e
capaz
de
memorizar aquilo que o professor transmite ou aquilo disposto
no livro didático.
Freire (1970) é consonante com os autores supracitados
e assemelha tal abordagem de ensino a um sistema bancário,
de modo que o professor deposita os conhecimentos nos
alunos ao passo que cabe a estes reter o depósito.
A veiculação do conhecimento a ser transmitido, ressalta
Bordenave (1984), pode ocorrer de diferentes formas, isto é, o
depósito não necessariamente ocorre apenas quando se tem
uma figura detentora do conhecimento à frente de uma sala –
apesar de ser a mais comum –, a Pedagogia da Transmissão
24
pode
se
apresentar
travestida,
usufruindo
de
diversos
recursos tecnológicos para veicular a transmissão.
Em analogia ao sistema de educação bancário proposto
por Freire (1970), o depósito poderia ocorrer, por exemplo,
utilizando a internet. Se o intuito da utilização desse recurso
condizer com as premissas transmissionais, ou seja, primar
por um aluno, de acordo com Bordenave (1984), que ouve e
observa
passiva
e
acriticamente,
que
não
questiona
informações, então ainda será uma aplicação tradicional.
Libâneo
convergem
(1982),
ao
Saviani
ressaltar
(1984)
que
esse
e
Bordenave
ideário
prima
(1984)
pela
de
conhecimentos transmitidos objetivando o abandono de um
estado
ignorante
por
parte
do
discente
que
é
sempre
reconhecido como vazio de determinados conteúdos.
O papel de protagonista do professor na educação do
aluno é um dos apontamentos cruciais que Mizukami (1986)
faz
acerca
importância
programa,
dessa
a
as
abordagem.
outros
Ademais,
elementos
disciplinas,
os
da
agrega-se
educação,
métodos
e
as
grande
como
o
técnicas,
especialmente as de repetição e reprodução do que foi visto
com o professor ou no livro didático.
A autora denota ainda que o aluno – receptor passivo –
goza de uma visão rústica, pouco elaborada ou esclarecida
acerca
do
mundo
e
que,
através
da
transferência
de
25
conhecimento,
passa
a
ver
e
compreender
mais
talhada,
polida e sofisticadamente o próprio mundo e seus fenômenos.
Dentre
outras
palavras,
os
argumentos
reforçam
o
que
concerne o papel onipresente e indispensável do professor na
formação do aluno, uma vez que este é o dono da verdade e
dos conhecimentos que serão transmitidos.
Bastos
(1998)
classifica
essa
perspectiva
de
conhecimento – aquela que pode ser transferida, por exemplo
– como empirista.
O papel do estudo, portanto, é extrair o
conhecimento de um fenômeno observado ou de uma entidade
interlocutora que conhece um fenômeno, uma vez que este
conhecimento
está
previamente
pronto,
bastando
retirá-lo,
bastando absorvê-lo do fenômeno em questão.
Uma abordagem semelhante é feita por Kant1 (2001), que
denomina
o
conhecimento
empírico
como
conhecimento
a
priori, este que desdenha a necessidade de qualquer tipo de
experiência, bastando o contato com o objeto/fenômeno para
que este tipo de conhecimento possa existir.
Esta é a concepção de conhecimento assumida pelos
professores denominados tradicionais, uma vez que, segundo
Freire (2007), “pensar certo é fazer certo” sob um aspecto de
criticismo que alia a prática e a teoria, ou seja, aquele que
crê que o conhecimento deriva da absorção de um evento,
1
Filósofo alemão da era moderna.
26
seja ele natural ou em uma aula expositiva, também crê que o
conhecimento científico é empírico, é ontológico e está a
espreita de ser deduzido pelo homem. Este é o docente que
assume
a
inteligência
como,
segundo
Mizukami
(1986)
e
Bastos (1998), uma faculdade mental incumbida de observar
um
fenômeno
e,
por
conseguinte,
extrair
e
acumular
conhecimento.
Hoffmann (2006) é consonante com Mizukami (1986) ao
revelar o caráter tecnicista e reprodutivo do percurso da
educação sob a perspectiva tradicional, convergindo com as
assunções de Bordenave (1984) que acrescenta que a prática
transmissional prima pela memorização, independentemente
do conteúdo a ser memorizado fazer ou não sentido.
Para
esta
perspectiva,
Zabala
(1995)
revela
que
os
conteúdos primordiais a serem transmitidos para os alunos
são os factuais, ou seja, conteúdos e conceitos científicos. Os
conceitos
e
conteúdos
procedimentais
recebem
pouca
importância e são pouco trabalhados – estes são aqueles que
denotam o “como fazer?”. Por fim, os conteúdos atitudinais –
aqueles que tangem “o que ser?” – são ainda mais raros que
os procedimentais, quase não aparecendo de forma explícita.
Deve-se ressaltar que não aparecer “de forma explícita”
não implica que não estejam presentes – inclusive de forma
não propositada. Zabala (2002) ao denotar que a opção de
27
ensino escolhida, isto é, ao definir a proposta de trabalho a
ser empregada visando levar alguém a aprender inclui, de
forma consciente ou inconsciente, a sociedade que se quer
construir de modo que a opção pela abordagem transmissional
implica automaticamente em um “como fazer?” e em um “o que
ser?”. Respectivamente, reforçam-se através desta adoção,
desta opção alguns valores e assunções, tal qual a forma de
se fazer ciência – empiricamente – e o modo de aceitação
automática e sem reflexão de um dado conhecimento.
Mizukami
(1986)
ainda
revela
que
a
educação
é
entendida como produto com objetivos já pré-determinados,
os
quais
normalmente
são
atingidos
através
de
aulas
expositivas, cabendo ao aluno tomar notas para facilitar sua
memorização. A metodologia usual consiste em dar e tomar
lições,
consiste
em
um
professor
introduzindo
um
novo
conceito, enquanto os alunos esforçam-se para reproduzir tal
conceito.
As
habilidades
individuais
de
cada
um,
nessa
perspectiva, segundo Libâneo (1982), dependem desse tipo de
conduta para que se aperfeiçoem. Adicionalmente, Freitas
(2003) diz que para essa abordagem um ensino massificado é
entendido como um ensino de qualidade.
Desse
modo,
ao
somar
os
argumentos
de
Libâneo
(1982), Mizukami (1986) e Freitas (2003) pode-se assumir que
28
a
Pedagogia
da
Transmissão
fundamenta-se
no
papel
do
professor como centro do processo de ensino, responsável
direto, portanto, do processo de aprendizagem, de tal modo
que a este cabe propiciar um ensino de qualidade a todos os
alunos
de
forma
massificada,
ou
seja,
dissemina
seu
conhecimento de forma única porque se assume que todos os
alunos são responsivos a esse tipo de prática, isto é, porque
este é o caminho que leva o “adulto em miniatura” a se tornar
alguém, ou seja, a estar pronto para a sociedade.
Para
buscar
este
objetivo,
a
escola
deve
ser
um
ambiente de regime vertical em que o professor situa-se no
topo e os alunos na extremidade inferior, sem paralelismo
e/ou cooperação entre eles, primando pelo trabalho individual.
Ou
seja,
um
ambiente
distintivo
que
designa
e
delineia
claramente os papéis: os alunos são a platéia e o professor é
o
entertainer
(do
inglês,
é
aquele
que
propicia
entretenimento), assemelhando-se a um auditório (MIZUKAMI,
1986).
Tal como regime vertical, Bordenave (1984) ressalta que
essa
acepção
prevê
o
trabalho
individualizado,
sem
uma
“horizontalização”, ou seja, sem estabelecer um diálogo entre
os discentes.
Nessa perspectiva, ministrar o conteúdo programado, de
acordo com Snyders (1974 apud Mizukami, 1986), é suficiente
29
e promotor para a formação do aluno e para que este possa
avançar em suas concepções do mundo, de seus fenômenos
etc.
É uma visão de fornecimento de receituário, o qual deve
ser
seguido
pelos
alunos.
A
capacidade
quantitativa
de
reprodução desse receituário é o fator preponderante para
avaliar a relação ensino-aprendizagem, de modo que o erro,
diferentemente
da
proposição
de
Hoffmann
(2006),
Hadji
(2001) e Rosa (1994) não é visto como um propulsor de uma
situação de ensino, mas a evidência de que o aluno não foi
capaz de absorver o conhecimento lecionado, como define
Mizukami (1986) acerca do Ensino Tradicional.
Em um quadro de crítica à essa abordagem do ensino e,
em particular no âmbito da avaliação da aprendizagem, Hadji
(2001)
e
Hoffmann
(2006)
ainda
colocam
a
necessidade
histórica que a escola carrega de transformar desempenho
escolar
em
número
matemático,
ou
seja,
quantificar
a
capacidade de reprodução do aluno perante aquilo que o
professor
elencou
como
importante
e,
portanto,
que
foi
ministrado em aula.
A perspectiva tradicional, segundo os mesmos autores e
Bourdieu (1998), valoriza e premia os acertos ao passo que
punem
os
erros.
Em
outras
palavras,
a
capacidade
de
reprodução dos alunos é premiada, tal medida intenta adequar
30
as respostas dos alunos àquela pretendida pelo professor,
punindo a não reprodução que é interpretada como um erro.
Essa
prática,
não
obstante,
favorece
e
desencadeia
um
processo de estratificação social, em que os que tiram as
notas
mais
altas
desempenhar
são
os
funções
mais
mais
capacitados
importantes
e
aptos
na
para
sociedade,
enquanto os que obtêm as notas mais baixas devem resignarse às funções menos importantes.
Campos e Nigro (1999) reportam que essa capacidade de
reprodução
problemas
(palavra
do
fechados,
da
enigmas),
conhecimento
língua
que
é
também
inglesa
admitem
e
verificada
conhecidos
que
significa
apenas
uma
através
como
de
pu zzles
quebra-cabeças,
resposta
como
verdadeira, uma única solução.
O
autor
caracteriza-se
quanto
o
prossegue
por
aluno
sua
questões
apenas
extrínsecas
pressuposto
que
objetividade,
absorveu
irrelevando
as
revelando
de
todos
do
que
motivação
de
os
cada
que
artifício
permitindo
lhe
foi
intrínseca,
professor,
alunos
tal
e
aprendem
inferir
o
transmitido,
assumindo
partindo
da
do
mesma
maneira, portanto, aplicam os mesmos métodos, as mesmas
técnicas, utilizam os mesmos livros didáticos e seguem um
mesmo
ritmo
de
trabalho;
(1986) e Freitas (2003).
em
consonância
com Mizukami
31
Saviani (1984) ainda destaca um ponto importante dessa
perspectiva de ensino: o professor é o responsável por inserir
o
conhecimento
no
aluno
inclusive
independentemente
da
vontade do discente. Caso se acrescente aqui a perspectiva
que Libâneo (1982) levanta sobre o ensino tradicional não
relacionar os conteúdos e os procedimentos ministrados com
a realidade social, tem-se a máxima que o produto final, isto
é, o adulto é alienado em relação à realidade e sociedade em
que
vive,
porém,
não
ignorante
acerca
dos
conteúdos
ministrados.
Mizukami (1986) critica tal acepção alegando que não há
fundamentação científica, ou seja, não há uma justificativa
alicerçada nos estudos científicos acerca de como se dá a
aprendizagem.
Adorno
(2005)
coloca
que
o
ensino
dessa
forma é meramente informativo e não formativo.
A
aprendizagem
não
decorre
da
memorização
e
reprodução, salienta Rosa (1994), nem pela associação de
estímulo-resposta, ela é fruto de um processo de reflexão, de
um
exercício
de
pensamento
dependente
do
estágio
de
desenvolvimento cognitivo do aluno. Vigotski (2004), a este
respeito, diz que o processo de desenvolvimento cognitivo e o
processo de aprendizagem fomentam um ao outro, como é um
“feedback
positivo”
aprendizagem
de
estimula
tal
e
modo
favorece
que
um
o
novo
processo
processo
de
de
32
maturação e que um novo processo de maturação propicia
novos alicerces para novas aprendizagens.
Sobre o papel do professor, Rosa (1994) afirma que deve
deixar a postura de “façam como eu”, assumindo a postura de
“façam comigo”.
Freire2 (2007) consonante com Rosa (1994) ao deixar
claro que ensinar não é transferir conhecimento. Para o autor,
ensinar
é
oportunizar
ao
aluno
condições
para
que
este
construa seu conhecimento. Ademais, ainda há a preocupação
em evidenciar que o ensino não é uma via de mão única, mas
sim uma via de mão dupla. Isto é, não é só o professor que
ensina e não é só o aluno que aprende, o professor, ao passo
que ensina, também aprende, enquanto o aluno, enquanto
aprende, também ensina.
Esse
último
concepção
argumento
transmissional,
contradiz
como
as
salientado
premissas
por
da
Mizukami
(1986), uma vez que o professor deixa de ser o único detentor
do conhecimento, assumindo uma postura passível de também
aprender com o aluno.
Se
a
aprendizagem,
então,
não
decorre
dos
pressupostos do sistema bancário de ensino, então, do que
decorre?
2
Originalmente publicado em 1996.
33
Piaget
propôs
através
de
observações
e
estudos
científicos que a aprendizagem é fruto de um processo de
equilíbrio-desequilíbrio-equilíbrio
(ROSA,
1994;
FERREIRA,
2008). Todavia, de que se trata esse processo?
Rosa (1994) exemplifica tal processo com uma analogia
à necessidade de beber água. Em uma situação de equilíbrio,
o ser humano está sem sede, portanto em equilíbrio. Ao ser
posto diante de uma situação desafiadora, que exige empenho
e esforço por parte do corpo, em um dado momento, este
apresentará a necessidade de tomar água, estará com sede e,
por conseguinte, em desequilíbrio. Para saciar essa vontade,
isto é, para voltar ao equilíbrio, o indivíduo precisa de água.
É
mais
ou
menos
como
esse
processo
que
decorre
a
aprendizagem: é preciso fomentar um desequilíbrio no aluno
acerca
de
um
conhecimento
e,
determinado
a
partir
de
tópico,
então,
de
um
determinado
auxiliá-lo
a
atingir
novamente seu equilíbrio.
Esse processo, inclusive, não ocorre estritamente da
mesma maneira para todos os alunos e nem no mesmo tempo,
tal qual a sensação de sede aparece em diferentes momentos
em diferentes pessoas desempenhando a mesma atividade.
Ademais, não se pode assumir que há somente uma via, uma
maneira de se conseguir água, ou seja, cada sujeito com sede
escolhe a via que lhe melhor couber para matar sua sede.
34
O reconhecimento das diferenças entre os alunos não é
exclusivo das abordagens de ensino que se contrapõem às
mais tradicionais. Bloom et al. (1971), representantes de uma
corrente tecnicista, ao indicarem elementos norteadores para
a construção de currículos escolares já afirmavam que com
diferentes instrumentos de ensino aliados a uma quantidade
de tempo suficiente – tempo o qual, vale ressaltar, não é igual
para
todos
conteúdos
–
95%
dos
ministrados,
alunos
conseguem
demonstrando,
aprender
inclusive,
um
os
alto
domínio sobre os mesmos.
Vigotski3 (2004) é outro autor que condena os moldes
pedagógicos transmissionais como propulsor da aprendizagem
e da maturação. Ele relata que historicamente são ministrados
conteúdos em sala de aula que não possuem relevância para
os
alunos
em
um
pressuposto
que
tais
conhecimentos
–
adquiridos através de técninas de reprodução e memorização
– colaborariam para o desenvolvimento mental do aluno.
Posicionando-se contra tal pressuposto, Vigotski (2004)
alega que o conhecimento – se é que pode ser posto nesses
termos – de uma área específica influencia muito pouco o
desenvolvimento cognitivo do indivíduo como um todo.
A
ensinar,
3
valorização
das
do
técnicas
método,
que
isto
é,
favorecem
das
e
técnicas
para
promovem
Traduzido em 2001 originalmente da obra em russo Pedagoguítcheskaya Psikhológuiya.
a
35
memorização e reprodução não deveriam ser, segundo Rosa
(1994) o foco da reflexão do professor, uma vez que esta
acepção o limita a um tecnicista.
Antes
de
tais
questionamentos
acerca
do
“como
ministrar, do como conduzir uma aula”, algumas reflexões
deveriam ser feitas pelos professores, como apontado por
Solé e Coll (2006), acerca da aprendizagem e de como esta
decorre.
Os mesmos autores destacam que ensinar não é uma
atividade
estática,
condição
que
contradiz
a
acepção
da
aprendizagem como um ato de memorização e reprodução.
Uma proposição feita por Bastos (1998) assemelha o
processo de aprendizagem com o processo de produção de
conhecimentos
científicos
pelo
prisma
não-empirista,
que
combate a proposição empirista, previamente apresentada.
O autor ressalta a importância da acepção não-empirista,
sendo aquela que consiste na construção de conhecimento
científico através do confronto de interpretações, análises e
observações em torno de um fenômeno, assumindo que essas
explicações
gozem de
coerência e
consistência, adjetivos
ressaltados por Campos e Nigro (1999) para validar uma
teoria, e que são transitórias, podendo ser substituídas no
futuro.
36
M a r q u e s ( 2 0 0 8 ) , a c e r c a d e P o p p e r 4, e B a s t o s ( 1 9 9 8 )
apontam que todo conhecimento científico, para ser entendido
como
tal,
precisa
ser
suscetível
à
testabilidade,
isto
é,
precisa ser passível de ser debatido a fim de se averiguar se
este
conhecimento
é
aceitável
ou
refutável
e
que
esta
conclusão só se faz possível através da experimentação. O
conhecimento científico precisa ser entendido como passível
de falseamento, uma vez que novas assunções podem ser
feitas em diferentes momentos conforme novos conhecimentos
e novas teorias são levantados.
Kant (2001) denomina os conhecimentos derivados da
experimentação de conhecimentos “a posteriori”, visto que
são aqueles fenômenos que dão origem a um saber mediado
pela observação, experimentação e vivência do homem acerca
de
um
evento.
Deste
modo,
sendo
os
conhecimentos
“a
posteriori” fruto do juízo de cada sujeito e, sendo o juízo uma
faculdade, isto é, o juízo é uma convenção do homem, todo
conhecimento
“a
posteriori”
de
hoje,
condicionado
aos
pareceres vigentes, é instável, ou seja, não é uma verdade
absoluta.
Se
o
ensino
é
uma
escolha
política
que
reflete
invariavelmente o cidadão que se quer formar (ZABALA, 2002)
e, como criticado por Bastos (1998), Campos e Nigro (1999),
4
Austríaco filósofo da ciência, antropólogo e sociólogo que se naturalizou britânico em 1945.
37
Kant (2001) e Marques (2008), o conhecimento científico for
assumido como entidade acima de questionamentos – acepção
empirista –, como é a premissa da Pedagogia da Transmissão
tratada por Bordenave (1984), a sala de aula se torna um
objeto de disseminação do entender do homem como sujeito
submisso, individualista, inerte perante a realidade social,
sendo capaz apenas de reproduzi-la, nunca alterá-la, uma vez
que não são levantados questionamentos acerca da mesma.
Se, de acordo com Mizukami (1986), a perspectiva em
questão não leva em consideração os estudos acerca de como
decorre
a
científico,
aprendizagem
crendo
determinados
e
apenas
leciona
no
conhecimentos
legado
sem
embasamento
histórico
reproduzidos
de
que
caracterizam
a
aprendizagem do indivíduo – argumento refutado por Vigotski
(2004)
–,
qual
o
fundamento
deste
ser
o
caminho
majoritariamente escolhido?
Apesar da Pedagogia da Transmissão intentar um ensino
de
qualidade
e
massificado,
como
salientado
por
Freitas
(2003), o produto final acaba por ser um aluno alienado, que
aprende
conteúdos
e
conhecimentos
com
caráter
propedêutico, utilitarista e de estratificação social.
Por conta disto, Bordieu (1998) coloca que a escola,
enquanto entendida sob o prisma transmissional, não pode ser
entendida como um veículo de mobilização social, isto é, ao
38
passo que a idéia de ensino for cunhada nos preceitos da
Pedagogia
da
pretendido
em
elemento
de
Transmissão,
seu
a
campo
perpetuação
escola,
das
da
diferentemente
idéias,
funcionará
iniqüidade
no
do
como
acesso
aos
conteúdos curriculares.
Professorar, portanto, enquanto for significado de aplicar
técnicas
indiscriminadamente
e
sem
reflexão
acerca
das
mesmas, ansiando que os alunos ouçam e reproduzam e, por
fim,
se
desenvolvam,
caracteriza-se
como
uma
atividade
quase aleatória.
A educação, como demonstrado por Zabala (2002) é uma
atividade intencional, logo, não pode ser maquiada como um
elemento neutro em que os alunos devam se enquadrar nas
técnicas. Freitas (2003) apresenta que educação concebida
como atividade aleatória incide em uma curva normal de
aproveitamento,
medíocre,
isto
poucos
é,
poucos
alunos
alunos
estão
abaixo
estão
do
acima
medíocre
do
e
a
maioria dos alunos estão dispostos na faixa medíocre de
aproveitamento.
Por si só essa aceitação do ensino contradiz a premissa
do
“ensino
equitativo
e
de
transmissional,
apegando-se
“igualitário”
seu
em
pior
qualidade”
apenas
aspecto:
submetidos às mesmas estratégias.
a
todos
da
idéia
os
concepção
de
ensino
alunos
serão
39
Rosa (1994) aponta que essa acepção por parte do
professor é uma redução de si próprio, colocando-se como
apenas um objeto de ensino e não como sujeito incumbido
pelo ensino.
Se
a
função
do
professor
deve
ser
a
de
sujeito
articulador e promotor do ensino (ROSA, 2004), este deve,
por conseguinte, buscar a maior disseminação, o maior êxito
possível de seus alunos, refutando a curva normal como
pertinente à sua docência, isto é, como uma representação
pertinente da aprendizagem esperada como coloca Freitas
(2003).
Um professor não pode ansiar outra que coisa que não o
melhor desempenho possível por parte de seus alunos. Este é
o exemplo de um bom professor (FREITAS, 2003).
Todavia, como buscar este perfil? De certo que não é de
acordo com os preceitos transmissionais.
Uma
alternativa,
um
novo
ideário
que
concebe
educação por outro prisma será apresentado a seguir.
a
40
3. O Referencial Construtivista
Antes de qualquer outro dizer, é importante ressaltar que
é
ideário
e
não
um
método.
Talvez
uma
das
grandes
premissas desse conjunto de idéias seja justamente a não
adoção de um modelo sobre como ensinar.
Bastos
(1998)
diz
que
o
ideário
em
questão
é
um
conjunto de reflexões e estudos acerca da aprendizagem.
Rosa
(1994)
é
consonante
com
este
apontamento
e
acrescenta que este ideário, muito distante de ser uma utopia,
fundamenta-se em observações realizadas em âmbito escolar,
em sala de aula.
Segundo Zabala (1995), há mais de cem anos que a
humanidade
pesquisa
e
estuda
sobre
como
ocorre
a
aprendizagem e que tais trabalhos, apesar de alguns não
serem amplamente consonantes em todos os aspectos, são
todos
partidários
de
que
a
aprendizagem é
um
processo
singular e único para cada indivíduo, sendo intrinsecamente
ligada às experiências vividas pelo mesmo e à sua motivação.
Logo,
se
aprender
não
é
entendido
como
acepção
passiva de conteúdos, mas como um processo que envolve
mais
de
um
fator,
tem-se
que
aprender
é
fomentar
a
construção de uma rede de conhecimentos, como proposto por
Machado (1999).
41
Adorno
(1992
apud
Machado,
1999)
coloca
que
o
conhecimento é o entrelaçar de alguns fatores resultantes das
experiências vividas de cada sujeito dentro e fora da escola,
criando uma rede.
Essa rede não é dependente apenas dos conteúdos e
conhecimentos factuais, essa rede abrange, quanto àquilo que
cabe a escola, os conteúdos procedimentais e atitudinais em
larga escala também (ZABALA, 1995).
Isso decorre porque o construtivismo entende e concebe
a educação, de acordo com Solé e Coll (2006), a partir de um
prisma
antropológico
entidade
corporificada
e
social,
e
no
qual
desenvolvida
a
em
escola
uma
é
uma
instituição
social maior. Para que o sujeito haja nesta instituição maior,
não basta a ele conhecer conceitos factuais. Ele também
precisa conhecer seu papel nessa instituição, saber quais
condutas tomar e quais princípios valorizar – o “o que ser?” –
para então escolher o como aplicar seus conceitos factuais,
conhecer o modo de transformar teoria em prática – o “como
fazer?”, isto é, há a necessidade dos três tipos de conteúdos
para a confecção da rede. Sem tais preceitos, a rede torna-se
insólita e incapaz de tornar o homem um agente efetor.
Aprender,
portanto,
para
a
concepção
construtivista,
segundo Zabala (1995), é tecer mais fios para a rede de
esquemas, para a rede de conhecimentos. Para atingir tal
42
objetivo, a
aprendizagem precisa
ser entendida como um
fenômeno processual não pontual, irrestrito à sala de aula e
que
decorre
de
encontros
e
reencontros
entre
esquemas
antigos e novos, entre idéias e conceitos novos e antigos, de
modo que estes novos conceitos não substituem os antigos,
mas
vão
agregando-se,
justapondo-se
de
forma
que
modificações graduais são realizadas no cerne pessoal.
Tem-se a partir disso que o construtivismo não concebe
a criança como um adulto em miniatura ou em maturação.
Para Vigotski (2004) a criança não é uma tabula rasa, ela é
um sujeito que traz consigo uma série de conhecimentos,
mesmo antes de ingressar na vida escolar. Ele trata a criança
como
um
sujeito
que
se
encontra
em
um
estágio
de
desenvolvimento real, biológico e cognitivo singular.
O autor coloca que o desenvolvimento das faculdades
superiores
da
criança
–
intrinsecamente
atrelado
ao
desenvolvimento biológico do sistema nervoso central –, isto
é, de suas capacidades cognitivas, possui forte relação com a
aprendizagem.
A
criança
progride
em
suas
aprendizagens
conforme
eleva sua zona de desenvolvimento real, mas para isso, esta
precisa se defrontar com situações de aprendizagem que,
ainda de acordo com Vigotski (2004), respeitem seu nível de
desenvolvimento biológico, suas capacidades cognitivas e os
43
conhecimentos
que
esta
possui.
Tal
respeito
emplaca
e
implica em uma zona de desenvolvimento imediato, conceito
que retrata aquilo que o sujeito ainda não sabe, mas que tem
condições para saber com o auxílio de um mediador, que não
necessariamente é o professor..
Há,
então,
uma
contradição
entre
as
assunções
da
aprendizagem ser pessoal e a necessidade de um professor?
Não, não há. O aluno é o centro da aprendizagem, uma vez
que
este,
como
denotado
por
diversos
autores,
é
o
responsável por sua própria construção de conhecimentos. O
professor é o propositor das estratégias de ensino, é aquele
que detém as estratégias e os instrumentos que auxiliarão,
segundo
(2005)
Zabala
e
Miras
(1995),
Campos
(2006)
o
e
Nigro
(1999),
Adorno
a
fomentar
novos
aluno
conhecimentos, incrementando sua rede através da interação
entre seus conhecimentos prévios e os conhecimentos novos.
Para tanto, o professor deve ter apego à diversidade,
isto
é,
como
a
construção
é
um
processo
pessoal,
que
depende daquilo que os alunos já sabem, e cada aluno traz
consigo
experiências
únicas,
cabe
ao
professor,
segundo
Zabala (1995), Schön (1998), Vigotski (2004), Solé e Coll
(2006) e Freire (2007), assumir uma postura reflexiva, capaz
de fomentar estratégias que contemplem a diversidade, sem
perder de vista um dado objetivo, ofertando desafios, auxílios
e avaliações apropriados.
44
Segundo Freire (2007), um profissional dito reflexivo vai
muito além do exposto acima. Ele deve exercer a prática
docente de forma crítica, implicando na dialética entre o
pensar certo, entre o fazer e o pensar sobre o fazer.
Schön (1998) exalta a importância de três instâncias de
reflexão. A primeira é a reflexão acerca da prática, que é o
momento em que o professor fomenta suas estratégias de
ação tendo em mente a teoria. A segunda instância é a
reflexão-na-ação, isto é, o valor do pensar e refletir durante a
execução
de
uma
atividade,
uma
vez
que
a
docência
implicará, impreterivelmente, e em especial na assunção do
ideário
construtivista,
em
situações
de
singulares,
imprevisíveis e de incertezas. A terceira instância é a que
tange
a
reflexão
acerca
da
reflexão-na-ação,
que
é
um
momento em que se analisa como foi procedida a reflexão
durante a execução da ação. É questionar a própria reflexão
momentânea
e,
dispondo
de
mais
tempo,
analisar
mais
densamente o evento, a reflexão e a ação tomada em um dado
momento.
Essa reflexão, inclusive, não precisa ser solitária. Ela
pode
ocorrer
Trivelato
com
os
(2005),
desverticalização
do
alunos,
o
que
ensino,
horizontalização do mesmo.
como
destaca
promove,
promovendo,
Pechilye
inclusive,
portanto,
e
a
uma
45
Ser um profissional reflexivo implica, segundo Schön
(1998) na dialética entre teoria e prática, significa refletir
sobre a teoria, sobre a prática, sobre a relação teoria e
prática e, não obstante, sobre as reflexões realizadas. O
intento deste professor é, por conseguinte, formar um aluno
também
reflexivo,
independentemente
da
área
que
este
seguirá. Nas palavras de Freire (2007), teoria e prática devem
se confundir, tamanha sua proximidade.
A este professor cabe, novamente, o papel de intentar,
de buscar o maior aproveitamento possível por parte de seus
alunos, como coloca Freitas (2003), o que também implica em
uma
abertura
intelectual
por
parte
do
profissional,
como
coloca Pechylie e Trivelato (2005), ou seja, é preciso que
haja um espaço para a admissão de erros, para análise dos
mesmos e para o diálogo entre docente e discente – e/ou
outros membros do processo educativo – a fim de fomentar
novas estratégias.
Outro aspecto apontado por Pechylie e Trivelato (2005) é
a
valorização
do
trabalho
coletivo
na
perspectiva
construtivista para o processo de ensino-aprendizagem, de
modo que a abertura intelectual seja uma moeda de duas
faces, isto é, que docentes e discentes estejam dispostos a
aproveitar erros para incrementar o processo. Essa,
inclusive, é uma grande diferença do ideário construtivista em
relação à Pedagogia da Transmissão: a valorização do erro.
46
Hadji
(2001),
Adorno
(2005)
e
Hoffmann
(2006)
preconizam o erro como parte integrante do processo de
aprendizagem e não como um não-acerto.
Segundo tais autores, o erro é uma oportunidade de
diálogo “silencioso”, porém, essencialmente revelador, entre
professor e aluno. O erro evidencia falhas no processo de
ensino-aprendizagem
e
oportuniza
uma
reavaliação
das
estratégias empregadas a fim de enunciar novas estratégias.
Para
a
concepção
capacidade
de
construtivista,
memorização
e
aprender
reprodução,
não
mas
é
a
sim
a
capacidade de reflexão, elaboração e produção. Deste modo,
o erro, segundo Hadji (2001) e Hoffmann (2006) pode ser
entendido como uma etapa do processo de aprendizagem,
principalmente pela assunção não-empírica da construção de
conhecimento e ciência, colocando o erro como uma “etapa”
valiosa para o ensino que visa formar alunos produtores de
conhecimento e não somente consumidores de conhecimento,
como colocado por Pechilye e Trivelato (2005). Para tal, como
já
colocado
por
Ferreira
(2008),
Piaget
diz
que
a
aprendizagem passa por um momento de desequilíbrio.
O
Campos
desequilíbrio,
e
Nigro
na
(1999),
proposição
é
de
entendido
Bastos
como
um
(1998)
e
conflito
cognitivo. Segundo tais autores, um conflito é estabelecido
quando um conceito prévio defronta-se com um fenômeno e/ou
47
com um conceito novo de modo que o conceito prévio se
mostra
insuficiente
apresenta
menos
para
coerente
explicar
e
tal
menos
fenômeno
ou
consistente
que
se
o
conceito novo.
Nesse momento de invalidação de conceitos prévios,
estes
não
devem
ser
tratados
como
erros
e,
portanto,
punidos, segundo Campos e Nigro (1999), Hadji (2001) e
Hoffmann
(2006),
este
momento
pode
ser
utilizado
como
propulsor do conflito cognitivo, como incitação para a busca
de novas teorias e resoluções e, logo, para estimular o ato de
reflexão.
É através desses encontros e reencontros entre novos e
“velhos” conceitos que a rede de conhecimentos se expande.
Rosa (1994) e Bastos (1998) definem conflito cognitivo como
o ato de reflexão que investiga resoluções para situações
e/ou
problemas
que
envolvam
e
demandem
mudanças
conceituais que, por sua vez, implicam na desconstrução e na
reconstrução de um conhecimento.
Tais conflitos precisam respeitar os preceitos da zona de
desenvolvimento imediato de Vigotski (2004), isto é, respeitar
o desenvolvimento das estruturas cognitivas do aluno, bem
como respeitar a profundidade de seus conhecimentos.
Para Vigotski (2004), o professor tem agora não o papel
de garantir a aprendizagem, mas de buscar estratégias de
48
ensino que ampliem as oportunidades de mediação para a
construção do conhecimento por parte do aluno, para esta
assunção, Solé e Coll (2006) levantam algumas questões
pertinentes para que o docente faça a si próprio, tais quais:
“qual o papel do ensino na construção pessoal?”, “o que é
construído?”,
“qual
o
papel
dos
conteúdos
ministrados?”,
“qual o papel da escola e da educação?” etc.
Ademais,
Freire
(2007)
destaca
que
ser
professor
demanda pesquisar, é ser crítico e ético, é aliar teoria e
prática sempre que possível, é formular um posicionamento de
identidade, é buscar abertura intelectual – o saber ouvir –, é
ser reflexivo, é buscar o diálogo, exige respeitar o educando,
exige liberdade e autoridade e exige também crer que mudar é
possível.
Mudar, para Rosa (1994), é um processo conflituoso,
árduo, trabalhoso e de bravura que demanda ruptura. Mudar é
romper com estigmas, é romper com o legado, é romper com o
comum.
É
ir
além
do
inovar.
Inovar
para
a
autora
é
acrescentar elementos novos que incrementam, mas que não
descaracterizam
um
dado
objeto.
Mudar,
pelo
contrário,
implica em descaracterizar. Inovar pode ser um estágio da
mudança, mas mudança sempre está além da inovação.
A opção pelo caminho do construtivismo é complicada
justamente a partir deste preceito: o mudar.
49
Como visto, a Pedagogia da Transmissão é um sistema
vigente longevo e estabelecido. Mudar tal quadro, tal adoção
implica em um olhar de desconfiança por parte da sociedade,
implica em alterações não só na concepção da educação, mas
na concepção do ser humano e do seu papel como cidadão.
O construtivismo muito se assemelha aos preceitos da
Pedagogia da Problematização de Bordenave (1984). O foco
do aprender aqui é o sujeito e sua interação com o meio, ou
seja, o professor deixa de ser o elemento mais importante de
todo o processo de educação, isto é, do processo de ensinoaprendizagem. O professor deixa de ser o único detentor do
conhecimento na sala de aula, ou seja, deixa de ser o dono da
verdade.
Tanto o conhecimento como a ciência são frutos de um
processo não pontual e contínuo, demanda trabalho e esforço
(ADORNO, 2005), são passíveis de serem falseados, como
coloca Marques (2008) acerca de Popper, passíveis também
de
serem
substituídos
ou
incrementados
por
novas
explicações mais coerentes e consistentes. Ademais, segundo
Hoffmann (2006), essa nova concepção de educação implica
na
retirada
das
mãos
do
professor
do
instrumento
de
disseminação de medo – a avaliação classificatória –, uma
vez que o erro não é mais um indicador de não-acerto, e,
portanto, uma arma da reprovação e classificação, mas sim
50
um elemento processual de diálogo, capacitando a reflexão e
o desenvolvimento de novas estratégias.
A função do professor deixou de ser a de um elemento
estático
de
depósitos
e/ou
aleatório,
como
coloca
Freire
(2007), Adorno (2005) e Freitas (2003), a educação tem de
ser
realmente
um
elemento
libertador,
que
promova
a
insubmissão e a curiosidade e os subsídios para a reflexão,
que se anteponha ao estado de menoridade auto-culpável
(KANT, 2001) e que isto está intimamente ligado a interação
entre os sujeitos e o meio.
Refletir, por sua vez, é outra função implícita no trabalho
do
professor na
concepção
construtivista,
segundo
Schön
(1998). Refletir antes, durante e depois, ou seja, o professor
não pode mais ser objeto de sua prática, como coloca Rosa
(1994), mas sim um sujeito efetor e responsável por sua
prática, não bastando a aplicação de técnicas, mas sim a
fomentação de estratégias que se baseiem nas singularidades
e na diversidade dos alunos, promovendo conflitos cognitivos
adequados aos alunos.
Mudar, portanto, significa não se limitar aos intuitos da
Pedagogia da Transmissão e assumir os da Pedagogia da
Problematização, significa romper com todos os paradigmas
expostos
acima.
Mudar
implica
em
combater
dogmas
da
educação ao apresentar um ideário totalmente novo – o do
51
construtivismo – que se fundamenta não no ensino, mas em
como se constrói a aprendizagem.
E,
sendo
o
foco
desta
nova
visão
a
aprendizagem,
pergunta-se: qual o novo papel da aprendizagem?
52
4. Aprender para quê?
Etimologicamente “aprender” é denotado como um verbo
transitivo
direto
que
indica
tomar
conhecimento
de
algo.
Também pode assumir forma transitiva indireta, em que a
implicação é tornar-se apto em função de algo; sua forma
bitransitiva, que implica em aprender algo de alguém; sua
forma intransitiva, que significa simplesmente em aprender e
reter algo.
Tal assunção soa fiel à concepção clássica de ensino,
soa fiel à sua significação denotativa e, por conseguinte,
vinculada ao conceito da Pedagogia da Transmissão.
Todavia, se há outras perspectivas acerca do ensino, há
outras acerca do aprender? Sim.
Se ensinar corresponde a ofertar um caminho, aprender,
sob este prisma, corresponde a caminhar.
Há uma relação intrínseca entre os conceitos ensinar e
aprender porque de acordo com a acepção de como se dá a
aprendizagem,
há
um
referencial
diferente
sobre
como
orientar o ensino.
Para este trabalho, responder a pergunta proposta no
título deste capítulo requer evocar a similaridade entre o
ideário construtivista e a Pedagogia da Problematização de
Bordenave
(1984).
Haja
dito
que
a
proposição
acima
53
contempla
três
proposições
de
abordagens
de
Mizukami
(1986), a humanista, a cognitivista e a sócio-cultural.
Segundo
consonantes
a
referida
autora,
além
de
Libâneo
(1982)
e
dos
Saviani
argumentos
(1984),
a
abordagem humanista entende, sinteticamente, o aprender
como um veículo para a descoberta de si mesmo.
Os
autores
supracitados,
acerca
da
abordagem
cognitivista, assumem que o aprender, novamente em termos
gerais, é um efetor investigativo que tem como objetivo o
“aprender a pensar”.
Por fim, ainda de acordo com os mesmos autores, a
abordagem
sócio-interacionista
concebe,
sucintamente,
o
aprender como aparelho conscientizador, que permite olhar,
refletir e atuar em sua sociedade.
Deste
modo,
se
a
proposição
da
Pedagogia
da
Problematização engloba as três abordagens dispostas acima
de Mizukami (1986), o aprender para Bordenave (1984), nessa
perspectiva,
é
um
promotor
do
auto-conhecimento,
de
pesquisa, de investigação e de análises que permitem uma
reflexão
acerca
de
si
e
da
sociedade,
acarretando
na
mobilização de incremento social para si e para o meio.
O referencial construtivista apoiado nos estudos, por
exemplo, de Vigotski (2004), Bastos (1998), Campos e Nigro
(1999)
e
Freire
(2007)
apontam
que
a
aprendizagem
é
54
caracterizada pelo crescimento e desenvolvimento pessoal,
que só ocorre a partir de um exercício de reflexão em que o
sujeito se vê analisando conceitos prévios e novos, fazendo
juízo dos mesmos – investigando-os – a fim de poder aplicálos em função de uma mobilização social ascendente.
São ideários símiles, como apresenta o mapa conceitual
abaixo.
Figura
1
–
Referencial
abordagem
Preceitos
do
aprender
Construtivista.
humanista
não
para
Deve-se
pressupõe
a
Pedagogia
ressaltar
a
que,
interação
da
e
do
epistemologicamente,
a
entre
Problematização
sujeito
e
meio.
A
aproximação dos conceitos foi feita levando em consideração o produto final de
cada abordagem, no caso, o desenvolvimento do sujeito (elaborado pelo autor deste
trabalho).
55
Sabido dessa semelhança, o próximo passo na busca da
centralidade deste capítulo passa pela proposição de uma
adjetivação do aprender.
Moreira (2008) traz que a escola atual – tradicional –
prima
por
assunção
uma
é
aprendizagem
amplamente
tida
consonante
como
com
mecânica.
a
Tal
denotação
do
verbo aprender. Aprender, aqui, contém um viés propedêutico,
utilitarista e efêmero. Aprende-se para conseguir um bom
desempenho
deve-se
em
ressaltar
uma
que,
avaliação,
segundo
comumente
Hadji
(2001)
uma
e
prova
–
Hoffmann
(2006), o ideário construtivista concebe a prova como uma
espécie de avaliação, mas ressalta que há outras formas de
avaliar, de modo que a prova é um dos instrumentos mais
tradicionais e de maior vigência na Pedagogia da Transmissão
–, para conseguir uma aprovação e/ou para utilizar em sua
profissão.
Não há, de acordo com Moreira (2008), um primor pelo
aprender por aprender. Desta forma, tudo o que é aprendido
mecanicamente precisa ter uma função específica, e, não
raro, essa função limita-se a um ou dois dias de “domínio” de
um dado conceito ou conteúdo, isto é, para uma iminente
aplicação.
Para Zabala (1995), esse não é o ideal da aprendizagem
para o ideário construtivista.
56
A busca do construtivismo é por uma aprendizagem tida
como
significativa
que,
para
Moreira
(2008),
em
termos
gerais, é aprender fomentando uma rede de significações que
passa não só por pensamentos conceituais, mas também por
sentimentos,
por
ações
e
por
procedimentos.
Aprender
significativamente é aprender com relevância, é aprender com
compreensão.
Em outras palavras, é aprender fomentando redes de
conhecimentos
objeto,
cada
(MACHADO,
conceito
e
1999),
cada
pois
se
fenômeno
entende
não
como
cada
um
elemento pontual, mas como um elemento que deve ser visto
e entendido por várias nuances.
Uma vez mais, o ideário construtivista é cunhado nas
críticas ao ensino tradicional. Enquanto o primeiro prega a
aprendizagem
com
compreensão,
o
segundo
prega
um
mimetismo de conceitos cujo caráter mnemônico é fugaz.
Todavia, há, então, uma dicotomia entre essas duas
assunções? Moreira (2008) deixa claro que não. Em verdade,
a aprendizagem é processual tal que, quanto mais se elabora
a rede de conhecimentos, mais significados são atribuídos e
que isso, em momento algum, exclui a possibilidade de incluir
e passar por aprendizagens mecânicas.
Taille (2002) é consonante com tal colocação, relatando
que
só
se
formula
redes
de
conhecimentos
significativas
57
empregando-se
tempo
e
esforço,
uma
vez
que
é
imprescindível que cada passo goze de sentido a fim de
mudar ou alterar, acrescentar ou incorporar novas nuances
em um dado ponto da rede.
A aprendizagem mecânica e a significativa não compõem
uma
dicotomia.
pensar
em
De
uma
aprendizagem
acordo
com
progressão
mecânica,
Moreira
em
que
enquanto
o
(2008),
pode-se
um
extremo
é
a
outro
extremo
é
a
aprendizagem significativa, de modo que entre elas há uma
zona
cinza.
aprendizagem
Esta
zona
cinza
sem
atribuição
de
é
o
intermédio
significados,
ou
entre
seja,
mecânica, e a aprendizagem com atribuição de significados,
ou seja, significativa.
Mas a maior parte da aprendizagem não se encaixa
totalmente como mecânica, nem tão quanto como significativa.
Conforme mais significados são atribuídos, ou seja, quanto
maior
a
complexidade
da
rede
de
conhecimentos,
mais
significativa é essa aprendizagem. Quanto menos complexa a
rede
e,
portanto,
aprendizagem,
mais
menos
significados
próxima
de
ser
são
atribuídos
mecânica
aprendizagem (MOREIRA, 2008; MACHADO, 1999).
O diagrama a seguir ilustra tal conceito.
é
à
essa
58
Figura 2 – Atribuição de significados na categorização da aprendizagem (elaborada
pelo autor deste trabalho).
O ideário construtivista intenta, ainda segundo o mesmo
autor,
aproximar
aprendizagem
o
sujeito
o
significativa,
máximo
tecendo
possível
o
maior
de
uma
número
de
significados em sua rede, como colocado por Machado (1999).
Para
tanto,
Taille
(2002)
ressalta
que
é
preciso
que
o
professor incite o aluno a transpor seus limites cognitivos,
que
o
auxilie
nesse
processo
a
fim
de
buscar
a
auto-
superação.
A criança, como coloca Vigotski (2004), é um sujeito que
percorreu,
até
o
momento,
um
percurso
menor
em
sua
formação biológica e cognitiva, que se deparou com menos
conflitos cognitivos.
Entretanto,
mesmo
antes
de
ingressar
na
escola,
a
criança desbrava alguns desses conflitos e constrói seus
conhecimentos. O que leva, portanto, a criança a superar
seus próprios limites sem a mediação de um professor?
Taille (2002) responde a essa pergunta ao colocar que
toda criança tem em si um desejo intrínseco e inegável de
59
superar seus limites a fim de deixar de ser criança. Crescer é
se
desenvolver
e
este
é
um
objetivo
inato
de
qualquer
criança. Está no cerne de suas motivações e isto implica em
superar limites, em vencer conflitos.
À escola cabe, segundo o referido autor, mostrar ao
aluno que o adulto enxerga que o trabalho é a chave do
crescimento e desenvolvimento. Que por trabalho, entende-se,
literalmente, empenho, de modo que os conteúdos escolares
demandarão esforço para serem assimilados e aprendidos
(ADORNO, 2005). Que, como processo, deverá ir e vir a fim
de fomentar a aprendizagem tida significativa. E que transpor
tal caminho leva o adulto – que é aquilo que a criança quer
ser – ao deleite, porque é o fruto do trabalho que provê e
intensifica o deleite, porque é o sinônimo de superar seus
limites.
Moreira (2008) distingue três formas de aprendizagem
significativa: a representacional, como o alfabeto, em que há
atribuição de significado a uma representação; a conceitual,
quando um elemento representativo traz consigo um conceito
– a exemplo, a assimilação de um objeto ao ler seu nome –; e
a proposicional, que é a atribuição de um valor universal para
um conceito – tal qual o conhecimento humano e/ou uma
teoria.
60
O
diagrama
sobre
as
categorias
de
aprendizagem,
portanto, poderia ser expresso da seguinte maneira:
Figura 3 – Atribuição de significados na categorização da aprendizagem (elaborada
pelo autor deste trabalho).
Notadamente,
o
próprio
conceito
de
aprendizagem
significativa traz uma idéia processual consigo.
É deveras importante que o ensino busque promover
condições
para
os
alunos
atingirem
uma
aprendizagem
significativa proposicional, porque é esta que permite um
crescimento em maior escala, é esta que provê a rede mais
rica em relações.
E qual a função de fomentar tal rede? Esta é, ora, a
resposta para este capítulo, é a resposta para a função do
aprender.
Deve-se
fomentar,
segundo
Moreira
(2008),
uma
aprendizagem significativa crítica, subversiva e antropológica.
Freire (1970) e Adorno (2005) são consonantes com esta
função do aprender.
61
Deve-se refutar ao conhecimento dogmático porque este
acarreta
na
submissão.
prosseguem
alertando
Freire
que
é
(1970)
preciso
e
Adorno
questionar
(2005)
para
se
libertar, que este é o fundamento e a paramentação para o
questionamento, seja do homem, seja da sociedade, seja do
conjunto,
vem
apenas
em
função
de
uma
aprendizagem
significativa.
Deve-se aprender para integrar-se, como coloca Moreira
(2008). Muito embora essa integração, essa inclusão, segundo
Freire (1970), deva ser de insubmissão, ou seja, inclui-se e
integra-se não para tão somente aceitar o meio – o que
levaria a uma inclusão excludente –, inclui-se e integra-se
para poder ser um catalisador de mudanças no meio.
Aprende-se
como
coloca
significativamente
Taille
(2002).
para
Aprende-se
transpor
para
limites,
poder
se
desenvolver, vencendo seus conflitos cognitivos, como aponta
Vigotski
(2004),
elevando
sua
zona
de
desenvolvimento
imediato.
Aprende-se para aprender a superar limites pessoais e
sociais. Aprende-se para crescer, integrar-se, para romper e
ser
livre.
Liberdade
fomenta
e
depende
de
liberdade
(ADORNO, 2005). Educa-se sempre para mudar (VIGOTSKI,
2004), portanto, aprende-se para mudar.
62
Experenciar essa liberdade é fundamental para que o
sujeito
seja
capaz
de
buscar
essa
liberdade
porque
as
sensações que uma experiência traz sempre são verdadeiras
(VIGOTSKI, 2004; ADORNO, 2005).
63
5. Histórico do RPG.
O RPG, sigla em inglês para Role Playing Game, é um
jogo de possibilidades inúmeras, que está em ascensão e em
expansão.
Defini-lo,
portanto,
é
um
exercício
complexo
mediante as suas várias ramificações.
A história do RPG começa em 1974 com o surgimento do
jogo
Dungeons
&
Dragons
(Masmorras
e
Dragões),
popularmente conhecido como D&D, que cunhava um novo
ramo na indústria de entretenimento.
Os parágrafos a seguir foram baseados em Johson et al.
(2004).
Seu
wargames
criador
(do
–
Gary
inglês,
Gygax
jogos
de
–
tinha
guerra).
como
Estes
hobby
os
consistem,
basicamente, em mapas que delimitam áreas e miniaturas
metálicas
para
brincar
de
simular
guerras
históricas,
de
fomentar estratégias para vencê-las.
Em 1971, Gygax desenvolveu um conjunto de regras para
poder incluir elementos de fantasia e magia aos wargames,
intitulado Chainmail.
No ano seguinte, Dave Arneson sugeriu a Gygax que ao
invés
de
controlarem
exércitos
inteiros
em
miniaturas,
passassem a controlar cada jogador uma única miniatura, um
único personagem. Ademais, sugeriu que essas miniaturas
e/ou personagens não se defrontassem mais, pelo contrário,
64
que agissem em conjunto para atingir um objetivo comum –
derrotar um vilão e obter recompensas.
Tais feitos fomentaram uma nova concepção de jogo que
foi, como supracitado, intitulado D&D e publicado pela TSR,
Inc..
O
material
elaboradas
por
consistia
Gygax
e
em
um
Arneson
livro
para
com
que
as
um
regras
jogador
pudesse assumir o papel de uma daquelas miniaturas, agora
entendidas como heróis.
A
partir
de
meados
da
década
de
setenta
e
principalmente na década de oitenta o jogo experimentou um
crescimento em diversas direções e nichos, aparecendo em
forma de jogos para computador, jogos para consoles, novas
edições do D&D, novos sistemas de RPG, desenhos em série,
cenários específicos, romances e etc.
O RPG chegou ao Brasil em 1991 através do sistema
GURPS, que é sigla para Generic Universal Role Playing
Game (JACKSON e REIS, 1999)
A etapa a seguir apresentará uma caracterização do
RPG.
65
6. Mecânica do RPG
Para a compreensão do RPG é interessante recorrer ao
desmembramento das palavras do inglês que compõe a sigla.
Role é um substantivo abstrato que designa papel (a ser
representado), playing é uma derivação do verbo to play que
não apresenta uma tradução direta e única para o português,
assumindo diversos significados, dentre os quais se destacam
brincar, jogar e interpretar; por fim, game é um substantivo
concreto que designa jogo.
Desse modo, o conceito de roleplaying não apresenta um
equivalente
em
português,
o
que
leva
muitos
autores
a
buscarem traduções aproximadas. Godoy e Andrade (2004)
sugerem,
por
representação,
exemplo,
mas
que
que
se
o
RPG
assemelha
é
um
mais
a
jogo
um
de
teatro
interativo do que propriamente a um jogo. Jackson e Reis
(1999) apresentam uma sugestão semelhante à supracitada,
colocando-o como brincadeira ou jogo de interpretação.
Um jogo narrativo de faz-de-conta é como define Lemke
(2005).
Essas muitas concepções de RPG não diferem quanto ao
seu significado final, de modo que, genericamente, o conceito
de “jogo narrativo de interpretação de papéis” é entendido por
todos os autores supracitadamente apresentados.
66
Contar
histórias
era
um
ato
muito
mais
comum
antigamente, em especial antes da televisão, do rádio e do
cinema de modo que, de acordo com Lemke (2005), após o
advento desses meios de comunicação, passou a ser incomum
contar histórias através de outros meios de comunicação que
não aqueles de alcance em massa.
Muniz (2002), sob esse prisma, afirma que nunca houve
tamanho poder de disseminação de histórias como o gerado,
por exemplo, pela televisão.
Segundo
o
mesmo
autor,
a
veiculação
massificada
dessas histórias acarretou em um perfil individualizante no
que tange as inter-relações pessoais e a interação entre os
ouvintes.
O RPG, segundo Lemke (2005) e Muniz (2002), é um
resgate
da
contação
de
histórias
que,
diferentemente
daquelas massificadas, demanda a participação e a interação
entre um grupo para que a história evolua até ser completada.
Esse
grupo
de
pessoas
é
denominado
grupo
de
jogadores que, de acordo com Wyatt (2008), se divide em
duas categorias: mestre e personagens.
A primeira categoria, – o mestre – chamada por Lemke
(2005)
de
narrador,
apresenta
as
seguintes
funções:
narrar/contar a história, fomentar aventuras, mediar eventos e
arbitrar.
67
Lemke (2005) relata que cabe ao mestre apresentar o
arquétipo de uma história central. Essa história, sob o prisma
le va ntado po r W yat t (2008 ), de ve subsid ia r a ima gina ção dos
jogadores a fim de permitir que eles percebam e visualizem o
cenário e a atmosfera em que o jogo se passa.
W yatt
(2008)
ainda
sugere
que
essa
narração
seja
interpretada, ou seja, que receba uma entoação apropriada ao
tema proposto, provendo uma melhor ambientação e inserção,
tornando a narrativa mais verossímil.
Esse arcabouço geral que é essa primeira etapa de
narração é deveras aberto e abrangente, possibilitando uma
série de rumos, ou seja, é uma ambientação, é um cenário e,
portanto, sem um objetivo. Isso leva o mestre/narrador a
fomentar uma série de acontecimentos em cadeia, como as
cenas
de
um
teatro,
apresentando
objetivos
explícitos,
denominadas por Collins, et al. (2008) como aventuras.
Uma aventura é composta por uma série de eventos
inter-relacionados
mediados
pelo
mestre.
Segundo
W yatt
(2008), os eventos que ocorrem em uma aventura podem
ocorrem com ou sem combate.
Lemke
(2005)
conflitos
ou
qualquer
história,
tornando-a
considera
combates
mais
como
as
situações
os
promovendo-a
notória
que
uma
que
promovem
grandes
chamarizes
intensa
e
história
de
vividamente,
simples,
sem
68
conflitos, em que alguém, por exemplo, apenas vai e volta de
uma mercearia.
As aventuras demandam aventureiros, como destacado
por Collins et al. (2008), e esses aventureiros são a segunda
categoria de jogadores – os personagens.
Eles são os protagonistas da história, interferindo nela
diretamente de acordo com suas escolhas e ações. Muniz
(2002) destaca que
os
personagens
são elaborações
dos
jogadores, o que é reiterado na proposição de Lemke (2005)
que entende os personagens como uma criação imaginária
dos jogadores que, apesar de irreais, carregam nuances da
vivência do jogador.
Os
personagens
usualmente,
cada
são
jogador
controlados
responde
por
pelos
um
jogadores;
personagem.
Estes personagens, comumente, são representados por fichas
que servem como um memorando das habilidades, utensílios e
demais pormenores que os caracterizam. Todos os autores
são consonantes quanto a essa proposição.
Os
embate
eventos
entre
personagens,
personagem
conflitantes,
duas
ou
todavia
e
um
mais
seja
portanto,
partes.
mais
coadjuvante
(COLLINS et al., 2008).
apresentam
Pode
comum
ocorrer
ocorrer
controlado
um
entre
entre
pelo
um
mestre
69
Esse coadjuvante é chamado por Collins et al. (2008) de
NPC (do inglês, Non-Player Character) e desempenha funções
que dão homogeneidade para a história. São interpretados
pelo mestre, são as personagens do mestre.
Esses embates são viabilizados e regidos por sistemas
de regras específicos.
Como tais sistemas de regras visam trazer fidedignidade
e verossimilhança ao RPG, cada um é pensado para satisfazer
as peculiaridades do cenário e ambiente em questão.
Collins et al. (2008), responsáveis pela quarta edição de
Dungeons & Dragons, que é um RPG contextualizado em uma
era medieval com elementos de fantasia, propõem um sistema
de regras, por exemplo, que prevê determinados pontos que
não estão previstos em outras ambientações que façam uso
de outros sistemas, a exemplo de Changeling: O Sonhar,
idealizado por Lemke, que tem uma ambientação moderna com
uma proposta de dualidade entre dois mundos específicos e
intercomunicáveis. Do mesmo modo, o sistema idealizado por
Lemke apresenta peculiaridades que o Dungeons & Dragons
não prevê.
Alguns por sua vez surgem com uma proposta mais
aberta, sem atrelar o sistema a um cenário, gerando um
sistema
“genérico”
sistema
OPERA
que
(sigla
seja
para
de fácil
adaptação,
Observadores
caso
Perdidos
do
Em
70
Realidades Alternativas), ou de GURPS (sigla derivada do
inglês para Generic Universal Role Playing System).
Além dos encontros com combate há também os eventos
sem combate que, como mencionado Collins et al. (2008), são
todos aqueles fundamentados em outros elementos da trama,
como se deparar com uma armadilha, ter de resolver um
puzzle (do inglês, significa enigma, quebra-cabeça, porém,
tornou-se jargão para um evento que demanda reflexão para
que seja transposto), descobrir caminhos para transpor um
obstáculo, realizar trabalhos investigativos ou mesmo eventos
de cunho social-interativo, como conversar ou debater com um
NPC; tentar persuadir alguém, negociar ou barganhar algum
produto ou a liberdade de uma escrava e etc.
Os eventos com e sem combate dão endosso à aventura,
são acontecimentos que ocorrem para servir de trilha para os
jogadores. Comumente tais eventos surgem como obstáculos
que requerem um trabalho cooperativo, como ressaltado pelos
autores supracitados.
A
mediação
e
articulação
desses
eventos
encontram
alicerces, para se tornarem verossímeis, nas regras, como
ressalta Lemke (2005).
Collins et al. (2008) compara o mestre/narrador a um
juiz, a um árbitro esportivo, que é essencial para a conduta
do jogo, mas que não o conduz efetivamente.
71
Lemke (2005) explicita que o papel do mestre/narrador
também passa por interpretar as ações dos jogadores, “cruzálas” com as regras do jogo, ou seja, arbitrar, e então dar a
réplica de como o cenário, os personagens não-jogadores e o
faz-de-conta em geral se comporta em resposta à ação do
jogador. O autor enaltece o papel do mestre/narrador como o
de mantenedor de um equilíbrio meticuloso entre a narração e
o arbítrio, bem como entre a história e o jogo.
Lemke
(2005),
inclusive,
aponta
a
busca
pela
imparcialidade pelo qual o mestre tem de primar em seu
exercício de arbitrar acerca das ações efetuadas, sendo o
mais fiel possível à realidade, ou seja, fazendo uso das
regras sem ignorar a criatividade dos personagens.
Em
adição
a
esse
conceito,
pode
ser
agregado
o
levantamento que W yatt (2008) faz sobre o mestre/narrador
exercer a função de antagonista em uma aventura e, portanto,
em um cenário. Esse antagonista, no entanto, não joga contra
os personagens, o insucesso dos personagens é o insucesso
do
mestre/narrador,
trabalho
em
equipe
que
tem
entre
os
como
objetivo
personagens
fomentar
para
que
o
os
obstáculos e desafios sejam transpostos.
O papel do mestre demanda um exercício de reflexão e
de mediação. A ele também cabe interpretar e representar,
ademais,
cabe
narrar
uma
história.
Em
analogia
com
72
construção de um edifício, o mestre é aquele que provê a
ferragem
necessária
para
a
sua
construção.
Contudo,
ao
analisar as ferragens de uma edificação é possível antever o
que será construído? Tornar-se-á uma loja, um consultório ou
uma padaria?
O papel do mestre é esse, prover as ferragens. O que
será
construído
a
partir
das
ferragens
está
à
mercê
da
criatividade, imaginação e participação dos jogadores, porque
são
eles
que
completam
a
história
proposta
pelo
mestre
(LEMKE, 2005).
Para que essa história seja completada, deve existir uma
sintonia entre o mestre/narrador e os demais jogadores, entre
a contação de histórias por parte do narrador, a qual deve ser
interpretada e representada por todos os jogadores, que neste
momento atuam como mediadores uns dos outros. O suporte e
o respaldo para essa teatralização é encontrado, como já
revelado por Lemke (2005), nas regras, que propiciam um
impulso
realista
e
auxiliam
na
direção
e
orientação
do
progresso da história.
O referido autor compara o mestre/narrador a um artista
porque em algum momento ele cria, descreve e narra um
cenário, porque em muitos momentos ele arbitra e relata as
respostas e o que está acontecendo no mundo criado por ele
e porque é o responsável por contrabalancear e ponderar
73
entre as regras e a interpretação, ou seja, novamente arbitrar.
Dessa forma, é de se pressupor que o mestre/narrador seja
uma figura extremamente ativa no exercício de contação e
narração da história. Entretanto, ainda mais ativos nesse
quesito
são
os
jogadores
personagens,
que
estarão
integralmente agindo e reagindo em função da “ferragem”
proposta
pelo
acabamento
mestre,
final
peculiaridades
da
de
ou
seja,
o
trabalho
“edificação”,
suma
relevância
as
da
de
adorno
e
meticulosidades
e
história
são
dadas
pelos personagens e não pelo mestre.
As possibilidades de interação entre as personagens e o
mundo em que se passa a história são capazes de modificar o
curso
dos
narração
acontecimentos,
de
acordo
com
de
três
acarretar
fatores:
implicações
a
na
imaginação,
o
background (jargão do RPG para tudo aquilo que envolve as
motivações da personagem em questão, como seu passado,
religião e personalidade) e à aplicação de testes (COLLINS et
al., 2008).
Há livre arbítrio para que os personagens escolham seus
comportamentos,
o
que
usualmente
corresponde
a
uma
contra-ação do mestre/narrador, ainda segundo os mesmos
autores, mediante seu background e a permissibilidade da
ação intentada. Trocando em miúdos, algumas ações são
automáticas – na maioria das vezes –, como conversar com o
vizinho
–
exceto
se
estiver
amordaçado,
por
exemplo.
74
Algumas ações implicam em testes que fazem uso dos dados,
a exemplo, tentar escalar uma montanha. Tais testes estão
condicionados
ao
sistema
utilizado.
Algumas
ações
não
podem ser realizadas – a não ser, novamente, em situações
de exceção –, como um ser humano tentar voar fazendo uso
apenas da flexão de seus membros e de uma capa.
Todas
essas
ações
ocorrem
por
entre
os
eventos
supracitadamente esclarecidos. Tais ações guiam a história
rumo a uma progressão.
Lemke
(2005)
explicita
que
esse
progresso ocorre ao passo que os personagens são testados
ante suas capacidades e suas fraquezas, acarretando também
na progressão dos personagens.
Essa progressão proposta por Lemke (2005) é similar em
conceito aos esquemas de obtenção de experiência de Collins
et al. (2008), de modo que ambos premiam os personagens
conforme
a
história
desempenhadas
com
evolui
sucesso.
e
conforme
Cada
as
sistema
ações
possui
são
suas
regras específicas para atribuição de pontos de experiência e
para a
evolução dos personagens, mas todos aludem ao
esquema de evolução da história atrelado sucesso das ações
dos personagens.
Uma aventura, como já exposto, possui um objetivo mais
definido. No entanto, o jogo pode ir além de uma aventura,
75
pode ser composto por uma cadeia de aventuras, o que se
d e n o m i n a c o m o c a m p a n h a (W Y A T T , 2 0 0 8 ) .
Durante a campanha é possível observar uma série de
evoluções nos personagens.
Conforme vão adquirindo experiência, ou seja, conforme
vão completando e suplementando o arquétipo de ferragens
proposto pelo mestre/narrador, os personagens aumentam sua
experiência até que, em determinados pontos da história, tais
pontos
possam
ser
convertidos
em
novas
habilidades
ou
mesmo servirem para incrementar habilidades já conhecidas.
Tal progressão é mais facilmente vivenciada em campanhas,
uma vez que são mais longevas, visto que englobam várias
aventuras que guiam o grupo de personagens a um objetivo
m a i o r (W Y A T T , 2 0 0 8 ) .
W yatt (2008) esclarece que diferentemente de outros
jogos, o RPG não tem como função estabelecer um ganhador
e
um
perdedor,
fundamentalmente
ponto,
Muniz
ao
o
(2002)
contrário,
trabalho
tem
como
cooperativo.
argumenta
de
preceito
básico
Acerca
desse
forma
semelhante,
reforçando a idéia de que não há vencedores exclusivos, que
todos vencem quando constroem uma boa história. Lemke
(2005)
e
concepção.
Godoy
e
Andrade
(2004)
corroboram
dessa
76
Para Lemke (2005) e Muniz (2002), o RPG é um jogo de
liberdade, onde o faz-de-conta torna-se autêntico e esquivo
da oligarquia de criadores de mitos que guiam a imaginação
das massas.
Para dar vida e corpo a essa imaginação, Collins et al.
(2008) elencam a necessidade de apenas quatro elementos
básicos: um mestre, jogadores, aventura(s) e dados.
As experiências de sucessos e insucessos, bem como,
de acordo com Lemke (2005), as revisitações à cultura, aos
valores e ao âmago de cada um em diversas situações levam
a um conhecimento de si mesmo através do RPG.
Em acréscimo, pode-se colocar os dizeres de Godoy e
Andrade (2004), amplamente consonantes ao dizer, inclusive,
que além do exercício de auto-conhecimento promovido pelo
RPG, há também o exercício de conhecimento do próximo,
uma
vez
que
cada
personagem
contém
peculiaridades
e
partes da personalidade de cada jogador.
Muniz (2002) incrementa essa acepção que durante uma
sessão
de
RPG
há
liberdade
de
escolha
para
criar
e
interpretar um personagem totalmente averso a si ou sua
própria personificação, mas que em ambos os casos haverá
uma herança de seu criador.
Jackson e Reis (1999) realçam o fenômeno de contação
de
histórias
interativas
e
singulares
provido
pelo
RPG.
77
Diferentemente da contação de histórias normais, em que já
se conhece o ponto de partida, os caminhos e o ponto de
chegada, ou, trocando em miúdos, é uma história engessada,
passível de replicação previsível, com no máximo ressalvas
de inflexões ou utilização de palavras diferentes, o RPG não é
engessado, sofrendo articulações e alterações em conjunto
por
mestre
e
personagens,
tornando-o
inequivalente
com
histórias comuns.
Lemke (2005) denota que brincar de contar tais histórias
é ser artista, relatando e narrando conforme a si próprio,
conforme a própria cultura; Godoy e Andrade (2004) são
consonantes com os argumentos levantados por Lemke (2005)
ao relatar a capacidade de incremento às potencialidades
artísticas de mestres e personagens que o RPG apresenta – a
criação
de
um
enredo,
a
elaboração
de
um
cenário,
a
atuação/teatralidade etc.
É revelador e estimulante, é uma oportunidade de deixar
de ser carregado pelas histórias fechadas, provendo a chance
de formulação e, portanto, colaborando no entendimento da
vida adulta (LEMKE, 2005).
Um provérbio adaptado é utilizado por Muniz (2002) para
endossar
máscaras,
tais
uma
argumentos,
para
cada
alegando
que
situação
ou
todos
utilizam
necessidade.
O
personagem, nessa acepção, portanto, seria mais uma dessas
78
máscaras, e não seria surpresa alguma utilizá-la, uma vez que
o homem brinca desse faz-de-conta desde os primórdios de
sua socialização, seja brincando de polícia e ladrão enquanto
criança, seja enquanto adulto, sendo simultaneamente pai,
profissional e um humano passível de socialização.
Godoy e Andrade (2004) ressaltam que um RPG não tem
um final propriamente dito, o que apresenta um final são
aventuras. O objetivo do jogo é a participação em uma boa
história na qual haja sincera cooperação entre as partes para
a sua gênese e para a transposição de obstáculos, aludindo o
que foi colocado nesse sentido por Lemke (2005) e Collins et
al. (2008). Tais preceitos de criação coletiva e cooperação
são corroborados por Jackson e Reis (1999) bem como por
Muniz (2002).
“O RPG é uma forma de ficção, e o direito à fantasia é
inalienável.” (ZANINI, 2002, p. 5).
79
7. Análise e discussão.
Para
conhecer
construção
de
e
analisar
conhecimento
as
que
o
oportunidades
RPG
propicia,
de
suas
características serão analisadas à luz do referencial teórico.
A
análise
intituladas,
será
feita
através
respectivamente,
de
“O
de
duas
Papel
categorias,
do
Mestre
e
Personagens” e de “O Papel do RPG”.
7.1. O papel do mestre e dos personagens.
A proposição desse capítulo é entender quais as novas
perspectivas
para
professores
e
alunos
no
papel,
respectivamente, de mestres e personagens.
Antes de analisar tal caractere, deve-se ressaltar que a
distribuição de papéis não necessariamente precisa ser dessa
forma.
Há
condições
de
um
aluno
ser
o
mestre,
de
um
conjunto de alunos e assim por diante. A distribuição de
papéis foi colocada dessa forma para efeito de análise.
Mestres
são
aqueles
que
propõem
um
arquétipo
de
história (LEMKE, 2005) que deve subsidiar as escolhas de
caminhos por parte dos personagens para a elaboração da
h i s t ó r i a (W Y A T T , 2 0 0 8 ) .
Ao
olhar
para
a
Pedagogia
da
Transmissão
(BORDENAVE, 1984), nota-se uma dissonância, uma vez que
80
o professor é o centro do processo de ensino-aprendizagem e
não um agente que participa desse processo em conjunto com
o aluno. Para Rosa (1994), o papel do professor é o de
articulador de estratégias que favoreçam o desenvolvimento
dos alunos.
Nesse sentido, Muniz (2002) diz que os personagens são
os protagonistas da construção da história e que isso está
intimamente relacionado, de acordo com Lemke (2005) com as
experiências de vida de cada jogador.
A
proposição
(BORDENAVE,
1984),
da
Pedagogia
bem
como
o
da
Problematização
ideário
construtivista,
prevê o indivíduo como a entidade atuante na construção de
seu conhecimento, no desenvolvimento de sua aprendizagem,
e que isso está diretamente relacionado com a “bagagem” que
é trazida em sua experiência de vida, argumento o qual é
corroborado por Rosa (1994), Bastos (1998), Freire (2007),
Vigotski (2004), Zabala (1995), Campos e Nigro (1999) etc.
Para que os alunos desenvolvam a história, o mestre
propõe aventuras (COLLINS et al., 2008), que são uma série
de eventos, uma série de estratégias seqüenciais que servem
de norte, de orientação para as tomadas de decisões e ações
dos personagens (W YATT, 2008).
Reitera-se aqui que o mestre traz orientações para os
jogadores, ele não os efetivamente conduz. Tais argumentos
81
são
consonantes
com
os
argumentos
de
Zabala
(1995),
Campos e Nigro (1999) e Miras (2006) quando estes apontam
que o papel do professor é o de fomentar as estratégias de
ensino
que
auxiliarão
os
alunos
na
construção
de
conhecimento.
Para
portanto,
que
das
o
desenvolvimento
histórias,
tenha
dessas
aventuras
verossimilhança,
cabe
e,
ao
mestre assumir uma postura de reflexão entre as ações dos
personagens
com
as
regras
do
jogo
e
também
com
os
objetivos da história/aventura (LEMKE, 2005; COLLINS et al.,
2008).
Tem-se, portanto, que o papel de reflexão do mestre
começa antes mesmo do RPG. Ou seja, se é de acordo com
cada sistema de jogo que se tem um dado sistema de regras
propício ou não para o desenvolvimento da aventura, cabe ao
mestre, mediante seus objetivos, refletir sobre qual o sistema
de
jogo
terá
as
regras
mais
adequadas
para
o
desenvolvimento da história.
Collins et al. (2008) coloca que o mestre é tal qual um
juiz esportivo, isto é, cada ação dos jogadores demanda um
ato de reflexão por parte dos mestres para que este arbitre as
conseqüências
da
referida
ação
em
relação
ás
regras.
Ademais, Lemke (2005) ressalta que também é papel do
82
mestre mediar como o cenário responde em função de uma
dada ação.
Tais colocações são deveras semelhantes com o papel
do profissional reflexivo apontado por Schön (1998) e Freire
(2007) que dizem que o professor deve ter uma postura crítica
e reflexiva. Que a reflexão precede a ação, semelhante à
escolha de um sistema de regras adequado, por exemplo; que
a reflexão ocorre no durante a ação, símile à mediação açãoresposta do cenário; que a reflexão ocorre após a ação,
bastante próximo da reflexão demandada por parte do mestre
no que tange as próximas estratégias de desenvolvimento da
história.
Seria
incoerente,
no
entanto,
afirmar
que
cabe
tão
somente ao mestre o papel de mediação entre ação-resposta
do cenário.
Sendo os jogadores a parte mais relevante da história,
sendo aqueles que de fato executam ações, cada ação de um
personagem reflete direta ou indiretamente em cada outro
personagem. Muitas das nuances de resposta a uma ação
também é dada pelos próprios personagens, visto que são
eles que “adornam” a ferragem proposta pelo mestre (LEMKE,
2005).
Collins et al. (2008) aponta que a interação personagempersonagem, ou seja, a relação de grupo, é amplamente
83
importante para o desenvolvimento da história tanto para a
manutenção de seu curso quanto para alterações nesse curso.
Libâneo (1982) e Saviani (1984) já traziam a importância
do
trabalho
em
grupo
para
desenvolvimento
de
uma
sociedade. A esse respeito, Freire (1970), Freire (2007) e
Bourdieu
(1998)
apontam
a
necessidade
da
escola
de
entender-se como um veículo de mobilização social e que isso
automaticamente
passa
pelo
trabalho
em
grupo.
Para
Bordenave (1984), é ao passo que se desenvolve a relação de
interação entre os sujeitos e destes com o meio que se
desenvolve a aprendizagem.
Essa interação favorece o processo de revisitação à
cultura que, de acordo com Lemke (2005), ocorre em diversas
situações diferentes. Tais revisitações, de acordo com Godoy
e
Andrade
(2004),
propiciam
um
exercício
de
auto-
conhecimento que é reiterado e ratificado a cada ação do
personagem.
Essas ações que passam pela revisitação da cultura são
elementos importante para Zabala (1995) no que tange o
trabalho de conceitos que vão além dos factuais, ou seja,
também trabalham os conceitos atitudinais e procedimentais.
Essa
saberes
experimentação
favorece
desenvolvimento
do
o
que
articula
os
auto-conhecimento,
indivíduo
o
que,
por
três
tipos
de
favorece
o
conseguinte,
84
favorece a articulação de mais conhecimentos, estabelecendo
um feedback positivo entre os saberes e o desenvolvimento
do indivíduo (VIGOTSKI, 2004).
Os personagens, por serem parte efetiva na elaboração
do conhecimento deixam de ser consumidores e passam a ser
produtores de conhecimento (PECHYLIE e TRIVELATO, 2005)
uma vez que, de acordo com Lemke (2005), os jogadores
passam a ser autores, tendo suas potencialidades de criação
trabalhadas.
Conforme tais potencialidades são postas a prova, ou
seja, são trabalhadas, os personagens vão se desenvolvendo
e a d q u i r i n d o e x p e r i ê n c i a (W Y A T T , 2 0 0 8 ) . E s s a e x p e r i ê n c i a é
tal qual uma “rede de domínios” do personagem, de modo que
quanto mais desenvolvida, mais capacidades o personagem
tem.
Machado
(1999)
e
Moreira
(2008)
apontam
que
a
aprendizagem é um trabalho processual que quanto mais se
desenvolve, mais complexa é a rede de conhecimentos uma
vez que esta contém mais
significados e, portanto, mais
significativa é a aprendizagem. Olhando pelo prisma de Lemke
(2005) sob esse aspecto, tem-se que os personagens tem no
RPG a oportunidade de trabalharem seu entendimento da vida
adulta conforme vão vivenciando e transpondo as aventuras
(W YATT, 2008), ou seja, transpondo as situações conflituosas
85
que
lhes
são
apresentadas,
tal
qual
a
transposição
de
conflitos cognitivos (BASTOS, 1998) que propicia um avanço
na zona de desenvolvimento imediato, ou seja, elevando seu
estágio
de
desenvolvimento
cognitivo,
sua
zona
de
desenvolvimento real (VIGOTSKI, 2004).
Mestres e personagens têm papéis distintos, mas ambos
possuem um mesmo objetivo que é o trabalho cooperativo a
fim do desenvolvimento da contação de historia, de tal modo
que e o insucesso e o sucesso dos personagens é também o
insucesso e o sucesso do mestre (W YATT, 2008).
Hadji (2001), Adorno (2005) e Hoffmann (2006) colocam
que o processo de ensino-aprendizagem, e, portanto, o de
avaliação,
concebe
o
insucesso
e
o
erro
como
uma
oportunidade de reflexão, de trabalhar estratégias e conceitos
buscando a construção de conhecimento. E, como de acordo
com a Pedagogia da Problematização, professores e alunos
são agentes efetores no processo de ensino-aprendizagem,
tem-se que o trabalho em sala de aula deve ser cooperativo e
que os sucessos e os insucessos são de responsabilidade de
ambas as partes.
A análise posterior buscará evidenciar os traços que o
RPG,
enquanto
entidade,
adotado neste trabalho.
traz
de
pertinente
ao
ideário
86
7.2. O papel do RPG.
Além do papel de mestres e personagens, a essência do
RPG também traz características pertinentes à educação.
Lemke (2005) e Muniz (2002) apontam o RPG como um
resgate ao ato de contar histórias e que, diferentemente
daquelas veiculadas de forma massificada, o RPG conta uma
história interativa. Os jogadores participantes – mestres e
personagens – constroem juntos tais histórias.
Essa é uma característica fundamental segundo o prisma
de Adorno (2006), uma vez que a interação entre os jogadores
demanda diálogo e reflexão, propiciando um âmbito formativo.
Para
o
autor,
um
meio
que
pretende
ser
formativo
demanda a participação ativa do indivíduo, no caso, o aluno,
na
construção
estabelece-se
de
um
conhecimento
quadro
em
crítico
que
o
ou,
meio
do
contrário,
passa
a
ser
informativo e não mais formativo.
No RPG, mestres e personagens, professores e alunos
são
agentes
que
medeiam
a
construção
da
aventura
cooperando uns com os outros (GODOY e ANDRADE, 2004;
LEMKE, 2005; COLLINS et al., 2008; W YATT, 2008). Em uma
sala de aula, na perspectiva problematizadora/construtivista,
o professor deve ser o articulador do ensino (ROSA, 2004)
que busca o maior êxito possível com seus alunos (FREITAS,
2003). Ou seja, os objetivos são equiparáveis.
87
Muniz (2002) aponta o perfil individualizante acarretado
pela massificação da veiculação de histórias e, portanto, de
conhecimentos.
Para Adorno (2005), uma situação de não-interação, de
não questionamento gera um vício dogmático de aceitação de
conhecimentos
consciência
e
conceitos
intransitiva
e
monoculares.
falsa,
gera
Gera
uma
acomodação
e
estratificação.
Esse quadro supracitado é exatamente o papel oposto
que a educação tem de ter (FREIRE, 1970; FREIRE, 2007).
A educação tem de ter um caráter libertatório (FREIRE,
1970, 2007) e emancipador (ADORNO, 2005), mas para tanto,
os alunos precisam experimentar a liberdade.
O RPG, como coloca Lemke (2005) e Muniz (2002) é um
jogo de liberdade, é um movimento opositor a oligarquia de
conhecimento. O RPG, portanto, é uma via libertatória ainda
que possa fazer uso de uma série de elementos fantasiosos e
imaginários.
Vigotski (2004) aponta que ao ouvir uma história, ao ver
um
filme
etc,
apesar
daquele
conteúdo
ser
de
fruto
imaginativo, as sensações que acometem o corpo enquanto tal
evento é acompanhado são reais.
88
Adorno (2005) diz que liberdade depende de e fomenta
liberdade. Experienciar a liberdade através do RPG provê,
portanto, uma experiência libertatória que pode ser levada
para a vida.
Quando o RPG traz uma série de situações conflitantes,
sejam elas com ou sem combate, (COLLINS et al., 2008) que
devem ser superadas pelos jogadores,
ele flerta com a
superação de limites.
Taille (2002) ressalta que superar limites é um desejo
intrínseco ao aluno e que é desta superação que parte o
crescimento e o desenvolvimento do mesmo.
Em analogia com o acúmulo de experiência por parte dos
personagens (COLLINS et al., 2008), é conforme os limites
são superados a fim de transpor, de superar e de completar
uma
aventura
que
se
tem
o
desenvolvimento
desses
personagens. É assim que um aluno se desenvolve no RPG,
através da interação para a superação de limites.
Nesse
quadro,
os
jogadores
passam
a
vivenciar
situações de autonomia e de autoria, uma vez que parte deles
a proposição de caminhos que os levam a um sucesso e,
ademais, que isso promove o desenvolvimento da história que
é contada por eles mesmos.
Vigotski (2004) defende o papel do lúdico na educação
porque no que tange a preparação psicológica da vida adulta,
89
é através de brincadeiras, contos de fada etc que se tem o
primeiro
contato
acréscimo,
com
pode-se
“simulações”
colocar
os
da
vida
apontamentos
adulta.
de
Em
Adorno
(2005) sobre a necessidade de experimentar uma situação
diferente
daquela
que
se
pretende
desvencilhar,
que
se
pretende romper.
Se educar significa mudar, como coloca Vigotski (2004)
e a
educação
é um
exercício de experienciar (ADORNO,
2005), tem-se, portanto, que o RPG é uma escolha que provê
experiências, que busca mudanças.
Se a educação é uma escolha política sobre o cidadão
que
se
escolher
quer
uma
libertatória.
formar
(ZABALA,
educação
que
2002),
escolher
possibilite
uma
o
RPG
é
experiência
90
8. Considerações finais.
Uma série de autores, inclusive Adorno (2005), apontam
que o grande problema da educação não é metodológico e sim
acepcional.
Deve-se dizer que o RPG tal como foi apresentado não é
a via única de mudança para a educação e, ademais, o RPG
não é uma “via”, uma ferramenta ou uma atividade de ensino.
Nem tão quanto foi concebido a sua aplicação na educação
como um jogo em si.
O
RPG
aqui
foi
entendido
como
uma
proposta
educacional.
De
acordo
com
Zabala
(2002),
a
educação
é
uma
atividade de cunho político e intencional que reflete o cidadão
que se quer formar, portanto, o RPG foi entendido como uma
proposta
que
FREIRE,
2007)
objetiva
e
um
cidadão
emancipado
livre
(FREIRE,
(ADORNO,
2005),
1970;
que
se
oponha a menoridade auto-culpável (2001).
Mais
estudos
certamente
são
necessários
para
o
entendimento maior do como essa nova proposta se insere na
educação, analisando suas contribuições e limites.
Entende-se, no entanto, que tal como coloca Bourdieu
(1998), não é através da escola do passado que se chegará à
sociedade
do futuro. Acerca
antinomia
que
se
disso, Adorno
estabeleceu
entre
uma
(2005) traz a
sociedade
tão
91
avançada cientificamente como a nossa em relação ao atraso
da educação.
Sendo
o
RPG
uma
proposta
inovadora,
ou
seja,
representando uma mudança necessária no âmbito educativo,
cabe a antecipação de que não faltarão opositores a tal
mudança que alegarão ver aqui não uma possibilidade real de
ruptura, mas sim uma utopia (ADORNO, 2005).
Ademais,
estudos
também
são
necessários
para
desenvolver e fomentar formas para efetivamente levar o RPG
para a sala de aula.
92
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