Lacerda, Joao Batista. 1911. Sur les métis au Brésil, Congrès Universel des Races, Paris,
Imprimerie Devouge.
Lacerda começa sua comunicação discutindo se brancos e negros formam duas
espécies diferentes ou apenas duas raças. A questão é levantada com dois objetivos:
diminuir a distância entre brancos e negros, e introduzir justamente o objeto da
comunicação: os mestiços. A resposta de Lacerda vem com a explicitação de uma regra
geral:
“Se os ascendentes [do cruzamento] continuam a se reproduzir em gerações
sucessivas, os reprodutores constituem uma raça; se, ao contrário, estes
descendentes são estéreis, os reprodutores que fizeram o cruzamento constituem
uma espécie.” (Lacerda 1911: 2)
Os mestiços, Lacerda se apressa a explicitar em seguida, não constituem,
entretanto, uma nova raça. Seus caracteres físicos tendem a oscilar entre o branco e o
negro1. Temos, portanto, traçado desde o início de sua comunicação as distâncias e
proximidades que a tese de Lacerda irá estabelecer: o mestiço pode se aproximar do
branco e ser reabsorvido por ele; o negro permanece distante e tenderá a desaparecer.
O negro é culpabilizado pelo que há de baixo e vil nas raças brasileiras
“É de propósito que citamos tais fatos [intimidade social e sexual entre brancos e
negros] pois os julgamos muito importantes para explicar como os vícios do negro foram
inoculados na raça branca e nos mestiços. Vícios de linguagem, vícios de sangue,
concepções erradas sobre a vida e a morte, superstições grosseiras, fetichismo,
incompreensão de todo sentimento elevado de honra e de dignidade humana, sensualismo
baixo, tal é a herança medíocre que recebemos da raça negra. Ela envenenou a fonte das
gerações atuais, enervou o corpo social, aviltando o caráter do mestiço e rebaixando o
nível dos brancos”. (Lacerda 1911:12)
“Para o mal do Brasil, foi o inverso [do que aconteceu nos Estados Unidos] que
aconteceu aqui; o branco se misturou ao negro com tamanha indiscrição que constituiu
aqui uma raça de mestiços, dispersa hoje sobre uma grande extensão do país.” (Lacerda
1911: 13)
1
“Estes [os mestiços] não formam uma verdadeira raça, por conta da falta de fixidez de muitos caracteres
físicos que estão sujeitos a variar em cada novo cruzamento, tanto em direção ao tipo branco, quanto em
direção ao tipo negro” (Lacerda 1911: 8).
A inteligência do mestiço:
“Uma força obscura, desconhecida, faz aflorar neles [mestiços] uma inteligência capaz de
atingir um desenvolvimento que não era apanágio de nenhum dos seus pais. É comum,
com efeito, ver-se nascer de um branco, dotado de inteligência medíocre, cruzado com
uma negra das mais incultas, um rebento possuindo altas qualidades intelectuais, como se
uma dos efeitos da mestiçagem no homem fosse precisamente afinar a inteligência, sem
elevar as qualidades morais e afetivas, próprias aos indivíduos das duas raças cruzadas.”
(Lacerda 1911: 14)
“Do que acabamos de afirmar, vê-se que, contrariamente, à opinião de diversos
escritores, do cruzamento da raça negra com a raça branca não resulta, em geral, produtos
de uma intelectualidade inferior; e, se estes mesmos produtos não podem rivalizar por
outras qualidades com as raças mais fortes do tronco ariano, se, como estas últimas, eles
não têm um instinto de civilização tão bem acabado, não é menos verdadeiro que não se
pode colocar tais mestiços ao nível das raças realmente inferiores, estando eles fisica e
intelectualmente bem acima dos negros, que entraram como elemento étnico de sua
formação.” (Lacerda 1911: 15)
“Os preconceitos de raça e de cor que jamais foram muito enraizados no Brasil, tais como
sempre existiram entre as populações da América do Norte, perderam ainda mais força
depois da proclamação da República. A porta aberta por este regime a todas as aptidões,
deixou penetrar muitos mulatos de talento até nas mais altas corporações políticas do
país. No Congresso Nacional, nos tribunais, na Instrução superior, na carreira
diplomática, nos administrativos mais elevados, os mulatos ocupam hoje uma situação
proeminente.”{Lacerda 1911: 17-8)
O desaparecimento dos negros e dos mestiços
“O próprio mulato se esforça por suas uniões [com mulheres brancas] de fazer retornar
seus descendentes ao tipo puro do branco. Já se viu, depois de três gerações, filhos de
mestiço apresentar todos as características físicas da raça branca, ainda que em alguns
persistam ainda traços da raça negra devido a influência do atavismo.
A seleção sexual persistente, acaba todavia por subjugar o atavismo e purga os
descendentes do mestiço de todos os traços característicos do negro. Graças a este
procedimento de redução étnica, é lógico supor que, no espaço de um novo século, os
mestiços terão desaparecido do Brasil, fato que coincidirá com a extinção paralela da raça
negra entre nós.” (Lacerda 1911: 18-9).
“Vivendo uma existência quase selvagem, sujeito a todas as causas de destruição, sem
recurso suficiente para se manter, refratário aa qualquer disciplina que seja, o negro se
espalha pelas regiões menos povoadas, e tende a desaparecer de nosso território, como
uma raça destinada à vida selvagem e rebelde à civilização.” (Lacerda 1911: 19)
“A população mista do Brasil deverá ter pois, no intervalo de um século, um aspecto bem
diferente do atual. As correntes de imigração européia, aumentando a cada dia mais o
elemento branco desta população, acabarão, depois de certo tempo, por sufocar os
elementos nos quais poderia persistir ainda alguns traços do negro.” (Lacarda 1911: 19)
“Conclusões:
A partir dos fatos e das considerações precedentes, creio que se pode
legitimamente tirar as seguintes conclusões:
1. A observação e a comparação dos fatos zoológicos, a respeito da função de
reprodução, conduzem a reconhecer que o homem branco e o homem negro formam duas
raças e não duas espécies.
2. O mestiço, produto da união sexual do branco e do negro, não constitui uma raça
verdadeira, mas um tipo étnico transitório, apresentando a tendência de retornar a uma
das duas raças-fonte que o produziram.
3. A importação, em vasta escala, da raça negra ao ao Brasil, exerceu uma influência
nefasta sobre o progresso do país; ela retardou por muito tempo o desenvolvimento
material e dificultou a utilização de suas imensas riquezas naturais. O caráter da
população se ressentiu dos defeitos e dos vícios da raça inferior importada.
4. O mestiço é inferior ao negro em resistência corporal e força física, mas rivaliza muitas
vezes com o próprio branco em inteligência e aptidões técnicas e artísticas.
5. No Brasil, os mestiços ajudaram os brancos em sua ação pelo progresso do país e
conseguiram se elevar aos mais altos postos da administração e da política.
6. A imigração constante de povos da raça branca, a seleção sexual e o desaparecimento
dos preconceitos de raça cooperam no sentido da extinção em breve prazo dos mestiços
no Brasil.
7. Antes de um século, provavelmente, a população do Brasil será representada, em sua
maior parte, por indivíduos da raça branca, latina, e no mesmo período, o negro e o índio
terão sem dúvida desaparecido desta parte da América.
8. Um futuro brilhante está reservado ao Brasil, que se tornará a principal estação onde a
raça latina virá revigorar-se, rejuvenescer-se na América do Sul, tal como os Estados
Unidos tem sido, na América do Norte, para a raça saxônica.” (LACERDA 1911: 29-31)
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Lacerda, Joao Batista. 1911. Sur les métis au Brésil, Congrès