DEONTOLOGIA PROFISSIONAL Teste de repetição – 20 de Dezembro de 2006 Considere a seguinte HIPÓTESE: § 1. Luís Carlos, Advogado Estagiário, inscrito pelo Conselho Distrital do Porto, cidade onde seu Patrono tinha domicílio profissional e estando a frequentar a 2ª fase do estágio, decidiu aceitar o cargo de assessor do Presidente da Câmara do Município da sua naturalidade, no Distrito de Viseu. § 2. Dada a distância do Porto e a exigência das suas novas funções, Luís Carlos resolveu instalar escritório na sede do Município, onde passou a exercer actividade de Advocacia com o conhecimento do seu Patrono Miguel Silva. § 3. Alguns meses decorridos sobre a sua tomada de posse, foi entregue a Luís Carlos para estudo e parecer uma petição de acção administrativa comum em processo ordinário, subscrita pelo Advogado Estagiário João Manuel, mandatário da autora Construções & Obras Públicas SA, demandando o Município ao pagamento de uma indemnização de € 1.000.000,00 por alegado incumprimento de contrato de empreitada de obra pública. § 4. Luís Carlos, após ter estudado o processo, concluiu que seria possível e desejável um acordo entre a autora da acção e o Município por metade do pedido, mas porque o seu Colega João Manuel estava intransigente em ceder, resolveu contactar a autora da acção e o seu Patrono Miguel Silva, propondo-lhes a constituição de Miguel Silva como novo mandato da Autora e que este posteriormente se dirigisse ao Presidente da Câmara propondo a redução do pedido para € 500.000,00. § 5. Esta proposta foi aceite e Miguel Silva acordou com Luís Carlos que iria cobrar, a título de honorários, quantia equivalente a um quinto do valor que a empresa Construções e Obras Públicas SA viesse a receber de indemnização, sendo os honorários divididos entre si e Luís Carlos, por ter sido este quem angariou e encaminhou o patrocínio para o escritório do Miguel Silva. § 6. Acto contínuo, Miguel Silva, sem contactar previamente João Manuel, juntou aos autos uma nova procuração forense com poderes especiais que a autora a seu pedido emitira e, no uso destes, operou a desistência do pedido. § 7. Terminada a acção e paga a indemnização acordada de € 500000,00, Miguel Silva escreveu uma carta a Construções & Obras Públicas SA reclamando o pagamento de € 100.000,00 a título de honorários, justificados no acordo com Luís Carlos, mas aquela rejeitou, alegando a inexistência de apresentação prévia da conta, o exagero na fixação dos honorários e ainda que era absolutamente alheia ao acordo referido. § 8. A atitude da sua cliente levou Miguel Silva a requerer de imediato laudo à Ordem dos Advogados. § 9. Entretanto, João Manuel, sentindo-se ofendido e tendo tomado conhecimento da carta que Miguel Silva enviou à sua ex-Cliente através de um empregado desta, resolveu apresentar participação disciplinar contra Miguel Silva e Luís Carlos. § 10. Miguel Silva, mesma sem aguardar a decisão do laudo que pedira, propôs acção de honorários contra Construções e Obras Públicas SA e logo na petição inicial indicou como testemunhas Luís Carlos e uma sua empregada de escritório. QUESTÕES II. Analisando e qualificando os factos descritos na Hipótese, em especial os comportamentos do Advogado Miguel Silva e dos Advogados Estagiários Luís Carlos e João Manuel à luz dos princípios e comandos deontológicos do Estatuto e Regulamentos da Ordem dos Advogados e do Código Deontológico do C.C.B.E., responda com indicação das normas aplicáveis, às seguintes questões: 1. As opções profissionais de Luís Carlos, referidas nos $$ 1. e 2. justificam qualquer censura ? justifique a sua resposta. 2 valores 2. E como qualifica a atitude do Patrono Miguel Silva em face dessas opções do seu Advogado Estagiário? 1 valor 3. Que comentário lhe suscita o facto de o Advogado Estagiário João Manuel ter aceite o patrocínio de Construções & Obras Públicas S A? 1 valor 4. Qualifique e comente deontologicamente a actuação Advogado Estagiário Luís Carlos descrita nos §§ 4. e 5. do 3 valores 5. Qualifique e comente deontologicamente a Advogado Miguel Silva descrita nos § § 5. e 6. actuação do 3 valores 6. São válidas as razões alegadas pela Cliente do Advogado Miguel Silva para negar o pagamento dos honorários? Justifique a resposta. 2 valores 7. Tendo em conta o § 8. responda, com recurso à regulamentação vigente: a. Tinha Miguel Silva legitimidade para o pedido de laudo? ( 0,5 valor) b. A quem cabe a competência para a emissão de laudo? (0,5 valor) c. Estavam preenchidos os pressupostos para a emissão de laudo? (0,5 valor) d. Estava o relator do processo de laudo obrigado a qualquer dever especial tendo em conta os factos descritos na hipótese? (0,5 valor) Total 2 valores 8. Poderia João Manuel usar na participação, como meio de prova, a carta que Miguel Silva escrevera a reclamar honorários? 2 valores 9. Poderiam intervir como testemunhas do Advogado Miguel Silva o seu Advogado Estagiário Luís Carlos e um seu empregado de escritório? Desenvolva o tema conforme as várias hipóteses que o tema possa oferecer. 3 valores QUESTÕES GERAIS: A graduar pelo Corrector tendo em consideração o mérito da exposição escrita quanto à argumentação, capacidade narrativa, clareza da exposição, domínio do português e apresentação. De 0 a 1 valor GRELHA DE CORRECÇÃO 1. As funções que Luís Carlos aceitou geram incompatibilidade ou impedimento absoluto – artigo 77º n.º 1 a) do EOA - (0,5 valor), pelo que deveria ter requerido a suspensão da sua inscrição na OA – artigos 86º a) EOA – (0,5 valor). Não o tendo feito, incorre em exercício irregular da profissão – artigo 82º EOA, com inerente responsabilidade disciplinar (0,5 valor). Além disso, não podia ter instalado escritório próprio porquanto sendo Advogado Estagiário apenas poderia exercer a sua actividade sob a orientação do seu Patrono e no domicílio profissional deste – artigos 185º, 189º 1. e 179º 3. do EOA (0,5 valor). 2. A aceitação por parte de Miguel Silva das opções de Luís Carlos não lhes conferindo licitude. Pelo contrário, constitui violação das regras acima identificadas (0,5 valor) e corresponde a uma conduta oposta ao exigível pelas alíneas b) e f) do artigo 86º do EOA, com inerente responsabilidade disciplinar, ex vi artigo 110º do EOA – (0,5 valor). 3. O Advogado Estagiário João Manuel, fosse Advogado Estagiário da 1ª ou da 2ª fase estaria sempre inibido de aceitar o mandato em concreto em questão, já que tal patrocínio lhe estava vedado por estar excluído das suas competências previstas no artigo 189º do EOA. – (0,5 valor), pelo que incorreu também em patrocínio ilegítimo ou irregular, com inerente responsabilidade disciplinar – artigos 82º e 110º do EOA –(0,5 valor). 4. Luís Carlos aproveitou-se das suas novas funções para angariar para si, usando uma interposta pessoa, o seu Patrono, um patrocínio que considerou altamente vantajoso para os seus interesse económicos, o que fere de forma clara e contundente os princípios basilares da dignidade, honestidade, seriedade e também da independência – artigos 83º e 84º do EOA e pontos 2.1 e 2.2. do CD do CCBE –(1 valor) -. Actuou com grande deslealdade para com o Colega João Manuel, contactando à sua revelia a sua Cliente, autora na acção, assim conseguindo interferir na relação Advogado-Cliente, a ponto de forçar a revogação tácita do mandato ao seu Colega, tudo em violação dos artigos 106º e 107º 1. a), d), e) do EOA – (1 valor) -. Acresce que o seu comportamento constitui directa violação do princípio de proibição de angariação ilícita de clientela – artigos 62º n.º2 e 85º 2. h) do EOA – (0,5 valor) -. Finalmente, Luís Carlos estava impedido de receber honorários, já que não participaria no patrocínio e não poderia cobrar remuneração por mero efeito de encaminhamento ou apresentação do Cliente – artigos 102º do EOA e ponto 5.4. do CD do CCBE. (0,5 valor) 5. Sem prejuízo da situação de incompatibilidade de Luís Carlos, jamais poderia este aceitar patrocinar a sociedade Construções e Obras Públicas S A contra o Município onde exercia funções, por força do evidente conflito de interesses existente – artigo 94º do EOA, o que arrastaria uma situação de impedimento – artigo 78º n.º 2 do EOA. (1 valor). Esta situação de conflito de interesses e de impedimento que recaía sobre Luís Carlos afectaria em igual medida a capacidade de aceitação de mandato por parte de Miguel Silva, dada a relação de tirocínio existente entre ambos – artigo 94º n.º6 -, pelo que este não podia aceitar o patrocínio (1 valor). Miguel Silva , além disso, cometeu infracções disciplinares idênticas às praticadas por Luís Carlos, com quem pactuou actuação, quer nas relações com João Manuel, quer por violação dos princípios gerais supra referidos (0,5 valor). De específico praticou ainda infracção disciplinar por haver substituído João Manuel no patrocínio através da junção de uma procuração, que revogou o mandato, em preterição do que era exigível pelo artigo 107º n.º2 do EOA – (0,5 valor). 6. São, por decorrência dos artigos 95º 1. a) , que não foi respeitado e 100º , que não foi aplicado, agindo Miguel Silva como se estivesse em regime de “quota litis”, o que sempre seria ilícito - artigo 101º do EOA - mas que verdadeiramente não existiu porquanto entre si a Cliente não houve qualquer acordo prévio sobre honorários (1 valor). Acresce que seria necessário a prévia elaboração e apresentação da conta, o que não ocorreu, não havendo por isso ainda um crédito sobre honorários – artigos 96º n.º1 e 3, do EOA e 5º, do Regulamento de Laudos. (1 valor). 7. a) Sim -. Artigo 6º do RL ( 0,5 valor) b) Conselho Superior – artigos 43º 3. e) do EOA e 1º do RL (0,5 valor) c) Não, por falta da conta – artigo 6º do RL (0,5 valor) d) Devia o relator, dada a flagrante existência de matéria disciplinar, propor que se não conhecesse do laudo e comunicar os factos ao órgão disciplinar competente, cf. previsto no artigo 16º do RL (0,5 valor) 8. A carta está protegida por segredo profissional, já que respeita a assunto profissional conhecido pelo João Manuel no exercício da profissão e por causa de tal exercício – artigo 87º 1. a) - abrangendo o sigilo os documentos relacionados com os factos sigilosos – artigo 87º 3 do EOA (1 valor). Contudo, a utilização do documento destinava-se a instruir participação disciplinar na AO, sendo certo que os Colegas que dele irão ter conhecimento para fins disciplinares, estão igualmente e até por dupla razão, obrigados ao sigilo – artigo 87º n.º1 b) do EOA. Assim, nada impedia o uso do documento, já que o seu sigilo sempre estaria preservado. (1 valor) 9. Tanto Luís Carlos como o empregado de escritório de Miguel Silva estavam, em princípio, impedidos de depor, já que os factos a apurar, relacionados com a relação profissional de Miguel Silva com Construções & Obras Públicas S A, estavam abrangidos pela reserva do segredo profissional. Assim, por força dos artigos 87º 1. a) e 7 do EOA não poderiam ambos depor (1 valor). Todavia, caso Luís Carlos pretendesse depor, teria de requerer autorização prévia ao Presidente do Conselho Distrital ao abrigo do artigo 87º n.º4 do EOA (1 valor), autorização essa que não lhe poderia ser concedida, já que a desejada revelação não se destinaria a defender direito interesse legítimo de cliente, excliente ou de si próprio enquanto Advogado (0,5 valor). Quanto ao empregado, o seu dever de sigilo resulta da extensão do dever que incide sobre o próprio Advogado ao qual está vinculado, pelo que só poderá legitimamente depor sobre os factos que tiver sido autorizado a revelar. (0,5 valor).