Comissão Nacional de Estágio e Formação / Comissão Nacional de Avaliação
EXAME NACIONAL DE AVALIAÇÃO E AGREGAÇÃO (RNE) Deontologia Profissional (6 Valores) GRELHA DE CORRECÇÃO 24 de Abril de 2015 Considere a seguinte Hipótese: João Miguel, jovem Advogado, celebrou contrato de trabalho com a sociedade Servicios de Abogacia SL, com sede em Espanha, para com ela colaborar como Advogado em Portugal. Esta sociedade tinha como sócios cinco Advogados, dois psicólogos e dois economistas. João Miguel resolveu inserir numa rede social notícia deste contrato registando no seu perfil ser um especialista em direito financeiro por ter frequentado, quando era estagiário, um seminário deste ramo do direito durante a formação complementar ministrada pela Ordem dos Advogados. Sucedeu então que João Miguel recebeu instruções concretas da sua entidade patronal para instaurar e patrocinar uma ação contra Maria João tendo por objeto a cobrança de uma dívida, estando esta relacionada com assunto em que colaborara com o seu ex-­‐patrono, de quem Maria João era cliente, possuindo até João Miguel no seu arquivo pessoal cópia de um documento que elaborara sob a orientação do seu ex-­‐patrono onde a dívida em causa havia sido confessada por Maria João. Citada, Maria João negou a existência da dívida, pelo que João Miguel, revoltado e sentindo ser seu dever colaborar com o Tribunal na descoberta da verdade e defender os interesses do seu constituinte, não hesitou em juntar ao processo, por sua exclusiva iniciativa, cópia do documento que possuía. ********* Responda às seguintes QUESTÕES, justificando as respostas com recurso às normas aplicáveis dos textos legais e regulamentares vigentes: A -­‐ Podia João Miguel exercer a Advocacia em Portugal como colaborador da sociedade Servicios de Abogacia SL, tendo com ela celebrado um contrato de trabalho? (1 Valor) Grelha de correção: Esta sociedade Espanhola não poderia estar registada na Ordem dos Advogados Portugueses, por violação expressa do regime previsto no art.º 202 nº1 e nº 2 do EOA. O exercício da Advocacia em regime de contrato de trabalho é admissível face ao disposto nos artigos 68º e 76º nºs 2 e 3 do EOA (0,30 valores), mas o exercício da Advocacia em Portugal está vedada às sociedades multidisciplinares por força do disposto nos artigos 202º n.º 4, 203º n.º 3, 61º n.º1, todos do EOA, artigo 6º da Lei 49/2004 de 24 de Agosto e artigos 1º n.º2 e 5º nº 1 do D. Lei 229/2004 de 10 de Dezembro (0,40 valores). Assim, João Miguel, ao aceitar trabalhar para a Servicios de Abogacia, que é uma sociedade multidisciplinar, está a participar e a colaborar com ela, incorrendo em procuradoria ilícita geradora de responsabilidade disciplinar (art.110º do EOA) e ainda em responsabilidade criminal (art. 7º da Lei 49/2004) – (0,30 valores) 2
B – Os conteúdos insertos por João Miguel na rede social suscitam-­‐lhe alguma reserva ou censura? (1 Valor) Grelha de correção: João Miguel ao ter praticado este ato, a sua conduta é geradora de responsabilidade disciplinar – art.º 110 EOA e seg. e responsabilidade civil – art.º 487º CC João Miguel só poderia ter publicitado a sua qualidade de especialista em direito financeiro se este título lhe tivesse sido conferido pela Ordem dos Advogados em obediência ao Regulamento Geral das Especialidades -­‐ Regulamento 204/2006 de 30/10/06, como resulta do artigo 89º, nº 2 f) do EOA, que assim foi violado (1 valor). C – Se estivesse no lugar de João Miguel, que atitude tomaria em relação às instruções dadas pela Servicios de Abogacia para o patrocínio contra Maria João? (2 Valores) Grelha de correção: O patrocínio não podia ser aceite por manifesta situação de conflito de interesses à luz do disposto no artigo 94º nº1 do EOA (0,50 valores), pelo que João Miguel colocou-­‐se em posição de manifesto risco de violação de segredo profissional e de poder extrair vantagens ilegítimas a favor do seu novo cliente, como aliás sucedeu, em clara preterição do nº 5 do mesmo artigo 94º do EOA (0,50 valores). Acresce que João Miguel traiu de forma grosseira a lealdade e confiança que em si depositara o seu ex-­‐patrono, pelo que o seu comportamento corresponde ainda a violação do dever de lealdade consignado na alínea d) do nº1 do artigo 107º (0,30 valores) e ainda revelou desrespeito pelo valor da integridade imposto pelo artigo 83º, ambos do EOA (0,20 valores). João Miguel não poderia invocar como justificação da sua conduta censurável o facto de ter recebido concretas instruções da sua entidade patronal, porquanto, como decorre do regime legal dos artigos 68º e 76º n.º3 ambos do EOA, poderia em defesa da sua independência e discricionariedade técnica, recusar-­‐se a cumprir as instruções recebidas da Servicios de Abogacia, que eram nulas por violarem o seu estatuto deontológico e os princípios fundamentais da profissão – artigos 68º n.º 3 e 76º nº 4 do EOA (0,30 valores) e solicitar o apoio institucional da Ordem dos Advogados em sua defesa, caso houvesse divergência com a sua entidade patronal e, em caso de litígio judicial, recorrer aos mecanismos estatutários previstos nos artigos 76º n.º5, 68 n.º 5, 66º e 5º n.ºs 2 e 3, todos do EOA (0,20 valores). D -­‐ Comente a atitude de João Miguel em juntar ao processo o documento de prova que tinha em seu poder. (2Valores) Grelha de correção: Ao ter aceitado (mal) o patrocínio contra Maria João, João Miguel acabou por não resistir a usar e revelar contra ela um documento abrangido pela obrigação de segredo profissional no interesse do seu novo cliente, em violação dos arts. 87º n.º 1, n.º1 a) e 3. todos do EOA – 1 valor; 3
João Miguel só poderia juntar esse documento ao processo se tivesse solicitado e obtida a autorização prévia para dispensa de obrigação de segredo profissional, através do pedido nesse sentido ao Presidente do Conselho Distrital, com recurso para o Bastonário, onde teria de alegar e provar a verificação dos pressupostos que permitiriam o levantamento do sigilo – (0,50 valores); Todavia, era de prever que tal autorização não seria concedida, porquanto a revelação visaria tutelar interesse de um novo cliente contra um “ex-­‐cliente”, sendo que a obrigação de segredo em causa fora constituída a benefício de Maria João “contra” quem agora seria usada a revelação do facto sigiloso, o que frontalmente contrairia o n.º 4 do art. 87º do EOA. – (0,30 valores). A conduta de João Miguel é geradora de responsabilidade disciplinar grave – artigo 110º do EOA – responsabilidade criminal pela prática dos crimes de violação de segredo profissional e de prevaricação – artigos 195º e 370º do C. Penal – e de responsabilidade civil – artigo 487º do C. Civil – (0,20 valores). 4
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Grelha de Correcção de Deontologia Profissional