XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006 As Lesões por esforços repetitivos em cirugiões-dentistas: síndrome do impacto – uma abordagem ergonômica Marianella Aguillar Ventura Fadel (UFSC) [email protected] Louise Pietrobon (UFSC) [email protected] Fabiana Oro Cericato Costa (UFSC) [email protected] Gilsée Ivan Regis Filho (UFSC) [email protected] Resumo A Síndrome do Impacto ou da Invasão é um processo inflamatório ocasionado pela compressão das fibras do músculo supra-espinhoso pelo acrômio ao se realizar a abdução do braço acima de 45° na região do manguito rotatório. Diferentes sintomas podem ser sentidos em diversos estágios da Síndrome do Impacto. Primeiramente, os sintomas precoces da síndrome incluem dores generalizadas do ombro, dor ao elevar o braço para o lado ou à frente do corpo. Num segundo momento, o desconforto aumenta e a articulação pode ficar mais rígida. Um indício muito confiável da invasão é uma dor aguda ao se tentar levar o braço ao bolso traseiro. V. L. B., 53 anos de idade, mulher, cirurgiã-dentista há 30 anos, desde 1975, especialista em odontopediatria, atualmente trabalhando 8 horas diárias, totalizando aproximadamente 40 horas semanais, dedicação integral como docente em uma universidade federal. Inicialmente, a profissional constatou manifestação de anormalidade dolorosa no ombro esquerdo que iniciou em 2001. Entretanto, em 2004 a dor, também, se manifestou no ombro direito e o diagnóstico de Síndrome do Impacto foi confirmado após exames radiográficos e que evidenciaram o acrômio com espícula óssea e a sua relação com a atividade cotidiana da prática da especialidade odontológica da odontopediatria. O tratamento consistiu em procedimentos cirúrgicos por videoartroscopia em que se realizou implante de pino de titânio para fixação de ligamentos que estavam totalmente rompidos sendo realizado, inicialmente, no ombro esquerdo e, posteriormente, foi realizada uma cirurgia no ombro direito. Sessões de fisioterapia foram realizadas após o período de recuperação. Palavras-Chaves: Síndrome do impacto, Ergonomia, Lesões por esforços repetitivos. 1. Introdução No Brasil a partir de 1985, também houve um significativo aumento dos casos de Lesões por Esforços Repetitivos (LERs) de 4,69% das doenças profissionais para 41,77% em 1988. As mulheres são mais facilmente afetadas, talvez, pela jornada doméstica, menor número de fibras musculares, menor capacidade de armazenar e converter glicogênio em energia útil e por serem entregue a elas, na indústria, as atividades repetitivas que exigem maior habilidade. O quadro se agrava, principalmente, durante a gestação e a menopausa, (FACCI; MUSSE; LECH; OLIVEIRA, 1989; OLIVEIRA, 1991 e COUTO, 1994). Para Couto (1994), se algum trabalhador tiver alguma doença do trabalho ou ocupacional e que fique incapacitado, ele tem mais de 1/3 de chance dessa doença ser decorrente de Lesões por Esforços Repetitivos (LERs). Para tanto, basta que exista a conjugação de fatores de risco relacionados ao trabalho como: biomecânicos, psicossociais, administrativos e outros fatores contributivos, para que possa se esperar predisposição à ocorrência dessas patologias. Estudo realizado por Regis Filho e Lopes (1997) encontrou, entre profissionais cirurgiões-dentistas participantes do II Encontro de Ex-alunos do Curso de Graduação em Odontologia da Universidade Federal de Santa Catarina – 1996 (SC), 25,81% de homens e 52,94% de mulheres com sintomatologia de ENEGEP 2006 ABEPRO 1 XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006 Lesões por Esforços Repetitivos (LERs), sendo que ombros e punhos, ambos com 44,44% cada um, eram os locais onde os homens relatavam maior sintomatologia dolorosa. De acordo com os autores, 31,57; 36,84 e 26,32% das mulheres apresentavam dor no punho, ombro e dedos, respectivamente Números semelhantes são encontrados no trabalho de Santos Filho (1998), onde 58% dos cirurgiões-dentistas do Serviço Público de Saúde de Belo Horizonte (MG) relataram dor global, sendo que 22; 21; 20 e 17% apresentavam dor no membro superior, coluna, pescoço e ombro, respectivamente. O exercício profissional obriga que cirurgiões-dentistas utilizem na execução das tarefas os membros superiores e estruturas adjacentes, sendo as mãos particularmente mais exigidas, freqüentemente com repetitividade de um mesmo padrão de movimento em virtude da atividade clínica, compressão mecânica das estruturas localizadas na região em função de instrumentos inadequados, assumindo posturas incorretas por necessidade de técnicas operatórias e utilizando força excessiva em virtude das características próprias de algumas patologias, e ainda, na maioria dos casos trabalhando sob pressão temporal, (REGIS FILHO; LOPES, 1997). 2. Síndrome do Impacto ou da Invasão (Tendinite do Supra-Espinhoso) O ombro é uma peça de engrenagem muito complexa. Seu desenho dá ao ser humano habilidade para fazer uma variedade de tarefas, permitindo às articulações grande amplitude nos movimento, porém com pouca estabilidade. A Síndrome do Impacto ou da Invasão é um processo inflamatório ocasionado pela compressão das fibras do músculo supra-espinhoso pelo acrômio ao se realizar a abdução do braço acima de 45° na região do manguito rotatório. O manguito rotatório é formado, entre outras estruturas, pelos tendões de quatro músculos que ao estirarem esses tendões permitem a movimentação óssea da região. Quando o braço é elevado, o manguito rotatório mantém o úmero na cavidade glenóide da escápula e evita que ele atrite contra o acrômio, isto é, impede que haja invasão da região adjacente pelo úmero. A invasão promove o atrito entre a grande tuberosidade da cabeça do úmero com a porção anterior e inferior do acrômio. Na região existe também a presença de uma bursa que é uma espécie de saco, preenchida com fluído, o qual protege os músculos e tendões quando eles se movem. Invasão ocorre até certo grau no ombro de cada indivíduo, causada por atividades diárias ao usar o braço acima do nível do ombro. Trabalhar com os braços elevados acima da cabeça, atividades repetidas de lançamento ou outras ações repetitivas do braço pode fazer com que a invasão se torne uma síndrome. Elevar o braço tende a forçar o úmero contra a borda do acrômio. Isso resulta numa ação de pinçamento sobre a bursa e os tendões do manguito rotatório, provocando uma ação de atrito contra esses tendões e a bursa. Esporões ósseos podem se desenvolver, tornando a invasão pior e reduzindo, ainda mais, o espaço disponível para a bursa e os tendões se moverem sob o acrômio. Com o uso excessivo, isto pode causar irritação e aumento de volume do local. Diferentes sintomas podem ser sentidos em diversos estágios da Síndrome do Impacto. Primeiramente, os sintomas precoces da síndrome incluem dores generalizadas do ombro, dor ao elevar o braço para o lado ou à frente do corpo. Num segundo momento, o desconforto aumenta e a articulação pode ficar mais rígida. Um indício muito confiável da invasão é uma dor aguda ao se tentar levar o braço ao bolso traseiro. Por último, normalmente nos indivíduos acima de 40 anos, ocorrem mudanças nos ossos e tendões. Inabilidade para elevar os braços e fraqueza indicam que o manguito rotatório se acha rompido. ENEGEP 2006 ABEPRO 2 XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006 O diagnóstico de invasão e bursite é geralmente feita com base na história e no exame físico. Raios-X podem confirmar a presença de um acrômio anormal ou esporões na articulação. Figura 1: Bursa Irritada Figura 2: Esporões Ósseos ENEGEP 2006 ABEPRO 3 XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006 Figura 3: Manguito Rotatório Rompido Pode ser feita uma investigação por ressonância magnética ou artograma, caso haja suspeita de rompimento dos tendões do manguito rotatório. Em alguns casos uma injeção de anestésico local, aplicada na região da bolsa, pode ser feita para garantir que a dor está na realidade emanando do ombro e não irradiando do pescoço, pois se ela cessar com a aplicação do anestésico sua origem está no ombro. O tratamento inicial para bursite causada pela invasão inclui, em geral, descanso e um programa brando de terapia física. Um medicamento anti-inflamatório oral suave juntamente com gelo reduz o tamanho dos vasos na área dolorida, detendo a inflamação e aliviando a dor. Uma tipóia para descanso do ombro pode ser usada. É crucial remover esta tipóia várias vezes por dia enquanto se faz exercícios em casa, a fim de evitar rigidez do ombro. A posição de descanso deve ser aquela onde há a maior quantia de volume na junta do ombro, auxiliando o fluxo sangüíneo, o que diminui a dor. Usar travesseiros para apoiar o braço um pouco para fora, para cima e virado para dentro, tanto numa cadeira inclinada, deitado de costas ou de lado ou, ainda, enquanto se dirige. Caso estas medidas não melhorem a dor, poderá ser sugerida uma injeção de cortisona aplicada na bursa. Cortisona, por ser um antiinflamatório potente, pode aliviar o desconforto. Não é incomum o uso de cirurgia para aliviar o atrito causado pela invasão (Sechrest, 1998). Nos procedimentos básicos para o tratamento cirúrgico da Síndrome do Impacto a meta principal é remover quaisquer esporões sob o acrômio que estão atritando os tendões do manguito rotatório e da bursa. Uma parte do acrômio pode ser removida também, para dar mais espaço aos tendões e permitir que se movam sem atritar o lado inferior do acrômio, o ligamento coracoacromial é removido. 3. Relato de caso V. L. B., 53 anos de idade, mulher, cirurgiã-dentista há 30 anos, desde 1975, especialista em odontopediatria, atualmente trabalhando 8 horas diárias, totalizando aproximadamente 40 horas semanais, dedicação integral como docente em uma universidade federal. Inicialmente, a profissional constatou manifestação de anormalidade dolorosa no ombro esquerdo que iniciou em 2001, consistindo em dor forte e espontânea, principalmente enquanto estava dormindo em posição lateral. O diagnóstico inicial foi de bursite. Entretanto, em 2004 a dor, também, se manifestou no ombro direito e o diagnóstico de Síndrome do Impacto foi confirmado após exames radiográficos e que evidenciaram o acrômio com espícula óssea e a ENEGEP 2006 ABEPRO 4 XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006 sua relação com a atividade cotidiana da prática da especialidade odontológica da odontopediatria. O tratamento consistiu em procedimentos cirúrgicos por videoartroscopia em que se realizou implante de pino de titânio para fixação de ligamentos que estavam totalmente rompidos sendo realizado, inicialmente, em 13/04/2005 no ombro esquerdo e em 14/07/2005 foi realizada uma segunda cirurgia no ombro direito. Posteriormente, ao período de recuperação houve indicação de sessões de fisioterapia. Figura 4 e 5: ombro direto antes e depois da cirurgia Figuras 6 e 7: ombro esquerdo antes e depois da cirurgia 4.Considerações finais A Síndrome do Impacto é uma doença classificada como Lesão por Esforço repetitivo que comprovadamente é ocasionada pelo exercício profissional da Odontologia. O exercício profissional obriga que cirurgiões-dentistas utilizem na execução das tarefas os membros superiores e estruturas adjacentes, sendo as mãos particularmente mais exigidas A Síndrome do Impacto pode ser prevenida utilizando-se alguns tipos de exercícios durante a jornada de trabalho do cirurgião-dentista. Exercícios de alongamento têm-se mostrado de grande eficácia na prevenção das lesões e devem ser realizados com freqüência e entre as pausas. De modo geral, para cada hora trabalhada devem ser feitas pausas de 10 minutos: a) Primeiramente, leve o dedo polegar, com a mão aberta, em direção ao mínimo e mantenhao nesta posição por 10 segundos em cada mão. A seguir, com a mão aberta, flexione o dedo polegar em direção à palma da mão, permanecendo assim por 10 segundos em cada mão. Por último, com as mãos estendidas, separe e junte os dedos lentamente, respirando profundamente por 10 segundos. b) Com os braços para baixo, os ombros e as mãos relaxadas, sacuda-os delicadamente, respirando profundamente por 10 segundos, para relaxar toda a região. c) Junte as duas palmas das mãos na altura do peito e separe- as lenta e delicadamente, até que os dedos comecem a se separar, então pare e permaneça por 10 segundos, respirando ENEGEP 2006 ABEPRO 5 XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006 profundamente. d) Em pé, realizar flexão do ombro direito inferior a 90o com o cotovelo estendido, posicionar o antebraço em pronação (palma da mão para baixo) e o punho em flexão. Colocar a palma da mão esquerda no dorso da mão direita e empurrar devagar em direção ao corpo. Manter a posição por 30 segundos, repetir o alongamento no outro lado. Os músculos envolvidos são: extensor radial longo e curto do carpo, extensor ulnar do carpo, extensor dos dedos e extensor longo do polegar. e) Em pé, realizar flexão do ombro direito inferior a 90o. com o cotovelo e o punho estendidos e o antebraço em pronação (palma da mão para baixo). Colocar a palma e os dedos da mão esquerda na palma e dedos da mão direita e empurrar devagar o dorso da mão direita em direção ao corpo. Manter a posição por 30 segundos, repetir o alongamento no outro lado. Os músculos envolvidos são: bíceps braquial; braquial, braquiorradial, palmar longo, flexor ulnar do carpo, flexores superficial e profundo dos dedos, flexor radial do carpo e lumbricais. f) Em pé, com o braço direito junto ao corpo realizar a flexão do cotovelo a 45o. com o punho em posição neutra, apoiar a mão esquerda na palma e dedos da mão direita e realizar levemente o movimento de extensão. Manter a posição por 30 segundos, repetir o alongamento para a outra mão. Os músculos envolvidos são: palmar longo, flexores superficial e profundo dos dedos e lumbricais. g) Em pé, com o cotovelo direito estendido e próximo ao corpo e punho direito em posição neutra, deve-se com os dedos da mão esquerda empurrar o polegar direito levemente para cima. Manter por 30 segundos, repetir o alongamento na outra mão. Os músculos envolvidos são: oponente do polegar, adutor do polegar, flexor curto e longo do polegar e lumbricais (PINTO, 2003). Referências COUTO, H., de A. Doenças profissionais: guia prático de tenossinovites e outras doenças de origem ocupacional. Belo Horizonte: Asta Médica, 1994. 9p. FACCI, R. C.; MUSSE, C. A.; LECH, O. & OLIVEIRA, R. A síndrome do excesso de uso. Proteção, São Paulo, v. 1, n. 6, p.41-44, dez., 1989. OLIVEIRA, C. R. Lesão por esforço repetitivo (L.E.R.). Rev. Bras. Sau. Ocu., São Paulo, v.19, n. 73, p.59-85, abr./jun., 1991. PINTO, A.C.C. da S. Ginástica laboral aplicada à saúde do Cirurgião dentista – um estudo de caso na secretaria municipal de saúde de Florianópolis-SC. 2003. 137 f. Dissertação (Mestrado em Ergonomia) Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção, UFSC, Florianópolis-SC. REGIS FILHO, G. I. & LOPES, M. C. Aspectos epidemiológicos e ergonômicos de lesões por esforço repetitivo em cirurgiões-dentistas. Rev. APCD., São Paulo, v. 51, n. 5, p.469-475, set./out., 1997. SANTOS FILHO, S. B. A Prevalência de dor osteomuscular de membros superiores em cirurgiões-dentistas do serviço público de Belo Horizonte: contribuição no debate sobre os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT). 1998, 30p. Dissertação (mestrado em saúde pública)-Curso de Pós-Graduação em Saúde Pública, UFMG. 1998. SECHREST, R. C. A A patient’s guide to cumulative trauma disorders. 1998. Disponível na Internet. http://www.sechrest.com. ENEGEP 2006 ABEPRO 6