Caso Clínico: Hepatoesplenomegalia Juliana Sobral Coutinho Internato em Pediatria- HRAS/SES/DF Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS) Coordenação: Luciana Sugai www.paulomargotto.com.br Brasília, 25 de março de 2008 Caso Clínico 1. Identificação: A.D.T.T, 3 anos e 11 meses, índio, natural e procedente da Tribo Xavante- MT, DN: 28/04/04 2. Queixa principal: Febre há três dias 3. HDA: Pai refere que criança iniciou quadro de febre não aferida, que não cessa com uso de Dipirona, tosse seca e dispnéia há 3 dias. Associado ao quadro, criança apresenta hiporexia e fraqueza. 4. Antecedentes pessoais fisiológicos: Nascido de parto normal, a termo, em domicílio, sem complicações. Desenvolvimento neuropsicomotor normal. Mãe G1P1A0, não fez pré-natal. Pai não sabe informar sobre vacinação. 5. Antecedentes familiares: Pais e avós saudáveis. Não sabe informar sobre o restante da família. Nega consangüinidade. 6. Hábitos de vida e alimentação: Reside em tribo indígena, com os pais, se alimenta com a comida feita para a família. Nega banhos de rios. Antecedentes pessoais patológicos •Até 2 anos de idade: criança saudável •(Abril/2006) Criança começou a apresentar hepatoesplenomegalia, febre diária persistente e pneumonia de repetição. Foi internado no HUB para tratamento de um dos episódios de pneumonia e para investigação diagnóstica. Recebeu alta, sem diagnóstico estabelecido, em BEG, após 21 dias de internação, porém persistia com hepatoesplenomegalia. •(Dezembro/2007) Criança persiste com hepatoesplenomegalia e apresenta mais um episódio de pneumonia. Associado ao quadro, paciente iniciou quadro de icterícia e febre. Apresentou aumento de enzimas hepáticas canaliculares, sem elevação de enzimas tissulares, TAP: 15%, anemia hemolítica. Fez uso de três esquemas de antibióticos: Ampicilina+ Gentamicina, Ceftriaxona e, finalmente, Cefepime, sem melhora clínica. Após uso de vitamina K, o TAP aumentou para 50%. • Criança já fez 4 hemotransfusões. Nega alergia medicamentosa ou cirurgias prévias. Exame Físico Ectoscopia: REG, consciente, ativo, agitado, hipocorado (3+/4+), ictérico (+/4+), hidratado, orofaringe sem hiperemia, otoscopia normal, desnutrido Sinais Vitais: FC: 161bpm, T: 38,1ºC, FR: 42 irpm Aparelho Cardíaco: RCR 2T, BNF, sopro sistólico (2+/6+) Aparelho Respiratório: Presença de esforço respiratório, tiragem intercostal, murmúrio vesicular presente em ambos HTx, com creptos e roncos difusos Abdome: globoso, distendido, RHA +, indolor, fígado a 11 cm do RCD e baço a 13 cm do RCE MMII: sem edema, pulsos presentes e simétricos, boa perfusão periférica, panturrilhas livres Pele: máculas hipocoradas em dorso e máculas hiperemiadas e crostosas em face, tórax e MMSS. Exames complementares Exames Complementares Raio x de bacia, crânio, ossos longos: normais US abdominal: hepatoesplenomegalia volumosa Ecocardiograma: normal EDA: normal Raio x de tórax: consolidação em lobo superior direito Colangiorressonância: normal Hipóteses Diagnósticas Pneumonia de repetição Anemia Desnutrição Hepatoesplenomegalia a/e Causas •Malária •Mononucleosa Infecciosa Infecciosas •Hepatite Viral •Abscesso Doenças do Colágeno •Artrite Reumatóide Juvenil •Sífilis de Gaucher Doenças Hematológicas •Doença •Lúpus eritematoso sistêmico •Tuberculose •Doença hemolíticas de Niemann-Pick •Anemias •Histoplasmose Doenças Metabólicas •Amiloidose •Esquistossomose •Hemossiderose transfusional •Leucemia Neoplasias •Calazar •Cistos •Mucopolissacaridoses •Doença deAChagas •Hipervitaminose •Galactosemia congênita Hipertensão Portal Outras causas •Hipertireoidismo •Histiocitose •Síndrome de Hipertensão portal •Sarcoidose •Síndrome de Fanconi •Insuficiência Cardíaca Prolongada •Osteoporose •Doenças de hipersensibilização Esplenomegalia Causa mais comum: infecções Geralmente é muito discreta na maioria das doenças O baço hipertrofia-se em todas as situações em que reage o tecido linfóide e o sistema retículo-endotelial A atividade fagocitária é mais intensa na polpa do baço do que em qualquer outra parte do corpo Malária Zona endêmica Aparecimento de hepatoesplenomegalia poucos dias após aparecimento de febre Diagnóstico: gota espessa Mononucleose Infecciosa Esplenomegalia em 50% dos casos Hepatomegalia discreta Hepatoesplenomegalia associada à febre, faringite e tumefação dos linfonodos superficiais, especialmente os cervicais Presença de anticorpos heterófilos e linfócitos atípicos no soro confirmam o diagnóstico Hepatite Viral Fora de zonas de grandes endemias é a principal causa de hepatomegalia na 2ª infância Esplenomegalia somente nos casos mais sérios Evolução: febre, anorexia, vômitos e dor abdominal, seguidos de icterícia, colúria e acolia fecal ALT está sempre muito elevada Sorologia confirma o diagnóstico Sífilis Congênita Precoce Hepatomegalia em casos graves, associada à icterícia → hepatite intersticial difusa Manifestações ao nascer: lesões cutâneas (pênfigo, erupções maculopapulosas e infiltração difusa), rinite (secreção purulenta e sanguinolenta e nariz em sela), alterações ósseas (osteocondrites e pseudoparalisia dos membros dolorosaParrot) e hepatoesplenomegalia e fronte olímpica após resolução Diagnóstico: Rx ossos longos, sorologia e pesquisa do Treponema nas lesões cutâneas exsudativas Tuberculose Nota-se hepatoesplenomegalia nas formas generalizadas (miliar) É discreta Baço muito grande não é Tuberculose Presença de áreas de calcificação na sombra esplênica, pelo radiografia, é rara, porém significativa Histoplasmose Mais comum em zona rural, presença de aves, em lactentes e imunodeficientes Hepatoesplenomegalia em casos graves Sintomas: febre irregular, perda de peso, diarréia, palidez, infiltrados pulmonares com adenopatia mediastinal, ulcerações na pele e mucosas Diagnóstico diferencial: TB (sem hipertrofia notável do baço e do fígado) Anemia hipocrômica e leucopenia com linfocitose relativa Diagnóstico: cultura ou prova de fixação de complemento Esquistossomose Zona endêmica Hepatomegalia indolor, precedida por diarréia (Forma invasora inicial) Baço aumenta progressivamente e fica mais acentuado do que o fígado + deposição de ovos no conduto portal + inflamação (Síndrome de Hipertensão Portal) → Forma Clássica Diagnóstico: pesquisa de ovos do parasita + eosinofilia Calazar Predomina em zonas rurais Esplenomegalia e febre: quadro inicial Hepatomegalia em menor grau e mais tardiamente Polimicroadenopatia, tosse, febre contínua, perda de peso, anemia, hemorragia são comuns HC: anemia, leucopenia com neutropenia e aneosinofilia Redução de albumina e aumento de gamaglobulina Diagnóstico: achado da Leishmania na medula óssea ou baço Diagnóstico Diferencial: malária, esquistossomose e salmonelose septicêmica prolongada Doença de Chagas Contato com Triatomíneo Na fase aguda, o fígado e grande e doloroso e mais atingido do que o baço HC: Leucocitose (diferente do Calazar) Sinal de Romanã Diagnóstico: Sorologia para Chagas Artrite Reumatóide Juvenil Baço hipertrofia-se em 1/3 dos casos Quadro clínico: artrite, febre e adenopatias superficiais Importante: diferenciar da doença reumática na fase inicial ( Não provoca esplenomegalia) Lúpus Eritematoso Sistêmico Atinge, predominantemente, mulheres, jovens, brancas Esplenomegalia é muito freqüente Quadro clínico: erupção malar, serosite, erupção discóide, fotossensibilidade, úlcera oral, artrite, distúrbios neurológicos e hematológicos, anticorpo anti-nuclear Anemia Hemolítica Baço é responsável pela hemólise O baço aumenta nas fases agudas e a hipertrofia é leve nas fases de latência Fígado aumenta discretamente e fica duro nos casos prolongados Anemia, icterícia e esplenomegalia: hemólise Pode ocorrer a tríade em infecções, só que a icterícia tem padrão obstrutivo Crises de seqüestros Doenças: anemia falciforme, talassemia major e anemia esferocitária congênita Doença de Gaucher Caráter recessivo, rara em negros, comum em israelitas Decorre da escassez de glucocerebrosidase → depósito de glucocerebroside no sistema reticuloendotelial Tipos: I (adulto ou crônico), II (infantil ou agudo) e III (juvenil ou subagudo) Hepatoesplenomegalia + neuropatia nos tipos II e III A idade de início nem sempre corresponde ao tipo Doença de Gaucher Tipo I: não neuropático, início em idade adulta ou em RNs, insidioso, baço liso, duro e indolor, de dimensões enormes, fígado aumenta tardiamente e em menor grau, hiperesplenismo, dores osteoarticulares, fraturas Tipo II: raro, primeira infância, evolução rapidamente fatal, parada do crescimento e desenvolvimento, atraso mental, sinais meníngeos, paralisia pseudobulbar, hepatoesplenomegalia moderada, morte por caquexia ou infecção Tipo III: se parece com tipo II, só que o começo é tardio e o curso é mais lento Doença de Gaucher Diagnóstico: achado na medula óssea de células grandes, com um ou mais pequenos núcleos e citoplasma granuloso ou fibrilar, sem vacúolo Fosfatase alcalina muito aumentada no soro Dosagem de glucocerebroside nos tecidos menor que 20% do normal (usando leucócitos ou cultura de fibroblastos da pele) Doença de Niemann-Pick Erro inato do metabolismo lipídico Acúmulo de esfingomielina nos tecidos→ falta de esfingomielinase Mais comum em mulheres Aparece por volta do 3º mês de vida: anorexia, vômitos, parada do crescimento, dilatação do abdome, hepatoesplenomegalia, anemia, aumento de linfonodos superficiais, pele amarelocastanha, regressão mental, febre inexplicada, lesões retinianas, Rx tórax com lesões iguais às da TB miliar, osteoporose, lipídeos do soro aumentados Morte no final do 3º ano de vida Diagnóstico: células com grandes vacúolos (aspecto de espuma) na medula, deficiência de esfingomielinase nos tecidos Amiloidose Suspeita: no curso de infecção crônica, aumenta o fígado (liso e duro) e baço mais tardiamente. Atinge os rins também. Quadro clínico: provas de função hepática alteradas, sem icterícia, proteinúria, cilindrúria, emagrecimento e fraqueza, redução da albumina e aumento das globulinas, aumento de FA Diagnóstico: Vermelho do Congo (desaparece rápido do sangue e se liga à substância amilóide) e biópsia hepática ou da gengiva Hemossiderose Transfusional O ferro proveniente da destruição das hemácias nas anemias hemolíticas e hipoplásicas de evolução crônica e grave, que exigem repetidas transfusões, acumula-se no sistema reticuloendotelial. O fígado e o baço hipertrofiam-se gradativamente, o que raramente acontece na infância Mucopolissacaridoses Síndrome de Hurler (Gangliosidose GMI) Nanismo, fácies grotescas, presença de macroglossia, opacificação óssea e outras anomalias morfológicas Pode simular a doença de Niemann-Pick e a doença de Gaucher Galactosemia Congênita Traço recessivo Incapacidade de transformar galactose-1fosfato em glicose-1-fosfato Esplenomegalia é um dos primeiros sinais e aparece poucos dias após nascimento Quadro Clínico: hepatoesplenomegalia, galactosemia, sinais de irritação renal, hipoglicemia, cirrose hepática, hipertensão portal e catarata Morte por infecção ou falência hepática Diagnóstico: galactose na urina, deficiência enzimática nos tecidos Histiocitose X Na doença de Hand-Schüller Cristian, o baço embora um pouco aumentado, não costuma ser palpável Na doença de Lettere-Siwe, o baço está bem aumentado, fígado e linfonodos também hipertrofiam Diagnóstico: biópsia e exame histológico de um órgão afetado Síndrome de Fanconi O lactente é assintomático até 6 meses Quadro clínico: hiporexia, parada do crescimento, raquitismo, fotofobia, hepatoesplenomegalia e aumento de linfonodos, síndrome nefrótica Leucemia Na fase aguda, a hipertrofia do baço é discreta e o órgão é mole e pouco doloroso Na fase crônica, o baço é sempre palpável, duro e indolor O fígado hipertrofia-se por infiltração do tecido leucêmico, tanto na fase aguda quanto crônica Sintomas: palidez, perda de peso, febre, hemorragias Diagnóstico: hemograma completo e mielograma Síndrome de Hipertensão Portal Prolongada Esplenomegalia é a manifestação central Curso lento, insidioso, qualquer idade Presença de varizes esofageanas e circulação colateral no abdome Medula óssea hiperativa e hiperesplenismo Obstrução: intra, extra e supra-hepática (Budd-Chiari) Rim policístico: cistos nos rins e fígado. (Urografia excretora e biópsia hepática) Insuficiência Cardíaca Prolongada Cardiopatias graves, congênitas ou reumáticas, como a pericardite constritiva crônica, → descompensação → aumento da pressão venosa + congestão passiva do fígado e do baço → atrofia da polpa esplênica e substituição por tecido fibroso → esplenomegalia permanente Outras causas de Hepatoesplenomegalia Hipervitaminose A Hipertireoidismo Sarcoidose Osteoporose VOLTANDO AO CASO... Investigação Raio x de bacia, crânio, ossos longos: normais US abdominal: hepatoesplenomegalia volumosa Ecocardiograma: normal EDA: normal Raio x de tórax: consolidação em lobo superior direito Colangiorressonância: normal TSH aumentado (18,4) e T4 livre: 1,2 Ácido úrico aumentado (9,7) Coombs direto 2+/4+ Reticulócitos: normal Investigação 4 mielogramas: sem parasitas, sem células neoplásicas ou células de depósito Sorologia Calazar: indeterminada (1/40) PPD: NR e BAAR no escarro negativo Pesquisa para Gaucher: indeterminado Biópsia de medula: anemia hemolítica e presença de anticorpos anti-Diego A Alfa-fetoproteína: normal IgG 4410, IgM: 713, IgA: 669 Ceruloplasmina: normal Investigação Tratamento com Anfotericina B: 2 vezes (2ª vez suspensa por aumento de uréia e creatinina e aparecimento de edema) Tratamento com Corticóide: iniciado desmame (25% por semana) Espironolactona : edemaciado Hipóteses Diagnósticas Hepatoesplenomegalia a/e Anemia hemolítica auto-imune Pneumonia de repetição Desnutrição Impetigo Obrigada!!!