DISCUTINDO A DIVERSIDADE:
TRABALHANDO COM LIVROS DE LITERATURA INFANTIL
A presente dissertação teve como objetivo compreender os sentidos sobre a diversidade
veiculados pelas professoras do 3º período da Educação Infantil, através do trabalho com
livros de literatura em sala. O trabalho teve embasamento no referencial teórico sobre as
concepções de infância e de educação infantil; na história da literatura infantil e no uso que se
faz dela na escola e, por último, nos caminhos percorridos da exclusão à inclusão. Para tal
análise, utilizamos como estratégia metodológica a Análise de Discurso (AD) na perspectiva
francesa, cujo objetivo é compreender como um texto funciona, como ele produz sentidos,
sendo ele concebido enquanto objeto lingüístico-histórico. Após análise, compreendemos que,
quando os sentidos dados à infância e à educação infantil foram futuristas, o uso da literatura
e a prática pedagógica ficaram situados na formação discursiva didático-pedagógica. A
questão da diversidade, que perpassou todas as demais, foi marcada por uma formação
discursiva integracionista por estas professoras, no entanto, quando a concepção de infância e
de educação infantil apresentou um movimento para uma formação discursiva históricocultural, o mesmo aconteceu com o uso da literatura e a prática pedagógica; sendo a questão
da diversidade marcada por um processo de deslocamento para uma formação discursiva
inclusivista. A formação ideológica excludente, ainda muito presente em nossas escolas e
nossa sociedade, precisa que seus mecanismos sejam contados e recontados para que possam
ser questionados e assim dar lugar à formação ideológica inclusiva.
Palavras-chave: Diversidade; Prática Pedagógica; Educação Infantil; Educação Especial
The aim of this dissertation was to understand the different meanings of diversity taught by
3rd grade Children Education teachers, through the work developed with literature books in
class. The study was based in the theoretical reference on childhood and children education
conceptions, on the history of children literature and on how it is used in school, and on the
paths followed from exclusion to inclusion. For this analysis, the methodological strategy
used was that of the Discourse Analysis, under the French perspective, whose objective is to
understand how a text works and how it produces meanings once it is conceived as a
linguistic and historic object. After analysis, we understood that, when the meanings given to
childhood and to children education were futuristic, the use of literature and the pedagogical
practice were found to be within the didactic-pedagogical discursive formation. The question
of diversity, which permeated all others, was marred with a integrationalist discursive
formation of these teachers. However, when the childhood and children education conception
showed a movement towards a historic and cultural discursive formation, the same was
noticed in the use of literature and the pedagogical practice. The question of diversity is
therefore marred with a displacement process towards an inclusion-oriented discursive
formation. The excluding ideological formation, still very common in our schools and society,
needs its mechanisms to be assessed and questioned and thus bring forth the inclusionoriented ideological formation.
Key words: Diversity; Pedagogical Practice; Children Education; Special Education
DISCUTINDO A DIVERSIDADE:
TRABALHANDO COM LIVROS DE LITERATURA INFANTIL
Quando iniciamos a vida, cada um de nós recebe um bloco
de mármore e as ferramentas necessárias para convertê-lo
em escultura. Podemos arrastá-lo intacto a vida toda,
podemos reduzi-lo a cascalho ou podemos dar-lhe uma
forma gloriosa.
(BACH, 2000, p. 75)
O presente texto é fruto de uma Dissertação de Mestrado defendida em abril de 2005
no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora que foi
intitulada “Diversidade: Concepções e práticas na/da Educação Infantil desveladas através do
trabalho com livros de literatura”.
Tivemos como objetivo neste trabalho, compreender os sentidos sobre a diversidade
veiculados nos discursos das professoras 3º período da Educação Infantil, através do trabalho
com livros de literatura em sala, pois entendemos que os livros, em sua totalidade,
englobando histórias, imagens e suas interpretações, são discursos.
Como dispositivo para as análises, optamos pela utilização da abordagem de
investigação qualitativa (BOGDAN e BIKLEN, 1994), utilizando como estratégia
metodológica a Análise de Discurso (AD), orientada pela perspectiva francesa, que se iniciou,
em 1970, com Michel Pêcheux, já que sabemos que a AD não se constitui como uma
metodologia formal.
Tomamos como referência o trabalho de Eni P. Orlandi publicado em suas diversas
obras (1986, 1993, 1996, 1998, 2000), na qual a autora afirma que compreender é explicitar o
modo como o discurso produz sentidos, quer dizer, considerar o funcionamento do discurso
na produção de sentidos, explicitando o mecanismo ideológico que o sustenta.
Em suas obras, Orlandi afirma que o discurso é heterogêneo, existindo várias
formações discursivas num mesmo texto, que se caracterizam pelas diferentes relações
estabelecidas com a ideologia. Sendo assim, uma formação discursiva divide o espaço
discursivo com outras formações discursivas, numa constante interpenetração de sentidos
oriundos de formações ideológicas diferentes. A formação discursiva representa, pois, o lugar
de constituição do sentido e da identificação do sujeito.
Já as formações ideológicas se referem ao conjunto de atitudes e representações das
posições de classes em conflito umas com as outras. Neste sentido, cumpre ressaltar que o
sujeito se apropria da linguagem no interior de um movimento social, no qual está refletida
sua interpelação feita pela ideologia.
Nosso procedimento foi o de compreender tudo o que compõe o nosso corpus
discursivo, que foi constituído de: Teoria sobre infância, educação infantil, literatura infantil e
diversidade; entrevistas semi-estruturadas com as três professoras1 do 3º período da educação
infantil, pontuando questões sobre a formação profissional e suas concepções de educação
infantil, literatura infantil, diversidade e o uso que se faz da literatura em sala de aula para
discutir a diversidade; observações das duas aulas das professoras, nas quais foram
trabalhados dois livros de literatura infantil previamente escolhidos por elas, com filmagens
posteriormente transcritas e analisadas.
Ressaltamos ainda, que entre todas as diversidades humanas, enfocamos mais a
questão da deficiência, por esta ter maior visibilidade e assim se constituir numa das
categorias de maior exclusão social e, por conseqüência, da escola.
Para tal, realizamos nossa pesquisa com três professoras do 3º período da Educação
Infantil, de diferentes escolas municipais da periferia de Juiz de Fora nas quais tinham dentre
seus alunos, crianças com “Síndrome de Down”. A referida deficiência foi escolhida
aleatoriamente, sendo decisivo o maior número de ocorrência na série pretendida do que
outros tipos de deficiência.
Como principal referencial teórico para nossa análise, trazemos a questão da
diversidade humana que vem se configurando historicamente. Diversidade esta em que ser
homem ou mulher, branco ou negro, magro ou gordo, ter deficiência ou não, ser homo ou
heterossexual são apenas algumas das ínfimas probabilidades de sermos humanos.
Hoje não podemos mais fechar os olhos para as constantes mudanças sofridas pela
sociedade que seguindo o progresso das tecnologias e a rapidez das informações advindas
dele, vem refletindo, nas relações sociais, mudanças de posturas e de entendimento de homem
e de mundo.
Como sabemos, historicamente o ser humano percorreu o caminho que vem da
exclusão, constatada ainda na Antigüidade, no intuito de chegar à celebração da diversidade, o
que podemos chamar de paradigma da inclusão, que contempla todas as formas de existência
humana. A sociedade passou por três grandes momentos de mudanças: O Advento do
Cristianismo, que tem como demarcação de tempo a passagem de Jesus Cristo, separando-o
em antes (a.C) e depois (d.C); O Renascimento, na Idade Média, que deu início à
Modernidade, trazendo a universalidade do sujeito como sua característica maior e, o terceiro,
1
Denomino o momento Atual por Atualidade e não Pós-modernidade, como muitos autores definem, por considerar o referido período como
o de transição entre os pressupostos da Modernidade e uma nova era que ainda se encontra em construção.
sendo o momento Atual2, onde se convivem pensamentos da era Moderna e da Atualidade,
demarcando o movimento de ruptura e início do deslocamento de concepções que gera uma
outra visão de mundo e de homem.
A partir do Renascimento, mudanças significativas começaram a ser desencadeadas,
tanto no aspecto científico e social, quanto no político, econômico e no filosófico,
contrapondo-se à visão Teocêntrica.
Tal visão tradicional e supersticiosa da Idade Média, foi substituída por uma visão
científica, Antropocêntrica, baseada na razão, inaugurando a era Moderna. Isso causou no
homem uma instabilidade não só filosófica, de conhecimento, mas, acima de tudo,
psicológica, visto que, a partir de então, ele deixou de ser um ser passivo e foi forçado a se
assumir como sujeito histórico, ontológico.
A ciência foi um dos principais instrumentos responsáveis por esta ruptura. A tomada
de consciência, na Modernidade, de que o homem era capaz de agir e pensar por conta
própria, fez com que ele se lançasse no mundo como sujeito e não mais como objeto. Daí,
recorreu-se ao conhecimento científico, para garantir seu novo lugar perante o universo.
Tendo, a partir de então, a falsa pretensão de que tudo poderia e deveria ser explicado apenas
pelo saber científico.
A transição da era medieval para a Modernidade se caracteriza pela construção,
difusão e imposição de padrões e instrumentos de medidas, sendo o princípio do universal a
característica maior da Modernidade.
Esta, trazendo em si a idéia do absoluto, do ideal, veio, então, dar estatuto de
legitimação à exclusão arrastada desde a Antigüidade, através do estabelecimento de padrões,
deixando à margem do sistema social aqueles que não conseguiam os resultados esperados,
ressaltando, desta forma, a homogeneização e a hierarquização que toma como referência o
sujeito padrão.
O estabelecimento de padrões e a demarcação das pessoas e seus comportamentos
dentro ou fora deles retrata o poder que estava imposto nesta nova visão dicotômica de
sociedade Moderna que, instaurando as dualidades nos aspectos ético, estético e econômico,
demarca quem pode e quem não pode fazer parte dessa nova ordem social, através da
concepção de corpo produtivo trazida pelo Capitalismo e da visão funcionalista do mesmo.
2
Denominamos o momento Atual por Atualidade e não Pós-modernidade, como muitos autores definem, por considerar o referido período
como o de transição entre os pressupostos da Modernidade e uma nova era que ainda se encontra em construção.
A tendência era considerar como normais os padrões da classe dominante. Assim,
como herança temos, dentre muitas outras, as polaridades: melhor/pior, capaz/incapaz,
bom/mau, válido/inválido, normal/anormal, sendo a última importante foco para
fundamentação deste trabalho.
O sentido de anormalidade é bem definido por CMarques (2001, p. 50), como
“contraponto necessário para a construção do sentido de normalidade.” O homem moderno
cria o conceito de normalidade para se sentir seguro e afirma-se psicologicamente como
estando no caminho certo. Assim, a sociedade começou a se organizar e a se disciplinar para
atender às necessidades dos indivíduos, com base em valores previamente estabelecidos como
normais.
Desta maneira, o anormal é considerado o inadaptado, aquele que não se ajusta aos
padrões da sociedade, um desviante e, por sua vez, estigmatizado, estereotipado e
marginalizado no processo. Sendo assim, as vítimas das patologias sociais, com desvios de
normalidade, são, permanentemente, vigiadas e excluídas do convívio social para que não
“contamine” o restante da sociedade.
Conseqüentemente, estabelecidos os critérios de “pertencimento” ou não à faixa de
normalidade, a sociedade passa a avaliar seus membros conforme parâmetros por ela mesma
definidos.
Na Atualidade, os diversos valores passaram a se entrecruzar, pondo em xeque
concepções anteriormente existentes. Deparamos com um deslocamento de formação
ideológica que deixa de ser excludente e segregativa para rumar em direção à formação
ideológica inclusiva, onde os sujeitos deixam de ser percebidos como diferentes para serem
concebidos em sua diversidade.
De acordo com CMarques (2001) e CMarques e LMarques (2003), várias categorias
estão sendo repensadas, dentre elas a de projeto social, a de ciência, a de espaço e a de tempo.
Categorias que, durante séculos, sustentaram os paradigmas da Modernidade que hoje vem
cedendo espaço aos paradigmas da Atualidade.
Em relação ao projeto social, o princípio do universal vem dando lugar ao da
diversidade, a idéia de sujeito padronizado desloca para a de sujeito múltiplo.
O conceito de projeto social que era demarcado pelo pertencimento dos normais e
isolamento dos anormais, hoje vem dando lugar à convivência de todos. Inevitavelmente, o
poder que era centralizado nas mãos de poucos passa a ser difuso, não mais identificado num
determinado lugar ou pessoa.
Desta maneira, a escola, está tendo que repensar suas concepções para atender os
objetivos de uma sociedade inclusiva, já que o conhecimento científico não é mais absoluto.
Reconhece não existir um só conhecimento e sim vários, sendo que nenhum é mais
importante do que o outro, apenas diferentes formas de se conhecer e de lidar com o
conhecimento. Essa “relativização do conhecimento”, onde a ciência não é mais o único
saber, é uma das importantes características da Atualidade.
A nova concepção de tempo e de espaço, nos afetam diretamente. O espaço, antes
limitado, rompe as fronteiras, tornando-se ilimitado e o tempo de linear passa a ser concebido
como simultâneo.
Diante de tantas mudanças a escola está sendo repensada em todas as suas dimensões,
embora tardiamente, visto que, somente no final da década de 80 e início de 90 é que
começaram a se descortinar as diferenças sob o enfoque da diversidade, voltando seu olhar
para a multiplicidade da vida em sua essência. Isso rompeu com o esforço do homem
moderno de apagar o discurso e ressaltar o sujeito padrão, universal.
A verdade é que os dias Atuais imploram por uma nova identidade do homem, que não
seja mais tão bem delimitada como antes e que acompanhe as constantes transformações do
mundo, que através de seu estreitamento de fronteiras, confronta o tempo todo as identidades
conservadas e a distinção entre o que julgamos normal e anormal.
Todos os projetos da Modernidade tinham como princípio a universalidade, no
entanto, estes vêm dando lugar ao princípio da diversidade como concepção de vida, uma das
maiores transformações já vivenciadas até os dias de hoje. Dessa maneira, o maior desafio da
Atualidade é reconhecer, respeitar e, principalmente, viver a diversidade. Para isso ainda
temos um grande caminho a percorrer, mas este é um “inédito viável” (FREIRE, 2002), uma
utopia possível e que se tornou inevitável.
Todavia, não podemos esperar que a sociedade, assim como a escola, se prepare para
lidar com tal diversidade, pois isso só acontecerá a partir do momento em que todos estiverem
participando e convivendo socialmente, ou seja, quando todos tiverem que lidar com essa
diversidade, ressignificando seus conceitos.
Enfim, como bem sintetiza CMarques e LMarques (2003, p. 239), “não há um
caminho a se trilhar, mas a se construir (...) Assumir a diversidade é, em suma, assumir a vida
como ela é: rica e bela na sua forma plural de ser vida.” É construir um novo sentido ético e
moral para viver e conviver socialmente.
Levando em consideração que historicamente a escola foi uma das instituições sociais
convocada pela burguesia a colaborar com sua ascensão e manutenção política e econômica,
podemos afirmar que esta se valeu e ainda se vale da riqueza da literatura infantil 3 como
auxílio pedagógico para transmitir os ensinamentos, manipular as crianças e inculcar
ideologias conforme a visão adulta de mundo.
Numa sociedade que se diz democrática, a literatura infantil está diretamente ligada à
preocupação de formar sujeitos críticos e atuantes, ampliando seu horizonte cultural e
servindo como instrumento de mudanças e contestações. Mas será que sua utilização na
escola vem ao encontro deste objetivo?
A literatura possui uma função formadora e emancipadora, podendo através de seus
textos permitir os alunos refletirem criticamente sobre a realidade que os cercam, mas esta
também pode ser utilizada para inculcar padrões de comportamento que se julgue correto.
No início, a determinação pedagógica eximia dos textos a possibilidade de
interpretações e interrogações sobre o que se lia, apenas se narravam as histórias, persuadindo
o leitor ao não questionamento e à passividade diante do contexto social, o que Cademartori
(1994) chama de “monólogo do narrador.” Um exemplo disso são algumas fábulas que,
dentre outras características, tendo animais como personagens, narram sua história, trazendo,
ao final, a conclusão que o autor (adulto) deseja que o leitor (criança) chegue, ou seja, o que
se quer é transmitir um conceito moral e não discuti-lo.
Tal característica condizia com o quadro social em que estávamos vivendo e com a
estrutura da Modernidade de estabelecer padrões a serem seguidos. Com isso, durante muito
tempo o texto infantil não mencionava as mazelas existentes na sociedade, velando discussões
sobre racismo, sexualidade, segregação das mulheres, desrespeito à criança, ao idoso ou às
pessoas com deficiências, dentre outras, que somente, nos dias de hoje, vêm sendo veiculadas
nos livros que apontam e discutem cada um à sua maneira, sobre a diversidade humana.
Sensível ao momento histórico Atual, a nova geração de escritores propõe então “uma
linguagem que se pretende resgatar a voz dos oprimidos e silenciados, representados pela
criança. Desse modo, propõe um outro modelo de educação infantil, que se contrapõe ao
modelo conformista de criança obediente e reprimida vigente até então” (PONDÉ, 2003, p.
41). Modelo este que perpassa pelas várias concepções de educação infantil que norteiam o
nosso fazer pedagógico.
3
De acordo com Amaral (1992, p. 132), “O termo literatura infantil, engloba diferentes modalidades de texto: dos contos-de-fada, fábulas,
contos maravilhosos, lendas, as histórias do cotidiano, as biografias ou momentos históricos romanceados, aos documentários e textos
informativos.”
Compreender os suportes teóricos que permeiam tais concepções é de extrema
importância para se refletir sobre a prática pedagógica e fazer um trabalho reflexivo nesta e
em todas as etapas da educação.
As considerações finais
Após todas as coletas de fatos, pautados na estratégia metodológica de Análise de
Discurso (AD) e tomando como ponto de partida as condições de produção de cada sujeito
observado, buscamos desvelar os sentidos que as mesmas trazem e que, através de suas
práticas em sala de aula, deixam falar por si. Assim, estando consciente de que toda prática
está fundamentada numa determinada concepção de homem e de mundo, mesmo que, às
vezes, não nos demos conta disso, procuramos compreender os sentidos produzidos a partir
dos discursos de tais professoras no que se refere à discussão da diversidade humana em sala
de aula através do trabalho com livros de literatura infantil, compreendendo as formações
discursivas e ideológicas que sustentavam tais discursos.
Vale ressaltar de antemão, que tais considerações chegadas aqui não evidenciam uma
conclusão final das discussões e sim, uma das possíveis interpretações que meus dispositivos
de análises me permitiram traçar.
Inicialmente traçamos o perfil histórico da infância que se deu desde sua negação até a
valorização desta fase como importante etapa da vida humana, a qual nos permitiu elencar as
várias visões de reconhecimento desta etapa, bem como seu desdobramento em diferentes
formações discursivas.
No que se refere à Educação Infantil, educação esta direcionada para as crianças até 6
anos de idade, discorremos sobre a sua evolução histórica e suas abordagens psicológicas.
Dessa maneira, o sentido dado à infância nos discursos das professoras Graciele e
Jerusa se refere à concepção futurista. A criança é vista como um ser do futuro e não do
presente, no que chamamos aqui de formação discursiva futurista, todavia, esta, para romper
com posturas pré-concebidas, necessita ser vista como atuante no mundo, como um ser social
do agora, que possa utilizar suas aprendizagens para viver o presente, sendo que o futuro
ainda estar por vir, como nos dá algumas pistas a Professora Marcela, cujo discurso
denominamos estar localizado numa formação discursiva histórico-cultural.
A Educação Infantil é considerada por Graciele e Jerusa como preparatória para as
etapas seguintes, ou, em outras palavras, o hoje é vivenciado como suporte do amanhã,
visando à aplicação do que foi aprendido anteriormente. Já Marcela avança em seu discurso,
considerando a socialização e a vivência do hoje, situando-se numa formação discursiva
histórico-cultural.
A evolução histórica da literatura, bem como sua estreita vinculação com a escola foi
outro dado referencial de relevância para se atingir o objetivo desta dissertação. Refazer este
caminho nos permitiu desvendar a apropriação que a escola fez e faz da literatura infantil.
No que se refere, teoricamente, à literatura infantil, somente a Professora Graciele
mencionou o prazer como uma outra característica da literatura, embora essa não seja a
centralidade em seu discurso. Todas as professoras deixaram claro que a literatura é vista
teoricamente como mais uma estratégia didática de aprendizagem. É utilizada para fins
definidos a priori, por ser interessante, por adaptar-se à linguagem e ao entendimento dos
alunos, enfim, por abordar de forma criativa o objetivo maior da Educação Infantil que, para
as professoras é o de preparar para o ensino da leitura e da escrita, ou melhor, preparar para
alfabetização futura. Dessa forma, tais discursos sobre literatura mostram que a mesma
concepção dada à Educação Infantil e à infância, como etapas preparatórias para o futuro que
ainda estar por vir, é vista no uso da literatura, o que nos permite concluir que os discursos
das professoras se filiaram ao que se denomina formação discursiva didático-pedagógica da
literatura.
A prática pedagógica exercida no trabalho com a literatura evidencia essa mesma
formação discursiva didático-pedagógico com um objetivo pré-definido a se atingir, porém, a
professora Marcela vai mais além no uso da literatura e em sua prática, evidenciando um
deslocamento de concepção em direção a uma prática pedagógica histórico-cultural, cuja
realidade, interesse e criatividade do aluno são levados em consideração, desdobrando-se em
maneiras variadas de trabalhar com os livros de literatura como estratégia de reflexão
imediata de suas vivências e possibilitando maiores interações.
Nossa intenção não foi julgar e analisar o trabalho com livros de literatura pelo
simples propósito de analisar como as professoras trabalham com eles e, sim, analisar sua
prática, enfocando a discussão sobre diversidade. Assim sendo, o capítulo teórico elaborado
sobre o referido assunto nos serviu de referencial para tal análise. Neste capítulo descrevemos
historicamente a desconstrução do paradigma da Igualdade, dado da Modernidade em direção
à construção do paradigma da Diversidade num momento em que se denomina Atualidade,
cujo sua maior característica é o deslocamento da concepção de homem, que deixa de ser
visto como universal para ser concebido em sua diversidade, como um sujeito múltiplo, com
características únicas e individuais.
Hoje, como o assunto está em voga, fala-se de diversidade, de diferenças, mas a
prática ainda se pauta no apontamento e na identificação do diferente, reforçando os préconceitos existentes na sociedade.
Neste sentido, em se tratando da diversidade, o discurso das professoras trouxe
sentidos diferenciados. As professoras Graciele e Jerusa não propiciaram a reflexão das
diferenças como um dado constitutivo do ser humano e, sim, marcaram o diferente como
desviante do padrão, vinculando seus discursos na formação discursiva integracionista. Já
Marcela, apesar de utilizar com freqüência o termo “diferente”, situa seu discurso no sentido
da diversidade, onde as diferenças vistas como constitutivas do indivíduo dão sentido à
formação discursiva inclusivista, denotando um processo de deslocamento em tal direção.
No que se refere ao aluno com deficiência, novamente apenas a professora Marcela
demonstra fazer um movimento de aceitação e conscientização sobre suas potencialidades. As
demais, em seus discursos, produzem o sentido de negação, desconsiderando a capacidade de
aprendizagem de seus alunos sindrômicos.
Assim, as crianças com deficiência são, freqüentemente, rotuladas como incapazes de
aprender e comumente não são mediadas e, sim, toleradas.
A prática exercida com os livros de literatura infantil para discutir sobre a diversidade
está diretamente relacionada com a concepção que as professoras têm de infância e educação
infantil, bem como de literatura infantil; tudo isso perpassado pelo seu entendimento e
compreensão sobre a diversidade humana.
Após análise, compreendemos que, quando os sentidos dados à infância e à educação
infantil foram futuristas, o uso da literatura e a prática pedagógica ficaram situados na
formação discursiva didático-pedagógica. A questão da diversidade que perpassou todas as
demais foi marcada por uma formação discursiva integracionista por estas professoras.
Quando a concepção de infância e educação infantil apresentou um movimento para
uma formação discursiva histórico-cultural, o mesmo aconteceu com o uso da literatura e a
prática pedagógica; sendo a questão da diversidade marcada por um processo de
deslocamento para uma formação discursiva inclusivista.
Os sujeitos desta pesquisa, usaram a literatura infantil que trata da questão da
diversidade em sala de aula, reforçando a concepção integracionista ainda presente na
sociedade, embora uma delas já esteja num processo de deslocamento para a formação
discursiva inclusivista.
Todas as temáticas que se entrecruzam neste trabalho: infância, educação infantil,
literatura infantil e diversidade precisam ser focos de estudos e pesquisas de todos nós,
educadores, para que possamos caminhar além do que aqui está posto.
A formação ideológica excludente, ainda muito presente em nossas escolas e nossa
sociedade, precisa que seus mecanismos sejam contados e recontados para que possam ser
questionados e, assim, darem lugar à formação ideológica inclusiva.
Se já caminhamos para uma identificação do diferente, superando sua total exclusão,
cabe-nos agora avançar na aceitação das diferenças como uma condição humana. Se assim
for, nosso “Era uma vez...” iniciará outras histórias e nosso “bloco de mármore” (BACH,
2000) ao invés de seguir intacto ou ser reduzido a cascalhos, receberá formas diversas, mas
isto é um outro texto.
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