9 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU PROJETO "A VEZ DO MESTRE” SÓCIO-INTERACIONISMO NA EDUCAÇÃO INFANTIL por: LUIZA MARIA BOKELMANN Professora Orientadora: Diva Nereida Marques M. Maranhão RIO DE JANEIRO Março/2003 10 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU PROJETO "A VEZ DO MESTRE” SÓCIO-INTERACIONISMO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Monografia apresentada como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós Graduação Lato Sensu em Psicopedagogia para disciplina de metodologia da Pesquisa. Por: LUIZA MARIA BOKELMANN Professora Orientadora: Diva Nereida Marques M. Maranhão RIO DE JANEIRO Março/2003 11 AGRADECIMENTOS Primeiramente a Deus, pela força recebida para enfrentar os desafios ocorridos ao longo deste trabalho; Aos meus colegas pela força e estímulo para conquista desta vitória que é nossa; E à todos amigos e professores que acompanharam junto comigo a caminhada desta conquista. Muito obrigada. 12 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos amigos, que direta ou indiretamente, contribuíram, para a elaboração e conclusão desta monografia. 13 EPÍGRAFE “ O comprometimento confere energia, paixão e excitação(...) A pessoa comprometida não se limita a obedecer as “regras do jogo”. Sente-se responsável pelo jogo (...) Um grupo de pessoas verdadeiramente comprometidas com uma visão comum tem uma força avassaladora. É capaz de alcançar o que é aparentemente impossível”. Senge(1998:248) RESUMO 14 A interação de crianças de idades diferentes como conteúdo da Educação Infantil não é uma prática espontaneista. Cada educador possui sua própria idéia sobre a interação e como utilizá- la, em função do que aprendeu e vivenciou. Mas todas as opiniões tem algo em comum: a dinâmica escolar é gerada (e gera) por um sistema onde “o estar junto” não significa compartilhar. METODOLOGIA 15 4.1. Método A metodologia a ser usada para a realização deste trabalho será o método dedutivo, utilizando a teoria e as observações práticas para resolver as questões conforme acima definidas. 4.2. Técnicas Quanto à teoria, será empregada a pesquisa bibliográfica tradicional (fichamento do material pertinente publicado), e quanto à prática, serão utilizados os relatórios de observação em salas de aula dedicadas à educação infantil. 16 SUMÁRIO Introdução 9 Capítulo I Evolução do pensamento sobre a interação 11 Capítulo II As fases da Educação Infantil 19 Capítulo III A interação entre os alunos na Educação Infantil 23 Capítulo IV Valorização da interação na Educação Infantil 29 Capítulo V Limites do uso da interação na Educação Infantil 39 Conclusão 42 Referências Bibliográficas 43 Índice 46 Anexos 48 Folha de Avaliação 49 INTRODUÇÃO 17 A tendência mundial, refletida na posição oficial do Governo Brasileiro, manifestada na publicação Referencial Curricular para a Educação Infantil, elaborada pelo Ministério da Educação e do Desporto em 1998, é a de que a interação entre os alunos representa uma das estratégias mais importantes do professor para a promoção de aprendizagens pelas crianças, especialmente na Educação Infantil. O reconhecimento da importância do sócio-interacionismo representa um dos mais recentes estágios da longa evolução do pensamento sobre a interação em si, como um processo nato, e das relações entre o professor e os alunos e entre estes. Para o embasamento da melhor compreensão da mudança de atitude verificada e para facilitar a interação entre os alunos, torna-se necessário, em primeiro lugar, apresentar resumidamente as principais etapas desta evolução. A interação entre os alunos será analisada visando a obter subsídios para avaliar o potencial de sua utilização pelo professor no dia-a-dia da escola - e não somente durante as aulas - considerando-se os aspectos mais importantes a serem observados na condução do processo. A metodologia utilizada fundamentou-se numa revisão da literatura geral e específica, incluindo os ensinamentos teóricos e, onde necessário, destacaram-se as observações práticas apresentadas pelos autores para esclarecer um aspecto específico ou comprovar uma afirmação teórica de outro autor. Por tratar-se de tema que só recentemente desperta interesse mais amplo, o material disponível, embora valioso, ainda é restrito e disperso. Finalmente, é necessário chamar a atenção para o fato de que a interação entre os alunos não representa o estágio final da evolução do processo da aprendizagem; trata-se de uma ferramenta de ensino bastante complexa, cuja utilização demanda uma 18 ampla preparação e conscientização do professor e da direção do estabelecimento escolar e que implica aumento de dispêndios e de recursos nem sempre disponíveis. CAPÍTULO I 19 EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO SOBRE A INTERAÇÃO As pesquisas visando o entendimento do processo pelo qual o ser humano adquire a capacidade de internalizar o conhecimento concordam em que tal processo inicia-se já na fase da gestação e se encerra geralmente seis anos após o nascimento, ocasião em que a criança, normalmente, já “aprendeu a aprender”. Tal circunstância foi reconhecida logo no início do estabelecimento do sistema escolar organizado. Na época, em torno de 1850, começou a tornar-se obrigatória a matrícula da criança que completasse seis anos de idade. Este limite de faixa etária resultou da observação do comportamento das crianças por leigos e também por pesquisadores. Todas as teorias e métodos formulados por tais pesquisadores têm em comum alguns aspectos, entre os quais o que aqui interessa é o reconhecimento da importância da interação na formação do conhecimento, uma vez que, para a pessoa que interage de qualquer modo que seja com outras pessoas ou com o meio ambiente, resulta uma experiência adquirida - ou conhecimento. Não obstante, os teóricos diferem a respeito da importância da interação no processo de aprendizagem. Os enfoques básicos adotados nas pesquisas podem ser biológicos (incluindo os genéticos), psicológicos, evolucionistas, ambientalistas, sociais, culturais, políticos, religiosos e outros mais. Nas pesquisas, observa-se o comportamento da criança agindo sozinha em seu meio ambiente ou interagindo com adultos, outras crianças (mais novas ou mais velhas) e mesmo com chimpanzés. Este tipo de interação será comentado a seguir, porque, por comparação, parece explicar o processo peculiarmente humano de acumulação do conhecimento. 20 Entre as pesquisas realizadas com chimpanzés, destacam-se as realizadas por Michael Tomasello, que compilou as conclusões de diversos trabalhos seus e de seus associados no livro The Cultural Origins of Human Cognition - (1999). Segundo o autor, é indiscutível que o ser humano atual resultou do processo de evolução descrito na obra A Origem das Espécies de Charles Darwin (p.49). Entre os mamíferos, diferenciaram-se os primatas, nos quais nos incluímos com a classificação Homo sapiens - o homem inteligente. O que nos distingue dos outros primatas é a capacidade de repassar para as gerações seguintes, por símbolos, o conhecimento por nós adquirido. Os símbolos formam a cultura (linguagem) e a aprendizagem cultural, ou o ensino, representa o processo pelo qual as pessoas capacitam-se a reconhecer os símbolos, a interpretá- los e possivelmente a criar novos símbolos, que serão repassados às próximas gerações (p.95). Esta capacidade é específica dos seres humanos e resultou, segundo a hipótese do autor, de uma alteração genética - ainda não especificada - que permitiu que atribuíssemos aos outros os mesmos tipos de intencionalidade que experimentamos, algo que os outros primatas, p. ex., os chimpanzés, não conseguem realizar (p.40). Essa capacidade manifesta-se a partir dos nove meses de idade [mas não sempre - é o caso dos autistas] (p.63) e nos possibilita a participar em atividades conjuntas envolvendo atenção (no original, joint attentional activities) e, por sua vez, estas formam a base da pedagogia (p.96 ss). Deve-se notar que, na formulação desta hipótese, Tomasello adotou os pensamentos de Lev Vigotsky, especificamente identificando-a com as origens ontogenéticas da linha cultural do desenvolvimento cognitivo e utilizando o conceito de internalização. De fato, assim se expressou o mestre russo(Vigotsky, 1984 :31): “... a capacidade especificamente humana para a linguagem habilita as crianças a providenciarem instrumentos auxiliares na solução de tarefas difíceis, a superar a ação impulsiva, a planejar uma solução para um problema antes de sua execução e a controlar seus próprios comportamentos. Signos e palavras constituem para as crianças, primeiro e acima de tudo, um meio de contato social com outras pessoas.” 21 Do parágrafo acima, depreende-se que participar em atividades conjuntas envolvendo atenção, além de definir bem o conceito de interação, representa a base do processo de aprendizagem fundamentada no ensino, especificamente a interação entre professores e alunos. Neste contexto, cabe lembrar que a criança não aprende só através da interação com outras pessoas, mas também por experiências próprias vivenciadas na interação com o meio ambiente. Por exemplo, uma criança pode aprender a evitar o contato com a urtiga porque outra pessoa a alertou sobre o risco, mas, ao explorar sozinha o meio ambiente, pode esbarrar numa urtiga e aprender bem o que isto significa para o seu bem-estar. Retornando aos primórdios da educação organizada, vemos que a interação professor -aluno caracterizava-se pelo modelo autoritário, que colocava o professor no pedestal de ser supremo, impondo ao aluno a monotonia de aprender pela repetição, pelo modelo pronto e pela aula frontal, sendo considerado excelente método pedagógico o castigo físico para punir eventuais deslizes dos discípulos. No caso brasileiro, por exemplo, o uso da palmatória foi notório e levou muitas crianças a abandonar os estudos. Apesar da evolução dos métodos pedagógicos, o modelo autoritário ainda persiste no ensino. Ainda que os piores tipos de castigos físicos tenham sido eliminados, outros sobrevivem, ocorrendo no Ensino Infantil, conforme constatou recentemente Rosely Saião. No artigo de sua autoria O que não dá para admitir em um educador, publicado no jornal Folha de São Paulo (edição de 18 de outubro de 2001), constata: “Há professor que - pasme! Ainda hoje acredita que lavar com sabão a boca da criança que usou tal palavreado em sala de aula é uma maneira de ensinar o aluno a não repetir o feito”. As agressões morais aos alunos igualmente persistem, em todos os níveis de ensino, assim como a passividade do aluno durante as aulas 22 Estas circunstancias são bem definidas pela ‘sabedoria popular’ alemã que ainda hoje afirma que ‘crianças existem para serem vistas e não para serem ouvidas’.Mais cientificamente, Maristela Angotti (in Educação Infantil: muitos olhares, Zilma de Moraes Ramos de Oliveira [org.]) (1995, p.62), a partir de observações realizadas em pré-escolas, chegou à seguinte conclusão: “Este hábito do monólogo parece ser fruto do descrédito do professor no potencial de conhecimento do aluno, reforçando a idéia de que só o professor sabe.” Na evolução dos métodos de ensino, o modelo alterou primeiro a interação professor - aluno, adotando-se, em maior ou menor grau, o modelo participativo. Nesse modelo, destaca-se a concessão feita aos alunos do direito de se manifestar, inclusive questionando. Ao mesmo tempo, iniciou-se a tentativa de incentivar a capacidade de raciocínio do aluno, que deve, embora sob orientação, alcançar o resultado previsto através de seu próprio esforço, e não mais recebê- lo pronto do professor. Finalmente, reconheceu-se o fato de que o professor também aprende com o aluno. No início desta mudança de atitude, os teóricos reconheciam a importância da interação no aprendizado,mas alguns não iam muito além disso, servindo como exemplo Jean Piaget e C. Freinet. Assim, Yves de La Taille, no texto O Lugar da Interação Social na Concepção de Jean Piaget (1992,p.11), reconhece que Piaget “de fato... não se deteve longamente sobre a questão, contentando-se em situar as influências e determinação da interação social sobre o desenvolvimento da inteligência”. Não obstante, pelo menos duas afirmações do mestre revestem-se de importância para este trabalho. A primeira, de caráter genérico, está incluída no livro Biologie et Connaissance na forma do seguinte comentário: “A inteligência humana somente se desenvolve no 23 indivíduo em função de interações sociais que são, em geral, demasiadamente negligenciadas” (1967, p.314). A segunda, de caráter específico, é a freqüentemente citada (p.ex., de La Taille, 1992, p.18) afirmação de Piaget no sentido da necessidade de se reconhecer a influência de dois tipos de relação social (ou interação), que seriam a coação e a cooperação. Entende-se que, na prática, esta influência se aplica na interação professor - aluno, onde a coação representaria o modelo autoritário, e a cooperação a tendência atual no ensino em todos os níveis e também no caso da interação aluno - aluno, especialmente na Educação Infantil. No caso de C. Freinet, reconheceu este, de modo indireto, a importância da interação no aprendizado ao redigir sua invariante 24: “A nova vida da escola supõe a cooperação escolar, isto é, a gestão da vida e do trabalho escolar pelos que a praticam, incluindo o educador”. Embora não de modo explícito, nesta variante a idéia da interação está afirmada pela utilização do termo cooperação, dado que uma cooperação sempre representa uma interação; afinal, ninguém coopera por si só. No entanto, a formulação desta invariante não é precisa e necessita de uma interpretação no que se refere à participação dos alunos - que certamente participam do “trabalho escolar”. Um exemplo adequado de uma interpretação neste sentido é a afirmação contida no texto Premissas de Freinet da autora Nina Rosa Stein Ferreira(1998,p.15) : “A proposta de Freinet situa-se muito além de suas técnicas, estimula a busca dos professores por novos caminhos, num trabalho que promove uma nova interação professor e aluno.” Já Lev Vigotsky concedeu à interação um papel fundamental no aprendizado, conforme se depreende da afirmação de Marta Kohl de Oliveira (1993,p.38), constante do livro Vigotsky - Aprendizado e desenvolvimento - um processo sócio-histórico: 24 “A interação face a face entre indivíduos particulares desempenha um papel fundamental na construção do ser humano: é através da relação interpessoal concreta com outros homens que o indivíduo vai chegar a interiorizar as formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico.“ Esta citação reflete bem o pensamento de Vigotski, o de que o ser humano cresce num ambiente social e a interação com outras pessoas é fundamental para o seu desenvolvimento, idéia que se aplica perfeitamente à relação entre o professor e o aluno. Também no Brasil, os pesquisadores reconhecem a importância da interação no ensino. Genericamente, Paulo Freire (1996, p.25), em seu livro Pedagogia da Autonomia - Saberes necessários à pratica educativa, ensina da seguinte forma: “Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” Note-se que a segunda frase representa a descrição de um processo interativo. Especificamente, no caso da Educação Infantil, a tendência comprova-se pela constatação da educadora Sonia Kramer et al no sentido de que a “proposta de ensino na educação infantil deve encorajar as crianças a ter confiança e a tomar iniciativas” (1999,p.50). Ainda assim, não existe unanimidade, conforme se depreende da afirmação de Dutoit no sentido de que “a interação não é reconhecida como base para a construção de conhecimentos” (1999, p.42). O passo seguinte e mais recente consiste na tentativa da inclusão da interação aluno - aluno da mesma ou de diferentes faixas etárias no processo de aprendizagem, atuando o professor como mediador. Este seria o modelo interativo, mas o modo de utiliza- lo ainda não está plenamente definido. De modo geral, a interação aluno - aluno como método de ensino nos níveis superiores à Educação Infantil independe da atuação ativa do professor no papel de mediador, dado o grau de socialização alcançado pelos educandos. 25 Pode, sim, o educador promovê-la, consistindo um bom exemplo a apresentação dos resultados de um trabalho ou pesquisa realizado por um grupo de alunos (situação em que os alunos assumem o papel do professor, e este não raramente se vê confrontado com uma idéia nova) ou, no caso específico dos cursos de Direito, a realização de julgamentos simulados, onde a interação aluno - aluno pode atingir os limites da civilidade. Quanto à de interação espontânea entre os alunos, um exemplo ocorre quando um destes procura os colegas que possam e queiram transmitir um conhecimento específico, principalmente anotações de aulas. No contexto desta monografia, que se refere à Educação Infantil, não cabe elaborar este aspecto. 25 CAPÍTULO II AS FASES DA EDUCAÇÃO INFANTIL A criança absorve três fases na educação infantil: a da adaptação ao novo meio, a da aquisição do comportamento necessário para internalizar o conhecimento (disciplina, concentração, persistência etc.) e a da internalização do conhecimento. A necessidade da fase de adaptação ao novo meio é confirmada pelo texto Educação Infantil e Sócio-Interacionismo, de Maria Lucia A. Machado (1995,p.26): “O seu [do bebê] ingresso em uma instituição de caráter educativo o fará experimentar forçosamente e de forma sistemática, situações de interações distintas das que vive com sua família. Ao separar-se de sua mãe/pai, para interagir e compartilhar o mesmo espaço e brinquedos com outras crianças, vai conviver com ritmos nem sempre compatíveis com os seus e participar de um universo de objetos, ações e relações cujo significado lhe é desconhecido.” Em outros termos, a fase da adaptação ao novo meio caracteriza-se pelo desenvolvimento da socialização. De fato, ao ingressar na instituição de educação infantil, a criança vê-se confrontada com uma série de circunstâncias que deve entender e processar para se integrar no novo meio. A duração desta fase varia muito em função de fatores como a experiência adquirida, o meio social, cultural e familiar, as condições físicas e mentais e a abordagem pedagógica adotada pela instituição. No caso ideal, a criança adapta-se quase que imediatamente. No pior caso, a criança não se adapta, abandonando o estabelecimento. Neste processo, de início, a criança interage de modo semelhante com todos os colegas, adotando uma postura ativa ou observadora. Na medida em que vai catalogando as reações dos outros - agressivas ou cooperativas - passa a interagir preferencialmente com aqueles em quem reconhece interesses comuns (brincadeiras movimentadas, atividades criativas etc.). Esta fase proporciona muitas oportunidades para o emprego da interação aluno - aluno pelo professor. Por exemplo, é nela que se formam os “grupinhos”, que podem ser ou não convenientes. Assim, um grupinho “fechado”, cujos integrantes pouco interagem com os demais colegas, pode influir negativamente na socialização (“elitismo”). Também um grupo em que uma só criança exerça a liderança influencia de modo negativo a socialização (segundo J. Piaget, já citado, faltaria a cooperação necessária para que a interação cumprisse a sua função pedagógica). Já a interação entre os grupinhos, por exemplo, em competições, é valiosa porque auxilia a criança a adquirir a capacidade de respeitar regras e de aceitar resultados adversos sem se irritar. A necessidade da segunda fase, a de aquisição do comportamento necessário para internalizar o conhecimento, assim é descrita no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, apresentado em 1998 pelo Ministério da Educação e do Desporto (Vol.1,p.48): “As capacidades de ordem cognitiva estão associadas ao desenvolvimento dos recursos para pensar, o uso e apropriação de formas de representação e comunicação envolvendo resolução de problemas”. Nesta segunda fase, a influência da interação entre as crianças aumenta gradativamente. Isto porque o aluno deve adaptar a sua conduta e a sua postura em sala, reconhecer a necessidade do exercício da disciplina e da concentração, e este é um processo pessoal. Para o educador, trata-se de incutir nos alunos a vontade de aprender e de obter a satisfação com o trabalho bem executado. Phlippe Perrenoud, em seu texto Novas Competências Profissionais (1988, p.36) ao tratar da necessidade de envolver os alunos em projetos de pesquisa, afirma que o mais importante é que “...uma seqüência didática só se desenvolve se os alunos aceitarem a parada e tiverem realmente vontade de saber...”. Embora dirigida a professores de alunos adolescentes, esta constatação se aplica também à Educação Infantil, quando as crianças estão saindo da época do “Por quê” para aprender a encontrar as suas próprias respostas. A ocasião acima descrita é propícia para estimular o grupo a criar as suas próprias regras de convivência, visando a diminuir a possibilidade da ocorrência de conflitos e a propiciar os meios de solucioná- los. Quanto a este aspecto, deve o educador ter sempre presente que estas regras de convivência não devem ser canônicas, ou seja, inflexíveis; na medida em que a amplitude da interação no âmbito do grupo se desenvolve, certas regras iniciais podem tornar-se obsoletas e devem ser alteradas ou eliminadas por consenso do grupo, após serem questionadas e reavaliadas. Bem de acordo com o modelo interativo, o papel do educador neste processo deve ser o de mediador. Com o tempo, adquirida a segurança pessoal, as crianças interagem de modo positivo, nas atividades livres assim como nas dirigidas, com o que se encerra esta fase. A necessidade da fase de internalização do conhecimento prova-se mais pela ênfase dada pelos autores à necessidade das aulas serem “interessantes” para os alunos. Visando a evitar que o desinteresse destes leve ao popular “entrar por um ouvido, sair pelo outro”. Este aspecto é considerado por Célestin Freinet em sua invariante 16: “A criança não gosta de receber lições ex cathedra”. A internalização do conhecimento propriamente dita é a fase do cognitivo e nela é que a interação entre as crianças se reveste da maior importância do ponto de vista pedagógico. Todas as teorias reconhecem que a capacidade de absorção do conhecimento varia muito. Segundo J. Sonderegger (1995), esta circunstância cria para o professor a oportunidade de orientar os alunos mais experientes para repassar os seus conhecimentos aos colegas de desempenho médio, desta forma conseguindo tempo para poder se dedicar aos retardatários. Isto representa uma tentativa para que a classe apresente, ao final do período letivo resultados individuais relativamente homogêneos e correspondentes às idades dos alunos, também homogêneas, uma vez que a diferença entre as mesmas normalmente é menor do que doze meses. No caso das classes multi-seriadas, igualmente ocorrem as três fases descritas, mas com outras características, que derivam da heterogeneidade da turma no que se refere à idade e ao grau de conhecimento. Basicamente, a fase da adaptação ao novo ambiente se aplica somente a uma parcela menor da turma (os que estão ingressando), e não a todos os alunos A fase da aquisição do comportamento se aplica de modo evolutivo para os alunos com mais de um ano de participação na educação infantil. Finalmente, a fase da internação do conhecimento torna-se preponderante para aqueles que deixarão a turma ao final do período letivo. Neste contexto, ainda segundo Jörg Sonderegger (1995), cabe ao professor definir qual o papel a ser desempenhado pela interação, nada impedindo que ele centralize nela a sua abordagem individual ao lidar com a classe multi-seriada. CAPÍTULO III A INTERAÇÃO ENTRE OS ALUNOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL A interação entre os alunos no âmbito da Educação Infantil sempre ocorreu, e ainda ocorre. O modo de considerá- la evolui do mesmo modo que a interação entre o aluno e o professor o faz. Inicialmente, bem de acordo com o modelo autoritário, as observações e análises realizadas visavam a identificar comportamentos considerados “inconvenientes” para, depois, punir o pequeno infrator. No caso da Educação Infantil, a observação da interação entre as crianças também ocorria na área livre, mas não necessariamente de modo positivo, servindo de exemplo um comentário de Maristela Angotti em seu texto Semeando o Trabalho Docente, incluído na coletânea Educação Infantil: muitos olhares, coordenada por Zilma Moraes Ramos de Oliveira (1995,p 62): “A professora cuja atitude na situação de área livre - quando as crianças estão totalmente à vontade, com sua espontaneidade à flor da pele e quando estabelecem as mais belas trocas de experiência - se resume a ficar sentada, conversando com as colegas e limitando-se a supervisionar a brincadeira das crianças para que não se machuquem, perde a possibilidade de conhecer a essência de seus alunos e à luz desta redimensionar seu fazer.” Depois, tais observações e análises passaram a servir também na avaliação do grau do desenvolvimento individual, servindo de exemplo o Projeto Espectro desenvolvido nos Estados Unidos e apresentado por Gardner, com Krechevsky (1995), no âmbito do qual se elaborou uma Lista de Verificação da Interação com os Colegas. Ainda assim, a importância desta interação parece ter sido considerada um tanto relativa, uma vez que, dos quinze tipos de observações consideradas no projeto, a da interação com os colegas ocupa o último lugar. Tal pode ter resultado do fato de pertencerem as crianças a uma faixa etária muito restrita (48 - 52 meses). Nestes dois casos, o aluno era considerado somente um sujeito passivo no processo de aprendizagem. A evolução do aluno para sujeito ativo foi objeto de interesse mais amplo na década de 1990, inclusive no Brasil, onde o processo culminou no reconhecimento oficial da importância da interação entre os alunos na Educação Infantil, conforme se depreende das seguintes três citações extraídas do já citado Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, elaborado pelo Ministério da Educação e do Desporto em 1998: (Volume I - Introdução, p.31) “A interação social em situações diversas é uma das estratégias mais importantes do professor para a promoção de aprendizagens pelas crianças, cabendo ao professor propiciar situações que garantam a troca entre as crianças” (Volume II - Formação Pessoal e Social, p.40) “Propiciar a ajuda entre as crianças é também recurso a ser explorado, pois possibilita trocas muito interessantes.” (Volume III - Conhecimento de Mundo, p.105) “Permitir que elas [i. é, as crianças] falem sobre suas criações e escutem as observações dos colegas sobre seus trabalhos é um aspecto fundamental do trabalho em artes.” A terceira das citações acima é particularmente interessante, porque ao tratar das orientações didáticas no caso das Artes Visuais, indica um modo para aplicar a interação na prática. A interação entre crianças de faixas etárias diversas foi objeto de análise realizada por Rosana A. Dutoit. (1999). Em seu texto apresenta diversos aspectos positivos da interação. Não obstante o texto apoiar-se em observações das interações que ocorrem em creches, as vantagens verificadas também podem ser obtidas na Educação Infantil: “Uma rotina que prioriza a interação como eixo de sua estrutura permite observar que, quando as crianças trocam com outras de idades diferentes, diferenciam o eu e o outro, construindo a própria identidade, o que favorece o acesso a níveis crescentes de autonomia e independência. Tomam iniciativa, planejam e seqüenciam a própria ação para resolverem tarefas simples ou problemas da vida cotidiana; aceitam as pequenas frustrações e manifestam uma atitude tendente a superar dificuldades, pedindo aos outros ajuda adequada e necessária.” Sonia Kramer et al publicaram em 1995 o livro Com a Pré-Escola nas Mãos uma alternativa curricular para a educação infantil, no qual enfatizam a importância da interação entre os alunos na Educação Infantil. Especificamente, ao considerar a teoria de Piaget (1992, p. 30)constata a existência de diversas propostas didáticas resultantes de diferentes interpretações da obra do mestre. Ainda assim, afirma existirem sete princípios básicos comuns a todas as propostas, dos quais o terceiro interessa no contexto: “3) A criança se desenvolve no contato e na interação com outras crianças: a pré-escola deve sempre promover a realização de atividades em grupo” (p.30). O texto defende, entre outras, a tese de que na prática pedagógica é mais importante construir aquela metodologia apropriada às necessidades e condições dadas e aos objetivos formulados do que adotar uma metodologia pré-elaborada (p.37). O segundo dos seis princípios que devem orientar a construção da metodologia enfatiza a necessidade da observação das ações infantis e das interações entre as crianças, valorizando essas atividades (p.38). Adicionalmente, ao apresentar as diretrizes orientadoras da prática cotidiana, consideram que o conhecimento é coletivamente construído, reforçando: “Os intercâmbios entre as crianças são fundamentais, e o professor é um a mais no grupo: suas contribuições são imprescindíveis, mas não são a única forma de conhecimento da turma.” (p.89) O papel da interação nas classes multi-seriadas foi considerado na Suíça pelo já citado autor Jürg Sonderegger no texto Der Unterricht in Mehrklassenschulen (ou O Ensino em Escolas com Classes Multi-seriadas), publicado na revista Die Neue Schulpraxys (ou A NovaPrática Escolar), número 6/1995, pg. 10. Ao tratar especificamente da filosofia básica a ser adotada pelo professor no ensino, definiu que, de modo simplificado, existem quatro opções fundamentais: a abordagem gerencial, a abordagem de competência, a abordagem social e a abordagem ‘individualizadora’. Estas abordagens não se excluem mutuamente; ao contrário, sempre ocorrem em formas mistas. É na abordagem social que a interação entre os alunos assume o papel preponderante, conforme se depreende da descrição oferecida pelo autor (Sonderegger, 1995,p.10): “Ponto de partida é a estrutura social heterogênea da classe, que é encarada como oportunidade para o aprendizado. Os maiores assumem a responsabilidade pelos menores, nas atividades em grupo as faixas etárias são mescladas de modo intencional etc” [N.T: este etc. encerra a descrição no texto] Num estudo oficial sobre o desenvolvimento futuro da Educação Infantil na Suíça, o Dossier 48 A - Formação e Educação das crianças de quatro até oito anos na Suíça (1997, p.39), é recomendada a classe multi-seriada e multinacional. A razão apresentada é a seguinte: “A diferente origem cultural das crianças é vista como uma oportunidade e aproveitada como um ponto de partida de uma educação multicultural. Quer dizer, as crianças têm que decifrar a cultura própria e outras culturas, os valores, pontos de vista e conteúdos próprios e os dos outros. Uma tal educação abre importantes portas para um conhecimento prático da vida e para uma atitude mais aberta em relação a pessoas desconhecidas (estrangeiras).” Esta visão da heterogeneidade da classe é reforçada, no que se refere às idades dos alunos, quando o texto trata (p.42) das características que a futura Educação Infantil na Suíça deveria apresentar. Especificamente, a característica seria “Aproveitar as oportunidades da heterogeneidade das idades - os professores aproveitam as possibilidades didáticas que resultam da heterogeneidade das idades”, e a justificativa apresentada (aqui resumida) é a de que em classes formadas por crianças com idades entre quatro e oito anos, os alunos aprendem uns dos outros e em conjunto, e as crianças maiores ou mais talentosas apóiam as crianças menores ou menos avançadas. A concorrência em relação aos resultados diminui, enquanto por outro lado se desenvolve o aprendizado corporativo. Adicionalmente, as crianças que possam estar em situação de exclusão (i.é, marginalizadas) desfrutam da oportunidade de melhorar sua posição na textura social em prazos previsíveis. Depreende-se que, quanto à teoria, os pesquisadores e as autoridades nacionais e internacionais não só aceitam a utilização da interação como medida auxiliar no aprendizado, especificamente a interação entre os alunos, mas também a recomendam. Mas também se depreende do contexto das opiniões apresentadas que, na prática, atualmente ainda pouco se utiliza este recurso unanimemente considerado valioso. CAPÍTULO IV A VALORIZAÇÃO DA INTERAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL De um modo ou de outro, todo professor que atua na educação infantil utiliza a interação entre as crianças no seu trabalho, principalmente nas atividades livres, na ginástica e durante os trabalhos manuais. Um caso típico ocorre quando uma criança ingressa na escola após o início do ano letivo, e o professor solicita a outra criança, já “veterana”, que auxilie o novato a conhecer os espaços e as regras básicas do convívio. Esta técnica funciona porque uma criança, defrontada com um ambiente desconhecido, tende mais a confiar em outra criança do que em um adulto, ainda mais estando este revestido de sua orgulhosa experiência (autoridade). Na prática, a utilização da interação depende de alguns aspectos, dos quais o mais importante é a heterogeneidade da turma. Quanto maior forem as diferenças sociais, culturais e de idade, tanto maior será o potencial da interação. Assim, uma classe multi- seriada de uma escola bilíngüe presta-se mais para a valorização da interação do que uma classe com alunos da mesma idade falando um só idioma. Outro aspecto essencial é representado pelo envolvimento pessoal do professor.A utilização da interação exige do educador estudos adicionais, pois não é, via de regra, intuitiva; necessita ser aprendida. Também a formulação das atividades a serem propostas requer mais tempo e cuidado, uma vez que, no modelo interativo, o professor necessita assumir o papel de mediador no procedimento da aprendizagem. O esforço durante as aulas aumenta, e são necessárias reuniões periódicas com outros professores, onde se discutem diversos aspectos, com base em protocolos de observação e avaliação, que tomam tempo para serem escritos. Em terceiro lugar, a direção do estabelecimento deve estar, desde o momento em que se tomou a decisão de adotar o modelo interativo, pronta para aumentar seus gastos com a adaptação de espaços e a aquisição de materiais e também para enfrentar a reação das pessoas mais conservadoras. A literatura específica ainda oferece poucas orientações precisas sobre o modo de utilizar a interação entre as crianças na Educação Infantil. Uma exceção valiosa é o livro Immer drüü mitenand - Kleingruppen als Unterrichtsform im Kindergarten (ou Sempre três juntos - Grupos pequenos como forma de ensino no Jardim de Infância), redigido por uma equipe de educadoras e editado em 1990 pela Editora de Livros Pedagógicos do Cantão de Zurique, na Suíça. Fundamentada em observações e experiências iniciadas em 1978/79, a proposta das autoras consiste em trazer para a sala de aula o comportamento das crianças verificado no pátio, durante a recreação. Com efeito, neste período, as crianças tendem a formar grupos e deixar rédeas livres à fantasia, exercendo atividades que resultam num produto, muitas vezes imprevisto, porque o enfoque do interesse pode mudar durante o processo de criar ou brincar. A diferença é que, na sala de aula, o professor apresenta aos grupos de duas ou três crianças uma tarefa (Aufgabe) definida visando à feitura de um produto específico (Produkt). A vantagem que as autoras consideram mais evidente é a de que, individualmente, a criança dispõe de mais oportunidades de agir no grupo pequeno do que na turma como um todo. O exemplo fornecido é o da atividade denominada O que bóia O que afunda, durante a qual a criança consegue, num grupo de dois ou três, realizar no mesmo prazo bem mais experiências do que se ficar simplesmente em pé observando o professor fazer demonstrações e fornecer explicações. Trata-se da passagem direta do modelo autoritário do ensino para o modelo interativo. Para o professor, tal circunstância impõe certos sacrifícios, entre os quais o texto enfatiza três: o professor deve estar preparado para i) abdicar da supervisão e controle amplos do processo, ii) observar atentamente os grupos em atividade e iii) não recear o envolvimento com os conflitos. O modo de lidar com os conflitos na prática utilizando a interação foi objeto de um estudo intitulado Dauernd diese Streitereien! (ou Sempre essas briguinhas!) publicado na revista Kindergarten (= Jardim de Infância), edição de julho/agosto de 2001, pela educadora suíça Michaela Beck. Partindo da constatação de que o momento em que a interação entre os alunos torna-se mais intensa é quando ocorrem conflitos, comumente durante o período de recreação no pátio, quando as crianças normalmente entram em disputa, seja pela posse de um objeto (por exemplo, uma bola) ou de um espaço, a autora considera que estas ocorrências representam uma oportunidade valiosa para o professor que pretenda utilizar a interação entre as crianças como instrumento auxiliar no processo de aprendizagem Ao decidir pelo abandono da tendência usual para a intervenção autoritária, o educador pode organizar um tribunal de arbitragem formado pelas próprias crianças. O processo, ou ritual, de resolução de conflitos desenvolvido pela autora com fundamento em experiências do dia-a-dia da escola compreende quatro etapas. A primeira etapa é tão simples como difícil de ser implementada. - consiste tão somente num gesto e numa declaração feitos pela criança que se sente ofendida; a dificuldade reside na capacidade da criança ofensora de atender ao apelo. Este se inicia por um gesto - estender a mão com a palma aberta - e se finaliza pela frase “Stopp, hör auf”, que se reveste de interesse por demonstrar a influência do idioma inglês e de se tratar de um pleonasmo. “Stopp” nada mais é que a grafia suíça para o termo inglês “stop” (ou pare) e hör auf, que no idioma alemão possui o mesmo significado - pare. Devidamente condicionada - e este condicionamento é o que nem sempre é fácil de se conseguir - a criança ofensora respeitará a regra e cessará o ato ofensivo. A segunda etapa, realizada sem a interferência ostensiva do educador, consiste na busca conjunta de uma solução. O ofendido procura uma reparação, e os colegas decidem se o pedido é justificável; muitas vezes, basta um simples pedido de desculpas. A terceira etapa segue-se ao sempre possível fracasso da tentativa da segunda etapa, e apela para o imaginário infantil. Uma criança, não envolvida no conflito, assume o papel de um anão chamado Zwick-zwack (intraduzível), e formula três perguntas: O que se passou, o que você quer e o que vocês vão fazer agora com esta situação? Nesta etapa, em casos mais complicados que envolvam diversas crianças, o educador também pode assumir o papel do anão mediador. A quarta etapa, condicionada pela falha da terceira etapa, consiste na intervenção direta e autoritária do educador, mas pelo que se depreende do contexto da publicação, tal ocorrência não é comum. Embora a autora cite, na primeira etapa, somente uma regra - o ofendido pode interromper a ofensa por meio de um gesto e de uma frase convencionados - está implícito que, desde o ingresso na escola, as crianças estão submetidas a regras estabelecidas pela direção do estabelecimento e pelo professor. Uma proposta interessante é a de, logo no início do ano, orientar as crianças, que ainda não se conhecem bem, a estabelecer suas próprias regras de convivência. Considere-se o mundo adulto: as pessoas obedecem com mais facilidade a normas elaboradas com sua participação do que aquelas simplesmente impostas. O mesmo ocorre com as crianças. A diferença é que as regras por estas elaboradas não são inflexíveis, podendo e devendo ser alteradas na medida em que a convivência evolui ao longo do tempo. Um outro roteiro, que igualmente consiste de quatro etapas, para adaptar as crianças ao modelo interativo de aprendizagem na prática, forma a base do acima citado livro Sempre três juntos! e foi assim resumido pelas autoras: Primeira Etapa - atividades simples, não verbais, em grupos de dois; o uso da linguagem falada não representa uma premissa para o sucesso. Exemplos: guiar - seguir, colagem, “Eu sou um robô, mostre- me o que devo fazer”. Segunda Etapa - atividades em grupos de dois ou três e que necessitam de uma certa medida de cooperação, com uma proporção equilibrada entre as exigências da área lingüístico-social e as capacidades/habilidades específicas necessárias no contexto da tarefa. Exemplos: pintar algo em conjunto, teatrinhos simples inspirados no cotidiano (‘pai’ ou ‘mãe’ e ‘criança’ numa situação definida). Terceira etapa - certas capacidades lingüístico-sociais formam a premissa para a resolução da tarefa. Também nas outras áreas da personalidade as exigências aumentam. A tarefa para os grupos é formulada de um modo tal que se tornam inevitáveis a emissão de comentários e a tomada de decisões. Exemplos: escolher algo em conjunto (o quadro mais bonito), formar ou construir um objeto, teatrinho com base no cotidiano, porém mais desenvolvido. Quarta etapa - Os grupos executam diversas tarefas mais complicadas e relacionadas entre si. Exemplo: propostas para figurinos e acessórios de certas personagens de peças de teatro ou retiradas de um livro ou texto ilustrado. Este resumo do roteiro é encerrado por uma advertência, apresentada no texto original com muita ênfase gráfica: Decisiva para o sucesso é a nítida formulação do alvo pretendido e a exata formulação da tarefa proposta. O processo descrito envolve também a cooperação entre os professores de diversas turmas, ou seja, também os professores interagem durante reuniões periódicas (pelo menos cinco), nas quais se realiza a troca de experiências, incluindo a apresentação de protocolos de observação e avaliação, e planejam-se tarefas iguais para serem propostas às diferentes turmas, cujos resultados serão discutidos no próximo encontro. Em outras palavras, bem no sentido do que Paulo Freire (já citado) preconiza, não só as crianças devem aprender a utilizar a interação no aprendizado; os professores também aprendem a fazê- lo durante o desenvolvimento do processo, uma vez que este não está disponível de modo acabado. Cada classe, ou mesmo cada grupo de alunos, poderá necessitar, em função da própria textura sócio-cultural e etária, uma abordagem específica que leve em consideração as condições existentes. Neste contexto, uma tarefa adequada para uma turma pode não ser recomendável para outra turma. A participação dos pais, ou seja, a interação escola - família, não mereceu consideração das autoras. No Brasil, uma alternativa curricular orientadora do trabalho com crianças até seis anos foi organizada e apresentada em 1999 por Sonia Kramer (coordenadora), Ana Beatriz Carvalho Pereira, Maria Luiza Magalhães Bastos e Regina de Assis (p.37). Intitulada Com a pré-escola nas mãos, e já citada acima, a proposta se fundamenta na experiência prática das autoras, amparada por aspectos teóricos.No que se refere à teoria, a meta básica desta alternativa é assim descrita: “Implementar uma pré-escola de qualidade, que reconheça e valorize as diferenças existentes entre as crianças e, dessa forma, beneficie a todas no que diz respeito ao seu desenvolvimento e à construção dos seus conhecimentos”. Para realizar na prática esta proposta, as autoras escolheram como eixo condutor do currículo o que denominam Temas Geradores de Atividades Pedagógicas(p.50), nos quais se centram “atividades significativas, que têm objetivos claros do ponto de vista do adulto, e que, ao mesmo tempo, atendem aos interesses e necessidades das crianças, sendo prazerosas (lúdicas) e, simultaneamente, geradoras de produtos reais. São atividades, portanto, que têm um PARA QUE”. No entanto, não é nessas atividades que é centrada a proposta curricular em si, mas nas próprias crianças, vistas como pessoas, sujeitos sociais. A importância da interação entre as crianças para a aquisição do conhecimento é várias vezes considerada na proposta, na parte teórica e na parte prática, servindo como exemplo de valorização na prática uma orientação para as professoras especificamente no caso da ocorrência de uma situação de conflito na turma: devem as professoras “abrir o jogo” e pedir auxílio ao grupo de crianças para resolver determinado problema ou ajudar algum colega. Em comum com todos os modelos que incluem a interação entre as crianças como instrumento de socialização e ensino, esta alternativa apresentada por Sonia Kramer et al implica em mais trabalho para os professores também nas tarefas de planejamento das aulas e avaliação dos resultados, às quais é dedicada o quinto dos sete capítulos do livro e no qual são fornecidas indicações precisas para que o currículo obtenha sucesso. Assim, para que a integração da equipe pedagógica (diretora, supervisora, consultores, orientadora etc) com a equipe docente - considerada requisito básico para o trabalho - seja viabilizada, preconizam a realização de dois tipos semanais e um mensal de reuniões, fora do horário das aulas, além de cursos de reciclagem a cada semestre. Ao contrário da proposta elaborada em Zurique, esta alternativa curricular inclui os pais e responsáveis, dedicando o capítulo sexto à interação escola - família. Através desta, devem os educadores procurar conhecer melhor o contexto sócio-cultural no qual cada criança se originou e cresceu, para melhor compreender a maneira como ela está interagindo com os colegas. As autoras reconhecem as dificuldades que envolvem a promoção da interação (no texto, intercâmbio) escola - família, decorrentes da maneira como pais e profissionais se vêem uns aos outros, das expectativas diferentes, das condições objetivas e dos entraves que estas podem causar. As alternativas que apresentam para realizar a promoção são a realização de entrevista e reuniões, e a organização de festividades e visitas dos pais à escola. Na prática, pelo menos em uma escola do Rio de Janeiro já se utiliza a promoção da interação escola - família para promover a interação entre as crianças. Um exemplo específico, que provou ser efetivo, é o de organizar um projeto; no caso, a organização e o funcionamento de um atelier, culminando com o vernissage. Na primeira etapa, durante um certo tempo, as crianças ajudaram a transformar a sala de aula em um atelier. Para tal, necessitaram abrir mão de algumas atividades favoritas (casinha da boneca, cantinho da construção etc.) durante o desenvolvimento do projeto, o que nem sempre resultou fácil para elas, principalmente no início das atividades. A segunda etapa foi o grande dia, a inauguração do atelier, durante o qual os pais trabalharam com as crianças nas diversas modalidades oferecidas: pintura, carimbo, argila, carvão etc. Na terceira etapa, as crianças passaram a produzir suas obras no estilo e técnica de sua preferência, ao mesmo tempo absorvendo todo tipo de conhecimento - por exemplo, cores, formas, materiais, noções de física, química, biologia e a biografia e as obras de alguns pintores, mais precisamente Salvador Dali, Pablo Picasso e Paul Klee. Esta última área mostrou bem o potencial da interação entre os alunos. Confrontados com livros mostrando a produção de diversos pintores, democraticamente escolheram a obra dos três mencionados para servir de orientação e inspiração. Inicialmente, as crianças tinham a tendência de pular de canto para canto, sendo a quantidade do material produzido mais importante do que a qualidade. Ao longo da etapa, aumentou o poder de concentração e as parcerias tornaram-se mais comuns; ao final, criaram-se trabalhos bonitos, realizados com cuidado, paciência e técnica, resultado que provavelmente não teria se conseguido alcançar no mesmo prazo com a utilização do modelo participativo e certamente que não, caso adotado o modelo autoritário. Na quarta etapa, foram realizados os preparativos para o vernissage: arrumação do espaço, elaboração dos convites (projeto, execução e remessa). Na quinta etapa, realizou-se o vernissage, incluindo um coquetel, com a presença das famílias e da comunidade escolar. Esta interação dos pais ou responsáveis com as crianças, no ambiente da educação destas e desconhecido daqueles, propiciou para os adultos não só um melhor entendimento do funcionamento da escola; também lhes concedeu a rara oportunidade de interagir com suas crianças estando os papéis invertidos: as crianças detinham maior conhecimento dos assuntos em questão (i.é, a escola e o funcionamento desta) do que os adultos. CAPÍTULO V LIMITES DO USO DA INTERAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL A utilização da interação entre as crianças na Educação Infantil tem limites. O primeiro é a textura sócio-cultural e etária da turma. Em sendo muito homogênea, o esforço e dispêndios adicionais podem carecer de justificação, uma vez que os alunos pouco proveito derivarão do conhecimento dos seus colegas; deste fato resulta que a interação entre as crianças deve ser adotada preferencialmente em classesmultiseriadas. O segundo é a atitude dos educadores. Quanto aos professores, uma vez que a interação necessita mais empenho e dedicação, muitos preferem deixar de utilizá- la devido ao acréscimo de trabalho, desde a preparação, que leva mais tempo, até a execução. Certamente, é mais cômodo controlar o grupo como um todo do que ficar supervisionando seis ou sete grupos de três crianças. Adicionalmente, as condições em que trabalham podem provocar o desestímulo. Quanto à direção do estabelecimento, pode esta temer ou não ter condições de bancar os custos adicionais ou simplesmente não querer correr o risco de alterar aquilo que, bem ou mal, sempre funcionou, ou ainda querer evitar conflitos com os pais. O terceiro limite da utilização da interação entre as crianças na Educação Infantil é a atitude dos pais ou responsáveis, principalmente nas camadas mais conservadoras da população. De fato, se nem a evolução no ensino - do modelo autoritário para o modelo participativo - ainda se realizou por completo pelo receio do que é novo e desconhecido, quanto mais a evolução para o modelo interacionista. Não são todos os adultos que concordam com o que consideram uma perda da autoridade do professor; pelo contrário, preferem matricular seus filhos em escolas “tradicionais” e “disciplinadoras”, principalmente quando consideram ser rebeldia um explicável comportamento desviante da criança. Em comparação com este modelo autoritário, em que a única responsabilidade da criança é obedecer às regras impostas, o modelo interativo induz na criança uma outra percepção de responsabilidade, uma vez que ela participa da formulação de parte das regras a que se submete. Uma criança educada segundo os princípios do interacionismo certamente torna-se mais segura e decidida, questiona mais, e isso nem sempre agrada a certas categorias de adultos. Este aspecto teve a sua importância reconhecida no já citado Dossier 48 A elaborado por educadoras suíças; ao comentar criticamente a fase do ingresso da criança no sistema escolar, o texto declara ser de todo necessário que deficiências físicas e dificuldades no modo de se expressar ou de se comportar não sejam consideradas e tratadas como fracassos pessoais, mas que se reconheçam e fomentem as possibilidades positivas de desenvolvimento que a criança possa apresentar. Este ponto de vista humanitário, que não é compartilhado por muitos adultos (que preferem ver seus filhos matriculados em classes tão homogêneas quanto possível, em todos os sentidos), é endossado pelo Governo do Brasil. Com efeito, o primeiro volume do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil(p. 35), afirma: “A criança que conviver com a diversidade nas instituições educativas, poderá aprender muito com ela. Pelo lado das crianças que apresentam necessidades especiais, o convívio com as outras crianças se torna benéfico na medida em que representa uma inserção de fato no universo social e favorece o desenvolvimento e a aprendizagem, permitindo a formação de vínculos estimuladores, o confronto com a diferença e o trabalho com a própria dificuldade” O quarto limite se refere ao meio físico e sócio-cultural no qual se desenvolvem as interações. Quanto ao meio físico, torna-se imprescindível a presença de espaço e objetos adequados (Kramer et al- 1999,p.72). Conforme já mencionado diversas vezes, isso nem sempre será factível devido à falta dos recursos necessários. Quanto ao meio sócio cultural, a prática mostra que em ambientes onde ilegalidades não são somente toleradas, mas até aplaudidas, a interação pode resultar negativa. Assim, Gonçalves constatou que em ambientes periféricos, onde os recursos materiais escasseiam e as professoras atuam em condições adversas, “a relação entre criança/colega surge de forma pouco cooperativa, parecendo ser alimentada a idéia de competição e zombaria entre elas (ao menos em uma das turmas)” (1990,p.175). É necessário ressalvar que esta relação de causa e efeito apontada pela autora não é absoluta, uma vez que mesmo onde os recursos materiais são abundantes e as professoras atuam em condições favoráveis podem ocorrer os mesmos fatos, porém de outra forma: a competição e a zombaria em escolas das classes abastadas freqüentemente ocorrem em função das vestimentas. Outro exemplo de resultado negativo deriva da freqüentemente citada (p.ex., de La Taille, 1992,p.18) afirmação de Piaget no sentido da necessidade do reconhecimento de dois tipos de relação social, a coação e a cooperação; no caso do Ensino Infantil, a interação entre uma criança que se proclama líder e as outras, às quais impõe a sua vontade, não necessariamente é benéfica. CONCLUSÃO A interação que sempre ocorre entre colegas na educação infantil representa uma oportunidade para auxiliar a aprendizagem, mas, para que isto ocorra, torna-se necessária a presença de alguns fatores, entre os quais se destacam um diferencial da experiência já adquirida pelas crianças, resultante da origem sóciocultural ou da diferença das idades, o engajamento do professor e da direção do estabelecimento no planejamento e na execução (sobretudo em áreas carentes de recursos), um clima de cooperação entre o professor e os alunos e entre estes próprios e a presença de infra-estrutura adequada, além de, idealmente, uma interação mais ampla entre a escola e as famílias dos alunos. As vantagens da utilização da interação entre as crianças são a maior facilidade na socialização e na percepção e compreensão do outro, a maior aceitação das regras, com conseqüente redução não só dos conflitos mas também das conseqüências destes, o desenvolvimento do senso de responsabilidade, o maior período para cumprir o programa, o desenvolvimento da capacidade de trabalhar em grupo e a observação e avaliação mais apurada. As desvantagens são a necessidade de mais recursos materiais e de tempo, a maior carga de trabalho para os professores, as possíveis dificuldades com os pais e responsáveis e a possibilidade da interação ocorrer sob a forma de coação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS OLIVEIRA, Zilma M. R. de. Educação infantil: muitos olhares. 2a edição São Paulo: Cortez Editora., 1995. KRAMER, Sonia. Com a Pré-Escola nas Mãos. 13ª edição Rio de Janeiro: Ed. Ática, 1999. LA TAILLE, Yves de. 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ÍNDICE Folha de rosto 2 Agradecimentos 3 Dedicatória 4 Epígrafe 5 Resumo 6 Metodologia 7 Sumário 8 Introdução 9 Capítulo I Evolução do pensamento sobre a interação 11 Capítulo II As fases da Educação Infantil 19 Capítulo III A interação entre os alunos na Educação Infantil 23 Capítulo IV A valorização da interação na Educação Infantil Capítulo V Conclusão Limites do uso da interacão na Educação Infantil 29 39 42 Referências bibliográficas 43 Índice 46 Anexos 48 Folha de avaliação 49 ANEXOS FOLHA DE AVALIAÇÃO UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES SÓCIO-INTERACIONISMO NA EDUCAÇÃO INFANTIL LUIZA MARIA BOKLMANN Data da entrega: Avaliado por: conceito: Avaliado por: conceito: Avaliado por: conceito: Conceito Final: