mudanças climáticas O POVO | Fortaleza, 26 de maio de 2010 O Homem Conferência Kyoto Amazônia Como representantes das nações debatem o aquecimento global nas CoPs O que prevê o Protocolo com a negociação de créditos de carbono entre países Quais os recursos para preservação de uma das maiores riquezas do planeta Editorial O Homem O que governantes das nações tem feito para reduzir os impactos das mudanças climáticas? Na década de 70, países do mundo inteiro começaram a perceber a importância de se preocupar com o meio ambiente. Em 1972, reuniram-se em Estocolmo para a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, que acabou resultando na criação do PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Mais tarde, o PNUMA e a Organização Metereológica Mundial, vendo a necessidade de melhorar seu entendimento científico sobre as mudanças climáticas decorrentes das atividades humanas, acabaram criando, em 1988, o IPCC, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas. Com a publicação do primeiro relatório do IPCC, apontou-se a necessidade de estabelecer uma convenção para cooperação internacional em torno do enfrentamento das mudanças climáticas, as CoPs (Conferência das Partes). São nas CoPs que países desenvolvidos e em desenvolvimento debatem sobre políticas de mitigação dos impactos do aquecimento global. A sociedade, muitas vezes, parece passiva ao assunto. Tomada por um distanciamento inexplicável. Como se tanto faz um governante ter projetos ambientais ou não. Neste caderno, o leitor vai ver quem é o homem que enfrenta essa crise. E vai perceber que é ele quem deve estar a par do debate. E exigir, atentamente que o meio ambiente, as mudanças climáticas estejam em pauta como assunto emergencial. Paula Lima > [email protected] mudanças climáticas O POVO | Fortaleza, 25 de maio de 2010 A Terra Planeta Efeito estufa Nordeste Como a Terra reage às injustiças climáticas provocadas pelas mudanças de clima Você sabe o que é efeito estufa? Como a emissão de gases de efeito estufa está causando o aquecimento global O semiárido, bioma mais frágil do ecossitema, é o que mais vai sentir os impactos climáticos Ontem A Terra O caderno apresenta o cenário e as conseqüências das mudanças climáticas. mudanças mudanças climáticas O POVO | Fortaleza, 27 de maio de 2010 n mudançasclimáticas n Fortaleza, 26 de maio 2010 A Luta 02 Energia Os parques eólicos cearenses já abastecem 40% do consumo elétrico do estado Água O gerenciamento dos recursos hídricos pra driblar a seca nordestina Ceará A prática de técnicas de mitigação dos impactos do aquecimento global Amanhã A Luta As ações de combate à crescente emissão de GEE. E como cidadãos e empresários contribuem para salvar o planeta. Índice expediente Presidente | Luciana Dummar Vice - Presidente| João Dummar Neto Diretor Geral de Novos Negócios | Demócrito Filho Diretor Institucional | Plinio Bortolotti Diretor Financeiro | André Azevedo Diretor Geral de Jornalismo|Arlen Medina Diretora Executiva de Redação | Fátima Sudário Editor Chefe Executivo | Erick Guimarães Diretora Comercial | Mariza Quinderé Diretoria de Mercado Leitor | Victor Chidid Presidente|Luciana Dummar Diretora Executiva|Eloísa Vidal 02 A tensão política 08 Protocolo de Kyoto Diretor Executivo|Markus Brose Gerentes|Waldir Mafra, Renata Pereira e José Cláudio Barros Projeto Mudanças Climáticas e Combate à Pobreza Diretor Executivo|Markus Brose 10 Concepção|Cliff Villar e Markus Brose Coordenação Geral|Eloísa Vidal e Cliff Villar Consultoria Técnica|Juliana Aziz Russar (CARE Brasil - São Paulo), Paulo Arlindo Oliveira e (Fortaleza) e Ayri Saraiva Rando (Teresina) Gestão de Execução|Ana Cavalcante Executivo de Produção| Tiago Barbosa Assessoria de Imprensa| Joelma Leal Marketing | Delviane Melo TRILOGIA MUDANÇAS CLIMÁTICAS Coordenação e edição|Paula Lima Projeto gráfico|Alessandro Muratore Textos|Alinne Rodrigues, Larissa Lima Ilustrações| J. Domingues Fotos| Arquivo O POVO e divulgação O Projeto Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Local é uma iniciativa da Fundação Demócrito Rocha, do Grupo de Comunicação O POVO, e Governo do Estado do Ceará, em parceria com a CARE Brasil, com o apoio da CARE Reino Unido com recursos do DFID – Department for International Development UK. 12 Fundo Amazônia 16 Artigo: negociações climáticas n mudançasclimáticas n Fortaleza, 26 de maio 2010 Valores do clima 03 Política A tensão política Como se desenrolam as negociações internacionais sobre políticas de mudanças climáticas? Encontros anuais, acordos paralelos e protocolos colocam a prova os interesses econômicos de países desenvolvidos e em desenvolvimento Larissa Lima > [email protected] Embora em algum momento n mudançasclimáticas n Fortaleza, 26 de maio 2010 da história alguém tenha contribuído mais ou menos para aquecimento global, não dá para pôr a culpa num só continente, país, estilo de vida ou indivíduo. Então, como o problema foi gerado pela sociedade humana conjuntamente, ela precisa encontrar dentro de suas fragmentações econômicas, políticas e culturais uma forma de trabalhar em conjunto soluções para as mudanças climáticas. Depois de as primeiras discussões e troca de conhecimento entre cientistas com uma visão global de clima terem se intensificado nos anos 70, a 04 primeira tomada de decisões com a participação de representantes de diversos países para tentar diminuir os efeitos das ações humanas no clima foi a Rio 92, ou Eco 92, como também é conhecida. A Cúpula da Terra chegou à assinatura da Agenda 21, um documento assinado por 179 países, com compromissos com a sustentabilidade e caráter multiplicador. Não à toa, vários estados, cidades e instituições têm construído ao longo dos anos sua própria Agenda 21. Ainda na ECO-92, foi adotada a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UN- FCCC, na sigla em inglês). Os países que assinaram a convenção se comprometeram a, no longo prazo, tentar estabilizar a concentração de Gases do Efeito Estufa (GEE) num nível que evitasse a interferência humana perigosa no sistema climático. No entanto, não foram fixadas metas de diminuição das emissões dos GEE e os Estados Unidos ratificaram a UNFCCC, mas não ratificaram o Protocolo de Kyoto. A UNFCCC passou a realizar encontros periódicos para avançar nas negociações internacionais para gerar comprometimentos mais concretos dos governos, as Conferências das Par- Emissões de CO2 tes (CoPs). A proposta de efetivamente reduzir as emissões de carbono só virou um compromisso político mensurável com a assinatura do Protocolo de Kyoto. Como a própria UNFCCC, atesta, “a maior diferença entre o Protocolo e a Convenção é que, enquanto a Convenção estimulou os países industrializados a estabilizarem as emissões de GEE, o Protocolo os compromete a fazerem isso.” Os Estados Unidos, naquele momento, o maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, não aderiram à proposta (até hoje), pois alegam que ratificar Kyoto iria afetar sua economia negativamente. CoPs Histórico das CoPs COP1 Berlim – 1995 A primeira Conferência das Partes - incerteza quanto ao significado do que cada um dos países possuía para combater as emissões de gases com efeito de estufa. Resultou no Mandato de Berlim, que estabeleceu um período de dois anos de análise e fase de avaliação. COP2 Genebra – 1996 Foi estabelecido que cada país deve ter liberdade para encontrar as soluções que forem mais relevantes para sua própria situação. As partes manifestaram o desejo de objetivos vinculantes com força de lei. COP3 Kyoto – 1997 COP7 Marraqueche – 2001 As negociações sobre o Protocolo de Kyoto foram (quase) completas. Os resultados foram reunidos em documentos chamados Acordos de Marraqueche. COP8 Delhi – 2002 Nesta conferência houve a tentativa, sem sucesso, de obter uma declaração passada apelando para mais ações das Partes da UNFCCC. COP9 Milão – 2003 O foco desta conferência foi o de esclarecer alguns dos últimos detalhes técnicos sobre o Protocolo de Kyoto. O Protocolo de Kyoto foi aprovado após intensas negociações. Pela primeira vez, introduziram-se metas obrigatórias de emissões de gases de efeito de estufa em 37 países industrializados, pelo período de 2008 a 2012. COP10 Buenos Aires – 2004 COP4 Buenos Aires – 1998 COP11/CMP1 Montreal – 2005 COP5 Bonn – 1999 COP12/CMP2 Nairobi – 2006 Havia várias questões pendentes relativas ao Protocolo de Kyoto. Assim, foi definido um período de dois anos para esclarecer e desenvolver ferramentas para a implementação do Protocolo de Kyoto. Discussões técnicas sobre o Protocolo de Kyoto. COP6 La Haya – 2000 Os Estados Unidos propôs permitir que áreas agrícolas e florestais pudessem ser incluídas como sumidouros de carbono. Se a proposta tivesse sido aprovada, os Estados Unidos poderia cumprir, em grande parte, a obrigação de redução de suas emissões de gases de efeito estufa. Países da União Européia recusaram uma proposta de compromisso, as negociações fracassaram. COP-6 bis Bonn - 2001 Os Estados Unidos, com o seu novo presidente Bush, que definitivamente rejeitou o Protocolo de Kyoto, passaram a participar das negociações sobre o Protocolo apenas como observador. Mas foram definidas medidas flexíveis que, permite entre os países as obrigações de reduções, em troca de uma compensação financeira. Países começaram a abrir discussões a respeito do que iria acontecer quando o primeiro compromisso (2008 - 2012) do Protocolo de Kyoto expirar, em 2012. Esta conferência foi a primeira após o Protocolo de Kyoto ter entrado em vigor. O foco foram as discussões sobre o que deve acontecer após a expiração primeiro período de compromissos do Protocolo de Kyoto em 2012. Aqui, os últimos remanescentes de questões técnicas relativas ao Protocolo de Kyoto foram atendidas. Uma série de marcos foram estabelecidos no processo rumo a um novo acordo. COP13/CMP3 Bali – 2007 O trabalho envolvido na obtenção de um novo acordo para pós-2012 foi um passo decisivo. Aprovação do Plano de Ação de Bali. Este plano estabelece o cenário para as negociações a serem levadas à CoP15. COP14/CMP4 Poznan – 2008 Sentido de trabalhar em um novo acordo climático global. A Conferência foi caracterizada pela antecipação da postura a ser adotada pelo novo governo americano. Ainda, as Partes chegaram a um acordo sobre o Fundo de Adaptação, que vai apoiar medidas de adaptação concretas nos países menos desenvolvidos. saiba+ CoP16 Yvo de Boer, secretárioexecutivo da Convenção do Clima das Nações Unidas, garantiu no encerramento da reunião realizada em Bonn, na Alemanha, em abril deste ano, que o mundo não terá um acordo global sobre o clima em 2010. “Cancún não trará um resultado. Pode chegar a uma arquitetura operacional, mas um tratado levará mais tempo”, disse De Boer, em relação a 16ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre o Clima (CoP16), que será realizada entre novembro e dezembro, no México. De acordo com ele, o foco dos países nos próximos meses deve estar em medidas práticas para ajudar os mais pobres a salvar as florestas. Yvo de Boer acredita que um tratado climático global com peso de lei só deve ser assinado na CoP-17, em 2011, na África do Sul. n mudançasclimáticas n Fortaleza, 26 de maio 2010 Desde 1995, as Conferências das Partes mobilizam governantes das nações para o debate sobre as mudanças climáticas. Este ano, a CoP16 será em Cancún, no México FONTE: http://en.cop15.dk/climate+facts/process/cop1+%E2%80%93+cop14 / http://unfccc.int/meetings/items/2654.php 05 O debate Negociações da CoP 15 A mais recente Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CoP15) foi realizada em dezembro do ano passado em Copenhague, na Dinamarca. O principal resultado do encontro foi o Acordo de Copenhague. O documento, que é uma declaração política e não tem nenhum valor legal junto à ONU, prevê uma contribuição anual de US$ 10 bilhões entre 2010 e 2012 para que os países mais vulneráveis possam enfrentam os efeitos da mudança climática, e US$ 100 bilhões anuais a partir de 2020 para a mitigação e adaptação. O acordo deve ser revisado em 2015. José Miguez, coordenador-geral de Mudanças Globais de Clima do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), adianta que o próximo passo das negociações internacionais em torno do clima é acertar o que será feito após 2012, quando terminar o primeiro período fixado pelo Protocolo de Kyoto. “O segundo trilho de negociações são as medidas adicionais da Convenção, que poderão incluir mais ações dos países que não fazem parte do Protocolo. Será o caso dos Estados Unidos”, explica. Segundo ele, mesmo com a mudança de governo nos EUA, a postura política americana não deixa esperanças de que o País venha a integrar o Protocolo de Kyoto. “Eles continuam na mesma posição. O novo presidente, Barack Obama, diz que o Senado não ratificaria o protocolo”, acrescenta Miguez. Assim, com medidas extra-protocolo, a comunidade internacional espera que os EUA possa contribuir para a redução de emissões de GEE. “Copenhague não nos deu um claro acordo em termos legais, mas o compromisso político de buscar um mundo de baixas emissões é irreversível. Isso exige novas cooperações com o setor empresarial” n mudançasclimáticas n Fortaleza, 26 de maio 2010 Yvo de Boer, chefe climático da ONU 06 você sabia? Tristes previsões James Lovelock (90) criador da Teoria de Gaia, em uma entrevista ao jornal The Guardian,disse: ” Eu não acho que nós já tenhamos evoluído a um ponto em que somos capazes de lidar com situações tão complexas como a mudança climática. Nós somos animais muito ativos. Gostamos de pensar,‘Ah sim, esta seria uma ótima política,’ mas isso nunca é tão simples. As guerras nos comprovam o quanto esta afirmação é verdadeira… a mudança climática é como uma repetição de uma situação em tempos de guerra. Ela pode facilmente nos levar a uma guerra física”. “No lugar de termos visto um colapso total, em que nada tivesse sido feito e um passo para trás tivesse sido dado, pelo menos não houve muitos retrocessos” Barack Obama, presidente dos EUA Brasil Fórum Cearense de Mudanças Climáticas “Assumimos um compromisso e aprovamos no Congresso Nacional, transformando em lei que o Brasil, até 2020, reduzirá as emissões de gases de efeito estufa de 36,1% a 38,9%” Luiz Inácio Lula da Silva >> Lula presidente do Brasil Participação brasileira O Brasil teve uma atuação expressiva para um país em desenvolvimento na CoP15. O país, que está entre os cinco maiores emissores de gases de efeito estufa do planeta (75% das emissões brasileiras de GEE são decorrentes do desmatamento da Amazônia), nunca havia aceitado falar em compromissos mensuráveis de redução de emissões, alegando o princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas. De acordo com esse princípio, os países desenvolvidos são os maiores contribuidores históricos para o aquecimento global, portanto devem liderar seu enfrentamento e buscar por soluções. O governo brasileiro sempre muito criticado internamente por não fazer seu dever de casa, desde a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente no Rio de Janeiro, em 1992, e não formular e implementar uma Política Nacional e um Plano Nacional sobre Mudanças do Clima. Na tentativa de de tomar seu lugar de líder, o Brasil decidiu abandonar seus discursos sem consistência, anunciando metas de redução de emissões futuras de gases de efeito estufa, até 2020, de 36,1% a 38,9%, sendo que o desmatamento da Amazônia em 80%, até 2020, faz parte desse esforço. “Nós também resolvemos mais três coisas importantes: diminuir o desmatamento no cerrado; o setor siderúrgico nosso, nós vamos trabalhar para que ele utilize carvão vegetal e não carvão mineral, para também diminuir a emissão de gases de efeito estufa; e a nossa matriz energética, que já é a mais limpa do mundo, do ponto de vista da energia elétrica, nós temos 85% de energia elétrica limpa. Portanto, o Brasil estava totalmente à vontade. O Brasil foi considerado, durante todo o encontro, como o país que apresentou a melhor proposta, como o país que trabalhou isso corretamente”, garante o ex-Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. A comemoração maior gira em torno da aprovação da lei 12.187/09, que institui a Política Nacional sobre Mudanças do Clima. A lei prevê a edição de decreto presidencial para estabelecer como a meta será atingida, com o seu detalhamento específico a ser cumprido por cada setor da economia do país. A regulamentação da lei depende da publicação do Segundo Inventário Brasileiro de Emissões de Gases de Efeito Estufa. você sabia? Pioneirismo cearense Para quem vê de longe, é uma cena lúdica. Na ponta de cada poste de luz, um avião – com cara de brinquedo – tem uma tarefa bastante importante: gerar energia. O poste híbrido está instalado hoje no Palácio Iracema, sede do governo do Ceará. O custo é, segundo a empresa, igual ou inferior aos postes convencionais. Ele economiza até R$ 21 mil por quilômetro por não usar energia da rede elétrica. n mudançasclimáticas n Fortaleza, 26 de maio de 2010 Desde 2008, o Ceará conta com o Fórum Cearense de Mudanças Climáticas e de Biodiversidade. Atualmente, a presidência da entidade está com o Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente do Estado (Conpam). De acordo com a legislação, o objetivo do fórum é elaborar propostas de objetivos gerais, princípios e diretrizes da Política Estadual sobre mudança do Clima, em articulação com o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, implementado ainda no ano 2000. O Fórum também tem a desafiadora missão de estimular a inclusão da dimensão climática nos processos de decisão das políticas públicas setoriais e regionais. Outra área de atuação é o incentivo a pesquisas e a projetos educacionais nos temas ligados a mudanças climáticas. 07 Kyoto O Protocolo de Kyoto O que é o Protocolo de Kyoto? É um acordo internacional vinculado à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Desde quando o Protocolo existe? O protocolo foi adotado em dezembro de 1997, num encontro em Kyoto no Japão, mas só entrou em vigor em 2005. O que o protocolo estabelece? Determina metas de ações para 37 países industrializados e a Comunidade Europeia para a redução das emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE). Essa redução seria uma média de 5% em relação aos níveis de 1990 entre os anos de 2008 e 2012. De acordo com o princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas, o Protocolo de Kyoto cobra mais ações das nações desenvolvidas por levar em consideração que os níveis altos de emissões de GEE na atmosfera são resultado de mais de 150 anos de atividade industrial. n mudançasclimáticas n Fortaleza, 26 de maio 2010 Protocolo ou novas oportunidades de mercado? 8 O Protocolo de Kyoto prevê mecanismos em que os países desenvolvidos podem comprar de outros países os chamados créditos de carbono quando tiverem ultrapassado o limite de emissões de GEE fixados. Assim, um país que emitiu menos pode vender os créditos para outro. O Protocolo também gerou recursos para os projetos que são considerados participantes do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). O MDL tem como objetivo promover o desenvolvimento sustentável em países em desenvolvimento e permite que projetos de redução de emissões nesses países possam vender depois os créditos gerados como reduções certificadas de emissões (RCEs) aos países desenvolvidos que precisam cumprir metas. Guilherme Valladares, diretor-executivo da Ambiental PV, trabalha com a con- sultoria de ONGs que querem desenvolver projetos que possam ser reconhecidos como MDL. Para ele, esse mecanismo ainda não alcançou no Brasil as expectativas de quando o Protocolo foi implementado. “Essa expectativa era muito grande e eu diria que não foi cumprida”. A ausência do governo americano no acordo limitou o potencial de mercado de MDL. No entanto, segundo conta Guilherme, o Brasil viu surgir nos últimos cinco anos um mercado voluntário de carbono. Nesses casos, quem compra os créditos das reduções não são os governos, mas as empresas, inclusive dos Estados Unidos. “Elas têm interesse em responsabilidade social e ambiental, em aprender como funciona esse mercado e em poder contar com esses projetos no seu portfólio no início do processo, podendo acertar preços mais baratos”. MDL Guilherme Valladares afirma que, além de prestar consultoria a outros projetos, a Ambiental PV também desenvolve ações próprias. Uma delas é desenvolvida no Recôncavo Baiano. A empresa desenvolveu uma tecnologia diferenciada para os fogões à lenha que otimiza a utilização dessa lenha e diminui, assim, a quantidade de gás carbônico liberado com esse tipo de queima. Segundo relatório do Ministério de Ciência e Tecnologia, até o último mês de abril havia 445 atividades de projetos de MDL promovidas pelo Brasil, ficando atrás de China, em primeiro lugar, e Índia. Quase a metade dos projetos brasileiros de MDL são da área de energias renováveis. A outra maior parte (16,6%) envolve a suinocultura, que contribui para a emissão de gases do efeito estufa com seu sistema de produção e no armazenamento dos dejetos gerados. Também há projetos nos setores de aterros sanitários e troca de combustível fóssil. Em 2007, a COP-13, em Bali, na Indonésia, lançou à comunidade internacional um plano com duas palavrinhas mágicas que ainda precisam alcançar maior efetividade nas políticas locais relativas às mudanças climáticas ao redor do mundo: “mitigação” e “adaptação”. Em relação à mitigação, ou seja, reduzir a contribuição do homem para o efeito estufa, o plano prevê, por exemplo, que existam “compromissos nacionais de mitigação que sejam mensuráveis, verificáveis e reportáveis, incluindo objetivos quantificáveis para os países desenvolvidos”. O plano também inclui políticas e incentivos para o programa colaborativo das Nações Unidas para a redução de emissões por desflorestamento e degradação de florestas em países em desenvolvimento (REDD, em inglês.) Uma nova conferência nos moldes da Rio 92 deve ser realizada em 2012. A Rio+20 começa a ser organizada. O Protocolo de Kyoto prevê mecanismos em que os países desenvolvidos podem comprar de outros países os chamados créditos de carbono você sabia? Lei anti fumo limpou o ar A lei que proíbe o cigarro em ambientes fechados públicos, principalmente bares e restaurantes teve um efeito ambiental positivo. Um estudo feito pelo Instituto do Coração, em São Paulo, revela que a restrição diminuiu a concentração de monóxido de carbono em 73,5% nos ambientes dos estabelecimentos. O estudo foi feito em 700 lugares onde há a proibição. n mudançasclimáticas n Fortaleza, 26 de maio 2010 saiba+ 9 Entrevista Valores do clima Coordenadora do Estudo Econômico das Mudanças Climáticas, Carolina Dubeux, fala sobre os incentivos econômicos à mitigação de impactos do aquecimento global Paula Lima | [email protected] “De acordo n mudançasclimáticas n Fortaleza, 26 de maio 2010 com o relatório Stern, divulgado em 2006 e posteriormente reavaliado pelo autor em 2008, o custo de se investir em redução de emissões seria de 2% do PIB mundial para evitar perdas de 20% com a mudança do clima neste século. Portanto, investir em redução de emissões é fundamental”, diz a pesquisadora Carolina Dubeux coordenadora do Estudo Econômico das Mudanças Climáticas no Brasil. Ainda assim as políticas de clima se arrastam nos congressos e nas CoPs. Os avanços das negociações enfrentam o vilão do lucro das grandes indústrias. É possível um crescimento econômico aliado à preservação ambiental? 10 O POVO - Quais as políticas mais expressivas de incentivo econômico à preservação ambiental? Carolina Dubeux - No Brasil, as maiores emissões vêm da derrubada das florestas. Neste caso, as reduções de emissões de desmatamento poderiam ser obtidas com o pagamento por serviços ambientais da floresta em pé, tornando a conservação ambiental atraente do ponto de vista do agricultor. Enquanto os benefícios da conservação forem somente da sociedade, não haverá disposição em colaborar por parte dos agricultores em áreas de fronteira agrícola. É necessário que eles também sejam beneficiários da redução do desmatamento, com remuneração adequada. Paralelamente, deveria haver a criação de um mercado doméstico de carbono, pois as atividades econômicas que têm baixo custo de mitigação poderiam reduzir suas emissões além das cotas a elas designadas pelo governo (ou adquiridas em leilões), e vender tais cotas àquelas atividades que têm custos elevados de mitiga- ção. Isto é o que acontece em mercados onde há obrigatoriedade em se reduzir emissões, como na União Europeia, por exemplo. E como o custo de redução do desmatamento é baixo, na hipótese deste mercado ser criado, poderia haver transações de carbono domésticas que incluíssem as reduções de emissões de florestas, reduzindo ainda mais os custos das empresas e aumentando a oferta de recursos pelos serviços ambientais. Há ainda outras medidas que podem levar os agentes econômicos a terem um desempenho ambiental mais adequado. É o caso das taxas de carbono que mudam os preços relativos fazendo com que produtores procurem emitir menos como forma de aumentar a competitividade de seus produtos, na medida em que os consumidores procuram por produtos mais baratos (que têm menores custos com pagamentos de taxas de carbono). Enfim, há um número bastante grande de opções e arranjos econômicos que levam a economia a um desen- “ O custo de se investir em redução de emissões seria de 2% do PIB mundial para evitar perdas de 20% com a mudança do clima neste século. Portanto, investir em redução de emissões é fundamental” Entrevista bate-pronto Em breve conversa, por telefone de Nova York, o pesquisador Rubens Born, coordenador do Vitae Civilis, fala sobre políticas climáticas O POVO - Quais as medidas que o Brasil vai tomar para que a gente comece a desaquecer o Planeta e a diminuir as emissões de gases de efeito estufa? Rubens Born - O Governo anunciou uma série de medidas no final de 2008 no Plano Nacional de Clima. Esse plano tem, em linhas muito gerais, tem metas de diminuição gradativa do desmatamento, de balancear o uso de produtos vegetais, de reflorestamento. Quando foi lançado, tava uma colcha de retalho, mais para uma carta de intenções, por- que não tinha especificado como conseguir cumprir as metas. Em Copenhague, o governo chegou a anunciar uma série de metas, as chamadas metas voluntárias, sobre o desmatamento, para diminuir as emissões de carbono de 37% nos próximos anos. O plano tem algumas medidas – vale a pena entrar no site do Ministério do Meio Ambiente – desde ações como renovação de geladeiras antigas, que liberam CFC, que ataca a camada de ozônio. Mas não se sabe que órgão faz o que, nem o que setor privado faz. Você tem algumas cidades que tem suas políticas municipais, a Amazônia e e São Paulo têm leis estaduais, outros estados estão elaborando. O caminho ainda não ficou muito claro. OP - Quais os custos para implantar essas medidas? Rubens - Em Copenhague, o governo anunciou que a execução do plano custaria R$ 167 bilhões ao longo da próxima década. Pra mim não ficou claro o que entrou nessa conta. Estamos finalizando dois estudos, um de certa maneira já está feito que é sobre oportunidade e criação de novos empregos, os empregos verdes. Mas não temos dados mais aprofundados e, por isso, você não consegue precisar esses números. Queremos fazer um estudo sobre as oportunidades e necessidades de financiamento para lidar com a mudança de clima. Tem alguns estudos feitos pela USP, Federal do Rio de Janeiro sobre economia do clima. Mas ainda vejo essa parte de custos meio nebulosa. n mudançasclimáticas n Fortaleza, 26 de maio 2010 Alemanha Japão 20% com a mudança do clima neste século. Portanto, investir em redução de emissões é fundamental. Como, no entanto, não há como se evitar que alguma mudança ocorra em razão do provável aumento de temperatura dadas as projeções de concentração de gases na atmosfera, não se pode deixar de investir também em adaptação de modo a minimizar as perdas. Índia Russia Brazil Indonésia OP – O que é economicamente mais viável: busca de soluções rápidas e eficientes para a redução dos gases de efeito estufa ou fazer um planejamento a longo prazo? Carolina - De acordo com o relatório Stern, divulgado em 2006 e posteriormente reavaliado pelo autor em 2008, o custo de se investir em redução de emissões seria de 2% do PIB mundial para evitar perdas de União Européia OP - Quais os custos para implantar as necessárias medidas de mitigação ao aquecimento global? Carolina - Considerando um aumento médio de temperatura de 5 graus celsius, o estudo Economia da Mudança do Clima no Brasil analisou os principais impactos na agricultura e na confiabilidade do sistema energético. No caso da agricultura, analisou os seguintes cultivos: arroz, algodão, café, feijão, soja, milho, cana de açúcar e mandioca. Considerando um horizonte de 2050, para os seis primeiros seriam necessários investimentos anuais de R$990 milhões por ano em melhoramento genético, de modo que possam ser adaptados China OP - Como conciliar crescimento econômico e preservação ambiental? Carolina- De duas maneiras básicas: 1) Internalizando os custos ambientais nos preços dos produtos e serviços, de modo que os produtos que mais “consomem a natureza” sejam mais caros, o que muda o comportamento do consumidor e, por conseguinte do produtor, e 2) Aumentando o nível de educação da sociedade para que as pessoas tenham condições de fazer escolhas ambientalmente mais corretas. a temperaturas elevadas e a deficiência hídrica. Isto evitaria perdas de R$ 10 bilhões por ano na hipótese destas culturas não mais serem aptas ao plantio onde o são atualmente. No caso da energia, seriam necessários investimentos adicionais considerando o horizonte de 2035, de R$ 93,6 milhões em geração elétrica com custos operacionais de R$ 12,7 milhões anuais. Estados Unidos volvimento menos carbono-intensivo. Para isto, há que se ter determinação política e agência reguladora competente. 11 Amazônia Fundo Amazônia: “negócio de um bilhão de dólares” Você investiria US$ 110 milhões num mau negócio? Esse é o valor da doação feita pela Noruega ao Fundo Amazônia, criado pelo governo brasileiro em 2008. E é só o começo n mudançasclimáticas n Fortaleza, 26 de maio 2010 Larissa Lima > [email protected] 12 Até 2015, o Brasil recebe um total de US$ 1 bilhão dos noruegueses. Faz mais sentido se pensarmos que os recursos vão para a preservação de uma das maiores riquezas naturais do planeta. A Floresta Amazônica sozinha abriga cerca de 30% das espécies conhecidas de flora e fauna do mundo. Um dos pontos de partida do fundo é que o investimento na redução do desmatamento e no manejo sustentável das florestas é um dos mais seguros em termos de ganhos para a crise do clima. O Fundo Amazônia é gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e começa agora a implementar projetos financiados por sua primeira doação, a da Noruega. Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental, é a representante do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS) no comitê orien- tador do Fundo Amazônia. Ela explica que o mecanismo começou a fazer suas primeiras análises de projeto a partir da doação norueguesa e que há a perspectiva de que novos projetos sejam aprovados em breve. “Hoje temos mais de 50 projetos sendo analisados e cinco que já foram analisados e estão sendo contratados. Agora é que vai começar a funcionar, o que é natural, pois é um processo lento estruturar um mecanismo como esse”, justifica. Segundo Adriana, as ONGs têm algumas visões para o fundo. A primeira é de ele ser transparente, com informações acessíveis à sociedade. A segunda é que ele seja acessível às organizações locais da Amazônia, em especial aos movimentos indígenas, de seringueiros. “A gente tem muito trabalho a fazer, mas tem uma perspectiva de geração de recursos para dar continuidade para as estratégias para diminuir o desmatamento”. saiba+ Uma das primeiras ações a se beneficiarem do Fundo Amazônia será a continuidade do programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), o maior do planeta na área de conservação e uso sustentável de florestas tropicais do planeta. Ele é promovido numa parceria público-privada entre governo federal e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade. Internet www.fundoamazonia.gov.br n mudançasclimáticas n Fortaleza, 26 de maio 2010 Desmatamento Mapa do desmatamento ILUSTRAÇÃO 6 13 Amazônia n mudançasclimáticas n Fortaleza, 26 de maio 2010 A destruição da Floresta 14 Enquanto no resto do mundo os vilões do aquecimento global são as emissões de gás carbônico pela queima de combustíveis fósseis, o Brasil amarga um lugar entre os cinco países mais poluidores mesmo com uma matriz energética considerada relativamente limpa. Por aqui, o desmatamento e as queimadas são responsáveis por grande parte das nossas emissões de carbono para a atmosfera. Essa é uma história que a Floresta Amazônica conhece muito bem. Um estudo do Banco Mundial, com apoio do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), alerta que o Brasil pode perder 95% da Floresta Amazônica até 2075. A culpa seria do fracasso do país em deter o desmatamento e as queimadas, combinado com os efeitos das mudanças climáticas. Em média, o avanço da devastação na região amazônica fez com que a floresta “contribuísse” com uma emissão anual de 200 milhões de toneladas de carbono para a atmosfera na última década do século XX. Mesmo com ações de combate ao desmatamento, a destruição de boa parte da Floresta Amazônica é dada como certa. O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) ajudou a construir dois cenários considerando os cenários “pessimista” e “otimista” para o aquecimento global até 2050. Se nada for feito para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, estima-se que um total de 2,7 milhões de km² da floresta estariam desmatados até 2050. Mas algo ainda pode ser feito. O estudo também considerou que a criação e a manutenção de unidades de conservação e terras indígenas e o aumento de governança na região pode mudar esse cenário, reduzindo em 40% a destruição prevista para a floresta. Ainda assim, grande parte da Amazônia seria desmatada e o Brasil ainda emitiria, por meio dela, 17 bilhões de toneladas de CO2. As comunidades tradicionais e indígenas já têm um papel fundamental na conservação da floresta. Em suas terras, o desmatamento é mínimo. Calcula-se que as 282 terras indígenas e 61 reservas extrativistas da Amazônia brasileira estão preservando um estoque de carbono florestal da ordem de 15,2 bilhões de toneladas, o que representa 32% do estoque total de carbono da Amazônia. Caminhos Mais informação para população e gestores públicos Jogue mais futebol! Quatro estudantes de engenharia de Harvard desenvolveram uma bola que gera energia elétrica. A geringonça consegue captar a energia do impacto, que normalmente é perdida. Só 15 minutos de pelada são suficientes para iluminar uma pequena lâmpada de LED por três horas ou carregar um aparelho de celular. A Soccket, como foi batizada, tem só um inconveniente: ainda é mais pesada que outras bolas. Mas os meninos de Harvard já estão estudando alternativas para deixá-la mais leve. O projeto está em teste em países africanos, como Quênia e África do Sul. Se der certo, a Soccket poderá iluminar a vida de mais de 1 bilhão de pessoas que ainda usam querosene para ter energia elétrica. Os pulmões agradecem. públicos de órgãos municipais, estaduais e federais de áreas estratégicas passarem por capacitação no Estado. A articulação já resultou num projeto de compras públicas sustentáveis na Secretaria de Meio Ambiente do Piauí. O objetivo é adotar critérios socioambientais nas licitações, “não executar a compra só pelo menor valor”, detalha Rando. Os gestores estaduais já investiram na utilização de papel reciclável, na adoção do biocombustível na frota do Estado, na compra exclusiva de madeira certificada e na troca das lâmpadas incandescentes por fluorescentes, que economizam mais energia. O Piauí também tem potencial para investimentos em projetos que podem gerar créditos para o mercado de carbono. A CARE Brasil também atuou na identificação dessas ações no Estado. n mudançasclimáticas n Fortaleza, 26 de maio 2010 você sabia? No Piauí, a CARE Brasil trabalha desde 2008 com ações que repercutem a preocupação com as consequências das mudanças climáticas para as populações que devem ser mais afetadas no Nordeste. “A ideia do projeto é pensar como as populações mais vulneráveis, as de menores rendas, podem se adaptar aos efeitos prévios como inevitáveis às mudanças climáticas e como trabalhar ações de mitigação”, explica Ayri Saraiva Rando, analista do projeto da CARE Brasil de apoio à política estadual de mudanças climáticas e combate à pobreza no Piauí. As atividades no Piauí devem servir de experiências piloto para a aplicação em outros estados. Uma das primeiras ações do projeto foi promover oficinas para difundir informações sobre mudanças climáticas com líderes comunitários. Depois, foi a vez de os servidores 15 Artigo A realidade das negociações climáticas n mudançasclimáticas n Fortaleza, 26 de maio 2010 O ritmo das negociações de clima tem um ritmo próprio que está totalmente desconectado da realidade. A especialista em mudanças climáticas, Juliana Russar, aponta os rumos do debate 16 “Podemos negociar sobre o clima, mas não podemos negociar com o clima e pedir mais tempo” – foi o que um negociador da Indonésia disse em uma das reuniões da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (UNFCCC) que antecedeu a CoP-15, conferência realizada em dezembro de 2009, em Copenhague, na Dinamarca. Esta afirmação é muito marcante porque simboliza o estado atual das negociações de clima. A cooperação internacional é mesmo imprescindível, pois só um esforço de todas as nações permitirá que as emissões de gases de efeito estufa atinjam seu pico entre 2015 e 2017 (de acordo com recomendações científicas) e sejam reduzidas drasticamente com objetivos de médio e longo prazo para impedir mudanças climáticas catastóficas. No entanto, o tempo continua passando e não há nenhum acordo à vista, muito pelo contrário, em 2010, o que se vê é a tentativa de recuperação da confiança perdida dos países em desenvolvimento em relação ao processo da ONU depois da articulação de poucos em torno do “Acordo de Copenhague” e, infelizmente, a ausência de liderança dos países desenvolvidos, que deveriam estar à frente das discussões e da implementação de ações de mitigação, adap- tação, transferência de recursos financeiros e transferência de tecnologia, já que foram eles que, ao longo da história, emitiram mais gases de efeito estufa e se beneficiaram disso para se desenvolver. Deixando as críticas de lado, a Organização das Nações Unidas, mais especificamente a UNFCCC, é o único fórum legítimo para negociar acordos sobre o tema e com capacidade de preservar ao máximo os princípios do multilateralismo, inclusão e transparência. As reuniões do G-8 e do G-20, que nos últimos anos têm incluído mudanças climáticas na agenda, e que este ano acontecerão no final de junho no Canadá, são importantes para que os países discutam, amadureçam e avancem nas suas posições, sem competir ou atrapalhar as negociações no âmbito da UNFCCC. O próximo encontro da ONU sobre clima acontecerá em junho, em Bonn, Alemanha, onde fica o secretariado da UNFCCC. Aliás, o cargo de Secretário Executivo da Convenção de Clima que, nos últimos quatro anos, foi ocupado pelo holandês Yvo de Boer, passará para as mãos da costa riquenha Christiana Figueres. Mais um gesto para reconquistar a confiança dos países em desenvolvimento. Entre a reunião de junho em Bonn e a CoP-16, que acontecerá em Cancún, México, no final do ano, os negociadores devem se reunir outras duas vezes. Espera-se que algum avanço seja produzido, principalmente nas discussões sobre REDD (redução das emissões de desmatamento e degradação florestal), transferência de tecnologia e adaptação, que já estão encaminhadas. Mas, por enquanto, as expectativas em torno da CoP-16 são baixas. E assim passa mais um ano... Contrariando a citação que abriu esse artigo, as negociações de clima têm um ritmo próprio que está totalmente desconectado da realidade. Os países não percebem é que se comportando dessa maneira estão levando todos os serem humanos e suas economias cada vez mais para a beira do precipício. Todos serão afetados, principalmente as populações mais pobres, que pouco contribuíram para o aquecimento global, não estão preparadas, nem possuem recursos para se adaptar à ocorrência cada vez maior de eventos climáticos extremos (tempestades, secas, furacões). É justo que essas populações vulneráveis não tenham acesso a recursos apropriados e tecnologias que possibilitem sua adaptação? É justo que a humanidade se auto-extermine? Juliana Russar | Consultora do projeto Mudanças climáticas, comunicação e desenvolvimento local no Ceará da CARE Brasil|[email protected] [ Foto de ressaca do mar na Beira Mar de Fortaleza em 2009 ]