HAUT-COMMISSARIAT AUX DROITS DE L’HOMME • OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS
PALAIS DES NATIONS • 1211 GENEVA 10, SWITZERLAND
www.ohchr.org • TEL: +41 22 917 9000 • FAX: +41 22 917 9006 • E-MAIL: [email protected]
Washington D.C., 20 de junho de 2013.
À Excelentíssima Senhora Ministra do Supremo Tribunal Federal
Dra. ROSA WEBER, Relatora da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n.º 4.162
Ref.: O JULGAMENTO DA CONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO BRASILEIRO
Parecer jurídico. Juan E. Méndez é o Relator Especial das Nações Unidas sobre
tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, nos termos
da Resolução 60/251 da Assembleia Geral e da Resolução 16/23 do Conselho de
Direitos Humanos das Nações Unidas.1
Este parecer, elaborado voluntariamente, é endereçado ao Supremo Tribunal
Federal do Brasil no caso que discute a constitucionalidade da Lei nº 10.792, que
estabelece o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) por 360 dias. Trata-se de um
parecer para apreciação por este Tribunal, sem prejuízo, e não deve ser considerado
renúncia, explícita ou não, dos privilégios e imunidades desfrutados pelas Nações
Advogados constituídos para representar todas as partes concordaram com o protocolo deste amicus curiae.
Nenhum advogado de qualquer uma das partes redigiu parte ou toda esta peça, e nenhum advogado
ou parte financiou a elaboração ou apresentação deste amicus. Nenhuma outra pessoa, além do
autor deste amicus ou seu advogado, fez quaisquer contribuição monetária para a preparação deste
amicus ou sua apresentação.
1
PAGE 2
Unidas, seus funcionários e especialistas em missão, nos termos da Convenção sobre
Privilégios e Imunidades das Nações Unidas de 1946.
De acordo com a Resolução 6/23 (A/HRC/RES/16/23) do Conselho de Direitos
Humanos da ONU, Méndez atua sob os auspícios do Conselho de Direitos Humanos a
título não-remunerado, na condição de especialista independente dentro do escopo de
seu mandato, o qual permite que ele solicite, receba, analise e atue com base em
informações provenientes de várias fontes, inclusive de indivíduos, sobre questões e
denúncias de tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou
degradantes.
Professor Méndez é autor, juntamente com Marjory Wentworth, da obra
“TAKING A STAND” (Nova Iorque: Palgrave-MacMillan, outubro de 2011), que analisa
práticas de detenção arbitrária, tortura, desaparecimento, rendição e genocídio em
diversos países do mundo.
Ademais, Professor Méndez ocupou o cargo de co-presidente do Instituto de
Direitos Humanos da International Bar Association, em Londres entre 2010 e 2011; e
Assessor Especial para a Prevenção do Crime para a Procuradoria do Tribunal Penal
Internacional, em Haia, desde meados de 2009 até final de 2010. Até maio de 2009,
Méndez foi o Presidente do Centro Internacional para a Justiça de Transição (ICTJ). Ao
mesmo tempo, ele atuou como Assessor Especial para a Prevenção de Genocídio (2004
a 2007), para Kofi Annan. Entre 2000 e 2003, ele integrou a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, e em 2002 ocupou o
cargo de presidente desta Comissão. Méndez também foi diretor do Instituto
Interamericano de Direitos Humanos em San José, Costa Rica (1996-1999) e trabalhou
para Human Rights Watch (1982-1996).
Méndez leciona direitos humanos na American University em Washington D.C.
e na Universidade de Oxford, no Reino Unido. Anteriormente, ele lecionou na
Faculdade de Direito de Notre Dame, Georgetown, e Johns Hopkins.
PAGE 3
Excelentíssima Senhora Ministra,
Venho por meio desta, na qualidade de Relator Especial do Conselho de
Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos
ou degradantes das Organizações das Nações Unidas (“ONU”), externar minha
posição crítica em relação ao Regime Disciplinar Diferenciado brasileiro (RDD), que ora
tem sua constitucionalidade questionada na Ação Direta de Inconstitucionalidade
proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, e que será objeto
de julgamento desta Corte Suprema.
Tenho defendido, no âmbito do meu mandato, que a prática do regime de
isolamento deve ser abolida ou, ao menos, restringida de modo a ser aplicada apenas
em situações deveras excepcionais, como último recurso e durante o menor tempo
possível. Não obstante, o regime de isolamento deve ser proibido em todos os casos
em que seja aplicado por um longo período de tempo, quando utilizado como medida
punitiva, ou ainda nos casos em que este regime seja imposto – por qualquer período
de tempo – a pessoas com deficiências mentais ou adolescentes. Fundamenta-se esta
proibição no fato de que o regime de isolamento pode causar grave dor e sofrimento
capazes de constituir tratamentos ou penas cruéis, desumanos e degradantes, ou até
mesmo tortura. Ademais, a prática de regime de isolamento aumenta o risco de que
atos de tortura e outras formas de tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou
degradantes não sejam percebidos, tampouco contestados.
Em conformidade com a definição contida na Declaração de Istambul sobre o
Uso e Efeitos do Regime de Isolamento, tenho definido regime de isolamento como o
isolamento físico e social de indivíduos confinados a suas celas por 22 a 24 horas ao
dia.2 O RDD brasileiro, que prevê o recolhimento em uma cela individual por até 360
dias, sem prejuízo de repetição da mesma sanção por nova falta grave de mesma
espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada, se enquadra nesta definição. De
ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafo 25.
2
PAGE 4
fato, já tive oportunidade de notar com preocupação este regime em meu relatório
temático sobre regime de isolamento anexo a esta carta. 3
O RDD brasileiro pode ser considerado, por vários motivos, uma violação da
obrigação internacional do Brasil de abolir em termos absolutos a prática da tortura ou
tratamento cruel, desumano e degradante. Neste sentido, o RDD constitui um exemplo
claro de regime de isolamento por um longo período de tempo, estabelece a
possibilidade de que o regime de isolamento seja aplicado como medida punitiva, bem
como permite que sua prática se dê durante a prisão provisória. De acordo com a
minha experiência, e conforme pude indicar em meu relatório temático, em todos
estes casos, a prática do regime de isolamento pode elevar o risco de danos e efeitos
psicológicos nocivos, causados pelo isolamento suficientemente grave para equivaler a
tratamento cruel, desumano, e degradante, ou até mesmo tortura, e, portanto, este
regime deve ser proibido.
O RDD como um regime de isolamento por longo período de tempo
Embora a prática do regime de isolamento por um curto período de tempo
possa, em certas circunstâncias, ser justificada, com base em uma análise caso-a-caso;
o uso do regime de isolamento por um longo período de tempo ou por um prazo
indeterminado não pode, sob qualquer circunstância, constituir uma ferramenta
legítima nas mãos do Estado. Com base nas conclusões de diversos pesquisas
científicas, defino como regime de isolamento por longo período de tempo o
isolamento que exceda quinze dias.4 De acordo com estas pesquisas, depois de quinze
dias, agravam-se os efeitos nocivos do isolamento para a saúde mental do indivíduo,
ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafo 24.
4 ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafo 26.
3
PAGE 5
podendo chegar a níveis irreversíveis.5 Entre estes efeitos nocivos, podem ser citados
distúrbios psicóticos, ansiedade, depressão, raiva, distorções sensoriais, paranoia, e
automutilação.6 Os efeitos nocivos à saúde em decorrência do regime de isolamento
se manifestam em pouco tempo, sendo que os riscos à saúde aumentam a cada dia
que passa.
Essa minha concepção de que 15 dias seria o prazo máximo para a imposição de
medidas de isolamento se fundamenta na literatura científica especializada que
entende que a partir desse período os danos a saúde são muito intensos, podendo ser
irreversíveis. Esse prazo de 15 dias é uma proposta ainda aberta a discussões com
especialistas. Contudo, o que pretendo deixar claro é que o limite temporal de
aplicação do isolamento deve levar em consideração a possibilidade de que se esteja
submetendo a pessoa a tortura ou a outros tratamento cruéis, desumanos e
degradantes.
Com base nas considerações acima expostas, concluo que regime de
isolamento por longo período de tempo equivale, em todas as circunstâncias, a
tratamento cruel, desumano, e degradante ou até mesmo tortura e deve, portanto,
ser proibido.7 Neste sentido, leis e práticas como aquela analisada neste caso pelo
Supremo Tribunal, segundo a qual um indivíduo pode ser confinado em uma cela por
um período de 360 dias com possibilidade de renovação em caso de novas faltas até o
limite de um sexto da pena aplicada sem que esta medida seja submetida ao crivo
judicial, violam o Artigo 7o do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,
Artigos 1o e 16 da Convenção contra Tortura, e Artigo 5o da Convenção Americana de
Direitos Humanos.
ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafo 26.
6 ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafo 62.
7 ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafo 76.
5
PAGE 6
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja jurisdição vinculante foi
reconhecida pelo Brasil, reconhece que “isolamento prolongado e privação de
comunicação constituem, por si só, tratamento cruel e desumano, nocivo à integridade
pessoal psicológica e moral, e uma violação do direito de qualquer pessoa detida ao
respeito a sua dignidade inerente como pessoa humana.”8 Igualmente, o Princípio
XXII(3) dos Princípios e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de
Liberdade nas Américas estabelece que o prolongamento do regime de isolamento
constitui atos de tortura ou tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Outro ponto de fundamental importância na discussão que esta “ADI” enseja é
a falta de acesso a um contato humano significativo dentro da prisão e comunicação
com o mundo exterior. A interação social é componente essencial para a manutenção
da saúde psicológica daquelas pessoas em isolamento, em especial aquelas mantidos
nesta condição por um longo período de tempo, como no Brasil. Alguns modelos,
como o brasileiro, permitem que os presos recolhidos em regime de isolamento
deixem suas celas apenas por uma hora ao dia para exercício físico, também solitário.
A redução de estímulos não é apenas quantitativa, mas também qualitativa. O contato
genuíno com outras pessoas é em geral reduzido ao mínimo. O estímulo e o contato
sociais esporádicos, raramente, são escolhidos livremente, em geral são monótonos e
muitas vezes apáticos.9
No referido relatório que apresentei ao Conselho de Direitos Humanos das
Nações Unidas destaco que a Corte Europeia de Direitos Humanos reconheceu que
“isolamento sensorial completo, conjugado com total isolamento social, pode destruir
os traços de personalidade e constitui uma forma de tratamento desumano que não
pode ser justificada por imperativos de segurança ou por qualquer outra razão”. 10-11
Velázquez-Rodríguez v. Honduras, Corte Interamericana de Direitos Humanos, Series C, No. 4, para. 156
(1988)
9 ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafo 25.
10 Ilaşcu e outros v. Moldávia e Rússia, Petição No. 48787/99, Corte Europeia de Direitos
Humanos (2004), para. 432.
11 ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafo 55.
8
PAGE 7
Dentro das prisões, este contato pode ser com profissionais de saúde, guardas
penitenciários, ou outros presos. Contato com o mundo exterior inclui, por exemplo,
visitas, correspondência, e ligações por telefone com o advogado de defesa, família, e
amigos, bem como acesso a material de leitura, televisão e rádio.
O Artigo 17 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos concede aos
presos o direito à família e correspondência. Além disso, as Regras Mínimas das
Nações Unidas para o Tratamento de Presos prevêem diversos estímulos externos
(Artigo 21 sobre exercício e esporte; Artigos 37-39 sobre contato com o mundo
exterior; Artigo 40 sobre livros; Artigos 41-42 sobre religião; Artigos 71-76 sobre
trabalho; Artigo 77 sobre educação e lazer; e Artigos 79-81 sobre relações sociais e
auxilio pós-prisão).12
O RDD e o regime de isolamento como medida punitiva
Além de sua natureza prolongada, o RDD brasileiro prevê a hipótese de
isolamento como medida punitiva ou disciplinar nos casos em que a pessoa detida
tenha praticado crimes durante o tempo sob custódia. Esta hipótese constitui outro
motivo de preocupação que pode equivaler a uma violação da proibição de tortura.
Em meu estudo sobre o tema, afirmei que o regime de isolamento, quando
utilizado como medida punitiva, jamais se justifica, seja qual for a razão, dada a grave
dor ou sofrimento mental que esta medida inflige ao indivíduo, independentemente
da gravidade do crime praticado.13 Mesmo no caso de descumprimento de regras e
regulamentos do sistema penitenciário, indivíduos não devem ser submetidos a tais
medidas de isolamento, uma vez que elas causam sofrimento ao preso que excede o
ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafo 53.
13 ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafo 84.
12
PAGE 8
grau necessário para uma pena razoável, além de contrariar o objetivo de reabilitálo.14
Da mesma forma, o Princípio XXII(3) dos Princípios e Boas Práticas para a
Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas estabelece que medidas de
isolamento devem ser estritamente proibidas em celas voltadas ao castigo de pessoas
detidas. Tais Princípios devem ser considerados pelos países membros do Sistema
Interamericano, como é o caso do Brasil. Esse documento, aprovado pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, “apresenta princípios gerais, princípios relativos
às condições de privação de liberdade e princípios relativos aos sistemas de privação
de liberdade, dentre os quais se destacam os seguintes: tratamento humano,
igualdade e não discriminação, imparcialidade, liberdade pessoal, legalidade e devido
processo legal. Apresenta também uma série de direitos e garantias fundamentais
reconhecidos nos tratados internacionais sobre direitos humanos e na jurisprudência
do sistema interamericano. Abrange, ademais, diversas boas práticas, medidas
preventivas e de proteção para as pessoas privadas de liberdade em variadas
circunstâncias”15.
O Princípio XXII(3) se dedica exatamente às medidas de isolamento, como se vê
na transcrição abaixo:
“Serão proibidas, por disposição da lei, as medidas ou sanções de isolamento
em celas de castigo.
(...)
O isolamento só será permitido como medida por tempo estritamente
limitado e como último recurso, quando se mostre necessária para
salvaguardar interesses legítimos relativos à segurança interna dos
estabelecimentos, e para proteger direitos fundamentais, como a vida e a
ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafo 72.
15 CIDH. Princípio e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas.
OEA/Ser.L/V/II.131. Doc. 38. 13 março 2008. Aprovado pela Comissão Interamericana de Direitos
Humanos em seu 131º período ordinário de sessões. Apresentação.
14
PAGE 9
integridade das próprias pessoas privadas de liberdade ou do pessoal dessas
instituições.
De todo modo, as ordens de isolamento serão autorizadas por autoridade
competente e estarão sujeitas ao controle judicial, uma vez que seu
prolongamento e aplicação inadequada e desnecessária constituiriam atos
de
tortura
ou
tratamentos
ou
penas
cruéis,
desumanos
ou
degradantes”.16(grifo nosso)
Ademais, é particularmente alarmante notar que o RDD parece trazer poucas
garantias de devido processo legal para prevenir abusos na imposição dessas medidas
punitivas. Em meu relatório, eu ressaltei que a falta de respeito a parâmetros mínimos
de devido processo expõe pessoas detidas a um risco ainda maior de serem sujeitas a
tortura e maus-tratos enquanto cumprem medidas em regime de isolamento.
Garantias de devido processo requerem que a pessoa detida possa contestar os
fundamentos e a duração de seu isolamento.17
Nesta esteira, tenho ressaltado a necessidade de que sejam respeitadas as
garantias processuais mínimas, internas e externas, para assegurar que todas as
pessoas privadas de liberdade tenham a dignidade inerente à pessoa humana
respeitada.
Deve ser estabelecido um procedimento bem documentado para reavaliar
periodicamente os fundamentos que deram ensejo à imposição do regime de
isolamento, devendo este ser conduzido por um órgão independente, com
participação e notificação à pessoa detida e a seu ou sua advogado(a), bem como este
procedimento deve ser devidamente registrado.18 Ademais, pessoas detidas em
regime de isolamento devem ser oferecidas oportunidades reais de contestar
CIDH. Princípio e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas.
OEA/Ser.L/V/II.131. Doc. 38. 13 março 2008. Aprovado pela Comissão Interamericana de Direitos
Humanos em seu 131º período ordinário de sessões.
17 ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafos 92-98.
18 ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafo 95.
16
PAGE 10
judicialmente tanto a natureza de seu isolamento, quanto as razões que deram ensejo
a este regime.19
Regime de Isolamento e Prisão Provisória
Ademais, o RDD suscita outras preocupações por prever a prática do regime de
isolamento durante a prisão provisória.20 Eu tenho recomendado que os Estados
tomem as medidas necessárias com vistas a pôr fim a esta prática.
O isolamento por longo período de tempo ou por prazo indeterminado,
durante a prisão provisória como medida preventiva, pode violar garantias de devido
processo e, portanto, pode se mostrar injustificável. Nos casos em que isolamento é
aplicado intencionalmente a pessoas detidas a fim de pressionar para elas cooperem
ou para que delas sejam extraídas confissões, tal medida de isolamento viola princípios
de direitos humanos reconhecidos internacionalmente.21 Além disso, a prática do
regime de isolamento durante a prisão provisória pode elevar o risco de que as
pessoas detidas neste regime sejam submetidas a outras formas de tortura e
tratamento cruel, desumano, e degradante. O Comitê das Nações Unidas contra
Tortura (“CAT-ONU”) também defendeu que a prática do regime de isolamento
deveria ser abolida, em especial nos casos em que o isolamento é utilizado como
medida preventiva no curso da prisão provisória.22
ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafo 98.
20 ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafo 85.
21 ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafo 85.
22 ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafo 31.
19
PAGE 11
“Conclusões
O Relator Especial ressalta que regime de isolamento é uma medida severa
responsável por graves efeitos nocivos psicológicos e fisiológicos aos
indivíduos, quaisquer que sejam suas circunstâncias específicas. O Relator
Especial considera que regime de isolamento é contrário a um dos princípios
fundamentais do sistema penitenciário, qual seja: reabilitar infratores e
propiciar a sua reintegração à sociedade. O Relator Especial define regime de
isolamento prolongado como qualquer período de isolamento superior a 15
dias.
Dependendo do fundamento específico para a imposição do regime de
isolamento, suas condições, duração, efeitos e outras circunstâncias, o regime
de isolamento pode constituir uma violação do Artigo 7o do Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, e equivaler a um dos atos
definidos no Artigo 1o ou Artigo 16 da Convenção contra a Tortura. Ademais, a
aplicação do regime de isolamento aumenta os riscos de que atos de tortura
ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes não sejam
percebidos, tampouco contestados.
Considerando que o regime de isolamento pode causar grave dor ou
sofrimento mental quando este regime é aplicado como forma de pena,
quando é imposto no curso da prisão provisória, quando é aplicado por tempo
indeterminado ou por um longo período, quando utilizado no caso de
adolescentes ou pessoas com deficiência mental, o regime de isolamento pode
constituir tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou
degradantes. O Relator Especial considera que, nos casos em que as condições
físicas e o regime penitenciário de isolamento desrespeitem a dignidade
inerente da pessoa humana e causem grave dor ou sofrimento mental e físico,
PAGE 12
o regime de isolamento constitui tratamento ou pena cruel, desumano ou
degradante.”23
Por fim, reitero duas recomendações que fiz ao final do Relatório endereçada a
todos os países membros da ONU, o que inclui o Brasil:
 “O Relator Especial exorta Estados a proibir a adoção do regime de
isolamento como forma de pena – seja como parte de uma sentença
judicial, seja como medida disciplinar. O Relator Especial recomenda
que os Estados elaborem e implementem sanções disciplinares
alternativas para evitar a aplicação do regime de isolamento.”24
 “Regime de isolamento por tempo indeterminado deve ser abolido.”25
De Washington para Brasília,
20 de junho de 2013.
Juan E. Méndez
Special Rapporteur on torture and other cruel,
inhuman or degrading treatment or punishment
ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafos 79-81.
24 ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafo 84.
25 ONU. Assembleia Geral. Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Relatório parcial do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A/66/268. 05 de agosto de 2011. Parágrafo 87.
23
Download

Washington D.C., 20 de junho de 2013. À Excelentíssima Senhora