I simpósio nacional de saúde, alimentação e cultura mesa redonda: abordagens antropológicas do ato de comer a subjetividade das práticas alimentares Profa. Dra. Rosa Wanda Diez Garcia Curso de Nutrição e Metabolismo FMRP-USP o que será abordado: • o caráter do objeto: alimentação • os motivos da colaboração interdisciplinar • a contribuição da antropologia para ações em nutrição e para a compreensão das práticas alimentares • considerações finais o caráter do objeto: alimentação Quais os mecanismos subjacentes que determinam o que, quanto, como comemos? Comportamento Alimentar : Aspectos universais biológicos Diferenças inter e intra culturais ampla variação de tipos físicos e de consumo de alimentos diferentes cozinhas preferências dentro de uma mesma cultura (Rozin, 2004) Comportamento Alimentar : • Evidências biológicas • sistema regulatório de ingestão de energia • preferência de sabor e textura • onívoro Predisposições: • sistema de aprendizagem • neofobia e neofilia • sabor amargo • receptores de sal • detectores – nível de nutrientes Comportamento Alimentar : ingestão de alimentos Biologia x Psicologia x Cultura A natureza da regulação da ingestão alimentar → estudos de psicologia 1. Como a regulação de energia opera? 2. Como a regulação de energia opera em diferentes contextos? O quanto se come varia em função: • do grau de fome • da quantidade de alimentos disponíveis • da palatabilidade • da situação social • da apropriação da situação para comer • das normas sociais; • do tempo e de atividades paralelas • da memória o caráter do objeto: alimentação • comer é um dos prazeres da vida • a comida está imersa na vida social • o que comemos esta determinado por “social drives” (economia, cultura, política agrícola e agrária, religião, etc) • sobre bases biológicas e ecológicas foram construídos diversos sistemas alimentares. • a existência de diferentes sistemas culinários indica que as preferências alimentares são forjadas culturalmente. • os hábitos alimentares são uma construção social. o caráter do objeto: alimentação Biologia guiando a cultura Cultura orientando a biologia (Rozin, 2004) os motivos da colaboração interdisciplinar A configuração sócio cultural traduz em termos sociais os fatores biológicos? Ou qual a diferença básica que podemos esperar encontrar quando uma dada condição social encontra respaldo em características biológicas? (Rodrigues, 1978) repertório culinário valores alimentos combinações situações adequadas/pratos refeições alimentos nas fases da vida utensílios organização dos pratos ordem dos pratos (Contreras, 1995) os motivos da colaboração interdisciplinar Como separar e segmentar os fundamentos das práticas alimentares, quer sejam, biológicos, psicológicos, sócio culturais? Estão todos imbricados. A rejeição de um sujeito por fígado, por exemplo, deriva da aparência e do odor ou do fato de sugerir um risco pelo seu conteúdo de colesterol ou porque ele não gosta de vísceras? (Rodrigues, 1978) os motivos da colaboração interdisciplinar Como usar os recursos teóricometodológicos de forma interdisciplinar sem ferir o âmago epistemológico das ciências biológicas e sociais? os motivos da colaboração interdisciplinar a subjetividade das práticas alimentares demanda outras ferramentas e referenciais teóricos para desenvolver ações quer seja de intervenção, de pesquisa, entre outros. os motivos da colaboração interdisciplinar vieses nos resultados quando métodos que consideram a alimentação com pragmatismo ações limitadas e reducionismo na compreensão dos problemas alimentares a contribuição da antropologia para ações em nutrição e para a compreensão das práticas alimentares em diferentes áreas de atuação inquéritos alimentares inquéritos alimentares informações sobre consumo alimentar: percepção do que se come - idealização relação entre entrevistado e entrevistador condições socioeconômicas e culturais modelo de consumo alimentar hegemônico inquéritos alimentares • informações sobre consumo alimentar relacionadas ao alimento; • informações sobre consumo alimentar pelo modo de consumo relacionado ao tipo de alimento; • imprecisão nas informações sobre consumo alimentar relacionadas ao entrevistador; • representações sobre consumo alimentar que manifestam frustrações e contradições. (Garcia, 2004) Representações sobre consumo alimentar e suas implicações em inquéritos alimentares: estudo qualitativo em sujeitos submetidos à prescrição dietética informações sobre consumo alimentar relacionadas ao alimento: irregularidade da presença do produto E: Bacon, de vez em quando eu uso. P: Tá. A senhora compra em pedaço ou fatiado? E: Em pedaço. P: Dura quanto tempo um pedaço? E: Ah!...É irregular. Depende muito da comida, da ocasião. (E113) P: E a manteiga, usa de vez em quando? P: Chega a uma vez por mês? E: Não, não. Não chega a isso não. É quando eu...sabe, tenho aquela vontade de comer manteiga mesmo, então a margarina não vai adiantar. Aí você compra um pacote de manteiga e usa. (E113) informações sobre consumo alimentar relacionadas ao alimento: irregularidade nas compras P: Deixe-me perguntar mais uma coisa, pãozinho a senhora come todo dia? E: Não, não é todo dia não, é de vez em quando, quando tem dinheiro. Quando tem grana. Quando não tem, faço um bolinho ou uma bolacha salgada (...). P: O feijão a senhora compra ........? E: Feijão eu compro cinco quilos. E: Quando dá né. Tem mês que dá, tem mês que não dá, aí compro 2 quilos ou 3. P: E arroz? E: Arroz eu compro dois pacotes. P: Dez quilos que você compra? E: Eu compro 15 quilos de arroz (...). P: E a carne? E: Quando tem dinheiro compra, quando não tem, come verdura, come ovos, come uma sardinha em lata, come qualquer coisa. Relatos: Modo de consumo relacionado ao tipo de alimento P: E o refrigerante, daria quantos mais ou menos? Quantas garrafas por semana mais ou menos? E: Você diz pra mim ou para os três? P: Para os três, para a família. E: Isso é muito relativo porque nessa época de calor, a pessoa passou na geladeira, toma. P: Toma. Toma mesmo. E: Como é que eu vou dizer pra você, sinceramente, eu não tenho controle. Eu tomo muito líquido. Eu tomo bastante. (E113) Relatos: Modo de consumo relacionado ao tipo de alimento E: Vou comendo o queijo separado. Eu corto um pedaço e aí vou comendo e eu como com esse pão,... eu corto ele no meio...Então eu passo a manteiga, a manteiga não, a Becel, e o queijo. Eu vou comendo e daí eu pego o queijo, um outro queijo e vou tomando o meu café assim...(...) E: Ah, eu como assim, ó, um pedaço de queijo assim, dois pedaços de queijo assim. Talvez... P: Dois pedaços assim. E: Talvez até um pouquinho maior, vai. Porque sabe, é difícil, é difícil te falar, porque eu vou eu vou cortando. R: Você já vai pegando os pedaços... E: Eu não ponho, eu vou cortando e vou comendo.(E105) a contribuição da antropologia para ações em nutrição e para a compreensão das práticas alimentares em diferentes áreas de atuação Escolhas alimentares Dimensões das escolhas alimentares • Sensorial • Conseqüências antecipadas • Idealização • Fatores biológicos [preferências, metabolismo] • Cultura e aprendizado coletivo • Fatores psicológicos [experiências, aquisição do gosto, aversão, influência familiar] Rozin et al.2004 a contribuição da antropologia para ações em nutrição e para a compreensão das práticas alimentares em diferentes áreas de atuação • • • • • implicações na restrição alimentar concepção de alimentação saudável auto-cuidado novas práticas alimentares mudanças na alimentação Fatores que afetam a seleção de alimentos na população canadense. 13 727 adolescentes (12–19 anos) 19 089 jovens adultos (20–34 anos), 31 039 adultos de meia idade (35–54 anos), 25 338 adultos mais velhos (55–74 anos) 9580 idosos (75þ anos). Fatores que afetam a seleção de alimentos na população canadense. Casuística: 98 733 C a s u í s t i c a : 9 of Clinical Nutrition (2007), 1–8 Ree et al. European Journal 8 Fatores que afetam a seleção de alimentos na população canadense. a contribuição da antropologia para ações em nutrição e para a compreensão das práticas alimentares em diferentes áreas de atuação Ações profissionais Copeiros Cozinheiros Nutricionista Auxiliar de enfermagem Enfermeiros Médicos Administrador Total (32) HPu HPr 3 3 4 1 2 3 3 19 2 1 3 1 2 2 2 13 Garcia, RWD. A dieta hospitalar na perspectiva dos sujeitos envolvidos em sua produção e em seu planejamento. Rev.Nutr, 19(2), 2006 Considerações sobre alimentação hospitalar e assistência nutricional Administradores nutricionista = produção de refeições falta de inserção do nutricionista nas equipes SND = setor administrativo alimentação = qualidade hospitalar produção e clínica = distintos valorização via enteral e parenteral. experiência pregressa molda ações Valorização = indústria farmacêutica (suplementação) Enfermagem necessidades biológicas x emocionais críticas ao SND valorizam o suporte nutricional requerem a visita do nutricionista Médicos poucas exigências técnico científicos das dietas hospitalares conhecimento superficial de nutrição nutrição = no estado mais crítico prescrição dietética - sem a composição das dietas ´prescritas. Garcia, 2006 Nutricionistas autonomia técnica = suporte nutricional aspectos nutricionais x alimentação > tempo = via enteral falta de registro prioriza = terapia nutricional (pp HPR) sem local de trabalho nas enfermarias. repertório de dietas sem informação técnica falta de reconhecimento sem preocupação com a culinária tabus alimentares nos cardápios Elaboração de cardápio - nutricionista de produção não se faz degustação das dietas av. estado nutricional e cálculo de dietas não estão nas rotinas Copeiros mediação: paciente x enfermeiros, médicos e nutricionistas. Não reconhecem competências de assistência nutricional responsabilidade = entrega da alimentação Cozinheiros comida “leve” = escassez de tempero, contaminação alimentar e dietas especiais a contribuição da antropologia para ações em nutrição e para a compreensão das práticas alimentares em diferentes áreas de atuação Estimativa de porções Pressuposto: a variação interindividual na percepção do peso de alimentos é subjetiva e envolve as representações socais sobre o alimento. Objetivo: Avaliar a variação interindividual da estimativa de porções. Quantidades (g ou ml) 250,0 * 200,0 * 150,0 NS * * * * 100,0 50,0 * NS * * * * 0,0 1 2 * * 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Alimentos/Preparações QE (média) QP Figura 1. Comparação entre a média da quantidade estimada (QE) e a quantidade pesada (QP) de café (1), leite (2), açúcar (3), pão (4), margarina (5), queijo (6), mamão (7), maçã (8), arroz (9), feijão (10), bolo de carne moída (11), alface (12), couve-flor (13), biscoito (14) e iogurte (15). (* p<0,05; NS: diferença não significativa) Tabela 1. Classificação decrescente das médias das razões entre quantidades estimadas e pesadas, e densidade energética por unidade dos alimentos. QE/QP Alimento M édia ± DP Margarina 1,8±1,2 Queijo 1,5±1,0 Biscoito 1,4±0,7 Superestimativas (QE/QP acima de 1,1) Leite 1,4±0,4 Açúcar 1,2±0,6 Carne 1,2±0,6 Café 1,0±0,5 Estimativas Arroz 1,0±0,5 aceitá Feijão 0,9±0,4 aceitáveis (QE/QP entre 0,9 e 1,1) Pão 0,9±0,3 Iogurte 0,9±0,3 Mamão 0,7±0,3 Maçã 0,7±0,3 Subestimativas (QE/QP abaixo de 0,9) Alface 0,6±0,5 Couve-flor 0,5±0,3 15:32 Mediana (M (M ín-M áx) 1,4 (0,3 - 6,0) 1,0 (0,3 - 4,8) 1,2 (0,3 - 4,0) 1,3 (0,6 - 2,2) 1,1 (0,1 - 3,3) 1,1 (0,3 - 3,0) 1,0 (0,2 - 4,0) 0,9 (0,3 - 2,4) 0,7 (0,2 - 2,0) 0,9 (0,4 - 2,0) 1,0 (0,4 - 1,6) 0,6 (0,2 - 1,7) 0,6 (0,2 - 1,6) 0,4 (0,0 - 2,2) 0,5 (0,1 - 1,2) kcal/g ou ml 7,50 3,36 4,32 0,65 3,87 2,26 0,46 1,04 0,78 3,00 0,51 0,35 0,56 0,11 0,23 QE x QP p<0,0001 p=0,0009 p<0,0001 p<0,0001 p=0,02 p=0,03 p= 0,10 p= 0,55 p=0,0006 p<0,0001 p=0,0081 p<0,0001 p<0,0001 p<0,0001 p<0,0001 7,0 -1 -1 ( K c a l. g o r m l ) D e n s id a d e e n e r g é tic a 8,0 6,0 5,0 4,0 3,0 2,0 1,0 0,0 0,5 0,7 0,9 1,1 1,3 1,5 1,7 1,9 Q E/Q P Figura 2. Correlação entre a densidade energética por unidade do alimento analisado e a razão entre a quantidade estimada e pesada (r=0,8166; p=0,0002). 15:32 Considerações finais 15:32