C A D E R N O S
D E
E C O N O M I A
PORTUGAL 2010
Crescimento da
produtividade
JOSÉ MANUEL DURÃO BARROSO
Primeiro-Ministro.
O XV Governo Constitucional escolheu como desígnio primeiro do seu mandato
trabalhar para que os portugueses, no médio prazo, venham a atingir um nível de
vida próximo ou superior ao dos cidadãos dos países mais bem sucedidos da União
Europeia. Para alcançar esse fim, é fundamental o aumento da produtividade da
nossa economia.
Entre 1997 e 2002, a produtividade do trabalho em Portugal divergiu da média europeia
cerca de cinco pontos percentuais (de 68% da média europeia em 1997 para menos de 63%
em 2002). No mesmo período, os portugueses perderam cerca de cinco pontos percentuais
no seu rendimento médio face à média da União Europeia (de mais de 73% em 1997 para
menos de 69% em 2002).
Uma das dimensões de estímulo à produtividade refere-se ao factor humano. A aposta na
educação e na formação de recursos é um passo essencial para elevar a produtividade das
nossas empresas. Todos reconhecemos o nosso atraso relativo a nível da qualidade da
gestão empresarial e da qualificação dos nossos trabalhadores. Todos sabemos, também, o
quão importante é anular esse atraso, especialmente agora face ao alargamento da União
Europeia.
No entanto, a solução não é fácil, nem depende de mais despesa – Portugal é já um dos
países que mais gasta na educação em percentagem do PIB. Por um lado, o problema
da qualificação dos nossos recursos é um problema geracional, explicado em grande
medida pela história recente do nosso país. Por outro lado, é um problema de cultura
política. O desenvolvimento do sector educacional depende fundamentalmente de um
maior empenho das instituições e dos seus profissionais. Isto significa uma cultura de
mais responsabilização e de maior recompensa ao mérito, um maior enfoque em
resultados, devidamente enquadrados e contextualizados, e um uso mais adequado de
recursos.
OUT/DEZ 2003
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A baixa produtividade
da nossa economia
é em grande medida
uma consequência
da nossa
organização
económica e social,
e não tanto
das limitações dos gestores
e dos trabalhadores
portugueses.
As reformas iniciadas por este Governo e a política de
racionalização e partilha de custos que advogamos são
fortes impulsos na direcção acima preconizada. Os
resultados não surgem de imediato, mas a mudança – de
política e de atitude – não pode tardar.
Apesar do reconhecimento da importância da questão
educacional, o recente estudo "Portugal 2010" veio
confirmar que existe uma influência talvez ainda mais forte
de factores de estrutura económica no actual défice de
produtividade da economia nacional.
Esse estudo, elaborado em parceria com o Ministério da
Economia e com o Ministério da Segurança Social e do
Trabalho, concluiu que a baixa produtividade da nossa
economia é em grande medida uma consequência da nossa
organização económica e social, e não tanto das limitações
dos gestores e dos trabalhadores portugueses – os quais,
aliás, já demonstraram a sua alta capacidade em contextos
económicos mais adequados.
Foi o reconhecimento imediato desta situação por parte do
XV Governo Constitucional que determinou, por exemplo, a
orientação adoptada pelo Programa para a Produtividade e
Crescimento da Economia (PPCE). O PPCE constitui uma
extensa reforma no domínio das políticas microeconómicas,
assente em medidas concretas e calendarizadas, destinadas
a mudar de forma profunda as condições em que as
empresas exercem a sua actividade em Portugal.
No domínio da organização económica e social, algumas das
barreiras à produtividade são sectoriais: isto é, afectam
apenas um sector da economia. São barreiras pontuais, mas
cuja identificação é importante para sugerir medidas
concretas de política económica sectorial. Porém, as
principais barreiras à produtividade são de carácter
transversal: isto é, afectam toda a economia. Este facto
confirma a maior relevância das políticas transversais face às
políticas sectoriais como forma de estimular o aumento da
produtividade, justificando assim a abordagem reformista
deste Governo.
hoje um razoável consenso
quanto à identificação das
principais barreiras transversais ao aumento da produtividade em Portugal: a
economia paralela, a regulamentação de produtos e
mercados, o sistema de ordenamento do território, a
provisão de serviços públicos, a legislação laboral. Acresce
ainda o nosso legado industrial que aparece também como
uma condicionante bastante forte ao crescimento da
produtividade.
Existe
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Cadernos de Economia
Naturalmente que a identificação destas barreiras deve
servir de base à sistematização dos critérios que enquadram
a formulação de políticas económicas em Portugal. É isso
que este Governo tem vindo a fazer.
Comecemos pelo caso da economia paralela. Sabe-se que
muitas empresas e cidadãos não cumprem de forma plena
as suas obrigações fiscais e parafiscais, e que esta situação
prejudica seriamente as finanças públicas. Sabe-se ainda que
a economia paralela cria injustiças graves na sociedade
portuguesa e que a mesma contribui para o laxismo e para a
deterioração da ética e da moral sociais. Os valores tornamse mais frágeis numa sociedade que se habitua a não
cumprir as suas regras ou a desculpabilizar o seu
incumprimento.
Hoje sabe-se também que a economia paralela é das
barreiras mais relevantes ao crescimento da produtividade em Portugal. Por exemplo, a economia paralela,
ou "informalidade", é uma das razões para que existam
tantas empresas de pequena escala em Portugal. As
empresas de menor dimensão são aquelas que mais
facilmente fogem às suas obrigações, levando muitos
empresários a manterem as suas empresas pequenas, e
provavelmente ineficientes, apenas para manter a sua
actividade no sistema paralelo.
Esta situação tem de mudar e, por isso mesmo, o Governo
tem vindo a privilegiar o combate à fraude e à evasão fiscal
e vai continuar a fazê-lo. Enumero aqui alguns exemplos da
actuação do Governo neste domínio. A reforma da
tributação do património; o novo regime do pagamento
especial por conta; a inclusão do tema da economia paralela
no Contrato Social para a Competitividade e Emprego; e o
cruzamento sistemático de informação com recurso às
novas tecnologias.
Para além disso, uma forma de combater a informalidade é
através de um sistema fiscal de regras simples, transparentes
e estáveis. Quando assim é, torna-se mais fácil para o Estado
verificar o cumprimento de obrigações fiscais e, logo, mais
recompensador para as empresas e para os indivíduos o
cumprimento dessas obrigações.
contexto, a aposta feita no
Orçamento de Estado de
2004 numa taxa de imposto
mais baixa sobre as empresas e num sistema de benefícios
fiscais mais simples é mais um passo positivo no sentido de
criarmos um quadro fiscal mais competitivo e um ambiente
mais favorável ao investimento e à criação de postos de
trabalho com maior valor acrescentado.
Neste
Contudo, reconheço que há ainda muito a fazer no combate
à evasão fiscal e à informalidade, o que só reforça a
necessidade de prosseguir o caminho iniciado. Mas há
outros factores essenciais para melhorar a produtividade.
Factores onde o Governo tem estado a trabalhar e onde irá
continuar a trabalhar.
Por exemplo, o sistema de licenciamento e ordenamento
do território. Este Governo tem tomado decisões nesta área,
com a introdução de um novo regime de licenciamento
industrial, mais simples e rigoroso, ou ainda com o
encurtamento dos prazos para a criação de empresas.
Noto, como exemplo, o sector do turismo, cujos processos de
licenciamento tendem a ser demasiado morosos e pouco
transparentes, constituindo um obstáculo à instalação em
Portugal de projectos de elevado valor acrescentado, numa
área onde o nosso país tem tantas e tão reconhecidas
potencialidades. Foi por isso que revimos o processo de
licenciamento turístico, adoptando desde logo uma solução
pragmática para o mesmo. Refiro-me aos Centros de Apoio
ao Licenciamento de Projectos Turísticos, uma estrutura de
missão que está já a trabalhar e a produzir resultados.
A provisão de serviços públicos é outro aspecto que
contribui para a baixa produtividade da economia
portuguesa. O Estado consome actualmente uma fracção
excessiva dos recursos da sociedade portuguesa e o
nível de serviços prestados é inferior ao desejado. Esta é
uma das razões porque o Governo lançou uma profunda
Reforma da Administração Pública e introduziu alterações
substantivas nas áreas da saúde e da educação: quer no
ensino básico e secundário, quer no ensino superior.
A regulação de produtos e mercados é uma quarta área
tida como prioritária para obter níveis de produtividade
elevada. Como é sabido, o Governo criou a Autoridade de
Concorrência, precisamente com o objectivo de tornar os
Crescimento da produtividade
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mercados domésticos mais flexíveis e eficientes. Em
particular, reconhecemos a necessidade de melhorar os
mecanismos de licenciamento de espaços comerciais e a
necessidade de flexibilizar os mercados de arrendamento,
quer comercial quer habitacional. Estas são áreas onde
estamos amplamente envolvidos e nas quais a acção do
Governo encontrará tradução prática num futuro breve.
Finalmente, é inegável o papel da legislação laboral como
factor determinante do crescimento da produtividade. A
actual legislação laboral não é, por si só, a barreira mais
importante para o crescimento da produtividade da
economia portuguesa. Porém, o novo código laboral mostrase crucial para o desenvolvimento de certos sectores de
actividade já existentes, para a criação de empresas de maior
escala, e para a atracção de investimento estrangeiro de
elevado valor acrescentado.
Para além disso, uma legislação laboral que estimule a
flexibilidade e a mobilidade acelera a convergência da
produtividade e os efeitos positivos de remover as outras
barreiras ao crescimento dessa produtividade.
Também neste domínio o Governo tem tido uma actuação
célere e corajosa, prevenindo dificuldades que outros países
estão hoje a enfrentar ou adoptando soluções que estão
hoje a ser inevitavelmente seguidas por outros.
Na medida em que existe uma relação muito próxima entre
a questão da produtividade e o factor competitividade – isto
é, a capacidade de penetração dos nossos produtos nos
mercados externos – termino com uma alusão específica a
este aspecto.
competitividade passa, em grande medida, pela
prossecução de políticas macroeconómicas saudáveis, no sentido de reduzir os custos dos nossos
produtos no exterior. No actual quadro da moeda única –
onde a política cambial não está disponível e a política
monetária é controlada pelo Banco Central Europeu – o
instrumento mais eficaz para conseguir esse equilíbrio
macroeconómico é a política orçamental. Uma política de
contenção da despesa pública e de rigor orçamental é um
passo essencial para o desenvolvimento de Portugal, no
quadro da Zona Euro e da economia global.
A
Por isso, manteremos uma forte pressão para reduzir o peso
da despesa do Estado e continuaremos a usar critérios de
rigor e selectividade no investimento público. Por isso,
também, estamos a construir uma economia menos
paternalista, com menor presença do Estado. Uma economia
onde o Estado tem que redefinir o seu papel, concentrandose nas suas funções reguladora e fiscalizadora.
Desta forma estamos não só a assegurar um ambiente
macroeconómico competitivo, como estamos a libertar
recursos para mais investimento produtivo e, logo, para
o aumento da produtividade. Contribuímos assim,
duplamente, para a maior presença nacional nos mercados
externos, para o aumento das exportações portuguesas e
ainda para a redução do défice externo: um objectivo
essencial no sentido de aumentar o bem-estar presente e
das gerações futuras.
A melhoria da produtividade ocorrerá de forma lenta e
gradual. Não é legítimo esperar saltos extraordinários, nem
que medidas tomadas hoje tenham um impacto imediato na
produtividade. Não é esta a dinâmica do desenvolvimento
económico. Mas isso não deve impedir que se adoptem já
hoje os incentivos certos. Incentivos de médio e longo prazo,
que não distorçam a escolha de factores produtivos, e que
estimulem os investimentos em novas formas de progresso.
É legítimo ambicionar que numa geração anulemos o défice
de produtividade face aos nossos parceiros europeus. Para
isso temos de começar a trabalhar já.
Os inconformados, os que querem tornar Portugal mais
produtivo e competitivo, os que não se resignam perante as
dificuldades conjunturais podem contar com o meu apoio e
a minha admiração. É desses e desse espírito de luta que
depende o futuro de Portugal.
[.]
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