Anais da XI Jornada de Iniciação Científica da UFRRJ Caracterização da microbiota em lavados traqueobronquiais de macacos prego (Cebus apella, Linnaeus, 1798) hígidos Marcelo Silva Marinho1, João Telhado2, Maria Conceição Estellita Vianni2, Charles André Duque Santiago*1 & Carla Andresa Diele4 1. Acadêmico de Medicina Veterinária. UFRRJ; 2. Professor Adjunto - UFRRJ – DMCV; 3. Médico Veterinário Autônomo – Rua D, 137, Seropédica, Rio de Janeiro, Brasil; 4. Médica Veterinária Autônoma. Palavras-chave: capuchin monkey, tracheobronchial washing, bacteriolocal culture. informações tais como o tipo de inflamação, a presença de bactérias, protozoários, fungos e outros parasitas, além da possibilidade de realização de culturas com material obtido para caracterização de microrganismos (HAWKINS, 1997). O presente trabalho teve como objetivo, definir a microbiota em lavados traqueobronquiais em macacos-prego (Cebus apella) hígidos, visando a diferenciação dos microrganismos presentes fisiologicamente no trato respiratório desta espécie. Abstract Twenty three healthy adult capuchin monkey (seven males and sixteen females) were submitted to tracheobronchial washing (by endotracheal tub method) and the collected material was submitted to bacteriological exam. Three samples were discharged despite of oropharyngeal contamination and the following microorganism were identified: Streptococcus cricetus (3/20); Streptococcus ferus (2/20); Staphylococcus aureus (6/20); Escherichia coli (14/20); Klebsiella pneumonia (3/20) and Citrobacter freundii (1/20). Material e Métodos Foram utilizados vinte e três macacos-prego (sete machos e desesseis fêmeas), adultos e clinicamente sadios. Após terem sido pesados, os animais foram sedados inicialmente com diazepam (2mg/kg) via intramuscular e, passados dez minutos, anestesiados com cloridrato de ketamina na dosagem de 10 mg/ kg PV, administrado também por via intramuscular. Os lavados traqueobronquiais foram realizados com o animal em decúbito lateral, introduzindo-se um tubo endotraqueal nº 3 estéril na traquéia, próximo aos brônquios, tendo-se o cuidado de evitar o contato com a faringe e cartilagens aritenóides. Um cateter 14-ga com estilete de metal foi passado por dentro do tubo traqueal, sendo o estilete removido assim que o cateter ultrapassasse 2 a 4 cm (medidas previamente a inserção) da borda final do tubo endotraqueal. Uma seringa contendo 10 ml de solução salina estéril foi conectada ao cateter, sendo a salina infundida na traquéia, e de imediato realizouse a aspiração do lavado. Quando o animal apresentava tosse, o aspirado era interrompido para evitar contaminação por células e bactérias orofaríngeas. O material coletado pela seringa foi semeado em meios de cultura de transporte – Brain Heart Infusion (caldo BHI). Introdução Os primatas são acometidos de quadros mórbidos pulmonares, que vão desde simples resfriados, pneumonias, tuberculose, destacando-se as pneumonias verminótica e bacteriana primária. Os sinais clínicos são traduzidos por dificuldade respiratória, inapetência, inatividade, descargas nasais, sendo a auscultação e o hemograma (leucocitose) os meios mais seguros para o diagnóstico (FOWLER, 1986). Radiografias torácicas constituem-se métodos auxiliares para o diagnóstico devido a dificuldade em realizar a auscultação (DINIZ, 1997). A anamnese, os exames físicos e complementares rotineiros, muitas vezes ainda não permitem o estabelecimento de um diagnóstico definitivo, sendo necessário recorrer a análises microbiológicas, com colheita de material dos pulmões, brônquios e traquéia para melhor avaliação do quadro pulmonar. A broncoscopia e a biópsia pulmonar também podem ser utilizadas, entretanto, o lavado traqueal, a aspiração pulmonar e lavagem broncoalveolar são técnicas menos agressivas e de menor custo, logo, mais acessíveis (HAWKINS, 1997). Através do lavado traqueal, obtem-se 135 v. 11, n. 2, p. 135-138, 2001 Anais da XI Jornada de Iniciação Científica da UFRRJ procedendo-se a prova da catalase para distinção entre os gêneros Streptococcos e Staphylococcus (CARTER, 1986). As amostras tidas como pertencentes ao gênero Staphylococcus , foram submetidas à prova da coagulase livre e ligada para caracterização das espécies coagulase positivas e coagulase negativas. Nas colônias pertencentes ao gênero Streptococcus, foram realizados os seguintes testes bioquímicos para identificação das espécies: redução de nitrato a nitrito, atividade citocromo-oxidase, fermentação de carboidrato e composto correlatos tais como sacarose, lactose, manose, maltose, trealose, manitol e sorbitol, hidrólise do hipurato, utilização do citrato, reação do Vermelho de Metila (VM), produção de acetil-metil-carbinol (VP), descarboxilação de lisina, ornitina e arginina, crescimento em ágar BHI a 2% e 6,5% de NaCl. Todas as provas foram incubadas à temperatura de 37ºC, sendo a leitura efetuada no período de vinte e quatro a noventa e seis horas. Exame microbiológico: A caracterização da microbiota dominante das amostras obtidas foi realizada através da semeadura em ágar sangue de carneiro a 10%, com posterior incubação a 37ºC por 24/48 horas. As unidades formadoras de colônia (UFC) foram apreciadas quanto as suas características macroscópicas e propriedades morfotintoriais através de coloração de Gram, permitindo desta forma uma diferenciação preliminar da microbiota bacteriana dominante em Gram negativas e Gram positivas. Do crescimento obtido em ágar sangue, procedeu-se a identificação das espécies bacterianas do acordo com suas características morfotintoriais. a) Bactérias Gram negativas: Cerca de 5 a 10 UFC de cada amostra foram transferidas para o meio de triagem do Triple Sugar Iron Agar – TSI e incubadas a 37ºC por 18-24 horas. Esta identificação presuntiva permitiu uma análise bioquímica através da ação destas bactérias sobre a glicose (fermentação/oxidação), lactose e/ou sacarose, produção de gás e sulfeto de hidrogênio. Em função das características apresentadas no TSI, procedeu-se a identificação dos gêneros e/ou espécies da família Enterobacteriaceae fundamentando-se na apreciação de um complexo conjunto de caracteres bioquímicos (COSTA e HOFER, 1972; EWING, 1986). Nesta fase, foram realizadas as provas de redução de nitrato a nitrito, atividade de citocromo-oxidase, fermentação de carboidratos e compostos correlatos tais como glicose, lactose, sacarose e manitol. Também se levou em consideração a descarboxilação de lisina e ornitina; utilização do citrato; reação do Vermelho de Metila – VM, produção de acetil-metil-carbinol – VP; pesquisa de produção de indol e de gás sulfídrico; motilidade; determinação da urease e fenilalanina desaminase. Todas as provas foram realizadas mediante incubação à temperatura de 37ºC e a leitura efetuada no período de vinte e quatro a noventa e seis horas. Resultados e Discussão A sedação seguida de anestesia geral garantiu total contenção dos animais, permitindo que a técnica do tubo endotraqueal fosse utilizada de maneira correta para obtenção do lavado brônquico, mostrando ser uma metodologia prática e eficiente, não causando aos animais complicações posteriores. As análises bacteriológicas permitiram identificar três diferentes espécies de bactérias Gram-negativas e três de bactérias Gram-positivas (tabela1). Das vinte e três amostras coletadas, três foram descartadas por apresentar o desenvolvimento de Bacillus subtillis nos meios de cultura, o que indicou contaminação no momento da coleta. Dentre as Gram-negativas, quatorze amostras foram caracterizadas como Escherichia coli , três amostras como Klebsiella pneumoniae e uma como Citrobacter freundii. Com relação as Gram-positivas, seis amostras foram identificadas como Staphylococcus aureus, três como Streptococcus cricetus e duas como S. ferus. Ressalta-se que os animais utilizados foram observados por seis meses consecutivos após a colheita do lavado traqueobronquial, sem que se evidenciasse qualquer complicação ou doença respiratória conseqüente ao experimento. Apesar da preferência pela técnica percutânea para a colheita de material da traquéia e brônquios por não necessitar o uso da anestesia geral (COWELL & b) Bactérias Gram positivas: De cada amostra foi obtida uma cultura pura, as quais foram transferidas para o caldo infusão de cérebro e coração – caldo BHI e incubadas a 37ºC por 24 horas, 136 Anais da XI Jornada de Iniciação Científica da UFRRJ TYLER, 1989), observou-se que a utilização da técnica do tubo endotraqueal com anestesia geral permitiu a contenção sem danos aos seus manipuladores e aos animais. Nenhum dos sinais clínicos descritos na literatura (DINIZ, 1997; FOWLER, 1986) foi observado nos animais antes ou após a realização dos lavados traqueobronqueais, sendo estes considerados livres de quadros mórbidos respiratórios, além do que, não ocorreu complicação ou seqüela proveniente da coleta do lavado traqueobrônquico, como relatado na literatura (COWELL & TYLER, 1989). Apesar da Klebsiella pneumoniae ser apontada como agente causal de pneumonia lobar e peritonite aguda (FOX et al., 1984), nos animais positivos para este agente, isolado dos lavados, não foram observados sinais clínicos de quadros mórbidos pulmonares conseqüentes a esta bactéria que foi isolada de três animais, o mesmo sendo observado quanto aos gêneros Staphylococcus e Streptococcus, apesar dos mesmos terem sido isolados de vias aéreas inferiores (traquéia e de brônquios). Escherichia coli foi a mais comum, à semelhança do que ocorre em gatos (SHERDING, 1994) ou em potros (CRANE et al., 1989). O lavado traqueobronquial permitiu identificar a microbiota pulmonar destes animais diferenciadas em bactérias Gram negativas representadas pela Escherichia coli (quatorze amostras), Klebsiella pneumoniae (três amostras) e Citrobacter freundii (uma amostra); da mesma forma, dentre as bactérias Gram positivas foram isoladas seis amostras de Staphylococcus aureus , três amostras de Streptococcus cricetus e duas amostras de S. ferus. Tabela 1- Resultados do exame bacteriológico de lavados traqueobronquiais de macacos-prego (Cebus apella). Amostras 1 2 3 Gram negativas Escherichia coli E. coli E. coli Klebsiella pneumoniae E. coli K. pneumoniae Gram positivas __________ __________ 5 --------------- Staphylococcus aureus 6 8 9 E. coli Citrobacter freundii ---------------E. coli --------------E. coli -------------------------S. aureus 10 E. coli 11 ____________ 12 E. coli 13 14 E. coli --------------- 15 16 17 --------------E. coli E. coli 18 19 -------------E. coli K. pneumoniae E. coli 4 7 Conclusões Concluiu-se que a técnica do tubo endotraqueal como método de coleta de secreções da traquéia e brônquios mostrou-se prática e eficiente, permitindo caracterizar a microbiota dominante, além de garantir maior segurança para os animais e aos manipuladores; a utilização do diazepam 2mg/kg IM e do cloridrato de ketamina 10mg/kg (PV) IM mostraram-se satisfatórias para a realização da técnica, não sendo observadas complicações póscolheita das amostras. 20 137 __________ __________ Streptococcus cricetus Streptococcus ferus ------------S.cricetus Streptococcus ferus S. aureus S. cricetus ---------------- S. aureus S. aureus S. aureus v. 11, n. 2, p. 135-138, 2001 Anais da XI Jornada de Iniciação Científica da UFRRJ Referências Bibliográficas EWING, W.H. 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