LEITURA, PRAZER E A FORMAÇÃO DO SUJEITO LEITOR NA
REALIDADE ESCOLAR BRASILEIRA
Mônica Lima Cavalcanti (Uneal)
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Resumo - Diferentes fatores contribuem para dificultar o trabalho com a leitura na
realidade escolar brasileira, como por exemplo: uma pequena parcela da população
possui acesso à leitura, a evasão escolar, professores sem capacitação ou conhecimento
das técnicas de leitura, bibliotecas públicas em número reduzido. Além desses, não
podemos esquecer outros fatores da realidade desfavoráveis, como os preços elevados
dos livros e a cultura familiar, onde ter nascido em uma família de leitores faz uma
grande diferença.
Palavras-chave: Formação, Leitura, Sujeito Leitor.
Introdução
As questões relacionadas às atividades de leitura ainda continuam sendo uma
problemática a ser resolvida na/pela escola do ensino infantil à universidade. O aluno,
durante sua vida acadêmica, mantém uma relação com o mundo da leitura de maneira
segmentada, parcial, analisando e elegendo apenas um ou outro gênero textual para se
trabalhar durante o ano escolar, sem ter a oportunidade de escolha de textos que
pertençam ao/s gênero/s com o/s qual/is se identifique, motivo que pode comprometer o
prazer da leitura.
A necessidade de ampliarmos o universo de leitores ativos está intimamente
ligada ao conjunto simultâneo de medidas que envolverão o estado e a sociedade. A
leitura deverá ser sempre um meio e nunca um fim, deve ter várias funções, pois é
diferente ler para se divertir, para estudar, para escrever, para pesquisar etc. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) recomendam que o aluno possa, em alguns
momentos, escolher as próprias leituras identificando, dessa maneira, suas preferências
para a prática da leitura.
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Este artigo apresentará a seguir aspectos do desenvolvimento da leitura no
universo escolar brasileiro e as possíveis intervenções que poderão contribuir para uma
mudança qualitativa e quantitativa na formação do sujeito leitor.
1. A SITUAÇÃO ATUAL DA LEITURA NA ESCOLA
Se a leitura antes era considerada apenas como um meio de receber uma
mensagem (decodificação passiva), nos dias de hoje a leitura é concebida por diferentes
teóricos como um processo de constituição de sentidos em que o sujeito-leitor vai além
da decodificação e assume uma posição responsiva ativa (Baktin, 1992). Mas essa
última visão não é dominante na escola, porque existem diferentes fatores que
interferem para que ocorra essa mudança.
Pesquisas apontam que a leitura tem diferentes valores para as classes sociais: a
classe dominante vê o ato de leitura como um processo de aprendizado e facilitador nas
relações pessoais enquanto a pessoa pertencente à classe dominada (grande parte da
população) encara a leitura como uma condição imprescindível de sobrevivência e
acesso ao mundo do trabalho. São valores e expectativas distintas em relação ao mesmo
processo.
Outro grande diferencial entre as classes é o acesso a fatores como: preços de
livros, bibliotecas, instituições de ensino etc. Esses acessos são mais valorizados pela
classe dominante, causando na classe dominada a dificuldade de crescimento
intelectual, limitando-a a alfabetização1, sem condições de ingressar no mundo crítico
da sociedade da qual participa. Além disso, uma sociedade capitalista, no qual vivemos,
está longe de proporcionar de forma igualitária a oportunidade de aprendizado, como
afirma Soares,
(...) o acesso ao mundo da escrita vem significando, apenas, para as camadas
populares, ou a aquisição de uma habilidade quase mecânica de
decodificação/codificação (ao povo permite-se que aprenda a ler, não se lhe
permite que se torne leitor), ou o acesso a universos fechados arbitrariamente
impostos. (2000, p.25).
1
Para que se tenha uma idéia aprofundada sobre classes dominantes/dominadas, recomenda-se o artigo
“As condições sociais da leitura: uma reflexão em contraponto”, de Magda Becker Soares. In: Leituras
perspectivas interdisciplinares (2000).
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Segundo Orlandi (2000, p.39), “ler e escrever são, hoje, duas práticas sociais
básicas em todas as sociedades letradas, independentemente do tempo médio com elas
despendido e do contingente e pessoas que as praticam”. De acordo com pesquisas
realizadas pelo Instituto Paulo Montenegro, 45% dos alunos concluintes do ensino
médio mal sabem ler e escrever e destes, 26% que chegam à faculdade, não atingiram o
pleno nível de alfabetização. Porém, houve um avanço ainda que tímido em relação ao
nível de leitura em nosso país. Questionários foram aplicados em pessoas entre 15 e 64
anos e ficou caracterizado que o índice de leitura rudimentar (textos curtos, anúncios e
pequenas cartas), caiu de 31% para 29% entre os anos de 2001 e 2005, e o índice de
alfabetismo pleno (leitura de textos longos, capacidade de fazer inferências e sínteses)
variou de 27% para 26% no mesmo período.
No Brasil, resultados como esses talvez sejam frutos da realidade cotidiana de
nossos estudantes, que passam uma média de quatro horas por dia nas escolas e o tempo
restante diante de um aparelho de televisão, brincando, ou ainda, na rua. Pouquíssimos
alunos costumam ler diariamente qualquer texto que não esteja vinculado às atividades
escolares.
A grande maioria de nossos estudantes não é motivada a ter uma relação
contínua com a leitura e dela obter o máximo de proveito; eles não são estimulados à
pesquisa, ao acesso às bibliotecas, à produção e criação de textos. A leitura fica, entre as
tarefas escolares, no patamar da obrigação: “a leitura pode até se tornar insuportável;
um verdadeiro exercício de angústia” (Martins, 1994, p.51). O que deveria ser um
prazer torna-se uma tarefa enfadonha e pouco produtiva, marcas de ensino autoritário e
inflexível praticado em muitas instituições de ensino nos dias de hoje. Paulo Freire
(2002, p.17) relata parte desse panorama educacional descrito anteriormente e que
vivemos no cotidiano em sala de aula:
A memorização mecânica da descrição do objeto não se constitui em
conhecimento do objeto. Por isso é a leitura de um texto, tomado como pura
descrição de um objeto é feita no sentido de memorizá-la, nem é real leitura,
nem dela, portanto, resulta o conhecimento do objeto de que o texto fala. Creio
que muito de nossa insistência, enquanto professoras e professores, em que s
estudantes “leiam”, num semestre, um sem-número de capítulos de livros,
reside na compreensão errônea que às vezes temos do ato de ler.
Podemos tornar a leitura um instrumento de libertação ou um instrumento de “tortura
intelectual” dentro de nossas salas de aula, cabe ao profissional de educação escolher
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qual caminho seguir. A escolha estará diretamente ligada à busca dos objetivos traçados
no plano pedagógico de cada escola.
2. A FORMAÇÃO DO SUJEITO LEITOR NA ESCOLA
Mas a escola está formando novos leitores? Para respondermos a essa pergunta
devemos considerar que nos livros didáticos oferecidos hoje aos alunos, as respostas,
estão prontas e não é necessário refletir para respondê-las. Os conhecimentos são
sistematizados de tal forma que o assunto, por mais complexo que seja, é simplificado,
dispensando assim uma pesquisa aprofundada ou uma reflexão, já que está tudo muito
óbvio. Muitos professores, por insegurança e/ou despreparo, optam pela adoção plena e
irrestrita do livro didático.
O processo de construção de leitura também dependerá de outro fator igualmente
importante e essencial: o método de ensino/aprendizagem utilizado pelo professor/a,
visando à formação do sujeito leitor. Respeitar a linguagem e o conhecimento prévio
desse leitor é um dos pontos de partida para se trabalhar a leitura e a escrita dentro da
escola. Assim como não á limite para o aprendizado, cada pessoa é que vai impor o seu,
a valorização do conhecimento prévio é essencial nesta relação de aprendizado, o não
aproveitamento, ou ainda, o reconhecimento desse conhecimento prévio poderá implicar
algumas barreiras nessa relação entre professor/aluno.
Para que essa relação professor/aluno seja realmente produtiva, nós, como
educadores, devemos respeitar o que cada aluno traz de conhecimento prévio de sua
realidade sócio-histórica. Sabemos que dentro de uma sala de aula encontraremos as
mais diferentes formas de linguagem e conhecimento de mundo, por isso não podemos
considerar que nosso aluno não tenha nenhuma experiência de leitura. Ele traz em sua
bagagem um conhecimento que poderá ser utilizado de forma produtiva numa aula de
leitura como, por exemplo, descrever o caminho de casa até a escola, como é sua
família, seus gostos pessoais etc., leituras que ele faz a partir do universo em que está
inserido, do seu cotidiano, e que não podem ser desprezadas. Nesse sentido, podemos
dizer, com base nos diversos estudos sobre concepções de leitura que: a leitura não tem
seu início de aprendizagem, nem tampouco seu fim, dentro da escola. A formação do
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sujeito leitor será definida a partir das experiências de vida individual, sendo um
processo contínuo e gradativo.
A leitura como uma das formas de acesso ao conhecimento está intimamente
ligada à escolha do tipo de texto a ser trabalhado em sala de aula. Construir sentidos
sobre algo que não faz parte do contexto histórico social do aprendiz limita e castra as
possibilidades de criação e desenvolvimento; seria como escolher um tema que anda
não seja dominado, naquele momento pelos alunos. O bom senso do professor/a nessa
escolha é fundamental, preparando e propiciando um ambiente para os desafios de
interpretação e compreensão, tornando a leitura em uma tarefa prazerosa. Devemos
ressaltar também as estratégias de leitura, a interação com a leitura e os diversos tipos
de discursos.
Como já comentamos anteriormente, a escola nos dias de hoje não tem como
objetivo a formação de novos leitores. A leitura durante a vida escolar tem sido
colocada de forma compulsória e ditatorial, os alunos lêem avidamente na busca de
assimilar o maior número de informações possíveis e muitas vezes com objetivo pontual
de realizar um exame posteriormente, sem dedicar-se a uma reflexão sobre o assunto e
sim a uma rotina de aprendizagem.
A leitura ainda pode passar como uma tarefa desinteressante de tal forma que, na
época que este aluno conclui seus estudos, “torna-se um leitor ocasional, casual”. Ainda
segundo Barzotto:
(...) a formação de leitores críticos ... não eram e ainda não são do interesse
daqueles que estão no poder... quanto maior a dificuldade de acesso à leitura
contestadora e questionadora,menor será a possibilidade de mudanças reais na
estrutura social” (1999, p. 71/163).
Diante de tudo que já foi exposto, podemos afirma que o papel do professor em
sala de aula de leitura é muito maior do que se supõe: formar cidadãos conscientes de
seu papel na sociedade e em condições de inferir conhecimentos e opiniões e,
conseqüentemente, provocar mudanças.
A educação continuada do professor refletirá diretamente na qualidade de seu
trabalho com os alunos em sala de aula; ele poderá optar por um livro didático e
trabalhar com um modelo pré-concebido, ou inovar adotando metodologias que
viabilizem a autonomia dos alunos, oferecendo-lhes argumentos para refletir e
desenvolver seus próprios sentidos com base no texto sugerido; propondo discussões,
motivando interpretações e incentivando descobertas e reconhecimento de gêneros e
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tipologias de cada um (hoje esta tarefa está restrita a algumas disciplinas, como
literatura e língua portuguesa).
Quando um texto é apresentado ao aluno sem uma proposta de reflexão crítica,
de compreensão, este aluno tende a crer que está diante de um modelo sacralizado.
Entretanto, quando há uma proposta de reflexão este mesmo aluno observará que os
textos são produzidos para serem questionados e em relação a todos os aspectos nele
apresentados. Assim notará, por exemplo, que muitos autores, sobretudo de textos
literários, fogem às regras gramaticais propositadamente para produzir novos sentidos.
O leitor só terá essa percepção se estiver pronto para refletir e interpretar, caso
contrário, este traço estilístico poderá passar despercebido. Essa maturidade o sujeitoleitor adquire lendo, comparando, analisando os mais diversos gêneros textuais, e nesse
momento, é necessário sair dos limites do livro didático e partir para a diversificação.
O prazer de ler também pode ser proporcionado através de atividades que
facilitem a interação das modalidades (oral e escrita) e das habilidades (compreensão e
expressão) da língua, a partir de textos literários, artigos de revistas e jornais,
observação de obras de arte, espetáculos de danças, apresentações teatrais, etc. O
aprendiz deve ser estimulado a ler criticamente a sua realidade.
Como já dissemos anteriormente, a leitura se constitui em um processo amplo e
gradativo que proporciona ao indivíduo o uso de suas potencialidades, enriquecendo
suas próprias idéias e promovendo experiências intelectuais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se nos núcleos familiares a presença da leitura é tímida, se a escola é pouco
comprometida com a formação do leitor, se temos uma carência de bibliotecas públicas;
é preciso então buscar alternativas que possam estimular o desenvolvimento deste leitor
para que este possa exercer sua cidadania de maneira plena.
Formar leitores não é tarefa fácil; compete à escola e à sociedade incentivar a
prática de leitura como um instrumento de libertação e de aprimoramento humano.
Utilizando para isso estratégias e técnicas educacionais criativas e eficientes que
despertem o interesse no estudante, motivando-o a não se limitar a ler somente no
universo escolar, mas também fora dele.
Os pais podem e devem participar desse processo de construção do sujeito leitor,
incentivando a leitura, tornando-a um momento de integração familiar e lazer, sentando
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ao lado dos filhos para contar histórias, encantando e mexendo com o imaginário dos
leitores iniciantes.
A prática da leitura deve ser estimulada desde a infância, antes mesmo de a
criança entrar na escola. Nessa fase inicial da formação do leitor os pais e educadores
têm o papel fundamental de instigar, deslumbrar, despertar e convencer esse leitor
através de recursos como: a observação do texto, das ilustrações, da cor, do formato, do
cheiro; estimulando os diferentes canais sensoriais do leitor. O incentivo e o estímulo
facilitarão seu aprendizado, permitindo que crianças, no futuro sejam leitores assíduos e
conscientes do seu papel na sociedade.
A necessidade de ampliarmos o universo de leitores ativos está intimamente
ligada ao conjunto simultâneo de medidas que envolverão o estado e a sociedade. A
leitura deverá ser sempre um meio e nunca um fim, deve ter várias funções, pois é
diferente ler para se divertir, para estudar, para escrever, para pesquisar etc. Com um
trabalho de formação de leitores realmente comprometido com resultados é esperado
que o aluno possa despertar o leitor em potencial que há dentro dele e que desconhece, e
que em alguns momentos durante a vida escolar, possa também escolher as próprias
leituras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKTIN, Mikail. Marxismo e filosofia da linguagem/(trad.) LAHUD & VIEIRA, Michel,
Yara F. São Paulo: Hucitec, 1992.
BARZOTTO, Valdir Heitor (org). Estado de Leitura. Campinas: Mercado de
Letras,1999.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.
43. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 19. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, 1988.
Parâmetros Curriculares Nacionais. Disponível em: < www.mec.gov.br>. Acesso
em: 11 fev. 2008.
Quarenta e cinco por cento de formados no ensino médio mal sabem ler.
Disponível em: <www.ipm.com.br>. Acesso em: 11 fev. 2008.
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SOARES, Magda Becker. As condições sociais da leitura: uma reflexão em
contraponto. In ZILBERMAN, Regina & SILVA, Ezequiel (org). Leitura Perspectivas
Interdisciplinares, 5. ed. São Paulo: Ática, 2000.
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