CONCEPÇÕES DE LOUCURA E REFORMA PSIQUIÁTRICA ENTRE ALUNOS CONCLUINTES DO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA Lucia Maria Patriota, Mayara Duarte Silva, Gerbson da Silva Lima. Universidade Estadual da Paraíba/Departamento de Serviço Social, Rua Antonio Guedes, s/n, Catolé. Resumo - A presente pesquisa objetivou analisar as concepções de loucura e reforma psiquiátrica dos alunos concluintes do curso de Serviço Social da Universidade Estadual da Paraíba. Compreendeu um estudo exploratório e descritivo, com abordagem quanti-qualitativa. Os sujeitos foram os alunos concluintes do curso, matriculados no semestre 2009.1. O universo constituiu-se de 29 alunos. Os dados foram obtidos através de um questionário. Identificamos que do total de 29 alunos que participaram da pesquisa, 48% associam a loucura a problemas de origem orgânica. Quanto ao entendimento do que vem a ser Reforma Psiquiátrica, muitos dizem que já ouviram falar sobre o movimento, porém não entendem o verdadeiro significado da mesma, a entendem como mera reestruturação de serviços. Palavras-chave: Saúde Mental. Reforma Psiquiátrica. Serviço Social. Área do Conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas Introdução Há consenso entre os observadores da Reforma Psiquiátrica de que a questão dos recursos humanos para o setor da saúde mental é um dos mais graves problemas a serem enfrentados na área. É preciso dispor aos profissionais uma base teórica e técnica sólida e suscitar nos mesmos uma vocação crítica e criativa, de modo a atender aos desafios que um processo de transformação do porte da Reforma Psiquiátrica impõe. O papel dos profissionais de saúde mental é relevante, se não determinante, na transformação das relações cotidianas nos serviços de saúde mental, tanto no que se refere à concepção e compreensão da loucura - hoje, sofrimento psíquico – quanto na concepção das novas práticas institucionais postas. A Reforma Psiquiátrica traz consigo uma verdadeira revolução teórico-conceitual. Aos sujeitos envolvidos nesse amplo e complexo processo social, conforme pontua Amarante (2007), faz-se imprescindível à compreensão de um conceito ampliado de saúde, da clínica ampliada, do trabalho interdisciplinar e intersetorial, da noção de rede e de territorialidade, entre tantos outros. Segundo Bezerra Jr. (2007), a Reforma Psiquiátrica no Brasil deixou de ser uma “proposta alternativa” e se consolidou como o marco fundamental da política de assistência à saúde mental oficial. Para o citado autor a influência do ideário da Reforma vem se expandindo no campo social, no universo jurídico e nos meios universitários que formam os profissionais de saúde. Frente aos argumentos aqui apresentados, lançamos a seguinte questão que norteou a presente pesquisa: quais as concepções dos alunos concluintes do curso de serviço social da Universidade Estadual da Paraíba sobre loucura e Reforma Psiquiátrica? Metodologia Quanto aos seus objetivos a pesquisa compreendeu um estudo exploratório e descritivo, com abordagem quanti-qualitativa. A pesquisa foi realizada no Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual da Paraíba. Os sujeitos da pesquisa foram os alunos concluintes do curso de Serviço Social, matriculados no semestre 2009.1. O universo constituiu-se de 29 alunos. Os dados foram obtidos através de um questionário e o projeto foi encaminhado para apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) desta Universidade, tendo sido apreciado e aprovado, atendendo ao que preconiza a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Resultados A loucura sempre esteve presente na história da humanidade. No entanto as concepções do fenômeno foram modificadas ao longo da história. Percebe-se que em cada período histórico ela ganhou uma significação específica, ora sendo considerada inspiração divina, como ocorreu na Antiguidade, ora assumindo um caráter demoníaco, como ocorreu na Idade Média. O fato é que cada sociedade, em XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1 sua respectiva época, cria os seus próprios “loucos” e define a melhor forma de tratá-los. No presente estudo, 48% dos sujeitos abordados relacionaram a loucura a um distúrbio neurológico ou anormalidade mental, conforme se evidencia nas seguintes falas: Para mim loucura é um estado de anomalia, que pode acontecer com qualquer indivíduo do estado normal, sendo ou devendo ser encarado como doença que pode ocorrer com o ser humano (Q. 4). Falta de equilíbrio mental; distúrbios psíquicos num indivíduo; falta de sanidade, etc. (Q. 7) Loucura é quando a pessoa tem alguma perturbação, algum distúrbio que limita a pessoa (Q.18). As falas apontam para um reducionismo da loucura à noção de organicidade. A loucura vista sob este enfoque provém de uma concepção de que se trata de algo que ocorre “dentro” do sujeito, as situações “externas” a este sujeito são totalmente desconsideradas. É fato que o caminho trilhado pela psiquiatria tradicional foi marcado por uma concepção organicista da loucura e esse modelo foi hegemônico por muito tempo. No entanto hoje há um movimento contra-hegemônico em curso baseado numa concepção mais ampla de loucura, entendo-a como um fenômeno biológico, psíquico, social, cultural e histórico. Tal noção parece não ter sido ainda absorvida pelos sujeitos pesquisados e isso muito nos preocupa, pois a forma de se lidar com a loucura é determinada pela concepção que se tem da mesma. Uma leitura meramente orgânica de um fenômeno tão complexo como a loucura inevitavelmente desencadeará na psicologização dos problemas. Se não há uma leitura “social” da questão em que incidirá a ação do assistente social neste universo chamado “saúde mental”? Algumas falas também evidenciam uma associação da loucura a exclusão, enfatizando o impedimento do louco de ter uma vida “normal”: Com o surgimento do internamento, que se fortalece na metade do século XVII, na Europa, os “loucos” deixaram de ser exilados e passam a ser internados em hospitais, juntos de vadios, libertinos, devassos, pobres, ou seja, de todos os marginalizados. Esse período é conhecido como o da “Grande Internação”. A partir desse período a lógica da exclusão vai estar intrinsecamente ligada à loucura que passa a ser vista como algo a ser afastado ou abolido da sociedade. Os pacientes portadores de transtornos mentais passam a entrar em um processo de isolamento e de exclusão social. Infelizmente, essa parece ser a representação que os sujeitos abordados no presente estudo têm da loucura. Na presente pesquisa também procuramos identificar a compreensão dos sujeitos acerca da Reforma Psiquiátrica e verificamos que a maioria já ouviu falar da mesma. Entretanto, entre os que afirmaram já ter ouvido falar em Reforma Psiquiátrica verifica-se uma compreensão muito frágil, com nítida associação da mesma a simples reformulação do tratamento e a extinção dos manicômios, conforme evidenciam as falas a seguir: Um processo no qual foi reformulada a forma de tratamento das pessoas com transtornos mentais (Q. 2). A Reforma Psiquiátrica pretende uma reformulação acerca do tratamento dos doentes mentais. (Q. 22). É uma nova forma de encarar e tratar os pacientes [...] deixando para trás os ditos manicômios, substituindo por tratamentos menos agressivos e com um resultado com mais respostas ao paciente (Q. 1). Acredito que Reforma Psiquiátrica tem alguma relação com a extinção dos antigos sanatórios, onde os pacientes eram tratados como “animais”, em condições subumanas. Houve modificação nos sistema psiquiátrico, tornando-o mais humanizado, creio que seja isso (Q. 7). Loucura é a privação da capacidade mental que acarreta distúrbios que vão impedir uma participação social de forma “normal”. (Q. 28). É que acabaram com os hospícios, ou seja, os pacientes com problemas mentais voltam ao convívio familiar, deixando de serem confinados em hospitais, que pareciam mais com presídios (Q. 26). Significa aquelas pessoas vistas de forma diferente [...] no sentido de não atender as expectativas que a sociedade tem como normal (Q.29). Com a ascensão do Movimento de Reforma Psiquiátrica um novo paradigma é proposto para a saúde mental – a atenção XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 2 psicossocial – o que implica em modificações nos conceitos, na abordagem e formato da assistência psiquiátrica. Reforma Psiquiátrica não é simplesmente uma reforma de serviços psiquiátricos, uma reforma da assistência e, muito menos, reforma administrativa, funcional e organizacional de serviços. A Reforma Psiquiátrica, embora envolva todos esses componentes, vai muito mais além. Para Amarante (2007) as grandes experiências de reforma incorreram nesta limitação, ou seja, reduziram um processo social e complexo a simples propostas de reformulações de serviços. Para o citado autor, um processo social e complexo como o da Reforma Psiquiátrica se constitui no entrelaçamento de diferentes dimensões: teórico-conceitual, técnicoassistencial, jurídico-político e sócio-cultural. Dimensões estas que incidem sobre todo o sistema político e social. Em conseqüência dessas transformações postas pela Reforma Psiquiátrica surgiram novos serviços com experiências inovadoras, orientados por uma ética de inclusão social e afirmação do direito de cidadania das pessoas com transtornos mentais chamados serviços substitutivos pelas rupturas operadas com o modelo manicomial. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), dentre todos os dispositivos de atenção à saúde mental, têm valor estratégico para a Reforma Psiquiátrica brasileira. É o surgimento destes serviços que passa a demonstrar as possibilidades de organização de uma rede substitutiva ao Hospital Psiquiátrico no país (BRASIL, 2005). Quando foram questionados sobre o que são os serviços substitutivos, apenas 3% dos sujeitos da pesquisa afirmaram conhecê-los. De acordo com Barbosa; Silva (2007), o assistente social é um dos profissionais que pode fazer parte da equipe multiprofissional dos CAPS, sendo considerado como fundamental dentro dessas instituições. Os serviços substitutivos necessitam da participação do Serviço Social, numa proporção muito maior do que na internação. Conforme pontua Bisneto (2007), desde os anos 1990 vêm ocorrendo uma “onda” de contratações de assistentes sociais em saúde mental, similar à produzida nos anos de 1970 pelas resoluções do Instituto Nacional de Previdência Social. Como preconiza a Portaria 336/02 do Ministério da Saúde, o Assistente Social é um dos profissionais que pode fazer parte da equipe multiprofissional dos CAPS; evidencia-se assim, a sua importância nesta nova dinâmica dos serviços, que terminam se constituindo como um espaço sócio-ocupacional para o profissional do Serviço Social. Discussão A compreensão de Reforma Psiquiátrica aqui identificada em muito nos preocupa. Amarante (2008) sugeri que os profissionais que trabalham com a complexa questão da saúde mental poderiam – e nos entendemos que deveriam - receber em suas formações, reflexões mais amplas, mais problematizadoras, inclusive sobre a complexidade da existência humana e os dados aqui apresentados, infelizmente, nos apontam quão pouco instrumentalizados, teórica e metodologicamente, estão os sujeitos pesquisados para atuar na saúde mental. O profissional de saúde mental – e porque não dizer as pessoas, em geral – precisa entender que a “convicção antimanicomial” não nasceu como “pura ideologia”, mas como conseqüência de conhecimentos e estudos que ousaram questionar os dispositivos e as estratégias de dominação e anulação do sujeito que marcaram historicamente a (des)atenção à saúde mental, a exemplo dos hospitais psiquiátricos (AMARANTE, 2008). Conclusão A formação dos profissionais de saúde mental, entre os quais se inclui o assistente social, deve ter como objetivo a transformação das práticas profissionais na perspectiva da desinstitucionalização. Os princípios do SUS e da reforma psiquiátrica foram construídos para superar um modelo desumano baseado em medidas excludentes, hospitalocêntricas e médicocentradas. Construir novas formas de atenção de lidar com a loucura e o sofrimento psíquico implica em romper com o modelo biomédico – influenciado pela abordagem biológica, individualista e ahistórica - e assumir o modelo psicossocial, que impele a uma abordagem mais complexa, incorporando a influência dos aspectos macrossociais ao fenômeno loucura e isso implica, obrigatoriamente, um repensar os processos de formação dos diferentes atores envolvidos nesse processo. As transformações propostas pelo complexo campo da Reforma Psiquiátrica brasileira apresentam grandes desafios, especialmente aos profissionais de saúde que cotidianamente têm a tarefa de expandir e consolidar essa mudança. XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 3 Referências AMARANTE, P. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de janeiro: Fiocruz, 2007. ____________. Saúde mental, formação e crítica. Rio de janeiro: Laps, 2008. BARBOSA, T. K. G. de M.; SILVA, W. M. R. A. de. Serviço Social e Saúde Mental. In: PRÉDES, R. (org). Serviço social, políticas sociais e mercado de Trabalho profissional em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2007. BEZERRA, JR. B. Desafios da Reforma Psiquiátrica no Brasil. In: Physis. Revista Saúde Coletiva. N. 17, v. 2, 2007. BISNETO, J. A. Serviço social e saúde mental: uma análise institucional da prática. São Paulo: Cortez, 2007. BRASIL, Ministério da Saúde. 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