Porquê software livre?
Por: S. Ramos, Coordenador de TIC ­ Maio de 2008
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A partir de Setembro de 2008, o Ministério da educação vai introduzir nas escolas públicas portuguesas mais de 100.000 computadores equipados com software proprietário, eventualmente a par de software livre (a presença deste poderá não ser relevante, como se mostra no texto).
Os recursos a que chamamos software livre oferecem­nos condições notáveis e vantajosas que objectivamente vale a pena considerar:
• não temos de suportar custos associados à aquisição dos sistemas e programas e suas actualizações; os actuais custos devidos à não­utilização de software livre ascendem a milhões de euros anuais à escala nacional, o que constitui um flagrante desperdício;
Este facto virá constituir um forte entrave à implantação do software livre, pois a utilização do software pago continuará a dominar, a menos que se implante com clareza uma nova política. • economizando
recursos financeiros que deixam de ser aplicados em programas informáticos, as entidades oficiais, incluindo as escolas, podem canalizá­los para outros fins, como a actualização de computadores ou melhoramentos diversos;
Nas escolas em que o software livre já foi introduzido, obviamente com grande esforço face à escassez de meios humanos e à resistência à mudança, assistiremos a uma regressão, quando não destruição, dos progressos efectuados, se os órgãos de gestão cederem às pressões dos utilizadores habituados ao sistema proprietário.
• desenvolvemos
a consciencialização de custos, que é um importante valor organizacional, e influenciamos a despesa pública, ajudando a reduzi­la;
• adoptamos
uma gestão sustentável dos recursos, com boas perspectivas a prazo alargado, independentemente das promoções comerciais imediatistas e das conjunturas económicas e financeiras;
Nas escolas em que o software livre não fez ou mal fez a sua entrada, as condições organizacionais serão, muito provavelmente, hostis à Inovação que uma política de combate ao desperdício, que devia estar na base da gestão sustentável dos recursos, poderia representar.
• beneficiamos das conhecidas "4 liberdades" associadas ao software livre: a liberdade de executar os programas, para quaisquer fins; a liberdade de estudar como funcionam os programas e adaptá­los às nossas necessidades; a liberdade de redistribuir cópias para ajudar outros que precisam; a liberdade de melhorar os programas e entregar as versões melhoradas ao público para que este beneficie;
Estamos, pois, numa fase em que o esclarecimento de questões no âmbito desta problemática é muito necessário.
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•é
automática a conformidade face à legislação de protecção da propriedade intelectual e industrial, não se colocando o problema da pirataria informática, que em Portugal é um ilícito criminal punível com três anos de prisão e multa; a adopção de software livre permite, até, resolver problemas em algumas escolas em que, infelizmente, existe software ilegalmente em uso;
• como
os sistemas e programas livres formam uma monumental obra resultante do trabalho colaborativo realizado por comunidades virtuais, geograficamente distribuídas e unidas pelas Internet, é percepcionado directamente pelos alunos e professores o potencial da colaboração em geral, bem como o imenso potencial da colaboração apoiada em Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), o que é muito importante em termos educativos e de formação de cidadãos que tirarão o máximo partido das tecnologias na Sociedade da Informação;
• dispomos,
por via da Internet, de uma comunidade global pronta a partilhar informações e a ajudar, o que promove a utilização das TIC e facilita e até incentiva a aprendizagem e a autoformação, sem segredos ou conhecimentos vedados;
• existem actualmente na Internet à nossa disposição sistemas e programas livres de boa qualidade, superando mesmo, neste aspecto, as soluções proprietárias; muitas vezes, os programas são multiplataforma (funcionam sobre diversos sistemas operativos); o pacote OpenOffice, que é um dos mais relevantes para os nossos fins, apresenta conformidade de formatos com as normas ISO e possui características de interoperabilidade com outros programas, inclusivamente com programas proprietários;
• os
programas livres são perfeitamente satisfatórios, tanto para os fins de uma formação geral em TIC, como do estudo de diversas disciplinas escolares, como ainda da realização das vulgares tarefas de ­ 2 ­
escritório, as quais recorrem a software­
­padrão;
• o sistema operativo Linux não padece dos problemas de segurança que levam os administradores de redes proprietárias a gastar recursos em software antivírus e a executar rotineiramente, embora sem eficácia garantida, pesquisas periódicas de vírus e outros elementos danosos; como nas escolas existem muitos computadores antigos, esse software, que é executado em fundo, torna­os ainda mais lentos;
• ao
utilizarem sistemas operativos e programas de vários tipos e origens, os alunos ganham uma visão mais equilibrada e abrangente da realidade das TIC, enquanto desenvolvem a sua capacidade crítica e de avaliação da qualidade dos produtos e soluções, bem como melhoram a sua consciência dos compromissos e constrangimentos próprios do software.
• os
alunos com menores possibilidades financeiras não são desfavorecidos, pois têm imediato acesso, livre de custos, aos programas que se adoptam na Escola e de que necessitam em casa para estudar e praticar, o que se traduz em melhoria da inclusão social;
• os alunos não são tentados a gerar ou instalar cópias ilegais de sistemas e programas;
• os alunos e professores não são joguetes de uma empresa; é caricato e ética e dentologicamente inadmissível que um professor, para realizar o seu trabalho quotidiano, seja na prática obrigado a pagar do seu bolso os produtos de uma empresa privada e depois vá desempenhar, ao serviço do Estado Português, sessões de formação dos clientes dessa empresa;
• como
as editoras não criaram manuais escolares dedicados aos sistemas e aplicações livres, os professores têm de criar os seus próprios textos de apoio, a par de outros recursos, o que representa uma importante oportunidade de reflexão e discussão das melhores soluções em termos didácticos, bem como um responsável e benéfico trabalho de reinterpretação curricular, planeamento, execução, avaliação e partilha; • sendo
os recursos criados ou adaptados pelos próprios professores, eles são mais adaptados aos seus alunos e são fornecidos gratuitamente e disponibilizados em formato electrónico;
• a migração para sistemas e aplicações livres proporciona às organizações escolares um grande desafio e uma grande experiência de Inovação com impacto tecnológico, pedagógico e organizacional, coloca à prova o profissionalismo dos seus agentes e combate o individualismo e o imediatismo, posicionando o interesse geral acima do interesse particular, o que, em termos sociais, e para mais em contexto educativo, é de grande relevância.
estar enquadrada numa liderança de mais alto nível, que é a exercida pelos órgãos de administração e gestão das escolas. Estas, desejavelmente, não deverão estar sozinhas, mas por sua vez enquadradas num contexto nacional, em consonância com os objectivos governamentais para o ensino público.
Ora, ao longo da cadeia de lideranças referida e nos vários contextos implicados, existem fortes possibilidades de falta de apoio à mudança, que coloca em causa interesses instalados. Desde logo por parte dos níveis superiores, não havendo uma orientação clara no sentido da mudança, resultarão em vários pontos da cadeia atitudes de indiferença, ambiguidade ou oposição, nada favoráveis à efectiva e generalizada implantação do software livre (SL).
A adopção de atitudes esclarecidas e favoráveis ao processo de mudança está dependente da presença, nas mentes dos agentes envolvidos, de sensibilidades e competências simultâneas nas três áreas representadas na figura seguinte.
Resistência à mudança
Como as sensibilidades e competências referidas só raramente se encontram em simultâneo nas mentes dos potenciais agentes de mudança, estes, sob a influência das formas de pensar próprias do senso comum, dos efeitos miméticos decorrentes dos contextos sociotécnicos em que se movimentam e da percepção de que a mudança implicará sempre esforços de adaptação que vêm como indesejáveis, remetem­se às referidas atitudes de indiferença e oposição. A adopção generalizada de software livre implica diversas mudanças. Estas são levadas a cabo por agentes de Inovação. Nas escolas, são os professores que detêm os lugares­chave e o seu desempenho de papéis de liderança é condição sine qua non para o êxito do processo. A liderança dos professores deve Do mesmo modo, raramente encontramos dirigentes das estruturas centrais ou gestores ­ 3 ­
escolares que, em simultâneo, reúnam estas sensibilidades e competências, em termos próprios ou delegados de tal forma que não se perca uma posição de integração conducente às decisões que fariam avançar a utilização generalizada de software livre tendo em conta as suas vantagens. Para mais, empresas orbitam em torno dos centros de decisão, exercendo todas as influências que podem, no sentido da transacção dos seus produtos.
O colmatar das referidas lacunas de sensibilidade e competência seria uma tarefa própria dos níveis de gestão, por via de divulgação, mentalização, formação, motivação e responsabilização, no âmbito do desenvolvimento e propagação de políticas que materializassem certos princípios e valores organizacionais de aceitação consensual e favorecidos pelo uso de software livre, como sendo a consciencialização de custos, a gestão sustentável dos recursos, a igualdade de oportunidades e a info­inclusão. No entanto, como em muitas escolas estamos ainda, em certos aspectos, na pré­história da Gestão, em geral verificamos que estas dinâmicas não são desenvolvidas e resultam situações de conflito entre agentes de Inovação minoritários e o resto da organização.
operação intuitiva. É por isso que vemos todos os dias muitas pessoas, a começar pelos jovens, não precisarem de qualquer formação para passarem a utilizar os sistemas e aplicações livres. O mesmo se pode dizer do OpenOffice. É curioso que não ouvimos os utilizadores protestar ao terem de se adaptar do Windows XP ao Windows Vista ou do MsOffice 2003 ao MsOffice 2007, o que mostra que a questão apresentada não é de natureza técnica, mas antes uma questão de atitude. Nas escolas, normalmente haverá sempre alguém por perto que poderá esclarecer dúvidas, sobretudo no período de transição.
Trago documentos do computador de casa ou do portátil para a escola e quando os abro no OpenOffice existem problemas, os documentos aparecem "desconfigurados".
O OpenOffice apresenta um elevado grau de interoperabilidade face ao MsOffice (já este não apresenta essa boa interoperabilidade), embora em certos documentos a compatibilidade não resulte perfeita. Conforme tem sido aconselhado, o melhor é instalar o OpenOffice em casa ou no computador portátil. No sistema proprietário, este pacote de aplicações pode coexistir lado a lado com o MsOffice sem qualquer problema. A partir de Setembro de 2008, o OpenOffice apresentará Em seguida, damos resposta a alguns dos interoperabilidade face ao MsOffice 2007.
argumentos que com frequência se ouvem contra a utilização generalizada de software Na minha escola até já se usa software livre, livre:
mas há problemas técnicos e os alunos até se O sistema Linux é uma coisa desconhecida, queixam por não poderem trabalhar no não sei trabalhar com ele. E nunca trabalhei sistema proprietário (Windows).
com o OpenOffice, ele é diferente do Em algumas escolas, já se encontra implantado software livre em alguma extensão. Não há MsOffice.
razão técnica para a existência de problemas, Para que queremos o sistema operativo? Para pois os sistemas e aplicações são de qualidade abrir, fechar, guardar, copiar, mover ficheiros verificada e existem pessoas a quem recorrer entre unidades de armazenamento. Abrir e em caso de dúvidas técnicas, inclusivamente fechar programas. Abrir, fechar, alternar entre por meio de fóruns acessíveis na Teia Mundial. janelas. Iniciar e encerrar o sistema. Não é As razões dos problemas ocorrem, preciso pensar em mais complicações, pois o frequentemente, ao nível da organização e dos sistema realiza por nós as tarefas complexas. procedimentos. Convém verificar se está a De resto, tanto do ponto de vista conceptual, haver um adequado apoio à mudança por parte como estrutural e funcional, os ambientes dos órgãos de administração e gestão e das gráficos dos sistemas livres e os dos lideranças intermédias da escola. Temos proprietários são extremamente parecidos e de ­ 4 ­
presenciado queixas de alunos, por exemplo, no âmbito da realização de trabalhos de projecto ou outras utilizações dos computadores, na biblioteca ou nas salas de aula. Mas os respectivos professores explicaram­lhes, no início do ano, porque se deve usar software livre e onde se podem obter a documentação e os programas? Os professores deram o exemplo? Foram comunicando necessidades e ocorrências ao Coordenador de TIC? Como se vê, trata­se sobretudo de questões organizacionais, muitas delas próprias de uma fase de arranque de uma nova variedade tecnológica.
Eu até nem uso computadores, estou à margem de toda esta problemática.
O uso generalizado das TIC é hoje indispensável para que se atinjam níveis de Qualidade razoáveis no âmbito do funcionamento das organizações escolares e da satisfação das necessidades dos beneficiários do Serviço Educativo. É urgente desenvolver processos de mentalização e envolver os professores que não usam computadores em acções de formação com boa diferenciação, no sentido de os apoiar na mudança com vista à sua inclusão na "escola digital". Quem não usa ou ainda usa pouco computadores terá ainda menos dificuldades em adaptar­se ao software Eu já tenho muito trabalho e não quero livre.
saber de nada disso, quero é leccionar as minhas matérias e concentrar nisso a minha Sou professor(a) de Matemática, Educação atenção.
Visual ou outras disciplinas e preciso de Esta posição é individualista, ao não programas que não funcionam no sistema considerar o que se passa em redor, as livre.
oportunidades de melhoria e em particular o No contexto internacional, a Matemática tem combate ao desperdício. Por outro lado, um sido, desde há anos, uma das áreas mais certo grau de envolvimento com o estudo da tratadas em termos de software livre, existindo Tecnologia é actualmente necessário, da uma ampla oferta de programas livres. Existem mesma forma que ao comprarmos um televisor também programas livres de tratamento de ou um forno de micro­ondas sofisticado não imagem, seja do tipo mapa de bits, vectorial ou nos importamos de gastar algum tempo a tridimensional, bem como programas de estudar o respectivo manual. Como os desenho assistido por computador. É altura de professores têm de dedicar algum do seu rever as necessidades com espírito de abertura tempo a actividades de formação, essa pode a novos programas, de modo a podermos ser uma perspectiva pela qual justificar os seus disfrutar das vantagens do software livre. esforços de adaptação, embora, no que toca ao Existem milhares de aplicações disponíveis. software­padrão não haja propriamente Assistimos com muito mais frequência a grandes necessidades de formação, dada a sua posições de passividade, do género "não tenho, similitude relativamente aos produtos de por isso não mudo", do que a posições activas, software pago. Basta começar a utilizar o incluindo de grupos, do género "vamos software e ir esclarecendo algumas dúvidas à procurar o melhor software livre para a nossa medida das necessidades.
aplicação". As pessoas mais indicadas para identificarem os produtos de software livre que servem os fins desejados e promoverem as mudanças nas suas áreas são os próprios docentes das especialidades em causa. Por exemplo, a Universidade de Aveiro oferece importantes plataformas de aprendizagem em linha da Matemática, organizando competições acessíveis aos vários níveis etários, etc., mas esses recursos apenas funcionam com o navegador de um sistema proprietário. Temos ­ 5 ­
ouvido queixas contra o software livre por não permitir, assim, o emprego destes recursos, mas não temos informação de que os professores de Matemática tenham contactado a Universidade no sentido de alertarem para a conveniência de uma mudança de política. Se houver sensibilidade às vantagens da utilização do software livre, este objectivo estará presente e serão desenvolvidas, de modo descentralizado, acções para o atingir. Outros aspectos desta problemática são os seguintes: como vão os alunos ter possibilidade de realizar um desejável trabalho de estudo individual, nas suas casas ou noutros espaços de trabalho, se tiverem de recorrer à compra de software caro de desenho, ilustração, tratamento de imagem, modelação tridimensional ou Matemática? E é claro que das múltiplas funções que tais programas comerciais oferecem, só uma pequena fracção será tratada nas aulas ou utilizada pelos alunos, o que reforça a ideia de que não será muito difícil encontrar soluções baseadas em software livre.
Lecciono utilizando um programa de Contabilidade proprietário e conheço colegas ligados ao Ensino Industrial que não podem trabalhar sem o sistema proprietário. E os serviços administrativos da escola usam programas que só existem nesse sistema.
É certo que há algumas áreas em que o sistema proprietário é, de momento, insubstituível. Em certas aplicações técnicas e industriais, provavelmente vai ser sempre necessário dispor do sistema proprietário. Nestas áreas, claro que é necessário continuar a usar esse sistema, mas nesses postos de trabalho pode introduzir­se também algum software livre adoptando produtos multiplataforma, isto é, que funcionam em vários sistemas. Quanto às aplicações principais que forçam a adopção do sistema proprietário, nem sempre é verdade que não existam alternativas. Cada caso deve ser investigado cuidadosamente e com um espírito aberto, ponderando todos os factores envolvidos. À medida que o software livre se implantar, surgirão soluções que virão a melhorar esta situação. Em certos casos, já são conhecidas, como é o caso de um pacote de gestão de informação escolar que poderia já substituir os programas pagos utilizados nas secretarias das escolas. Se for efectuada uma gestão criteriosa dos horários, o número de salas que em cada escola necessitarão de estar equipadas com software pago será minimizado.
Eu dou aulas a turmas de cursos profissionais e nas empresas não se usa software livre. Exijo a máxima orientação para a realidade das empresas.
Por um lado, nas empresas já se vai encontrando software livre. Os professores e alunos podem, até, afirmar­se como agentes de Inovação nas empresas, por via do fluxo de experiências e conhecimentos actualizados com que a escola contribui no âmbito da relação escola­empresa. Por outro lado, é necessário ter em conta que, do ponto de vista do utilizador, tanto do ponto de vista conceptual, como estrutural e funcional, as diferenças entre os sistemas e aplicações livres e os sistemas e aplicações proprietários, no que toca a software­padrão como o pacote de aplicações de escritório, são pouco significativas. E raramente se poderá garantir o alinhamento perfeito entre as versões de software presentes na escola e as presentes numa dada empresa. Estranhamente, quando essas versões são diferentes mas todas proprietárias, como é o caso das nada desprezáveis diferenças entre MsOffice 2003 e MsOffice 2007, ninguém apresenta objecções desta natureza. Acrescem ainda aspectos de natureza didáctica: com efeito, um dos temas com que se preocupa a Didáctica das TIC é o da transferibilidade das aprendizagens. O Ensino de TIC deve procurar a ­ 6 ­
transferibilidade e contemplar não apenas as dimensões materiais, isto é, os conteúdos objectivos elementares, como as dimensões formais, isto é, os métodos e as competências correspondentes a desempenhos intelectuais de ordem elevada que estão ligados ao desenvolvimento das faculdades do indivíduo e são importantes no âmbito das qualificações­
chave. Verifica­se, infelizmente, que muitos professores adoptam um estilo didáctico demasiado "objectivista", com pouca margem para as dimensões formais. (Como vemos, além do mais a utilização de software livre ajuda até a promover a reflexão e discussões de natureza didáctica, o que é também uma mais­
­valia.)
escolas podem fazê­lo, pois detêm o controlo técnico da utilização dos computadores e podem afirmar também neste aspecto a sua autonomia. Trata­se, até, de uma oportunidade de intervenção cívica tendo em conta o interesse público. Se nas escolas até se ensina Formação Cívica, seria lamentável que não se desse o exemplo, adoptando apenas uma posição de passiva resignação face às políticas governamentais.
Se o Governo nos coloca nas escolas mais de 100.000 postos de trabalho com software pago, se este está disponível, porque não utilizá­lo?
Porque isso representa um flagrante desperdício que ascende a milhões de euros por ano e cujos efeitos não são apenas imediatos. Pelo contrário, mesmo que as licenças pagas fossem vitalícias, a rápida evolução das Tecnologias fará com que, em poucos anos, volte a ser necessário pagar maciçamente a actualização dos sistemas e aplicações. Trata­se, assim, de uma espécie de "presente envenenado". Por outro lado, é um erro criar ou continuar a alimentar a habituação dos utilizadores aos sistemas pagos, o que fará com que a futura mudança (quando as condições económicas, como as tendências indicam, se agravarem) seja mais penosa. O que faz sentido é substituir nos computadores o software proprietário que o Governo nos envia por software livre. As Em casa e no meu computador portátil, eu tenho software pago e em condições legais. Ninguém me pode impedir de o usar e não quero em casa o sistema operativo livre.
Claro que não. Mas uma coisa é ter possibilidades económicas e vontade de pagar um produto comercial para uso doméstico e outra é a situação do parque informático das escolas públicas, com custos suportados por toda a população. E não se trata apenas de uma questão de custos, mas também com sérias vantagens pedagógicas, como se pode ler na parte inicial deste artigo. Por outro lado, para evitar alguns incómodos, é de todo o interesse dispor em casa do software livre utilizado na escola, o que, de resto, não levanta qualquer problema, dado que é gratuito e existem informações técnicas de apoio. E no mesmo computador podem coexistir o sistema pago e o livre. As escolas podem adoptar um conjunto de software livre preferido que seja multiplataforma, ou seja, é possível em casa Mas o que me garante que o dinheiro poupado ao adoptar­se software livre vai reverter a favor do Ensino ou dos segmentos carenciados das populações?
Nada o garante, de facto. Como mostram diversas sondagens, verificam­se até um certo descrédito e suspeição sobre a "classe política". No entanto, o desperdício é que não favorece com certeza o Ensino ou os segmentos carenciados das populações. Continua a ser um bom princípio evitar o desperdício. E também há alguns gastos em equipamento realizados directamente pelas escolas. Neste caso, haverá mesmo um benefício garantido.
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dispor de um sistema operativo pago, sobre o qual pode ser utilizado, a par de aplicações pagas e sem com estas interferir, um conjunto de aplicações livres de interesse da escola.
deste artigo, a atitude favorável à mudança para software livre resulta de um conjunto de sensibilidades de gestão e competências técnicas e, como tal, deve essa mudança ser efectuada como acto de Gestão, tendo em Não admito que me cortem a liberdade de conta o interesse público, para a defesa do qual escolha. E acho que estas coisas têm de ser se encontram legitimamente mandatados os decididas democraticamente e não impostas órgãos próprios.
por quem quer que seja.
Referem­se expressões que possuem um Se no mesmo computador podemos ter o carácter inquestionável ou até “sacralizado", sistema pago e o livre e cada um pode como democracia e liberdade de escolha. No utilizar aquele que prefere, porquê tanto entanto, na base destas declarações estão uma alarido? Cada um que faça o que entender.
atitude individualista, imediatista, consumista Estamos a falar de uma mudança generalizada e superficial e uma posição prévia contra a para software livre. Verifica­se que a grande mudança, senão vejamos: por definição, a maioria dos utilizadores usa ainda o sistema Inovação, que todos desejamos que ocorra e pago. Como é sabido por quem já tem num sentido que beneficie as populações, não experiência em ambientes em que nos postos surge maciçamente no seio destas, antes é de trabalho existe a possibilidade de utilizar inicialmente protagonizada por minorias e só quer um sistema proprietário, quer um sistema depois se generaliza. A democracia e a livre, nestes casos praticamente todos os liberdade de escolha não podem ser, neste utilizadores se encaminharão para a utilização caso, consideradas apenas à luz dos interesses do software proprietário, permanecendo a imediatos dos pequenos grupos de utilizadores utilização do software livre apenas um acto e da sua esfera restrita de actuação, mas sim do marginal a cargo de alguns "excêntricos". Com interesse geral da população, que certamente é a excepção de fases transitórias de curta beneficiada pela adopção do software livre. A duração ao migrar os postos, bem como de liberdade de que alguns disfrutam pode situações, minoritárias, em que o sistema prejudicar a maioria, se for mal utilizada. proprietário ainda não pode ser substituído, Assim, o que é mais amplamente democrático, permitir a situação dupla é, pois, em termos o que é do interesse da população em geral, líquidos, o mesmo que expressar que não se que no caso português, até sofre de muitas e pretende a implantação do software livre. Por bem dramáticas carências, é a adopção de outro lado, a presença de dois sistemas em software livre, e não o evitável dispêndio anual escalas consideráveis implica a duplicação de de milhões de euros que poderiam ser recursos humanos e materiais no que toca à canalizados para outros benefícios. Quanto à administração técnica, à formação e apoio dos liberdade de escolha, ela continuará a existir, utilizadores e à produção e partilha de recursos na medida em que os sistemas livres existem didácticos, o que viria constituir mais em diversas versões e podemos optar entre desperdícios e confusão.
milhares de aplicações, incluindo várias para os mesmos fins. As pessoas que apresentam Não tenho uma visão maniqueísta desta hoje este argumento, nunca o fizeram questão e acredito é na utilização anteriormente em protesto por terem, nas suas progressiva do software livre.
escolas, exclusivamente software proprietário, A resposta à questão anterior também se aplica o que revela não só incoerência, como o facto a esta. Acresce que uma abordagem de por trás deste argumento se encontrar uma progressiva teria um êxito incerto ou muito rejeição prévia do software livre, tal como duvidoso e certamente estendido ao longo de acima referido, sobretudo por ele implicar um um número considerável de anos. Entretanto, esforço de adaptação que não desejam por cada ano que passa, milhões de euros estão despender. Conforme explicado noutro ponto ­ 8 ­
a ser desperdiçados. A mudança pode ser relativamente rápida, mediante estratégias e medidas de Gestão apropriadas, tomadas aos diversos níveis do Sistema Educativo. Quando tratamos de Tecnologia, não é de admirar que certas mudanças possam ser rápidas, o que até nos lembra a expressão "revolução tecnológica", a qual nem se aplica com propriedade aqui, pois, do ponto de vista do utilizador, os novos sistemas e aplicações são muito parecidos com os actualmente em uso. A mudança em causa é mais de atitudes, mentalidades e hábitos.
Não sou moralista nem polícia. Se os alunos, e até os professores, pirateiam software, isso é lá com eles. Nada tenho a ver com isso.
A adopção de software livre faz reduzir a taxa de utilização de cópias ilegais de software. Se as escolas adoptarem software livre, aquela taxa diminuirá. Os professores são educadores. Sabendo que a sua actuação terá consequências nas atitudes, valores e comportamentos dos alunos, e que alunos serão tentados a cometer ilegalidades – e cometem­nas, é um facto estatístico – no caso de não ser adoptado software livre, os professores não deverão ser indiferentes a esta Estas discussões são mais uma questão de questão e a melhor posição é dar o exemplo, "clubismo" do que outra coisa: uns gostam aderindo ao software livre.
mais de um tipo de software, outros gostam mais de outro tipo.
Mas o nosso uso de software não é com fins O "clubismo" é uma questão de adesão lucrativos. Eu não me importo nada de usar segundo critérios em boa parte irracionais e software copiado nas minhas aulas, até acho com efeitos de pouca importância. No caso da que as empresas têm é de nos agradecer por discussão associada ao tipo de software a usar, estarmos a divulgar os seus produtos, não e escolha não dever ser de modo algum temos nada a pagar­lhes.
arbitrária ou subjectiva, pois as consequências Mesmo que este raciocínio possa apresentar são de grande alcance a vários níveis, sendo de alguma lógica, é efectuado à margem da Lei. destacar o desperdício de recursos financeiros Esta é bem clara e não tolera uma tal situação. que implica a adesão, irreflectida ou não, ao De nada serviria fornecer essa explicação no software pago.
dia em que a ASAE fosse inspeccionar a escola. Os computadores seriam confiscados e Não sou radical nem fundamentalista, ao os responsáveis punidos. Por outro lado, em contrário dos que propõem o software livre. termos educativos, é inadmissível verbalizar Os termos radical e fundamentalista são, neste um tal discurso e dar tal exemplo numa escola, contexto, apenas rótulos que se colocam a já que a conformidade face à Lei é um valor a quem tem ideias diferentes e claras que se básico a cultivar.
afastam do estado geral das coisas ou da moda. Ao aplicar termos de conotação negativa ao Sérgio Ramos,
assunto e às pessoas, pretende­se a rejeição, professor, formador e evitando a discussão, que pode ser trabalhosa e coordenador de TIC, é "desagradável". Este assunto lembra a licenciado em Engenharia e em Ensino, estudou Marketing expressão "loucura da normalidade". De facto, Internacional, recebeu formação podemos até aplicar aqueles termos no sentido em Portugal e no estrangeiro e oposto, se considerarmos o radicalismo trabalhou durante 10 anos em associado à persistência no desperdício anual empresas multinacionais, onde de milhões de euros e o fundamentalismo que desempenhou funções técnicas e de gestão no âmbito de operações na Europa e Ásia. constitui a fidelização a uma empresa com políticas de mercado monopolistas que fornece Nos últimos anos, tem­se dedicado ao Ensino e à Formação e mais recentemente tem desenvolvido produtos de software. Insistir nestes termos esforços de Inovação ligados ao software livre.
nada contribui para o esclarecimento da questão nem para evitar o desperdício.
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