PLANEJAMENTO E GESTÃO ESTRATÉGICA DO SISTEMA AGROINDUSTRIAL DO LEITE NO ESTADO DE SÃO PAULO PLANEJAMENTO E GESTÃO ESTRATÉGICA DO SISTEMA AGROINDUSTRIAL DO LEITE NO ESTADO DE SÃO PAULO 1ª Edição São Paulo - Abril de 2008 Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Planejamento e gestão estratégica para o leite em São Paulo / Everton Molina Campos e Marcos Fava Neves (coordenadores) . -- 1. ed. -- São Paulo : SEBRAE, 2007. Vários autores. bibliografia. ISBN: 978-85-7376-068-2 1. Agroindústrias - São Paulo (Estado) 2. Indústria leiteira - São Paulo (Estado) 3. Leite Aspectos econômicos - São Paulo (Estado) 4. Leite Comercialização - São Paulo (Estado) 5. Leite Produção - São Paulo (Estado) 6. Planejamento estratégico I. Campos, Everton Molina. II. Neves, Marcos Fava. 07-8589 CDD-338.47641371098161 Índices para catálogo sistemático: 1. São Paulo : Estado : Leite : Planejamento e gestão estratégica : Economia 338.47641371098161 Everton Molina Campos e Marcos Fava Neves PLANEJAMENTO E GESTÃO ESTRATÉGICA DO SISTEMA AGROINDUSTRIAL DO LEITE NO ESTADO DE SÃO PAULO Autores: Cristiane de Paula Turco Guilherme Machado Costa Helio Afonso Braga de Paiva Marcelo Francini Girão Barroso Matheus Alberto Cônsoli Mauricio Palma Nogueira Ricardo Messias Rossi Rosana de Oliveira Pithan e Silva Sérgio Pinheiro Torggler Sigismundo Bialoskorski Neto SEBRAE-SP Conselho Deliberativo Presidente: Fábio de Salles Meirelles ACSP – Associação Comercial de São Paulo ANPEI – Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras Banco Nossa Caixa S. A. FAESP – Federação da Agricultura do Estado de São Paulo FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo FECOMERCIO – Federação do Comércio do Estado de São Paulo ParqTec – Fundação Parque Alta Tecnologia de São Carlos IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas Secretaria de Estado de Desenvolvimento SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SINDIBANCOS – Sindicato dos Bancos do Estado de São Paulo CEF – Superintendência Estadual da Caixa Econômica Federal BB – Superintendência Estadual do Banco do Brasil Diretor - superintendente Ricardo Luiz Tortorella Diretores Operacionais José Milton Dallari Soares Paulo Eduardo Stabile de Arruda Gerentes Executivos Alessandro Paes dos Reis Regina Maria Borges Bartolomei Waldir Catanzaro U.O. Desenvolvimento Territorial Gerente: Joaquim Batista Xavier Filho Conselho Fiscal Carlos Emerenciano Tiago Onofre Machado de Oliveira Manoel Arthur B. de Mendonça Delegados Representantes Fábio de Salles Meirelles Marcos Antonio Mazeti Diretores Adaulto Luiz Lopes Nicolau de Souza Freitas Yoshimi Shintaku Manoel Carlos Gonçalves Júnior Sebastião Riboldi Guerreiro João Antonio Ferreira da Motta Affonso Bettini Clóvis Faria Barbosa Luis Francis de Menezes Antonio Valentin Del’Arco José Luiz de Amoedo Campos Sussumo Hondo Pedro Aparecido Tonetti João Paulo de Camargo Victório Sergio Renato Giacomini José Manoel Soares Sobrinho Gustavo Moreto Lourival de Castro Andrioli Daniel Ferreira da Costa José Silvestre Ettruri Assis Aparecido Farinassi José Carlos Rodrigues de Almeida Equipe Técnica Paula Ornellas Belo Fagnani - Coordenadora Estadual da Cadeia de Leite e Derivados Silvio Cesar de Souza - Unidade de Desenvolvimento Territorial Cintia Luisa Carillo Maniglia - Escritório Regional de Franca Guilherme Santos e Campos - Unidade de Orientação Empresarial Roselaine dos Santos Oliveira Pedro - Unidade de Acesso a Mercados Colaboradores Cláudio Silveira Brisolara - Chefe do Departamento Econômico Érica Monteiro de Barros - Assessora do Departamento Econômico José Tadeu Guimarães - Presidente do Sindicato Rural de Guaratinguetá Assessoria de Marketing Gerente: Mary Rose Takahashi Ikeda Conselho Deliberativo Gestão 2008-2012 Equipe Técnica Marcelo Costa Barros Patrícia de Mattos Marcelino SENAR - AR/SP Titulares Presidente: Fábio de Salles Meirelles Representante da Administração Central Daniel Klüppel Carrara FAESP Presidente da Fetaesp Braz Agostinho Albertini Vice-Presidentes Amauri Elias Xavier Eduardo de Mesquita José Candeo Maurício Lima Verde Guimarães Representante do Segmento das Classes Produtoras Eduardo de Mesquita Diretor 1º Secretário Leny Pereira Sant’anna Suplentes Vice-Presidente da Faesp José Candeo Presidente: Fábio de Salles Meirelles Diretor 2º Secretário João Abrão Filho Diretor 3º Secretário Manoel Arthur Boa Ventura De Mendonça Diretor 1º Tesoureiro Luiz SuttI Diretor 2º Tesoureiro Irineu de Andrade Monteiro Diretor 3º Tesoureiro Angelo Munhóz Benko Suplentes Tirso de Salles Meirelles Pedro Luiz Olivieri Lucchesi Geraldo Cintra Diniz Armando Prato Neto Fernando Carvalho de Souza Saladino Simões de Almeida Filho Eduardo Luiz Bicudo Ferraro Marcio Antonio Vassoler Eneida Ramalho Paschoal Ivo Boton Lourival Koji Kawassima Jorge Rubez José Tadeu França Guimarães Yasuhiko Yamanaka José Rubens de Oliveira Milton Luiz Sarto Representante do Segmento das Classes Produtoras Amauri Elias Xavier Representante da Administração Central Irineu de Andrade Monteiro Tesoureiro Geral da Fetaesp Waldomiro Cordeiro Representante do Segmento das Classes Produtoras José Octávio Costa Auler Representante do Segmento das Classes Produtoras Eunizio Malagutti Conselho Fiscal Regional Titulares Representante da Faesp Marcelo Gomes Aranha de Lima Representante da Administração Central João Campos Granado Representante da Fetaesp Sonia Maria Sampaio Suplentes Representante da Faesp Adaulto Luiz Lopes Representante da Administração Central Oscar Dias Lino Representante da Fetaesp Elias David de Souza OCESP SESCOOP/SP Presidente: Edivaldo Del Grande Superintendente de Projetos Educacionais e Sociais Fernanda de Castro Juvêncio Superintendente Administrativo e Financeiro Aramis Moutinho Junior Superintendente Jurídico e de Consultoria Técnica em Cooperativismo José Henrique da Silva Galhardo Consultor de Agronegócio Antonio Pedro Pezzuto Júnior Capa, diagramação e revisão: Komunic Soluções em Comunicação e Design Impressão: HR Gráfica Dedicatória Dedicamos este trabalho a todos os produtores de leite do Brasil. Não temos dúvidas de que os senhores ainda serão líderes mundiais. Agradecimentos Agradecemos a todas as organizações que gentilmente colaboraram na realização deste livro, por meio de seus integrantes, respondendo a entrevistas e questionários e participando de reuniões. Elas estão citadas ao longo do material. PREFÁCIO Cadeia leiteira: tecnologia e produtividade O desenvolvimento de um sistema agropecuário forte e produtivo é intimamente ligado ao conceito de agronegócio e é inegável a relevância econômica da agricultura, que durante estes anos vem contribuindo de forma permanente para a economia do país em termos de geração de renda, emprego e desenvolvimento local e social de muitas comunidades. No entanto, não podemos em momento algum perder de vista a dimensão mais nobre e importante deste setor: colocar na mesa de milhões de brasileiros, todos os dias, alimentos saudáveis e confiáveis. A cadeia leiteira é responsável por uma série de produtos e derivados que alimentam adultos e, principalmente, crianças. O trabalho inovador de mapeamento dessa cadeia produtiva seguramente contribuirá para a definição de melhores políticas para o setor, fortalecendo principalmente as pequenas propriedades, que ao longo dos anos sempre se dedicaram à produção deste nobre alimento. Recentemente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou alguns dados preliminares do Censo Agropecuário realizado em 2006, o que nos permite avaliar o comportamento da atividade leiteira com relação à produção de leite e ao número de propriedades que se dedicam à atividade. A atividade leiteira, em 1996, estava presente em 37,2% do total de estabelecimentos agropecuários brasileiros, reduzindo para 25,8% em 2006. Os dados mostram ainda que, na última década, houve redução do número de propriedades que se dedicam ao leite em todo o Brasil. Paraná, Santa Catarina e São Paulo, considerados Estados importantes e tradicionais na atividade, reduziram cerca de 35% os estabelecimentos com esta finalidade. A produção de leite no Brasil apresentou um incremento de 6,9 bilhões de litros no período de dez anos, porém, neste mesmo período, foi reduzida em São Paulo, Ceará e Roraima. Mesmo assim, o Estado de São Paulo aparece em segundo lugar na produção de leite por propriedade, com valores próximos a 85 litros/dia. Com isso, podemos constatar que o produtor paulista já está em busca de uma maior profissionalização na atividade, com aplicação de tecnologia, mecanização e maior emprego do sistema intensivo de produção com diminuição da área utilizada para pastagem. Apesar deste aumento, a produção ainda é considerada muito baixa quando comparada a países como Nova Zelândia e Austrália, onde a média diária é próxima de três mil litros/dia. O leite é, atualmente, a cadeia do agronegócio com o maior número de pequenas propriedades atendidas pelo SENAR-AR/SP e pelo SEBRAE-SP. São mais de nove mil produtores de micro e pequeno portes, que participam das atividades oferecidas pelo Sistema Agroindustrial Integrado - SAI. Desta forma, se reforça a importância desse estudo intitulado “Planejamento de Gestão Estratégica para o Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo”, pois é de grande relevância a integração e o aprimoramento de toda a cadeia produtiva, considerando seu elo primordial: o homem do campo, cuja atividade agrícola é a essência do sistema. Nosso objetivo é, portanto, disseminar esse estudo, contribuindo para que os produtores rurais e empreendedores pertencentes ao setor tenham condições de incrementar a competitividade de seus negócios de forma determinante para o desenvolvimento do Estado de São Paulo e do Brasil. Trata-se de uma iniciativa séria, inovadora e profunda, realizada pelo Centro de Inteligência em Agronegócio - PENSA, ligado à Universidade de São Paulo - USP, em Ribeirão Preto/SP. Este estudo foi viabilizado por meio de parceria firmada entre o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – Administração Regional São Paulo (SENAR-AR/SP), o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo (SEBRAE-SP) e a Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo – Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (OCESP-SESCOOP/SP), cujo objetivo geral é propor a estruturação de uma organização vertical para o sistema agroindustrial do leite do Estado de São Paulo, que servirá de âncora para a posterior implantação das ações do planejamento estratégico da pecuária leiteira até 2010. Realizado com a participação de vários institutos e entidades, este material pretende orientar governos, fornecendo subsídios técnicos para a formulação de políticas públicas de longo prazo e também as ações pró-ativas do SEBRAE-SP e do SENAR – AR/SP para o desenvolvimento do setor. Outro aspecto revelado por esse planejamento é a importância de traçar direcionamentos estratégicos em busca do fortalecimento de todos os elos da cadeia produtiva, gerando renda e empregos. Assim, com tecnologia, capacitação, organização e cooperação, além da convergência de esforços das entidades ligadas à pecuária leiteira, e com parcerias entre essas instituições poderemos promover a constante modernização dos produtores de pequeno porte de toda a cadeia produtiva, contribuindo para dinamizar o agronegócio paulista e para a criação de uma política agrícola nacional. Fábio de Salles Meirelles Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (FAESP), do Conselho Deliberativo Estadual do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo (Sebrae-SP) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – Administração Regional de São Paulo (SENAR – AR/SP) APRESENTAÇÃO Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de SP Quando soubemos da iniciativa da Câmara Setorial do Leite de São Paulo de fazer um diagnóstico da produção leiteira no País e elaborar estratégias para melhorar os resultados no Estado, não hesitamos em apoiar e participar. Como representante das cooperativas, a Ocesp tem o maior interesse neste trabalho. O cooperativismo está entranhado na produção de leite, como forma mais adequada de organizar os pecuaristas e viabilizar os negócios. Se não fossem as 350 cooperativas do setor no País, 151 mil pequenos produtores não teriam condições de armazenar, processar e comercializar o leite. No entanto, quando a política oficial enxerga o leite como alimento indispensável à mesa do brasileiro, mas não vincula a sua produção à importância social, toda a cadeia é ameaçada. Claro que também temos o nosso tanto de responsabilidade na situação preocupante que vive o setor há anos. Daí, a necessidade de uma pesquisa minuciosa – para conhecermos o que se passa no leite – e de estratégias para nortear todos os envolvidos, inclusive nossas cooperativas e os governos. O trabalho foi confiado ao Pensa/USP (Centro de Inteligência em Agronegócios), órgão que reúne acadêmicos e profissionais dos mais gabaritados, e contou com a parceria de entidades como o Sescoop-SP, o Sebrae-SP, a Faesp e o Senar AR-SP. A primeira etapa do estudo, conhecida como Tomografia da Cadeia do Leite, quantificou e unificou dados do setor, apontando características de produção, industrialização e consumo do leite no País. As informações, de 2004, nos revelaram, por exemplo, que o Estado de São Paulo consome 32,4% da produção de leite do País – é o maior consumidor –, porém só produz 8%. E o pior: a produção paulista tem caído nos últimos anos. Há uma década, representávamos 11% da produção nacional. Outro ponto relevante se refere ao movimento econômico da cadeia leiteira, de U$ 66 bilhões em 2004, montante maior do que movimenta a cadeia da laranja. Tornou-se mais visível ainda que o Estado tem grande potencial para crescer no setor, como também grandes obstáculos a superar. Faltavam-nos as estratégias, exaustivamente discutidas por representantes de toda a cadeia, em várias reuniões e workshops, e agora reunidas nesta obra como resultado da segunda fase do trabalho do Pensa. O livro nos traz a base e a orientação para tomadas de decisão, no sentido de contribuir para o aumento da produção e da qualidade do leite no Estado de São Paulo, visando melhorar a competitividade com relação a outros Estados produtores. É um material indispensável a todos os envolvidos na produção leiteira, já que aborda estratégias para aprimorar os processos dentro da porteira, nas cooperativas, nas indústrias, assim como aponta caminhos para novos nichos de mercado, inclusive no exterior. Não poderia deixar de agradecer, neste final da apresentação, ao Sebrae-SP e Senar-AR/SP, especialmente ao presidente Fábio de Salles Meirelles, pela iniciativa de publicar esta obra em conjunto com o Sescoop-SP. Este livro, Fábio e amigos leitores, é fruto de um esforço cooperativo, onde vários profissionais, de diversas entidades da Cadeia Leiteira, se reuniram para buscar melhores dias a todo o setor. Assim nasceu a obra, como nascem as nossas cooperativas, para encontrar soluções e proporcionar o bem-estar aos associados, seus familiares e comunidade. Edivaldo Del Grande Presidente da Ocesp (Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo) e do Sescoop/SP (Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado de São Paulo) SUMÁRIO 1. 1.1. 1.2. 1.3. 1.4. INTRODUÇÃO . 17 O PENSA e o SAG Leite no Brasil ...................................................................................................18 GESis Leite SP 2010 ............................................................................................................................20 Metodologia GESis Leite SP 2010 ....................................................................................................22 Membros dos comitês gestores ........................................................................................................23 2. 2.5. COMO MONTAR UM PLANO ESTRATÉGICO PARA UM SISTEMA AGROINDUSTRIAL? O MÉTODO GESIS ................................................................................25 Objetivos do capítulo.........................................................................................................................25 Introdução ........... 26 Aspectos Teóricos Relevantes...........................................................................................................27 O Método de Planejamento e Gestão Estratégica de Sistemas Produtivos (método GESis) usado no Sistema Agroindustrial do Leite .....................................................................................31 Considerações finais ..........................................................................................................................39 3. 3.1. 3.2. 3.3. 3.4. BENCHMARKING INTERNACIONAL .......................................................................................42 Dairy Australia .. 43 Organizações Verticais: DFA – Australian Dairy Farmers Association ..........................................50 Share Dairy Farming ............................................................................................................................51 Fonterra ................ 53 4. ESTRUTURAÇÃO DE UMA ORGANIZAÇÃO VERTICAL PARA O SISTEMA AGROINDUSTRIAL DO LEITE NO ESTADO DE SÃO PAULO ....................................................60 4.1. 4.2. 4.3. 4.4. Introdução, objetivos e metodologia ...............................................................................................60 Teorias de apoio . 61 Resultados ........... 68 Próximos passos . 78 5. 5.1. 5.2. 5.3. 5.4. CENTRO DE INTELIGÊNCIA DO SISTEMA AGROINDUSTRIAL DO LEITE ...............87 Introdução, objetivos e metodologia ...............................................................................................87 Teorias de apoio . 88 Benchmarking de sistemas de informação de sistemas produtivas .............................................94 Proposta de estruturação de um Centro de Inteligência para o sistema do Leite São Paulo (CinLeite)........... 106 6. 6.1. 6.2. 6.3. 6.4. 6.5. 6.6. 6.7. 6.8. 6.9. 6.10. 6.11. PLANO DE COMPETITIVIDADE DAS FAZENDAS .............................................................114 Introdução ......... 114 Importância do Plano de Competitividade das Fazendas .........................................................117 Objetivos do Plano de Competitividade para as Fazendas .......................................................119 Apoio Teórico e Metodologia .........................................................................................................120 Análise da Competitividade Atual nas Fazendas ......................................................................122 Condições para a Competitividade ..............................................................................................135 Plano de Ações para Aumentar a Competitividade das Fazendas ..........................................139 Capacitação Gerencial ....................................................................................................................141 Geração e Difusão de Tecnologias ................................................................................................143 Propostas de Ações .........................................................................................................................144 Considerações Finais .......................................................................................................................146 7. 7.1. 7.2. 7.3. 7.4. PLANO ESTRATÉGICO PARA AS COOPERATIVAS ...........................................................148 Cooperativismo 148 Benchmarking internacional .............................................................................................................153 A implementação de estratégias para o caso brasileiro..............................................................154 Integração entre cooperativas ........................................................................................................158 2.1. 2.2. 2.3. 2.4. 7.5. 7.6. Aspectos gerais . 160 Propostas para cooperativas paulistas ..........................................................................................166 8. 8.1. 8.2. 8.3. 8.4. 8.5. 8.6. PLANO DE CAPACITAÇÃO PARA O SISTEMA AGROINDUSTRIAL DO LEITE ........170 Importância, Objetivos e Métodos.................................................................................................170 Teorias de Apoio ..............................................................................................................................174 Benchmarking ..... 178 Projetos .............. 183 Ações .................. 186 Anexos: Mapa e Gráficos ................................................................................................................187 9. 9.1. 9.2. 9.3. 9.4. PLANO DE COMPETITIVIDADE E SUSTENTABILIDADE DA INDÚSTRIA DE LÁCTEOS ......... 192 Introdução, Objetivos e Metodologia............................................................................................192 Teorias de Apoio ..............................................................................................................................195 Análise da Competitividade de Indústria de Produtos Lácteos ...............................................197 Projetos Estratégicos ........................................................................................................................206 10. 10.1. 10.2. 10.3. 10.4. 10.5. 10.6. PLANO DE EXPANSÃO DA EXPORTAÇÃO DE PRODUTOS LÁCTEOS ................. 210 Introdução, Objetivos e Metodologia............................................................................................210 Teorias de Apoio ..............................................................................................................................212 Painel do Mercado Lácteo Mundial e Oportunidades ...............................................................217 Barreiras à Exportação ....................................................................................................................221 Características das Exportações Paulistas de Produtos Lácteos ...............................................224 Projetos Estratégicos ........................................................................................................................230 11. 11.1. 11.2. 11.3. 11.4. 11.5. 11.6. 11.7. 11.8. OPORTUNIDADES EM MARKETING PARA O SISTEMA AGROINDUSTRIAL DO LEITE ................. 235 Introdução, Objetivos e Métodos...................................................................................................235 Teorias de Apoio ..............................................................................................................................237 Programas Institucionais ................................................................................................................242 Certificação do produto originado no Estado de São Paulo ......................................................249 Caracterização de Nichos e Segmentos de Mercado e Oportunidades ...................................252 Oportunidades no Marketing Mix ...............................................................................................260 Plano estratégico para o Sistema Produtivo do Leite no Estado de São Paulo .......................267 Conclusões ........ 268 12. 12.1. 12.2. 12.3. 12.4. 12.5. 12.6. 12.7. 12.8. 12.9. IMPORTÂNCIA DA CONFORMIDADE ..................................................................................270 Introdução, Objetivos e Método ....................................................................................................270 Tipos de Leite, conformidade, não-conformidade e problemas existentes .............................273 O Problema da Não-Conformidade .............................................................................................275 Leite Fluído com Mistura de Soro .................................................................................................278 Métodos de Análise ........................................................................................................................280 Principais Não-conformidades no Leite .......................................................................................282 Marco Legal ...... 283 Ações para Minimizar a não-conformidade em Leite Fluído ...................................................291 Conclusão .......... 293 13. PLANO DE QUALIDADE DO LEITE ................................................................................................295 13.1. Introdução ......... 295 13.2. Importância da Qualidade do Leite ..............................................................................................297 13.3. Objetivos do Plano Qualidade do Leite ........................................................................................299 13.4. Apoio Teórico e Metodologia .........................................................................................................300 13.5. Esforços no Sentido de Garantir a Qualidade do Leite .............................................................301 13.6. Criação de Manuais de Boas Práticas ...........................................................................................304 13.7. Programa Nacional de Qualidade do Leite ................................................................................308 13.8. Base Metodológica para Garantir a Qualidade do Leite ...........................................................309 13.9. 13.10. 13.11. Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC) ......................................................311 Plano de Ações . 314 Considerações Finais ......................................................................................................................320 14. ANÁLISE LEGAL E TRIBUTÁRIA DO PROJETO DE GESTÃO ESTRATÉGICA PARA O SISTEMA DO LEITE DO ESTADO DE SÃO PAULO ............................................................323 Introdução ......... 323 Importância do Projeto....................................................................................................................324 A Guerra Fiscal dos Estados ...........................................................................................................325 Impactos do ICMS no sistema Produtiva do Leite e Derivados do Estado de São Paulo .....327 O Produtor Empresa........................................................................................................................341 14.1. 14.2. 14.3. 14.4. 14.5. Reflexão ........................... 351 Bibliografia ..................... 353 1. INTRODUÇÃO Marcos Fava Neves e Everton Molina Campos O PENSA (Centro de Inteligência em Agronegócios) foi convidado em meados de 2004 pela Câmara Setorial do Leite no Estado de São Paulo, a estudar o Sistema Agroindustrial do Leite no Brasil. Para o grupo, que por mais de 15 anos vem estudando sistemas agroindustriais no Brasil e no exterior, estudar o SAG do Leite parecia ser um desafio amplo e demasiadamente complexo, levandose em conta os diversos aspectos e complexidades existentes neste sistema que deveriam ser considerados. A metodologia de trabalho do PENSA fundamenta-se na análise de redes agroalimentares. Todo o enfoque de análise do PENSA parte de uma visão de redes de empresas, a partir da dinâmica do consumidor, e os conseqüentes desdobramentos para os demais agentes do sistema produtivo (distribuição, indústria e produtores). Figura 1.1: Área de atuação do PENSA Estudos e Pesquisas Educação Continuada Projetos e Expansão Fonte: GESis Leite SP 2010. Dentro das atividades do PENSA destacam-se profissionais com experiência prática e teórica nos processos de planejamenPlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 17 to estratégico e estruturação de instituições públicas e privadas aliando-se a este foco de conhecimento, a experiência na dinâmica das redes de negócios. O PENSA tem três áreas claras de atuação que são totalmente interligadas e podem ser visualizadas na figura 1.1. A primeira trata de pesquisa acadêmica realizada nos diversos projetos desde graduação a pós-doutorado desenvolvido pelos pesquisadores do programa. A segunda tem relação com projetos de extensão, em que são oferecidos diversos cursos nas áreas dos agronegócios em parcerias com fundações, universidades e empresas. A terceira área trata de projetos de assessoria e consultoria que são realizados pelo grupo. Este projeto foi desenvolvido em parceria com o grupo Markestrat que é uma organização que integra professores, doutores e mestres ligados aos departamentos de Administração e Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. O Grupo foi fundado em 2004 visando desenvolver estudos e projetos em marketing e estratégia em diversos setores da Economia. O Markestrat tem seu enfoque principal voltado para a análise, planejamento e implementação de estratégias para empresas orientadas ao mercado com enfoque em redes produtivas (Networks). Sua missão é “Desenvolver e Aplicar Conhecimento sobre Gestão de Estratégia e Marketing em Redes Produtivas, Visando Aumentar a Competitividade das Empresas, por meio da Interação entre Pesquisa, Ensino e Extensão”. 1.1. O PENSA e o SAG Leite no Brasil Há muito o PENSA se relaciona com o SAG do leite no Brasil, desde os trabalhos seminais da equipe liderada pela Profa. Dra. Elizabeth Farina. A parceria mais recente do PENSA com o SAG do Leite no Brasil foi no ano de 2005 num primeiro trabalho denominado de “Tomografia do Sistema Agroindustrial do Leite no Brasil”, onde informações de todo o sistema foram levantadas e apresentadas num workshop realizado no final deste mesmo ano com a presença de mais de 100 integrantes do sistema produtiva. 18 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Como resultado deste estudo, pode-se quantificar que o Sistema Agroindustrial do Leite no Brasil movimentou no ano de 2004 um montante de R$ 66,3 bilhões. Estes dados foram conseguidos através das informações levantadas em todos os elos do sistema produtiva utilizando a metodologia de Gestão Estratégica de Sistemas Agroindustriais (GESis) proposto pelo Professor Marcos Fava Neves e aceito num dos principais congressos do Brasil, a ANPAD no ano de 2006. Os resultados deste trabalho foram então compilados e apresentados em um workshop realizado na Faculdade de Economia e Administração da USP de Ribeirão Preto. Um livro denominado “Estratégias para o Leite no Brasil” (Figura 1.2) também foi elaborado e publicado pela Editora Atlas que tem como coordenadores os professores Matheus Alberto Cônsoli e Marcos Fava Neves. Figura 1.2: Capa do livro Estratégias para o Leite no Brasil O livro pode ser obtido através do site da Editora Atlas: www.editora-atlas.com.br Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 19 Como resultado do projeto de Tomografia do sistema do Leite, um conjunto de 70 ações estratégicas também foram levantadas e priorizadas pelos agentes do sistema produtiva presentes no workshop. Estas ações foram classificadas em diversos vetores: educação, coordenação, tecnologia, marketing e ambiente institucional e com a ajuda de importantes integrantes de diversos elos do sistema produtiva foram estruturados em 10 projetos estratégicos mais um projeto âncora para a implementação dos demais. O projeto âncora está relacionado à estruturação de uma organização vertical para o Sistema Agroindustrial do Leite no Brasil enquanto que os demais projetos estão relacionados a diversas áreas. Segue, abaixo, a lista dos 10 projetos priorizados que compõem a segunda fase do relacionamento do PENSA com a SAG do Leite através do projeto de GESis Leite SP 2010. 1. Centro de Inteligência do sistema do Leite 2. Capacitação de unidades produtivas 3. Programa de qualidade do leite 4. Plano de competitividade nas fazendas 5. Planejamento estratégico de cooperativas 6. Plano de competitividade e sustentabilidade industrial 7. Plano de expansão e sustentabilidade da exportação 8. Oportunidades de mercado 9. Análise legal e de não conformidades 10. Análises jurídico-societária e fiscal do sistema do leite 1.2. GESis Leite SP 2010 O projeto de Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo busca através da elaboração de ações estratégicas a serem implementadas até o ano de 2010 o aumento de competitividade de todos os integrantes do sistema. Para viabilização deste projeto, as organizações SEBRAE-SP, FAESP/SENAR e SESCOOP fizeram uma parceria para viabilizar a elaboração deste projeto. Como apoios institucionais também fizeram parte as seguintes organizações: Secretaria da Agricultura 20 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo do Estado de São Paulo através da CODEAGRO, EMBRAPA, IEA e Leite São Paulo. Entidades financiadoras: Apoio institucional: Figura 1.3: Logos das entidades financiadoras e entidades que apoiaram institucionalmente o projeto Além da equipe PENSA e Markestrat também fizeram parte do projeto as equipes do Programa de Estudos e Pesquisas em Cooperativismo da FEA/USP Ribeirão Preto, a Scot Consultoria além do Escritório Machado e Machado Advogados e Uni.Business. Estas organizações reuniram um grupo de 20 pessoas entre alunos de graduação, pós-graduandos, técnicos da área além de professores da Universidade de São Paulo. Figura 1.4: Logos das entidades parceiras na execução do projeto A participação das entidades financiadoras justifica-se, pois com a implementação das ações decorrentes do projeto de Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite, espera-se um fortalecimento dos agentes do sistema no Estado, garantindo um desenvolvimento Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 21 dos micros, pequenos, médios e grandes produtores, laticínios e indústrias dispersos pelo Estado, mantendo assim os empregos, renda e arrecadação de tributos, desenvolvendo o sistema e melhorando sua competitividade frente aos demais Estados produtores. 1.3. Metodologia GESis Leite SP 2010 Figura 1.5: Metodologia de implementação do GESis Leite 2010 Definição escopo dos projetos Benchmarking internacional (Visitas à Austrália e Nova Zelândia + dados secundários) Reuniões comitê Detalhamento estratégico dos projetos 3º Workshop - FEA - RP (dados secundários) Detalhamento das principais idéias 2º Workshop - USP - RP Análise do ambiente interno 1º Workshop - Expomilk Resultados da Tomografia do leite 2006 membro comitê novas idéias Fonte: GESis Leite SP 2010. A implementação do projeto GESis Leite SP 2010 começou em uma reunião realizada com alguns membros do sistema produtiva em que foi determinado o escopo de cada um dos 10 projetos. Para auxiliar nesta definição dos escopos, foi realizada uma análise do ambiente interno através de pesquisa de dados secundários e primários e um benchmarking internacional realizado em organizações na Austrália e Nova Zelândia que estão detalhados no capítulo 3. Depois de definido o escopo dos 10 projetos, foi realizado um 1º Workshop com diversos membros do sistema agroindustrial do leite durante a Expomilk em São Paulo. Neste workshop foram apresenta- 22 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo dos os resultados do ambiente interno e do benchmarking internacional, além de definir os membros dos comitês gestores que fizeram parte na elaboração dos projetos estratégicos. Após a realização do 1º Workshop as idéias sugeridas foram adicionadas e o detalhamento das ações estratégicas foi efetuado. Nesta segunda etapa, pesquisas, entrevistas e visitas foram realizadas de forma a contribuirem para o desenvolvimento dos projetos. Um segundo workshop foi realizado na FEA/USP em Ribeirão Preto no início de fevereiro. Neste workshop foram apresentadas as principais ações estratégicas propostas. Após a apresentação, foi realizada uma segunda reunião com os membros dos comitês gestores em que as ações propostas foram novamente debatidas. Numa terceira etapa do projeto, as ações sugeridas foram detalhadas estrategicamente, definindo-se prazos, custos e responsáveis. Estas ações foram então apresentadas em um terceiro e último workshop no qual estavam presentes algumas lideranças do sistema produtiva para validação das ações propostas. 1.4. Membros dos comitês gestores Participaram deste projeto as seguintes pessoas que gostaríamos de agradecer a disponibilidade e colaboração ao atender os integrantes de nossa equipe: Ademir de Lucas (ESALQ-USP); Ana Maria Amaral (IEA); André de F. Pedroso (EMBRAPA/ CPPSE); Antônio Julião Damásio (Câmara Setorial do Leite SP/COLASO); Antonio José Xavier (AEX Consultoria); Cícero Hegg (Laticínios Tirolez); Cíntia Luisa (SEBRAE-SP); Claudia Cristina P. Paz (APTA/ SAA); Claudia Rodrigues Pozzi (APTA – IZ); Claudio Silveira Brisolara (FAESP); Daniel de Figueiredo Felippe (Nilza Alimentos); Deise Marsiglia (Instituto Adolf Lutz); Dirceu Torres (ABIQ); Diva Burnier (IBGE); Edimir de Oliveira (OCESP/SESCOOP); Eduardo Lopes de Freitas (COONAI); Érica Monteiro de Barros (FAESP); Felix Alle Junior (Laticinios Tirolez); Francisco Peres Junior (SAA-PR); Guilherme Santos e Campos (SEBRAE-SP); Ignez Novaes de Góes Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 23 (CCL); Jair Kaczinski (Faesp/SENAR); João Walter Dürr (CBQL); José Alberto Silva; José Edson Rosolen (Leite Brasil); José Mario T. Morais (SISP); José Ronaldo Rezende (PricewaterhouseCoopers); José Tadeu Guimarães (FAESP); Laércio Barbosa (FIESP/Leite Jussara); Lenira El Faro (PRDTA/APTA/SAA); Lidia Picinin (UDESC); Luis Francisco Prata (UNESP Jaboticabal); Luiz Francisco Zafalon (EMBRAPA/ CPPSE); Luiz S. Oyama (ABILP / MilkLins); Manuela Gama (Láctea Brasil); Marcelo Barbosa Avelar (COONAI); Marcelo Moura Campos (Leite São Paulo); Marcia Gomes Senna (Fazenda Bela Vista); Marcos Brandão D. Ferreira (EPAMIG); Marcos Veiga dos Santos (FMVZ/USP); Maria Izabel Merino de Medeiros (PRDTA/APTA/SAA); Marianne de Oliveira Silva (CATI); Mário Cesar Ralise (OCESP/SESCOOP/SP); Maurício C. G. de Salles (SENAR-RJ/ FAERJ); Nelson Pedro Staudt (SAA - SP); Oscar Tupy (CPPSE/EMBRAPA); Paula Ornellas Belo Fagnani (SEBRAE-SP); Paulo Tilelli de Almeida (ALAP); Paulo Vieira; Raphael Oliveira (CCL); Raquel Gimenes (CEPEA); Renata Tieko Nassu (EMBRAPA/ CPPSE); Ricardo José Bastos (FAERJ); Roberto Jank Junior (Leite Brasil/ Láctea Brasil); Rosana de O. Pithan e Silva (IEA/SAA); Roselaine Pedro (SEBRAE/SP); Silvio César de Souza (SEBRAE-SP); Suzely de Miranda (SAA); Tarcísio Antônio de Rezendo Duque (CCL); Teodoro Miranda Campos (SENAR/SP); Thomaz Fronzaglia (IEA/APTA); Valdir Gonçalves Fonseca (CCLSP); Valquiria da Silva (IEA/SAA); Vera Lúcia Cardoso (Apta Regional PRDTA/Centro Leste); Vera Regina M. Barros (MAPA/SP); Yuri Costa de Oliveira. Agradecimentos também às cooperativas que responderam ao questionário da pesquisa realizada para esse projeto, bem como às que receberam a equipe do projeto para visita e complementação de informações: Colaso, CCL-SP, Comevap, CLG e Coonai. Gostaríamos de agradecer também a todos que indiretamente ajudaram neste projeto, seja através da participação nos workshops ou fornecendo material para auxiliar na definição das ações propostas. 24 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 2. COMO MONTAR UM PLANO ESTRATÉGICO PARA UM SISTEMA AGROINDUSTRIAL? O MÉTODO GESIS Marcos Fava Neves1 2.1. Objetivos do capítulo No mundo moderno, há convicção que a construção de sistemas e redes com inclusão de pequenos produtores, inovação e marketing dará ao agronegócio a chance de reduzir o desemprego e a pobreza nos países em desenvolvimento. E estes conceitos de sistemas transnacionais vieram para ficar trazendo coordenação, redução de custos de transação e de incerteza, controle e criação de valor, podendo beneficiar a produção do Brasil. Por isso, é importante estudar e formular um método de planejamento e gestão estratégica dos sistemas produtivos, objetivo deste estudo. Para tanto, fez-se um embasamento teórico, com revisão da literatura sobre sistemas e redes produtivas no agronegócio, métodos de planejamento e gestão estratégica, ações coletivas e contratos, e uma aplicação empírica, com o entendimento de ações coletivas identificadas para solução de problemas de coordenação em três sistemas produtivos brasileiros (trigo, laranja e leite). O principal objetivo desse capítulo é capacitar os leitores para identificarem e analisarem de forma sistêmica o sistema produtiva (ou Sistema Agroindustrial – SAG). Para isso será exposto o método de Planejamento e Gestão Estratégica de Sistemas Produtivos Visando Competitividade, aplicado parcialmente neste livro ao sistema produtivo do Leite. A visão ampla do SAG Leite permitirá por meio da análise dos relacionamentos entre os players atuantes, a identificação de pontos críticos na coordenação desse sistema produtivo e posteriormente a formulação de ações coletivas que beneficiem o sistema como um todo. 1 Professor de Planejamento, Estratégia e Marketing da FEA-USP Ribeirão Preto. Coordenador do PENSA e do Markestrat. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 25 Este método para Planejamento de sistemas foi desenvolvido e vem sendo aplicado desde 2002. Três sistemas agroindustrais no Brasil, somados a aplicações realizadas no Uruguai, para a Mesa do Trigo, na África do Sul, para Frutas e no Canadá para Suínos fizeram com que em 2007 o método fosse reconhecido internacionalmente e publicado na “International Food and Agribusiness Management Association” (www.ifama.org). Caminha-se agora para uma publicação em periódico internacional. Nacionalmente, já foi publicado na importante reunião de Administração da ANPAD e já foi aceito para publicação em periódico de primeira linha (RAUSP). 2.2. Introdução Não há qualquer contestação sobre os impactos alocativos e distributivos do agronegócio na economia brasileira. Para tanto, basta analisar suas estatísticas e sua importância na melhor performance dos indicadores macroeconômicos, principalmente na geração de divisas e de emprego, formação de capital e renda, ativação do setor terciário da economia (serviços, comercio, transporte) e interiorização do desenvolvimento no país. Está cada vez mais claro que os alimentos serão produzidos no Sul e consumidos no hemisfério Norte. É papel da OMC apenas acelerar o fato. Ativos produtivos (fábricas) estão sendo transferidos de ambientes onde existem elevadas pressões ambientais para ambientes com mais espaço, menores pressões e mais competitivos. A maior liberalização das trocas deve ser feita propiciando aos pequenos produtores chance de ter acesso ao mercado. Para a distribuição de renda e desenvolvimento regional é necessário que o valor chegue também aos milhares de produtores, movimentando efetivamente outros setores da economia com os “dólares” da exportação. Isto exigirá coordenação e até a criação de uma terceira parte (organização vertical) para ver os desequilíbrios e facilitar o desenvolvimento com coerência de valores, objetivos, estratégias e competências. Ao mesmo tempo, tudo deve ser feito tendo em mente o atendimento do consumidor final, cada vez mais rigoroso devido aos problemas de con- 26 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo taminações sanitárias. Ele quer, além da segurança, diversidade, suprimento regular, responsabilidade socioambiental, informação e transparência. Porém, não se pode esquecer aquela grande massa de consumidores que também quer preço baixo. Em síntese, para que o Brasil assuma uma posição de importante fornecedor mundial de alimentos e bioenergia, é preciso desenvolver expertise na construção de sistemas transnacionais. No entanto, há alguns desafios a serem atacados: perseguir a estabilidade sócioeconômica do país, continuar o crescimento em commodities agrícolas, capturar valor e promover o associativismo (coordenação vertical e horizontal) nos sistemas agroindustriais. E nesse processo, o planejamento é indispensável para a compreensão dos sistemas produtivos, monitoramento do ambiente internacional e ajustamento de ofertas às mudanças em curso. A construção e elaboração de um planejamento e gestão estratégica dos sistemas produtivos e suas aplicações estão apoiadas neste estudo. 2.3. Aspectos Teóricos Relevantes Considerações sobre sistemas e redes (networks) Dois enfoques diferentes, desenvolvidos em épocas e lugares distintos, mostram similaridades a respeito da estrutura dos sistemas produtivos. O quadro 2.1 a seguir faz um resumo deles. Quadro 2.1: Similaridades de diferentes abordagens de sistemas e redes Autor/ Local Corrente Pontos em comum Davis e Goldberg (1957); Goldberg (1968), EUA Commodity System Approach (CSA) Morvan (1985), França Sistema (Filière) Agroalimentar - Focalizam o processo produtivo e possuem caráter descrito; - Compartilham da base analítica sistêmica e enfatizam a variável tecnológica; - A integração vertical é importante para explicar o mecanismo de coordenação sistêmica, sendo que o conceito de integração vertical e contratos são substitutos. - A interdependência entre as estratégias no plano da empresa e no plano do sistema, implica na possibilidade do desenvolvimento de mecanismos sistêmicos de coordenação; Fonte: Elaborado pelo autor com base em Zylbersztajn e Neves (2000); Batalha (2001). Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 27 Dessa forma, segundo Zylbersztajn e Neves (2000), os sistemas agroindustriais, SAGs comportam os seguintes elementos fundamentais para a sua análise descritiva: os agentes, as relações entre eles, os setores, as organizações de apoio e o ambiente institucional. A partir daí, define-se o modelo teórico de rede da empresa (network da empresa). Neste sentido, o processo é analisar uma empresa e seu conjunto de fornecedores e distribuidores, as relações existentes entre estes e a relação com o ambiente. É na essência uma abordagem de interação e relacionamentos. Para desenhar a rede da empresa foco e estabelecer estratégias, dois referenciais de apoio, entre outros, são importantes para sua coordenação: os canais de distribuição, definidos por Stern et al (1996) “um conjunto de organizações interdependentes envolvidas no processo de tornar o produto ou serviço da empresa disponível para consumo ou uso” (STERN, 1996, p. 1) e o sistema de suprimentos da empresa (“supply chain management”), é o inverso, ou seja, as organizações envolvidas para que a empresa obtenha todos os suprimentos que precisa para realizar sua produção e vender. Lazzarini et al. (2001) integra os conceitos de redes e sistemas em um novo enfoque de estudos: as netchains. De acordo com esses autores, a integração desses enfoques permite a consideração da existência de interdependências organizacionais na rede, assim como os diferentes mecanismos de coordenação (planos de gestão, padronização de processos e ajustes) e fontes de valor (otimização das operações e produção, redução de custos de transação, diversidade e co-especialização de conhecimento). Assim, os conceitos de Supply Chain Management (SCM), canais de distribuição, redes e a idéia de netchains são os constructos teóricos e noções empíricas mais aplicadas ao desenvolvimento dos sistemas agroindustriais (BATALHA, 2001; NEVES, 2005). Considerações sobre ações coletivas em sistemas produtivos A idéia de cooperação pode ser ampliada para a elaboração e implementação de ações coletivas. De acordo com Nassar (2001), as ações coletivas podem ser definidas como interações sociais que envolvem um grupo de indivíduos buscando interesses comuns que 28 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo requerem ações conjuntas e que podem ser realizadas coletivamente e não individualmente. Dessa forma, uma ação coletiva baseia-se na constatação de que os indivíduos têm necessidades comuns que só podem ser atendidas por meio de ações conjuntas. Contudo, o primeiro autor a estabelecer uma explicação econômica para a formação dos grupos sociais foi Olson (1999). Sua Teoria da Lógica da Ação Coletiva trouxe várias contribuições, entre elas, que os grupos provêm bens coletivos, que sua existência é prejudicada pela presença do carona (free rider) e que a ação por grupos pode piorar, em lugar de elevar, o bem-estar da coletividade. A criação de associações implica em dois tipos de custos aos seus participantes: custos de manutenção da estrutura e das atividades da associação e custos de transação (custos de monitoramento de seus funcionários e diretores; custos de negociação, comunicação, congestionamento de atuação da organização e custos de provisão de bens coletivos). Cada membro avalia se tais custos são maiores ou menores do que o benefício provável que a organização deve gerar. Dessa forma, os agentes de um sistema produtivo podem criar organizações verticais com propósito de desenvolver ações coletivas. Entretanto, segundo Saes (2000), existem três tipos de ações coletivas que podem caracterizar estratégias distintas para as organizações. São elas: (i) Ações do Tipo I, que beneficiam todos os participantes (aglutinação de atores); (ii) Ações do Tipo II, que beneficiam parte do grupo sem prejuízo dos demais (sem objeção); (iii) Ações do Tipo III, que beneficiam parte do grupo em detrimento de outros (conflitos, mecanismos de compensação). Embora as ações dos tipos I e II devam ser priorizadas em uma organização vertical, por minimizarem o risco de descontentamento de umas das partes envolvidas, em alguns casos, implementar ações do tipo III é inevitável para a melhoria do sistema. Considerações sobre modelos de gestão estratégica, planejamento estratégico e plano de marketing Por se tratar de um campo de estudo bastante amplo, uma variedade de definições e conceitos de estratégia é encontrada na Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 29 literatura, algumas com visões semelhantes e complementares e outras com visões divergentes. A despeito disso, Besanko et al. (2000) comentam que muitas possuem frases comuns como “metas de longo prazo”, “políticas” que sugerem que estratégia está relacionada com decisões que a empresa toma e as conseqüências do seu sucesso ou falha. Ao longo do tempo, diversos autores propuseram métodos para organizações realizarem seus planejamentos estratégicos e planos de marketing. Para o trabalho em questão, foi realizada pelo pesquisador a revisão de nove diferentes propostas metodológicas de planejamento estratégico, conforme sua observação em termos de citações na literatura recente de estratégia e marketing e a originalidade de quando foram propostas. Os nove modelos analisados foram os de Lambin (2000), Westwood (2000), Wright et al. (2000), Las Casas (1999), Kotler (2000), Campomar (1982) Jain (2000) e Gilligan & Wilson (2000). Considerações sobre Economia dos Custos de Transação (ECT) e papel dos contratos Em seu trabalho, Coase (1937) coloca que a empresa é um nexo de contratos. Segundo Williamson (1985), este nexo de contratos tem algum tipo de governança (gestão) e a forma como esta é feita varia desde mercados (sistemas de preços) até integração vertical. Coase (1937) reconhece que existem custos em usar os mecanismos de mercado. Estes custos são os de descobrir quais seriam os preços, quais os custos em negociar contratos individuais para cada transação de troca e os custos para precisamente especificar as condições de troca num contrato de longo prazo. Estes custos foram posteriomente chamados de custos de transação. Portanto, a firma é um acordo entre atores especializados visando economizar nos custos de transação. Dito isso, quatro conceitos centrais funcionam como pilares da ECT: • A especificidade de ativos refere-se a quanto o investimento (ativo) é específico para a atividade e quão custosa é sua realocação para outro uso (WILLIAMSON, 1985); ou a perda de valor do ativo na segunda opção (KLEIN et al., 1990). Uma vez que ativos são específicos e de difícil alocação para outros relacionamentos, 30 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo a garantia contra atitudes oportunistas dos agentes precisa estar em contrato (JOHN, 1984). • A questão da racionalidade é tratada no referencial da ECT, principalmente com relação à limitação dos indivíduos em prever todas as futuras condições em um relacionamento (contrato) (WILLIAMSON, 1985; RINDFLEISCH e HEIDE, 1997). • Williamson (1985, p. 234) define o oportunismo como “…a busca do auto-interesse com avidez…”, ou seja, em muitas situações as empresas tenderão a explorar situações em sua vantagem. • A incerteza é tratada na economia dos custos de transação como os distúrbios exógenos que afetam as transações (ZYLBERSZTAJN, 1996). Segundo Farina et al. (1997), a incerteza tem como principal papel a ampliação das lacunas que um contrato não pôde cobrir. Dentro dessa ótica, os arranjos contratuais resolvem alguns problemas de coordenação, mas criam outros. Por definição, os contratos são mecanismos que regulam as transações e são usados para reduzir riscos e incertezas em processos de troca (MACNEIL, 1974; LUSCH e BROWN, 1996). No entanto, os contratos são por natureza incompletos e por isso devem ser passíveis de ajustes e melhorias. Por fim, não se pode esquecer o papel das instituições. Elas não são neutras. Afetam a organização da atividade econômica e os sistemas produtivos. 2.4. O Método de Planejamento e Gestão Estratégica de Sistemas Produtivos (método GESis) usado no Sistema Agroindustrial do Leite Baseado na revisão da literatura e projetos realizados propõe-se, como contribuição metodológica, um processo de 5 etapas visando à implementação de gestão estratégica em sistemas produtivos. O método está resumido na figura 2.1: Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 31 Figura 2.1: Método proposto para Planejamento e Gestão Estratégica de Sistemas Produtivo 1 Iniciativa de líderes do sistema produtivo, governo e institutos de pesquisa/ universidades em planejar o futuro 2 Mapeamento e quantificação do sistema produtivo 3 Criação de uma organização vertical no sistema 4 Montagem do plano estratégico para o sistema produtivo 5 Gestão dos projetos elaborados e desenho de contratos Fonte: Neves (2006). a) Iniciativa de líderes do sistema produtivo e institutos de pesquisa/ universidades em planejarem o futuro de um sistema produtivo O processo de Planejamento e Gestão Estratégica de Sistemas – GESis tem início a partir da iniciativa de alguma organização existente do setor (normalmente organização setorial), em conjunto com Governo, universidades e institutos de pesquisas, desejosa de organizar um processo de planejamento e visão de futuro para o sistema produtivo. A iniciativa também pode vir do Governo, através das chamadas câmaras setoriais. Também nesta etapa recebemse informações das organizações de pesquisa, governo e setor privado sobre tópicos importantes relacionados ao sistema produtivo: quem participa do sistema, quem são os principais atores e como ter representatividade neste sistema produtivo. b) Mapeamento e quantificação do sistema produtivo Tão importante quanto à análise interna de um negócio está a análise externa, tanto do macroambiente (ambiente organizacional, institucional e tecnológico) quanto do ambiente imediato (fornecedores, concorrentes, distribuidores e consumidores). A fase de mapeamento e quantificação pode ser resumida em seis etapas (figura 2.2): 32 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Figura 2.2: Método utilizado para caracterizar e quantificar Sistemas Agroindustriais Descrição do Sistema Agroindustrial em estudo Submissão da descrição para executivos do setor privado e outros especialistas, visando ajustes na estrutura. Pesquisa por dados de vendas em associações, instituições e publicações. Entrevistas com especialistas e executivos de empresas. Q U A N T I F I C A Ç Ã O W O R K S H O P Fonte: Neves et al. (2001). Quadro 2.2: Descrição resumida das etapas da metodologia para mapeamento e quantificação Fases Procedimentos a) Descrição do Sistema “Desenho” do sistema Agroindustrial por meio de “caixas” respeitando o fluxo (Agroindustrial em estudo) dos produtos, desde os insumos até o consumidor final. b) Submissão da descrição para executivos do setor privado e outros especialistas, visando ajustes na estrutura. Com a primeira versão da descrição, algumas entrevistas em profundidade com executivos de empresas atuantes no setor e outros especialistas (pesquisadores, lideranças setoriais, entre outros) devem ser realizadas visando ao ajustamento do desenho proposto. c) Pesquisa por dados de vendas em associações, instituições e publicações. Algumas associações privadas disponibilizam para seus membros dados sobre vendas, às vezes até na Internet. Uma cuidadosa Revisão Bibliográfica também deve ser realizada em busca de dissertações/teses recentes, além de artigos em revistas/jornais de grande circulação ou acadêmicos. d) Entrevistas com executivos de empresas. Este é o ponto central desta metodologia. São realizadas entrevistas com gerentes buscando levantar o montante financeiro vendido pelas empresas no setor em estudo. Também serão realizadas entrevistas com diretores de compra, visando estimar o mercado a partir do lado oposto de um elo do sistema. e) Quantificação e Propostas de Estratégias Neste ponto, todos os dados obtidos são processados e inseridos na descrição do sistema, logo abaixo do nome da indústria. Então, os dados são enviados para as empresas que colaboraram, que analisarão os valores. As empresas enviam de volta os dados com seus comentários e contribuições. Também nesta etapa já se tem muito material para elaborar sugestões de estratégias para serem apresentadas no workshop final. f) Workshop para Mapear e Priorizar Estratégias Na fase final é realizado um workshop para apresentação dos resultados e discussão dos números. Depois disto, pequenos grupos de discussão são formados visando à elaboração de ações estratégicas, na última parte do evento, apresentadas e resumidas em seção plenária. Fonte: Neves (2006). Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 33 As aplicações feitas até o momento deste processo de quantificação de sistemas permitiram visualizar algumas vantagens do mesmo: a) metodologia é de aplicação relativamente simples e direta, e a coleta de informações não depende de fontes públicas de dados; b) o desenho obtido permite a fácil visualização do posicionamento e relevância dos diferentes setores existentes em um sistema de valores; c) a validação dos resultados por meio de workshop aumenta a credibilidade da pesquisa; d) a formação de grupos focais heterogêneos, para elaborar as listas de problemas e ações coletivas existentes em todo o sistema, gera um ambiente de comprometimento entre os participantes do workshop; e) este ambiente pode ser utilizado como ferramenta de integração do sistema e implementação das ações coletivas que beneficiem todos os elos participantes. c) Criação de uma organização vertical no sistema A criação de uma organização vertical pode contribuir para se atingirem os seguintes objetivos: a) organização das informações existentes e trocas de informações, b) fórum para discussão das estratégias, c) organização com flexibilidade para captar e usar recursos, d) ter uma voz do sistema produtivo e representação do sistema junto às instituições, e) trabalhar uma agenda positiva ao setor, e, finalmente, construir e implementar a Gestão Estratégica do Sistema (etapa 04 desta proposta metodológica). Para a estruturação de uma organização setorial vertical, propõe-se a seguinte seqüência: Quadro 2.3: Seqüência de etapas para criação de uma organização vertical no sistema 34 1 - Propor a idéia da Organização A idéia da organização deve ser apresentada, já com a adesão de todos os presentes; 2 - Estabelecer a Organização Serão definidos os agentes fundadores da organização. Também neste momento as questões burocráticas devem ser resolvidas (adequação à legislação, preparação do estatuto, entre outras); 3 - Definir os Mecanismos de Financiamento Quais serão as contribuições a serem dadas pelo setor privado, com base em sua participação e dependência do sistema produtivo, e quais serão recursos advindos de fontes públicas de financiamento. Como fazer esta cobrança; 4 - Formar a Diretoria e Definir a Estrutura Operacional A diretoria deve ser formada levando-se em conta a heterogeneidade e a relevância dos agentes para o sistema. A estrutura operacional necessária para o funcionamento da organização será financiada pela taxa de participação exigida dos agentes; Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 5 - Aumentar o Número de Associados As primeiras ações deverão ser voltadas à prospecção de novos associados. Visando aumentar o grau de envolvimento dos participantes, em todos os casos será cobrada uma taxa periódica de participação; 6 - Implementação A diretoria deverá estabelecer um único objetivo para a organização que deve ser claro e voltado para questões de interesse de todo o sistema. A partir desse objetivo deverá ser estabelecida uma agenda de trabalho contendo ações bem definidas. 7 - Controle Os resultados das ações devem ser constantemente monitorados por meio da definição de indicadores de desempenho. Os desvios serão controlados com ações corretivas; 8 - Medir a performance Os resultados obtidos com o alcance das metas de trabalho deverão ser mensurados, preferencialmente com critérios quantitativos (aumento do consumo, produção, empregos, margem de lucro, entre outros) e amplamente divulgados para todos os participantes da organização. Fonte: Neves (2006). d) Montagem do plano estratégico para o sistema produtivo A figura 2.3 a seguir mostra as etapas que poderiam ser usadas para confecção de um plano estratégico para os próximos 5 anos. Nos próximos itens, cada uma das etapas será detalhada. Figura 2.3: Resumo do Método Proposto 8 Decisões de Distribuição e Logística (Incluindo Exportações) 9 Decisões de Capacitação de Recursos Humanos PROJETO DE EXECUÇÃO E CONTROLE 7 Decisões de Comunicações ORÇAMENTO DO GESIS ESTRATÉGIAS PARA O SISTEMA 3 Análise da Situação Interna e Concorrentes 6 Decisões de Produção, de Produtos, Pesquisa e Desenvolvimento e Inovações OBJETIVOS PARA SISTEMA INTRODUÇÃO E ENTENDIMENTO 2 Análise do Mercado no Enfoque de Sistemas 10 Decisões de Coordenação e Adequação ao Ambiente Institucional Fonte: Neves (2006). Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 35 Quadro 2.4: Planejamento e Gestão Estratégica para o sistema produtivo - seqüência detalhada dos passos propostos Etapa O que deve ser feito Fase 01 - Introdutória 36 1 - Introdução e Entendimentos - Elaborar o histórico do sistema no mercado; - Verificar se o sistema tem outros planos feitos e estudá-los; - Verificar como é o método de planejamento do sistema sendo estudado; - Verificar quais equipes estarão participando do processo; - Buscar planos feitos paro sistemas produtivos em outros países, para benchmark; - Levantar, na equipe, uma pessoa que poderia ser um promotor do relacionamento com outros sistemas; - Finalmente, deve-se verificar, em casos de sistemas com processos de planejamento já sofisticados, como este modelo pode ajudar o modelo existente, e adaptar, gradualmente, o sistema a este. 2 - Análises do Mercado no Enfoque de Sistemas - Levantar as ameaças e oportunidades advindas das chamadas variáveis incontroláveis (possíveis mudanças no ambiente político/ legal, econômico e natural, sociocultural e tecnológico) tanto no mercado nacional como internacional; - Entender as barreiras (tarifárias e não tarifárias) existentes e verificar ações coletivas para sua redução; - Analisar o comportamento do consumidor final e intermediário (distribuidores) e seus processos de decisão de compra; - Analisar oportunidades para adequação ao meio ambiente, ao comércio justo, à sustentabilidade e objetivos de desenvolvimento sustentável; - Analisar oportunidades para adequação ao ambiente institucional trabalhista nacional e internacional; - Montagem de um Sistema de Informações para que o sistema possa estar sempre informado e tomando decisões com suporte e embasamento; - Descrição dos principais concorrentes nacionais e internacionais. 3 - Análises da Situação Interna e Concorrentes - Levantar todos os pontos fortes e fracos do sistema; - Mapeamento dos contratos e das formas de coordenação existentes - Descrever as estruturas de governança existentes, com as características das transações; - Fazer também esta análise em relação aos seus principais concorrentes; - Análise da criação de valor, recursos e competências do sistema; - Análise dos fatores críticos de sucesso do sistema; - Selecionar, dentre os sistemas (que podem ou não ser concorrentes) quais e em que áreas serão benchmark (fontes de boas idéias). Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 4 - Objetivos para o sistema - Principais objetivos devem ser definidos e quantificados visando ao crescimento sustentável e à solução dos problemas colocados como pontos fracos; - Propostas de Políticas: Estado, Organizações de Interesse Privado e Empresas. 5 - Estratégias para atingir os Objetivos Propostos - Listar as principais estratégias (ações) que serão usadas para atingir os objetivos propostos no item 04; - Fazer, aqui também, um grande resumo das ações que estão previstas na fase 02 (após o término da redação do plano, etapas 6 a 10). Fase 02 - Planos dos Vetores Estratégicos: Produção, Comunicação, Canais de Distribuição, Capacitação e Coordenação (Adequação Institucional) 6 - Decisões de Produção, de Produtos, Pesquisa e Desenvolvimento e Inovações - Analisar os potenciais produtivos e capacidades de produção; - Mapeamentos e planos para riscos em produção (sanitários e outros); - Analisar produtos e linhas de produtos, bem como linhas de produtos complementares para decisões de expansão; - Levantar oportunidades de inovações no sistema produtivo, lançamento de novos produtos; - Oportunidades de montagem de redes de inovação nacionais e internacionais; - Parcerias com Universidades e com a área médica; - Detalhar todos os serviços que estão sendo e que serão oferecidos; - Tomar decisões com relação à construção de marcas conjuntas e selos de uso do sistema; - Analisar e implementar os processos de certificação do sistema produtivo; - Adequação dos produtos a normas e ao ambiente institucional; - Sustentabilidade ambiental; - Tomar decisões com relação às embalagens (rótulos, materiais, design); - Orçar investimentos decorrentes desta etapa. 7 - Decisões de Comunicações - Identificar o público-alvo que receberá a comunicação (mensagens do sistema produtivo); - Desenvolver os objetivos desejados para esta comunicação (conhecimento de produto, lembrança de produto, persuasão, entre outros); tentar atingir um posicionamento e mensagem única dos produtos gerados pelo sistema; - Definir o composto de comunicação que será utilizado; ou seja, definir o plano de propaganda, de relações públicas e publicidade, promoção de vendas, entre outros. - Fazer benchmark de filmes e materiais internacionais já usados por outros sistemas produtivos; - Orçar as ações de comunicação e possivelmente determinar verba promocional anual envolvendo todos os agentes da rede; - Indicar como os resultados das comunicações serão medidos, para que o sistema aprenda cada vez mais a usar as melhores ferramentas e veja o retorno dos investimentos. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 37 8 - Decisões de Distribuição e Logística (Incluindo Exportações) - Analisar os canais de distribuição dos produtos e buscar novos, definindo objetivos de distribuição, tais como: presença em mercados, tipo e número de pontos de venda, serviços a serem oferecidos, informações de mercado, promoção de produtos e incentivos; - Analisar as possibilidades de captura de valor em canais de distribuição. - Identificar possíveis desejos dos distribuidores internacionais e do consumidor para adequar os serviços prestados; - Definir o modo de entrada nos mercados, se esta será via franquias, via joint-ventures ou outras formas contratuais, ou até, mesmo, via integração vertical; - Determinar orçamento anual para a distribuição; - Verificar como ações na distribuição podem ser feitas em conjunto com outros sistemas. 9 - Decisões de Capacitação do sistema Produtiva/Recursos Humanos - Treinamento em gestão para o sistema produtivo; - Treinamento técnico da mão-de-obra; em controle de custos; para uso de tecnologias - Treinamento em comercialização nacional e internacional; - Transmissão e acesso às informações dos centros tecnológicos/ pesquisa; - Treinamento em produção de alimentos; - Melhoria da assistência técnica nas propriedades; - Outros 10 - Decisões de Coordenação e Adequação ao Ambiente Institucional - Projeto de redução da burocracia para obtenção de crédito; - Projetos de melhoria da infra-estrutura básica; - Projeto para homogeneização de tributos e incentivos; - Projeto para aumento no consumo de programas governamentais; - Programa para isolamento de áreas produtivas; - Projeto para redução de tributos no sistema produtivo; - Projeto para fortalecimento da atividade exportadora via APEX; - Leis para incentivo ao uso das tecnologias (incentivo fiscal etc.); - Projeto para padronização dos produtos e nomes de produtos; - Projetos para maior transparência nas legislações referentes a produtos e processos - Propostas de sistemas de solução de conflitos - Propostas de coordenação. 11 - Orçamento do GESis Todos os orçamentos dos projetos que trazem custos Fase 03 - Implementação da Gestão Estratégica de Sistemas 12 - Projeto de Execução e Controle Esta fase mostra como o plano deverá ser executado, refere-se ao acompanhamento, às equipes envolvidas e ações corretivas. O Plano deve ser um documento vivo, em constante discussão e atualização no sistema. Fonte: Neves (2006). 38 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo e ) Gestão dos Projetos Elaborados e Desenho de Contratos Diversos projetos emergiram do último item. Neste momento, os projetos devem ser trabalhados com base nas tradicionais etapas de um projeto, analisando e descrevendo seus objetivos, ações, sugestões de implementação, indicadores de performance, projetos e planos relacionados, suas inter-relações, equipes, prazos, orçamentos, e formas de gestão. Caso seja necessário desenhar contratos de relacionamento entre agentes do sistema, visando equilíbrio, capacidade de coordenação e sustentabilidade, devido aos custos de transação, sugere-se aplicar os quadros que tratam dos fluxos tradicionais de marketing, visando elaborar modelos de contrato padrão, que serão considerados como pontos de partida entre as empresas, que farão as adaptações necessárias para cada um dos casos. 2.5. Considerações finais Uma vez que o método proposto aborda a gestão estratégica de sistemas produtivos, o enfoque se dá: (i) na preocupação geral com a direção do sistema no longo prazo, (ii) no desenvolvimento de uma estrutura viável e sustentável no longo prazo, (iii) na orientação geral necessária para combinar a organização do sistema e seu desenvolvimento, e (iv) pela definição de objetivos e estratégias coletivas que serão avaliados por uma perspectiva geral. Entretanto, comparando-se com a gestão estratégica de empresas, o GESis traz algumas vantagens e oportunidades, desafios e dificuldades adicionais para os agentes dos sistemas que pretendem se organizar a fim de desenvolverem e implementarem um processo de gestão estratégica de sistemas. O quadro 2.5 resume esses pontos. Quadro 2.5: Resumo das vantagens e desafios do método GESis Vantagens Desafios (i) dar maior ênfase ao planejamento, técnicas e (i) descreve um sistema de valores e a filosofia das ferramentas do que ao envolvimento dos agentes e lideranças do sistema, o que orienta uma visão ao compartilhamento do pensamento criativo sobre os futura comum para o sistema; objetivos, posicionamento e estratégia do sistema; Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 39 (ii) permite o compartilhamento de informações e (ii) grande demanda por informações e discussões e experiências entre os agentes sobre as condições pouca ênfase na tomada de decisões; e evoluções realizadas no ambiente; (iii) serve como instrumento de coordenação entre as diversas funções e agentes do sistema, permitindo maior coerência entre os objetivos do sistema e, no caso de conflitos e incompatibilidades, favorece as arbitragens com base em critérios objetivos; (iii) desenvolver uma gestão simplista sobre o que já é realizado, em vez de algo que levanta questões fundamentais sobre a capacidade do sistema, objetivos e mercados; (iv) interesses de grupos na manutenção do (iv) estimula um enfoque cooperativo, integrado e status quo e poder, em prejuízo dos interesses do entusiasmado dos problemas do sistema; sistema; (v) comissão de gestores conservadora que se (v) aumenta a flexibilidade de reação do sistema em recusa a substituir propostas bem aceitas do face a mudanças imprevistas; passado, com dificuldade de romper vícios de gestão; (vi) permite uma gestão coletiva mais rigorosa e profissional, baseada em normas, orçamentos, (vi) alocação inadequada de recursos, sem a devida divisão de responsabilidades e cronogramas, não definição de prioridades para o sistema; em improvisos; (vii) proporciona um melhor posicionamento do (vii) foco no planejamento per si, com pouca sistema, ajudando a progredir nos rumos que os capacidade e/ou interesse de implementar o que foi comitês formados pelas lideranças consideram planejado; e mais adequados; e (viii) elevado foco na estruturação das ações (viii) leva a resultados social e economicamente relacionadas às atividades operacionais dos agentes mais interessantes para o sistema como um todo. em vez do foco na coordenação das atividades e nos consumidores finais. Fonte: Neves (2006). Dessa forma, o método de GESis aqui proposto foi desenvolvido e aprimorado nos últimos anos na tentativa da implementação efetiva para: (i) construção de uma organização vertical capaz de executar as estratégias, com a criação de uma estrutura organizacional de apoio, habilidades e competências distintivas e pessoas selecionadas nas posições-chave; (ii) estabelecimento de uma estratégia orçamentária de suporte, com sistema de arrecadação justo e coerente entre os elos e membros do sistema, assegurando a utilização eficiente desses recursos; (iii) instalação de sistemas administrativos de apoio, com políticas e procedimentos que apóiem as capacidades críticas para estratégia da organização criada; (iv) definição de um sistema de incentivos relacionados aos objetivos e estratégias, para motivar os agentes e elos do sistema a realizar as ações planejadas, 40 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo induzir o desempenho desejado e orientar as ações para os resultados do sistema; (v) modelagem de uma cultura “associativista”, com o estabelecimento de valores compartilhados, padrões éticos e um ambiente institucional que apóie a estratégia coletiva do sistema; e (vi) o estabelecimento e exercício de uma liderança estratégica para a organização do sistema, com líderes envolvidos no processo de formatar valores, modelar a cultura, manter uma visão inovadora e responsiva às oportunidades de mercado e que inicie possíveis ações corretivas para melhorar a execução da estratégia. Limitações da pesquisa e do método de GESis proposto Podem-se listar as seguintes limitações: a) há no método proposto uma simplificação dos processos envolvidos na gestão estratégica de organizações; b) por tentar tratar de muitos assuntos num único trabalho, há uma superficialidade no tratamento dos assuntos, necessária para a visão do todo; c) da mesma forma, foi feita uma síntese das propostas de outros autores, e toda síntese tem influência direta do pesquisador, que pode não ter captado a essência dos trabalhos nesse processo; d) apesar dos esforços e buscas, a revisão de literatura pode ter deixado de encontrar outras propostas e métodos de gestão estratégica de sistemas; e) a simplicidade de tratamento de assuntos e visão aplicada do pesquisador é outro fator de limitação desta pesquisa; f) por ser um modelo ainda teórico, deve existir prudência na sua aplicação, e o mesmo deve passar por rigoroso e criterioso teste empírico para sua validação. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 41 3. BENCHMARKING INTERNACIONAL2 Matheus Alberto Cônsoli3 e Marcos Fava Neves4 A Austrália é um país de proporções continentais. Com superfície de 7.686.850 Km² e população estimada em 20,4 milhões de habitantes, o país vem apresentando um crescimento expressivo na participação do comércio mundial. Os valores relativos à exportação (em US$ milhões) evoluíram de 63.399 no ano de 2001 para 105.057 em 2005, enquanto que as importações passaram de 66.857 para 130.949 no mesmo período. Quanto ao crescimento real do PIB, o índice vem evoluindo a uma taxa média de 3% ao ano desde 2001. Neste âmbito de crescimento, a agricultura, a pecuária e a mineração são, se considerados em conjunto, a base da economia australiana. Predominam no país as estruturas latifundiárias de grande porte com tecnologia avançada. Já a Nova Zelândia é dona de uma das economias mais abertas do mundo. Competitiva e orientada basicamente para o mercado, dá grande importância para o comércio internacional. A agricultura, historicamente considerada como base da economia neozelandesa, hoje se desenvolve combinando tecnologia, inovação e tradicionalismo histórico. Em meio a esta importância da agropecuária nos dois países, o setor lácteo recebe destaque. A Oceania foi o continente com maior crescimento de produção de lácteos no mundo sendo a Austrália o segundo maior produtor do continente, superado pela Nova Zelândia. A produção total na região foi de 14.034 mil toneladas de leite em 1990, 24.969 em 2001. Este valor permaneceu praticamente constante até o ano de 2005. A divisão da participação dos dois países segue na tabela a seguir: 2 3 4 42 Este capítulo foi elaborado baseado em viagem dos autores à Austrália e Nova Zelândia no primeiro semestre de 2006, onde foram realizadas palestras, debates, visitas a empresas, universidades, propriedades rurais e cooperativas. Pesquisador Markestrat e Pensa. Doutorando em Engenharia pela USP São Carlos. Mestre em Administração pela FEA-USP. Professor de Planejamento, Estratégia e Marketing da FEA-USP Ribeirão Preto. Coordenador do PENSA e do Markestrat. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Tabela 3.1: Quantidade exportada de leite (1000 toneladas) 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Austrália 6.500,63 6.428,93 6.075,42 6.855,52 5.224,33 5.577,62 5.082,93 Nova Zelândia 10.167,65 11.084,71 11.386.42 13.399,81 13.779,10 13.108,32 12.358,96 Fonte: FAOSTAT. Como se pode ver, a Oceania surge como grande player mundial no sistema agroindustrial do leite e o conhecimento do processo pelo qual se deu esse crescimento é de suma importância para o avanço brasileiro no setor. O benchmarking internacional envolvendo Austrália e Nova Zelândia, em consonância com os objetivos gerais do projeto, visou levantar informações sobre as práticas que levaram esses países a alcançar grande produtividade e competitividade na produção e exportação de leite. Entre estas informações estão as características das atividades de cada elo do sistema (práticas gerenciais, tecnologia aplicada, perspectivas etc) assim como as formas pelas quais estes elos se relacionam (contratos, integração e cooperação). Mais especificamente, o enfoque foi dado ao estudo aprofundado das duas principais associações verticais destes países: A Dairy Australia e a Cooperativa Fonterra, esta última em Nova Zelândia. Inicialmente, será apresentado o caso Dairy Australia, já que este foi o primeiro país visitado. Posteriormente, o caso trabalhado será o da Australian Dairy Farmers Association seguido da exploração do caso Fonterra. As informações aqui apresentadas foram em parte obtidas por meio de entrevistas em profundidade com os membros das organizações envolvidas, e em parte por meio dos materiais recolhidos e apresentações realizadas nas próprias organizações. 3.1. Dairy Australia A Dairy Australia é uma associação que trabalha a serviço de todo o sistema agroindustrial do leite na Austrália. A associação opera Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 43 com leis e regras estabelecidas pela Constituição Australiana de 2001 e foi fundada pelo próprio governo australiano. Com sede na cidade de Melbourne, atualmente é representada por 8 diretores e 1 diretor gerente, que têm como função determinar políticas, direções de investimentos e elaborar planos estratégicos e de operações. As principais atividades que desenvolve estão ligadas ao setor de Pesquisa e Desenvolvimento, envolvendo coleta de informações relevantes e disseminação das mesmas, gerenciamento de entraves e problemas envolvendo o sistema lácteo, além da promoção do marketing nacional e comércio internacional. A organização foi criada a partir da união de diversas organizações verticais já existentes. Muitas delas continuam atuantes, mas as duas principais responsáveis pela estrutura atual foram extintas. Naturalmente, a união desencadeou alguns conflitos, os quais foram solucionados por meio da definição clara das atribuições e objetivos da Dairy Australia. Neste sentido, o foco principal da organização fixou-se no auxílio aos produtores que fossem associados e contribuíssem com a taxa de manutenção das atividades desempenhadas por ela. Estes produtores tinham direito a voto na escolha da diretoria e essa atribuição de poder levou a um envolvimento gradual e crescente destes com a organização que então se desenvolvia. Outros participantes do sistema agroindustrial, como indústria e cooperativas, apesar de poderem se envolver nas reuniões e projetos, não contam com poder de voto. A companhia ainda possui uma Constituição que define quais são seus objetivos, como se tornar um membro, quais os mecanismos de voto dentro da organização, entre outras regulamentações. Este é o principal documento que desenha as responsabilidades entre a DA e seus clientes. Quanto à forma de recolhimento dos fundos provenientes dos produtores o sistema é automático, já que é regulamentado por lei. O funcionamento é simples: os produtores vendem sua produção a uma única indústria que faz o recolhimento da taxa e repassa para a organização. O valor repassado é então descontado do pagamento ao produtor. Em organizações que não têm a garantia por lei o 44 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo sistema funciona de forma semelhante, mas para que o desconto possa ser feito, todos os produtores devem assinar um termo de autorização. No sistema voluntário cerca de 75% dos produtores colaboram com a taxa. Outra forma de arrecadação de recursos vem da iniciativa governamental, que contribui principalmente para os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento. Os recursos arrecadados são então alocados de acordo com a importância e abrangência dos resultados. Dessa forma, 55% deles são divididos entre gastos relativos à busca de maior produtividade e projetos de marketing e comércio internacional. Outros 25% destinam-se basicamente às despesas na área social, envolvendo pesquisas relacionadas aos benefícios do consumo de laticínios por meio de projetos de promoção como “Dairy: the food of life”. Os 20% restantes são reservados a projetos de sustentabilidade meio ambiental e pesquisas que objetivam o uso eficiente da água. De forma concisa, as ações assumidas pela Dairy Australia dividem-se em dois portfolios, um operacional e outro de serviços internos. O primeiro trata do gerenciamento de possíveis mudanças dentro das fazendas, das inovações e pesquisas na área produtiva e das áreas relativas ao comércio e promoção do produto por meio do desenvolvimento de inovações no processamento de marketing. O segundo engloba os serviços corporativos e as atividades de recursos humanos em geral. Assim, de maneira mais prática, as atividades do dia-a-dia da organização envolvem: • Fornecimento de especialistas técnicos e recursos; • O financiamento de projetos de pesquisa, extensão e desenvolvimento para as áreas de processamento e produção; • Fornecimento de informação e análise de mercado; • Promoção de benefícios funcionais, de saúde e nutricionais dos laticínios; • Coordenação das respostas das indústrias às expectativas legais e dos consumidores; • Considerações nas áreas de segurança alimentar e do meio ambiente; • Fornecimento de análises de políticas comerciais e apoio da indústria e do governo; • Melhoria da consciência dos consumidores finais; Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 45 • Ressalto do entendimento da capacidade da Austrália de produzir com qualidade e segurança. Para que seu trabalho não fique em dissonância com os interesses da indústria e tampouco das prioridades do governo, a organização mantém contato constante com indústrias de todos os níveis como a Australian Dairy Farmers Ltd e a Australian Dairy Products Federation. Existe também uma parceria com pesquisadores, empresas e outros participantes do setor possivelmente envolvidos com as atribuições que cabem à Dairy Australia. Neste sentido, um dos papéis assumidos pela Dairy é o gerenciamento da relação produtor-indústria e produtor-cooperativa. O surgimento de conflitos hoje é raro já que as decisões são, na maioria das vezes, tomadas de maneira consensual entre os agentes. Mesmo sendo apenas os produtores os votantes de todas as decisões, a indústria e as cooperativas participam do processo de gestão, o que contribui para um maior entendimento entre as partes. O fator de grande contribuição para esse entendimento foi a convergência dos interesses do setor em poucas organizações, o que evita a multiplicidade de interesses como acontece no caso brasileiro. Os trabalhos de marketing realizados pela organização também surtiram efeitos positivos. O consumo de leite na Austrália aumentou de forma considerável após o início das campanhas. O foco delas foi mostrar aos consumidores os benefícios do consumo de leite e derivados, sempre dando enfoque a um tipo de produto (leite, iogurte, creme de leite etc.), nunca a uma marca. Para divulgação e realização deste tipo de campanha são encomendadas pesquisas científicas sobre a relação leite-saúde e as informações só são divulgadas quando existem provas científicas delas. A separação das campanhas foi feita de acordo com o estabelecimento de vários públicos-alvo, e as ações de comunicação foram definidas de acordo com as necessidades e interesses de cada um deles. Além dos nichos fixados internamente, a Dairy Australia separou as campanhas entre mercado interno e mercado externo, sendo as últimas focadas na certificação de origem e na composição de cada 46 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo produto (informação dos ingredientes). O enfoque das campanhas internas dividiu-se entre o aumento do consumo de lácteos em geral, apelando de forma mais intensiva para o consumo de leite fluído e o consumo de derivados de alto valor agregado que levam mais leite em sua produção. Em termos numéricos, de todo o orçamento dedicado à comunicação, 75% são destinados à televisão. O restante vai para ações promocionais, revistas e marketing direto (médicos). É importante assinalar que, independentemente de qual é o tipo de ação estratégica realizada pela DA, o ponto comum entre todas elas são os valores intrínsecos que a organização pretende fixar: ser australiana, responsável, transparente, focando o retorno dos investimentos realizados por indústrias e produtores, a qualidade de seus produtos e o alcance de resultados eficientes de modo a ter credibilidade perante associados e consumidores, ser inovadora, moderna, parceira e ambientalmente responsável. Quanto ao projeto de se criar também no Brasil uma organização vertical que centralize o gerenciamento do setor, projeto este contido no “Planejamento e gestão estratégica para o sistema do leite em São Paulo 2010”, é sabido que muitas das organizações que já existem perderão boa parte de seu poder. Esse fator é capaz de gerar entraves à evolução deste projeto e, de acordo com a organização australiana, a chave para o desenvolvimento das ações coletivas e organizações verticais está na adesão plena dos produtores. Eles devem tomar consciência dos ganhos que podem ser alcançados coletivamente e que não seriam possíveis se estivessem sozinhos. A base das decisões, tanto daquelas concernentes ao direcionamento dos recursos arrecadados quanto das de gestão, deve estar situada nos produtores, e a consciência de que a produção deve ser a prioridade é a chave para o sucesso. Além disso, a organização deve ter propósitos claros, ser transparente e prestar contas de suas ações. Um exemplo claro das demonstrações de resultados pela organização australiana são as pesquisas de opinião e as análises de performance de mercado realizadas antes e depois das campanhas de marketing. Já a noção da importância dada à unidade dos produtores pode ser percebida pelo slogan da United Dairy Farmers of Victoria: “Together we win, alone we fall”. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 47 Outra questão de extrema importância para o sistema agroindustrial do leite no Brasil são os produtores não especializados. Estes são considerados produtores sazonais porque podem entrar ou sair da atividade leiteira na medida em que há variação na demanda por leite ou variação na demanda por outro produto a que se dedica. Tanto na Austrália como em Nova Zelândia essa situação é pouco expressiva, já que a especialização veio como uma conseqüência dos avanços do setor. Os produtores sazonais são aqueles que produzem fora do período ideal para sua região e a eles fica reservado o abastecimento do mercado interno, já que ao contarem com custos maiores de produção são menos competitivos externamente. Na Austrália mais especificamente, os maiores produtores são especializados e os menores seguem com alguma atividade secundária. Quanto ao estabelecimento das relações de compra e venda, quando ele acontece entre produtor e indústria há um contrato formal que trata de preços e volumes de produção Os preços são fixados até certo volume de produção a partir do qual podem variar livremente de acordo com os movimentos da demanda. O poder de negociação, no caso dos preços variáveis, se igualou na medida em que indústrias e produtores se organizaram para fazer as negociações em conjunto. Quando a relação se dá entre cooperativas e cooperados, a transação é mais flexível e as primeiras compram toda a produção de seus cooperados. Em qualquer um dos dois casos (produtor-indústria ou cooperativa-cooperado), os parâmetros de preço estão relacionados ao teor de gordura e proteína, já definidos nos contratos ou acordos. Essa remuneração é conhecida como pagamento por qualidade e a forma de cálculo é definida por cada indústria ou cooperativa. No entanto, a regra mais comumente usada é: Preço= A + B - C Onde A = Proteína, B = Gordura, C = Água 48 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Não há uma preocupação sobre a idéia intrínseca ao pagamento por qualidade. Isso quer dizer que não há uma preocupação sobre o fato de o pagamento por qualidade ser um prêmio aos que se adequam ou uma punição aos que não o fazem. O importante é que a qualidade do produto seja garantida e os melhores padrões de produção sejam mantidos. Além disso, se os padrões sanitários não são atingidos, o produto é descartado. Conhecidas as dificuldades da manutenção do sistema do frio na produção de leite, há que se levantar o ponto relacionado ao investimento para a disseminação deste sistema de coleta e distribuição. Quando da introdução do sistema na Austrália coube às cooperativas auxiliar nas atividades de investimento. Com o insucesso deste agente, o financiamento acabou por ficar a cargo dos próprios produtores, e às cooperativas coube a tarefa de facilitar os financiamentos para este fim. Outra ação que se tornou comum, principalmente entre pequenos produtores, foi a realização de pools de investimentos em estruturas conjuntas. Esta última é uma boa opção para países com grande quantidade de produtores. Com todas estas especificidades do sistema agroindustrial do leite, um pré-requisito básico para a unidade do sistema é a necessidade de consolidação e divulgação de dados. Ela pode proporcionar uma maior comunicação entre os elos do sistema e facilitar a tomada de decisão em qualquer âmbito. Para isso, a Dairy Australia dispõe de um centro de informações que parte das próprias indústrias. Estas fornecem informações mensais acerca de rebanho, captação de leite, número de produtores, informações estas que são compiladas pela associação e disponibilizadas para acesso de qualquer agente do sistema. Como a indústria é altamente concentrada tanto na Austrália como em Nova Zelândia (o que faz com que a grande maioria delas seja fortemente diversificada quanto às linhas de produto) o recolhimento destas informações não oferece dificuldades. No caso brasileiro, o sistema necessitaria de uma pulverização muito mais avançada, dada a grande dispersão do sistema. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 49 3.2. Organizações Verticais: DFA – Australian Dairy Farmers Association A Australian Dairy Farmers Association é uma associação de produtores rurais de laticínios que busca representar de forma unificada os interesses dos seus negócios. Objetiva promover o crescimento continuado da competitividade internacional, da inovação e da sustentabilidade do sistema agroindustrial do leite. É formada por seis organizações estaduais de mesma natureza. A ADF tem uma estrutura nacional. Localmente os produtores elegem seus representantes que participam das reuniões regionais. Essas por sua vez também enviam representantes para os escritórios estaduais e esses fazem o mesmo para as reuniões e definição da diretoria da DFA. Essas reuniões ocorrem cerca de 6 vezes por ano, mas no caso de ações urgentes, podem ser feitas reuniões extras e em dois dias alcança-se uma decisão ou uma definição de ações. Com o intuito de aumentar a competitividade do sistema lácteo australiano, no início dos anos 90 iniciaram-se as reformas no sistema promovidas pelo próprio governo. A etapa inicial foi de organização e fusão das cooperativas e tinha o intuito de aumentar as escalas de produção, lançar marcas nacionais e ganhar competitividade no mercado internacional. Algumas ações interessantes para aumento de escala e competitividade são os “Acordos de Compartilhamento de Fazendas”, em que produtores fazem contratos entre si para atuarem conjuntamente, como se fossem um “grande produtor”. Essa forma de associação pode ser considerada um mecanismo eficiente para o funcionamento do sistema de cooperativas, onde é necessário atingir custos competitivos e elevados retornos que poderão ser reinvestidos em pesquisa, tecnologia, redução de custos de transporte etc. Esse formato permite que o produtor saiba onde está sendo aplicado o recurso e além de fazer com que ele sinta os impactos diretos destes investimentos. 50 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Já entre 1996-97 foi instituído o sistema de pagamento obrigatório de uma taxa sobre a produção de leite para todos os produtores. É este sistema de arrecadação de recursos que permanece até hoje na DFA. 3.3. Share Dairy Farming Citado anteriormente como uma ação para o aumento da competitividade o “Share Dairy Farming” é um sistema de co-gerenciamento de atividades primárias. Ele consiste em um tipo de acordo de “compartilhamento de fazendas” onde as atividades de gestão podem ser divididas entre os agentes, assim como os riscos e custos envolvidos na atividade produtiva. Caracteriza-se como um acordo entre as partes sem que se forme uma sociedade ou companhia entre eles. Geralmente os sharefarmers especializam-se em suas competências e definem a distribuição de recursos de acordo com suas funções. Por exemplo: um agente pode ficar responsável pela gestão da pastagem e insumos; outro pela gestão do rebanho e outro pela gestão do processo de ordenha e distribuição e ao mesmo tempo estarem todos compartilhando das mesmas pastagens e das mesmas estruturas fundiárias. Para o estabelecimento desses acordos há decisões pré- contratuais que devem ser estudadas, a saber: • Definição de um plano de negócios; • Escolha da estrutura do negócio; • Consciência da importância legal de ser um tomador de decisão sob um contrato sharefarming; • Aplicar técnicas de recursos humanos para aumentar a chance de sucesso entre as duas partes. Tipos de acordos Para exemplificar o funcionamento deste tipo de acordo, seguem três tipos de estruturas contratuais para compartilhamento de estruturas: Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 51 Quadro 3.1: Tipos de Acordos de Compartilhamento de Estruturas Tipo de Acordo Fatia da renda do sharefarmer 50%/50% 50% das vendas de leite e 100% das vendas de ações Proprietários de vacas Propriedade da planta móvel Responsabilidade pelo gerenciamento do rebanho e da fazenda Fatia dos custos do sharefarmer sharefarmer 100% dos custos do rebanho e 50% dos custos da fazenda sharefarmer geralmente sharefarmer 60%/40% 40% as vendas de leite e 50% vendas de bezerros dono da propriedade opcional sharefarmer ou proprietário sharefarmer geralmente 40% dos custos de vertente e alimentação 66.6%/33.3% 33.3% das vendas de leite e 50% das vendas de bezerro dono da propriedade proprietário geralmente sharefarmer com colaboração do proprietário 33.3% de custos de vertente Fonte: Sharefarm contract model – DFA. É essencial que os termos do acordo sejam firmados sob a forma de um contrato válido e eficiente, e para isso existem itens que devem aparecer em sua estrutura. Os itens que seguem abaixo foram retirados de contratos reais firmados entre produtores rurais de lácteos na Austrália: Partes do Acordo Estrutura de negócio e status legal das partes. Termos do Acordo 1. 2. 3. 4. 5. 5.1. 5.2. 6. 52 Definições e Interpretações Encontro entre as Partes Pessoa Especificada Relações entre as partes Termos Período de duração Negociações para Renovação Questões Comerciais Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 6.1. 6.2. 6.3. 7. 7.1. 7.2. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 16.1. 16.2. 17. 18. 19. 20. 21. Cláusula sobre Bens Deveres e Obrigações de cada parte Compartilhamento/Divisão de Renda e Custos Questões Operacionais Gestão das Operações da fazenda Tempo de Comprometimento Tributação Seguro Casa e Acesso à Propriedade Leis Aplicáveis Fim do Contrato Garantias Todo o Acordo Solução de Conflitos Não Adjudicação Arrendatário Proprietário Informações Confidenciais Desistência Observações Divisão/Rompimento Alterações/Modificações 3.4. Fonterra A Fonterra é uma cooperativa fundada em 2001 que tem como proprietários 12.144 produtores de leite. A cooperativa é a maior empresa da Nova Zelândia e uma das dez maiores processadoras de leite do mundo, sendo ainda responsável por 97% de toda a produção de leite da Nova Zelândia e 3% do total mundial. A missão da fundação consiste em oferecer aos fornecedores e investidores crescimento sustentável de longo prazo. Para isso, as linhas de ações da cooperativa se direcionam basicamente para a consolidação do sistema agroindustrial leiteiro como um negócio viável, atrativo e sólido para todos os seus associados. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 53 São treze as correntes principais seguidas para que sejam alcançados esses objetivos gerais. A primeira delas é a dedicação ao aumento das terras destinadas à produção de leite no país e a maximização da produtividade empregada nelas. Outro aspecto considerado relevante é o estabelecimento de contratos e condições flexíveis para o fornecimento do leite. Desta forma é possível administrar um bom relacionamento com os produtores e fomentar um ambiente regulatório que os auxilie, sendo estes dois últimos também considerados fatores-chave para o desenvolvimento do setor. Outro passo importante na visão da Fonterra é o desenvolvimento de uma rede eficiente de disseminação de informações de qualidade aos fornecedores. Esse mecanismo é capaz de proporcionar uma integração muito maior entre os membros da cooperativa, já que todos se sentem plenamente informados a respeito do funcionamento da organização da qual participam. Além destes, os seguintes aspectos são citados como centrais para o desenvolvimento da fundação, a saber: otimizar a estrutura de capital e o preço do leite para melhorar o crescimento da produção; otimizar e aumentar a extensão de entregas; investir na capacitação humana e no fornecimento de mãode-obra; promover o engajamento da comunidade; estender o ramo de franquias Fonterra, procurando identificar quais serviços e produtos a Fonterra deve oferecer; administrar conflitos dos negócios envolvidos e, por fim, promover a agricultura de maneira sustentável. Neste último, a ferramenta usada pela Fonterra está no auxílio aos acionistas na manutenção de suas fazendas de maneira que estas conservem-se ambientalmente corretas, levando-se em conta sempre o bem estar do animal, fator de agregação de valor ao produto. As dimensões da cooperativa podem ser verificadas pela análise de dados apresentada a seguir. • • • • • • • 54 Ativos: NZ$ 11 bilhões Vendas: NZ$ 11,8 bilhões (2004) Processamento: 2 bilhões de quilogramas anuais Comercialização de produtos: 95% externamente e 5% internamente Representatividade: 20% do total das exportações neozelandesas Geração de empregos: 20.947 empregados em todo o mundo Enfoque: fortalecimento das marcas para seus produtos Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo A Fonterra acompanha a tendência da economia do país. É altamente globalizada embora esteja situada em um país de mercado interno extremamente limitado e por isso precisa atingir o mercado mundial, como de fato o faz. Trabalha com a construção de marcas fortes como Anchor, Anlene, Anmun, Tip Top, Fresh´n Fruity e Mainland em tem como lema “a nossa casa é o mundo”. A Fonterra controla hoje cerca de 30% do mercado internacional de lácteos e possui alianças em diversos continentes, inclusive com potenciais concorrentes. Na Europa, tem uma joint-venture com a maior cooperativa local, a Arla Foods, de origem suecodinamarquesa; nos EUA, a parceria é com a Dairy Farmers of América (DFA), que responde pelo processamento de mais de 22 bilhões de litros anuais; no Chile, tem o controle da Soprole; nas Américas, é parceira da DPA, joint-venture com a Nestlé; na Austrália, tem o controle da Bonlac, uma das líderes no mercado. Em mercados emergentes, a Fonterra também está se posicionando: é sócia da Britannia, na Índia, e está negociando uma participação de 40% na San Lu, a terceira maior empresa de laticínios da China e que cresceu em faturamento nada menos do que 72,6% em 2003. Para finalizar, detém o controle da Tnuva, líder no mercado em Israel. Com um portifolio ainda muito baseado em commodities lácteas, a Fonterra busca aumentar a participação de ingredientes de maior valor agregado, ficando menos imune à competição mundial e à taxa de câmbio, que afeta muito a sua competitividade hoje. A cooperativa também possui um plano estratégico para desenvolvimento do negócio e para promover a captura de valor com o leite. Este plano estratégico segue seis temas centrais: 1. redução dos custos de produção; 2. desenvolvimento de atividades de marketing para a liderança no mercado internacional; 3. desenvolvimento de relações de valor com consumidores; 4. inovação no desenvolvimento de produtos; 5. desenvolvimento de atividades de marketing visando o consumidor; 6. desenvolvimento de atividades de marketing visando o mercado de food-service. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 55 O aspecto relativo à promoção se mostra de extrema importância em Nova Zelândia. O fato de o mercado interno ser extremamente restrito, como já citado anteriormente, faz com que as atividades de marketing sejam chave para o aumento do consumo de lácteos. As estratégias para criação de novas opções para comercialização sob as formas de novos clientes e novos negócios pode ser exemplificada com o mercado de food-service, esquematizado abaixo: Figura 3.1: Segmentos Fonterra Segmentação Produtos Varejo Ingredientes Food-Service - Marcas Fonterra - Foco Mercado Interno - Maior sazonalidade Consumer Food-Service - Marcas Fonterra - Mercado Interno e Externo - Cafeterias - Restaurantes - Padarias - Hotésis Contract Catering - Qualidade percebida pelo cliente, mas Marcas Fonterra não aparcem para consumidor final. - Foco Mercado Externo - Marcas Fonterra - Mercado Interno e Externo - Escolas - Empresas - Governo - Airlines - Hospitais Fonte: Autores, com base em entrevistas. Hoje a Fonterra atua no setor de food-service em mais de 60 países e na visão da cooperativa este segmento deve crescer mais do que outros produtos nos próximos anos. As ações para promoção deste segmento envolvem prospecção de novos mercados, desenvolvimento de novos canais de distribuição, além das atividades de markentig e arranjo contratual. Tratando agora da estrutura de governança cooperativa, a Fonterra conta com dois conselhos básicos: o conselho de produtores e o de diretores. O primeiro visa representar diretamente os produtores dentro da cooperativa e o segundo se dedica a colocar em prática as discussões e direcionamentos dos primeiros, além de promover 56 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo todo o controle de qualidade do leite. A cooperativa também possui atividades auxiliares dentro de uma mesma estrutura central, mas que se dividem em subcomitês de forma a coordenar todas as atividades de maneira eficiente. Entre eles estão: • Subcomitês do Conselho: - Comitê de Auditoria, Finanças e Risco - Comitê de Autorizações, Remuneração & Desenvolvimento • Comitê de Relacionamento com os cooperados • Diretoria Independente • Diretoria de Cooperados • Disseminação ativa de informações para os cooperados Para a definição de toda a diretoria, composta por treze membros, a Fonterra conta com um conselho de acionistas que nomeia 9 deles que serão responsáveis pela escolha dos outros quatro, que poderão ser aprovados ou não pelo mesmo conselho de acionistas. A partir desta estrutura, a Fonterra é capaz de atingir 140 países com uma produção total de 13 bilhões de litros por ano. Além disso, a cooperativa é o maior investidor privado da Nova Zelândia em pesquisa e desenvolvimento com um gasto anual de NZ$ 95 milhões. Recebe um fundo do governo no valor de NZ$ 3.2 milhões. Em termos estratégicos a cooperativa tem como objetivo explorar as oportunidades em toda o sistema de suprimentos, principalmente com controle desde a produção de leite até a distribuição de produtos de elevado valor agregado. Assim o modelo de negócios adotado serve de benchmark para outras empresas do setor em todo o mundo. De maneira resumida, o modelo de controle do sistema de suprimentos da Fonterra pode ser visualizado na figura a seguir. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 57 Figura 3.2: Sistema de Suprimentos da Fonterra CLIENTES Fonterra Ingredientes Fonterra Produtos de Espaecialidade Fonterra Marcas Fonterra Food Service Fonterra - Grupos de Manufatura Fonterra - Inovação Fonterra - Fornecimento de Leite Fonterra - Serviços Compartilhados (RH, Comunicação, Estratégia, Finanças) PRODUTORES Fonte: Fonterra Corporation Presentation. Como se pode ver, os agentes do sistema considerados de suma importância para as decisões estratégicas se situam nos dois extremos do esquema acima: produtores e consumidores aparecem como os controladores de todo o centro, ou seja, os agentes intermediários devem se adaptar para utilizarem o que é produzido nas fazendas e entregarem aos consumidores de acordo com o nível de exigência. Em relação às questões regulatórias, como uma organização internacional, a Fonterra é afetada por um complexo conjunto de leis, regulamentos, acordos e tratados, nacionais e internacionais. Essas normas têm potencial de se tornarem barreiras comerciais e para alcançar medidas de comércio amigáveis, a Fonterra trabalha aliada ao governo, a indústrias e a organizações internacionais em fóruns de discussão. A existência de barreiras alfandegárias e outras formas de protecionismo comercial faz com que a Nova Zelândia possa acessar apenas 6% do mercado mundial total. 58 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo A unidade industrial visitada, Te Rapa em Hamilton, é uma unidade com capacidade de processar até 7,3 milhões de litros de leite por dia, destinados à produção de leite em pó, manteiga, gordura e cream cheese. A cooperativa também possui um centro de excelência para produtos em pó e creme, com atividades que incluem: desenvolvimento de produtos, gestão de projetos, fornecimento de serviços técnicos, fornecimento de informações técnicas e solução de problemas, além do suporte técnico para desenvolvimento de aplicações e funcionalidades de produtos. A estratégia principal é ganhar a liderança mundial na indústria de laticínios e alcançar cada vez maiores retornos para os acionistas, com o lema de simplicidade, integração, segmentação e transparência em toda o sistema global de suprimentos. Entre as estratégias estão: • Diminuir os custos dos fornecedores de commodities; • Liderar em preços, gerenciar estoques no mercado de commodities global; • Desenvolver parcerias em mercados seletos; • Especialização e inovação dos componentes do leite e em fornecimento de soluções; • Liderar o mercado de consumo de leite nutritivo; • Liderar o mercado de laticínios no food-service; • Desenvolver estratégias para os 4 mercados regionais chaves (China, Leste Europeu, Mercosul e Índia). Por fim, é importante destacar a importância das ações desenvolvidas pela Fonterra junto aos produtores. A declaração de que “Nossos produtores são tão importantes para nosso negócio quanto nossos clientes” serve de motor para que a cooperativa desenvolva várias atividades focadas no relacionamento com produtores, entre eles: • Sistemas de coleta e pagamento de leite. • Assuntos relacionados a fazendas e correlatos. • Pesquisas com associados e manutenção do portal agrícola www.fencepost.com. • Contatos diretos entre a empresa e associados. • Acesso à moderna infra-estrutura de comunicação. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 59 4. ESTRUTURAÇÃO DE UMA ORGANIZAÇÃO VERTICAL PARA O SISTEMA AGROINDUSTRIAL DO LEITE NO ESTADO DE SÃO PAULO5 Everton Molina Campos6 e Marcos Fava Neves7 4.1. Introdução, objetivos e metodologia O aumento da competitividade em sistemas agroindustriais é resultado tanto da implementação de políticas públicas e estratégias privadas, quanto de ações coletivas desenvolvidas por organizações do agronegócio. Essas organizações são criadas a partir da necessidade de sistemas produtivos de se coordenarem e realizarem ações que visem ao aumento de competitividade. Entre essas ações, destacam-se as trocas de informações entre os agentes participantes, capacitação técnica, investimentos em inovação e investimentos conjuntos em ação de marketing (NEVES, 2005). No entanto, para que essas ações tenham melhores resultados, é necessário que todo o sistema agroindustrial esteja envolvido no desenvolvimento dessas ações, criando, dessa forma, organizações verticais que incluam todos os agentes dos diferentes elos do Sistema Agroindustrial. A estruturação dessa organização foi discutida no capítulo 2 e tem como base a metodologia de Gestão Estratégica para sistemas Agroindustriais. No Brasil, o número de organizações setoriais que têm por objetivo a cooperação vertical em uma rede produtiva (entre empresas de etapas tecnologicamente distintas) vem aumentando. Estas empresas estão unindo-se na tentativa de aumentar sua produtividade e sua força perante setores concorrentes, estimular o crescimento do consumo per capita, diminuir 5 6 7 60 Os autores agradecem a Yves P. Civolani e Mariana Arieta de Oliveira por colaborarem na elaboração deste capítulo. Vale ressaltar que este tema gerou a dissertação de mestrado do primeiro autor, orientado pelo segundo. Pesquisador da Price Waterhouse Coopers. Mestre em Administração pela FEA/USP Ribeirão Preto. Professor de Planejamento, Estratégia e Marketing da FEA-USP Ribeirão Preto. Coordenador do PENSA e do Markestrat. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo as assimetrias informacionais e conquistar consumidores em novos mercados, como destaca Neves (2005). Essas organizações, no entanto, não obtiveram sucesso, devido aos problemas como falta de organização e de recursos para financiamento de ações. Organizações semelhantes já existem em sistemas produtivos de diversos países em todo mundo, como forma de se criar vantagem competitiva. Estas possuem apoio de organizações de criadores, indústrias e/ou do governo que incentivam as suas ações. Exemplos de sucessos para o sistema agroindustrial do leite de países desenvolvidos como Estados Unidos e Austrália, que aumentaram sua competitividade e retorno financeiro com as ações desenvolvidas por essas organizações, podem ser observados. No entanto, organizações não alcançam sucesso exclusivamente em países desenvolvidos. No Chile (leite) e na Colômbia (café), encontramse organizações verticais de sistemas produtivos com grande sucesso não só em seus países, mas exercendo influência em todo mundo. Desta forma, a estruturação dessas organizações no Brasil surge como uma oportunidade para o aumento da competitividade do sistema agroindustrial do leite e de diversos sistemas agroindustriais no cenário internacional, bem como no aumento do seu mercado interno. O objetivo geral deste capítulo é propor a estruturação de uma organização vertical para o sistema agroindustrial do leite no Estado de São Paulo que servirá como âncora para a implantação posteriormente das ações do planejamento estratégico para o sistema agroindustrial do leite no Estado. 4.2. Teorias de apoio Este tópico tem como objetivo fornecer embasamento teórico sobre tipos de organizações e ações coletivas que irão auxiliar na estruturação de uma organização vertical para o sistema do leite no Brasil. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 61 Teoria das Organizações e Ações Coletivas Saes (2000) descreve que em uma sociedade a constituição de um país ou estatutos de organizações são regras formais, explicitadas para se manterem a ordem e o desenvolvimento de uma sociedade. A autora também coloca regras informais que estão relacionadas à herança cultural, valores, costumes e tradiçõese que sãoresponsáveis pela ordem e desenvolvimento. A junção destas regras constitui o ambiente institucional em que as transações ocorrem. North (1990) neste contexto, faz um comparativo das regras do ambiente institucional com as regras de um jogo, onde as organizações são os “jogadores” desta partida. Dessa forma, a interação na sociedade não depende apenas das regras do ambiente institucional e sim, das ações realizadas pelos jogadores. Neste sentido, jogadores cooperados para atingirem objetivos comuns, precisam ter suas ações voltadas para eles, e que a ação de cada indivíduo depende da decisão dos demais, sendo que, a entidade coletiva formada pela união destes indivíduos tem autonomia para que os objetivos destes sejam alcançados. Williamson (1986) coloca que o ambiente institucional oferece um conjunto de regras que interferem nas ações das organizações, e que os indivíduos influenciam as organizações por ações comportamentais. As ações estratégicas adotadas pelas organizações admitem um efeito secundário sobre o ambiente institucional e também sobre os indivíduos. O autor também descreve que as mudanças no ambiente institucional provocam reação nos jogadores, e o contrário também é verdadeiro. Neste contexto, as organizações sofrem influência direta das mudanças no ambiente institucional e dos indivíduos e por isso, devem se adaptar ao ambiente constantemente. Williamson (1986) coloca que restrições a mudanças tanto por parte do ambiente institucional como dos indivíduos, limitam uma série de oportunidades para o desenvolvimento da organização. 62 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Definindo organizações e ações coletivas Uma organização é definida por Olson (1999) como um grupo de indivíduos com interesses comuns. A discussão sobre o papel de uma organização em uma sociedade proposta está literalmente voltada para atender aos interesses de seus membros. Indivíduos que agem de forma desorganizada são menos eficientes do que os que agem de forma organizada, desenvolvendo ações coletivas. Buscando maximizar o lucro e suas funções, os indivíduos se agrupam em organizações com interesses comuns. O autor coloca que se espera de grupos de indivíduos com interesses comuns que ajam de acordo com esses interesses, e que indivíduos que atuam isoladamente também ajam por seus interesses pessoais. Os objetivos de uma organização estão diretamente associados à promoção dos interesses de seus indivíduos. Desta forma, se os indivíduos possuem os mesmos objetivos e se todos eles ficarem em melhor situação se esses objetivos forem alcançados, a lógica diz que eles alcançariam mais rapidamente seus objetivos se agissem em grupo, através do desenvolvimento de ações coletivas. Para Hardin (1994), ações coletivas são como interações sociais que envolvem um grupo de indivíduos, buscando interesses comuns que podem ser realizados de forma coletiva (organizações). O autor também acredita que essas interações sociais entre os agentes ocorrem quando a ação de um afeta o resultado de outro. Essas ações podem estar relacionadas a um conflito, coordenação ou cooperação. Dentre as ações coletivas que podem ser desenvolvidas por uma organização, Olson (1999) cita: • • • • • Prover bens públicos ou coletivos; Prover “bens de clube” (aspectos sociais); Minimizar custos de transação; Alterar regras do jogo em benefícios aos seus associados; Propiciar ganhos de escala. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 63 Além disso, os diversos participantes de uma organização também não possuem as mesmas necessidades e desejos, sendo esse um fator complicador para o bom funcionamento de um grupo. Assim, as organizações devem primordialmente defender os interesses comuns de todos os participantes, deixando em segundo plano os interesses específicos, que devem ser gerenciados por ações individuais independentes. Portanto, quanto maior for o número e a significância dos interesses comuns entre os membros de uma organização, maior será a importância das funções dessa para os participantes (OLSON, 1999). A necessidade da contribuição de todos os membros para o funcionamento efetivo de uma organização também se torna uma barreira à existência da mesma, especialmente em grandes grupos, onde cada afiliado contribuinte acredita que sua participação não influencia de maneira significante as ações do grupo. Dessa forma, é difícil acreditar que para grupos muito grandes exista alguma forma de sustentação que não seja de maneira compulsória. É por isso que o Estado, uma organização importante, necessita da cobrança de impostos para financiar suas atividades básicas, mesmo porque, é inviável ao Poder Público fornecer serviços básicos, como proteção militar e policial, por exemplo, apenas aos cidadãos contribuintes (OLSON, 1999). Saes (2000) descreve que no campo do interesse privado, existem três tipos de ações que podem caracterizar estratégias distintas para as organizações. São elas: a. Ações Tipo I, que beneficiam a todos os participantes – São aquelas que proporcionam a aglutinação de atores de diferentes segmentos em torno da ação proposta, uma vez que não existem conflitos a serem administrados ou dirimidos. Exemplo: fornecimento de estatísticas para os associados. b. Ações Tipo II, que beneficiam parte do grupo sem prejuízo dos demais - Estas partem de agentes interessados na provisão de determinado bem ou serviço, não devendo haver objeções de outros participantes não atingidos. Exemplo: 64 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo criação de parcerias com outros segmentos para compra de matéria-prima ou para obtenção de financiamento, de que participa apenas parte dos associados. c. Ações Tipo III, que beneficiam parte do grupo em detrimento de outros – Nesse caso surgem conflitos que, para serem administrados, dependem do desenvolvimento de mecanismos de compensação entre os atores. Exemplo: Ação de produtores visando à eliminação da contratação informal. Os produtores que se aproveitam das falhas da fiscalização para contratar trabalhadores irregulares devem perder com essa ação. Embora as ações dos tipos I e II devam ser priorizadas em uma organização, por minimizarem o risco de descontentamento de umas das partes envolvidas, em alguns casos, implementar ações do tipo III é inevitável para a melhoria do sistema. Nesses casos, a probabilidade do surgimento de conflitos entre as partes é alta, exigindo dos participantes estratégias de negociação que busquem resolver os impasses existentes. Dessa forma, os conflitos não devem comprometer a parceria existente na organização. Tipos de grupos (organizações) Mas se tanto os pequenos como os grandes grupos aparentemente possuem a mesma origem e compartilham o objetivo similar de defender os interesses comuns de seus membros, seriam eles idênticos? Certamente a resposta para tal indagação é negativa. A principal diferença entre eles está no fato dos pequenos grupos poderem alcançar um objetivo coletivo pura e simplesmente por causa da atração individual que o benefício tem para cada um de seus membros. Assim, quanto maior for o grupo, menos ele promoverá seus interesses comuns (OLSON, 1999). Quando se fala em classificações dos diversos tipos de organizações, Saes (2000) coloca que as organizações existentes variam de acordo com o tamanho, formas de monitoramento e incentivos adotados. A seguir os diversos tipos de organizações propostos por Saes são apresentados adicionando uma discussão sobre organizações horizontais e verticais. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 65 a) Organizações de adesão voluntária ou compulsória A diferença entre uma organização voluntária e uma compulsória está no fato de que, nas organizações voluntárias os indivíduos associam-se a ela, enquanto que na compulsória, fazer parte é compulsório e não de escolha. A vinculação de alguns indivíduos a firmas, clubes, cooperativas e associações é um tipo de organização voluntária, enquanto que a nacionalidade de uma criança quando nasce, ou o recruta “pertencer” ao exército, é um tipo de organização compulsória. b) Grupos grandes x grupos pequenos Como foi discutido anteriormente, a participação dos indivíduos em grupos pequenos é maior que em grandes grupos, pois a não participação ativa de um membro no desenvolvimento de uma ação, pode acarretar o fracasso da organização. Isso não ocorre em grandes grupos, onde a ausência de um indivíduo não é significativa a ponto de causar o fracasso da organização. c) Cooperação espontânea ou induzida A cooperação pode ocorrer de forma espontânea, em que os indivíduos naturalmente cooperam entre si, ou então, de forma induzida, em que mecanismos são criados para incentivar (maiores ganhos) ou obrigar (coerção) os membros a cooperarem. Brito (2001) destaca que quando os membros são livres para escolherem se cooperam ou não com a organização para alcançarem os objetivos comuns, os mesmos podem ser induzidos a não colaborarem, pois poderão se beneficiar da ação sem incorrer em ônus para alcançar os objetivos. Neste caso, temos o efeito “carona”, já citado anteriormente. d) Grupos privilegiados, intermediários e latentes Grupos com ganhos privilegiados são aqueles cujo provimento do bem público para pelo menos um indivíduo, excede-lhe o custo , não havendo necessidade de coordenação. Nos grupos com ganhos intermediários, o benefício direto obtido para cada indivíduo é insuficiente para fazer com que este arque com a totalidade do custo de produção. Já no caso dos grupos latentes, existe o efeito “carona” 66 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo que é quando um indivíduo não contribui para a produção do bem público, mas se beneficia com ele. e) Organizações horizontais x verticais Neste tópico, será feita uma abordagem especial sobre uma variável importante na definição do tipo de organizações, discorrendo especificamente sobre o agronegócio que é a área de atuação desse estudo. De acordo com Nassar (2001), uma associação (ou organização como neste trabalho vem sendo denominada) horizontal presta-se para a defesa dos interesses de seus membros, e sua emergência dependerá basicamente da demanda das empresas por uma entidade representativa. Caso uma empresa sinta a necessidade de produção de bens coletivos que contribuam para seu melhor desempenho, a estratégia de contribuir para essa associação deverá fazer parte da estratégia individual dessa empresa como descreve Farina, Azevedo e Saes (1997) em sua obra sobre a análise da competitividade da empresa que é vista na introdução deste trabalho. Mas, o que diferencia uma organização horizontal de uma vertical? Basicamente, a resposta está na abrangência da visão sistêmica da organização. O campo de atuação de uma organização horizontal no agronegócio pode ser feito através da análise individual de cada indústria . Neste sentido, Zylbersztajn (2000) sugere que a análise de sistemas agroindustriais seja realizada a partir dos diferentes tipos de indústrias envolvidas (insumos, agricultura, indústria de alimentos, atacado e varejo), em que cada indústria possui suas estratégias individuais que formam um ambiente competitivo. Dessa forma, uma organização horizontal está estruturada de acordo com os atributos das transações existentes em cada uma delas. São exemplos de organizações horizontais: ANDA (Associação Nacional para Difusão de Adubos), ANDEF (Associação Nacional de Defensivos Agrícolas), ABIMAQ (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), ABECITRUS (Associação Brasileira dos Exportadores Cítricos), entre outras. As ações envolvendo essas organizações horizontais estão relacionadas à provisão de informações específicas para a indústria ou, se Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 67 a indústria precisa de um programa institucional (NASSAR, 2001). Nos casos em que surge a necessidade de provisão de bens que extrapolam a de uma indústria específica, surge a necessidade da criação de organizações verticais. De acordo com a hipótese I, apresentada no capítulo metodológico neste trabalho, uma organização vertical é definida como um tipo de organização composta por agentes de níveis diferentes dentro de um sistema agroindustrial e que buscam cooperação através de ações coletivas para o benefício de todos ou parte de seus membros. Nassar (2001) descreve que as relações sistêmicas entre os diferentes tipos de indústrias determinarão o surgimento de ações para prover bens coletivos que as tornem mais eficientes e elevem o grau de competitividade do sistema como um todo. Essas organizações, pouco comuns no Brasil, já estão bem estruturadas em diversos países e são responsáveis pelo desenvolvimento de ações que beneficiem todo o setor. Exemplos dessas organizações podem ser encontrados em diversos sistemas produtivos do agronegócio, como a Dairy Australia, IDFA (International Dairy Foods Association), Beef, entre outras. 4.3. Resultados Como resultados deste estudo são apresentados um benchmarking internacional e um nacional realizados com organizações de leite do agronegócio. Benchmarking internacional Neste tópico são apresentados dois casos de organizações verticais de leite estruturadas que depois de estruturadas em seus países puderam elaborar ações estratégicas que aumentaram a competitividade do sistema produtivo como um todo. 68 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo International Dairy Food Association (IDFA) e Dairy Management Inc. A IDFA e a Dairy Management Inc. são duas organizações responsáveis pelas ações de promoção e coordenação do SAG do leite nos Estados Unidos. Apesar de representarem setores distintos, atuam de forma coordenada obtendo assim resultados que ajudam na melhoria da competitividade do SAG de forma geral. A IDFA é uma a organização que representa a indústria de leite nos Estados Unidos e no cenário internacional, sendo hoje representante do setor para a formação de políticas em favor do sistema produtivo do leite nos Estados Unidos e nos locais onde atua. A IDFA é composta pela união de outras três organizações do setor lácteo nos Estados Unidos e Canadá: • Milk Industry Foudation (MIF): Constituída por 105 empresas entre processadores, distribuidores e vendedores. É responsável por 85% das vendas de leite fluído, iogurtes, queijos, sobremesas entre outros. • National Cheese Institute (NCI): Com 70 membros entre processadores e distribuidores, é responsável por 80% do queijo produzido no mercado norte americano. • International Ice-Cream Association (IICA): A associação é composta por 75 membros entre indústria e distribuidores de sorvetes e derivados representando 85% do mercado norte americano. Os participantes destas organizações são desde as grandes empresas multinacionais até as pequenas empresas com pequeno volume de leite comercializado que representam no total 85% do volume de leite e derivados, produzidos nos Estados Unidos, estimando um mercado anual de 70 bilhões de dólares. Em relação à estrutura organizacional, a diretoria da IDFA é composta por sete membros sendo: 1 representante da Milk Industry Foundation; 1 representante do National Cheese Institute; 1 representante da International Ice-Cream Association; 3 membros classificados como ouro e 1 membro do comitê consultivo. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 69 Essa diretoria é responsável por toda a administração geral da entidade. A IDFA possui cinco comitês que cuidam de assuntos específicos: Comércio Exterior; Legislativo e Fiscal; Ambiente e Segurança no Trabalho; Worldwide Food Expo e Canais de Distribuição. Além disso, ocasionalmente, caso haja a necessidade, uma forçatarefa é formada para cuidar de algo que seja importante momentaneamente à entidade. Atualmente, existe uma força-tarefa para discutir assuntos relativos à biossegurança nos alimentos. A estrutura organizacional pode ser encontrada na figura abaixo. Figura 4.1: Estrutura organizacional da IDFA IDFA Diretoria Força-tarefa Biossegurança MilkPEP Comitês Legislativo e Fiscal Segurança no Trabalho Canais de Distribuição Comércio Exterior Worldwide Food Expo Fonte: Elaborado a partir de informações do site do IDFA (2006). Os membros da organização podem ser classificados em quatro tipos e os benefícios variam em função da carga publicitária que cada tipo poderá utilizar em eventos como a Worldwide Food Expo, bem como na participação em revistas e entre outros meios de circulação, além de total acesso aos diretores da entidade, estudos sobre toda indústria láctea, feitos pela IDFA, aos serviços de consultoria e posições privilegiadas na consulta feita por clientes sobre empresas de cujos serviços eles necessitam. 70 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Quadro 4.1: Tipos de membros filiados a IDFA Membros Afiliados Processadores, distribuidores, publicitários e empresas que trabalham com licenciamento Membros Sócios de Negócios Fornecedores de todo o SAG: insumos, equipamentos, serviços, dentre outros Membros Sócios de Negócios Ouro Empresas também fornecedora para o SAG, mas que já são, ou almejam se tornarem líderes do mercado Membros Internacionais Processadores, distribuidores, publicitários e empresas que trabalham com licenciamento e que possuem origem fora dos Estados Unidos, Canadá e México Fonte: elaborado a partir de informações do site do IDFA (2006). A organização tem como principais objetivos facilitar o crescimento da indústria de leite por meio de: • fornecimento de liderança estratégica aos associados, clientes e o governo; • liderança e coordenação de marketing e comunicação; • liderança e coordenação da eliminação de barreiras comerciais para a entrada de produtos americanos; • promoção de serviços pró-ativos e efetivos na lei, regulamentação técnica e na área educacional; • eliminação das regulamentações desnecessárias que atrapalham as vendas dos membros; • redução da intervenção do governo no comércio. Como uma das principais ações da IDFA, tem-se o programa de educação do MilkPEP (The Milk Processor Education Program) que surgiu a partir do Programa Nacional de Promoção do Leite Fluído, resultado de uma lei aprovada no congresso Americano, em 1990, que autoriza a indústria americana de leite a desenvolver e financiar programas de comunicação, com o objetivo da expansão do mercado de leite fluído nos Estados Unidos. Nesta lei, o secretário de agricultura dos Estados Unidos delegou que a promoção e pesquisa SAG do leite americano são de responsabilidade e supervisão do MilkPEP que é administrado por contrato pela Milk Industry Foundation (MIF), organização vinPlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 71 culada a International Dairy Foods Association (IDFA). O financiamento das campanhas ocorre via IDFA, que em sua fase inicial cobrava uma taxa de US$ 0,20 para cada hundredweight (45,3 kg) de todo leite comercializado pela National´s Fluid Milk Processors, organização composta pelas indústrias do leite. Vale ressaltar que a lei determina que fiquem isentos do pagamento desta taxa, os processadores de leite que comercializam 3.000.000 pounds (1363 toneladas) ou menos de leite. Durante a primeira fase do projeto, com um ano e meio de duração, o MilkPEP obteve um orçamento de 55 milhões de dólares para suas campanhas que obtiveram sucesso em todo os Estados Unidos. Com o sucesso da primeira fase, iniciou-se uma segunda fase, com duração de três anos com o dobro de orçamento: 110 milhões de dólares. A segunda fase foi nomeada de Strategic Thinking Initiative (Estratégia de pensamento estratégico) que teve suas ações voltadas principalmente para canais de distribuição, além do foco em embalagens e variedades de produtos. Paralelamente, a Dairy Management Inc. (DMI), organização dos produtores de leite americano, lançou a campanha “Got Milk?”, com objetivo similar a da MilkPEP que é o de aumentar o consumo de leite. O sucesso das duas campanhas publicitárias fez com que em 1994, no último ano da segunda fase do projeto lançado pela National´s Fluid Milk Processor, as duas organizações juntassem o montante de capital das duas campanhas e ambas passaram a ser administradas pela IDFA. Após o segundo ano desse trabalho unificado, num referendo, decidiu-se continuar com as duas campanhas. No entanto, agora o dinheiro de cada uma está sendo administrado em contas separadas e auditorias também não vinculadas a cada organização. Porém, com uma administração estratégica feita em conjunto, conta-se com um orçamento de 100 milhões de dólares, oriundos da IDFA e 80 milhões de dólares dos produtores via DMI. 72 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Federação Nacional Gremial de Produtores de Leite do Chile A Federação Nacional Gremial dos Produtores de leite do Chile – Fedeleche –, foi fundada em 20 de março de 1998, ante a crescente agitação dos produtores para a criação de uma organização moderna e representativa, com objetivos específicos nesse campo, uma vez que as organizações tradicionais não satisfaziam essas exigências, pelo menos no nível dos produtores de leite. Os objetivos da organização são desenvolver, fomentar e proteger a produção de leite no Chile, por meio da promoção e desenvolvimento de ações destinadas a melhorar a eficiência e o rendimento dos produtores e obter sua participação organizada na definição das políticas que regulam suas atividades. A Fedeleche é uma entidade nacional composta a partir de 8 organizações regionais que representam 80% do volume de leite do país. Essas organizações combinaram seus esforços para criarem uma organização de caráter nacional e que representa o interesse de todos os “homens do leite” do país. Nos últimos anos, o salto qualitativo e produtivo ocorrido no Chile na produção de leite, se deu com o início da organização. Ela representa os produtores de leite no país, tanto perante a indústria quanto perante o governo. A estrutura organizacional da federação é constituída por uma diretoria composta por: um presidente, um 1º vice-presidente e um 2º vice-presidente, tesoureiro, secretário e quatro diretores. Esses são os responsáveis por toda a administração estratégica da organização conforme pode ser observado na figura 4.3. Nesse objetivo, a diretoria conta com o suporte da gerência de apoio que é um grupo formado para sustentar a administração da entidade. A organização conta também com dois departamentos: o departamento técnico, responsável pelo monitoramento e análise do comportamento do setor leiteiro no mercado nacional e internacional e um departamento de comunicação que possui a função de executar as ações de difusão e promoção de qualquer grêmio da federação no âmbito interno e externo. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 73 Figura 4.2: Estrutura organizacional da Fedeleche Presidente 1º Vice - presidente Tesoureiro Gerência de Apoio 2º Vice - presidente Secretário 4 Diretores Departamento Técnico Departamento de Comunicação Fonte: elaborado a partir de informações do site Fedeleche (2006) As linhas de atuação da Fedeleche no Chile podem ser encontradas no quadro abaixo. Quadro 4.2: Linhas de ação da Fedeleche Linha de ação Objetivos e ações Promoção do consumo Através da Sociedade Promotora de Produtos Lácteos (Promolac) – projeto conjunto com a indústria láctea e o governo Relação com a indústria Solucionar conflitos Subsídios internacionais Monitoramento de subsídios em outros países, principalmente EUA e na Europa Transparência de mercado Processo para resolução de distorções que existem Normas de pagamento Acompanhamento dos pagamentos realizados nas diferentes empresas processadoras, com o objetivo de fazer com que cada produtor saiba quanto está pagando e quanto estão pagando outras empresas pelo leite Fonte: Fedeleche (2006). A organização utiliza como forma de financiamento uma contribuição voluntária dos produtores associados às 8 organizações locais chamadas de Aproleche, que se distribuem através do país e que juntas formam a Federación Nacional de Productores de Leche (Fedeleche). O produtor que participa do sistema, contribui com $0,20 por cada litro do leite vendido. Essa contribuição é coletada através das indústrias e repassado a cada Aproleche. Cada Aproleche faz um 74 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo repasse mensal a Fedeleche, sendo que o valor deste repasse muda a cada ano, durante a assembléia anual da Fedeleche, que define a quantidade de pagamento mensal de cada associação à federação, conforme respectiva participação na produção total do país. Desta maneira, a Fedeleche estabelece um orçamento anual com base nessas quotas, sendo a única fonte de renda existente. Vale ressaltar que no Chile, por lei, não é possível forçar os produtores a serem associados dessas organizações, diferentemente dos Estados Unidos, onde a cobrança compulsória é permitida. Com base na determinação da Organização Mundial de Saúde de que o nível mínimo de consumo de leite recomendável é de 150 litros por habitante por ano, o Ministério da Saúde do Chile decretou que o nível mínimo deve ser de 234 litros no país. Dessa forma, desde sua criação, a Fedeleche estabeleceu como uma de suas ações prioritárias fazer com que a população aumente seu consumo de leite. Em um país de baixo consumo de leite, a Fedeleche assumiu que o mercado doméstico representava uma boa opção para se aumentar o mercado de leite. Ao lado do mercado interno, exportar passou a ser a segunda saída para um país que pode produzir além da sua necessidade. Para suprir essa carência, o Estado, através do Ministério da Agricultura, passou a financiar um terço da campanha “Yo Tomo”, criada para concretizar os objetivos da Federação de promoção do leite no país. As outras duas partes, uma vem dos aportes dos produtores, que participam voluntariamente, e a outra, das indústrias. No entanto, são os produtores que definem com quanto se deve contribuir a cada ano e o valor deles são subtraídos pela indústria na folha de pagamentos. No início da campanha, a contribuição dos produtores não passava de 30%. Hoje, cerca de 70% aceitam o desconto. Houve dificuldades para convencê-los sobre os benefícios da campanha, já que nunca se havia experimentado um projeto desse tipo. Com os resultados surgindo, a adesão foi crescendo a cada dia. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 75 Benchmarking nacional Este tópico tem como objetivo apresentar a estrutura de uma organização vertical para o sistema agroindustrial do leite no Brasil, denominada Láctea Brasil, que tem como escopo o desenvolvimento de ações de comunicação, visando ao aumento do consumo de leite e derivados no país. Láctea Brasil A LÁCTEA BRASIL – Associação para o Progresso do Agronegócio Lácteo é uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), que foi criada em 26 de Maio de 1.999, com a finalidade de desenvolver atividades para defender os interesses convergentes de todos os setores envolvidos no SAG do leite, visando ao fortalecimento, crescimento e expansão da pecuária leiteira profissional brasileira, bem como da promoção da segurança alimentar e nutricional do leite, perante a população. A organização nasceu da iniciativa de fornecedores de insumos e de produtores de leite ao observarem que o mercado lácteo brasileiro não correspondia ao potencial de consumo e vendas quando comparado a outros mercados similares, e que a estrutura do mesmo era mal desenvolvida e desprotegida de ferramentas para seu próprio crescimento. Foram realizados estudos econômicos sobre o agronegócio leiteiro para detectar que fatores levavam à presente situação, e o consenso entre os membros da Entidade trouxe algumas conclusões: • os brasileiros gastam proporcionalmente cada vez menos com alimentos e, dentro desta categoria, gastam relativamente menos com leite e lácteos e mais com outros alimentos; • o alimento leite (e seus derivados) não é devidamente valorizado pelo consumidor, e que iniciativas no sentido de valorizar o leite como alimento são escassas; • o mercado de leite apresenta possibilidades de crescimento substancial quando comparado com outras bebidas, mas ao mesmo tempo sofre a pressão crescente de outras bebidas, muitas vezes ocupando os espaços de maior rentabilidade; 76 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo • o consumo de derivados do leite, como iogurtes e queijos, é reduzido e a elasticidade-renda é cada vez menor, abrindo espaço para ações de marketing para aumento do consumo; • há desinformação por parte do consumidor, sendo exemplo disso a forte presença ainda do mercado informal de leite. A Láctea Brasil tem o objetivo de promover o aumento do consumo de leite e derivados, contribuindo assim com o desenvolvimento do setor em todas as suas vertentes, bem como a melhoria das condições nutricionais da população brasileira. Fazem parte da Láctea Brasil, desde empresas de insumo para a produção de leite até laticínios, passando por associações de gado leiteiro, entidade de classe, prefeituras etc. Há uma diretoria eleita a cada 2 anos, sendo um presidente, um diretor financeiro, um diretor de marketing e um superintendente executivo. Todos esses são voluntários e não são remunerados. A entidade mantém um contato direto com seus mantenedores, informando sobre suas ações através de relatórios mensais. Há uma funcionária contratada que executa as atividades discutidas e planejadas junto à diretoria. A Láctea Brasil, a partir deste ano (2007), mudou sua forma de contribuição que anteriormente era mantida por empresas privadas, que colaboravam com um valor mensal, baseado no seu faturamento para uma contribuição em que 1/4 de centavos por litro de leite industrializado será destinado à organização. Do valor arrecadado, 50% serão pagos pela indústria e 50% pagos pelo produtor. No entanto, no primeiro ano de contribuição, a indústria pagará 75% e o produtor 25% do valor destinado à organização. Apesar de este sistema ser bastante semelhante ao modelo americano da IDFA, no caso brasileiro, a cobrança não será compulsória, participando apenas produtores e industriais que quiserem aderir ao programa. Dessa forma, a Láctea Brasil busca arrecadar uma quantidade maior de recursos para suas ações, tendo em vista que no modelo antigo de contribuição mensal, os recursos eram tão poucos que limitavam as ações da organização. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 77 Além das ações institucionais e de divulgação dos benefícios dos lácteos à imprensa e interessados, a entidade colocou o marketing institucional como questão prioritária do setor. A partir de seus esforços, diversas iniciativas de marketing surgiram nos últimos tempos. Essas iniciativas ou foram realizadas mediante isenção fiscal por parte de governos (como é o caso de Goiás), ou por entidades setoriais, como é o caso da ABLV (Associação Brasileira de Leite Longa Vida). O principal problema enfrentado hoje pela Láctea Brasil está relacionado à falta de recursos da organização para desempenhar as suas ações. 4.4. Próximos passos Estruturação de uma organização vertical para o SAG Leite no Estado de São Paulo Como foi visto, o embasamento teórico obtido através dos estudos sobre teoria das organizações e sobre a gestão estratégica de Sistemas Agroindustriais, presente no capítulo 2 e principalmente através dos resultados dos casos apresentados das organizações verticais, localizadas no Brasil e no exterior, servirão de base para a estruturação de uma organização vertical do leite no Estado de São Paulo. Estrutura organizacional Uma organização vertical é composta por agentes de níveis diferentes dentro de um mesmo sistema agroindustrial, que busca cooperação através de ações coletivas para o benefício de todos ou parte de seus membros. Dessa forma, a organização aqui proposta para o Estado de São Paulo seria a responsável pela representatividade dos interesses de seus membros perante a sociedade e Estado, além de desenvolver ações que promovam o aumento de sua competitividade. Essas ações estariam relacionadas a: • promoção do consumo de lácteos no Estado; 78 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo • aumento da competitividade de produtores e indústria; • coleta, análises e disseminação de informações do setor; • padronização de normas e contratos em relação à produção, industrialização e comercialização de leite; • resolução de conflitos; • apoio a pesquisas e inovações e desenvolvimento de novos canais e mercados. Para que estes objetivos sejam atendidos, a estrutura proposta a seguir envolve diretamente representantes de organizações horizontais do SAG Leite paulista (Insumos, produção, indústria, distribuição e consumidor final) para participarem da organização formando o conselho executivo. O conselho executivo tem como responsabilidade realizar reuniões mensais com os demais integrantes do conselho para: discutir e aprovar propostas apresentadas; fiscalizar e aprovar orçamento e prestação de contas da organização, além de cooperarem com o pró-desenvolvimento do SAG do leite em São Paulo. A formação de um conselho formado por representantes de organizações horizontais tem função semelhante às diretorias encontradas nos casos estudados em organizações no Brasil e no exterior. Além dos representantes dessas organizações horizontais paulistas, representantes da secretaria da agricultura, presidentes de diretórios regionais e de representantes de universidades e instituições de pesquisa, também compõem o conselho executivo proposto. Recomenda-se que o representante do governo seja o secretário da agricultura, o presidente da câmara setorial ou seu secretário, de forma a trazerem a visão do governo sobre as discussões realizadas. Os diretórios regionais assim como ocorre nos casos das organizações de leite no Chile e Café da Colômbia, têm como objetivo criar fóruns de discussões locais para que as necessidades prioritárias sejam repassadas à organização vertical estadual. Justifica-se a criação desses diretórios, pelo fato da produção de leite ser muito diversificada nas mais diferentes regiões do Estado de São Paulo, sendo necessárias a discussão e a elaboração de estratégias espePlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 79 cíficas para cada localidade, visando à maior eficiência das ações estratégicas realizadas pela organização. Para o Estado de São Paulo, sugere-se a criação de 14 diretórios regionais, pois como foi identificado no mapeamento e quantificação do SAG do leite no Brasil, o Estado está dividido em 14 bacias leiteiras que possuem características distintas. A figura 4.3 a seguir apresenta os diretórios. Figura 4.3: Diretórios Regionais Os 14 Diretórios Regionais Araçatuba Barretos Bauru Campinas Franca Marília Presidente Prudente Registro Ribeirão Preto São Carlos São José do Rio Preto São José dos Campos Sorocaba Vale do Paranapanema Fonte: elaborado pelo autor com base em informações IEA (2006). É função destes diretórios regionais convocarem reuniões junto a produtores de leite da região para que possam ser discutidos problemas que afetam a competitividade do leite, bem como sugerirem ações para melhorias. Nas reuniões realizadas por esses diretórios regionais, seus representantes, depois de escolhidos, têm como função participarem da reunião de conselho da organização vertical, bem como organizarem as reuniões do diretório regional. Sugere-se a realização destas reuniões nos sindicatos rurais, casas da agricultura ou escritórios do SEBRAE e que técnicos locais destas instituições também façam parte das reuniões. A presença de prefeitos, vereadores e outras lideranças nestas reuniões também pode ser útil nas discussões. Abaixo do conselho executivo na estrutura organizacional, encontra-se um diretor executivo com um assistente. Não é recomendável que este seja um representante da indústria ou dos produtores, tendo em vista que esta pessoa tem que ser neutra nas 80 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo suas atividades. Sugere-se então que um executivo seja contratado para desempenhar as seguintes funções: Convocar reuniões com o conselho executivo; fazer o controle do orçamento da organização; gerenciar equipes de comitês; ser o representante da organização, junto ao Estado e à sociedade. Este diretor executivo deve ser um profissional que dedicará 100% do seu tempo para a gestão da organização vertical e deverá receber um salário proporcional à função. Sugere-se para esta organização vertical paulista, a criação de 5 comitês que têm como objetivo implementarem as ações propostas para melhorias no SAG do leite no Estado e que foram priorizadas no capítulo 4, durante o workshop do mapeamento e quantificação do SAG Leite no Brasil. A estrutura formada por comitês de trabalhos foi analisada nos casos de organizações internacionais, principalmente na Dairy Australia, onde essa estrutura se mostrou eficiente e flexível. A flexibilidade deve-se ao fato de que outros comitês podem ser criados temporariamente apenas para discussão de determinados assuntos e depois, poderão ser extintos. A estrutura completa da organização vertical pode ser vista na figura 4.7. Os 5 comitês sugeridos para a organização vertical do SAG leite paulista encontram-se no quadro abaixo. Quadro 4.3: Funções dos comitês sugeridos para a estruturação da organização vertical do leite paulista Nome Responsabilidade Coordenação Este comitê será responsável pela coordenação do SAG. Deve ser um comitê com boa articulação no setor. Este comitê será o responsável por controlar os recursos, realizar ações de lobby, gerenciar conflitos, normalização do setor e fiscalização. Este comitê deverá ser responsável por realizar pesquisas sobre novos produtos e propriedades do leite. Este deve ter um contato próximo às indústrias e universidades Pesquisa e acompanhando as pesquisas realizadas, bem como destinando recursos para Desenvolvimento financiamento de pesquisas de interesses do setor. Este comitê também deve estar atento às inovações realizadas em outros países fazendo um benchmarking dos produtos e tecnologias aplicáveis no país. CinLeite Este comitê é responsável pela reunião das informações disponíveis SAG do leite que são importantes para que o setor possa tomar decisões. Estas informações estariam disponíveis através de um informativo e/ou site na Internet com acesso restrito ou aberto dependendo da decisão da organização. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 81 Comunicação O departamento de comunicação será responsável por promover e defender o SAG do Leite no Estado de São Paulo. Suas ações não devem ser concorrentes com as da Láctea Brasil que já é uma organização responsável pela comunicação no Brasil, e sim abordar apenas tópicos relativos à comunicação local. Logística Este comitê seria responsável pelo controle e distribuição do leite no Estado de São Paulo, avaliando também potenciais mercados a ser explorado bem como novos canais. Também realizaria uma análise de potenciais mercados no exterior que poderiam ser atingidos. Capacitação Identificar e realizar capacitação junto ao setor de insumos, produção, indústria e distribuição perante as novas tecnologias de forma a melhorar a qualidade do produto, redução de custos e conseqüentemente o aumento da competitividade do setor. Fonte: elaborado pelo autores. Figura 4.4: Estrutura da organização proposta para o Estado de São Paulo Conselho Diretor Executivo Coordenação P&D CinLeite Comunicação Distribuição Capacitação Fonte: elaborado pelos autores. Membros Os membros dessa organização são desde organizações representativas dos setores de insumos, produção, indústria e distribuição até agentes individuais pertencentes ao sistema agroindustrial. Apesar de todos os agentes do sistema produtivo paulista serem integrantes indiretos da organização, pois de forma indireta todos receberão os benefícios de algumas ações da organização (OLSON, 1999), alguns tipos de sócios, de acordo com a proposta aqui desenvolvida, poderão ter benefícios extras de acordo com a categoria na qual estão enquadrados. 82 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Sugere-se, dessa forma, que os membros possam ser classificados em duas categorias: • Membros contribuintes: Estes membros têm acesso a todas as informações disponíveis na organização, como relatórios, base de dados, publicações, prioridade na alocação de lugares dos eventos da organização, benefícios nas ações realizadas pela organização, além de poderem participar das discussões nas reuniões do conselho executivo. • Membros afiliados: São os demais membros da organização, que terão acesso a algumas informações e ações realizadas a todos os membros do sistema. Mecanismos de financiamento Um dos principais tópicos desta proposta é o mecanismo de financiamento desta organização. Estudando diversos modelos aplicados em outros países, vimos que a cobrança compulsória paga por todos os integrantes do sistema produtivo é uma das opções mais utilizadas. No entanto, no Brasil, a legislação impede a cobrança compulsória de qualquer taxa do produtor. Como forma de financiamento, sugere-se que o governo do Estado destine recursos hoje aplicados ao SAG do leite para esta organização. Este financiamento seria semelhante ao Fundo da Pesca, Lei nº 7.964 de 16 de julho de 1992, que tem por objetivo prestar apoio financeiro aos agricultores, pecuaristas e pescadores artesanais, em programas e projetos do interesse da economia estadual. Além do recurso recebido pelo governo, e de forma a viabilizar demais ações para o SAG, sugerimos a contribuição dos agentes do sistema produtiva. Como formas de incentivo, estes receberiam benefícios que não seriam destinados a todos os membros da organização. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 83 Etapas para a estruturação da organização vertical do SAG Leite no Estado de São Paulo Para a implementação desta organização no Estado de São Paulo, sugere-se que as ações sejam implementadas em três fases: Fase 1 – Estruturação da proposta da organização e implementação dos projetos estratégicos Como primeira fase para a implementação desta organização, sugere-se que a câmara setorial do leite do Estado de São Paulo coloque na pauta de sua reunião a importância da organização e proponha a criação de um comitê inicial para discutir as ações de implementação sugeridas pela organização. Este comitê, posteriormente, poderá ou não formar o conselho executivo da organização, juntamente com outros membros. Formado o grupo sob liderança da câmara setorial, este ficará responsável pela contratação de um gestor, bem como pela obtenção dos recursos iniciais necessários ao seu trabalho. Sugerese que este financiamento ocorra por alguma organização como SEBRAE-SP, SENAR/SP ou SESCOOP/SP, e de início utilize a sede da secretaria da agricultura como local base de trabalho. No orçamento a ser elaborado pelo grupo formado, devem constar o custo de viagens, hora/técnica, materiais e outros para os trabalhos do diretor executivo, durante o primeiro ano da organização. Contratado o diretor, este ficará responsável por fazer “lobby” perante as demais organizações do SAG paulista e políticos para adentrarem e apoiarem a idéia da organização vertical. Este deverá fazer o contato nos primeiros três meses, através de visitas e ligações para apresentação do projeto. Depois de definidas as organizações horizontais que irão fazer parte da organização vertical, fica sob responsabilidade do diretor executivo convocar reuniões com esses membros e elaborar uma proposta de lei para reconhecer a organização vertical do SAG do leite paulista como uma organização que represente o interesse de todos. 84 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Para o financiamento desta organização, recomenda-se a criação de um fundo de fomento semelhante ao Fundo do Leite e da Pesca. Neste período, caberá também ao diretor executivo a elaboração do estatuto da organização detalhando o seu escopo e beneficiários. Para elaboração do projeto de lei, a participação e compromisso dos membros das organizações horizontais são fundamentais para o sucesso da implementação da organização. No estatuto também deve ser definido como ocorrerão às trocas de membros do conselho e outros assuntos relativos à governança da organização. Fase 2 – Legalização da organização Depois de estruturada a proposta de lei para legalizar a organização, o diretor executivo deve apresentar a proposta à câmara dos deputados. É de extrema importância que esta solicitação tenha cartas de apoio de todas as organizações e da câmara setorial do leite no Estado de São Paulo. Esta é uma fase na qual o diretor executivo deve ter boa articulação na câmara dos deputados estaduais, de forma a conseguir a aprovação desta proposta. Aprovada esta proposta, a próxima etapa seria a da estruturação da organização propriamente dita. Fase 3 – Estruturação da organização Como ação para se estruturar a organização vertical, caberá ao diretor executivo cuidar das disposições legais para funcionamento da mesma. Neste momento, os recursos destinados à organização pelo governo Estadual devem financiá-la. As organizações que financiavam o diretor executivo na fase 1 e 2 deixariam de contribuir. No entanto, poderiam ser parceiras desta organização na elaboração de ações estratégicas de interesse mútuo. Neste momento, cabe ao diretor executivo constituir uma sede para a organização. Sugerimos que esta seja implementada na cidade de São Paulo por facilidades de locomoção das principais lidePlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 85 ranças do setor. O custo de constituição desta sede deve vir do fundo estadual com apoio de organizações parceiras da organização. Estruturada a organização física, o diretor executivo começa a montar, juntamente com o conselho executivo, os integrantes de cada comitê (coordenação, comunicação, informação etc.). A definição de cada comitê deve ser estruturada de acordo com as demandas. Esta é uma decisão a ser tomada pelo diretor executivo, juntamente com o conselho, embora acreditemos que os comitês de coordenação, centro de inteligência e capacitação devam ser estruturados prioritariamente, de forma a melhorar a coordenação do sistema agroindustrial e sua competitividade. Conforme os comitês forem estruturados e crescer a demanda por atividades, a organização poderá pensar na contratação de uma equipe específica para trabalhar nas atividades. Nesta etapa, como forma de arrecadação de novos recursos, a organização deve trabalhar com arrecadação os com agentes do sistema. Eles, como forma de incentivo, obteriam determinados benefícios a serem definidos. O diretor ficaria responsável, nesta fase, por buscar esses recursos. Paralelamente à criação dos comitês gestores, o diretor executivo deve estruturar e articular os diretórios regionais em cada região produtora do Estado e convocá-los para a reunião do conselho executivo. Estruturada a organização vertical, deve ser realizado para o setor um novo planejamento estratégico, para o setor deve ser realizado como forma de elaborar novos projetos para o desenvolvimento contínuo do sistema agroindustrial. 86 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 5. CENTRO DE INTELIGÊNCIA DO SISTEMA AGROINDUSTRIAL DO LEITE8 Everton Molina Campos9 e Marcos Fava Neves10 5.1. Introdução, objetivos e metodologia O interesse no entendimento do sistema produtiva, a partir de uma abordagem sistêmica, tem aumentado significativamente nos últimos anos, tanto por parte de pesquisadores, quanto de executivos do mercado. Vários aspectos explicam o crescente interesse nesta área, entre eles, a importância da integração de sistemas produtivos, seja para aumentar a eficiência ou para minimizar conflitos. Vários estudos sobre coordenação de sistemas, custos de transação, relacionamentos formais e informais, sistema de suprimentos, canais de distribuição, entre outros, têm sido amplamente discutidos em congressos acadêmicos com o objetivo de se compreenderem melhor os sistemas agroindustriais e desenvolver estratégias que visem à melhoria dos setores como um todo. Em todos os casos, o uso da informação é colocado como uma ferramenta de extrema importância para a compreensão desses sistemas e de seus agentes; por isso, a implantação de um sistema de inteligência de marketing ou de informações em um sistema produtiva é considerado fundamental para o aumento de sua competitividade. Um sistema de informações de marketing é constituído de pessoas, equipamentos e procedimentos para reunir, analisar, avaliar e distribuir informações necessárias, oportunas e precisas para os tomadores decisão. Aqui, o sistema produtiva deve desenvolver sistemas avançados de registros internos, baseados em computador para possibilitar informações mais rápidas e abrangentes. Os autores agradecem as inestimáveis contribuições de Mariana Arieta de Oliveira na elaboração deste texto. Pesquisador da Price Waterhouse Coopers. Mestre em Administração pela FEA/USP Ribeirão Preto. 10 Professor de Planejamento, Estratégia e Marketing da FEA-USP Ribeirão Preto. Coordenador do PENSA e do Markestrat. 8 9 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 87 Já um sistema de inteligência de marketing é um conjunto de procedimentos e fontes usadas por administradores para obterem informações diárias sobre o desenvolvimento pertinente a seus ambientes de marketing. Neste caso, deve se ter uma força bem treinada de vendas , fontes de dados compradas de empresas de pesquisa externa e um departamento de inteligência para melhorar a disponibilização de informações para o sistema. Além disso, para que um sistema possa focar suas atividades no consumidor, é necessário que ele utilize de forma coerente seu sistema de informação. Caso contrário, seus agentes poderão não utilizar todo o seu potencial. Neste sentido, percebe-se uma mudança nos padrões de ações unilaterais para ações bilaterais entre os agentes, permitindo que o sistema crie um novo relacionamento com o consumidor final. Pertencendo ao Projeto de Gestão Estratégica para o sistema do Leite no Estado de São Paulo 2010, a criação de um Centro de Inteligência é visto como de extrema importância para o desenvolvimento do setor, e, conseqüentemente, para o aumento de sua competitividade. Este se formaria através de uma base única de dados, que proporcionará uma difusão e compartilhamento das informações, possibilitando a promoção e transparência entre os diferentes elos do sistema, como fornecedores de insumos, produtores, indústria, distribuidores e facilitadores. Este compartilhamento da informação facilitaria o desenvolvimento de estratégias em conjunto para todo o sistema de leite paulista, evitando políticas que priorizem produtores ou indústrias, por exemplo. Tendo em vista o bem comum, este projeto é de interesse geral para todos os elos do sistema. 5.2. Teorias de apoio A figura 5.1 abaixo detalha um sistema de informações de marketing, com seus elementos e possíveis fluxos que, conforme os 88 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo agentes de um sistema produtiva, devem procurar desempenhar as atividades necessárias para desenvolver e utilizar um sistema de informação de marketing e terem em mente que esse sistema é constituído de pessoas, equipamentos e procedimentos que reúnem, selecionam, avaliam e distribuem informações necessárias, atuais e precisas pare que os profissionais envolvidos possam tomar decisões. Geralmente, os agentes desenvolvem sistemas avançados de registros internos, baseados em computador para possibilitarem informações mais rápidas e abrangentes. Figura 5.1: Sistema de Informação de Marketing Desenvolvendo a informação Gestores de Vendas e Marketing Identificação das necessidades de informação Registros internos Inteligência de marketing Análise Mercados-alvo Canais de Marketing Planejamento Implementação Organização Ambiente de Marketing Concorrentes Distribuindo a informação Distribuindo a informação Pesquisas de marketing Controle Públicos Forças do macroambiente Decisões de comunicações de marketing Fonte: Kotler (2000). Dessa forma, o sistema de inteligência de marketing é um conjunto de procedimentos e fontes usadas por gestores para se obterem informações diárias sobre os desenvolvimentos pertinentes a seus ambientes de marketing. Entretanto, não é um processo simples. É muito complexo, pois conhecer o consumidor e os agentes é a chave do sucesso de qualquer negócio. Neste sentido, é de grande importância entender que o agente está inserido neste sistema responsável, por compartilhar informações entre clientes e mercado e a empresa em que Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 89 atua. O compartilhamento de informações entre o sistema e seus agentes tem grande valia para o sucesso do setor como um todo. Isto, porque o compartilhamento das informações ajuda a construir uma rede de informações que pode funcionar como um radar que ajuda o agente a traçar uma trajetória bem sucedida. Por isso, destacamos que o agente deve ter ciência de que é peçachave dessa rede de informações que se são coletadas pelos agentes no dia-a-dia de trabalho, visitas/contato com clientes e no contato com o mercado (clientes, consumidores, concorrentes etc.), têm grande importância para o entendimento das necessidades dos clientes e do ambiente do sistema. Através delas, é possível para um agente e para a empresa aprimorarem as estratégias em relação aos seus produtos, serviços, preços, comunicações e segmentos de mercado atendidos. Muitas vezes, durante o processo de vendas, algumas das informações obtidas pelos agentes podem parecer pouco relevantes. Contudo, cada informação pode conter dados importantes para o sistema, assinalando mudanças nos comportamentos dos consumidores, nos clientes e no mercado. Neste sentido, agentes de alto desempenho que prezam pelo atendimento de qualidade, com produtos e serviços que satisfaçam as necessidades dos clientes, devem estar atentos a essas informações e, procurarem compartilhá-la de maneira positiva com outros agentes envolvidos no processo de vendas. Hoje, todos admitem que o compartilhamento de informações é essencial para o bom desenvolvimento dos negócios. As informações podem auxiliar os agentes a estenderem seu alcance a locais distantes, a oferecerem novos produtos e serviços, a reorganizarem fluxos de tarefas e de trabalho e, talvez, a transformarem radicalmente o modo como conduzem os negócios. Tipos de informações a serem compartilhadas A quantidade e qualidade de informações que os agentes encontram, processam e utilizam no dia-a-dia é muito variada. Tratare- 90 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo mos aqui das principais informações referentes ao composto de marketing que devem fazer parte do sistema de informação discutido no tópico anterior. Abaixo destacamos alguns exemplos de grupos de informações que podem ser coletadas e utilizadas pelos agentes durante o processo de vendas e seu respectivo compartilhamento com demais agentes envolvidos no processo. Informações sobre as Decisões de Marketing Dentre as informações que devem ser utilizadas pelos agentes e compartilhadas nos fluxos descritos na figura 5.1 estão aquelas diretamente relacionadas às decisões de marketing, conforme exemplificado no quadro abaixo (Quadro 5.1). Quadro 5.1: Exemplo de Informações sobre as Decisões de Marketing 1. Composto de Marketing 1.1. Produtos e Serviços: Atributos e benefícios importantes; Diferenciação do produto; Embalagem; Marca; Atributos (ex.: tamanho, cor, desempenho, design, qualidade etc.); Serviços de Pós-Venda (ex.: assistência técnica, instalação, linha direta com o consumidor); Alterações de produto; Confiabilidade e padrão dos serviços; Desempenho de vendas; Participação de Mercado; Imagem percebida em relação aos concorrentes; Ações para enfrentar a concorrência. 1.2. Comunicações de Marketing: Propaganda; Marketing Direto; Relações Públicas; Promoção de Vendas; Utilização de Internet e novas mídias; Relacionamento com fornecedores; Planejamento e lançamento de campanha/novos produtos e serviços; Imagem da marca: Imagem corporativa. 1.3. Distribuição e Logística: Tipos e quantidade de intermediários; Novas formas de distribuição (Canais); Cobertura na distribuição; Distribuição física (ex.: armazéns e depósitos, níveis de estoque, frotas, logística); Atuação e atividades de vendedores; Utilização de representantes. 1.4. Preços: Estabelecimento de preço; Elasticidade do preço em relação à demanda; Elevação, manutenção ou redução de preços (concorrência); Política de descontos (ex.: em função de maior quantidade ou menor prazo); Prazo: Pagamento em função do porte e tipo de cliente: Importância relativa do preço em função das outras variáveis de Marketing. Fonte: Cônsoli, Castro, Neves (2007). Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 91 Informações para Análise Estratégica do Negócio Outro conjunto de informações extremamente útil e que deve ser inserido no sistema de informações do sistema e compartilhado entre os agentes refere-se às informações básicas para o entendimento do negócio e análise estratégica do setor. Essas informações, se corretamente coletadas e avaliadas, fornecem um subsídio para avaliação, oportunidades, definição de estratégias e decisões importantes. Geralmente, podem ser agrupadas em informações sobre as forças da empresa/negócio, suas fraquezas, as ameaças de mercado, concorrência, oportunidades e cenário de mercado. Os quadros abaixo (5.2 e 5.3) exemplificam um conjunto dessas informações. Quadro 5.2: Exemplo de Informações para Análise da Situação 1. Análise de Demanda 1.1. Comportamento, necessidade e características do consumidor/cliente: Quem é; O que compra; Razões de Compra; Razões de Não-Compra; Quem inicia a compra; Quem influencia; Quem decide; Quem compra e quem usa; Onde compra; Como compra; Quando compra; Quanto compra; Como usa; Problemas do Uso; Quais necessidades estão sendo satisfeitas; Quais necessidades não estão sendo satisfeitas. 1.2. Características do Mercado: Tamanho do Mercado; Potencial do Mercado; Evolução do Mercado; Segmentação do Mercado; Demanda por segmentação; Diferenças regionais; Surgimento e crescimento de novos Mercados; Previsão dos padrões futuros do Mercado. 2. Análise da Concorrência 2.1. Quem são os concorrentes: Concorrência da Empresa; Concorrência do produto (produto x produto); Concorrência do serviço (serviço x serviço); Concorrência cruzada (produto x serviço); Concorrência de necessidade (produtos/ serviços diferentes atendem a mesma necessidade). 92 2.2. Características dos concorrentes: Porte/tamanho; Participação no Mercado; Resultados; Programas de Marketing; Investimentos programados; Estilo de Administração; Nível de Agressividade; Principais pontos fortes de Marketing; Principais pontos fracos de Marketing; Ambiente futuro. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 3. Análise do Ambiente 3.1. Externo (Macroambiente): Condições da economia; Legislação; Tecnologia; Demografia; Ecologia (Ambiente Natural); Política; Cultura. 3.2. Interno (Empresa): Recursos e capacitação de Marketing; Recursos e capacitação de Produção; Recursos e capacitação de Finanças; Recursos e capacitação de Tecnologia e Informática; Recursos e capacitação de Recursos Humanos. Fonte: Cônsoli, Castro, Neves (2007). Quadro 5.3: Resumo da Análise do Ambiente e Situação da Empresa Forças Ex: custo-benefício das produtos/serviços do sistema, imagem da marca e da empresa no mercado. Fraquezas Ex: marca pouco conhecida no segmento X, necessidade de embalagens diferenciadas, falta de padronização nos serviços. Oportunidades Ex: aumento da demanda no segmento Y, redução de barreiras no mercado Z. Ameaças Ex: queda no preço ou ações da concorrência. Fonte: Cônsoli, Castro, Neves (2007). De posse dessas informações, um sistema poderá melhor utilizar seus recursos e elaborar melhores suas estratégias para aumentar sua competitividade no mercado nacional e posteriormente num mercado internacional a ser explorado. Como metodologia para implantação deste projeto, o primeiro passo foi um estudo junto a outros centros de inteligência no Brasil e exterior. Este estudo foi realizado para conhecer principalmente quais informações são utilizadas por estes centros, como são recolhidas, analisadas e divulgadas, quem tem acesso a essas informações e se são cobradas. Também foram realizadas reuniões com um comitê gestor definido no começo do projeto, que contribuíram para elaboração das ações sugeridas na implementação do projeto. Três workshops também foram realizados, com a presença de aproximadamente 100 pessoas cada um, onde foram apresentadas as principais idéias levantadas e ações sugeridas. Nestas discussões foram levantados os principais problemas enfrentados pelo sistema produtiva no uso das informações, e como poderiam ser solucionados. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 93 5.3. Benchmarking de sistemas de informação de sistemas produtivas A seguir são apresentados os resultados dos casos de outros centros de inteligência encontrados no Brasil e no exterior que servirão de base para a estruturação de um sistema similar no Brasil. Dairy Australia A Dairy Australia é uma organização que trabalha pelo pró-desenvolvimento do sistema produtiva do leite na Austrália. Entre suas ações, está um Centro de Inteligência que disponibiliza diversas publicações sobre o setor e as dissemina para seus membros, todos os meses. Dente essas publicações, encontra-se um informativo anual que é um consolidado do sistema produtiva anterior, semelhante ao trabalho de Mapeamento e Quantificação do sistema do Leite no Brasil. O sistema de informação e tecnologia da Dairy Australia possui basicamente dois objetivos: desenvolver sistemas nas fazendas que capturem vantagens de determinados produtores, que ajudem a alcançar os objetivos da organização como um todo; e a adoção de uma tecnologia e um conhecimento em conjunto, utilizando sistemas integrados de gestão, no sentido de ao menos 50% dos produtoresproduzirem no mínimo 90% de sua capacidade de produção máxima. Esse sistema integrado de apoio à tomada de decisão, visa também, com uma única base de dados, a proporcionar uma direção de pesquisa em conjunto, objetivando realçar a performance dos produtores. Com essa base de dados única e o sistema integrado, a DA almeja determinar o potencial de crescimento da produção de produtores individuais, identificar limitações e determinar risco, desenhando um sistema de otimização da produtividade, usando um modelo único para todo o país, servindo também como uma consultoria para pequenos produtores, prospectando oportunidades e ameaças. 94 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Cabe ressaltar que o uso desta tecnologia tem como objetivo aumentar a produtividade da indústria em 4% ao ano. Entre as informações contidas neste informativo, temos dados sobre a indústria de laticínios, produção, mercado, consumo de leite e derivados, exportação e importação, estrutura das indústrias etc. Neste informativo, é descrita uma visão geral do setor no país, da sua posição e inserção global, das perspectivas mundiais para o setor, fatos que ocorrem e irão ocorrer, tais como políticas, acordos comerciais e leis, que são oportunidades para o setor. Além disso, no geral, é feita uma descrição da indústria de laticínios e a sua posição atual. As medidas-chave utilizadas para analisar a indústria de laticínios são: números sobre a produção total de leite, quantidade de vacas leiteiras no país, número de fazendas existentes, valor da produção nas fazendas, estimativa do valor adicionado, consumo per capita, valor das exportações e porcentagem da produção destinada às exportações. Informações sobre mudanças esperadas na produção de cada região são detalhadas, e é feita uma comparação dos preços australianos com os da Nova Zelândia, Estados Unidos, União Européia e Canadá. Informações sobre as fazendas também são disponibilizadas, como e por quem são operadas, números sobre a quantidade de fazendas de leite registradas, número de vacas leiteiras por região, média anual de produção de leite por vaca, preço médio pago por litro aos produtores de leite por região, juntamente com a evolução desses preços e uma comparação com a inflação e com o preço de mercado. Descreve-se também o desempenho financeiro do setor de laticínios, através de dados sobre a evolução do produto e do lucro gerados pelo setor, de informações sobre as tendências da evolução dos custos do setor, como mão-de-obra, juros, água e fertilizantes. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 95 Em relação à produção de leite, são detalhados e comparados os números da produção australiana e do número de vacas leiteiras. Através de gráficos, é demonstrada a sazonalidade da produção australiana, que é praticamente o dobro em outubro em relação a junho. A produção é, então, detalhada através dos números (milhões de litros) produzidos por região. Sobre a produção, também é detalhada por região a composição média de proteína e gordura no leite produzido. São feitas comparações do número de litros de leite produzidos para beber, do total produzido, além do detalhamento dessa informação por Estado. Existem gráficos bem detalhados que informam a produção e a sua sazonalidade por região. Em relação ao setor de processamento de leite, dá-se uma visão geral sobre que tipo de processamento leva cada fatia do leite produzido na Austrália, qual porcentagem produz queijo, manteiga, leite fluído etc. Em relação ao mercado de laticínios, são detalhadas informações sobre o consumo interno e as exportações australianas em litros, os números (em milhões de dólares) das exportações australianas por produto e para cada país de destino; além disso, é definida a participação do leite australiano no comércio mundial, número (em milhões de dólares) de exportações australianas por região de destino e por produto. Considerando-se o consumo, são detalhadas informações sobre o consumo per capita dos principais produtos laticínios. Sobre o leite fluído, existem dados sobre a quantidade de litros consumida por Estado, a quantidade de leite vendida por tipo de leite e as tendências de preço de mercado para diferentes tipos de leite. Em relação ao queijo, há dados sobre a produção australiana por tipo de queijo, e qual a porcentagem de cada queijo em relação ao total de queijo exportado. Sobre o mercado de manteiga, fala-se sobre a produção total, sobre a quantidade exportada. 96 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Há informações sobre os números de produtos frescos, como iogurte, sobremesas, sorvetes. O leite em pó também aparece nesse informativo e são disponibilizados dados sobre a produção australiana, e as exportações. Produtos como o soro de leite e a caseína também aparecem no informativo, com uma breve explicação de seus usos e informações sobre a sua produção e exportação. Por fim, existem dados sobre as importações de laticínios no país, separados por tipo de produtos e por região de origem. Estas informações são essenciais para o desenvolvimento do sistema produtiva australiana, pois fornece subsídios à tomada de decisão de todos os agentes do sistema. Além do informativo anual, essas informações são acompanhadas mensalmente, através de relatórios divulgados em sites e boletins informativos, disponibilizados a todo o sistema produtiva. Como na Dairy Australia, todos os membros do sistema são financiadores, através de lei federal e as informações obtidas são livremente acessadas por todos os membros da organização. Federação Nacional Gremial de Produtores de Leite do Chile A Fedeleche11 é uma organização vertical responsável pelo desenvolvimento do sistema produtiva do leite no país. O uso da informação é uma das questões mais complexas dentro das tarefas da Fedeleche por diversas razões: • Os produtores são muitos (aproximadamente 15 milhões) e dispersos geograficamente através do país; • Em geral os produtores dedicam-se somente ao produto e muito poucos a sabem o que acontece em relação ao negócio; • O acesso à Internet é muito limitado nos setores rurais e como a maioria dos produtores vive no campo, o aproveitamento desta tecnologia é muito limitado e restrito. 11 Maiores informações sobre a Fedeleche estão disponíveis no projeto de organizações verticais. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 97 Considerando estes fatores, a organização tenta aumentar a difusão da informação das seguintes maneiras: com seu site (www. fedeleche.cl) que recolhe as informações publicadas pela imprensa sobre o setor, sendo em média, atualizada 3 vezes por semana; com informações estatísticas que são coletadas de fontes oficiais e que são processadas em seu departamento de estudos; com informação institucional, em comunicados da imprensa e em publicações da campanha de promoção do consumo de leite, entre outras matérias. Embora estas publicações sejam dirigidas originalmente aos produtores de leite, são consultadas regularmente pelos meios de comunicação, assim como por entidades do governo e representantes de todo sistema lácteo. A Revista “Infoleche” fornece um relatório trimestral de cerca de quinze páginas, com um sumário de atividades realizadas no período e de fatos de interesse do setor. A fim de melhorar um ponto crítico do setor, em meados de 2006, foi iniciada a edição de um boletim mensal de somente duas páginas que é preparado com base na análise estatística do setor somada a alguma outra informação adicional da conjuntura, que seja importante. Adicionalmente, as associações existem. São as entidades regionais (APROLECHE) que imprimem os informativos, emitindo-os a seus associados. Este boletim gerou bons resultados, tendo a organização recebido vários agradecimentos do sistema, devido a esta disponibilidade e difusão das informações de interesse da rede. Outro mecanismo de difusão da informação e também de coleta são as assembléias locais: realizadas durante o ano, com o objetivo de aproximarem os líderes e dirigentes da organização aos associados. Adicionalmente, mantém-se uma relação permanente com meios de comunicação, a fim de que a difusão das informações alcance todos. 98 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Federação Nacional de Cafeicultores da Colômbia Em 1997, foi realizada pela FEDERACAFÉ12 uma pesquisa por todo o território colombiano para se ter conhecimento da situação das famílias cafeicultoras do país e em que estado se encontra a cafeicultura colombiana. Com base nos dados coletados, foi criado pela federação, um sistema de informação gerencial (SICA – Sistema de información Cafetera), que é uma importante ferramenta para a criação e a adoção de políticas que visam a aumentar a produtividade colombiana, assim como também, proporcionar melhores condições de vida para as famílias produtoras de café. Todos os dados coletados, como as condições e indicadores de bem-estar das famílias produtoras e as características de produção, são atualizadas constantemente em cada região produtora e se baseiam sobre duas óticas: coleta de dados numéricos, composta por dados de produção, propriedades e cultivos, e as óticas geográficas, compostas por dados cartográficos digitais, bases digitais de lotes produtores e atributos relacionados. National Ca�lemen’s Beef Association (EUA) Todas as informações sobre o mercado, estatísticas, análises econômicas e previsões, a NCBA13 coleta de fontes externas à associação. As duas fontes mais utilizadas são a “Ca�le-Fax” e “Livestock Marketing Information Center”. A primeira, fundada por produtores em 1968, possui como membros mais da metade dos criadores e produtores americanos de carne bovina. Possuindo um sistema integrado com todos estes membros, a entidade coleta as informações, analisa-as e as distribui entre seus respectivos membros, constituindo-se no maior acervo de dados privados sobre o mercado de gado americano. 12 13 Maiores informações sobre a FEDERACAFÉ, no projeto de organizações verticais. Organização vertical de carne dos Estados Unidos. Maiores informações no projeto de organizações verticais. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 99 A Livestock Marketing Information Center (LMIC) é uma entidade da qual fazem parte universidades, agências do departamento de agricultura dos Estados Unidos e associações representativas de classe. Possui também o objetivo de coletar dados e gerar análises sobre o mercado. O financiamento da organização é feito por pagamentos feitos pelos membros, sendo mais de 50%, oriundos das universidades. A disponibilidade sobre as análises e dados, além dos membros, também pode ser obtida por organizações que não fazem parte da LMIC, mediante o pagamento de uma taxa pela compra da informação. Florida Departament of Citrus (EUA) O departamento de economia e pesquisa de mercado da Florida Departament of Citrus (FDOC) é o responsável pela coleta, manuseio e distribuição das informações na entidade. Uma de suas fontes para coleta de informações é a ACNielsen que mensalmente fornece dados sobre o mercado de cítrus americano, contendo dados sobre vendas de frutas tanto em estado bruto, como também processadas, e no fim de cada ano, esses dados constam no relatório anual. Com base nesses dados, a FDOC fornece um relatório de dados chamado de “Consumo Demográfico”, contendo a quantidade de cítrus comercializada e consumida por regiões e por segmentos de mercado. Os indicadores econômicos e de mercado são publicados mensalmente pelo departamento, utilizando dados copilados externamente, gerando todas as oscilações dos preços de cítrus no período. Já os relatórios sobre as previsões do mercado, são publicados uma vez por ano, sempre no mês de Outubro, disponibilizando análises sobre o potencial econômico e o impacto de mercado das colheitas previstas para o futuro. Além da ACNielsen, uma outra fonte utilizada de informações é o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, que a cada dois anos publica um relatório sobre tudo o que aconteceu no mercado de cítrus do país no período. Este relatório também é utilizado para fazer previsões e prospectar oportunidades no mercado. 100 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo A organização também seguindo estes parâmetros, publica relatórios sobre exportações (contendo volume e destinos de produtos), vendas variadas e informações semanais sobre a indústria de cítrus da Flórida. Centro de Inteligência do Leite – CILeite (Minas Gerais) O Centro de Inteligência do Leite de Minas Gerais foi criado com o intuito de gerar, organizar e difundir informações e análises sobre todo o sistema do leite dentro do Estado. Fornece assim, bases para tomadas de decisões que afetem toda a rede e também para fortalecer as relações público-privado no sentido de prospecção de oportunidades e ameaças ao mercado e elaboração de planos integrados de gestão para todo o sistema. Sua operacionalização está a cargo de técnicos da Embrapa Gado de Leite e da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Estado de Minas Gerais. Seus esforços começam na coleta de informações que requer o envolvimento de membros de todo o sistema, como produtores, indústria e distribuidores, e com a renovação e atualização sistemática dos dados feitos por meios de interações com agentes locais. Os principais produtos do CILeite são: Home Page: um site na Internet que manterá atualizados os dados e as análises sobre o sistema, assim como artigos e notícias de interesse comum. Base de dados: propiciar o acesso fácil e rápido de dados referentes ao sistema, possibilitandoa análise de um conjunto de informações econômicas, técnicas e sociais, que permitiram a elaboração de indicadores de desempenho da atividade. Preços de Insumos: fornecer cotações de insumos relacionados à produção de leite nas diferentes regiões do Estado. Boletim “Panorama do Leite”: divulgado mensalmente, consta de uma visão da conjuntura atual do leite no Estado e de avaliações econômicas de tecnologias. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 101 Associação Brasileira de Inseminação Artificial – ASBIA A ASBIA, uma entidade sem fins lucrativos foi criada para congregar empresas que englobam todo o mercado de inseminação artificial agropecuária, integrando desde fornecedores e distribuidores de sêmen até produtores de equipamentos e materiais ligados ao manejo desse mercado. O recebimento das informações pelo sistema da organização é feito pelo envio de e-mails por parte dos associados e alguns nãoassociados.O restante dos não-associados envia informações impressas pelo MAPA (so�ware especial da entidade), que encaminha os dados para a ASBIA. A organização disponibiliza gratuitamente para as empresas não-associadas o programa de computador para o envio de seus dados de movimentação de sêmen. Este semestre, ocorrerão alterações no programa para que o mesmo gere os relatórios cobrados pelo MAPA. Assim, possuirá um relatório de movimentação de sêmen com informações mais precisas, como por exemplo, para quais Estados foram feitas as vendas. A ASBIA tenta o convencimento pela qualidade do relatório e pelo sigilo das informações, quando enviadas pelo programa, pois , recebem do MAPA as informações de cada empresa. A ASBIA faz um relatório de movimentação semestralmente. O do primeiro semestre é do conhecimento apenas dos associados. O geral do ano é inicialmente apresentado aos associados e à imprensa convidada, posteriormente é publicado em seu site. Quem informa as vendas por Estado, recebe o relatório por Estado; quem não informa vendas por Estado, só recebe o que é publicado e divulgado para a imprensaem números globais. Os associados utilizam o programa e os dados que são enviados por e-mail para o módulo auditor. A ASBIA possui contrato com uma empresa de auditoria que recebe as informações individuais e consolida-as em números globais. Desta forma, só a empresa que envia os dados e a auditoria sabem o conteúdo das informações. A organização dá atenção apenas ao resultado geral. Algumas empresas não- 102 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo associadas estão também utilizando o programa. Enviam por e-mail, em planilhas ou tabelas, e por fim, algumas só enviam, através de impresso para o MAPA , que as encaminha à organização. Lá, fazemse os lançamentos para somarem-se aos demais. Todos os associados e os não-associados devem enviar as informações ao MAPA uma vez por trimestre e para a ASBIA, uma vez por semestre. Sobre a formatação para o envio das informações, a organização sugere o uso do programa. Quem não o utiliza, repassa o mesmo relatório enviado ao MAPA ou o próprio MAPA os envia, não possuindo um padrão definido nestes casos. Cada um manda em uma formatação. Sobre os envios das informações, a ASBIA precisa cobrá-las insistentemente de todas as empresas, formando uma planilha de acompanhamento das remessas de dados, enviando e-mails e telefonando para cada uma delas, pedindo-lhes a previsão do envio, e quando não ocorre na data prevista, insistem por telefone. Há um grande esforço da ASBIA para conseguir as informações, cobrando semanalmente dos associados uma posição de envio, que funciona como pressão para quem não enviou, telefonando e passando e-mails para o MAPA de cada Estado, cobrando as informações pertinentes. Centro de Estudo Avançados em Economia Aplicada – CEPEA O CEPEA foi criado em 1982 pelos docentes do Departamento de Economia, Administração e Sociologia (DEAS) da Esalq. Tem o intuito de atender de forma mais eficaz as demandas por estudos, pesquisas e informações dentro das áreas da Economia, Administração e Ciências Sociais, geralmente apresentadas pela sociedade à Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, a unidade da USP, situada em Piracicaba. Em relação ao leite, o CEPEA possui o Boletim do Leite, que já tem doze anos de publicação. Este boletim informa, com a ajuda de parceiros dentro do sistema, vários dados relativos a todo seu sistema agroindustrial, propiciando uma visão geral do mercado do leite. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 103 Nesta publicação, são divulgados dados relativos à qualidade do leite, ao mercado de leite ao produtor, aos derivados e exportação, às pesquisas de preços, aos índices de captações, às análises internacionais e aos artigos da impressa de interesse comum. Além destes dados relativos apenas ao mercado do leite, no boletim, o CEPEA divulga índices de todo o sistema agroindustrial brasileiro como: preços de exportação, taxa efetiva de câmbio, atratividade das exportações e volumes exportados. CEPEA também criou o IPE-L, índice de preços de exportação de lácteos, no intuito de acompanhar a evolução dos preços de produtos lácteos brasileiros no mercado internacional. Para calcular este índice, a entidade coleta dados no sistema Aliceweb - Secex, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Para escolher os produtos que entraram para o cálculo do índice, o CEPEA toma como regra cada participação financeira individual em seu conjunto total que é exportado do respectivo grupo de produtos e em seguida, a participação financeira de cada grupo no total exportado. O Boletim do Leite é uma publicação mensal, distribuída gratuitamente pelo correio e divulgada na íntegra no site da entidade. Reuniões com comitê gestor Duas reuniões foram realizadas com os membros do comitê gestor deste projeto. Nestas reuniões, algumas considerações foram discutidas para se ter um bom andamento do projeto: • A dificuldade de se obter informação sobre o sistema de se confiar nos dados; • Apesar de muitas instituições realizarem pesquisas sobre leite, ainda falta uma que seja responsável pela centralização dos dados e disseminação para o sistema produtiva; • Falta também freqüência na coleta de informações. Neste sentido a presença de uma instituição que o faça irá auxiliar nas análises do mercado; • Foi discutido qual é o papel das organizações que realizam pesquisas e vendem as informações no CinLeite SP (Centro de Infor- 104 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo mações do sistema do Leite Paulista), tendo em vista que elas não têm interesse em fornecê-las gratuitamente e são contratadas por empresas para realizar as pesquisas. Com base nas discussões, concluiu-se que a melhor alternativa é que essas informações fossem adquiridas pela organização vertical a ser constituída pelo sistema e que fossem repassadas aos seus membros; • Uma alternativa é passar a responsabilidade, caso seja de interesse, para algum instituto de pesquisa privado, que seria remunerado para coletar e repassar as informações para o sistema do leite. • Todos os presentes acharam altamente necessária e viável a criação do CinLeite em São Paulo, tendo em vista a dificuldade de se obterem informações; • O grande problema do setor é captar recursos, já que o produtor, a cooperativa e a indústria não têm disposição de colaborar; • A troca de informação é facilitada quando se garante que não vai ser usada pelo concorrente. Sendo assim, o centro de informação deverá garantir esse sigilo e a ética na consolidação da informação. O site deverá ser aberto parcialmente ao público e vendidos os de maior valor; • A informática é limitada na área rural; • Esse centro de informação poderá ser subsidiado pelas empresas privadas; • Realização de um trabalho sério de conscientização com empresas fornecedoras de dados e informações. Definição dos papéis das instituições; • Banco de dados propriedades (bancos regionais para posterior centralização); • Tentativa de parceria com o CNA que já tem informações e a questão é apenas tomar conhecimento do que eles já fazem. O que é falho é a divulgação. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 105 5.4. Proposta de estruturação de um Centro de Inteligência para o sistema do Leite São Paulo (CinLeite) Premissas A seguir, será proposta a idéia da estruturação de um Centro de Inteligência para o sistema do Leite no Estado de São Paulo, que é o resultado de discussões, entrevistas e estudos de casos realizados junto a outros centros de inteligências do agronegócio. Com base nas discussões, o modelo a ser sugerido é o que melhor se enquadra na realidade brasileira e no sistema do leite no Estado de São Paulo. Como resultados almejados à criação deste Centro de Inteligência espera-se: • • • • • Acesso mais rápido às informações; Garantia de integridade e veracidade dos dados; Segurança de acesso; Informações de boa qualidade; Auxílio nas tomadas de decisões. Estruturado este centro de inteligência, espera-se que o sistema esteja munido de maiores informações para o seu desenvolvimento e aumento de competitividade. Desta forma, o CinLeite tem como objetivos os seguintes tópicos, relacionados abaixo: • Captar, organizar e gerar informações técnicas, econômicas, sociais, culturais e outras de interesse, através do acompanhamento de análises conjunturais sistemáticas, visando a subsidiar políticas e ações; • Prospectar oportunidades e ameaças para o desenvolvimento do setor, propondo ações pertinentes; • Desenvolver estudos e projetos sobre questões e temas considerados importantes para o desenvolvimento do setor; • Apoiar a formação e fortalecimento de equipes interessadas no estudo do leite. Para atingir os objetivos propostos para esta organização, espera-se que ela seja responsável pelo desenvolvimento das seguintes ações: 106 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo • • • • • • • Levantamento e manutenção de dados estatísticos; Organização on-line do acervo de publicações sobre o leite; Organização de um banco de notícias do leite; Realização de análises setoriais; Realização de análises da concorrência; Cursos on-line; Fórum on-line. Estruturação do CinLeite Conforme foi discutido nas reuniões de comitê gestor, existem duas formas viáveis para se estruturar o CinLeite. A primeira, seria a criação de uma organização totalmente nova, que receberia recursos via organização vertical, que financiaria suas ações, ou então, a partir da reestruturação de uma organização de pesquisa já existente no sistema, que tenha respaldo e credibilidade de todo o sistema produtiva. Para o CinLeite SP, acreditamos que a segunda opção seja mais viável, apesar de não descartar totalmente a primeira, que também pode ser viabilizada, caso não hajainteresse de nenhuma outra organização em ser este centro de inteligência. Dessa forma, fica como sugestão, adaptar a estrutura do CEPEA da Esalq/USP para esta organização. O CEPEA como foi visto anteriormente, já trabalha com informações do sistema do leite, no entanto, para que a organização se torne responsável pelo CinLeite, também se responsabilizaria por armazenar todas as informações relativas ao sistema. Apesar de o CEPEA ser uma organização privada e já possuir sua equipe e forma de trabalho, sugerimos abaixo uma estrutura para o CinLeiteque também pode ser aproveitada, caso a opção seja pela estruturação de uma organização nova. Na estrutura sugerida, é definido um coordenador para a área de leite dentro do CEPEA ou da nova organização a ser criada. Este coordenador estará ligado diretamente ao diretor executivo da organização vertical a ser estruturada (vide projeto de organizações verticais). Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 107 Este coordenador seria responsável por gerenciar todos os trabalhos relativos ao Centro de Inteligência, bem como administrar o recurso recebido por esta organização. Para dar suporte ao CinLeite, sugerimos a criação de um conselho formado por representantes de institutos de pesquisas governamentais e privados que trabalham com o sistema do leite, para que possam colaborar nas análises e discussões realizadas. Caberá a este conselho, juntamente com a equipe do CinLeite, realizarem e validarem as análises das informações do setor que serão posteriormente divulgadas para os membros do sistema e para a imprensa especializada. Figura 5.2: Estrutura proposta para o CinLeite Definido pelo gestor da organização Coordenador Representantes de institutos de pesquisas governamentais e privados que estudam a cadeia do leite. Conselho Inteligência Sistema de Informação Divulgação Funcionários para desenvolver atividades específicas Fonte: GESis Leite SP 2010. Uma equipe também deverá apoiar o coordenador do CinLeite. Recomendamos, a princípio, uma subequipe responsável por: Inteligência do CinLeite, que seria responsável pelas análises das informações coletadas e geradas pelo Sistema de Informação, que se responsabilizaria pela coleta e armazenamento das informações, além de fornecer dados em parceria com a equipe de Inteligência para gerar relatórios e a Subequipe da divulgação, responsável pela 108 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo transmissão das informações aos agentes do sistema, realizadas pelo setor de Inteligência. Mecanismos de financiamento Para financiar a nova estrutura a ser criada para o CinLeite ou para o CEPEA, o recurso será repassado da organização vertical para o da instituição, para desenvolvimento de suas atividades de coleta e análise dos dados. Os valores repassados deverão ser definidos pelo diretor executivo da organização vertical juntamente, com o comitê executivo e negociado com o coordenador do Cinleite. Fluxos de informações do CinLeite Para que o CinLeite tenha sucesso, é necessário que o fluxo de informações que chega e o que sai sejam muito bem estruturados. Um modelo para facilitar este fluxo se encontra na figura 5.3, a seguir: Figura 5.3: Estrutura do Fluxo de Informações do CinLeite Organizações públicas Parcerias nacionais e internacionais Site CinLeite SP Organizações privadas CinLeite Boletim do Leite SP Centro de Inteligência do Leite no Estado de São Paulo Anuário do Leite SP Empresas Pesquisas Fonte: GESis Leite SP 2010. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 109 Como foi observado na figura acima, o CinLeite seria responsável pela coleta de informações junto a: organizações públicas que já realizam o levantamento de informações, organizações privadas que também realizam diversas pesquisas e empresas do setor. As organizações públicas aqui citadas são: IBGE, IEA, Organizações horizontais do setor, entre outras. Essas informações podem ser coletadas através de relatórios enviados por essas organizações públicas ao CinLeite através, de acordos de cooperação. As organizações privadas são aquelas que realizam pesquisas no sistema e que depois as comercializa juntamente com as análises. Entre elas, podemos citar Latin Painel, Scot Consultoria e outras. O CinLeite incentivaria a participação destas organizações, fazendo parcerias e realizando contratos para compra e fornecimento de informações. Dessa forma, estas instituições privadas continuariam a existir de forma integrada ao Centro de Informação. As empresas envolvidas no setor também seriam fornecedoras de informações primáriase de dados para o CinLeite, através de relatórios mensais ou anuais, dependendo das informações. O incentivo dado a estas empresas a participarem e fornecerem dados, seria o acesso a informações mais realistas do setor que seriam úteis ao seu desenvolvimento. Outra forma de incentivo é divulgar para as empresas participantes os relatórios mensais dos dados para os sócios, antes das empresas não-participantes. Além disto, para o sucesso do Centro de Inteligência, é necessário que exista confiança das empresas no CinLeite, principalmente não fornecendo e nem caracterizando os seus dados estratégicos. Paralelamente e com recursos próprios, o CinLeite deverá realizar pesquisas a informações não obtidas pelas três fontes citadas anteriormente. Estas pesquisas deverão ser preparadas, realizadas e analisadas pela equipe interna do CinLeite ou contratadas por uma empresa especializada. O CinLeite também deverá buscar parcerias internacionais com outros centros de inteligência, com objetivo de atender a demanda por informações internacionais que podem ser coletadas em sites ou até mesmo em contratos de compartilhamento de estrutura. 110 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo A distribuição das informações coletadas e analisadas pelo CinLeite deverá ser disponibilizada através de: • Informativo CinLeite SP: - Resenha semanal enviada por e-mail a todos os associados da organização vertical do Estado de São Paulo e interessados. • Site CinLeite SP: - Site para consulta das informações. • Anuário do Leite: - Caderno impresso e/ou digital com dados e análises do ano corrente do sistema do leite. • Assessoria de imprensa: - Divulgação de análises realizadas, visando à promoção e à visibilidade na mídia. Quadro 5.4: Formas de coleta e incentivos ao CinLeite Tipo de organização Formas de coleta Formas de incentivo Organizações públicas (Embrapa, IEA, IBGE etc.) • Consultas em site, informativo, anuários publicados pelas organizações. • Divulgação das fontes das pesquisas. • Parcerias em análises de dados. Organizações privadas (Scot Consultoria, Cepea, Nilsen etc.) • Arquivos digitais fornecidos pela organização. • Consultas a site, informativos, anuários etc. • Apoio financeiro na coleta das informações. • Divulgação da organização no site do CinLeite proporcionando reconhecimento e prestígio. Empresas privadas (Laticínios, organizações, varejistas etc.) • Planilhas preenchidas e enviadas ao CinLeite periodicamente. Acesso a todas as informações da cadeia e análises. • Prioridade no recebimento de relatórios. Fonte: GESis Leite SP 2010. Proposta de estruturação do CinLeite Para a implementação deste Centro de Inteligência no Estado de São Paulo sugerimos que as ações sejam implementadas em três fases: Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 111 Fase 1 - Definição da organização responsável pelo CinLeite e novo mapeamento do sistema produtiva. Para a estruturação do CinLeite, é necessário que a estruturação da organização vertical, proposta em outro projeto do GECad, seja realizada. Isto porque, no projeto de organização vertical, o CinLeite é um dos “comitês” criados para auxiliarem no desenvolvimento de ações para o sistema produtiva. Caso o projeto de organização vertical não seja realizado, não inviabiliza a execução deste projeto, no entanto, outra fonte de financiamento deve ser buscada. Após a estruturação da organização vertical, o diretor executivo da organização deve definir junto com o conselho executivo da organização, a melhor forma para estruturar o CinLeite. Caso seja escolhido para estruturar junto a uma organização de pesquisa, no caso o CEPEA, o diretor executivo deve buscar o acerto dos detalhes junto à diretoria do CEPEA, caso contrário, deve ser feita a total estruturação da equipe, anexada à já estruturada da Organização vertical. Algumas ações prioritárias nesta fase, foram colocadas pelo comitê gestor deste projeto: • Definição da equipe do CinLeite SP ou outra instituição de pesquisa; • Levantamento e manutenção de dados estatísticos – Novo Mapeamento do sistema; • Organização do acervo de publicações on-line sobre o leite; • Organização de um banco de notícias do leite; • Criação do site do CinLeite SP para divulgação. Fase 2 - Implementação do sistema de coleta Nesta fase, cabe à organização do CinLeite realizar as seguintes ações: • Estruturação de um sistema de coleta de dados junto a empresas e organizações horizontais; 112 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo • • • • Realização de análises setoriais; Realização de análises da concorrência; Estruturação do boletim do leite; Busca de contribuições e seus benefícios de membros contribuintes. Fase 3 - Consolidação do CinLeite • Criar e publicar anuários com números e análises do sistema do leite; • Buscar parcerias com outras organizações internacionais; • Realizar pesquisas para informações não disponíveis; • Cursos on-line; • Fórum on-line. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 113 6. PLANO DE COMPETITIVIDADE DAS FAZENDAS Maurício Palma Nogueira14 e Cristiane de Paula Turco15 6.1. Introdução A pecuária leiteira paulista vem perdendo importância no cenário nacional, o que tem preocupado todo o setor agropecuário. Em quinze anos, São Paulo deixou de produzir 235 milhões de litros de leite por ano. Detinha 13,1% da produção nacional em 1991, e produziu apenas 7,1% da produção nacional de 2005, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). No mesmo período, a produção brasileira aumentou 9,49 bilhões de litros. Apenas no Estado de Minas Gerais, o aumento da produção leiteira no período foi de 2,59 bilhões de litros de leite ao ano. São Paulo era o segundo maior produtor em 1991 e em 2005 já era o quinto. Observe na Tabela 6.1, o volume anual de leite nos maiores Estados produtores, em 1994 e 2004, e as respectivas evoluções em volume e em porcentagem. Tabela 6.1: Volume de leite nos maiores Estados produtores em 1991 e em 2005 e evoluções no período, em volume e em porcentagem Mil litros Unidades Federativas 1991 2005 Evolução em volume Evolução em % Brasil 15.079.174 24.571.538 9.492.364 62,95% 1. Minas Gerais 4.319.218 6.908.683 2.589.465 59,95% 2. Goiás 1.166.181 2.648.599 1.482.418 127,12% 3. Paraná 1.240.178 2.518.929 1.278.751 103,11% 4. Rio Grande do Sul 1.488.140 2.467.630 979.490 65,82% 5. São Paulo 1.979.767 1.744.179 -235.588 -11,90% 661.035 1.555.622 894.587 135,33% 6. Santa Catarina Fonte: IBGE 14 15 114 Engenheiro Agrônomo – Sócio diretor da Scot Consultoria. [email protected] Médica Veterinária – Consultora analista da Scot Consultoria. [email protected] Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Com informações da captação no mercado formal em 2006, também divulgada pelo IBGE, é provável que o Estado de Santa Catarina tenha ultrapassado o de São Paulo na classificação nacional entre os anos de 2006 e 2007. Atualmente, São Paulo é o sexto produtor nacional, com um consumo próximo de 50% do leite disponível no Brasil, segundo estimativas das indústrias que atuam no país. Portanto, a importância da pecuária leiteira paulista tem diminuído frente aos outros Estados, o que se leva a concluir que seja preciso rever o posicionamento do produtor e da indústria. É preciso elaborar estratégias que revertam esta tendência negativa para a pecuária de leite no Estado que detém o maior mercado consumidor. O produtor tem mudado a linha de produção em sua fazenda por não ver perspectivas favoráveis com relação ao leite. São diversas as variáveis que têm contribuído para a dificuldade da pecuária leiteira em São Paulo. Todas atuaram fortemente nos últimos 15 anos, o que tornou a década de 90 um marco no redesenho de um novo mapa para a pecuária leiteira no Brasil. De 1990 a 1994, entre os governos dos presidentes Fernando Collor de Melo e Itamar Franco, o Brasil assistiu à desregulamentação e à abertura do mercado, permitindo que indústrias estrangeiras competissem no mercado interno. A criação do Mercosul e o estabelecimento do plano Real, de 1994 a 1998, trouxeram paridade da moeda nacional com o dólar americano. Além de todas as novidades econômicas, diversas outras mudanças ocorreram no período. O consumidor, com maior poder de compra (moeda estável) e acesso a produtos importados, tornouse mais exigente. Seguindo a tendência mundial, os consumidores mudaram seus hábitos de consumo. Com menos tempo para as compras, e com a consolidação da presença feminina no mercado de trabalho, o consumidor passou a ir menos às compras. Em média, sua visita aos supermercados ocorre uma vez a cada 5 ou 6 dias, segundo pesquisa divulgada pela Latin Panel. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 115 Essa mudança de hábito do consumidor abriu espaço para a definitiva consolidação do leite Longa Vida no mercado interno. O Longa Vida permite que o leite fluído tenha maior tempo de prateleira, dispensando a necessidade diária de compra. O produto caiu na preferência dos consumidores, tanto é que em pouco mais de 10 anos saiu de 4% para atingir cerca de 75% do total de leite fluído consumido no país. O Longa Vida também trouxe uma nova variável ao mercado lácteo. Bacias mais distantes, como a de Goiás, por exemplo, dependiam apenas do mercado de queijos para ter acesso aos maiores centros de consumo. Com o Longa Vida, o leite produzido em regiões distantes do país podia chegar ao almejado mercado dos grandes centros do sudeste brasileiro. A pecuária leiteira paulista sofreu forte concorrência de leite a preço bem mais baixo que o disponível no Estado. A indústria paulista, especialmente as cooperativas, também sofreram consideravelmente com a concorrência. No caso das indústrias regionais, havia ainda um outro agravante para a questão da competitividade. Com o fim da regulamentação do mercado as indústrias perderam a garantia de escoamento de seus produtos a preços pré-estabelecidos. Com isso, saíram de um mercado com preços e volume de vendas garantidos, praticamente sem concorrência, para competir em um cenário de livre mercado. Como a indústria regional estava descapitalizada, houve espaço para ser conquistado o leite Longa Vida de outros Estados e mesmo de São Paulo, de empresas com capital estrangeiro principalmente e de capital nacional que estavam em melhores condições. O resultado já é conhecido. A indústria paulista, juntamente com o produtor, perdeu força e espaço, deixando de crescer e até encolhendo, conforme observado anteriormente. No período de 1991 a 2005, o consumo de leite e derivados em São Paulo aumentou em torno de 6,5 bilhões de litros. Sem condi- 116 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo ções de disponibilizar um produto competitivo, a indústria nacional paulista perdeu toda a fatia crescente do mercado. É válido ressaltar que diversos acontecimentos ocorreram concomitantemente para provocar a perda de competitividade de São Paulo, mesmo na privilegiada condição de deter o maior mercado do país. Ao produtor e aos diversos técnicos do setor, no entanto, todas essas mudanças negativas em termos econômicos foram resumidas em um só produto: o leite Longa Vida. Por muito tempo o leite Longa Vida foi considerado como o grande vilão da pecuária nacional e da paulista. No entanto, o fato é que o Longa Vida veio simplesmente ocupar um espaço que foi aberto pelo leite pasteurizado comercializado em saquinhos – os barrigas moles. Não fosse a praticidade do leite Longa Vida, é provável que o consumo de leite fluído teria se reduzido no país. Por ocasião da mudança de preferência do consumidor, a verdade é que as cooperativas e as pequenas indústrias nacionais não estavam preparadas para oferecer o produto que passou a ser demandado. Nestas condições, o resultado mais evidente foi a perda de mercado. Essa situação, que se agrava ano a ano, tem preocupado todo o setor lácteo paulista. Qual será o futuro da produção leiteira no Estado de São Paulo? É a pergunta mais freqüente que se faz. 6.2. Importância do Plano de Competitividade das Fazendas Em entrevistas com indústrias e especialistas do setor, a fonte de preocupação é a própria condição de competitividade das fazendas leiteiras. Outra grande preocupação é o interesse da indústria no futuro da pecuária paulista. Com a granelização, e a melhoria das condições de refrigeração do leite cru nas fazendas, o alcance das bacias leiteiras aumentou consideravelmente. Com isso, a indústria pôde buscar leite cru mais barato em outras regiões, em detrimento do leite de São Paulo. E evidentemente a indústria sePlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 117 lecionará sua base de produção em regiões onde a produção de leite for mais competitiva. Essa constatação reforça a necessidade de fortalecer tanto o produtor como o cooperativismo no Estado, que garantiriam a demanda de leite, buscando alternativas de mercado para o leite paulista, seja interno ou externo, ou mesmo em parceria com as indústrias, como já é feito. Em um dos workshops realizados durante a elaboração e condução do estudo, foi discutido que sem um cooperativismo forte a produção paulista tende a perder ainda mais força. E o principal motivo seria a falta de interesse, no futuro, em renovar a estrutura da coleta paulista, por parte da indústria. Evidentemente, se as condições são mais favoráveis em outras regiões, por que investir em São Paulo? Portanto, há a necessidade de se estudarem a estruturação do cooperativismo, a abertura de mercado, a questão de competitividade da própria indústria paulista e, principalmente, a competitividade das fazendas leiteiras. É o produtor quem deverá mostrar que a produção leiteira em São Paulo é viável e competitiva. É obrigação da pecuária leiteira comprovar a viabilidade de adquirir leite no Estado de São Paulo. Portanto, planejar a melhoria da competitividade das fazendas é de fundamental importância para o desenvolvimento do Sistema Agroindustrial do Leite em São Paulo. Embora o leite possa ser produzido em outras regiões para atender o mercado paulista, conforme comentado anteriormente, é interessante manter a produção em São Paulo. Além de compor item de relevância para a competitividade da indústria aqui instalada, a pecuária leiteira traz diversas vantagens sociais e econômicas para as regiões onde se desenvolve. Segundo estudo divulgado pela Associação “Leite Brasil” ao final de 2006, existem 31,2 mil produtores de leite em São Paulo, gerando cerca de 140 mil empregos diretos e indiretos. Com a redução da pecuária leiteira, esses empregos tendem a reduzir proporcionalmente no Estado de São Paulo. 118 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Além da horticultura e da fruticultura, a produção leiteira é uma das poucas atividades que permitem que um produtor, pequeno em área, atinja escala e produção empresarial, mantendo-o de forma competitiva no mercado. Um produtor com cerca de 30 hectares para produção leiteira pode chegar a produzir 1 milhão de litros de leite por ano. Pode ser grande em pequenas áreas. Portanto, desde que fomentada de maneira planejada, a produção de leite pode ser competitiva do ponto de vista empresarial e social. Acredita-se que quando a indústria se fortalece, competindo pelo leite no Estado, o produtor também se organiza para atender a demanda. Com isso, o próprio mercado impulsionaria o aumento da competitividade do produtor leiteiro. No entanto, além da competição com o leite de outros Estados, que afeta diretamente os objetivos e as decisões da indústria, a pecuária leiteira ainda compete com as diversas outras oportunidades de investimentos. Em tempos de biocombustível, o arrendamento para cana-deaçúcar se apresenta hoje como umas das melhores alternativas de renda para o proprietário da terra. Mesmo em regiões onde a topografia desfavorece a produção de cana, como no Vale do Paraíba, aparecem oportunidades como a produção de eucalipto. Por estas razões é que é tão importante se planejar em o aumento de competitividade nas fazendase o fomento da competitividade nas indústrias. 6.3. Objetivos do Plano de Competitividade para as Fazendas O principal objetivo do estudo é gerar informações e propor ações que permitam ao produtor tornar-se competitivo. Com isso espera-se que sejam elaborados programas técnicos de treinamento e reestruturação de programas de extensão aos produtores que poderão ser financiados pelo setor público, pela iniciativa privada ou em parceria entre ambas. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 119 Os projetos são direcionados a entidades de classe, governos, cooperativas, indústrias de insumos, agroindústrias e aos produtores. Desta forma, espera-se que seja possível levar ao produtor as informações necessárias que permitam obter práticas competitivas dentro da fazenda. Em reuniões, organizadas pelo comitê gestor, foram determinados os principais objetivos para a proposta de ações: • Planejar um programa que permita o setor identificar sistemas de produção que permitam o menor custo possível. • Sugerir a elaboração de estudos de diagnóstico permanente visando conhecer o produtor rural, suas características e as necessidades de cada região. • Criar um banco de dados que permita a análise comparativa entre as unidades, agilizando e otimizando o tempo dos extensionistas na elaboração de relatórios e recomendações. • Reunir e sintetizar recomendações técnicas buscando atingir os indicadores mais apropriados para a situação atual. • Estabelecer fóruns regionais permanentes com unidades demonstrativas para revisarem anualmente os planos de trabalho. • Integrar treinamento técnico, gerencial e social para melhorar tanto a qualidade de vida dos envolvidos, quanto a competitividade das unidades. 6.4. Apoio Teórico e Metodologia Em um artigo sobre competitividade publicado em 1999, Carlos Arthur da Silva e Mário Otávio Batalha, citando FERRAZ et alli. (1996), sugerem a definição de competitividade como “a capacidade da empresa formular e implementar estratégias concorrenciais que lhe permitam ampliar ou conservar, de forma duradoura, uma posição sustentável no mercado.” 120 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo No setor agropecuário, como um todo, os produtos de venda são commodities, portanto o produtor, por si, não tem como alterar os preços com estratégias diferenciadas. São raros os casos. Sendo assim, a competitividade será definida basicamente pela capacidade de gerenciar os custos de produção. Por isso, o maior enfoque do estudo é a redução de custos nas bacias leiteiras do Estado de São Paulo. A metodologia de análise de competitividade das fazendas leiteiras foi adaptada da que foi proposta por SILVA & BATALHA (1999). O estudo foi separado em cinco etapas: a) elaboração de pré-diagnóstico, fase que terminou com a publicação do livro Estratégias para o Leite no Brasil b) Identificação dos agentes chave; profissionais que foram convidados a participar de reuniões do comitê gestor e dos workshops. c) Pesquisa de campo que foi conduzida através de revisão de outros estudos e a partir de entrevistas direcionadas a produtores, técnicos e indústrias do setor leiteiro. d) Sistematização do diagnóstico, consistindo na fase de análise dos dados. e) Apresentação de propostas, definindo e priorizando as ações para implementar o projeto. Uma premissa sempre lembrada nas reuniões realizadas pelo comitê gestor: para que sejam planejadas ações de melhorias é preciso que se tenha um diagnóstico detalhado das condições dos produtores. No entanto, o Estado de São Paulo é carente de informações estatísticas. Na verdade, todo o Brasil carece de estudos mais detalhados de modo que se permita conhecer os produtores. Também foram realizadas pesquisas envolvendo o mercado e as tendências para o futuro. Conforme relatado anteriormente, a questão do avanço da cana-de-açúcar é sempre fonte de preocupação. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 121 6.5. Análise da Competitividade Atual nas Fazendas Volume de produção Uma pesquisa de campo, realizada por telefone e por correio eletrônico, com 243 produtores paulistas identificou que a produtividade média está em torno de 9,3 mil litros por hectare ao ano. É válido ressaltar que o banco de dados, de onde foram selecionados aleatoriamente os contatos, foi construído a partir de cadastros formados em palestras ou cursos. Sendo assim, trata-se de produtores que já têm procurado melhorar a sua atividade. É uma parcela privilegiada dos pecuaristas de São Paulo, que já vem investindo em conhecimento. Espera-se, portanto, que suas empresas estejam em condições melhores que a média em termos de produtividade. O mesmo raciocínio vale para o volume de produção. Cerca de 59% da amostra produzem entre 250 litros a mil litros por dia. No gráfico 6.1 é apresentada a distribuição dos produtores quanto ao volume de leite produzido por dia, dentro do universo pesquisado. Gráfico 6.1: Distribuição dos produtores quanto ao volume diário de produção litros de leite/dia 25,00% 23,46% 20,99% 21,40% 20,00% 15,00% 14,40% 11,11% 10,00% 5,00% 0,00% 5,35% 3,29% Até 50 Entre 51 e 100 litros Entre 101 e 250 litros Entre 251 e 500 Entre 501 e 1.000 Entre 1.001 e 3.000 Acima de 3.000 Fonte: Projeto GESis Leite 2010 (2007). De acordo com o estudo o Mapa do Leite do Estado de São Paulo, realizado pela Associação Leite Brasil, a maioria dos produtores é pequena, sendo que diariamente 24% produzem até 100 litros; 30% 122 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo produzem de 101 a 250 litros; 18% situam-se no extrato de 251 a 500 litros; 16% do total operam com de 501 a 1.000 litros; e apenas 12% dos produtores paulistas encontram-se na faixa superior a mil litros. Enquanto o projeto GESis Leite 2010 chegou ao número de 14,4% na faixa de até 100 litros de leite, o estudo conduzido pela Leite Brasil identificou 30% dos produtores nesta faixa de produção. O mesmo vale para a faixa acima de mil litros por dia. A Leite Brasil chegou ao número de 12%, enquanto o projeto GESis Leite 2010 chegou a 26,34%. A diferença entre ambas as pesquisas é o critério de seleção da amostra. O universo da pesquisa do GESis Leite 2010, conduzida junto a produtores que se cadastraram voluntariamente em palestras, seminário e treinamentos, é diferente do pesquisado pela Leite Brasil. Embora a amostra seja do mesmo tamanho, a Leite Brasil pesquisou selecionando produtores por municípios, através do auxílio de técnicos de cooperativas. Portanto, a pesquisa da Leite Brasil foi mais representativa em termos de realidade média dos produtores rurais, em que grande parte é mais atrasada em relação aos conhecimentos e às necessidade de profissionalização da atividade. O que é interessante, entretanto, é a faixa onde se estabelece a maioria dos produtores de leite. Na pesquisa da Leite Brasil 64% dos produtores estavam na faixa de 100 a mil litros. Na pesquisa do projeto GESis Leite 2010 essa faixa representou cerca 59,26%. Sendo assim, pode-se concluir que algo em torno de 60% dos produtores paulistas produzem entre 100 a mil litros de leite por dia. Em Minas Gerais, o estudo Diagnóstico da Pecuária Leiteira do Estado de Minas Gerais em 2005, do projeto Educampo, coordenado pelo professor Sebastião Teixeira Gomes, identificou que 53,4% dos produtores situavam-se na faixa de 50 e mil litros de leite por dia. Cerca de 44% do total produziam menos de 50 litros por dia em 2005, mostrando a predominância ainda maior dos pequenos produtores, quando comparados com o Estado de São Paulo. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 123 Também em 2003, um estudo realizado pelo SEBRAE-SP, coordenado pela Dra. Valquíria da Silva do Instituto de Economia Agrícola (IEA), levantou informações em 832 estabelecimentos, abrangendo um universo pesquisado maior. No entanto, a metodologia optou por realizar uma amostragem intencional objetivando atingir os pequenos produtores do Estado. As regiões selecionadas foram Araçatuba, Barretos, Bauru, Bragança Paulista, Franca, Presidente Prudente, Micro Região de Araçatuba, Oswaldo Cruz, Ourinhos, Presidente Venceslau, Pontal do Paranapanema, Ribeirão Preto e Tupã. A partir das informações regionais, publicadas pelo SEBRAE-SP, calculou-se uma média para o Estado de São Paulo. Na média, a pesquisa identificou que 67% dos produtores estavam abaixo dos 100 litros por dia. Outros 29,4% produziam entre 100 e 300 litros de leite, enquanto apenas 3,5% produziam mais de 300 litros, provavelmente todos abaixo dos mil litros de leite por dia. Produtividade média A produtividade média encontrada pela pesquisa do SEBRAESP chegou em 1,5 mil litros de leite por hectare por ano, valor pouco acima da média de 1,06 mil litros divulgada pela pesquisa municipal do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Filtrando a pesquisa realizada pelo projeto GESis Leite 2010, e selecionando apenas os produtores que produzem menos de 300 litros, chega-se à produtividade média de 7,4 mil litros de leite por hectare ao ano, que é cerca de 4,9 vezes acima do encontrado no universo selecionado pelo SEBRAE-SP entre pequenos produtores. Sendo assim, se por um lado pode-se afirmar que entre 80% a 90% dos produtores do Estado de São Paulo produzam menos de mil litros, não se pode dizer o mesmo com relação à produtividade média por hectare. Na pesquisa realizada pelo o projeto GESis Leite 2010, entre os meses de janeiro e março, constatou-se que 33,34% dos produtores 124 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo produziam menos que 4 mil litros de leite/ha/ano. O maior número de produtores, cerca de 55,38%, localizava-se na faixa de produtividade entre 4 a 20 mil litros de leite por hectare ao ano. Observe os resultados no gráfico 6.2: Gráfico 6.2: Distribuição dos produtores quando à produtividade em litros/ha/ano litros de leite/ano 35,00% 30,45% 30,00% 25,00% 20,00% 24,69% 17,70% 15,64% 15,00% 9,88% 10,00% 5,00% 1,65% 0,00% Até 2.000 Entre 2.001 e 4.000 Entre 4.001 e 10.000 Entre 10.000 e 20.000 Entre 20.000 e 30.000 Acima de 30.000 Fonte: Projeto GESis Leite 2010 (2007). Em Minas Gerais, o projeto Educampo que também é direcionado a pequenos produtores identificou a produtividade média de 1,18 mil litros de leite por hectare ao ano, consideravelmente inferior à produtividade média obtida pela pesquisa do projeto GESis Leite 2010, no entanto, próximo ao número encontrado pelo SEBRAE-SP, em 2003. Custos de produção Na fase de pesquisa de campo com produtores e indústrias, diversos fatores foram apontados como a causa da perda de competitividade. No entanto, um dos principais problemas apontados está relacionado à margem dos produtores. Acredita-se que o custo de produção em São Paulo seja elevado quando comparado aos de outros Estados. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 125 Segundo representantes de indústrias que compram leite em São Paulo, os custos fixos são mais altos, pelo maior investimento em estrutura realizado no passado recente. Os compradores de leite concordam que existam formas de reduzir os custos de produção no Estado de São Paulo, mas as alternativas acabam esbarrando com o tradicionalismo do produtor paulista, outro fator relacionado à perda de competitividade das fazendas leiteiras de São Paulo, de acordo com a ótica de parte da indústria. A metodologia da pesquisa realizada de campo realizada não é eficiente para determinar o custo de produção do produtor. As informações são escassas e mesmo no caso dos que responderam à entrevista, não existe padronização de critérios para se chegar ao custo de produção. Corre-se o risco de comparar situações diferentes. Dentre os entrevistados 47,3% afirmaram não conhecerem os custos de produção de sua empresa. Outros 6,2% supõem que o custo de produção esteja próximo de um determinado valor. Reunindo ambas as respostas, pode-se afirmar que 53,5% dos produtores não sabem os custos de produção de sua empresa. Dentre os que conhecem o custo de produção, a ferramenta mais utilizada por eles para acompanharem os custos são as planilhas eletrônicas. Em seguida vêm as anotações manuais com 25% das respostas. Dentre os que conhecem os custos de produção, a média encontrada foi de R$ 0,48/litro. As respostas oscilaram de R$ 0,29/litro a R$ 0,67/litro. Apesar de apenas 9,68% relatarem acompanhar somente a evolução de caixa, entradas e saídas, é provável que grande parcela dos produtores não esteja registrando corretamente todos os custos operacionais totais, incluindo as depreciações, mão-de-obra familiar e outros componentes. A elevada oscilação entre os menores custos e os mais altos tem sido comum em trabalhos de pesquisas de campo, junto a produtores. Indústrias que analisaram os custos de seus fornecedores seguindo os mesmos critérios, sem incluirem custos de remuneração 126 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo de capital, registraram oscilações entre R$ 0,30 a R$ 0,70/litro, o que inviabiliza qualquer referência que seja feita ao custo de produção médio do Estado. Não há um padrão metodológico entre as fazendas. E mesmo quando se padronizam as metodologias de cálculos, a realidade entre uma empresa a outra é consideravelmente diferente. Rendimento médio por pessoa envolvida Em São Paulo, o rendimento médio por pessoa envolvida na atividade é de 208 litros por dia, segundo a pesquisa de campo do projeto GESis Leite 2010. A eficiência no uso da mão-de-obra é determinante com relação aos custos de produção na empresa leiteira. Em média, cerca de 20% dos custos operacionais referem-se à mão-deobra, incluindo salários, encargos e eventuais causas trabalhistas. De acordo com estudos da Scot Consultoria, os custos médios de produção de 2006 aumentaram cerca de 1,85% em relação aos de 2005 justamente por conta do impacto da mão-de-obra. Em um ano que praticamente todos os componentes proporcionaram redução nos custos de produção, apenas a mão-de-obra, o diesel e as manutenções exerceram pressões de aumentos. Preços do leite Se os custos altos em São Paulo são preocupantes para a indústria, para as lideranças e para os técnicos do setor, a maior preocupação dos produtores ainda é com relação aos preços pagos pelo leite. Para 35,5% dos produtores, o preço é o maior problema. Apenas 12,15% apontam os custos de produção como os maiores problemas de sua empresa. Uma pesquisa de opinião foi realizada deixando que o produtor relatasse livremente os maiores problemas que ele enxerga em sua propriedade. Não houve respostas sugeridas, na forma de alternativas. Se for considerado que os que apontaram sistemas de produção ou qualidade dos animais como os grandes problemas e se relacionavam a custos, pode-se concluir que 24,3% dos produtores paulistas reconhecem a importância de se reduzir o custo de produção de sua unidade. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 127 Somando aos que relataram preços do leite como os piores problemas, conclui-se que 59,8% dos produtores enxergam as margens reduzidas, ou seja, a diferença entre preços e custos, como os maiores impasses para a sua situação. Se São Paulo parece ter os custos mais altos de produção, os preços também são os mais elevados em relação aos Estados de maiores produções, que ocupam os cinco primeiros lugares do ranking. Como todas as mudanças no setor leiteiro, relacionadas na introdução, alteraram o alcance das diversas bacias leiteiras do país, acredita-se que a diferença entre os preços de São Paulo e os dos demais Estados estejam recuando. Para comprovar essa constatação, comparou-se a evolução dos preços pagos aos produtores paulistas com a média dos preços pagos nos Estados de Minas Gerais, Goiás, Paraná e Rio Grande do Sul. Pode-se concluir que as diferenças entre os preços de São Paulo em relação aos demais Estados tendem a recuar no ritmo de 5,09% ao ano. Em 1998 a diferença entre os preços paulistas e os dos demais Estados, considerados na análise, era em torno de 12,88%. De 2005 até 2007, a diferença média foi de 10,22%. Alimentação A alimentação das vacas é o fator determinante do sucesso do produtor de leite. Somando todos os componentes da dieta, incluindo concentrados, volumosos e os custos de manuseio dos alimentos, a alimentação do rebanho representa algo próximo a 60% de todos os custos operacionais de produção do leite. É o componente de maior importância. Todos os programas eficientes no sentido de redução de custos de produção, difundidos aos produtores, trabalham a alimentação como objetivo principal. Dependendo da região, condições do produtor e escala de produção, vale a pena misturar os alimentos concentrados na própria empresa. Caso contrário, a opção é obter “rações” prontas no mercado, com garantias mínimas de qualidade da matéria-prima, níveis de nutrientes e do rigor nos processos de produção. Pela pesquisa de 128 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo campo do projeto GESis Leite 2010, 42,4% dos produtores usam a mistura de concentrados já pronta, comprando diretamente de empresas especializadas. Os demais 57,6% preferem misturar dentro da empresa, comprando os ingredientes separadamente no mercado. Muitas vezes, compram tanto o concentrado pronto, como alguns dos ingredientes separados, misturando a dieta final na própria empresa. Geralmente é o caso de quem adota caroço de algodão, polpa cítrica, resíduo úmido de cervejaria e outros. Os ingredientes mais utilizados pelos produtores de leite entrevistados são o farelo de soja e o grão de milho, segundo pesquisa de campo. Mesmo com todas as informações e pesquisas já divulgadas por especialistas, apenas 11% dos produtores usam a polpa cítrica no Estado de São Paulo. A polpa cítrica é uma das fontes energéticas mais baratas para substituir o milho na dieta. No caso de outros alimentos, a situação ainda é pior. Menos de 8% dos produtores usam os derivados de algodão. E menos de 3,5% lançam mão de outros alimentos que podem contribuir para a redução dos custos, dependendo da região. É o caso do sorgo e dos derivados do processamento do milho (farelo proteinoso) e de cervejarias (resíduo úmido). Em média, no período de janeiro de 1999 a março de 2007, o custo do NDT (Nutrientes Digestíveis Totais) da polpa cítrica foi 36% mais baixo que o custo do milho. Nos últimos dois anos, essa diferença caiu para 30%, principalmente por causa da crise nos preços do milho dos últimos anos. Nota-se também a tendência de recuo nos custos da energia do milho, enquanto o da polpa cítrica tende a aumentar. Ambos deverão se equilibrar quando a diferença se equivaler à qualidade nutricional, como acontece com o sorgo. Em média, o custo do sorgo é 80% do custo do milho. Nutricionalmente essa porcentagem é a mesma quando se compara a qualidade de ambos os alimentos. Enfim, o raciocínio vale para os demais ingredientes, tanto a fonte de energia como a de proteína. O produtor deve procurar alternativas para reduzir os custos e manter-se sempre atualizado com relação ao comportamento do mercado de concentrados. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 129 Em termos de resultados, estes são tão importantes quanto o preço do leite. E se as margens de lucro do leite serão pequenas, o que já é do conhecimento de todo o setor, com certeza o produtor garantirá trabalhando a parcela mais representativa de seu custo de produção, ou seja, os alimentos. São Paulo detém um grande parque industrial e uma capacidade considerável de armazenamento de grãos e farelos, o que permite mais fácil acesso aos alimentos concentrados, quando comparados a outras regiões. Observe, na tabela 6.2, o potencial de oferta de alimentos por região do Estado de São Paulo. O cálculo foi feito com base em números da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e consultas diretas às indústrias. Tabela 6.2: Potencial diário de disponibilidade de alimentos concentrados por vaca em lactação Concentrado Kg/vaca em lactação/dia Farelo de algodão 0,48 Farelo de arroz 0,09 Milho 5,17 Farelo proteinoso de milho 0,21 Polpa cítrica 4,26 Farelo de soja 4,46 Farejo de trigo 1,84 Res. Cervejaria 0,89 Fonte: Conab/IBGE/Scot Consultoria. Mapeando o potencial de uso de concentrados, é possível traçar dietas específicas para cada região do Estado. Um exemplo é o farelo de arroz. Embora pouco disponível na média geral, a região de Assis dispõe diariamente desse produto, de 1,15 kg/ vaca em lactação, comparando com as informações de rebanho do IBGE. Outro exemplo é a região do Vale do Paraíba, muitas vezes problemática em relação a custos de alimentos concentrados. A disponibilidade diária de resíduo de cervejaria no Vale do Paraíba é de 2,2 kg/vaca em lactação. Incluindo também os resíduos da região metropolitana de São Paulo, a disponibilidade 130 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo passa para 3 kg/vaca em lactação por dia. Observe, na tabela 6.4, o potencial regional de disponibilidade alimentos concentrados para o produtor paulista. O bom uso de concentrados na formação da dieta é um fator determinante para o produtor reduzir os custos de produção. Além dos concentrados, há também a produção dos alimentos volumosos como processos chave para a redução dos custos da dieta nas empresas leiteiras. A redução nos custos ocorre pelo aumento da produção com a mesma dieta, ou pela possibilidade de reduzir o volume de concentrados demandado na dieta. Se o volumoso tem qualidade, há redução nos custos de produção. Apenas cerca de 24% dos estabelecimentos pesquisados trabalham com cana-deaçúcar como opção de volumosos. A cana é uma das culturas mais difundas pelos técnicos do Projeto Balde Cheio (Embrapa Pecuária Sudeste e CATI), coordenado pelo pesquisador e engenheiro agrônomo Dr. Artur Chinelato de Camargo. Além da composição nutricional e da exigência de qualidade no processo de produção, os volumosos dependem de uma decisão agronômica, relacionada à produção por área. É a opção e o manejo do uso de volumosos, incluindo a tecnologia das pastagens, que tende a imprimir o ritmo de aumento da produtividade por área. Pelas mudanças preconizadas pelos técnicos do projeto Balde Cheio há casos de redução de 60% nos custos de produção de pequenas propriedade leiteiras. O volumoso, portanto, também é definitivo para a competitividade da pecuária leiteira. Em São Paulo, quase 7% das unidades produtivas escutadas pelo projeto GESis Leite 2010 não armazenam alimentos volumosos para o período seco. O custo de oportunidade: o caso da cana-de-açúcar Enfim, a questão da competitividade da cana é atual e importante. O avanço do cultivo de cana-de-açúcar, e as expectativas de crescimento para os próximos anos é algo espetacular. Embora seja um fenômeno registrado em praticamente todo o Brasil, São Paulo é o Estado de maior expansão da cana. Os produtores paulistas responPlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 131 dem por 53% da área de cana e por 60% da produção brasileira. A pecuária é uma das maiores vítimas do avanço da cana. Em regiões de pecuária, a cana-de-açúcar vem transformando gradativamente a paisagem das fazendas. O Brasil produz 475,7 milhões de toneladas de cana, em 6,1 milhões de hectares. A produtividade média é de 76,8 toneladas por hectare. Até 2015, segundo estudo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com base em informações da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e do USDA (United States Departament of Agriculture), a produção brasileira anual de açúcar será de 45,3 milhões de toneladas. A estimativa para a produção em 2006, segundo a Emprapa, foi de 26 milhões de toneladas. A produção de álcool, por sua vez, aumentará mais ainda. Em 2015, o Brasil deverá produzir 36 bilhões de litros, volume 95% superior ao atual. Para atender ao crescimento esperado, a cana-de-açúcar terá que se expandir em 486 mil hectares por ano, tomando terras de outras atividades. Nesse ritmo de avanço, a área para produção canavieira no Brasil terá dobrado antes de 2020. A forma mais fácil de se obter terra para o cultivo de cana se dá através de arrendamentos. O proprietário cede as terras em troca de uma renda fixa, sem correr riscos operacionais, enquanto a indústria reduz sua necessidade de imobilização de capital. Bom para ambos. O produtor rural arrenda por duas razões: ou por estar descapitalizado ou por vislumbrar maior ganho com o arrendamento, em vez de ele próprio cultivar o solo. As indústrias, ou mesmo produtores que arrendam terras de terceiros, indexam os arrendamentos em toneladas de cana por alqueire. Dependendo da distância da indústria, e da região, os volumes podem variar de 25 a 70 toneladas de cana por alqueire. O que o produtor recebe, portanto, depende do mercado de cana e da quantidade de ATR (açúcar total recuperável), que baliza o preço da cana. No início de 2007 um proprietário de terra podia receber, livre, de R$ 490,00 a R$ 1.110,00 ao ano, por hectare, arrendando a sua área para usinas de cana. Diversos produtores do Projeto Balde Cheio, 132 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo sob orientação de técnicos da Embrapa Pecuária Sudeste (São Carlos – SP) em parceria com a CATI (Coordenadoria de Assistência Técnica Integrada) e SAI (Sistema Agroindustrial Integrado), registram excelentes produtividades entre seus assistidos. Muitos produtores atingem produções acima de 30 mil litros por hectare ao ano. Mesmo com a atividade leiteira em crise, com os piores preços da história, o lucro operacional numa fazenda com alta tecnologia pode chegar a R$ 1.200,00/ha, segundo estimativas da Scot Consultoria. São R$ 640,00 a mais que a média dos arrendamentos no Estado de São Paulo. Há relatos de lucros superiores divulgados pelos técnicos do Projeto Balde Cheio. Chega-se a atingir R$ 2.500,00/ha/ ano na produção leiteira. Mesmo com a facilidade e atratividade econômica dos arrendamentos para cana-de-açúcar, é preciso refletir sobre o assunto. No caso da agricultura familiar, em pequenas áreas, além de ser competitiva em relação à cana-de-açúcar quando conduzida com alta tecnologia, a produção leiteira permite fixar o pequeno produtor e a sua família, na atividade. Essa constatação serve para indicar o modelo de como lidar com a pequena agricultura familiar. É preciso transformar os pequenos agricultores em empresários e não em dependentes de apoio governamental. A oportunidade frente à cana-de-açúcar preocupa mais ainda quando se analisa os ânimos dos produtores. Na pesquisa de campo, apenas cerca de 26% dos produtores relataram estarem animados com a atividade. Conforme brincou um produtor acompanhado pela Scot Consultoria, que foi entrevistado presencialmente, “por melhor que a situação seja, o produtor sempre vai reclamar”. Mesmo assim, de forma objetiva, 52,23% das respostas foram negativas com relação à atividade. Esse é o reflexo da crise e da própria tendência de redução da produção leiteira no Estado de São Paulo. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 133 Rebanho Pode-se dizer que mais de 90% das unidades paulistas trabalham com rebanho de sangue adaptado para a produção leiteira. A predominância é de cruzamentos entre holandês e gir, adotados por 87% das unidades. O gado girolando entra em 60% das propriedades, enquanto o holandês 3/4 está presente em 21,8% das propriedades e o holandês 7/8 está em 5,4%. Observe, no gráfico 6.3, a presença do rebanho nas propriedades leiteiras, segundo a pesquisa realizada pelo Projeto GESis Leite 2010. Gráfico 6.3: Participação das raças ou cruzamentos nos rebanhos leiteiros paulistas % das respostas 70,00% 60,08% 60,00% 50,00% 40,00% 30,00% 26,75% 21,81% 20,00% 10,70% 10,00% 5,35% 2,47% 0,00% Grolando Holandês 3/4 Holandês 7/8 Holandês Jersey 0,82% Cruzamento Jersey Gado de Corte Fonte: Projeto GESis Leite 2010 (2007). Como é comum a presença de mais de uma raça ou cruzamentos nas propriedades leiteiras, a soma das raças e/ou cruzamentos ultrapassa os 100%. Rebanhos não especializados para produção leiteira estão presentes em 10,7% das unidades produtivas, envolvendo-se também na produção de leite das mesmas. 134 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Quanto à porcentagem das vacas em lactação em relação ao total de vacas adultas, o produtor paulista se divide igualmente em três faixas: um terço do total possui mais de 75% das vacas adultas em lactação; um terço possui entre 60% e 75%; e um terço está abaixo dos 60%. Como o intervalo médio entre partos é de 13 meses, não é possível concluir que os produtores com menos de 75% das vacas em lactação sejam ineficientes. É provável que este fato seja reflexo da busca de ampliar o rebanho através do baixo descarte de vacas adultas e a retenção de novilhas para entrarem em produção. Com relação aos machos, 46% dos produtores paulistas descartam os animais logo ao nascer. Outros 33% criam os animais até a desmama, vendendo-os a terceiros. Os demais 20,85% dos produtores criam os animais até a terminação, vendendo-os para o abate. 6.6. Condições para a Competitividade Por tudo que foi discorrido, é preciso verificar se São Paulo tem realmente condições de competir com os demais Estados na produção leiteira e se tiver, como deverá ser a produção paulista nos próximos anos. É comum a afirmativa de que será impossível produzir leite em São Paulo pelo motivo dos altos preços de terra. De fato, os preços de terra de São Paulo estão entre os mais elevados, quando comparado com as principais regiões leiteiras do Brasil. Diversas indústrias de laticínios consultadas mostraram-se preocupadas com a produção paulista por outras razões, conforme foi comentado no início do texto. As estruturas das unidades, muitas vezes superdimensionadas, imprimem um custo fixo mais elevado ao produtor paulista. Análises esporádicas divulgadas sobre unidades produtivas paulistas confirmam os elevados custos fixos da atividade. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 135 Especialistas têm apontado em artigos e análises a tendência dos produtores buscarem sistemas de produção, ou equipamentos da moda, sempre que alguma novidade é divulgada. Essa tendência é um dos fatores que proporcionam aumentos nos custos fixos de produção. Outra observação comum no setor é com relação ao tradicionalismo do produtor e a sua dificuldade em aceitar o auxílio técnico. Em outras palavras, o produtor paulista é resistente ao conhecimento técnico produzido por especialistas. Ambas as informações parecem ser incoerentes, mas não são. O produtor segue as novidades por terem sido adotadas por colegas de atividades, pessoas que ele conhece e que de alguma forma o influenciam. Muitas vezes, a novidade trata-se inclusive de uma boa técnica, mas não é adaptada às suas condições. No caso do acompanhamento técnico, a inovação vem de um profissional desconhecido, de origem urbana e muitas vezes mais jovem que o produtor. Daí vem a resistência. Pois bem, é corrente no mercado que o custo de produção paulista é superior aos de outros Estados. A tendência, com o tempo, é de que a produção paulista se reduza ainda mais, por ineficiência competitiva. O levantamento do projeto GESis Leite 2010 parece corroborar esta afirmação, pois quando todas as respostas dos produtores que fizeram parte da pesquisa são inseridas em uma planilha de simulação, os custos operacionais atingem quase R$ 0,62/litro, ante um preço médio de R$ 0,524/litro corrente no ano de 2006. Os custos operacionais, segundo critério adotado pela Scot Consultoria e pelo GESis Leite 2010, não incluem remuneração do capital, portanto, o valor da terra não entra. Embora os produtores tenham afirmado custos médios em torno de R$ 0,49/litro, não é possível utilizar tais informações pelo fato de que não há controle sobre a metodologia de custeio. 136 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo No gráfico 6.4 são apresentadas as estimativas de custos de produção, segundo levantamento realizado pelo projeto GESis Leite 2010, e estimativas com base em simulações feitas a partir das respostas do pecuaristas entrevistados. Gráfico 6.4: Custos de produção de empresas com baixa, média e alta tecnologias, segundo acompanhamento da Scot Consultoria, custos e simulados a partir de pesquisa telefônica feita pelo projeto GESis Leite 2010 R$/litro de leite 0,65 0,617 0,610 0,60 0,55 0,510 0,50 0,493 0,490 Scot alta tecnologia Resposta de produtores 0,45 0,40 Scot baixa a média tecnologia Scot média a alta tecnologia Gecad 2.010 simulação baseada nos índices Fonte: Scot Consultoria/GESis Leite 2010. Tanto nas análises realizadas pela Scot Consultoria, com base em fazendas acompanhadas, como nas simulações feitas a partir da pesquisa GESis Leite 2010 , os custos de produção em fazendas leiteiras com baixa tecnologia ficam acima de R$ 0,60/litro, o que tornaria a atividade inviável. No entanto, quando se ajustam os índices para uma situação de baixa tecnologia, os custos operacionais se reduzem para a faixa de R$ 0,48 a R$ 0,50/litro trazendo a empresa para a faixa de competitividade. Mesmo na pesquisa do projeto GESis Leite 2010 , quando são selecionados produtores que possuem critérios rigorosos nos cálculos de custos de produção, encontram-se valores aproximados de R$ 0,49 a R$ 0,52 de custos operacionais por litro de leite. Há casos de custos de oportunidade em torno de R$ 0,55/litro, o que é extremamente competitivo, dados os preços de terra e das oportunidades disponíveis no Estado de São Paulo. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 137 Existem ainda os custos levantados e divulgados pelo projeto Balde Cheio. A observação corrente, divulgada nos comunicados técnicos da Embrapa Pecuária Sudeste, é de custos extremamente competitivos, quando a produção é conduzida de maneira tecnificada. Sendo assim, apesar de correta a observação de que os custos paulistas de produção de leite são elevados, é equivocada a conclusão de que a pecuária leiteira no Estado seja inviável. O que faltam ao produtor paulista são uma eficiência técnica e um bom gerenciamento da atividade. Em condições de equivalência técnica, o produtor paulista tem capacidade de produzir com os mesmos custos dos produtores de outros Estados. Embora não haja uma fonte de informações nacionais que permitam uma análise geral dos custos de produção, todas as simulações realizadas para comparar os principais estados produtores mostram igualdade competitiva entre todos. Exceção quando se inclui os preços de terra, conforme exposto anteriormente. Os preços dos alimentos concentrados, cujas compras representam cerca de 30% dos custos operacionais de produção, provam que o pecuarista paulista pode ser competitivo, quando comparado aos principais estados concorrentes em captação. Em São Paulo, no período analisado, o preço do farelo de algodão foi constantemente inferior ao preço observado nos outros Estados. Em média, o farelo de soja em São Paulo foi 0,75% superior ao preço de Minas Gerais e 4,6% superior aos de Goiás. O mesmo acontece com relação ao milho. Os preços de São Paulo são 2,85% e 5,8% superiores aos preços de Minas Gerais e Goiás, respectivamente. Mesmo que os preços sejam relativamente mais elevados, é preciso considerar que a diferença é insignificante quando se considera a infra-estrutura de São Paulo, quando comparada com a dos demais Estados. Ainda em São Paulo os custos de fertilizantes tendem a ser mais baixos pela proximidade, além da disponibilidade de diversos outros resíduos da indústria, pouco demandados pela pecuária: a fécula da mandioca e os seus resíduos, goiaba, tomate, batata etc. Muitas vezes, mesmo os que alardeiam a inviabilidade da pecuária paulista ainda 138 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo apontam o Triângulo Mineiro como uma das regiões mais competitivas, como de fato acontece atualmente. Porém, qual é a grande diferença entre o triângulo e São Paulo? Basicamente, apenas o nível tecnológico em que se encontra o produtor. A maioria das condições que torna o Triângulo atraente, existe no Estado de São Paulo. A própria proximidade confirma isso. São várias as opções. E mesmo o avanço da cana-de-açúcar, se por um lado concorre com terra, por outro com o aumento e da demanda por biodiesel, tende a atrair a indústria de esmagamento de grãos aumentando ainda mais a sua oferta de resíduos e derivados dentro do Estado. Se a agroindústria produtora de biodiesel se fortalecer em São Paulo, abrirá também a possibilidade para que a pecuária a acompanhe pelo aproveitamento dos subprodutos, que são resíduos do processo. 6.7. Plano de Ações para Aumentar a Competitividade das Fazendas Análise SWOT Para resumir a situação da pecuária leiteira em São Paulo, foi elaborada uma análise SWOT que é uma ferramenta utilizada para entender um cenário (ou análise de ambiente), sendo usado como base para a gestão e o planejamento estratégico nas empresas. Por ser simples, é muito difundida e serve para estabelecer ou verificar a posição estratégica da empresa no ambiente em questão. O termo SWOT é uma sigla oriunda do idioma inglês, que representa Forças (Strengths), Fraquezas (Weaknesses), Oportunidades (Opportunities) e Ameaças (Threats). As forças e fraquezas são determinadas pela posição atual da empresa, ou de um setor e se relacionam, quase sempre, a fatores internos. Já as oportunidades e as ameaças são antecipações do futuro e estão relacionadas a fatores externos. Com base em todos os pontos já discorridos e analisados nos itens 5. e 6. do presente estudo, é possível resumir as condições da pecuária leiteira do Estado de acordo com o quadro 6.1. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 139 A pecuária leiteira em São Paulo é viável do ponto de vista econômico. De fato, existe uma tendência de que agricultura empurre a pecuária para as regiões de fronteira. No entanto, neste caso essa tendência é exclusiva da pecuária de corte, e não da pecuária leiteira. A produção de carne, mesmo de alta produtividade, permite um rendimento em torno de 1,2 mil a 1,8 mil kg de peso vivo por hectare ao ano. Portanto, trata-se de uma atividade de baixo rendimento técnico por hectare. Por isso, a tendência é que se estabeleça em terras de menores valores. Há a necessidade de escala em extensão de áreas. Diferente é o caso da pecuária leiteira. A produção leiteira pode render mais de 35 mil litros por hectare ao ano. Já se estabelecem objetivos para atingir 60 ou 70 mil litros por hectare ao ano. Portanto, a produtividade potencial viabiliza que pequenas áreas atinjam produção em escala. Essa diferença é considerável quando se trata de planejar a atividade. Na pesquisa de campo, realizada pelo projeto GESis Leite 2010 , cerca de 57% das unidades produtivas ocupavam menos de 30 hectares para a atividade leiteira. Apenas 17% ultrapassavam os 100 hectares. É uma atividade de pequenas extensões, com um potencial enorme de crescimento. Com os índices de produtividade já alcançados pelo projeto Balde Cheio, uma propriedade de 30 hectares pode produzir até 2,8 mil litros de leite por dia. É um grande produtor. O produtor paulista, na verdade, depende de si próprio para tornar-se competitivo. Os maiores problemas são internos, relacionados ao gerenciamento e às técnicas de produção dentro da empresa. São questões que precisam ser resolvidas com treinamento. Com gerenciamento é possível anular todas as ameaças e fraquezas e aproveitar as oportunidades. 140 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Quadro 6.1: Análise SWOT (forças, fraquezas, oportunidades e ameaças) da pecuária leiteira do Estado de São Paulo AMBIENTE INTERNO AMEAÇAS OPORTUNIDADES AMBIENTE EXTERNO PONTOS FRACOS PONTOS FORTES - Alto custo fixo das empresas leiteiras - Competição pela mão-de-obra de qualidade - Baixa auto-estima do produtor - Resistência em adotar tecnologias - Falta de planejamento e de estratégias competitivas - enfraquecimento das pequenas indústrias e cooperativas regionais - Preço elevado de terra - Produtividade média por hectare bem acima da média nacional - Proximidade de mercado consumidor diferenciado - Tradição na produção leiteira - Programas sociais de aumento de demanda - Oportunidade de exportação de leite - Mercados de maior valor agregado e exigentes em qualidade - Marketing do produto paulista - Uso das oportunidades de mercado como alavanca tecnológica - Integração dos órgãos de geração e difusão tecnológica - Mercado favorável de concentrados e de subprodutos - Disponibilidade de boa infra-estrutura do Estado - Disponibilidade de conhecimento intelectual e know how tecnológico - Capacidade produtiva - Parque industrial instalado - Sistema lácteo paulista se organizando Fonte: GESis Leite 2010 (2007). 6.8. Capacitação Gerencial Administração é fundamental para o sucesso, especialmente numa atividade como a pecuária leiteira, exigente nos detalhes, na rotina e na execução dos processos. É preciso difundir de maneira aberta, clara e objetiva os conceitos econômicos para o empresariado rural. Muitas vezes tidos como tabu, por parte de técnicos que possuem amplo contato com os pecuaristas, os fundamentos econômicos precisam ser compreendidos e disseminados aos produtores de leite. Como exemplo podem-se citar a própria oportunidade criada pelo avanço da cana-de-açúcar e o crescimento dos arrendamentos. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 141 O produtor deve entender o que implica arrendar a sua propriedade e como, dentro da própria empresa, ele poderia adotar medidas para fazer do seu negócio algo tão ou mais competitivo financeiramente, quando comparado aos arrendamentos. Só há possibilidade de compreensão caso haja um bom conhecimento gerencial da empresa produtiva e das relações com outras atividades. Os números e custos de produção devem ser acompanhados, segundo critérios que permitam a análise coerente dos resultados. Com um acompanhamento eficaz, é possível diagnosticar a empresa e sugerir melhorias ao produtor. Por fim, o gerenciamento não implica apenas no acompanhamento dos números e custos. É preciso planejar, elaborar cronogramas técnicos e planos de ações de curto, médio e longo prazo. Ferramentas simples, baseadas em conceitos de qualidade total, podem ser adaptadas a pequenas unidades leiteiras como, por exemplo, a manualização dos processos, os estabelecimentos de metas mensuráveis e as ferramentas de controle. Diversos outros itens relacionados à gestão fazem a diferença, quando inseridos na rotina da empresa. As diversas possibilidades de redução de custos fixos, vão desde o dimensionamento correto de máquinas e da infra-estrutura até a possibilidade de partilha de bens de produção, como tratores, maquinarias, tanque de expansão, caminhões etc. No caso de infra-estrutura exagerada na empresa, herança de más decisões do passado, produtores e técnicos precisam saber como procederem. O mal deve ser prolongado, inviabilizando a atividade ao longo dos anos ou deve ser esquecido para garantir a continuidade do projeto? Entender o fundamento do descarte voluntário de animais e seus impactos econômicos nas empresas é de extrema importância para os produtores de leite. Será necessário estudar as diversas possibilidades para o produtor, assim como elaborar metodologias para transportar as informações geradas em estudos e pesquisas para conhecimentos aplicáveis no campo. Gerar e transferir conhecimentos são os objetivos de quase todos os órgãos de extensão de capital público. 142 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 6.9. Geração e Difusão de Tecnologias As tecnologias de produção devem ser pesquisadas, analisadas e avaliadas constantemente. Há diferenças entre as técnicas viáveis para cada tipo de empresa. Podem variar de acordo com a região, com a disponibilidade de mercado, preferência e adaptabilidade do produtor e mesmo pela escala de produção. Não há um sistema de produção padrão, que possa ser aplicado em todas as situações. O que existe é um sistema de diagnóstico e de adaptação que pode ser extrapolado para todos os produtores. Projetos econômicos e animadores de resultados têm sido eficientes ao trabalharem desta maneira. Sendo assim, o estabelecimento de um programa constante de geração e avaliação de tecnologia para o Estado garantirá um banco de conhecimento aplicável na prática para as empresas leiteiras de todos os tamanhos: pequenas, médias e grandes. Com base nas análises técnicas divulgadas recentemente, podem-se estabelecer diversos parâmetros que deverão referenciar o grau de avanço técnico das empresas leiteiras: • • • • • • • produção por hectare; índices zootécnicos do rebanho; número de vacas em lactação pelo total do rebanho; potencial de lactação dos animais; rendimento por pessoa empregada na produção; critérios de nutrição dos animais; qualidade dos volumosos. No Estado de São Paulo são diversas as instituições que mantêm constantes estudos técnicos relacionados à produção leiteira. Podem-se destacar a Embrapa Pecuária Sudeste, a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, o Instituto de Zootecnia e Universidade Estadual Paulista. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 143 No campo de difusão tecnológica, existem a Apta Regional, a CATI, o Senar e o SEBRAE, juntamente com os diversos programas voltados aos produtores. Muitas vezes, as instituições trabalham de forma isolada, quando poderiam reunir esforços otimizando os resultados e ampliando consideravelmente o número de empresários atendidos. Em outros casos já existem diversas parcerias, como é o caso do SAI, que une SEBRAE, CATI e Sindicatos Rurais regionais. 6.10. Propostas de Ações Para aumentar a competitividade do Estado de São Paulo, sugerem-se a ampliação da abrangência do Projeto Balde Cheio e a criação de um plano de acompanhamento nos moldes do Educampo, de Minas Gerais. As atividades preconizadas no Educampo podem ser adaptadas a São Paulo: • fomento de parcerias com agroindústrias e indústria de insumos; • capacitação gerencial e técnica de profissionais que irão atuar nas propriedades rurais: zootecnistas, engenheiros agrônomos ou veterinários; • realização de diagnóstico das propriedades rurais; • elaboração de metas em parceria com proprietários rurais e agroindústrias; • incentivo à análise de resultados pela ótica da indústria e do produtor, quanto ao uso de tanques comunitários de resfriamento. Reunindo as experiências de sucesso de Minas Gerais e de São Paulo, é fundamental que sejam criados bancos de dados integrados para gerenciarem os resultados obtidos no programa. Também é necessário que haja acompanhamento técnico gerencial para o produtor e que se estabeleçam unidades demonstrativas ou fazendas-modelo. Com relação à capacitação, recomenda-se a criação de três frentes: - Capacitação de técnicos que difundirão a tecnologia aos produtores e que estarão sempre fazendo a ponte do conhecimento obtido 144 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo nas Universidades, na Embrapa e no Instituto de Zootecnia, todos em parceria. Acompanharão também as fazendas-modelo, ou unidades regionais demonstrativas. Havendo necessidade, atenderão aos problemas dos produtores ligados ao programa. - Capacitação de facilitadores que acompanharão os produtores no gerenciamento de suas atividades. Será o consultor quem acompanhará o produtor em todo o processo e deverá estar preparado para auxiliar na gestão de custos, elaborar planejamentos, cronogramas de ações, treinar funcionários e sugerir diagnósticos: também deverá estar sempre atualizado com as questões de mercado e tendências. Embora não seja um especialista, deverá conhecer todas as etapas da produção leiteira. - Capacitação dos produtores regionais: a constante capacitação do produtor deve incluir todas as demandas técnicas de uma empresa leiteira. O técnico facilitador, embora já tenha sido treinado, deve participar junto com os produtores que acompanham todos os treinamentos. A metodologia de capacitação foi desenvolvida em um projeto específico. Os temas e programas técnicos sugeridos para capacitação são: • gerenciamento da propriedade: planejamento, escrituração contábil e controles das atividades; • escrituração técnica; • legislação e exigências; • manejo de pastos; • manejo de volumosos; • manejo de vacas, bezerras e novilhas; • inseminação artificial e escolha de cruzamentos; • manejo sanitário; • manejo de ordenha e controle de qualidade do leite; • infra-estrutura e dimensionamento; • manutenção de máquinas e equipamentos. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 145 6.11. Considerações Finais O produtor paulista tem condições de ser competitivo na produção leiteira. A pecuária de leite em São Paulo não está condenada. No entanto, caso produtores e representantes do setor continuem acreditando que não há solução, é provável que a produção leiteira se reduza ainda mais, ficando assim, numa condição difícil. Representantes da indústria enumeram as dificuldades do produtor de São Paulo em manter-se na atividade. Dentre elas, destacam-se a resistência em mudar a forma de encarar a produção e o conservadorismo do produtor. Outra dificuldade é o custo fixo mais elevado em São Paulo. Caso a indústria passe a enxergar a pecuária paulista como uma atividade sem futuro, como já vem dando mostras disso, é evidente que dará preferência ao leite produzido em outras regiões. E não podia ser de outra maneira. O industrial, para ser competitivo, tal qual o produtor rural precisa reduzir custos de produção. Uma das maneiras é comprar a matéria-prima a custos mais baixos. Neste caso, perde o menos competitivo. O produtor paulista, portanto, tem a obrigação de resolver os problemas e mostrar que pode ser competitivo. Só assim a indústria continuará mantendo o interesse na produção leiteira do Estado. Outra necessidade igualmente importante é o fortalecimento do cooperativismo, que também é tema de um dos projetos estudados pelo GESis Leite 2010, por garantir no longo prazo a demanda do leite de São Paulo. O recurso para o investimento nas melhorias, virá do próprio gerenciamento das empresas acompanhadas. Portanto, este tende a ser um processo lento, que levará alguns anos. Podem ser estudadas e fomentadas as formas alternativas de financiamento, seja em parceria com a indústria privada, assim como foi a compra de tanques de expansão, ou mesmo aproveitando oportunidades regionais. Outra possibilidade, que tem sido muito difundida no Vale do Paraíba, é a diversificação de atividades. Caso seja possível tecnicamente, o produtor pode diversificar sua produção com atividades menos 146 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo rigorosas com relação à rotina. Assim conseguem-se reduzir o custo fixo, aumentar a renda e as possibilidades do pequeno empresário. Com relação ainda à classificação do produtor quanto ao tamanho (pequeno, médio e grande) é preciso rever os critérios. Pela constante opinião e reclamação dos produtores, empresários de leite numa faixa de 500 litros/dia a 3.000 litros/dia, aproximadamente, afirmam estar esquecidos. São grandes os programas destinados aos pequenos produtores com recursos próprios pequenos, para garantirem os ganhos necessários em profissionalização. Geralmente são empresários que dependem de mão-de-obra contratada para conduzirem a empresa e possuem outras fontes de renda. Embora este modelo de administração seja muito criticado no meio técnico, trata-se de unidades produtivas paulistas que também devem ser inseridas com a devida atenção, em um programa de melhoria da atividade. Toda a implantação das ações sugeridas para o projeto de Competitividade das Fazendas devem ser realizadas em conjunto com o projeto Qualidade do Leite. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 147 7. PLANO ESTRATÉGICO PARA AS COOPERATIVAS Marcelo Francini Girão Barroso, Sérgio Pinheiro Torggler e Sigismundo Bialoskorski Neto16 7.1. Cooperativismo As organizações cooperativas cumprem de modo geral importante papel em nossa sociedade. “São organizações particulares [no contexto da economia social], pois apresentam uma importante função pública de desenvolvimento econômico, aliada à geração e distribuição de renda e à criação de empregos [...] Mas isso ocorre sem o objetivo de auferir ganhos extraordinários ou o chamado lucro econômico. Como as cooperativas podem distribuir os resultados econômicos ‘pro rata’, essas organizações contribuem para a efetiva distribuição de renda entre seus associados” (BIALOSKORSKI NETO, 2005). No entanto, “é importante discutir que, apesar de toda a importância social, as cooperativas devem ser igualmente eficientes sob o ponto de vista econômico, a exemplo de outras empresas. [...] Não se pode fazer referência às cooperativas como associações beneficentes ou de fins apenas públicos. Essas organizações têm, e devem ter, objetivos econômicos de produção e de coordenação do fator de produção trabalho” (op. cit.). Isso porque, “o conceito microeconômico de produtividade só consegue provar sua superioridade ao isolar o impacto lucro de uma unidade produtiva do conjunto das externalidades, do impacto social gerado” (DOWBOR, 2001). As cooperativas agropecuárias, por sua vez, derivam essas afirmações para o ambiente específico dos sistemas agroindustriais, pois agregam vantagens competitivas aos produtores rurais – normalmente pressionados pelos elos a montante e a jusante da cadeia produtiva – por meio da transferência a eles de poder de barganha 16 148 Os autores: os dois primeiros são engenheiros agrônomos e mestrandos em Controladoria e Contabilidade pela Faculda-de de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto – FEA-RP/USP; o terceiro é engenheiro agrônomo e professor titular do departamento de Contabilidade da FEA-RP/USP. Os autores agradecem as valiosas contribuições das graduandas Thaísa Dias Raimundo e Marina Teixeira Trindade. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo comercial e contratual. A produção rural cooperativada permite aos produtores melhores condições de negociação com a indústria de insumos, bem como permite a agregação de valor aos produtos, o que leva à manutenção de maior parcela do valor final dos produtos no meio rural. Segundo Bialoskorski Neto (2001), as cooperativas no Brasil são elementos de distribuição de renda e de desenvolvimento, assim estão positivamente correlacionadas com o valor da produção por estabelecimento rural. Ou seja, um aumento na proporção de cooperados também ocasiona um aumento no valor da produção agropecuária. Assim, o nível de organização econômica é um fator fundamental para explicar a geração de valor na produção e renda. Como exemplo, podem-se notar os resultados apresentados por Balieiro et alli (2005) sobre uma pesquisa realizada com dados do Censo Agropecuário 1996, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, comparando a renda percebida por produtores rurais ligados a alguma cooperativa – de produção agropecuária, de crédito rural e/ou de eletrificação rural – ou não. Resumidamente, verifica-se que aqueles perceberam na safra 1995/96 rendas médias de R$ 26.783, enquanto estes de R$ 6.458. É significativo notar que esse diferencial de renda não foi concentrado nos ganhos das indústrias atuantes no setor agrícola, mas foi distribuído a milhares de produtores rurais, gerando consumo e alavancagem econômica nas comunidades onde eles residem. Esse valor ainda não foi transferido em sua totalidade das cooperativas aos produtores, mas foi percebido por eles devido à existência delas, na forma de preços menores pelos insumos produtivos, serviços de assistência técnica e maiores ganhos na venda conjunta da produção agrícola. Olhando-se para os mercados onde atuam as cooperativas agropecuárias, percebem-se modificações importantes: a liberdade de atuação no mercado, dada por barreiras de entrada razoavelmente baixas, traz maior variedade de produtos, serviços e processos; os consumidores se tornam cada vez mais exigentes quanto aos processos utilizados na produção e mais precisos quanto aos padrões de qualidade dos alimentos e quanto aos parâmetros sociais e ambientais da produção. Nesse contexto, as cooperativas se apresentam como organizações capazes de atuar nesses mercados sem terem que Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 149 discriminar pequenos produtores rurais, contando ainda com vantagens de proverem melhor a originação da produção e de poderem certificar a qualidade e processos, tanto ambientais como sociais. Apesar de reconhecida a importância das cooperativas nos sistemas agroindustriais, são notórias algumas dificuldades enfrentadas por elas na condução de seus negócios. São derivadas de limitadores de competitividade inerentes ao modelo cooperativo de organização e produção, resumidos nos seguintes itens, segundo Cook (2000) e Fulton (2000): dificuldade no estabelecimento claro da missão do negócio, devido ao somatório das demandas específicas dos sócios; limitação de abrangência à área pervasiva aos próprios cooperados, haja vista que o objetivo primeiro dela é agregar valor à produção deles e não originar produtos em outros locais; dificuldade na capitalização da cooperativa, haja vista o difuso reconhecimento dos direitos de propriedade sobre o capital investido no empreendimento; e o conflitante acúmulo sobre os produtores rurais sócios das cooperativas dos papéis de agente e principalmente das mesmas relações contratuais, ora fornecedores das matérias-primas para as cooperativas, ora usuários de seus serviços, ora gestores de seus negócios. Ainda, verificam-se limitadores de competitividade devido à ação dos sócios “caroneiros” (“free-riders”), tanto internos quanto externos, que se beneficiam das estruturas disponíveis sem terem necessariamente investido em sua imobilização, e à limitação de horizonte na visão dos sócios, as sobre alternativas de investimento, preferindo-se recorrentemente projetos de curto prazo de maturação. Visando portanto a cumprir com as expectativas depositadas sobre elas, mesmo considerando-se os limitadores inerentes à forma específica de organização, as organizações cooperativas têm passado por importantes transformações, visando à obtenção de maior grau de eficiência econômica e de posicionamento estratégico. Entre essas transformações, destacam-se especialmente novos modelos contratuais e de organização, como “Cooperativas de Nova Geração” (FULTON, 1998 e 2000; BIALOSKORSKI NETO, 1998; CHADDAD e BIALOSKORSKI NETO, 2002), redes de negócios entre cooperativas (BIALOSKORSKI NETO et alli, 2002; BIJMAN, 150 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 2004; CHADDAD, 2004a; KARANTININIS e GRAVERSEN, 2004; NASSAR et alli, 2002), fusão e transnacionalização de cooperativas (NIELSEN, 2000), entre outros. São formas de arquitetura organizacional em cooperativas que se organizam desde o estabelecimento de contratos de fidelidade até as formas livres de cooperação, onde a estabilidade da coalizão é dada apenas pela participação e ética. No Brasil, é oportuno notar que as organizações cooperativas estão operando modificações com uma dinâmica significativamente menos intensa do que no restante do mundo. Aqui, ainda não se encontram redes formadas ou mesmo cooperativas com diferentes formas de estabelecimento de seus direitos de propriedade, como foi proposto, por exemplo, no modelo das Cooperativas de Nova Geração. Há impeditivos legais a isso, mas há também dificuldades no âmbito dos capitais humano e social, disponíveis nas cooperativa. Segundo Bialoskorski Neto (2000), a participação na cooperativa e a subscrição de quota-partes geram o direito de uso dos serviços prestados pela organização. Mas, como a cooperativa é um bem comum do grupo social, e não há uma divisão clara entre a propriedade e o controle, este empreendimento é induzido para uma situação em que este direito seja difuso para o grupo que não participa diretamente de seu controle e de sua gestão. Essa situação particular pode gerar ações oportunistas por parte dos associados de duas formas diferentes: primeiro, favorecendo um determinado grupo dentro da coalizão de interesses; segundo, fazendo com que aqueles que vêem o seu direito expropriado procurem outras vias de transação que não sejam por meio de sua cooperativa. Quanto aos direitos sobre os resultados ou sobras, estes ocorrem na cooperativa de forma proporcional à atividade de cada membro com a sua organização, se aprovadas em assembléia geral e somente após o direcionamento de recursos às reservas indivisíveis, de contingências e de investimentos. Assim, segundo o mesmo autor, dificilmente há distribuição de sobras ao final do período contábil, resultando na prática da inexistência do direito ao resíduo das operações, ou que seja difuso e de difícil controle e monitoramento por parte do associado que deveria ter este direito. Deve-se também considerar que as quotas-partes não são negociáveis, por definição Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 151 da Lei 5.76417 , fazendo com que na prática, não exista o direito de alienação do ativo do qual esse associado é proprietário. Desta forma, a aplicação de recursos no capital da cooperativa não se constitui como uma reserva de valor para o associado, apesar de que este pode reaver o seu capital corrigido por uma taxa limitada de juros no caso de sua desistência de participação na organização. Chegamos então, a um limitador de competitividade de maior especificidade às cooperativas brasileiras: a dificuldade quanto à capitalização do negócio. Bialoskorski Neto (2001) discute que as fontes tradicionais para capitalização de cooperativas deveriam ser o reinvestimento das sobras realizadas no período e a chamada aos sócios para o aporte de capital. São opções razoavelmente seguras e apropriadas, possibilitando um crescimento com menores custos financeiros e maiores chances de sucesso. Mas em se tratando de agropecuária, esta opção acaba por ser difícil na prática, uma vez que o setor agrícola tem características de tomador de preços e acaba por sofrer o impacto das flutuações de renda. Como a agropecuária apresenta uma volatilidade grande de preços, é muito difícil sustentar um processo de crescimento apenas com capital próprio, principalmente no sistema agroindustrial do leite. Sendo assim, as cooperativas caminham recorrentemente para uma terceira alternativa de financiamento, a única realmente factível: capital de terceiros, oriundo do sistema bancário. Trata-se de uma fonte de recursos normalmente mais oneroso para as cooperativas do que o capital próprio, haja vista que a parcela considerável do patrimônio líquido dessas organizações é composta de reservas indivisíveis, a não-remuneração periódica do capital social pelo custo de oportunidade dos sócios e o maior risco financeiro dessas organizações, derivado da condição de empreendimento coletivo. Neste cenário, a flexibilização financeira e a capitalização de forma mais ágil são importantes para as cooperativas agropecuárias. Como possíveis alternativas, destacam-se alguns exemplos: emissão de títulos no mercado – como debêntures – para captação de recursos mais baratos, como é o caso de algumas cooperativas irlandesas e ainda, a admissão de sócios investidores, como ocorre hoje em 17 152 Legislação de 1971 que rege as sociedades cooperativas no Brasil. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo algumas cooperativas dos Estados Unidos. Por fim, a abertura de capital e a emissão de ações preferenciais em bolsa de valores, como fizeram as cooperativas canadenses. São alternativas que apresentam como vantagem, a possibilidade da redução do custo de capital para as organizações; por outro lado, para se constituírem como alternativas factíveis dependeriam de um processo transparente de governança corporativa das cooperativas. Há também problemas quanto ao controle da organização que não poderia fluir na direção do investidor com interesses de mercado e capital em prejuízo do produtor rural. Deve-se também relevar que a transparência do processo é elemento fundamental, sendo necessário um órgão similar à CVM das empresas de capital aberto para as cooperativas. 7.2. Benchmarking internacional Em nível internacional, algumas experiências sobre integração de cooperativas são dignas de nota, especialmente entre algumas das maiores cooperativas de leite do mundo. Assim, foram analisadas as quatro maiores em 2002, mais uma da Holanda (6ª) e uma da Austrália (23ª), segundo dados de Chaddad (2004b). A pesquisa apontou para alguns modelos bem sucedidos de estratégias das cooperativas de produtores de leite no mundo. No entanto, cada uma guarda peculiaridades que as tornam ímpares, quer seja pelas condições físicas e geográficas, quer pelas condições históricas que as levaram ao modelo desenvolvido. No geral, os modelos mais visíveis são aqueles nos quais a estratégia determinante é a busca de ganhos de escala, por meio da fusão de cooperativas pequenas, resultando em cooperativas maiores e verticalizadas, que operam com produtos diversificados em territórios relativamente grandes, algumas delas voltadas para o mercado internacional. Notadamente, o sucesso se baseia em duas estratégias para melhorar o desempenho operacional: uma, pelo ganho logístico de escala e outra, pela criação de marcas diferenciadas. No presente estudo, atenta-se para as soluções os paradigmas que apontem rumos para as cooperativas de leite do Estado de São Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 153 Paulo. Fizemos menção a aspectos de estratégia comercial e a dados recentes do desempenho operacional. a) Dairy Farmers of America-DFA A cooperativa, segundo Chaddad (2004b), surgiu como meio de sobrevivência devido às dramáticas mudanças ocorridas no mercado lácteo nos Estados Unidos. Nasceu em 1998, da fusão de quatro cooperativas menores, visando a aproveitar a sinergia entre as unidades. Criaram assim, novas marcas e em 2005, já supriam 34% do mercado norte-americano de lácteos, tendo seu faturamento dividido em 74% do leite fluído, 15% de queijos e 15% de manteiga, desidratados e outros. Recentemente, conforme dados apresentados pela própria cooperativa (DFA, 2007), verifica-se que as pressões econômicas continuam agindo sobre a cooperativa, uma vez que no relatório anual de 2005, os dados mostram que a situação continua se depurando, na busca de eficiência. Entre 2004 e 2005, a comercialização física aumentou em 4,4%, mas o preço pago ao produtor foi reduzido em 6,1% e o número de fazendeiros cooperados diminuiu em 5,7%. A redução do resultado líquido de 65 para 10 milhões de dólares foi justificada pela absorção de custos não-recorrentes, tais como o custo de fechamento de unidades, o custo de integração e perdas com furacões. A estratégia em uso fundamenta-se primeiro na valorização de marcas (para leite fluído, usa oito marcas regionais de empresas parceiras e marcas próprias em queijos e manteiga) e em segundo, na otimização de ganhos logísticos e operacionais, com redução de plantas deficitárias. b) Fonterra (FONTERRA, 2007) É uma cooperativa de laticínios da Nova Zelândia, voltada para o mercado internacional, contando com 11.600 produtores cooperados. O último demonstrativo financeiro da cooperativa, encerrado em 31 de maio de 2006, mostra os seguintes fatos relevantes: crescimento de 5,5% nas receitas operacionais sobre 2005; expansão dos ativos em 10,7%; diminuição do repasse aos cooperados em 9%, refletindo uma deterioração dos preços internacionais, haja vista que a cooperativa remunera seus cooperados pelo valor adicionado do produto. A estratégia de negócio é maximizar os 154 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo ganhos de escala e manter níveis elevados de qualidade para continuar competitiva no mercado internacional. c) Arla-Foods (ARLA, 2007) É uma cooperativa de laticínios transnacional, localizada na Escandinávia, fruto da fusão de duas outras, ocorrida em abril de 2000: a Arla, da Suécia, e a MD Foods, da Dinamarca. Tem foco na criação e diferenciação de marcas, comercializando uma ampla linha de produtos destinada ao consumidor final. Em novembro de 2005, quando do encerramento do exercício social, contabilizou um processamento anual de 8,4 bilhões de kg de leite cru, 1,1% menor que em 2004 e um faturamento 1,9% menor. É significativo notar que, apesar da diminuição da quantidade de cooperados no período recente, não se verificou a redução no fornecimento de leite, indicando um avanço no processo de ganho de escala. Este fenômeno se evidencia em 2005, em relação a 2004, pela redução de cooperados em 9% e pela manutenção do volume entregue de leite cru. d) California Dairies, Inc. (CALIFORNIA, 2007) É a maior cooperativa de leite no Estado da Califórnia, que por sua vez é o maior Estado produtor de leite dos EUA. Ela foi formada pela fusão de três cooperativas em 1999. Esta se especializou em produtos destinados ao mercado institucional, especialmente leite em pó, manteiga e derivados de manteiga. O que se verifica em termos de estratégia comercial, é que esta cooperativa se focou apenas no atendimento a grandes clientes e não desenvolveu a estratégia e os sistemas de distribuição para atender o varejo com marcas próprias. e) Friesland Foods (FRIESLAND, 2007) É uma empresa multinacional holandesa, controlada por uma cooperativa de produtores. Atua em diversos países, com produtos destinados ao consumo final, detentora de diversas marcas. Os dados dos balanços de 2006 e 2005 mostram que as receitas cresceram 5,8%, valor expressivo de crescimento para mercados maduros como o europeu; a margem operacional líquida cresceu de 4,8 para 5,5%, em relação às vendas líquidas. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 155 f) Dairy Australia (Dairy Australia, 2007) Era, em 2002, a 23ª maior cooperativa em captação de leite do mundo, voltada para o mercado mundial. Segundo o site da cooperativa, a estratégia base para o desenvolvimento é o investimento em tecnologia da produção, da qualidade do leite e da melhoria da qualidade da distribuição. Os resultados de 2006 e 2005 indicam que houve uma queda de faturamento da ordem de 0,8% e o desempenho saltou de um superavit de 1,5 milhão de dólares australianos para um deficit de 5,6 milhões em 2006. Os dados da produção física, disponível no relatório Australian Milk Production (2007), com base em janeiro de 2007, sobre janeiro de 2006, mostram uma queda de 10,9%, fato que justificaria a deterioração do desempenho da cooperativa, uma vez que pode estar havendo uma tendência de diminuição da demanda e dos preços internacionais. 7.3. A implementação de estratégias para o caso brasileiro No Brasil, uma sociedade de características culturais diferenciadas, essas soluções não poderiam aparecer sem um ajuste de estratégias à nossa dinâmica organizacional, bem como sem que tenhamos que modificar a legislação em vigor. Este último ponto talvez seja o mais importante: há que se ampliar hoje a visão de cooperativismo no legislativo nacional, de forma a entender que a prioridade não é uma “nova” 5.764, pois esta legislação aparentemente se basta, mas sim, avançar em uma nova frente complementar de reforma das regras financeiras para as cooperativas e assim, oferecer um ambiente institucional que permita a emissão de títulos, a abertura de capital, a autogestão transparente e profissional e até a presença do investidor nas organizações cooperativistas. O Brasil precisa avançar e oferecer condições institucionais de crescimento econômico para a sociedade e neste debate, o apoio ao cooperativismo e a flexibilização de sua estrutura de capital são medidas urgentes. O cooperativismo de leite necessita crescer para possibilitar a marcação de sua posição frente à concorrência; esse processo, no entanto, encontra dois fatores limitantes: primeiro, a indisponibilidade de capital a custo compatível com a atividade e segundo, as 156 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo dificuldades inerentes à formação de alianças estratégicas, à intercooperação entre as cooperativas de leite. Nesse sentido, questões culturais características do Brasil fazem com que o cooperado tenha um envolvimento emocional maior com a cooperativa, muitas vezes impedindo as simples relações contratuais ou mesmo estratégias de fusões e incorporações. Problemas de dinâmica social e cultural ainda impedem que haja um maior entendimento quanto à importância do estabelecimento de alianças entre as lideranças do setor lácteo, impossibilitando assim, a implementação de estratégias mais ousadas de negócios. Sabe-se que a cultura organizacional nas cooperativas de leite do Estado de Minas Gerais é diferente da que existe no Estado de São Pauloe mais diferente ainda, da verificada nas cooperativas de leite do sul do país, principalmente aquelas formadas por descendentes de imigrantes europeus. Desta forma, o associado acaba por não aceitar estratégias de negócios que impliquem no desaparecimento de sua cooperativa, o quadro gerencial médio resiste a essa estratégia e por fim, os próprios presidentes e conselheiros acabam por se convencer das dificuldades de uma estratégia desse tipo. Ou seja, em nosso país, uma estratégia similar à ocorrida, quando da fusão das cooperativas de leite da Dinamarca ou da montagem do sistema da Dairy Farmers nos EUA, acaba por ser distante da característica cultural do nosso produtor de leite e por conseguinte, também de suas cooperativas. Assim, o sucesso de negócios das cooperativas de leite no Brasil passa por dois condicionantes. Primeiro, a possibilidade de haver estratégias de alianças para o cooperativismo que levem em conta as características da cultura organizacional das cooperativas de leite no Brasil. Segundo, a possibilidade de haver processos mais modernos e dinâmicos de capitalização a custos compatíveis com a atividade agroindustrial do leite. Superadas essas condições, certamente as cooperativas de leite terão maior sucesso no desenvolvimento de negócios. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 157 7.4. Integração entre cooperativas A seguir, serão apresentadas as estratégias alternativas de integração entre as cooperativas de leite do Estado de São Paulo. Estão descritas primeiramente de forma conceitual, com a sugestão das possíveis vantagens e respectivas desvantagens; ao final, como resultado do GESis Leite 2010, essas estratégias serão referenciadas no plano de ações, proposto para as cooperativas de leite do Estado. Esse modelo conceitual de intercooperação, considerando uma seqüência de estratégias em níveis crescentes de integração e complexidade, está ilustrado na figura abaixo. Figura 7.1: Série de estratégias de integração cooperativista Fusão Holding Cooperativas independentes 158 Gestora de contratos “light” clearing “hard” clearing Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Quadro 7.1: Descrição das estratégias de integração propostas entre cooperativas de leite Pontos Positivos Pontos Negativos 0. Situação atual: cooperativas independentes Estratégia • Cooperativas atuam independentemente umas às outras, tanto na originação quanto na industrialização e no atendimento aos mercados consumidores. Descrição • Não há mudanças na gestão de quaisquer das cooperativas; • Riscos do processo de integração inexistentes; • Manutenção da proximidade aos cooperados. • Oportunidades de resultados advindas da integração não aproveitada; • Manutenção de custos elevados devido à competição entre cooperativas, dupla intermediação, ociosidade industrial e gestão independente das variáveis de marketing. • Mantêm-se as deficiências relacionadas à competição entre as cooperativas. Fatores Críticos de Sucesso 1. Empresa gestora de contratos • Cria-se uma empresa não cooperativa, de propriedade das cooperativas participantes, com capital fechado proporcional à utilização dos serviços; • Responsável em nome delas pelo gerenciamento de contratos diversos, especialmente de serviços de baixo nível de especialização (administrativos e suporte), como logística de captação de leite (frota e plataforma), logística de distribuição de produtos (frota, armazéns), mão-de-obra das plantas, compras etc. • As atividades de maior nível de especialização, como atendimento aos cooperados, pesquisa e desenvolvimento, industrialização e distribuição de produtos continuariam sob responsabilidade integral das cooperativas. • Liberação dos administradores das cooperativas quanto à gestão de contratos de serviços de baixo nível de especialização; • Foco nas ações estratégicas e com alto nível de especialização; • Ganho em eficiência em diversas ações das cooperativas, revertendo em menores custos, melhor qualidade, maior rapidez de atendimento, entre outros; • Início de processo de intercooperação. • Afastamento dos gestores das cooperativas do gerenciamento de diversas atividades; • Dependência de contratos de boa qualidade entre as cooperativas e a nova empresa; • Diminuição da flexibilidade das cooperativas na gestão de seus processos; • Diminuição de privacidade de informações gerenciais. • Especificação dos contratos de serviços entre as cooperativas e a nova empresa; • Capitalização proporcional da nova empresa; • Manutenção da nova empresa com estrutura mínima, baseada em tecnologia de informação intensiva e em alta capacidade administrativa. 2. “Light” clearing • Cria-se uma empresa não cooperativa, de capital fechado, com estrutura funcional baseada em tecnologia de informação e alta capacidade técnica; • Responsável pela consolidação e disponibilização diária às cooperativas de informações a respeito de capacidades ociosas nas plantas industriais do grupo, para produção de determinado produto; • Possibilitaria a produção de produtos de uma cooperativa, com suas marcas e características, em unidades de outras, mais próximas aos centros consumidores e/ou ainda com leite captado pela outra; • Faria as compensações dos diversos produtos entre as cooperativas, desde leite cru até quaisquer dos industrializados que entrem no acordo. • Otimização das unidades industriais do grupo de cooperativas, diminuindo capacidades ociosas; • Otimização da originação de leite das usinas do grupo, diminuindo venda de leite cru a terceiros em condições não ideais; • Diminuição da dependência de outros laticínios no mercado spot para compra de leite cru; • Possibilidade de ampliação do mix de laticínios produzidos e/ou de praças atendidas pelas cooperativas. • Necessidade de negociação com pares sobre as regras para a comercialização do leite cru fora do grupo; • Necessidade de negociação com pares sobre ampliação de mix de produtos e praças atendidas. • Especificação dos contratos entre as cooperativas e a nova empresa; • Sistema de informações entre cooperativas e clearing robusto, eficiente na manipulação dos dados e eficaz na geração das informações aos operadores; • Garantia de “espaço” na operação das indústrias e da logística das plantas para as demais cooperativas do grupo; • Manutenção da nova empresa com estrutura mínima, baseada em tecnologia de informação intensiva e alta capacidade operacional. 3. “Hard” clearing • Cria-se uma empresa não-cooperativa, com estrutura capaz de gerenciar os diversos processos industriais, logísticos e comerciais em nome das cooperativas; • Responsável pela logística nos elos da cadeia produtiva do leite onde participam aquelas cooperativas, considerando (1) todo o leite captado pelas cooperativas nos diversos postos espalhados pelo Estado, considerando (2) as várias plantas industriais e suas especificidades (capacidade operacional diária, lácteos produzidos, capacidade de estocagem etc.) e considerando (3) as praças onde deverão ser entregues os produtos finais; • Responsável ainda pela gestão do marketing das cooperativas, considerando seus produtos, em quais praças e com quais preços (poderiase pensar também em centralização das ações promocionais); • As cooperativas assinariam contratos para (1) fornecimento de 100% do leite captado dos produtos cooperados com determinado nível de qualidade e (2) disponibilização, operação e manutenção das unidades industriais. • Liberação dos administradores das cooperativas da gestão operacional de suas cooperativas; • Foco dos gestores na pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, bem como na inteligência de mercado para melhoria de seus resultados (gestão do marketing); • Foco também dos gestores no relacionamento e no desenvolvimento dos cooperados e de seus processos produtivos; • Possibilidade de transferência da gestão das unidades industriais e dos processos de originação de leite para empresa gestora de contratos. • Impossibilidade de aproveitamento individual de oportunidades pontuais no mercado; • Necessidade de compartilhamento de questões estratégicas ao menos com a clearing; • Aumento dos custos de transação entre cooperativas. • Harmonização do marketing das cooperativas (produtos desenvolvidos, marcas trabalhadas, praças atendidas, ações promocionais); • Garantia de padrões operacionais nas indústrias de cada cooperativa para a utilização pelas demais. Obs.: Os modelos da gestora de contratos (item 1) e da clearing (item 2 ou 3) são passíveis de serem desenvolvidos conjuntamente; se uma empresa fosse responsável pelos serviços administrativos e de suporte às cooperativas, a outra cuidaria unicamente das operações referentes ao negócio principal delas, a gestão da cadeia produtiva de laticínios. 4. Holding • Cria-se uma sociedade anônima, controlada pelas cooperativas participantes; • Responsável pela gestão integral (1) das marcas dos produtos das cooperativas, (2) da inteligência de originação de leite, (3) da eficiência operacional das plantas industriais do grupo (alto nível de utilização e de diversificação de produtos lácteos e marcas) e (4) da distribuição dos produtos aos mercados consumidores; • Cooperativas participantes manteriam o foco no desenvolvimento tecnológico e na capacitação técnica dos produtores cooperados, visando à manutenção de qualidade e volume de produção; • Atuariam ainda na organização política dos produtores frente ao conglomerado e no desenvolvimento social da comunidade envolvida; • Possibilidade de captação de recursos na nova empresa operacional para financiamento de seus investimentos e possivelmente ampliação de seus resultados. • Alternativa aos cooperados de investimento no próprio negócio mas com possibilidade de retorno superior ao investimento na cooperativa; • Destinação de lucros para a empresa não-cooperativa, desobrigada de reservas que não as definidas pelos acionistas; • Visualização clara de passos alternativos futuros para a ampliação do capital e dos investimentos. • Elevado investimento inicial para a constituição da nova empresa e elevados custos para a sua manutenção; • Possibilidade de ampliação da gestão estratégica a investidores além dos cooperados originais; • Dificuldade para concordância quanto à apreciação dos ativos de cada cooperativa e composição do capital da holding. • capitalização da nova empresa; alternativas: ○capitalização integral pelas cooperativas, mas em volume apenas suficiente para garantir uma operação com estrutura mínima; ○ integralização, até o máximo de 51% do capital, em dinheiro, ativos industriais, marcas e/ou leite, a serem definidos individualmente pelas cooperativas; os 49% restantes seriam integralizados por investidores externos; ○ capitalização proporcional ao patrimônio de cada cooperativa por meio de repasse integral de seus principais ativos (marca, plantas industriais, frota etc.); ○ Possibilidade de capitalização posterior por meio de quotas de investimento aos cooperados e a investidores externos; valoração das marcas e demais ativos para a composição do capital da holding; • “apego” dos cooperados às marcas de suas cooperativas; • contrato entre as cooperativas e holding. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 159 5. Fusão • Constituição de nova cooperativa ou a aglutinação de todas sobre uma única; • Integralização do capital da nova cooperativa proporcionalmente ao patrimônio líquido de cada cooperativa original inicial; • Gestão integrada das unidades industriais do grupo, otimizando em toda sua área de abrangência as operações de captação de leite dos cooperados e a produção dos diversos tipos de laticínios com as diversas marcas originais; • Gestão integrada dos serviços administrativos de suporte às operações industriais, à gestão do marketing e à produção dos cooperados; • Atuação similarmente a uma grande cooperativa singular, independente de outras. • Unificação da estrutura administrativa do grupo, reduzindo os custos não-operacionais; • Otimização total das estruturas produtivas; • Possibilidade ainda de constituição de empresas nãocooperativas para a gestão dos negócios, possibilitando a captação de investimentos externos e liberando a estrutura cooperativista para a gestão dos cooperados. • Dificuldade em harmonizar os interesses dos cooperados; • Dificuldade na valoração dos ativos para a capitalização da nova cooperativa; • Dificuldade em harmonizar os interesses políticos entre os gestores das cooperativas; • Perda de independência das cooperativas na gestão de suas marcas e de seus produtos; • Diminuição de postos de trabalho. • disposição política dos dirigentes para compartilhamento da gestão; • aceitação e comprometimento dos cooperados; • valoração dos ativos para a composição do capital da nova cooperativa; • integração de todos os processos, operacionais e administrativos das cooperativas. Obs.: Os modelos da holding (item 4) e da fusão (5) são também passíveis de serem desenvolvidos ao mesmo tempo; a primeira cuidaria da operação do negócio, geraria resultados para serem distribuí-dos e teria alternativa de captação de recursos de baixo custo, e a segunda cuidaria da gestão dos cooperados, de suas capacidades produtivas e da organização social. 7.5. Aspectos gerais Conforme contabilização da Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo - OCESP, atuam hoje no Estado 23 cooperativas de leite, sendo 01 central, 05 singulares vinculadas a esta central e 17 singulares independentes. Entre elas, foram identificados três modelos de organização e atuação: • “independente”: cooperativas de 1º grau mas não ligadas a uma central ou federação; dividem-se em dois grupos quanto à forma de atuação: - “originadoras”: captam o leite dos cooperados e vendem-no cru e resfriado para outros laticínios; - “verticalizadas”: industrializam o leite captado dos cooperados ou comprado de outros laticínios e atuam diretamente nos mercados varejista e/ou atacadista. • “singular-central”: as cooperativas singulares (também chamadas de 1º grau) responsabilizam-se pela captação do leite junto aos produtores rurais; enviam o leite resfriado à central (2º grau), que o industrializa e gera o marketing do sistema. Podem acontecer nesse modelo duas situações excepcionais: - Pode ocorrer da cooperativa central captar o leite diretamente dos produtores rurais, dependendo de condições logísticas, da inexistência de uma cooperativa singular na região e de acordos locais com os produtores e outras cooperativas não ligadas ao sistema. - Pode acontecer ainda das cooperativas singulares industrializarem parte de suas captações, não entregando assim, a totalidade 160 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo do volume captado à central; são chamadas, ao longo do texto, de cooperativas “mistas”. • “coligadas”: caso especial de cooperativas singulares “independentes” que se unem para alavancarem as suas operações; esse é o caso de uma cooperativa de produção agropecuária, responsável pela captação do leite e gestão dos produtores, coligada a uma cooperativa de trabalhadores na indústria, responsável pela industrialização do leite, produção de lácteos e gestão dos mercados. As cooperativas também foram agrupadas, de acordo com a área principal de atuação em relação às principais regiões produtoras do Estado, com letras de A a E. Na região noroeste do Estado, localização do chamado grupo A de cooperativas, foram produzidos 23,0% do total de leite da região contemplada no trabalho – total de 2.956.787 mil litros em 200518; nesse grupo, existem 06 cooperativas, sendo uma delas, sócia da Cooperativa Central Laticínios-CCL e as demais, independentes. Na região de Ribeirão Preto, Campinas e Araraquara e partes do Sul/Sudoeste de Minas Gerais e do Triângulo Mineiro, identificada como o grupo B de cooperativas, foram produzidos 40,0% do total. Nessa região, atuam 05 cooperativas, sendo uma sócia da CCL, duas independentes e duas coligadas. A região do grupo C, caracterizada pelo sul de Bauru, juntamente com Itapetininga, Sorocaba, Piracicaba e parte da região Centro Oriental do Paraná produz 12,1% do leite da região contemplada no trabalhoe agrupa 03 cooperativas, todas independentes. Finalmente, na região do Vale do Paraíba, do grupo D de cooperativas, responsável por 9,1% do leite total, existem 08 cooperativas, sendo três sócias da Central e as demais independentes. A Cooperativa Central de Laticínios de São Paulo-CCL, por ter uma atuação ampla regionalmente, foi alocada num grupo específico, cha18 Refere-se ao volume total produzido em 2005 em todos municípios de São Paulo, Sacramento (microrregião de Araxá-MG), Capetinga, Cássia, Claraval e Ibiraci (microrregião de Passos-MG), Arceburgo, Cabo Verde, Guaranésia, Guaxupé, Jacuí, Monte Santo de Minas, Muzambinho, São Pedro da União e São Sebastião do Paraíso (São Sebastião do Paraíso-MG), Conquista e Uberaba (Uberaba-MG). Ainda, Arapoti e Sengés (microrregião de Jaguariaíva-PR) e Itumbiara (microrregião de Meia Ponte-GO). Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 161 mado de “E”, sem uma área definida de abrangência. As microrregiões de São Paulo, com menor produção de leite e sem uma atuação significativa em qualquer cooperativa, foram agrupadas num conjunto chamado “outras”, referente a outras áreas. Nesse grupo, foi incluída também uma microrregião de Goiás, relevante por ser um local de atuação de uma cooperativa paulista. A produção total de leite, nessas outras áreas, equivale a 15,8% do total produzido em todas as áreas contempladas no trabalho. Em 2003, a Organização das Cooperativas Brasileiras-OCB e a Confederação Brasileira das Cooperativas de Laticínios-CBCL apresentaram o Censo das Cooperativas de Leite 2002. Nessa oportunidade, estimaram a participação da captação de leite das cooperativas paulistas – 623.496 mil L19 – em 35,0% do total de 1.783.017 mil L de leite adquirido pelas indústrias naquele ano. Pode-se notar que esse valor é inferior à estimativa de participação das cooperativas na captação nacional, de 39,7%. Estimou-se ainda que, do total captado pelas cooperativas de São Paulo, 91,20% foram provenientes dos próprios cooperados, sendo o restante adquirido cru de outros laticínios. Ainda, 15,5% foram vendidos crus eresfriados a outros laticínios (OCB/CBCL, 2003). Para a realização das pesquisas e análises, um mapeamento foi feito junto às cooperativas para completar e detalhar algumas informações. Das 23 cooperativas existentes no Estado, 08 atenderam às solicitações da pesquisa. No Gráfico 7.1, há a representação da parcela de cada grupo de cooperativas na captação total delas. 19 162 O volume captado pelas cooperativas desconsidera o comércio de leite cru entre elas, não havendo portanto dupla contagem do leite transferido. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Gráfico 7.1: Abrangência de captação das cooperativas pesquisadas A 0,0% Captação de leite por grupo de Cooperativas B 12,7% E 36,1% C 19,9% D 31,3% Grupo % A 0,0% (mil L) - B 12,7% 36.692 C 19,9% 57.285 D 31,3% 90.168 E 36,1% 104.150 Total 100,0% 288.295 Fonte: Pesquisa com cooperativas. É significativo notar que, do volume total captado pelas cooperativas pesquisadas – 288.295 mil litros no período de outubro/2005 a setembro/2006 –, 12,7% foram captados pelas cooperativas do grupo B; 19,9%, pelas do grupo C, 31,3%, pelas do grupo D e 36,1%, pela do grupo E. As cooperativas do grupo A não participaram da pesquisa, portanto, não aparece a participação delas na captação. A pesquisa de 2002 mostrou também que 78,02% do leite (486.453 mil L) foram adquiridos por cooperativas que participam de sistema “singular-central”, sendo somente os 21,98% restantes adquiridos por cooperativas “independentes” (OCB/CBCL, 2003). Atualmente, das 23 cooperativas, 6 cooperativas atuam segundo o modelo “singular-central”, sendo uma central com estrutura industrial e cinco singulares captando leite de seus cooperados e entregando-o cru para a central. Ainda, entre as 17 “independentes”, duas atuam de forma coligada, sendo uma cooperativa de produtores rurais e uma cooperativa de trabalhadores da indústria. Considerando as oito cooperativas que atenderam à pesquisa, 42,0% do leite captado foram para cooperativas do modelo “singular-central” e 58,0%, para cooperativas “independentes” (vide Gráfico 7.2). Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 163 Em 2002, ainda do total de leite captado pelas cooperativas do sistema “singular-central”, 56,9% foram industrializados; essa razão sobe para 83,0%, entre as cooperativas “independentes” (OCB/CBCL, 2003). Gráfico 7.2: Captação das cooperativas de acordo com modelo cooperativo (mil L) Captação das Cooperativas de acordo com modelo cooperativo (mil L) Singular-Central 42,0% Independente 58,0% Modelo Cooperativo Captação Total (mil L) % Independente 167.337 58,0% SingularCentral 120.957 42,0% Total 288.295 100,0% Fonte: Pesquisa com cooperativas. Em resumo, destacamos alguns pontos fortes e fracos a respeito da participação das cooperativas na cadeia produtiva de leite no Estado de São Paulo: 164 Pontos fortes Pontos fracos • Atuação nas principais regiões produtoras de leite do Estado; • Participação expressiva na captação de leite: 39,2% do total; • Relacionamento forte entre as cooperativas e seus associados: 91,2% do leite captado pelas cooperativas são provenientes de seus cooperados; • Industrialização própria das cooperativas “independentes”: 83,0% do total captado; • Granelização da captação: 88,9% do total captado. • Competição entre as cooperativas: cooperativas concorrentes em diversas áreas do Estado, tanto na captação de leite quanto nos mercados consumidores; • Significativa pulverização das cooperativas, isto é, muitas cooperativas pequenas atuando na captação de leite; • Valor agregado ao leite: volume considerável de leite transferido a outros laticínios no mercado spot, com baixo nível de beneficiamento; ainda, participação alta de produtos lácteos de baixo valor agregado no mix de produção das cooperativas; • Problemas de intermediação do leite captado, uma vez que 78,02% são captados por cooperativas que participam de sistema “singular-central”, podendo haver dupla intermediação; • Problemas de governança corporativa em cooperativas onde a estrutura de direitos de propriedade não promove o incentivo à eficiência econômica nas relações cooperado – cooperativa. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Serão apresentadas a seguir as propostas específicas para integração das cooperativas paulistas de leite. Foram debatidas, assim como o modelo conceitual apresentado anteriormente, com o comitê gestor desse projeto e com os dirigentes das cooperativas visitadas. É possivelmente pacífica a sugestão de que haveria sinergias diversas a gerar economias de escala e de escopo entre as cooperativas, caso se partisse para algum processo de gestão conjunta de seus ativos e de suas operações industriais. É sabido, no entanto, que esse processo de integração entre as cooperativas paulistas de leite, deve começar apenas por iniciativas de interação entre seus dirigentes, de modo a propiciar a aproximação de seus gestores e a integração gradual de seus processos. Após o conjunto de debates, visitas e entrevistas realizadas ao longo desse trabalho, concluiu-se pela impossibilidade de mudanças bruscas nas estruturas e nas rotinas das cooperativas, apesar de haver espaço para passos menores e consistentes. Tem-se que essas estratégias, apesar de muito transparentes, inclusive quanto aos ganhos que proporcionariam para as cooperativas de leite, não são plenamente aceitas pelos dirigentes, gestores e associados, uma vez que modificam uma estrutura estável atual de distribuição de poder. Ainda há fortes condicionantes culturais que impedem essa ação, um exemplo é a insistência de associados para não ocorrer a perda de marca ou nome e status de sua cooperativa. No entanto, há possibilidade de que nos estágios iniciais, possa haver um nível inicial maior de integração, sem que as cooperativas desapareçam para os seus associados e dirigentes. Assim, as atuais diretorias e conselhos, marcas e nomes continuariam existindo. Mas, mesmo assim, nota-se uma relutância grande em aceitar essas estratégias pelas cooperativas, em função da incerteza quanto a um processo futuro de integração, principalmente em função do nível educacional e de entendimentos de negócios dos dirigentes e conselheiros. Pode-se então concluir de todo o processo de discussões que não há um limitante de propostas acadêmicas ou de fundamento teórico, ou mesmo de análise de rentabilidade e custos, mas sim, há um intenso impedimento de ordem cultural e de estoque de capital humano Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 165 e social. Assim, acredita-se que somente um trabalho especializado e intenso, exclusivo para dirigentes e conselheiros, desenvolvido por pessoal de alta qualificação, possa em médio prazo, elevar os níveis de discussão e possivelmente propor o início de um processo sério de integração. Essa via é a mais branda, inteligente e tranqüila. Se esta não ocorrer e se não houver uma sensibilização por parte das organizações de representação, somente o caminho árduo e sofrido das condições de mercado, dos preços e da economia é que levará no futuro, a uma estratégia de sobrevivência das cooperativas, obrigando e forçando a integração entre essas organizações, o que já ocorreu em diferentes locais e países. Mas, antes que isso ocorra, de forma dolorosa e até dramática para os produtores, é importante registrar para a posterioridade que nesse projeto há alternativas que foram expostas e discutidas, e que nesse momento, não é mais um problema de pesquisa acadêmica, ou de assessoria técnica, mas sim, exclusivamente de decisão por parte das lideranças e dirigentes do cooperativismo de leite do Estado de São Paulo. 7.6. Propostas para cooperativas paulistas Nível 0: cooperativas independentes 1. Workshops temáticos para dirigentes e gestores das cooperativas: • série de eventos técnicos, para discussão de temas pertinentes ao sistema agroindustrial do leite, sob liderança do Sescoop-SP e SEBRAE-SP. • convite à participação de dirigentes e gestores de cooperativas selecionadas, visando a incluir na pauta propostas concretas de integração entre elas. 2. MBA Cooperativismo: • Curso de especialização em economia empresarial e controladoria em cooperativas agropecuárias e de crédito rural, espe- 166 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo cífico para participantes de cooperativas de leite de forma a estimular atividades e análises conjuntas, visando ao processo de integração. Essa ação seria liderada pelo Sescoop-SP, promoveria capacitação específica em gestão de cooperativas, bem como interação entre os dirigentes e gestores das cooperativas. 3. Promoção conjunta dos produtos das cooperativas: • Esforço conjunto de promoção do leite e dos produtos lácteos produzidos pelas cooperativas. • Trabalhar características diferenciais desses produtos devido à produção cooperativada, derivados de características da produção familiar, economia social, externalidades positivas à sociedade etc. Nível 1: Estrutura gestora de contratos 4. Gestão conjunta de contratos de fornecimento de insumos e de serviços: • Atuação integrada das cooperativas na cotação de insumos para seus processos produtivos. • Início de integração por meio de áreas operacionais das cooperativas, partindo das áreas de compras de materiais. • Sem formalização de processos a princípio, mas estimulando que as áreas com funções similares nas cooperativas interajam entre si visando à obtenção de melhores resultados. 5. Gestão conjunta de projetos para aumento de produtividade e melhoria de qualidade dos produtores cooperados: • Atuação conjunta das áreas de relacionamento com os cooperados das cooperativas. • Desenvolvimento de projetos para o aumento da produtividade e a melhoria da qualidade, de acordo com as orientações do projeto de Competitividade nas Fazendas. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 167 • Estabelecimento de parcerias com as instituições públicas e privadas já envolvidas na capacitação de produtores; vide capítulo sobre Capacitação das Unidades Produtivas. Nível 2 ou 3: Sistema de compensação de leite (clearing), “light” ou “hard20” 6. Produção conjunta de produtos lácteos: • Investimento conjunto das cooperativas em nova linha de produção de lácteos, de maior valor agregado e maior rentabilidade aos produtores cooperados. • Possibilidade de produção de produtos lácteos especiais, visando ao atendimento de nichos diferenciados no mercado, ou para atendimento a mercados novos para as cooperativas participantes, em regiões do Estado onde elas ainda não estejam presentes. • Possibilidade de criação de nova marca, de propriedade coletiva, ou de utilização regional das marcas já existentes. • Alternativas à nova planta: - Montagem de uma nova estrutura, fora do Estado de São Paulo, em bacia leiteira com potencial para fornecimento de matéria-prima, utilizando recursos do Prodecoop: investimento das cooperativas em novo negócio, potencialmente gerador de riqueza aos cooperados, mas não por meio da agregação de valor aos produtos deles. - Montagem de uma nova estrutura dentro de São Paulo, atrelada a uma das plantas das cooperativas participantes do negócio: investimento para agregar valor ao próprio leite produzido pelos cooperados, mas concorrente com as demais linhas de produção e mercados, estabelecidos pelo leite cru, já escasso no Estado. - Aproveitamento de uma estrutura em liquidação por outras cooperativas ou empresas: possivelmente um bom investimento para as cooperativas, dependendo das condições para 20 168 Entre as duas opções do sistema de compensação, depende da decisão entre os gestores das cooperativas quanto ao estabelecimento ou não da obrigatoriedade de entrega do leite à gestão pela nova estrutura. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo arrendamento ou aquisição da estrutura; mantém dificuldade quanto à captação de leite, devido à escassez no Estado. Nível 4: Holding 7. Estrutura profissional para gestão das indústrias de leite das cooperativas: • Nova empresa, de propriedade das cooperativas, capitalizada por meio da transferência dos ativos industriais de leite, da chamada opcional ao investimento dos cooperados e do lançamento de títulos ou ações no mercado de capitais; seria responsável pela gestão de toda operação produtiva das cooperativas, desde a captação do leite dos cooperados e de terceiros, passando pela gestão das unidades industriais, até o atendimento aos mercados estabelecidos ou novos. • Manutenção das cooperativas independentes, focadas no atendimento e no desenvolvimento de seus cooperados; seriam controladoras da nova empresa, atuando por meio do seu conselho de administração. Nível 5: Fusão de cooperativas 8. Cooperativa dos Produtores de Leite do Estado de São Paulo: • Nova cooperativa, de 1º grau, formada pela união dos cooperados de diversas entre as atuais cooperativas de leite do Estado, estruturada e capitalizada por meio da transferência de seus ativos. • Operação verticalizada na cadeia produtiva de leite do Estado, desde o apoio aos produtores em seus processos produtivos, passando pela captação centralizada de leite até a industrialização e comercialização de produtos lácteos. • Atuação ampla, entre os processos de originação, industrialização e comercialização, em São Paulo, em outros Estados brasileiros e no exterior. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 169 8. PLANO DE CAPACITAÇÃO PARA O SISTEMA AGROINDUSTRIAL DO LEITE Sérgio Pinheiro Torggler, Marcelo Francini Girão Barroso e Sigismundo Bialoskorski Neto21 8.1. Importância, Objetivos e Métodos22 A capacitação técnica dos produtores rurais de leite, da mão-deobra e dos técnicos dos diversos níveis envolvidos na atividade, é de fundamental importância ao sucesso da atividade. Existe atualmente no Estado uma quantidade relevante de cursos diversos de capacitação, não somente para produtores de leite e seus familiares, como também para técnicos em ciências agrárias, em nível médio e superior, para técnicos dos laticínios e para os agentes de extensão rural. Não obstante os esforços de capacitação empreendidos por diversas instituições, nota-se uma dispersão ampla quanto ao foco dessas iniciativas, bem como um não casamento delas com as técnicas e orientações indicadas para cada tipo, com o porte e a estrutura do produtor. Nesse projeto sobre capacitação das unidades produtivas de leite em São Paulo, procuramos identificar algumas ações possíveis a serem empreendidas pelas instituições já envolvidas com isso, visando à melhor eficácia dos esforços já existentes e assim à melhoria das condições operacionais dos produtores de leite do Estado. A capacitação das unidades produtivas agropecuárias de leite já é realizada no Estado de São Paulo por diversas instituições. Entre elas, citamos algumas com potencial para liderarem as ações de capacitação das unidades produtivas, nos moldes propostos por este projeto. São elas, de acordo com algumas de suas características: 21 22 170 Agradecimentos a participação de Marina Teixeira Trindade e Thaísa Dias Raimundo, FEARP-USP. Agradecemos a colaboração dos membros do comitê que contribuíram neste projeto: Ademir de Lucas - Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz - USP; Claudia Rodrigues Pozzi - Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios; Jair Kaczinski - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural; Marianne Oliveira Silva - Coordenadoria de Assistência Técnica Integral; Paula Ornellas Belo Fagnani - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas; Thomaz Fronzaglia - Instituto de Economia Agrícola; Marcelo Barroso. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo • Serviços nacionais para a formação de pessoal: - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE-SP). Focado especialmente no apoio à ação empreendedora; realiza suas ações de forma pulverizada, por meio dos escritórios regionais e do Sistema Agroindustrial Integrado. - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, ligado à Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (FAESP/SENAR). Centralizado na formação do trabalhador e do produtor rural; atua em todo o Estado, por meio de cursos focados nas diferentes tarefas executadas na atividade rural. • Fundações universitárias: - Fundação de Estudos Agrários “Luiz de Queiroz”, em apoio à Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (FEALQ e ESALQ/USP). Realiza cursos, simpósios e eventos relacionados à produção agropecuária para leite. - Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia, em apoio à Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FUNDACE e FEA-RP/USP). Realiza cursos de especialização em economia, controladoria e gestão de cooperativas agropecuárias. • Empresas e órgãos públicos de geração, difusão e transferência tecnológica: - Centro Nacional de Pesquisas em Gado de Leite, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (CNPGL/EMBRAPA). Localizada em Juiz de Fora - MG, realiza diversos cursos em seus centros de treinamento para pessoal técnico, difundindo as técnicas produtivas e tecnologias, desenvolvidas por seus técnicos e pesquisadores. - Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA). Por meio dos seis institutos de pesquisas agrícolas (Agronômico, de Zootecnia, de Pesca, de Economia Agrícola, de Tecnologia de Alimentos e Biológico), das 34 unidades de pesquisa e desenvolvimento e dos 15 Pólos Regionais de Desenvolvimento Tecnológico dos Agronegócios, gera e transfere conhecimentos científicos relevantes à atividade agropecuária e ao agronegócio do Estado. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 171 - Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI). Por meio de sua estrutura de unidades regionais agrícolas e Casas de Agricultura, atende o produtor rural com a adaptação, difusão e transferência de tecnologias produtivas. Para o desenvolvimento desse trabalho, foi realizado um mapeamento das ações de capacitação já realizadas regularmente por essas instituições. As informações solicitadas estão nos gráficos gerados e na seção, estão as informações das instituições que atenderam à solicitação da pesquisa. Desse levantamento, é significativo ressaltar algumas informações. O SEBRAE-SP é uma instituição que apresenta diversificação quanto aos temas trabalhados em seus cursos, quase igualando os esforços sobre manejo vegetal, animal, produção de leite e gestão do empreendimento. A APTA, o CNPGL e o SENAR parecem focar suas atividades para o manejo animal e vegetal, com menos ações sobre os demais temas, enquanto a CATI realiza quase metade de seus esforços para o desenvolvimento da gestão do empreendimento. A FUNDACE, por sua vez, com seus cursos de MBA, trabalha unicamente temas relacionados à gestão do empreendimento. Entre os subtemas, os mais trabalhados são: manejo de pastagens e produção de alimentos para bovinos de leite dentro de manejo vegetal, sanidade de bovinos em manejo animal e gestão da propriedade rural, na parte de gestão do empreendimento. Entre os públicos atendidos pelos cursos oferecidos, o produtor rural é o que recebe a maior parte das instruções, sendo contemplado pelas cinco instituições que responderam a esta parte da pesquisa. O pessoal de ciências agrárias – estudantes, profissionais e técnicos – é contemplado nos programas especialmente do CNPGL, da APTA e da FUNDACE. Apenas o CNPGL e a FUNDACE oferecem treinamentos ao pessoal dos laticínios – gerentes e técnicos –, notadamente, o destinatário da menor quantidade de ações, e somente o CNPGL e a CATI oferecem instrução a agentes de extensão rural,sobre as quantidades de ações realizadas pelas instituições e o atendimento total para cada tipo de público. 172 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo O treinamento em uso pelo SENAR, denominado programa Balde Cheio, parte de uma parceria com a EMBRAPA, que atua como provedora do conhecimento para a formação da equipe de facilitadores. O objetivo é formar 100 turmas em 20 unidades, com um total de 2000 alunos com carga horária por volta de 800 a 900 horas de treinamento, em que o foco é na aplicação do conhecimento de diversas áreas em experimentação, desenvolvida nas propriedades dos próprios alunos e que servem de modelo e de avaliação dos resultados. Cabe ressaltar que os centros de excelência na pecuária leiteira, tais como EMBRAPA, ESALQ e IZ, possuem estrutura limitada para multiplicar o conhecimento, conseguindo promover cursos e treinamentos de elevado nível, promovidos muitas vezes apenas sob demanda, mas sem uma regularidade, abrangência territorial e oferta quantitativa como feito pelo SENAR. Por fim, com relação à forma de atuação de cada instituição, quanto à localidade de realização dos cursos, a maioria deles é oferecida nas estruturas das próprias instituições. A exceção vem da CATI, com a maioria das ações oferecida de forma itinerante, nas fazendas ou em locais nas comunidades. A FUNDACE é indiferente quanto ao local de realização, podendo trabalhar tanto em sua própria estrutura, quanto de forma itinerante. Objetivos gerais e específicos: elaborar proposta de atuação integrada entre as instituições atuantes na capacitação para produção de leite no Estado de São Paulo, visando ao aumento da eficiência técnica, econômica, social e ambiental dos produtores. • Desenvolver os profissionais responsáveis pelo sucesso da atividade – produtor rural, empregados, técnicos agrícolas e veterinários. • Trabalhar de forma integrada nos âmbitos agrícola, pecuário, veterinário, empresarial e associativista, de acordo com as orientações tecnológicas adequadas a cada nível estrutural das unidades produtivas (vide resultados do projeto do Plano de Competitividade nas Fazendas). Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 173 • Buscar nas entidades dos produtores e cooperativas os direcionadores para o esforço de treinamento da mão-de-obra, especialmente nas habilidades de ordenha e manejo, com o objetivo de preparar o profissional para produzir com higiene e qualidade. • Estruturar as ações de forma a focar seus esforços nas unidades produtivas de leite, ou mais especificamente, nos produtores rurais. Assim, o método seguido para definir diretrizes para aprimoramento da capacitação no Sistema Agroindustrial do Leite do Estado de São Paulo envolveu as seguintes atividades: • Levantamento e caracterização dos principais programas de capacitação já existentes; • Identificação das oportunidades de articulação entre os programas; • Identificação das oportunidades de integração com os demais projetos para o sistema do leite; • Identificação junto às instituições de capacitação atuantes e aos membros do Comitê Gestor, as mudanças potenciais a serem sugeridas para melhorarem a capacitação das unidades produtivas no Estado. 8.2. Teorias de Apoio23 Expressivos aumentos na produção em novas bacias leiteiras, principalmente no Centro-Oeste, e retração em áreas tradicionais, como no Estado de São Paulo, têm ocorrido devido a mudanças mercadológicas e tecnológicas no setor lácteo: a forte migração do consumo do leite pasteurizado para o leite “Longa Vida” e a política fundiária do governo. No caso paulista, as características estruturais da produção leiteira local, frente às novas exigências do mercado internacional são destaque nas discussões recentes. Entre elas, temos o alto custo da 23 174 O texto “Evolução na eficiência produtiva da pecuária leiteira em pequenos e médios estabelecimentos”, de José Carlos Gomes dos Reis (economista), Valquíria da Silva (pesquisadora científica do IEA), Ana Maria Pereira Amaral (pesquisadora científica do IEA) e Ana Maria Montragio Pires de Camargo (pesquisadora científica do IEA), presente na Agricultura em São Paulo – Instituto de Economia Agrícola (IEA), em 2006, foi a base teórica de apoio deste trabalho. O objetivo era avaliar a eficiência produtiva de pequenos e médios produtores de leite integrantes do Programa “Melhoria do Sistema Produtivo de Pequenos Produtores de Leite no Estado de São Paulo” do SEBRAE-SP. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo produção de leite, os baixos preços pagos aos produtores, a falta de união entre eles e a grande concorrência oferecida pelo leite “Longa Vida”, que geram os principais gargalos no Sistema Agroindustrial do Leite do Estado de São Paulo. Além destes, são citados a dispersão da produção; o rebanho com baixa especialização e, conseqüentemente, com baixa produtividade; a escassez de mão-de-obra especializada; o baixo nível tecnológico e organizacional da parcela significativa de criadores; a cultura individualista do produtor; os serviços deficientes de inspeção sanitária e controle de qualidade do leite; e a gestão ineficiente da atividade. A realidade atual da produção leiteira, que foi delineada na década de 1990, constitui uma ameaça para a grande parcela dessa categoria. Porém, há um grande potencial existente para a volta do crescimento da atividade, pois o Estado de São Paulo é o maior centro consumidor de lácteos do país. Definir e implantar programas, voltados para esse segmento produtor, deve ser prioridade para uma gestão eficiente de políticas públicas. O Programa “Melhoria do Sistema Produtivo de Pequenos Produtores de Leite no Estado de São Paulo” reconhece a importância da pequena produção para o abastecimento do mercado de leite no Estado de São Paulo e para as economias locais. Ele foi implantado pelo SEBRAE-SP, em 2003, com o objetivo principal de promover a permanência sustentável da pequena produção de leite no Estado e apresenta três etapas: • Primeira: identificar os pontos de estrangulamento da pequena produção leiteira (IEA); • Segunda: transferir o conhecimento técnico existente e capacitar o produtor para realização de práticas agropecuárias que ele não conhecia ou que não utilizava por desconhecer sua importância; • Terceira: avaliar o desempenho geral do Programa, depois de haver decorrido doze meses ou mais do início da capacitação dos produtores. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 175 O período analisado pelo artigo correspondeu ao tempo de vigência do programa, de janeiro de 2003 a dezembro de 2004. Os critérios utilizados nas entrevistas realizadas foram: • Ter a atividade leiteira como principal exploração econômica do estabelecimento; • Enquadrar-se nas categorias de pequeno (limite de 100 litros de leite/dia) ou médio produtor (o intervalo entre 101 litros e 300 litros de leite/dia); • Participação na segunda etapa do Programa. Entre 2003 e 2004, analisando o perfil geral dos estabelecimentos leiteiros, houve um crescimento na produção média diária de leite por estabelecimento, de 103,8 litros para 122,5 litros e por vaca lactante, como também na granelização de 37,1% para 54,2%. Os destaques positivos foram: alterações ocorridas no manejo de pasto, na alimentação do rebanho e no sistema de entrega do leite. Houve um maior emprego de políticas de controle de erosão, fertilidade e acidez, o que mostra uma maior consciência desse grupo de produtores sobre a importância do manejo adequado. Devido às mudanças introduzidas no sistema de manejo de pasto, houve um significativo aumento na produção média anual de leite por hectare de pasto. Ocorreu um crescimento no emprego de teste para mastite, na limpeza adequada do úbere e na lavagem do local. As mudanças implementadas contribuíram para reduzir custos e aumentar a receita bruta, trazendo ganhos econômicos para o produtor. A diversificação de atividades é fundamental para assegurar a sustentabilidade da pequena produção. A produção de leite foi declarada como atividade principal por 76% dos entrevistados, sendo que na primeira fase, apenas 72% declararamo fato acima. Para 99,3% dos participantes dos treinamentos, os cursos e as demais estratégias adotadas foram considerados ótimos ou bons. A grande maioria, 82,4%, já colocou em prática os ensinamentos transferidos. 176 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo O pequeno produtor de leite tem como maior desafio tornar seu empreendimento eficiente (competitivo) e transformar-se em grande, mesmo sendo pequeno. Portanto, deverá sair da condição de tirador de leite para se tornar um pequeno empreendedor, através da mudança de atitude (mentalidade), da garantia de acesso às informações, da técnica e de mercado, “criação” de capacidade para realizar os investimentos necessários e apresentar características compatíveis com as novas exigências do mercado (oferta estável ao longo do ano, volume suficiente para compensar a granelização e qualidade da matéria-prima). O estoque de conhecimento técnico não é limitante: também se identificou que o problema é muito mais de acesso individual à informação do que de dificuldade de adaptação, ainda que esta possa ser necessária. Fazer chegar com qualidade essas informações ao pequeno produtor deve ser parte integrante de qualquer programa dirigido ao setor leiteiro. Atingir a escala adequada de produção está relacionado ao acesso ao conhecimento técnico e aos investimentos exigidos. Porém, há o limite físico para expansão da produção por meio do tamanho da propriedade. No ambiente limitado, portanto, uma das formas de se criar escala adequada é por meio de associação ou de cooperativismo. Assim, é recomendável criar uma cultura cooperativa, começando pela criação de associações. O desenvolvimento em comunidades associadas de produtores tem mais chance de prosperar, na medida em que a difusão do conhecimento neste modelo se dá mais eficientemente, quando adotada por multiplicadores do próprio grupo. Desta forma, o aprendizado, fundamentado no conhecimento técnico, é aplicado somente aos líderes, e a multiplicação se dá mais por imitação, diminuindo o custo e acelerando o processo. Para se obter um aumento da renda, é necessário buscar uma melhoria, através da adoção de práticas adequadas de administração, do manejo e da comercialização da atividade. O processo de mudança deve ser continuado e monitorado, em especial nos seguintes pontos: Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 177 • Ampliação da melhoria das condições de higiene no processo de ordenha; • Melhoria do emprego de vacinas; • Ampliação do emprego do sistema de rotação de pastagens pelas vantagens que apresenta; • Melhoria do manejo reprodutivo; • Ampliação do grupo de produtores para a comercialização do produto resfriado e entregue a granel; • Fortalecimento da ação coletiva, para comercialização de leite e/ ou compra de equipamentos e insumos. 8.3. Benchmarking No levantamento dos programas de capacitação, desenvolvidos pelas entidades envolvidas com o sistema produtiva do leite, ao redor do mundo, tais como universidades, cooperativas, laticínios e outras, identificou-se claramente que a capacitação é uma atividade contínua e permanente na indústria e que também é a ferramenta básica para a transferência de tecnologia, para a melhoria da produtividade, da qualidade e do desempenho econômico. A tecnologia é a habilidade de se transformarem os fatores do meio em produtos. A habilidade ou o grau de instrução dos agentes estão diretamente relacionados à capacidade de gerar e acumular riqueza. Por conseqüência, significa que o conhecimento é diretamente relacionado ao aumento da produtividade e da rentabilidade. Em outras palavras, o capital humano (conhecimento) é o fator de produção mais relevante para o desenvolvimento econômico sustentável. Assim, como a atividade leiteira não é uma atividade estática, mas dinâmica, os produtores precisam continuamente procurar maneiras de melhorarem a eficiência e a rentabilidade de suas propriedades, o que os leva à necessidade da troca de informações e dos sistemas de multiplicação do conhecimento, gerados pelas experiências de sucesso. 178 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo A seguir, estão relacionadas as experiências de capacitação, existentes nos principais países produtores de leite do mundo, nas quais procuramos destacar a abordagem que cada instituição dá para o assunto. A FAO (Food And Agriculture Organization Of The United Nations) justifica a implementação de seu programa de treinamento para a indústria leiteira, alegando que a indústria de laticínios é complexa e requer pessoal especializado na produção , na coleta, no processamento, na preparação e no marketing do leite. Em muitos aspectos, as qualificações profissionais deste pessoal diferem daquelas de especialistas em animais de produção, de tecnólogos gerais e de nutrição. A qualificação do profissional de laticínios difere porque o leite e seus derivados são perecíveis; por isso, mesmo o transporte e os métodos do marketing têm suas exigências particulares, diferindo daquelas em outros ramos da indústria de alimentos. Conseqüentemente, é essencial que nos países onde se pretende que a indústria de laticínios se expanda, as exigências de qualificação devem ser priorizadas, desde o planejamento na adequação dos treinamentos, oferecidos aos facilitadores. A instrução e o treinamento, em vários aspectos da indústria de laticínios, podem ser fornecidos, através das instituições educacionais existentes, começando com os centros de aprendizado dos fazendeiros e chegando até ao nível da universidade, dependendo do tipo de estudantes treinados e de sua habilidade. Em alguns países, o segmento de laticínios aprecia o status formal e somente as pessoas com um certificado educacional apropriado podem ser empregadas em serviços de extensão nas plantas. Em outros países, nenhuma limitação legal é imposta às pessoas empregadas no segmento leiteiro, mas em regra, uma indústria leiteira bem sucedida não pode existir sem um pessoal treinado. Em muitos países, são escassos os professores qualificados, o que torna muito difícil difundir o treinamento em um grande número de instituições educacionais existentes (escolas, centros da instrução dos técnicos do alimento, agricultura e faculdades de ciências agrárias). A instrução eficaz requer recursos para o treinamento e para as demonstrações práticas. Tais recursos são caros e, conseqüentemente, podem se tornar vantajosos para um país estabelecer um centro de aprendizado de laticínios em um lugar, onde se podem concentrar todos os recursos disponíveis para treinarem as pessoas em todos os níveis requeridos. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 179 No sentido de um aprimoramento contínuo, identificamos três linhas gerais de treinamento: (1) produtividade; (2) qualidade e (3) gestão/resultado e grande parte está focada na atividade leiteira em nível do produtor e de alguns no sistema produtiva. Na Universidade de Cornell (EUA), o departamento de veterinária montou um programa de treinamento em qualidade (Quality Milk Prodution Service, 2007) que está voltado aos problemas de higiene e da ordenha e ao trato com o produto, sendo que a preocupação do momento, é montar os cursos em espanhol, na medida em que está ocorrendo uma forte ocupação por latinos nosdos postos de produção das fazendas, uma vez que esta mão-de-obra é mais barata e menos exigente que a dos norte-americanos natos. Recomendam-se também que os programas de treinamento sejam permanentes, através das seguintes ações: treinamentos, lembretes, cartazese discussões periódicas. As ações continuadas permitem que os trabalhadores criem um relacionamento com as equipes dos sistemas de gerenciamento da qualidade, bem como asseguram que os novos trabalhadores estejam treinados corretamente. O problema da comunicação com os latinos também é descrito por SUPELVEDA et al no trabalho “Training Hispanic Employees to Produce Quality Milk”. Os programas de treinamento do departamento de ciência animal (Dairy and Animal Science, 2007) e laticínio da Universidade da Pensilvânia (Professional Dairy Managers of Pennsylvania, 2007) têm foco no gerenciamento e na gestão das propriedades, citando entre eles, um programa de formação de gestores profissionais de fazendas produtoras de leite, desenvolvido por uma associação de produtores. Esta entidade foi fundada em 1994 e atua, fornecendo uma oportunidade original para os produtores interagirem de uma maneira educacional e informativa com outros produtores e pessoas de vanguarda do agribusiness. Os objetivos da organização focalizam-se em promover um clima de negócio favorável no ramo leiteiro, para produtores de ponta no segmento. Os membros não são definidos pelo tamanho ou pela região, mas pela atitude e pelo estilo de aprendizagem. Como uma organização, os membros trabalham coletivamente, suprindo e compartilhando as idéias. Os membros unem-se para o benefício da indústria de leiteria como um todo. 180 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Também na Universidade da Pensilvânia, o departamento de extensão promove uma série de cursos e treinamentos para produtores da área leiteira, através do Alliance Program Guide (DAIRY ALLIANCE, 2007). O viés dos treinamentos são a gestão e a performance, apresentando títulos tais como desenvolvimento organizacional, plano estratégico de negócios e facilitadores e habilidades de supervisão. Na Irlanda, o foco do treinamento dado pelo TEAGASC (2007), órgão de desenvolvimento e treinamento da Autoridade Irlandesa para o Desenvolvimento da Agricultura e Alimentação, são a qualidade e a padronização do leite. Uma ferramenta usual de comunicação no meio leiteiro para divulgação de tecnologia e aprendizado é a organização de proprietários em associações ou em grupos informais para discutirem e debaterem estratégias e modelos de negócio e os resultados são obtidos pelos próprios produtores mais atuantes. A Fonterra, da Nova Zelândia, que é a segunda maior cooperativa de leite do mundo, oferece cursos e certificados para todos os níveis de mão-de-obra que operam no sistema de produção de leite. Possui duas linhas de cursos, uma na área administrativa e outra na área de produção (Agriculture Industry Training Organisation, 2007). Os cursos da área de produção contemplam as informações de uma ampla gama de atividades envolvidas nas propriedades, a saber: • Certificado nacional na agricultura – é um introdutório básico de habilidades agrícolas produtivas , de segundo nível - oferece uma larga faixa de habilidades, tais como: em tratores, cercados, estocagem e manipulação, produtos químicos, ferramentas e maquinaria, fisiologia e no cuidado com o animal, em cultivares da NZ e tendências. • Certificado nacional na agricultura (pecuária leiteira) de quarto nível - esta qualificação fornece o conhecimento de especialistas em pastagens leiterias e uma larga faixa de habilidades, tais como: em gerência de fazendas, incluindo: desempenho de cultivares, produção de leite, ordenha, saúde do gado, nutrição, Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 181 reprodução, manejo de bezerros, produtividade dos animais domésticos, gerência de animais domésticos e de efluentes. • Certificado nacional na gerência do Agribusiness - esta qualificação é projetada para o pessoal interno que visa a progredir para um papel de supervisão ou de gerência na agricultura. A qualificação é baseada no conhecimento e nas habilidades em agricultura com foco em agricultura geral, no ramo leiteiro, na criação de carneiros, de gado de corte e cervos. A Dairy Australia estabeleceu programas de desenvolvimento regional (RDPs) em todas as principais áreas de produção leiteira da Austrália, no final dos anos 90 (REGIONAL DEVELOPMENT, 2007). O objetivo era e continua sendo, dirigir a inovação na pesquisa e na extensão em todas as áreas do segmento leiteiro da Austrália, com o uso do conhecimento e das habilidades regionais. Agora, entidades estão maduras e independentes. Os oito RDPs são coordenados e controlados pelas regiões para melhorarem a produtividade, a prosperidade e a sustentabilidade locais e nacionais. Segundo Chaddad (2004), a Arla-Foods é uma cooperativa binacional, sueco-dinamarquesa, que em 2002, era classificada como a terceira maior cooperativa de laticínios do mundo. Consultando o site da entidade, identificamos que, além de manterem um centro de treinamento próprio (DANISH DAIRY BOARD’S TRAINING CENTRE, 2007), os programas de capacitação são voltados a todo o sistema produtiva, visando a segurarem a disponibilidade de hábeis novos operadores e, ao mesmo tempo, fornecerem à atual equipe de funcionários, as oportunidades de atualização. O centro da Arla-Foods oferece uma longa linha de cursos e treinamentos, relacionados ao ramo leiteiro. O programa é montado pelo Board Dinamarquês do Leite (DANISH DAIRY BOARD, 2007) e envolve o centro de instrução de Dalum, a Real Universidade de Veterinária e Agricultura e aUniversidade Técnica da Dinamarca. Oferecem cursos de nível superior nas áreas de Administração e de Ciência naTecnologia Leiteira; cursos de nível tecnológicos do processamento do leite e suplementares para operadores, técnicos de processo, coordenadores etc. 182 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo O National Dairy Research Institute (2007) é a organização central que sustenta a Pesquisa & Desenvolvimento para programas de laticínios da Índia, o segundo maior país produtor de leite do mundo. No passar dos anos, ganhou o destaque como a organização líder em pesquisa no ranking global. O instituto mantém relacionamento próximo com várias agências de desenvolvimento nacionais e internacionais para ajudar ao país em seus planos de desenvolvimento da produção de lácteos. As realizações do instituto foram os avanços científicos, o desenvolvimento do recurso humano em nível multidisciplinar e a inclusão da ciência em vários setores da indústria de lácteos. Os facilitadores do instituto fecham a interação entre cientistas, estudantes, fazendeiros e indústria de leiteria, orquestrando de maneira harmoniosa, o processo de desenvolvimento do setor lácteo. Além de oferecer uma ampla linha de formação acadêmica em nível superior, também oferece programas de pósgraduação e doutorado. Na linha de extensão, o NDRI relaciona 18 cursos de curta duração, disponíveis para serem ministrados em todo país, envolvendo uma ampla gama de conhecimentos, desde a gestão empresarial, o empreendedorismo, o manejo do rebanho e da ordenha, a nutrição, a produção de derivados, a higiene e a saúde, entre outros. 8.4. Projetos Como resultado dos trabalhos desenvolvidos no âmbito desse projeto, apresentamos uma proposta de atuação integrada das instituições de capacitação, atuantes no Estado que está embasada nas seguintes premissas: • As instituições de capacitação devem focar seus esforços, em última instância, na transformação dos produtores rurais, ainda que as ações em si tenham como beneficiários outros agentes – veterinários, zootecnistas, agrônomos, técnicos agrícolas, agentes de extensão rural, técnicos/gestores dos laticíniose dirigentes das cooperativas. • Quando o objetivo do treinamento é a evolução da base tecnológica da unidade produtora, o sistema de treinamento deve sePlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 183 guir o modelo benchmarking internacional em que se prioriza a formação de grupos de produtores, com a experimentação das novas técnicas nas propriedades de líderes, ou também chamados de membros formadores de opinião. Este modelo já está sendo praticado pela Embrapa e SENAR, podendo ser incentivada a sua aplicação pelas demais entidades. • Quando o objetivo do treinamento é a melhoria das habilidades dos trabalhadores, os cursos deverão ser promovidos, sob demanda da organização vertical do setor, para atenderem à falta de pessoal qualificado para a nova base tecnológica, pretendida no item anterior. Neste aspecto, o alvo se estende a todo o sistema produtiva do leite e o treinamento deve contemplar o pessoal da fazenda, do transporte, da indústria de laticínio e até mesmo da administração e da comercialização. • Para cada perfil de unidade produtiva de leite, há uma ação de capacitação distinta; mas, em geral, podem-se utilizar como subsídio as propostas constantes do Plano de Competitividade nas Fazendas. • Nas discussões quanto à articulação das ações de capacitação, pode-se considerar como modelo a Organização Vertical do Setor Lácteo Paulista, que está sendo proposta em outro projeto desse trabalho. • Devem-se incluir no planejamento das ações de capacitação as cooperativas agropecuárias, uma vez que são relevantes na atividade leiteira, bem como, normalmente têm estreito relacionamento com os produtores cooperados ou que entregam leite com regularidade e portanto, seu corpo técnico pode ser utilizado como multiplicadores e facilitadores dos treinamentos, com razoável sinergia. Dadas as premissas, apresentamos a seqüência de ações propostas às instituições de capacitação atuantes em São Paulo visando ao aumento da eficiência técnica, econômica, social e ambiental dos produtores: 184 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 1. Planejamento conjunto dos esforços de capacitação Otimizar sinergia entre as diversas instituições que atuam na capacitação das unidades produtivas de leite em São Paulo, sincronizando as atuações e as especificidades, ou seja, as entidades de pesquisa continuam sendo de pesquisa, mas disponibilizam material para as entidades de treinamento aplicarem no campo. Orientar os esforços de capacitação, de acordo com pacotes tecnológicos específicos para cada nível de organização e estruturação das unidades produtivas; utilizar como subsídio, os resultados apresentados no projeto do Plano de Competitividade nas Fazendas, elaborados também no âmbito desse trabalho. 2. Formação de multiplicadores Estruturar um plano de formação de multiplicadores que resulte num cadastro estadual de técnicos, habilitados em desenvolver os programas de capacitação com os diferentes agentes envolvidos na atividade produtiva, de acordo com as diferentes características e especificidades de cada tipo e localização de produtor. 3. Aproximação com cooperativas de produtores de leite Buscar o apoio de cooperativas de produtores de leite para a aplicação das ações de capacitação. Elaborar uma programação de atividades que contemple a utilização da infra-estrutura, do pessoal e das facilidades das cooperativas, visando a potencializar os resultados das ações com os produtores e técnicos. Aproximar as cooperativas o máximo possível das instituições de capacitação, para aproveitar o potencial sinérgico entre elas, haja vista que estas entidades têm ações voltadas ao mesmo destinatário. 4. Elaboração de modelo de coordenação entre instituições Desenvolver entre as instituições que realizam capacitação para unidades produtivas agrícolas, um processo de discussão sobre a atuação integrada e a coordenação de suas atividades. Buscar a elaPlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 185 boração de um modelo de coordenação que potencialize a aplicação de seus esforços e maximize seus impactos nos produtores rurais. Aproveitar, como agente, a oportunidade da Organização Vertical do Setor Lácteo Paulista, proposta em um desenvolvimento em outro projeto no âmbito desse trabalho. 8.5. Ações O planejamento conjunto dos esforços de capacitação será feito pelas seguintes ações: (1) definição sobre instituições de capacitação, dispostas a participar do planejamento conjunto de atividades; (2) programa de atividades e seu planejamento para a reunião e a discussão em conjunto; (3) realização das reuniões e da elaboração do planejamento conjunto dos esforços de capacitação, considerando os pressupostos descritos na seção; (4) “resultados” do projeto; (5) a divulgação do planejamento entre as instituições e o acompanhamento das atividades. A formação de multiplicadores é prevista pelas seguintes ações: (1) elaboração do conteúdo programático a ser trabalhado, bem como as especificidades quanto à região do Estado e ao tipo de público com quem cada grupo de multiplicadores trabalhará no futuro; (2) planejamento de atividades para formação de multiplicadores, inclusive definindo papel e forma de participação de cada instituição no processo; (3) realização das ações definidas e avaliação dos resultados; (4) elaboração e divulgação de cadastro estadual de multiplicadores para unidades produtivas agrícolas de leite; (5) discussão a respeito dos resultados alcançados e sobre o novo ciclo de formação de multiplicadores. A aproximação com cooperativas de produtores de leite deverá ser atingida pela execução das seguintes práticas: (1) identificação das cooperativas a serem contatadas; (2) solicitação de apoio à Ocesp para a realização de um trabalho conjunto com as cooperativas, a organização conjunta de evento entre as instituições de capacitação e as cooperativas de leite; (3) a realização de evento com 186 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo cooperativas e a definição quanto à atuação integrada: os papéis de ambos os grupos (cooperativas e instituições de capacitação), as responsabilidades, os benefícios. A elaboração de um modelo de coordenação entre as instituições. A realização de um workshop entre as instituições de capacitação, para a discussão sobre o modelo de coordenação; considerar a participação da Organização Vertical do Setor Lácteo. A apresentação e a divulgação do plano de trabalho para instituir o modelo elaborado; a determinação da instituição coordenadora das atividades de capacitação no Estado e o planejamento das atividades conjuntas entre as instituições estaduais de capacitação. 8.6. Anexos: Mapa e Gráficos Mapa 8.1: Escritórios de Desenvolvimento Regional (EDRs) de São Paulo Os gráficos a seguir foram gerados com dados da quantidade de tipos de cursos, não refletindo dados quantitativos de alunos em treinamento. A única informação disponível da quantidade de alunos a ser atendido foi fornecida pelo SENAR. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 187 Gráfico 8.1: Divisão dos esforços de capacitação das instituições por tipo de curso oferecido Divisão dos Esforços de Capacitação das Instituições por tipo de curso oferecido Gestão do Empreendimento Produção de Leite Manejo Animal Manejo Vegetal 100,0% 50,0% 50,0% 50,0% 45,0% 46,2% 38,6% 35,0% 26,7% 26,7% 26,7% 25,0% 20,0% 15,4% 13,5% 10,0% 10,0% 6,8% 4,5% CATI APTA CNPGL SENAR SEBRAE FUNDACE Gráfico 8.2: Distribuição dos cursos oferecidos pelas instituições Distribuição dos Cursos oferecidos pelas Instituições Manejo Vegetal FUNDACE Manejo Animal 7 Manutenção e higienização de ordenhadeiras Produção de Leite Gestão da Propriedade Rural 3 3 5 3 3 3 7 1 1 Técnicas de produção de leite 8 3 2 Sanidade em bovinos 1 1 1 1 1 1 2 Tecnologia em reprodução 11 1 Nutrição de bovinos 14 7 1 10 1 2 3 18 4 7 Sistemas de produção de bovinos leiteiros SEBRAE 10 12 8 1 1 1 1 1 Produção de alimentos para bovinos de leite SENAR 6 13 3 Manejo e recuperação de pastagens em degradação CNPGL 6 13 5 4 4 6 5 4 2 1 2 Quantidade de cursos oferecidos 188 Manejo de pastagens 21 9 1 14 7 9 14 18 APTA 3 CATI 30 Total 1 2 76 Gestão da Qualidade Associativismo e Cooperativismo Gestão do Empreendimento Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Gráfico 8.3: Públicos atendidos por instituição Públicos atendidos por Instituição 02 02 02 02 02 Produtores rurais Estudantes de ciências agrárias Gerentes de laticínios Agentes de assistência técnica/extensão rural Profissionais de ciências agrárias Técnicos agrícolas 07 Técnicos de laticínios 02 02 06 06 08 08 08 27 22 26 28 10 11 Quantidade de cursos oferecidos Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 189 Gráfico 8.4: Atendimento aos públicos relevantes Atendimento aos Públicos Relevantes Agentes de assistência técnica/extensão rural 10 06 CNPGL APTA CATI SEBRAE FUNDACE Técnicos de laticínios 02 02 Gerentes de laticínios 02 02 Técnicos agrícolas 27 Estudantes de ciências agrárias 22 07 02 Profissionais de ciências agrárias Produtores rurais 08 28 11 08 02 26 08 07 02 Quantidade de cursos oferecidos Gráfico 8.5: Localidade de aplicação do curso, por forma de atuação Localidade de Aplicação do Curso, por forma de atuação CATI APTA CNPGL FUNDACE 02 Curso itinerante, oferecido na localidade desejada (fazenda, escola da cidade, sindicato rural etc.) 05 01 11 02 13 Curso itinerante, oferecido nas unidades de ensino da instituição 28 02 Quantidade de cursos oferecidos 190 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Gráfico 8.6: Localidade de aplicação do curso, por instituição Localidade de Aplicação do Curso, por Instituição FUNDACE Curso itinerante, oferecido na localidade desejada (fazenda, escola da cidade, sindicato rural etc. 02 02 Curso oferecido nas unidades de ensino da instituição 05 CNPGL APTA CATI 13 01 28 11 02 Quantidade de cursos oferecidos Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 191 9. PLANO DE COMPETITIVIDADE E SUSTENTABILIDADE DA INDÚSTRIA DE LÁCTEOS24 Hélio Afonso Braga de Paiva25 e Marcos Fava Neves26 9.1. Introdução, Objetivos e Metodologia O projeto “Plano de Competitividade Industrial” surgiu, a partir de uma demanda colocada por interessados, membros e lideranças do Sistema Agroindustrial (SAG), durante os workshops da primeira fase do projeto, que foi denominada “Mapeamento e Quantificação do Sistema Produtiva do Leite”. Nesta primeira fase, ocorreu uma análise de levantamento de dados do SAG que pudesse caracterizá-lo e identificar, com clareza e objetividade, os seus problemas. Esta fase foi de suma importância, dada a necessidade de se nivelar o conhecimento sobre o SAG em relação ao seu posicionamento, frente às principais regiões produtoras e consumidoras de lácteos do Brasil e do mundo. Sabe-se que o Estado de São Paulo passa hoje, por intensas transformações no agronegócio, com o crescimento da produção de açúcar e do álcool, além da elevada produção e exportação de carnes e suco de laranja. A produção, voltada para a comercialização, no sentido do aproveitamento das oportunidades de mercado, tem deixado em segundo plano a produção de alimentos, como os lácteos, o que pode ser observado pela redução da produção do leite. Não é sem mérito que as atividades citadas têm se desenvolvido e a sua profissionalização e o impulso oferecido por políticas privadas têm colaborado com um desenvolvimento em destaque, se comparadas com a produção de lácteos. Para o SAG de lácteos, os especialistas têm afirmado que este é um momento crucial. O Os autores agradecem à Laura Fernandes Garcia e ao Elio Galli Neto por colaborarem na elaboração deste capítulo. Pesquisador do Pensa e Markestrat. Administrador de Empresas e Mestrando em Administração pela FEA/USP. 26 Professor de Planejamento, Estratégia e Marketing da FEA/USP Ribeirão Preto. Coordenador do PENSA e Markestrat. 24 25 192 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo momento atual é definido desta maneira, devido ao provável fim da inércia de crescimento da produção e do consumo, à redução do crescimento da população e à concorrência com outras culturas. Se por um lado, o cenário é de restrições ao crescimento do SAG de lácteos, por outro, existe possibilidade de elevação do consumo, devido ao seu baixo consumo per captae aos seus programas de promoção e diferenciação com produtos funcionais ou nutracêuticos. Além do mercado interno, as exportações também podem ser oportunidades para o setor, com a redução dos subsídios e a incapacidade de elevação da produção dos principais países exportadores. O elo industrial do SAG de produtos lácteos paulistas tem grande importância, porque é o elo central e catalisador de mudanças para a redução das ameaças e o aproveitamento das oportunidades para o sistema como um todo. Este processo deve passar por um aumento da capacidade de coordenação e de adaptação, realizados na prática, como o alinhamento estratégico para a alavancagem de resultados dos esforços empregados e a inovação em produtos, processos e gestão. Neste sentido, é que são desenvolvidas as estratégias colocadas neste plano. Deve-se ressaltar que as análises e as propostas apresentadas estão conectadas com as atividades da Organização Vertical. O contexto competitivo observado mostra que algumas indústrias, notadamente as grandes empresas e as multinacionais, já têm colaborado com grande desenvolvimento em termos de ganhos com escala de produção, coleta e distribuição, inovação de produtos e processos, além das parcerias com produtores, mostrando a sua capacidade de encontrar os pontos de melhoria e implementar as ações estratégicas. Porém, para um grande número de pequenas e médias indústrias, responsáveis por considerável parcela das receitas do SAG, os resultados e as perspectivas são diferentes daqueles observados nas grandes empresas. Devido à abertura comercial do Estado e do país, ao aumento da concorrência e à necessidade de ganhos de competitividade, devem-se buscar mudanças nas perspectivas destas indústrias. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 193 Para as empresas de menores portes, podem-se delinear as ações estratégicas como alternativas para superarem as dificuldades e alcançarem os melhores resultados. Algumas dessas ações podem ser viabilizadas pela indústria por si só ou coletivamente. Contudo, observa-se que países como os EUA, a Nova Zelândia e os Estados da região Sul têm colhido frutos, principalmente das ações conjuntas. Estas ações conjuntas ou em colaboração podem ser benéficas para os resultados das empresas de diversas maneiras: a criação de selos regionais, de qualidade e orgânicos para a valorização de produtos e a defesa de mercados; a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação para redução de custos na produção e agregação de valor nos produtos; as compras e as vendas conjuntas para fazerem frente ao poder dos fornecedores e distribuidores; a formação de pessoal; entre outras. É neste sentido que foi desenvolvido este plano, ou seja, mostrando o ambiente competitivo da atividade da indústria de produtos lácteos e propondo o desenvolvimento de projetos em ação conjunta que podem viabilizar os seus objetivos e os seus resultados frente às mudanças no ambiente competitivo e à necessidade de elevação da competitividade. A metodologia do trabalho consiste em três etapas básicas: a busca de informação para o diagnóstico, a busca de alternativas para os problemas encontrados e o desenvolvimento dos projetos que consistem no planejamento estratégico. A etapa de diagnóstico tem como base o modelo de Cinco Forças Competitivas (PORTER, 1979) e a teoria da Vantagem Competitiva (PORTER, 1989). Para a complementação, foram realizadas duas pesquisas para o levantamento de informações junto à indústria e aos institutos de pesquisa, desenvolvimento e inovação ligados à SAG do leite. Apesar da baixa participação das pessoas, para as quais foram enviados os questionários da pesquisa, as informações levantadas possuem grande confiabilidade, dados à sua especialização e ao seu alto grau de envolvimento e conhecimento. Nesta etapa, foram encontrados diversos problemas para a competitividade industrial. Alguns deles são tratados neste projeto. 194 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Na etapa de busca de alternativas, foi levada em consideração a necessidade de propostas privadas, relativas aos problemas da indústria de produtos lácteos. Foram buscadas alternativas que já são conhecidas e desenvolvidas com sucesso, mas que ainda não têm aplicação no sistema agroindustrial do leite. Na etapa final de desenvolvimento de projetos, foram delineados os objetivos, as ações, o orçamento, o cronograma, e as formas de controle dos resultados relativos para as alternativas selecionadas. 9.2. Teorias de Apoio Para o desenvolvimento do projeto foi estruturada uma base teórica e conceitual que servirá como quadro de referência para as análises que envolvem: 1) diagnóstico competitivo e; 2) delineamento das ações dos projetos estratégicos. Esta base teórica e conceitual fundamenta-se nos trabalhos de renomados pesquisadores da estratégia. Análise da Competitividade da Indústria Para embasar o diagnóstico do setor industrial de produtos lácteos paulista, é utilizado neste trabalho, o reconhecido modelo desenvolvido por Michael Porter em 1979. Cinco Forças, de Porter, é um modelo concebido para a análise da competição entre as empresas, que considera cinco fatoresou “forças competitivas”, que devem ser estudados para que se possa desenvolver uma estratégia empresarial eficiente. Segundo o modelo de tal autor (ver Figura 9.1), existem cinco forças competitivas fundamentais que influenciam o potencial de lucro de uma indústria, de um setor ou SAG, onde uma empresa está. Estas forças são: a rivalidade entre os concorrentes; o poder de barganha dos clientes e dos fornecedores; a ameaça de novos entrantes e de produtos substitutos. Em determinado momento, uma ou algumas dessas forças são mais importantes para um SAG, assumindo maior influência na determinação da sua lucratividade. Para se elaborar um planejamento Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 195 estratégico efetivo, faz-se necessário conhecer o setor e as características que governam suas forças competitivas. Figura 9.1: “Os Determinantes da Intensidade da Concorrência” – Modelo Cinco Forças Poder dos fornecedores São os mesmos fatores que determinam o poder dos compradores Também é importante analisar os seguintes pontos: - Quem são? Quantos são? Onde estão localizados - Qual a oferta total? Seus preços de venda? - Prazos de venda e entrega? - Qualidade dos produtos Competição na Indústria Ameaças de Novos Entrantes - Concentração Muitos concorrentes Diversidade dos concorrentes Diferenciação do produto Excesso de capacidade & barreiras à saída Condições de custo Estagnação ou declínio da indústria Produtos não diferenciáveis Grandes/raras ordens de vendas Preço cooperativo Preços e termos de vendas não observáveis Necessidade de capital Economias de escala Vantagem de custo absoluto (Curva de Experiência) Diferenciação de produtos Acesso aos canais de distribuição Barreiras legais/regulatórias Retaliação Externalidades de rede Expectativassobre competição futura Alta valorização da marca pelos consumidores Concorrência dos Substitutos - Propensão dos compradores de substituir - Preços e desempenhos dos substitutos - Disponibilidades de substitutos próximos Poder dos Compradores (clientes) • • • • • • • Sensibilidade do comprador ao preço Poder de barganha Concentração da indústria Disponibilidades de suprimentos substitutos Integração entre fornecedores Capacidade dos fornecedores de determinar o preço Relação - investimentos específicos Fonte: Neves (2006) - adaptado de Porter (1980) e Grant (2002). Vantagem Competitiva Para o marketing, a vantagem competitiva é aquela que uma empresa tem em relação aos seus concorrentes e geralmente se origina de uma competência central do negócio da empresa. Para que a vantagem funcione, ela precisa ser: difícil de se imitar; única; sustentável; superior à competição; aplicável a múltiplas situações. (PORTER, 1989). 196 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Exemplos de características de empresas que poderiam constituir uma vantagem competitiva incluem: foco no cliente com entrega de valor para ele; qualidade superior do produto; distribuição ampla; alto valor de marca e reputação positiva da empresa; técnicas de produção com baixo custo; patentes, direitos autorais e de propriedade industrial; proteção do governo (subsídios e monopólio); equipe gerencial superior e de funcionários. (PORTER, 1989). Alguns pesquisadores e estudiosos argumentam que devido à característica atual do mundo competitivo de mudança rápida, nenhuma das vantagens competitivas pode ser mantida no longo prazo. Alega-se que a única vantagem competitiva sustentável é a de construir uma empresa que se mantenha tão alerta ao ambiente e ágil para as mudanças, que sempre irá alcançar uma vantagem, a despeito das mudanças no ambiente interno e externo. 9.3. Análise da Competitividade da Indústria de Produtos Lácteos Na seção seguinte do trabalho, é mostrada a caracterização do diagnóstico da indústria de produtos lácteos, por meio de evidenciação e análise de informações. Além disso, são mostradas, já durante a etapa de diagnóstico, algumas tendências que podem influenciar as estratégias das indústrias em estudo. Competição na Indústria Mundialmente, observa-se que existe uma grande concentração da indústria com fusões, aquisições e investimento em grandes plantas industriais (ver Tabela 9.1), para a viabilização de escalas competitivas. Se esta tendência se configurar no Brasil, poderão ser trazidas importantes influências para os resultados à indústria paulista de lácteos. A concentração da indústria pode reduzir os resultados de indústrias pequenas e médias, devido à diferença do poder econômico e muitas vezes também do tecnológico. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 197 Tabela 9.1: Concentração industrial no ano de 2006 País 1ª empresa 2ª empresa 3ª empresa C3* Argentina SanCor Mastellone Saputo 37% Brasil DPA Parmalat Itambé 18% Canadá Saputo Agropur Parmalat 67% Chile Soprole Nestlé Colun 61% Costa Rica Dos pinos Los Prados Monteverde 94% México Lala Alpura Nestlé 42% Nicarágua Parmalat Nestlé Eskimo 44% Estados Unidos DFA Land’O Lakes Cal. Dairies 68% Uruguai Conaprole Ecolat Pili 80% * O indicador C3 representa a fatia do mercado de leite formal que as 3 (três) maiores empresas do país detêm. Fonte: FAO, 2006. Contudo, como se pode observar na Tabela 9.2, a concentração da indústria nacional tem se reduzido. Parte da explicação para este fato se deve, a despeito do crescimento da captação das maiores empresas (média de 13%), à entrada e ao aumento da captação (em média 21%) pelas demais empresas participantes. Acredita-se que pelas dimensões do Brasil e pelo potencial de crescimento do consumo, a concentração de indústria não deve aumentar a competição no médio prazo, porém deve-se atentar para o aumento da competição entre os mercados mais visados pelas empresas, como é o grande mercado consumidor paulista. Tabela 9.2: Evolução da concentração industrial no mercado brasileiro Indicador Anos 1999 2000 2.001 2002 2003 2004 C3 25,20% 24,28% 23,10% 22,26% 21,56% 21,16% C4* 32,18% 31,91% 30,25% 29,45% 26,29% 23,98% O cálculo da concentração foi realizado com dados da captação das empresas e da captação total no mercado formal. Fonte: Elaborado pelo PENSA a partir de: IBGE - Pesquisa Trimestral do Leite e CNA/ Decon / Leite Brasil / Embrapa Gado Leite. C4 é a fatia do mercado formal de leite que as quatro maiores empresas do país detêm. 198 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Atualmente no Estado de São Paulo, existem 356 indústrias de laticínios (231 sob inspeção estadual e 125 sob inspeção federal) que produzem principalmente leite UHT e pasteurizado (MAPA DO LEITE, 2006). Observa-se no gráfico 9.1, a diversidade dos concorrentes no Estado. Coexistem desde os pequenos laticínios que fabricam um único produto até as grandes multinacionais com mix diversificado de produtos. Gráfico 9.1: Número e participação dos laticínios paulistas por capacidade instalada em litros por dia (2006) 100 120% 93 90 80 89% 70 92% 96% 100% 97% 80% 59 60 72% 50 60% 59% 40 42 35 30 40% 36% 20 20% 10 0 100% 8 Até 5 5 a 10 10 a 20 90% dos laticínios - 30% do leite recebido 10% dos laticínios - 70% do leite recebido 20 a 50 50 a 100 10 7 4 100 a 300 Capacidade instalada 300 a 500 mais de 500 0% Número de laticínios Participação Fonte: SIF – Sistema de Inspeção Federal. A tendência da concentração e seus impactos sobre os resultados das indústrias paulistas de lácteos provocam preocupações quanto ao futuro do setor, devido ao grande número de pequenas e médias indústrias e de sua grande importância na geração de empregos e na distribuição da renda. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 199 Diferenciação Quanto à diferenciação no SAG, de maneira geral, observa-se a redução da participação na oferta de produtos mais diferenciados, como queijos e leite em pó e uma elevação na produção do leite UHT (Ultra High Temperature). Esta evolução da participação dos produtos é influenciada pelo sucesso do leite UHT. (ver gráfico 9.2) A praticidade e a conveniência oferecidas pelo leite UHT podem ser vistas como formas de diferenciação em relação aos produtos do passado. Atualmente, deve-se pensar em outras formas de diferenciação, baseadas nas novas exigências dos consumidores: qualidade, segurança, funcionalidade etc. Sabe-se que o faturamento da categoria de produtos funcionais cresceu mais de 400% entre junho de 2004 e junho de 2005. (UOL Notícias, 22/09/2006). Gráfico 9.2: Participação da Produção de Lácteos do Estado de São Paulo no Total Produzido no Brasil – 1995 e 2005 (em %) 60 50 40 30 20 1995 2005 10 0 Leite pasteurizado Leite UHT Leite em pó Queijos Fonte: Mapa do Leite em São Paulo (2006) – Leite Brasil. Apesar da queda na participação dos queijos entre os produtos paulistas, durante os últimos dez anos, este produto ainda representa o maior destino do leite no país. Existe predomínio do queijo tipo muçarela. Em relação ao leite pasteurizado, o Estado de São Paulo, apesar da queda na participação, é o maior produtor – com 25% do total para o programa Viva Leite. 200 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo A pesquisa, o desenvolvimento e a inovação podem ser considerados recomendações favoráveis ao aumento da diferenciação de produtos. Com o objetivo de avaliar como estas atividades são realizadas no Estado de São Paulo, foram realizadas entrevistas com industriais e organizações (institutos de pesquisa, universidades e laboratórios) envolvidos com esta atividade. No Estado de São Paulo, foram levantadas, junto a especialistas do setor, as seguintes organizações que estariam envolvidas com a pesquisa, com o desenvolvimento e com a inovação: ITAL Instituto de Tecnologia de Alimentos; Faculdade de Engenharia de Alimentos Universidade Estadual de Campinas; Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiróz/Clínica do leite; Universidade de São Paulo - Campus Pirassununga; Universidade Estadual de São Paulo – Campus Araraquara; Universidade Estadual de São Paulo – Campus Rio Preto; Universidade de São Paulo/ Farmácia - Campus São Paulo; Apta Regional – Itapetininga; Embrapa Gado de Leite - São Carlos. Junto a estas organizações e junto a representantes da indústria, foi realizada uma pesquisa para o diagnóstico do processo de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P&D) no sistema agroindustrial paulista do leite. Segundo as indústrias que responderam aos questionamentos, pouca inovação em produtos e processos é realizada internamente, sendo os fornecedores os principais provedores de novas tecnologias. Com relação ao processo de P&D, realizado pelas organizações, como institutos e universidades, na visão dos especialistas consultados, é realizado principalmente, o trabalho de inovação para as fazendas, ficando fora de foco as inovações em produtos e processos industriais. Na visão das organizações consultadas, que realizam P&D, confirma-se a escassez de trabalhos neste sentido para o SAG e mais acentuadamente ainda para a indústria. O principal problema apresentado para a realização dos trabalhos consiste na falta de recursos. Ressalta-se ainda como problema para o desenvolvimento do trabalho de P&D, a falta de proximidade e da construção de relacionamentos de longo prazo entre as universidades e as indústrias. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 201 Devido à importância da capacidade de inovação, geração e difusão de tecnologia para a competitividade e a sustentabilidade das indústrias, este aspecto será tratado em um dos dois projetos estratégicos no fim deste capítulo. Além das soluções tecnológicas, a diferenciação pode ser realizada com soluções mercadológicas. Como exemplo deste último tipo de solução, podem-se citar a criação de selos e marcas regionais (valorizam a região)e as certificações de orgânicos (mercadológica e tecnológica), de Fair Trade (certificam ajuda humanitária) ou de qualidade (pureza, padrão etc.). Estas podem ser consideradas as alternativas de diferenciação e de proteção contra a concorrência. Custos Os custos da indústria são compostos principalmente por matéria-prima, transporte (captação e distribuição), embalagens, produtos de limpeza e mão-de-obra. A análise destes custos apresenta uma grande dificuldade, devido às diferentes realidades encontradas pelas indústrias do Estado. Segundo as empresas de médio porte consultadas, o leite e as embalagens geram os principais custos. Visando à maior competitividade e sustentabilidade, os gestores dos laticínios devem buscar toda a redução possível de todos os custos, com ganhos de escala e, no mínimo, sem perda da qualidade. Comparando os custos das indústrias do Estado de São Paulo com os custos das indústrias de outros Estados, observa-se que estas apresentam a segunda maior eficiência relativa dos custos industriais. Em média, o Estado apresenta os custos mais baixos e a receita mais elevada (gráfico 9.3). 202 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Gráfico 9.3: Custo das Operações Industriais/Receita Líquida de Vendas Custo das Operações Industriais*/Receita Líquida de Vendas 0,97 0,75 RJ SC 0,74 0,74 RS PR 0,57 0,53 SP MG *Custo das Operações Industriais: leite, material de limpeza, ingredientes e embalagens Fonte: Elaborado a partir da PAI (2004). Com relação ao custo do leite adquirido, a indústria deve estar interessada em redução,principalmente para a produção de produtos que dependem da concentração de sólidos no leite como o leite em pó, o leite condensado, a manteiga e o queijo e deve-se pensar em elevar a qualidade da matéria-prima. Com base no caso relatado na tabela 9.3, pode-se observar a economia, dada a redução na taxa de conversão do leite em produtos, por meio do aumento no teor de sólidos. Tabela 9.3: Caso: redução de custos com o leite, via aumento dos sólidos Produto Final/ Destino Produção em Kg Captação com Taxa Média de Conversão Atual Captação com Taxa Média de Conversão em 1% Custo do Leite para Produção com Taxa de Conversão Atual Custo do Leite para Produção com Taxa de Conversão Reduzida em 1% Diferença no Custo de Leite para a Mesma Quantidade Produzida Queijos 1.000.000 9.800.000 9.702.000 4.900.000 4.851.000 49.000 Leite em pó 700.000 7.301.000 7.227.990 3.650.500 3.613.995 36.505 Manteiga 250.000 1.030.000 1.019.700 515.000 509.850 5.150 Para os cálculos, considerou-se: Laticínio com captação de 18.000 litros por ano. Taxa de conversão - Fonte: Neves, B dos S. Epaming - Instituto de Laticínios Cândido Tostes. Custo do leite de R$ 0,50 por litro. No caso analisado, pode-se observar uma economia anual de mais de R$ 90 mil, com a redução em 1% da taxa de conversão de Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 203 leite em produtos. Este recurso economizado pode ser investido na parceria com o produtor e com isso, levar não somente à redução na taxa de conversão, mas também ao aumento da qualidade do leite com relação à redução das células somáticas, ao relacionamento de longo prazo com o produtor e à conseqüente redução do risco da falta de matéria-prima, entre outras influências positivas. Evolução do Mercado Historicamente, o mercado nacional e paulista de lácteos caminhou a passos lentos, em relação aos grandes países produtores, acompanhando o crescimento vegetativo da população nacional. Porém, atualmente, há uma estagnação do crescimento vegetativo que, somada à concorrência frente aos demais produtos alimentícios, leva à necessidade de uma participação mais ativa na promoção do consumo e na diferenciação de produtos. (“A hora da verdade para o setor lácteo” – site MilkPoint, 2007). No médio prazo, vislumbra-se um aumento da renda média, que somado ao aumento da população urbana, pode levar à perspectiva de crescimento para a indústria de lácteos, mas não sem esforços maiores, devido ao aumento da competição que é uma característica dos mercados com demanda em expansão. Preço Cooperativo Atualmente, estima-se que o volume de leite captado em cooperativas do Estado de São Paulo corresponde à cerca de 30% a 40% do total captado pela indústria. Internacionalmente, observa-se a grande participação da captação por estas organizações (gráfico 9.1). 204 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Gráfico 9.4: Participação das Cooperativas na Recepção de Leite em 2005 % 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 US CR UY CA MX BR CH AR NI Fonte: FAO (2005). Uma elevação da participação na captação pelas cooperativas também pode levar à elevação do poder de barganha dos produtores com as indústrias e com os demais agentes. Neste sentido, faz-se necessária a ação da indústria, frente às cooperativas, buscando as possíveis alianças e a cooperação, mas ao mesmo tempo, o fortalecimento do relacionamento com o produtor rural ainda não-cooperado com os serviços, investimentos, pagamento por qualidade, contrato de longo prazo entre outras possíveis medidas para garantirem o seu suprimento de matéria-prima. Concorrência dos Substitutos Sabe-se que no Brasil, existe a propensão dos compradores em substituir o leite, em algumas ocasiões de consumo. O leite fluído tem forte apelo a ocasiões como o café da manhã e “antes de dormir”, mas é substituído em outras ocasiões de consumo (almoço e jantar). Os produtos derivados são mais valorizados, quando são considerados funcionais – p.ex. fonte de cálcio e proteína. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 205 Gráfico 9.5: Graduação e mudanças de hábitos alimentares Renda Alimentos Alimentos dietéticos e funcionais EUA Canadá Conveniência snacks Japão Europa Ocidental carnes, lácteos, açúcar, frutas, vegetais Europa do Leste América Latina grãos, raízes, arroz, feijão China Índia África Sub-Saariana Sobrevivência Produtos de base Variedade Qualidade Alta tecnologia Composição da dieta Fonte: ICONE, 2005. Quanto aos preços e desempenhos dos substitutos, observa-se que o mercado de sucos de frutas tem tido um crescimento, com a entrada de diversas marcas. O gráfico 9.2 mostra como a renda se relaciona com a mudança de hábitos, em busca de alimentos dietéticos e funcionais. 9.4. Projetos Estratégicos A seguir, são desenvolvidos dois projetos estratégicos que podem colaborar com o desenvolvimento do sistema agroindustrial do leite no Estado de São Paulo. Estes projetos têm como foco principal as pequenas e médias indústrias e foram desenvolvidos sobre iniciativas já consagradas com sucesso em outros SAGs. Estes projetos podem ser considerados como alternativas para o desenvolvimento de uma cultura de ações coletivas. Com isso, espera-se que as indústrias de produtos lácteos resolvam os seus problemas comuns como um sistema unificado. 206 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Centrais de Negócios A Central de Negócios consiste em um modelo de associação de empresas, desenvolvido pelo SEBRAE, para a busca conjunta de soluções no mercado. Apesar de ser trabalhado pelo SEBRAE sob este emblema, o conceito associativismo não é uma novidade: o poder de barganha, a negociação e a persuasão aumentam, conforme o poder ou o tamanho - seja na política, no comércio ou em qualquer outro setor. No mundo empresarial, este conceito se traduz em consolidação (as empresas maiores absorvendo as menores em áreas do seu interesse), em verticalização (empresas expandindo-se para cima ou para baixo no sistema de valor, via fusões e aquisições) e em concentração (a tendência de cada setor se reduzir em poucas empresas). Neste cenário, somente os maiores e os mais eficazes irão sobreviver. Possíveis objetivos das Centrais de Negócios: a compra conjunta; o planejamento de ações de venda; o acesso diferenciado à mídia; a capacitação de equipes; o plano de marketing conjunto; o centro de distribuição; o design de lojas; a marca padrão; as melhores condições para linhas de crédito; o maior acesso a informações de mercado e o fortalecimento de parcerias inter e intra-empresas. Quem pode participar? Os Laticínios que: tenham fornecedores e ou clientes em comum; atuem no mesmo segmento ou em segmentos complementares; possuam objetivos e interesses comuns; estejam situados em área geográfica compatível com o mercado e possuam interesse e disponibilidade para participarem das atividades. Utilidade das CNs para as indústrias de lácteos: nas compras de insumos; nas embalagens; nos produtos de limpeza; na logística (transporte); no melhoramento da qualidade – na busca de padrões e certificados; nas negociações de vendas; no acesso a linhas de crédito – na ampliação da capacidade e na produção de novos produtos; na constituição de marca padrão. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 207 Exemplos da Iniciativa SEBRAE-SC: iniciativa adotada sob a orientação do SEBRAE, desde 2003 e que conta atualmente com 450 empresas de diversos setores: materiais de construção, supermercados, panificadoras, escritórios de contabilidade, farmácias, indústrias de confecções, agropecuárias e videolocadoras de pequeno porte, cujo faturamento anual é superior a R$ 700 milhões e que geram mais de 1000 empregos diretos e atendem mais de 200 mil clientes. Os resultados alcançados são: o aumento do faturamento das participantes de 40%, em médiae descontos de até 15% nos negócios dentro das redes. Outros exemplos podem ser citados: FEBRAFAR - Federação das Redes Associativistas de Farmácias - www.febrafar.com.br; APAS - Associação Paulista de Supermercados - www.apas. com.br; ALOMAC (REDE CONSTRUIR) - Associação dos Lojistas de Material de Construção - www.redeconstruir.com.br. Instituto ou Rede de Pesquisa, Inovação e Disseminação Tecnológica As propostas de instituto ou rede de pesquisa, inovação e desenvolvimento neste projeto consistem em uma iniciativa para a organização das ações de pesquisa e de desenvolvimento para o setor lácteo e para a representação dessa matéria, frente aos setores público e privado. É recomendado que esta iniciativa seja ligada à organização vertical proposta neste projeto de planejamento estratégico para o SAG, devido às possíveis sinergias que podem ser encontradas nos trabalhos entre elas e que irão proporcionar ainda uma maior efetividade às ações de ambas. Participantes: podem ser criados pelas associações de classes, por empresas do setor (indústrias e fornecedores) e principalmente, por universidades e institutos de pesquisa existentes. Objetivos: a pesquisa e o desenvolvimento em produtos e em processos – com foco e profundidade na indústria do leite; estabelecer e consolidar a conexão entre as empresas, as universidades e os centros de pesquisas, a fim de gerar novas oportunidades de negócios e a capacitação tecnológica para a indústria; estimular a realização de cursos, workshops, os programas de capacitação profissional e os encontros técnicos com pesquisadores; pleitear os incentivos e as isenções fiscais para os associados, além de otimizar e direcionar os recursos disponíveis para a indústria de lácteos. 208 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Financiamento: as empresas e as organizações do setor com a possibilidade de abatimento dos impostos; os órgãos de fomento à pesquisa; o recurso destinado à organização vertical. Caso para benchmark: Itehpec - Instituto de Tecnologia e Estudos de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos A Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC) criou o Itehpec (Instituto de Tecnologia e Estudos de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos). Segundo o presidente da Abihpec, João Carlos Basílio da Silva, “o instituto vai estimular a realização de cursos, workshops, os programas de capacitação profissional e os encontros técnicos com os pesquisadores. Também vai pleitear os incentivos e as isenções fiscais para os associados, além de otimizar os recursos disponíveis para a pesquisa e o desenvolvimento.” Entre os parceiros do Itehpec, estão os centros de pesquisas, as universidades, o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec). Fonte: http://www.abdi.com.br/abdi/publicacao/engine.wsp?tmp.area=184&tmp.texto=600 – Invest News Online - 11/09/2006. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 209 10. PLANO DE EXPANSÃO DA EXPORTAÇÃO DE PRODUTOS LÁCTEOS27 Hélio Afonso Braga de Paiva28 e Marcos Fava Neves29 10.1. Introdução, Objetivos e Metodologia Assim como os demais planos realizados no projeto “Planejamento e Gestão Estratégica do sistema do Leite em São Paulo”, o “Plano de Exportação de Produtos Lácteos” surgiu a partir de uma demanda de membros do sistema agroindustrial, durante os workshops da primeira fase do projeto, que foi denominada “Mapeamento e Quantificação do Sistema Agroindustrial do Leite”. Nesta primeira fase, foi feita uma análise do levantamento de dados do sistema, que pudesse caracterizá-lo e identificar os seus problemas. Esta fase foi de suma importância, dada a necessidade de nivelar o conhecimento sobre o sistema ao seu posicionamento, frente às principais regiões produtoras e consumidoras de lácteos no Brasil e no mundo. Ainda na fase de mapeamento e quantificação, foi levantado o perfil comercial do Brasil e do Estado de São Paulo, contendo a evolução do volume em peso e valor das exportações de lácteos, além da pauta de exportação e os destinos dos produtos até 2005. Com isso, pôde-se perceber que o país vinha de um longo período de queda do grande volume de importações e que havia passado no ano de 2004, devido também ao aumento das exportações, a ser superavitário na balança de leite. Em 2005, o quadro de superavit foi mantido, mas em 2006, vimos novamente a balança de lácteos entrar em deficit. Nesse mesmo período, o Estado de São Paulo teve em sua balança comercial do leite um comportamento semelhante, contudo, o superavit passou perto de ser alcançado, mas não se concretizou. Atualmente, apesar do volume exportado ser maior que o importaOs autores agradecem à Laura Fernandes Garcia e ao Elio Galli Neto por colaborarem na elaboração deste capítulo. Pesquisador do Pensa e Markestrat. Administrador de Empresas e Mestrando em Administração pela FEA/USP. 29 Professor de Planejamento, Estratégia e Marketing da FEA/USP Ribeirão Preto. Coordenador do PENSA e Markestrat. 27 28 210 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo do, o Estado de São Paulo paga um preço médio maior pelos produtos que vêm de fora do que o preço que recebemos pelos produtos exportados, resultando em um maior valor para os produtos importados em comparação com os exportados. Não é novidade para nós ou para os demais países participantes do comércio internacional, que o Brasil, por diversos motivos, que vão desde as condições naturais favoráveis até a diferença cambial com os países desenvolvidos, é atualmente um dos grandes competidores internacionais em produtos como carnes, soja, açúcar etc. Neste projeto, considera-se que, assim como ocorre com estes produtos, o Brasil e o Estado de São Paulo podem tornar-se grandes produtores e exportadores de produtos lácteos. No decorrer do trabalho, são mostradas as condições para que isso aconteça, incluindo as informações sobre barreiras técnicas e comerciais, os tipos de exportação que podem ser realizados, além da identificação de oportunidades de mercado que se configuram para o futuro. Por fim, são estruturados dois projetos para o sistema agroindustrial do leite paulista que têm grande potencial para colaborarem com o desenvolvimento da atividade exportadora. O primeiro deles consiste em uma alternativa para a consolidação de esforços de exportação, chamada de consórcios de exportação. O segundo consiste em uma organização de representação e promoção comercial do sistema do leite paulista no exterior, nos moldes de outras organizações que já realizam, com sucesso, este trabalho. A pesquisa pode ser vista como exploratória e descritiva, devido ao caráter do levantamento de informações para a elevação do nível de entendimento sobre o problema e a descrição da situação enfrentada. Para isso, são utilizados os dados primários, levantados por meio de pesquisas, entrevistas, dados secundários e da busca de informações em sites, revistas, institutos de pesquisas etc. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 211 A metodologia do trabalho consiste em duas etapas básicas: 1) a busca, a análise e a síntese de dados e de informações para a compreensão conceitual e prática da atividade exportadora no mundo, no Brasil e mais especificamente, no Estado de São Paulo; 2) a busca de alternativas para os problemas encontrados e o desenvolvimento dos projetos que consistem no planejamento estratégico. A primeira etapa tem como resultado os conhecimentos sobre o processo de exportação, oferecidos por estudiosos, organizações do setor e especialistas. Nesta etapa, foram identificadas, por meio de uma análise ampla do mercado internacional e do processo de exportação paulista, as características que podem configurar forças, fraquezas, ameaças ou oportunidades para as empresas do sistema agroindustrial do leite. Na segunda etapa de busca e estruturação de projetos, considerou-se a necessidade da criação de propostas que possam ser colocadas em prática pelo setor privado. Foram estruturados os projetos que fazem parte de iniciativas conhecidas e desenvolvidas no Brasil e no mundo, mas que ainda não foram implementadas para a exportação de produtos lácteos no Estado de São Paulo. Nesta etapa, foi realizado o desenvolvimento de projetos com: objetivos, ações, orçamento, cronograma, responsáveis e formas de controle dos resultados para as alternativas selecionadas. 10.2. Teorias de Apoio A importância da atividade exportadora A exportação é uma atividade de grande importância para o aumento da competitividade de mercado de um sistema agroindustrial. Podem-se apontar diversos benefícios advindos da atividade exportadora, sendo eles a diminuição da carga tributária, através de créditos fiscais (IPI, ICMS, COFINS, PIS, PASEP, IOF) e a redução da dependência do mercado interno, sendo usado o mercado externo como ferramenta reguladora de estoques e preços internos. Há, ainda, uma importância estratégica de garantia de melhor posicionamento futuro no mercado globalizado. 212 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Outro aspecto positivo da exportação é que, ao se inserir no mercado externo, há um impulso global para o aumento da capacidade inovadora, a fim de se manter competitivo com as melhorias em processos industriais e comerciais. Da mesma maneira, os recursos humanos utilizados na atividade também tendem a ser aperfeiçoados, tendo em vista a experiência e a natureza dinâmica da atividade comercial internacional (DPR, 2004). Ao se inserir no mercado internacional, a imagem da empresa ganha impulso comercial e apelo social, sendo vista como empresa exportadora que alavanca o crescimento da economia brasileira, contribuindo para a geração de renda e de emprego (DPR, 2004). Marketing e exportação Para se exportar um produto, é importante levar em consideração os aspectos tanto do país origem (Brasil), quanto do país destino (mercado-alvo), em relação à forma de organização e realização de comércio internacional. Dentro das aptidões da empresa exportadora, existem duas formas básicas de se realizarem as exportações. A primeira delas, através de uma organização exportadora, dentro da própria empresa, implica em uma estrutura organizacional mais completa e definida e que dê suporte para esse tipo de atividade. Nesse caso, as exportações podem ser feitas como atividade de empregados locais ou por intermédio de sócios, ligados à estrutura de marketing local. Há ainda a possibilidade da criação de um departamento independente, responsável pela organização das exportações ou mesmo de uma divisão internacional, que cuide desta modalidade de comércio (NEVES & SCARE, 2001). A segunda maneira básica é mais voltada para empresas que ainda não possuem a estrutura formada para o suporte ao comércio internacional (empresas de pequeno a médio porte), ou mesmo para aquelas que decidam por terceirizar esse serviço. Ao decidir não realizar o marketing promocional, a empresa repassa tal responsabilidade aos prestadores de serviços, como trading companies, gerenciadores de exportação, corretores, representantes, distribuiPlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 213 dores ou agentes comissionados. Além disso, existem órgãos governamentais que fomentam as atividades exportadoras e proporcionam uma base de conhecimento e assistência para a realização da atividade exportadora (Kotler, 2005). Antes de ingressar em mercados internacionais, é preciso que algumas decisões-chave tenham sido tomadas. Inicialmente, é preciso decidir em qual mercado ingressar, levando-se em conta os fatores como: os custos de entrada e de controle do mercado, os custos de adaptação da produção e comunicação, e os demais fatores demográficos e psicográficos do mercado-alvo. Em seguida, é preciso definir sobre como ingressar no(s) mercado(s) escolhido(s), para então somente se definir o programa de marketing (produtos, preços, distribuição e promoção) a ser utilizado e como este será organizado (NEVES & SCARE, 2001). Especificamente com relação à exportação, deve-se ter o cuidado especial com a embalagem do produto que deve proteger a mercadoria no manuseio e nas diversas etapas do transporte. Para a escolha da embalagem adequada, deve-se considerar: o meio de transporte a ser utilizado, a forma de transporte (se em contêineres, caixas de madeira ou papelão etc.), o peso dos materiais utilizados no empacotamento e, principalmente, as orientações recebidas do importador, quanto às condições de desembarque da mercadoria no porto de destino. Modalidades de exportação Definem-se aqui as modalidades de exportação e seus principais atributos, ou seja, por quais as maneiras uma empresa pode ingressar no mercado internacional. De acordo com Kotler (2005), a exportação indireta é a mais segura no que tange ao grau de comprometimento, risco, controle e lucro para a empresa exportadora. A exportação indireta é feita por meio de intermediários independentes, podendo ser comerciantes já estabelecidos no país, ou mesmo agentes exportadores, como trading companies. 214 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Figura 10.1: Tipos de Exportação Exportação indireta Exportação direta Licenciamento Joint-ventures Investimento direto Fonte: Kotler, 2005. Outra maneira é o uso de empresas de gestão de exportação, que atuam como prestadoras de serviços, gerenciando as exportações. Esse tipo de exportação (indireta) é a que envolve o menor custo de investimento, pois a empresa não precisa estruturar uma equipe exportadora e nem desenvolver um departamento e contatos internacionais, sendo os intermediários os responsáveis pelo know-how dos mercados e serviços a serem utilizados. Se a empresa decide tomar as rédeas de sua atividade exportadora, busca a modalidade de exportação direta, que pode ser realizada de quatro maneiras distintas: a) Uso de um departamento ou divisão interna de exportação, tornando-se um departamento independente da atividade exportadora. b) Criação de uma filial ou subsidiária de vendas no exterior, sendo responsável pelas vendas, distribuição e promoção. c) Uso de representantes de vendas de exportação que viajam para o exterior buscando, contatos e oportunidades de negócios. d) Uso de agentes ou distribuidores estabelecidos no exterior, podendo ou não terem direitos exclusivos de representação em determinado país. Uma alternativa adicional de ingresso no mercado internacional é o uso de licenciamento. Nesse caso, o licenciador (empresa exportadora) concede os direitos do uso de processos de fabricação, da marca, da patente, ou até dos segredos comerciais para a empresa licenciada, num contrato regido pelo pagamento de royalties à licenciadora. Nesse processo, há um menor controle da empresa exPlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 215 portadora sobre a licenciada, além da possibilidade de se criar um concorrente futuro quando o contrato vencer. Para se resguardar de possíveis malefícios contratuais, a empresa licenciadora deve se manter em constante inovação, suportando assim, o caráter de dependência criado pelo contrato de licenciamento (Kotler, 2005). As joint-ventures são acordos entre investidores estrangeiros e locais, nos quais se dividem o controle e a propriedade do investimento. Isso geralmente ocorre, quando uma das partes complementa a outra em determinadas necessidades, sejam os recursos financeiros, o know-how de produção, o conhecimento de mercado etc. Em alguns mercados internacionais, é regra governamental que investidores externos se unam aos investidores locais (Kotler, 2005). O investimento direto é a forma mais completa de envolvimento em um mercado internacional. É feito por meio da propriedade direta de instalações de fabricação ou montagem no exterior, seja adquirindo uma empresa local existente ou criando uma nova empresa. Alguns quesitos importantes podem ser levados em consideração como vantagens para o investimento direto, em mercados internacionais. Os incentivos governamentais locais, possíveis matérias-primas mais baratas e o custo mais baixo de mão-de-obra podem levar a empresa a decidir por essa modalidade exportadora, que é considerada como o maior grau de comprometimento, risco, controle e lucro (Kotler, 2005). Existem ainda projetos que privilegiam os agrupamentos de micro e pequenas empresas, são estruturados como Projeto de Exportação Consorciada e recebem o apoio da Agência de Promoção de Exportação e Investimentos (APEX - Brasil). Tais projetos de exportação consorciada, ou também chamada de Consórcios de Exportação, são criados a partir de um conjunto de empresas com interesses comuns que se organiza em torno de uma entidade estabelecida juridicamente, para promover o acesso de seus produtos e serviços no mercado internacional. É uma sociedade civil sem fins lucrativos, que objetiva melhorar a oferta exportável e promover as exportações (Kotler, 2005). 216 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 10.3. Painel do Mercado Lácteo Mundial e Oportunidades Mercado Mundial As empresas e organizações tentam estimar qual será a configuração do mercado internacional de lácteos para tentarem antever suas prováveis ações estratégicas: onde deverão ser realizados os investimentos, com quem competir ou cooperar, de quem comprar etc. Para isso, são levadas em consideração as produções atuais dos países e as perspectivas para o futuro, dadas as restrições (terra, água, capital etc) e as potencialidades de cada país. Segundo a Rabobank, o Brasil será um dos grandes futuros exportadores de lácteos para os cinco continentes. A despeito das expectativas internacionais, resta aos membros do sistema do leite paulista planejarem e buscarem os resultados que os demais países prevêem. Atualmente, o mercado mundial de lácteos tem como grandes participantes a Nova Zelândia e a União Européia. O destaque entre estes países é a Nova Zelândia, dada a produção livre de subsídios e altamente intensiva em tecnologia, além da infra-estrutura desenvolvida. As empresas exportadoras de lácteos do país também têm firmado alianças com distribuidores europeus, para escoamento de seus produtos, facilitando o processo de vendas externas. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 217 Gráfico 10.1: Participação no comércio internacional dos maiores países exportadores Austrália 15,5% EUA 4,0% NZ 34,6% Outros 14,8% EU 31,1% Total: 30 bilhões de litros Fonte: Australian Dairy Corporation. Elaboração: CNA/Decon. Oportunidades no Mercado Internacional de Lácteos Nesta seção do trabalho, são mostrados os comportamentos e as projeções da importação e do consumo dos possíveis mercados a serem atendidos pelos produtos paulistas, em busca de oportunidades para a ampliação das exportações de lácteos e dos ganhos para o Brasil. As oportunidades mundiais ao Brasil crescem devido à escassez mundial de leite, devido a um choque na demanda mundial, advindo do crescimento e do enriquecimento de populações no mundo, fazendo com que muitas pessoas saiam da linha da pobreza e entrem na classe média. De acordo com Torsten Hemme, diretor do centro IFCN, “o que é incomum, e de certa forma causa confusão, no boom do leite, comparado com outras matérias-primas é que o leite não é como o petróleo: você não pode colocá-lo em barris e armazenar porque ele azeda. Mesmo em forma de pó, a versão mais comercializada, o leite tem um prazo de validade. Em conseqüência, somente cerca de 7% de todo o leite produzido globalmente são exportados. O resto é consumido nos mercados internos, que são protegidos pela geografia e com a mesma freqüência, por tarifas ou subsídios. Os grandes compradores como os fabricantes de chocolates e os supermercados 218 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo compram leite sob contratos de longo prazo e assim, podem enfrentar os aumentos ou as reduções drásticas de preços. Portanto, o pleno impacto da escassez global varia de país para país e nem todos os consumidores já estão sofrendo esse impacto. Devido à natureza local do mercado, há muito pouca capacidade excedente. No passado, o mundo sempre poderia contar com os EUA e a Europa para suprir a escassez, exportando parte de seus estoques subsidiados de queijo, manteiga e leite em pó. Mas os EUA reduziram sua montanha de manteiga e outras; o mesmo vale para a União Européia, que começou a reduzir os subsídios aos laticínios em 1993 e os encerrará este ano. O aumento da demanda nos EUA e entre os novos membros da UE, além disso, está reduzindo sua oferta. A Austrália, um grande exportador, sofre há vários anos uma seca que devastou sua a produção de leite, matando os pastos. Muitos australianos temem que, longe de ser um problema temporário, a seca seja conseqüência do aquecimento global e que os laticínios nunca mais se recuperem”. O primeiro fato a ser considerado na busca de novos mercados, é que os grandes potenciais consumidores são os países em desenvolvimento. Conforme se pode observar no gráfico 10.2, a variação da importação de leite entre os países em desenvolvimento será de mais de 40%, oferecendo oportunidades para novos exportadores. Gráfico 10.2: Projeção da evolução de importação de leite no mundo (milhares de toneladas) 40.000 35.000 2000 2010 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 0 Em desenvolvimento Desenvolvidos Em transição Fonte: FAO – Dairy Projections to 2010. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 219 Observando o gráfico 10.3, pode-se obter um mapa dos países que podem ser atraentes para as exportações brasileiras e paulistas dadas as suas projeções de crescimento das importações. Entre os países com destaque no crescimento das importações, estão o México, o Japão, a Rússia, a Malásia, a Tailândia, a Venezuela, a China, a Coréia e Marrocos. Gráfico 10.3: Projeção da evolução de importação de leite 2000 – 2010 South Africa Turkey Argentina 2010 2000 Morocco Colombia Czech R Pakistan Hungary Chile Korea Rep. Canada Switzerland Australia Egypt China Poland Venezuela Thailand Saudi Arabia Nigeria Malaysia Algeria Russian Fed. Brazil Japan EU15 Mexico EUA -500 0 500 1500 2500 3500 4500 5500 Fonte: FAO – Dairy Projections to 2010. Quanto à atratividade do valor oferecido pela exportação de lácteos, nota-se que nos últimos cinco anos, existe uma tendência de alta. A figura 10.4 mostra o comportamento dos preços de uma cesta com os principais produtos lácteos, ponderados por sua importância no mercado internacional. Contudo, o preço de exportação dos produtos lácteos deve ser calculado também com base na cotação da taxa de câmbio entre os 220 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo países exportadores e importadores. Quanto mais valorizada a moeda do país de destino, frente à moeda do país exportador, maiores são as possibilidades de concretização de ganhos. Gráfico 10.4: Evolução do preço internacional do leite e produtos lácteos 160 Tendência de alta 140 120 100 80 60 Índice ponderado de exportações de produtos lácteos 1998/2000 = 100 (ano base) 40 0 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set 20 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Fonte: FAO Commodities and Trade Division. Os preços dos produtos lácteos no mercado internacional têm assinalado uma tendência de alta por diversos motivos. Em grande parte, podem ser explicados pelo crescimento da demanda, a impossibilidade de aumento da produção dos principais exportadores e no caso da União Européia, a retirada de subsídios à exportação. No final de janeiro de 2007, o preço em dólar, da tonelada do leite em pó no mercado internacional, saltou de US$ 2,2 mil para US$ 3 mil. Os efeitos climáticos também alteraram a oferta global de lácteos e podem significar oportunidades para o Brasil. 10.4. Barreiras à Exportação Como foi visto na seção anterior da pesquisa, existem diversas oportunidades que podem ser aproveitadas, porém, as chances delas se concretizarem, dependem de algumas restrições que são chamadas de barreiras, no caso das exportações. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 221 Entre as barreiras à exportação estão: a concorrência com outros produtos nacionais, a legislação, as normas e os padrões de qualidade, a logística, a concorrência externa, o protecionismo etc. Nesta seção do trabalho, serão discutidas algumas barreiras à exportação brasileira de produtos lácteos, para se compreender como elas podem interferir nos resultados deste processo. Uma grande barreira para as exportações de produtos lácteos são os subsídios que são os recursos oferecidos aos produtores que elevam a sua competitividade e prejudicam os países que seriam mais competitivos. Como mostra o gráfico 10.5, o leite é o produto que mais recebe subsídios, entre as diversas commodities em análise. Gráfico 10.5: Subsídios mundiais por produtos (US$ milhões) 80.313 44.045 27.587 Leite Carne Bovina 25.706 Arroz 17.578 Trigo 11.435 9.885 8.913 6.252 6.156 4.790 4.439 4.439 130 Milho Outros Cereais Carne Suína Açúcar Oleaginosas Aves Carnes Ovinas Ovos Lã Outros Produtos Fonte: OCDE. Além dos subsídios aos produtos, podem-se encontrar no processo de exportação as tarifas de exportação que elevam os custos desta atividade. De acordo com a tabela 10.1, ao mesmo tempo em que o México tem elevadas projeções de importação (como foi mostrado na seção anterior), também possui tarifas proibitivas para o leite em pó e o condensado com açúcar. 222 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Cota tarifária e Medidas de salvaguarda Cota tarifária é uma política de importação que permite a um país exportar uma quantidade específica de determinado produto para os Estados Unidos a uma tarifa relativamente baixa, ficando todas as outras importações desse produto sujeitas a uma tarifa mais alta. Medidas de salvaguarda são medidas de “urgência”, aplicadas contra as importações de produtos determinados, independentemente de sua procedência e unicamente durante o período necessário para prevenir ou reparar o dano e facilitar o reajuste da indústria nacional. Estas medidas são aplicadas, quando as importações no território do país importador aumentam excessivamente — em termos absolutos ou em relação à produção nacional — e se realizam em condições, que causam ou ameaçam causar um dano grave ao setor da produção nacional que fabrica produtos similares ou diretamente concorrentes. As medidas de salvaguarda podem ser aplicadas como: a elevação do imposto de importação, por meio de adicional à Tarifa Externa Comum – TEC e restrições de quantidades. No Brasil, esta medida é aplicada pela CAMEX - Câmara de Comércio Exterior, que fundamenta a sua decisão no Parecer Final elaborado pelo DECOM - Departamento de Defesa Comercial da SECEX - Secretaria de Comércio Exterior do MDIC. Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Tabela 10.1: Tarifas aplicadas aos produtos lácteos EU USA Índia China Mexico Leite em pó integral 78% 42% 60% 10% 125% Leite em pó desnatado 80% 49% 60% 10% 125% Leite condensado sem açúcar 189% 33% 30% 10% 45% Leite condensado com açúcar 173% 45% 30% 10% 55% Em negrito: quando ainda há o direito de aplicar salvaguarda : quando há cota tarifária Fonte: ICONE. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 223 Além das barreiras externas dadas pelas tarifas, cotas e subsídios, existem as internas ao Brasil que impedem a ampliação do processo de exportação. As barreiras relativas ao padrão e à qualidade dos produtos têm grande importância, mas estes aspectos são discutidos em outros projetos. A questão da infra-estrutura da logística nacional para a exportação por sua vez, também deve ser fator considerado. 10.5. Características das Exportações Paulistas de Produtos Lácteos As exportações de lácteos paulistas serão analisadas nesta seção do trabalho em relação ao tempo, aos produtos exportados e os seus destinos, em comparação com o total nacional e os demais Estados como forma de situarmos os projetos a serem desenvolvidos e trazermos novas informações para os integrantes do sistema no Estado. De 1996 a 2006, as empresas do Estado de São Paulo evoluíram suas exportações, em ritmo menor do que o da soma nacional. Em contrapartida, as exportações paulistas não tiveram o valor retraído de 2005 para 2006, como aconteceu com o total nacional. Este fato pode denotar uma maior segurança das exportações paulistas em comparação com os outros Estados (ver gráfico 10.6). Nota-se, para o Brasil e para o Estado de São Paulo, um aumento maior do valor das exportações em comparação com o volume exportado, principalmente a partir de 2004. Este comportamento do valor das exportações em relação ao volume exportado mostra que houve uma elevação do preço médio em dólar, reduzindo a perda de competitividade, causada pela valorização do Real neste período (ver gráfico 10.7). 224 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Gráfico 10.6: Evolução das exportações do Brasil e de São Paulo 140.000.000 120.000.000 Kilograma líquido - SP 100.000.000 Kilograma líquido - BR Receita em US$ - SP 80.000.000 Receita em US$ - BR 60.000.000 40.000.000 20.000.000 1999 1998 1997 1996 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Anos Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Aliceweb. O Estado de São Paulo respondeu, em 2006, por quase 40% (US$ FOB) da receita total nacional de exportação de lácteos, frente a uma participação de 30% em 2005 e mais de 60% em 2002 (ver gráfico 10.6). O gráfico 10.7 mostra que, apesar da importância atual do Estado na exportação, houve uma grande queda da participação do ano de 2002 ao ano de 2005, com pequena recuperação em 2006. Gráfico 10.7: Evolução da participação das exportações de São Paulo no total das exportações brasileiras 80% 70% 60% % 50% 40% 30% Kilograma líquido - SP/BR Receita em US$ - SP/BR 20% 10% 0% 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Aliceweb. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 225 Entre as empresas exportadoras de produtos lácteos do Brasil, o Estado de São Paulo conta com 39%, realizando cerca de 50% das exportações, enquanto Minas Gerais possui cerca de 8% das empresas que realizam 35% das exportações. Os demais Estados têm 53% do total de empresas exportadoras, realizando apenas 15% das exportações. Em comparação com o Estado de Minas Gerais, pode-se observar que a exportação média por empresa, no Estado de São Paulo, é muito menor. Portanto, pode-se considerar que as exportações paulistas são as mais pulverizadas entre as empresas. Gráfico 10.8: Exportadoras de laticínios de SP e MG 53% 50% % de empresas exportadoras % do volume exportado 39% 35% 15% 08% SP MG Demais Fonte: Catálogo de Exportadores Brasileiros. Este fato pode indicar que existe uma maior solidez nas exportações do Estado de São Paulo em comparação com Minas Gerais, dada a menor dependência das exportações sobre algumas poucas empresas. Porém, deve-se considerar que existe uma participação elevada entre tradings e as grandes empresas (ver gráfico 10.9). 226 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Gráfico 10.9: Número de empresas exportadoras x Faixa de faturamento total Indústrias e Exportadoras do Estado de São Paulo 18 - Serlac: Itambé, CCCL, Confepar, Embaré e Ilpisa. - 60% das exportações para África + 60 países, inclusive a Coréia e Cuba. - Nestlé: 55% das exportações do BR em 2004 - novas unidades no Nordeste e no Sul. 05 02 Até US$ 1 milhão De US$ 1 a 10 milhões 01 De US$ 10 a 50 milhões Acima de US$ 50 milhões Fonte: Câmara de Comércio Árabe-Brasileira. Tratando-se da pauta de exportação paulista em relação a outros Estados, observa-se uma grande participação com o leite “in natura” (“Outros leites, cremes de leite, concentrados, adocicados”). Nota-se, a partir do ano de 2003, uma grande evolução da exportação de outros produtos de outros Estados, com destaque para Minas Gerais, Goiás e Rio Grande do Sul (ver gráfico 10.10). Gráfico 10.10: Evolução das receitas com os principais produtos exportados por Estado Evolução da Receita em US$ - 10 produtos mais exportados em 2006 (65% da Exportação Total = 120.387.356) 90.000.000 6 Estados com 5 tipos de produtos = 65% das exportações de lácteos do Brasil 80.000.000 70.000.000 US$1,22 US$1,17 US$3,55 US$2,48 US$2,48 60.000.000 US$1,22 50.000.000 Outros cremes de leite, matéria gorda > 6%, não-concentrado, não-adocicado - SP Queijos fundidos, exceto ralados ou em pó - SP Queijo tipo muçarela, fresco (não curado) - PR US$2,19 Queijos fundidos, exceto ralados ou em pó - PR US$2,19 40.000.000 Outros leites, cremes de leite, concentrados, adocicados - RJ Outros leites, cremes de leite, concentrados, adocicados - MG 30.000.000 US$2,19 Leite integral, em pó, matéria gorda > 1,5%, concentrado, não-adocicado - RS 20.000.000 Leite integral, em pó, matéria gorda > 1,5%, concentrado, não-adocicado - GO US$1,22 10.000.000 0 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Leite integral, em pó, matéria gorda > 1,5%, concentrado, não-adocicado - MG 2005 2006 Outros leites, cremes de leite, concentrados, adocicados - SP Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Aliceweb. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 227 O espaço ocupado no mercado internacional por estes Estados indica que pelo menos uma parte do potencial de crescimento das exportações não foi aproveitada pelo Estado de São Paulo, apesar do crescimento registrado (ver gráfico 10.11). Gráfico 10.11: Evolução da participação dos principais produtos exportados por Estado Participação na Receita dos 10 produtos mais Exportados - 65% da exportação 100% Outros leites, cremes de leite, concentrados, adocicados - RJ Outros cremes de leite, matéria gorda > 6%, não-concentrado, não-adocicado - SP 80% Queijos fundidos, exceto ralados ou em pó - SP Queijo tipo muçarela, fresco (não curado) - PR 60% Queijos fundidos, exceto ralados ou em pó - PR Outros leites, cremes de leite, concentrados, adocicados - MG 40% Leite integral, em pó, matéria gorda > 1,5%, concentrado, não-adocicado - RS Leite integral, em pó, matéria gorda > 1,5%, concentrado, não-adocicado - GO 20% Leite integral, em pó, matéria gorda > 1,5%, concentrado, não-adocicado - MG 0% 1996 Outros leites, cremes de leite, concentrados, adocicados - SP 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Aliceweb. Entre os produtos exportados pelo Estado de São Paulo, no período de 2003 a 2006, ocorreu pouca diversificação, com destaque para os “Queijos fundidos” e “Outros queijos”. No período mostrado no gráfico10.12, houve um grande aumento das exportações, principalmente com “Outros leites, cremes de leite, concentrados, adocicados” (predominantemente leite condensado). Nota-se que a exportação de leite em pó do Estado é relativamente pequena, apesar da atratividade provocada pelas perspectivas de alta de preços deste mercado em 2006. 228 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Gráfico 10.12: Evolução da receita com os 10 principais produtos lácteos exportados pelo Estado de São Paulo 50.000.000 Outros queijos 10 produtos = 96% das exportações de lácteos do Estado 45.000.000 40.000.000 Óleo Butírico de manteiga (“Butter oil”) Outros queijos frescos (não-curados), incluindo requeijão etc. 35.000.000 Outros leites, cremes, em pó, matéria gorda < = 1,5%, concentrado, adocicado 30.000.000 Leite parc. desnatado em pó, matéria gorda > 1,5%, concentrado, não-adocicado 25.000.000 Leite integral, em pó, matéria gorda > 1,5%, concentrado, não-adocicado 20.000.000 Leitelho, leite, creme de leite, coalhados, fermentados etc. 15.000.000 Outros cremes de leite, matéria gorda > 6%, não-concentrado, não-adocicado 10.000.000 Queijos fundidos, exceto ralados ou em pó 5.000.000 Outros leites, cremes de leite, concentrados, adocicados 0 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Aliceweb. Em complementação à análise anterior da pauta de produtos, observa-se no gráfico 10.13, que houve um grande aumento da participação da exportação de leite condensado, ocupando o espaço antes tomado principalmente, por “Queijos fundidos”. A partir de 2003, verifica-se também o início das exportações de leite em pó. Gráfico 10.13: Participação nas exportações entre os dez principais produtos lácteos do Estado de São Paulo 100% Outros queijos Óleo Butírico de manteiga (“Butter oil”) 80% Outros queijos frescos (não-curados), incluindo requeijão etc. Outros leites, cremes, em pó, matéria gorda < = 1,5%, concentrado, adocicado 60% Leite parc. desnatado em pó, matéria gorda > 1,5%, concentrado, não-adocicado Leite integral, em pó, matéria gorda > 1,5%, concentrado, não-adocicado 40% Leitelho, leite, creme de leite, coalhados, fermentados etc. Outros cremes de leite, matéria gorda > 6%, não-concentrado, não-adocicado 20% Queijos fundidos, exceto ralados ou em pó Outros leites, cremes de leite, concentrados, adocicados 0% 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Aliceweb. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 229 Em suma, podemos dizer que o Estado de São Paulo tem evoluído no processo de exportação. Causa preocupação para o andamento do processo de ampliação das exportações, o predomínio de um único produto e o grande número de pequenas empresas exportadoras (faturamento anual de até 1milhão), que podem sofrer mais que as empresas maiores, os prejuízos provocados por uma possível valorização cambial ou o aumento do protecionismo internacional. 10.6. Projetos Estratégicos Consórcio de Exportação Um consórcio de exportação consiste em um conjunto de empresas com interesses comuns que se organizam em torno de uma entidade estabelecida juridicamente, para promoverem o acesso de seus produtos e serviços no mercado internacional. O consórcio é uma sociedade civil, sem fins lucrativos, com objetivos comuns de melhoria da oferta exportável e de promoção de exportações. Os consórcios podem ser de promoção à exportação com foco na promoção comercial dos produtos, em que o próprio consorciado é o exportador; e de vendas, com a realização de ações de exportações por uma empresa exportadora criada (ou contratada), com a finalidade de prestar serviços aos consorciados. Não há exclusividade na prestação de serviços. O SEBRAE trabalha com três etapas para formalização dos consórcios: Apoio à criação: diagnóstico e seleção dos participantes do consórcio; Desenvolvimento de ações estratégicas: execução e coordenação estratégicas (pré-formação do consórcio) e Consórcio constituído: desenvolvimento de ações de coordenação, monitoramento e acompanhamento das atividades do consórcio. Com a efetuação do consórcio, podem-se alcançar as seguintes vantagens e benefícios: redução dos custos de exportação, através de despesas compartilhadas, ampliação da escala de produção, absorção de novas tecnologias de produção, acúmulo de conhecimento em marketing internacional, redução das flutuações estacionais 230 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo nas vendas, efeito moral (motivador) sobre as empresas participantes, aumento da competitividade perante os concorrentes internos, acesso mais fácil às entidades de crédito, maior poder para negociar preços e prazo junto a fornecedores, possibilidade de criação de uma marca forte, aprimoramento do processo de gestão e produção. A despeito dos benefícios, há alguns obstáculos para a formação dos consórcios que são: a falta de uma cultura exportadora, de uma mentalidade associativa observada em alguns grupos, a carência de recursos humanos qualificados para gerências de consórcios e o elevado grau de informalidade, predominante nas relações comerciais internacionais. Outro entrave para a formação de consórcios é o financiamento. No Brasil, além do financiamento próprio e de terceiros (bancos, financeiras etc.), pode-se contar com o financiamento da APEX – Agência de Promoção de Exportações e Investimentos. Como vimos, existe uma demanda internacional em crescimento, preços em tendências de alta, além da oferta sem possibilidade de elevação pelos principais países exportadores. Neste contexto de oportunidades, a difusão e a implementação de iniciativas, como os consórcios de exportação, podem contribuir para a alavancagem da atividade exportadora, com a união de esforços entre as empresas. Organização para Representação e Desenvolvimento da Exportação A proposta de organização para representação e desenvolvimento da exportação, denominada preliminarmente neste projeto de APIEL (Associação Paulista das Indústrias Exportadoras de Leite), consiste em uma alternativa para a organização das ações de promoção e a representação das indústrias exportadoras do setor lácteo paulista e para a representação dessa matéria, frente aos setores público e privado. Esta associação pode ser criada pelas demais associações do setor como: Associação Brasileira de Inseminação Artificial, Associação Brasileira do Leite Longa Vida, Associação Brasileira das Indústrias de Queijo, Associação Brasileira das Indústrias de Leite Pasteurizado e Associação dos Laticínios de Pequeno Porte de São Paulo, além de emPlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 231 presas do setor como as indústrias e os fornecedores. Não se descarta a possibilidade de que uma das associações já existentes, assuma a função proposta para a APIEL. A APIEL deve ter como objetivo: a união dos esforços entre os interessados no desenvolvimento do setor para a promoção do leite brasileiro pelo mundo em feiras e exposições, a fim de gerar novas oportunidades de negócios; estimular a realização de cursos, workshops, programas de capacitação para exportação; promover encontros entre importadores e exportadores, para a realização de negócios e alianças; pleitear os incentivos e as isenções fiscais para os associados; otimizar os recursos disponíveis para o desenvolvimento da exportação. Com relação ao financiamento, este pode ser pleiteado junto às empresas e às organizações do setor, com possibilidade de abatimento dos impostos, e junto aos órgãos de fomento à exportação. Quanto à organização, pode-se estruturar a APIEL da seguinte maneira, de acordo com os seus objetivos e com a necessidade de uma participação ampla: Comitê de Planejamento Estratégico - constituído por representantes das indústrias, estabelecendo as diretrizes para o desenvolvimento das exportações; Gestores/coordenadores de projetos; Pesquisadores em mercados e barreiras; Pesquisadores em gestão da exportação e padrões de qualidade; Pessoal de apoio; Parceiros: outras associações, organizações (Universidades, APEX, CELEX etc.) e empresas do setor. 232 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Figura 10.2: Proposta de organização daestrutura da APIEL 1 - Comitê de Planejamento Estratégico: 2 - Gestores/coordenadores do projeto 4 - Pesquisadores em gestão e padrões de qualidade 3 - Pesquisadores em mercados e barreiras 5 - Pessoal de apoio 6 - Parceiros 5 - Pessoal de apoio 6 - Parceiros Fonte: Elaboração própria. A seguir, há o estudo do caso de organização dos Estados Unidos que trabalha com a representação das empresas exportadoras e para o desenvolvimento das exportações e pode ser vista como um exemplo a ser observado e adaptado para o contexto do sistema do leite em São Paulo e no Brasil. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 233 Caso USDEC – United States Dairy Exports Council Esta organização representa um esforço cooperativo entre os produtores rurais e os processadores. O trabalho busca conjuntamente elevar a demanda e as vendas de produtos lácteos. Em outras palavras, existem objetivos comuns e reunião de conhecimento e recursos para aumentarem a atividade de laticínios internacionalmente. Prioridades estratégicas: reforçar a imagem da indústria americana, como um confiável fornecedor de produtos lácteos de qualidade, por meio de ajuda/ colaboração em marketing e produtos; construir uma demanda para os EUA, em mercados selecionados; redução de barreiras à entrada; promover um ambiente positivo de regras de comércio internacional; construir o refinamento e a capacidade dos exportadores americanos. Quanto às fontes de recursos e gastos do USDEC: no ano de 2005, o conselho obteve US$ 15.400.000 em recursos para o seu financiamento que são captados de duas principais fontes: da própria indústria, de onde provêm 49% dos recursos (US$ 7.560.000 em 2005) e do governo, que representa 43% dos recursos (US$ 6.571.000 em 2005). Os associados respondem por apenas 4% dos recursos, juntamente com outros 4% de outras diversas fontes (US$ 672.000,00 e US$ 597.000,00 em 2005, respectivamente). As despesas do USDEC foram direcionadas em 2005 (os mesmos US$ 15.400.000 captados), da seguinte maneira: 62% (US$ 9.591.000) em desenvolvimento de mercado, 18% (US$ 2.757.000,00) em operações de programas, 11% (US$ 1.659.000) em ambiente de exportação, 4% (US$ 600.000,00) em comunicação para a indústria, 4% (US$ 553.000) em despesas gerais e administrativas, e 1% (US$ 240.000) em rendimentos não alocados. Estas informações podem servir como base de comparação para a construção da APIEL com sua estrutura, objetivo, fontes de recursos e origens dos gastos. Fonte: site do USDEC: <www.usdec.org>. Organizações brasileiras em outros SAGs: ABIEC http://www.abiec.com.br; CECAFE < http://www.cecafe.com.br>. 234 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 11. OPORTUNIDADES EM MARKETING PARA O SISTEMA AGROINDUSTRIAL DO LEITE30 Ricardo Messias Rossi31 e Marcos Fava Neves32 11.1. Introdução, Objetivos e Métodos Os estudos relacionados aos Sistemas Produtivas e aos Sistemas Agroindustriais mostraram uma nova faceta para a competição. Enquanto o enfoque tradicional enfatizava a competição de produtos similares, dentro de um determinado mercado, o sistêmico mostrou que a competição entre sistemas interfere na organização industrial e na escolha do consumidor, refletindo-se no resultado financeiro das empresas. Assim, por exemplo, maior do que a concorrência entre frigoríficos que comercializam a carne bovina está a competição entre os sistemas produtivas da carne bovina, de frangos e de suínos, pela decisão do consumidor final em adquirir a proteína animal. Da mesma forma, o sistema agroindustrial do leite precisa se estruturar e, por meio da coordenação de atividades, visando a ganhar a participação na preferência dos consumidores em relação aos diversos produtos substitutos, como por exemplo, o “leite” de soja, os refrigerantes e os sucos. Em alguns casos, ações conjuntas com outros sistemas podem ser realizadas para atenderem melhor um determinado mercado-alvo. Este capítulo apresenta algumas oportunidades identificadas para o Sistema Agroindustrial do Leite. O Sistema Agroindustrial do Leite foi desenvolvido no Brasil, para atender o mercado de massa, com trabalhos relativamente restritos para os mercados específicos (nichos de mercado). No entanto, nos últimos anos, o mercado passou por modificações significatiGostaríamos de agradecer a colaboração de Carla Artoni, Daniel Felippe, Manuela Gama, Nelson Staudt, Roberto Jank Júnior e Roselaine Pedro. 31 Pesquisador do Markestrat e do Pensa. Mestre em Administração de Empresas e Doutorando em Engenharia de Produção pela UFSCar. 32 Professor de Planejamento, Estratégia e Marketing da FEA/USP Ribeirão Preto. Coordenador do PENSA e Markestrat. 30 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 235 vas, quanto aos produtos oferecidos, bem como ao comportamento de compra do consumidor. Atualmente, a orientação das empresas para os mercados específicos tem feito com que elas desenvolvam produtos, campanhase canais de distribuição, que possam atender as necessidades desses nichos/segmentos. O mercado consumidor tem exigido produtos específicos para suas necessidades, o que aumenta a necessidade de adequação da indústria. Cabe a ela reconhecer as novas oportunidades que surgem nesse mercado, sejam elas em nichos, em produtos a serem desenvolvidos, em adequações dos existentes em outros países, em campanhas de promoção e de preço de venda do produto e o que o consumidor está disposto a pagar. Ainda existe um grande potencial para a indústria láctea focalizar no desenvolvimento de produtos para nichos de mercado, aproveitando as oportunidades para produtos específicos. Dessa forma, percebe-se que deve ocorrer a adequação da indústria paulista para aproveitar as oportunidades latentes, aumentando o consumo de leite e melhorando a qualidade da alimentação da população. Em geral, tanto o desenvolvimento do mercado de nicho, com o foco em geração de valor à oferta, quanto o mercado de massa, com foco em qualidade e controle de custos, são equivalentemente importantes para o sucesso de um Sistema Agroindustrial. Este capítulo tem como objetivo, apresentar algumas oportunidades de mercado que podem estimular o aumento do consumo de leite, visando a: • Identificar oportunidades latentes do mercado para o leite e os seus derivados; • Classificar estas oportunidades em função de sua relevância e viabilidade; • Desenvolver sobre uma lista, as oportunidades consideradas mais importantes, em função da relevância e da viabilidade. O método utilizado no desenvolvimento deste estudo é constituído por três etapas. A primeira consiste na identificação das oportunidades latentes do mercado. Na segunda etapa, as oportunidades identificadas previamente, foram classificadas de acordo com a re- 236 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo levância e a viabilidade. Finalmente, na terceira etapa, as oportunidades consideradas mais interessantes, em termos de relevância e viabilidade, foram desenvolvidas. Antes de apresentar as oportunidades do mercado, identificadas para o Sistema Agroindustrial do Leite, o tópico seguinte deste capítulo apresentará um resumo das teorias que suportam a estratégia de atuação em nichos e/ou segmentos de mercado. 11.2. Teorias de Apoio A idéia de desenvolver ações específicas, para o aproveitamento das oportunidades em nichos específicos do mercado não é nova. Estes conceitos já foram exaustivamente discutidos em diversas áreas teóricas, especialmente no escopo das teorias de Estratégia Empresarial e Marketing, que serão brevemente discutidas nesta parte do texto. Do ponto de vista de Marketing, os tópicos referentes à segmentação do mercado, nichos, mercado e comportamento do consumidor são especificamente interessantes. A seguir, serão resumidamente discutidos alguns conceitos a respeito das Estratégias Genéricas de Competição, Segmentação e Nichos do Mercado, além do Comportamento do Consumidor. Estratégias Genéricas de Negócios Porter (1980) definiu as abordagens estratégicas como uma forma de defender a sua posição contra os concorrentes e influenciar as forças competitivas a seu favor. Três tipos de posicionamento estratégico das empresas foram identificados: Liderança no custo total, Diferenciação e Enfoque. A liderança no custo total consiste em atingir o menor custo possível através da utilização de políticas e processos que orientem a companhia para suas atividades fins. Para isso, a empresa necessita de uma grande capacidade instalada para atender as elevadas demandas, que proporcionam as economias de escala e as reduções de custo; seu principal foco é conquistar os clientes sensíveis ao preço (PORTER, 1980). Esta é a estratégia mais adequada para as Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 237 empresas que focalizam o mercado de massa, visando a desfrutar de economias de escala e de grande participação de mercado. A diferenciação busca distinguir a oferta da empresa das ofertas dos concorrentes, através da singularidade dos produtos desejados, o que cria um diferencial competitivo, que pode ocorrer, sob as formas de marcas e de atendimento personalizado, dentre outras dimensões. A empresa não ignora o custo total, mas esse não é o alvo estratégico primário (PORTER, 1980). A estratégia de diferenciação é adequada para as empresas que querem conquistar o consumidor mais exigente, que procura por produtos mais sofisticados. O possível aumento do custo total deverá ser anulado por um preço premium na comercialização, gerando uma grande margem de lucro para a empresa, compensando as menores participações de mercado. O enfoque, diferentemente das outras duas estratégias, visa a centrar as forças em um grupo específico de compradores ou em uma determinada área geográfica, com características relativamente homogêneas. Nessa estratégia, busca-se atender um alvo específico com uma alta eficiência, e para isso, todos os processos são definidos e focados nesse objetivo (PORTER, 1980). Ao adotar a estratégia de enfoque, a empresa consegue atender seu alvo estratégico, mais efetiva ou eficientemente do que os concorrentes que estão competindo de forma mais ampla, uma vez que atinge a diferenciação ao produzir um valor ao seu alvo e ao reduzir os custos para atingi-lo. Mesmo que a estratégia de enfoque não consiga um baixo custo ou uma diferenciação do ponto de vista do mercado como um todo, realmente atinge uma ou ambas as posições em relação ao seu estreito alvo estratégico. Essa teoria aplica-se ao sistema agroindustrial do leite, uma vez que busca atender os nichos de mercados específicos que requerem a atuação dos mais variados setores que compõem o sistema para criarem um valor para o produto final. Esta é a estratégia adequada para as empresas que visam a identificar e a adequar sua oferta para um ou mais nichos específicos. A idéia é especializar a oferta para o nicho, gerando uma vantagem 238 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo de atendimento que cria uma barreira à entrada dos concorrentes. Esta é a estratégia que será discutida neste projeto, cujo objetivo é levantar as oportunidades de mercado para as empresas que comercializam o leite e os seus derivados, por meio da identificação dos nichos interessantes e subaproveitados do mercado. Marketing, Segmentação de Mercado e Nichos de Mercado A idéia de segmentar um mercado é justificada pela heterogeneidade da demanda, em outras palavras, os clientes diferentes possuem necessidades diferentes. Assim, entre o mercado de massa (que realiza uma oferta única para todo o mercado) e o marketing one-to-one (que personaliza a oferta para cada cliente), está o marketing de segmentos e o de nicho (separar um grande mercado heterogêneo em partes menores e mais homogêneas). Assim, Kotler (2000) discute os conceitos de segmentação e nichos. Para ele, os mercados são muito grandes para que se possam atender completamente as necessidades da grande massa. Então, para aumentar a precisão do marketing da empresa, busca-se a segmentação do mercado, que consiste na identificação das preferências, no poder de compra, nas atitudes e hábitos de compra similares, para atender a um mercado-alvo específico. Os nichos de mercado, por sua vez, são subdivisões dos segmentos e definem-se por mercados nos quais as necessidades não estão sendo satisfeitas. Em outras palavras, os nichos são estratos específicos e relativamente homogêneos dentro de um determinado segmento de mercado. Segundo Hunt & Arne� (2004), a segmentação de mercado terá mais chance de sucesso em uma indústria, quanto mais heterogênea for a demanda, quanto maior for o tamanho do segmento (número suficiente de clientes para justificar os investimentos), quanto maior for a capacidade das empresas de adequarem as suas ofertas ao segmento e, quando os custos do investimento não inviabilizam a oferta. Depois de selecionado um nicho específico de mercado para a atuação, as empresas devem posicionar a sua oferta ao consumidor. Kotler (2000) argumenta que o posicionamento é baseado no ato de colocar uma marca na mente do consumidor. Posicionar um produPlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 239 to consiste em garantir que ele tenha um determinado significado, dentro do segmento de mercado a que se dirige, mediante as suas características própriasou através das campanhas publicitárias, seguindo as estratégias de comunicação. O objetivo é diferenciar-se dos concorrentes. São várias as formas de diferenciação, segundo o produto, serviços, pessoal, canal e imagem. Em resumo, depois de selecionado um nicho de mercado, o mix de marketing deve ser manipulado de maneira integrada, para gerar a oferta mais adequada para este nicho. As principais variáveis mercadológicas que devem ser adequadas ao nicho são (KOTLER, 2000): • Produto: qualquer “coisa” que pode ser oferecida a um mercado para aquisição ou consumo que busque satisfazer as necessidades das pessoas. É composto das variáveis: qualidade, design, características, nome da marca, embalagem, tamanhos, serviços, garantias e devoluções. • Preço: é um fator decisivo para a motivação de compra do consumidor. É relacionado ao nível de satisfação que determinado produto pode oferecer. Envolve variáveis como: descontos, concessões, prazos de pagamento e condições de financiamento. • Distribuição: da mesma forma que o produto, deve satisfazer as necessidades do consumidor. Tom por função básica escoar a produção de bens em geral, e é grande responsável pela expansão dos mercados. As variáveis são: canais, cobertura, variedades, locais estoque transporte. • Comunicação: tem como papel principal a comunicação persuasiva. É nela que estão os instrumentos para influenciar o consumidor através de propagandas, publicidade, relações públicas, marketing direto. O Quadro 11.1 mostra as principais dimensões de decisão que envolvem cada um dos elementos do marketing mix. 240 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Quadro 11.1: Dimensões de decisão das variáveis mercadológicas Variáveis Mercadológicas Produto Preço Distribuição Comunicação Qualidade, design, características, nome da marca, embalagem, tamanhos, serviços, garantias, devoluções. Descontos, concessões, prazos de pagamento, condições de financiamento. Canais, cobertura, variedades, locais, estoque, transporte. Propagandas, publicidade, relações públicas, marketing direto. Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Kotler (2000). As técnicas de segmentação são utilizadas para definirem eidentificarem os nichos do mercado. Por meio dos critérios de relevância (impacto para o sistema) e viabilidade (capacidade de implementação), os nichos identificados são classificados, selecionando-se os mais interessantes. O conceito de posicionamento é utilizado para se definirem as características da oferta ideal para os nichos selecionados. Por último, são realizadas as sugestões para os elementos do mix de marketing (produto/serviço, preço, distribuição e comunicação). Comportamento do Consumidor Nos últimos anos, o comportamento do consumidor passou por mudanças que alteraram os seus hábitos alimentares, fazendo com que as empresas tivessem que se adaptar para atenderem as exigências desse novo consumidor. Os principais pontos considerados pelo consumidor na compra de alimentos são: frescor, nutrição, sabor, segurança, preço e conveniência. (Neves & Castro, 2003). Entender o comportamento do consumidor, segundo Engel et al. (2000), é poder predizer, com maior chance de acerto, o seu comportamento, descobrir os relacionamentos de causa e efeito que gerenciam a sua persuasão para a compra de produtos e compreender como é a sua educação ao longo do seu relacionamento com a empresa. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 241 A análise do modelo de comportamento de compra é o primeiro passo para entender o comportamento do consumidor. De acordo com McCarthy & Perreault (1994), um modelo de comportamento de compra ajuda a interpretar e a integrar as descobertas atuais sobre os consumidores, através dos processos de pesquisa de marketing. Esse modelo pode fornecer as idéias e as teorias que o gerente de marketing deve mesclar com a intuição e o julgamento para desenvolver as estratégias de marketing. O processo de decisão de compra do consumidor é estimulado pelas características do produto, preço, comunicações e locais de distribuição, pelos fatores do ambiente econômico, social, cultural e político e pelas características pessoais, sociais, psicológicas e culturais do comprador (KANUK et al., 1997; ENGEL, 2000;). Engel et al. (2000) separa o processo de decisão de compra em cinco etapas que correspondem: ao reconhecimento da necessidade de compra, à busca de informações, posteriormente à avaliação das alternativas, à decisão de compra e ao comportamento pós-compra. No entanto, tais fases sofrem as influências de fatores sociais ocorridos no ambiente, como a diminuição das famílias, os estilos de vidae a valorização da tradição. Descrição de Programas e Ações institucionais, nacionais e internacionais e oportunidades. 11.3. Programas Institucionais Os programas institucionais são aqueles desenvolvidos pelo Poder Público, em suas esferas federal, estadual ou municipal, com intuito de gerarem benefícios sociais (por exemplo, atender a população carente) ou garantirem o fornecimento de suprimentos para as organizações públicas (por exemplo, presídios). Além do leite se adequar às características de programas sociais, a implementação destes programas gera um impacto substancial no consumo de leite. Por exemplo, 8% da produção de leite C do Estado são destinadas a um dos projetos institucionais existentes (Viva Leite). 242 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo No Estado de São Paulo, onde cerca de 80 % das famílias com crianças até 6 anos de idade (2.633.282 famílias) têm renda igual ou inferior a 2 salários mínimos, os programas institucionais são importantes instrumentos para adequar a nutrição das populações menos favorecidas aos parâmetros sugeridos pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Destaca-se que no Estado de São Paulo, 4.685.869 pessoas estão na situação de deficit nutricional e 39% (1.833.991) delas, são crianças e jovens com idade abaixo de 17 anos. Para mostrar o potencial dos Programas Institucionais, os tópicos seguintes apresentarão as especificações de três programas institucionais nacionais (Viva Leite, Leve Leite, Leite das Crianças) e um internacional (The Special Supplemental Nutrition Program for Women, Infants, and Children - WIC). Além disso, será mostrada a simulação de potencial de impacto de aumento de consumo de leite no Estado de São Paulo por meio da ampliação dos programas existentes. Projeto Estadual do Leite – “Viva Leite” O projeto foi instituído durante o Governo de Mário Covas, pelo Decreto nº 44.569 de 22 de Dezembro de 1999, para oferecer um complemento alimentar seguro e de alto valor nutritivo às crianças de baixa renda, que vivem em situação de risco nutricional. O projeto Viva Leite, atende crianças na faixa etária de 6 meses a 6 anos e 11 meses, priorizando aquelas entre 6 e 23 meses de idade, cujas famílias recebam até dois salários mínimos e que o chefe da casa esteja desempregado ou se a mãe for o chefe da família. A partir do ano 2000, o programa passou a atender os idosos de baixa renda (que recebem até dois salários mínimos), com idade superior a 60 anos, priorizando as pessoas com mais de 65 anos, portadores de doenças crônicas ou que necessitem de uso contínuo de medicamentos. Os beneficiados recebem gratuitamente o leite fluído pasteurizado, com teor mínimo de gordura de 3%, enriquecido com ferro e vitaminas A e D (Vicentini et al, 2006). A exclusão ou a substituição dos beneficiários ocorre quando: (a) a criança completar sete anos de idade; (b) a renda familiar aumentar, ultrapassando dois salários mínimos; (c) a mãe ou responsável Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 243 não retirar o leite por mais de 3 vezes consecutivas, sem justificativa; (d) a família mudar de município; (e) for necessário atender ao critério da prioridade, ou seja, quando houver uma criança com menos de 2 anos na lista de espera, a criança mais velha deve ceder sua vaga no projeto (Vicentini et al, 2006). Existem algumas obrigações para o beneficiário continuar recebendo o leite: (a) a mãe ou responsável pela criança deve manter em dia a vacinação da criança; (b) comparecer às palestras informativas sempre que elas forem agendadas; (c) levar a criança para pesar e medir sempre que for solicitado (geralmente de 4 em 4 meses); (d) assinar a ficha de controle do recebimento do leite; (e) não faltar à entrega do leite, por mais de três vezes consecutivas, sem apresentar uma justificativa (Vicentini et al, 2006). Cada família pode cadastrar no programa no máximo duas crianças e cada uma tem o direito a 15 litros de leite por mês, que são retirados semanalmente. O leite é distribuído em sacos plásticos de 1 litro, padronizados com o logotipo do Governo do Estado de São Paulo. A compra do leite é realizada por meio de Pregão presencial, pelo critério de menor preço. Atualmente, cerca de 40 laticínios, grande parte de pequeno e médio portes, fornecem leite para o programa. No ano de 2006, aproximadamente 10 milhões de litros de leite foram distribuídos (55% na Capital e Grande São Paulo e, 45% no Interior), para 670.000 crianças em todo o Estado e para 41.380 idosos, na Grande São Paulo. Projeto Municipal do Leite – “Leve Leite” O Plano de Saúde Preventiva do Escolar – Programa Leve Leite foi instituído através do Decreto Municipal nº 35.458 de 31/08/95 e alterado em 1996, pelo Decreto Municipal nº 36.531 de 06/11/96. O objetivo do projeto é combater a desnutrição alimentar da população infantil que freqüenta a rede municipal de creches, inclusive as conveniadas, e de escolas de educação infantil, educação especial e de primeiro grau. Os beneficiários são os estudantes dessas instituições que apresentam a assiduidade ou a freqüência mínima de 90% no mês. 244 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo No entanto, a primeira entrega do ano letivo é feita para todos os alunos da Rede Municipal de Ensino Fundamental, de Educação Infantil e de Educação Especial, Creches Municipais e Conveniadas. Cada criança recebe mensalmente, nas Escolas Municipais de Ensino Fundamental, uma lata de dois quilos de leite em pó, e, nas Escolas Municipais de Educação Infantil e Creches, uma lata de um quilo de leite em pó. O leite distribuído é em Pó integral e cada quilo dissolvido equivale a 7,7 litros. A aquisição e a distribuição do produto são feitas pela Secretaria Municipal de Abastecimento que, por se tratar de leite em pó, obtém-no por importações. Caso fosse distribuído o leite fluído, o programa poderia distribuir 12.320.000 milhões de litros por mês, ou seja, 147.840.000 litros por ano. Esse volume representa aproximadamente 8,5% da produção paulista de leite. O programa atende no município de São Paulo, 870.000 crianças e distribui mensalmente 1.600.000 quilos de leite em pó. No ano de 2006, pela primeira vez, desde o início do programa, o leite pôde ser distribuído durante as férias escolares, para as crianças matriculadas na rede escolar. A sistemática de distribuição do leite, nos meses de janeiro e fevereiro, foi de acordo com a assiduidade escolar da criança, nos meses de novembro e dezembro. O Leve Leite visa a fixar a criança à escola. Por esse motivo, o critério para distribuição do leite é a freqüência da criança na rede de ensino municipalque é um bom critério, no entanto, existe a possibilidade de crianças de famílias não necessitadas receberem o benefício. Por isso, seria interessante, além do critério de freqüência escolar, analisar a renda das famílias, excluindo as crianças cujas famílias possuem renda suficiente para comprarem leite, sem a ajuda do Estado. O dinheiro economizado poderia ser usado para inserir mais crianças, idosos ou gestantes no programa. A compra do leite em pó, a partir de dezembro de 2005, foi dividida em quatro lotes, o que permitiu que houvesse uma real concorrência entre os fornecedores do produto, quebrando um monopólio existente desde o início do programa. Esse processo permitiu tamPlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 245 bém uma grande economia de recursos, possibilitando a distribuição de leite no período de férias escolares. Os lotes negociados passaram a ser entregues nos pontos de distribuição (creches, escolas etc.), gerando uma economia com a armazenagem e a distribuição para os cofres municipais. Projeto Estadual do Leite (Paraná) – “Leite das Crianças” O Projeto “Leite das Crianças”, foi instituído por meio do Decreto nº 1279, de 14 de maio de 2003, no Estado do Paraná e atende, prioritariamente, as crianças com idade entre 6 e 36 meses, que pertencem a famílias com renda per capita mensal inferior a meio salário mínimo. Prioriza também as mães em fase de lactação que estejam participando de campanhas de aleitamento materno e gestantes em acompanhamento pré-natal. Como terceira prioridade, o programa visa ao atendimento de crianças com idade entre 3 e 6 anos, que não estejam freqüentando creche e educação pré-escolar com suprimento de merenda escolar. O programa distribui leite fluído pasteurizado, com um teor mínimo de gordura de 3% e enriquecido com Ferro e Vitaminas A e D. As regras do programa determinam que o leite seja distribuído de segunda a sexta-feira, exceto nos feriados, com o limite de 2 litros de leite/semana por família atendida. Além de visar à melhoria das condições nutricionais da população carente, o programa também tem como objetivo fomentar o desenvolvimento dos sistemas locais e regionais do leite, a partir da demanda gerada, bem como as exigências de qualidade e de articulação com os investimentos na produção e no beneficiamento do produto. Perto de oito mil pequenos produtores e 70 laticínios estão envolvidos no programa. Para viabilizar a implantação do projeto, é necessário o estabelecimento de parcerias com Entidades Sociais, Prefeituras Municipais e Conselhos de Assistência Social. O leite pasteurizado será adquirido por meio de Compras Sociais do CEASA, pela livre cotação, priorizando os pequenos laticínios que o captam de produtores locais e será distribuído por postos de entre- 246 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo ga, definidos em cada município. É necessário o cadastramento dos beneficiários em um sistema. Para se ter acesso ao programa, as famílias devem comprovar a residência no município e apresentar a carteira de vacinação da criança em dia. Como obrigação, a família dos beneficiários precisa levar a criança cadastrada sempre que for solicitada ou agendada, para o acompanhamento médico, para pesar e medir. Nos demais casos (gestantes, mães nutrientes e crianças entre 3 e 6 anos), é preciso justificar e comprovar a condição. O leite deve ser buscado no horário marcado e a família não deve faltar, sem justificativa, por mais de 3 vezes consecutivas. O programa atende cerca de 160 mil crianças de famílias pobres, em todos os 399 municípios paranaenses, distribuindo aproximadamente 4.400.000 litros de leite por mês. The Special Supplemental Nutrition Program for Women, Infants, and Children (WIC) The Special Supplemental Nutrition Program for Women, Infants, and Children (WIC) é um programa federal, norte-americano, baseado em uma emenda da Seção 17 do Ato de Nutrição das Crianças de 1966. A gestão nacional e regional do programa está sob a responsabilidade da Food and Nutrition Service (FNS), que é uma agência federal, vinculada ao Departamento de Agricultura dos EUA. O programa atende pessoas com baixa remuneração, e sob o risco de desnutrição nas seguintes condições: (a) grávida ou mulheres pós-parto; (b) crianças; (c) crianças de até cinco anos de idade. Os beneficiários devem apresentar os comprovantes de rendimento, de residência e serem individualmente determinados em “risco de nutrição”, por um profissional de saúde. Para se adequar às exigências do projeto, o rendimento das famílias não deve ultrapassar 185% dos limites de pobreza dos EUA. O programa provê alimentos nutritivos e oferece conselhos de nutrição. Os participantes recebem cheques ou comprovantes para comprarem os alimentos específicos que estão designados para suprirem as suas dietas em cada mês. Algumas agências estatais do programa distribuem os alimentos por meio de armazéns e os enPlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 247 tregam nas casas dos participantes. Os alimentos providos são ricos em um ou mais dos seguintes nutrientes: proteína, cálcio, ferro, vitaminas A e C. As diferentes categorias de participantes recebem pacotes de alimentos especiais. Os alimentos do programa incluem fórmula e cereal infantis fortificados com ferroe cereal para adultos, fortificado com ferro, sucos de frutas, vegetais ricos em vitamina C, ovos, leite, queijo, manteiga de cacau, grãos secos em geral (feijão, ervilha etc.), atum e cenoura. As fórmulas terapêuticas e especiais infantis e os alimentos médicos são ministrados quando são receitados por um médico para uma condição médica específica. O funcionamento do programa ocorre através de subsídios federais, aos quais o Congresso libera anualmente uma quantidade específica de fundos. O serviço de alimentos e nutrição que administra o programa em nível federal, provê estes fundos às agências estatais do programa WIC (Departamento de Saúde do Estado ou agências similares) para o pagamento dos alimentos, dos conselhos de nutrição e dos custos administrativos. O WIC beneficia mais de 7,5 milhões pessoas por mês. As crianças sempre têm sido a maior categoria dos participantes do programa. Dos 7,63 milhões de pessoas que receberam os benefícios mensais do programa, durante o ano de 2003, aproximadamente 3,82 milhões eram crianças, 1,95 milhões eram bebês e 1,86 milhões eram mulheres. Alternativas para maximizar o potencial dos Programas Institucionais • Mudar o tipo de leite distribuído no Programa “Leve Leite”: Todo esse volume de leite em pó, por diversas vezes, foi proveniente de empresas de outros Estados, como Minas Gerais e Paraná, por exemplo. Dessa forma, o programa não focaliza o desenvolvimento local, dos produtores e das empresas paulistas. A troca do leite em pó pelo leite fluído seria interessante, para estimular e viabilizar o leite proveniente das empresas e dos produtores paulistas, gerandoassim, renda e emprego no Estado de São Paulo. 248 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo • Englobar mais crianças que têm direito aos benefícios do Programa ”Viva Leite”: Aproximadamente 2.650.000 famílias no Estado de São Paulo teriam direito ao programa (têm filhos com menos de 7 anos de idade e renda mensal inferior a 2 salários-mínimos). Dessa forma, se descontarmos as famílias já atendidas pelo Leve Leite (870.000) e pelo Viva Leite (700.000), existe o potencial para inserirmos mais 1.080.000 famílias no programa. Isso corresponderia à distribuição de mais 16.200.000 litros de leite por mês, ou seja, 194.400.000 litros por ano. Nesse cenário de maximização da abrangência do programa Viva Leite, 320.400.000 litros de leite seriam distribuídos por ano, representando 18,5% da produção de leite no Estado de São Paulo. 11.4. Certificação do produto originado no Estado de São Paulo A importância da certificação de origem A certificação de origem dos produtos provenientes do Estado de São Paulo é uma oportunidade para o Sistema Agroindustrial do Leite fortalecer a sua imagem. Existem duas formas de se certificar a origem do produto: (1) a indicação da procedência e (2) a denominação de origem. Enquanto a indicação de procedência mostra somente a origem geográfica da maior parte da matéria-prima utilizada para elaboração de um produto, a denominação de origem, além de indicar a procedência da matéria-prima, também certifica a qualidade do produto. A geração de um sistema que certifique a origem do produto promove diversas vantagens. Em primeiro lugar, a denominação de origem garante a qualidade do produto e promove a segurança alimentar, além de agregar valor à oferta, criar e proteger uma imagem exclusiva do produto. Caso uma empresa não tenha interesse em certificar 100% de sua produção, pode optar por utilizar duas linhas do produto, uma certificada e outra não, com posicionamentos distintos. Em segundo lugar, os produtos produzidos no Estado de São Paulo geram empregos, viabilizam os produtores e as empresas loPlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 249 cais, promovem o desenvolvimento econômico e o recolhimento de impostos dentro do próprio Estado, propiciando assim, benefícios para a região. Com a certificação de origem, as vantagens da aquisição de produtos do Estado de São Paulo podem ficar evidentes para o consumidor paulista, que dessa forma, vai priorizá-los. Além do mais, a promoção institucional do certificado de origem gera benefícios para todas as empresas certificadas, aprimorando a imagem do produto e diminuindo os custos de comunicação, o que é especialmente importante para as pequenas e médias empresas. A certificação realizada por uma organização confiável e isenta, aumenta a credibilidade do produto. Mundialmente, encontram-se inúmeros exemplos de certificação de origem para diversos tipos de produto. Os vinhos produzidos nas cidades do Porto e de Vila de Gaia, bem como em toda a região do Douro em Portugal, têm certificação de origem controlada. Também possuem certificados de origem os vinhos da região de Champagne, cafés especiais da Colômbia, os queijos Cammembert na França e os azeites de oliva (Les Garrigues, Siurana, Sierra del Segura, Baena, entre outros) de diversas regiões da Espanha. No Brasil, também existem algumas iniciativas de certificação de origem, como por exemplo: o café do Cerrado Mineiro (controlado pelo CACCER), a indicação de procedência de vinhos produzidos no Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul (controlado pela APROVALE) e o sistema de qualidade para produtos do agronegócio do Estado de São Paulo (controlado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento Estadual). Ao invés de discutir a elaboração de um novo sistema de certificação, propõem-se neste estudo, que seja utilizado o sistema de qualidade para os produtos do agronegócio, já desenvolvido pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, porém, ainda não implementado para os produtos provenientes do sistema Produtiva do Leite. O Selo “Produto de São Paulo” faz parte do Sistema de Certificação de Qualidade de Produtos do Agronegócio, proposto pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e 250 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo regulamentado pela Lei 10.481 de Dezembro de 1999. O sistema enquadra-se na categoria de “denominação de origem” pois, engloba simultaneamente a origem da matéria-prima e a qualidade do produto. A certificação é voluntária e visa a controlar todo o processo produtivo, estimulando o aprimoramento da qualidade do produto ofertado ao consumidor final e o desenvolvimento sustentável das empresas e dos produtores rurais do Estado de São Paulo. Atualmente, algumas empresas de café e granjas de suínos utilizam o sistema. No entanto, o potencial do programa está subaproveitado e para o caso do Sistema Agroindustrial do Leite, não está sendo utilizado. Um selo de indicação de procedência também seria importante para o sistema, uma vez que apesar de não certificar a qualidade do produto, favoreceria os produtores do Estado de São Paulo e também seria um atrativo para os consumidores que prefeririam garantir os benefícios ao seu Estado e não aos demais. A estrutura do Selo “Produto de São Paulo” As empresas ou pessoas físicas interessadas em certificarem os seus produtos com o selo “Produto de São Paulo” precisam inicialmente, se cadastrar na SAA/CODEAGRO. Esse cadastro, contendo as informações básicas da empresa/pessoa física e dos produtos, será analisado pela CODEAGRO, para uma pré-seleção dos candidatos. Uma vez pré-selecionados, é necessária uma auditoria nas empresas/pessoas físicas, para se verificar a conformidade com as normas de padrões mínimos de qualidade para o produto em questão. Essas normas consideram as características do produto e dos processos, os aspectos éticos (ambientais e sociais) e a origem ou a região produtora (matérias-primas e operações do sistema produtiva que obrigatoriamente serão efetuadas no Estado de São Paulo). As normas devem contemplar o controle de todo o caminho do produto, desde os registros de origem, controle crítico do processo, transporte, distribuição até a comercialização. Uma vez certificada, a empresa está autorizada a utilizar na identificação de seus produtos ou para fins publicitários, o selo ou a inscrição com os dizeres “Produto de São Paulo”, acrescido do símbolo estilizado do Estado. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 251 A certificação do Leite UHT como “Produto de São Paulo” Cada produto, para ser certificado pelo selo “Produto de São Paulo”, deve seguir as normas técnicas específicas de produção e qualidade do produto final. No caso dos produtos do sistema agroindustrial do leite, já existem as especificações para os leites tipo B. No entanto, nesse estudo, propõe-se a adequação dessas normas para os leites tipo UHT, uma vez que a grande praticidade e durabilidade do produto têm feito com que seja o líder de mercado, dentre os demais tipos de leite. Para a adequação do Leite UHT ao selo “Produto de São Paulo”, propõe-se que sejam mantidas as determinações do leite tipo B, alterando apenas a caracterização do produto e do processo que deve seguir as especificações previstas na Portaria nº 146 de 7 de março de 1996 do Ministério da Agricultura do Abastecimento e da Reforma Agrária. Nesse estudo, é ressaltada a oportunidade de inserção do leite UHT às normas do selo “Produto de São Paulo”, devido ao fato do consumo desse tipo de leite prevalecer no Estado de São Paulo. Além do mais, o potencial do selo “Produto de São Paulo” de agregar valor ao leite é maior no caso do UHT do que para o tipo B. 11.5. Caracterização de Nichos e Segmentos de Mercado e Oportunidades Outra oportunidade identificada de mercado foi a do aproveitamento de nichos de mercado. Por meio do estudo do comportamento do consumidor de lácteos e da forma como ele tem mudado suas exigências, identificaram-se mercados-alvo, com necessidades específicas, que podem ser mais bem atendidos com a adequação da oferta, se forem apresentados como uma alternativa do aumento de consumo de leite e seus derivados, além da possibilidade de aumentar a margem de lucro do setor. 252 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Os consumidores de leite, além de produtos de qualidade, querem produtos funcionais, com baixas calorias, nutritivos, com benefícios à saúde, de alto nível energético, entre outros. A maioria dos nichos a serem atendidos corresponde aos consumidores de classes A e B, dispostos a pagarem mais por produtos específicos que atendem a suas necessidades. No entanto, importantes oportunidades também foram identificadas para o segmento de mercado das classes D e E, que também serão discutidas, a seguir, nesta seção do texto. Crianças Com o novo estilo de vida nas grandes cidades, surgiram novas necessidades para a adequada alimentação das crianças cujos pais não têm mais tempo para cuidar da sua alimentação e surge a necessidade de produtos práticos e nutritivos, aos quais eles podem ter um fácil acesso, para oferecerem aos seus filhos como forma de substituírem as refeições que ocorrem nos horários mais corridos do dia, como o café da manhã e o lanche da tarde. Essas crianças são atraídas pela embalagem dos produtos e pela imagem que ela transmite. O produto deve vender a idéia de que ao consumi-lo, a criança está “na moda” e é “legal”. Além disso, o produto deve garantir os aspectos nutritivos, como conter vitaminas, cálcio, proteína, alto nível energético, mas com poucas calorias. Os canais de distribuição devem permitir um fácil acesso, como supermercados, lojas de conveniência e cantinas das escolas. Um exemplo de produto para atender esse nicho de mercado é o diet shake kids, elaborado por algumas empresas especializadas em suplementos alimentares. Esse tipo de produto é formulado com elementos balanceados nutricionalmente e que estimulam a perda de peso, sendo ideal para crianças obesas. Além de possuir o leite em pó em sua constituição, esse produto é consumido com a adição de leite fluído. Sua principal função seria substituir o consumo de refrigerantes e outros produtos substitutos, diferenciando-se pelas características nutricionais. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 253 Os direcionadores de atratividade para esse nicho são: a atratividade da embalagem, a praticidade, a imagem do produto e as características nutricionais. Adolescentes O atendimento das necessidades do público adolescente é um fator estratégico para o sistema do Leite, pois, é nesta fase da vida que o consumo do produto cai abruptamente. Analisando os gráficos de comportamento do consumo de leite fluído, observa-se que na fase da adolescência, ocorre uma queda acentuada do consumo que então, permanece relativamente estável durante toda a fase adulta dos indivíduos. Em parte, essa diminuição de consumo reflete a troca do leite fluído pelos seus derivados, como iogurtes e queijos; no entanto, os produtos substitutos também aumentam a sua participação no consumo dos jovens desta faixa etária. O público jovem gosta de praticidade e é extremamente preocupado com sua imagem perante o grupo. Embora tenha a sua opinião relativamente formada, os adolescentes são dependentes do orçamento disponibilizado pelos pais. A empresa Holandesa Campina, por exemplo, comercializa uma linha de milkshakes com a marca comercial “Yazoo”, voltada para o público adolescente e utiliza distribuição e comunicação específicas para atingi-lo Os direcionadores de atratividade para esse nicho são: a sofisticação, a praticidade, a imagem do produto e a estética. Atletas Os atletas profissionais dispensam uma atenção especial a tudo o que diz respeito à nutrição, à recuperação de energia e ao aumento do desempenho. Para melhorar o desempenho, eles devem manter uma alimentação balanceada, objetivando tirarem o maior benefício possível dos alimentos ingeridos. O leite, em particular, deve ocupar um espaço especial na alimentação deles, pois além de possuir os elementos essenciais para a nutrição e um alto teor de água, é um ótimo repositor energético. 254 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Existem pesquisas que colocam o leite com chocolate e os milkshakes como os melhores repositores energéticos. O leite com chocolate tem uma alta taxa de carboidratos e proteínas, além de outros nutrientes como o cálcio e a vitamina D, em quantidades que os repositores energéticos normais não conseguem atingir. Os suplementos alimentares feitos à base da proteína do soro de leite aumentam a massa muscular, promovem a queima de gordura, incrementam a energia muscular e a recuperação do atleta. Tais produtos devem ser comercializados em lojas de suplementose em academias e precisam ser promovidos por campanhas que mostram seus benefícios à saúde dos atletas. Assim, os direcionadores de atratividade para esse nicho são: canais específicos de distribuição, comunicação direcionada, recomendação de especialistas e características nutricionais. Esportistas amadores A grande preocupação com a saúde e a aparência causou mudanças de hábitos em várias pessoas, que passaram a mudar a sua alimentação, a freqüentar academias e a buscar elementos que proporcionem benefícios estéticos à sua saúde. Nesse contexto, surgem as pessoas que buscam os alimentos que, além de possuírem baixas calorias, ainda proporcionam a reposição energética, contêm vitaminas e minerais, além de trazerem benefícios à saúde. Para isso, há a oportunidade de se incentivar o consumo do leite, um produto que pode promover todos esses benefícios, em substituição aos demais repositores energéticos, amplamente consumidos. A comercialização desse produto deve ser feita em academias, em lojas especializadas, em supermercados e em lojas de conveniênciase a sua promoção deverá mostrar os benefícios para a saúde e para a beleza, com o seu consumo. Existem no mercado suplementos à base do soro de leite e os direcionadores de atratividade para esse nicho são: a imagem do produto, o patrocínio de eventos, a recomendação de especialistas, as características nutricionais e o foco nos benefícios para a “estética” e a saúde. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 255 Funcionais Os alimentos funcionais estão sendo amplamente comentados atualmente, por se relacionarem à saúde, que é a principal preocupação da sociedade no momento. São considerados alimentos funcionais aqueles que, além das funções nutricionais básicas, produzem efeitos metabólicos, e/ou fisiológicos e/ou efeitos benéficos à saúde, quando consumidos de forma seqüencial. O leite, por suas próprias características, já poderia ser considerado funcional, mas muitas vezes, ele é acrescido de componentes que evidenciam os benefícios proporcionados, como no caso do leite que reduz o colesterol, retarda o envelhecimento, regula o intestino, entre outros. A venda desses produtos pode ser feita em supermercados, lojas de conveniência, farmácias, padarias, entre outros. Existem vários produtos funcionais comercializados no mundo, como por exemplo, o iogurte “Activia” da Danone, que estimula o equilíbrio da flora intestinal, ou o Flora pro.activ milk da Unilever, que colabora na redução dos níveis de colesterol. No entanto, ainda existem muitas oportunidades para inovação tanto no que diz respeito às características dos produtos, como aos canais de distribuição. Certamente, essas inovações, principalmente em produto, dependem dos investimentos em pesquisa e em desenvolvimento. Os direcionadores de atratividade para esse nicho são: a funcionalidade, o preço premium, a pesquisa e o desenvolvimento e a recomendação de especialistas. Bebês Na tentativa de proporcionar os melhores benefícios aos seus filhos, os pais investem em variados produtos que de alguma forma, colaboram para a saúde e o desenvolvimento deles. Nesse contexto, surgem vários produtos lácteos, direcionados a esses consumidores, como os alimentos com propriedades específicas, restritos a crianças, por faixa etária, cosméticos, entre outros. 256 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo A empresa francesa Lactel, por exemplo, comercializa uma linha específica de produtos para bebês, a partir dos 10 meses de idade. Esses produtos, com o nome de marca “Eveil”, são nutricionalmente adequados e vêm em embalagens e específicas para o consumo dos bebês. Já existem no mercado alguns produtos lácteos direcionados ao consumo de crianças. Eles são segmentados por idade dos consumidores, existindo os alimentos específicos para bebês recémnascidos, até à sua fase de desenvolvimento de 7 a 8 anos. Além disso, em diversos países, são comercializados cosméticos elaborados à base de leite, direcionados aos bebês, que não irritam a pele, mantêm a proteção natural, entre outros fatores. A campanha desses produtos é voltada ao apelo da saúde que os pais querem proporcionar aos seus filhos, garantindo o melhor desenvolvimento deles; além disso, devem atuar como demonstrações de carinho e afeto que os pais têm para com os seus filhos, atualmente ainda mais, já que quase não possuem tempo disponível para ficarem com eles. Dessa forma, os direcionadores de atratividade para esse nicho são: a praticidade, a segurança, a imagem do produto e a funcionalidade. Pessoas que moram sozinhas Alguns fenômenos explicam o aumento do número de pessoas que habitam sozinhas em uma residência. O maior número de pessoas solteiras, os filhos que saem da casa dos pais mais cedo e retardam o casamento, os profissionais que trabalham em uma cidade e a família reside em outra e os viúvos (as) que residem sozinhos, são alguns fatores que explicam o aumento do número de lares habitados por uma só pessoa. Além do mais, a família tradicional também diminuiu de tamanho, com a redução do número de filhos. Assim, cada vez mais, existem pessoas morando sozinhas ou lares com poucos habitantes. Voltados para esse público, muitos produtos estão criando as embalagens alternativas, com um tamanho menor, para atenderem essa demanda. Esse consumidor, em sua maioria, prefere as refeições rápidas, práticas e que causem o mínimo de distúrbio na organização da casa. Nesse sentido, surge a necessidade da adequação de novas embalagens dos produtos lácteos, que além de favorecerem o ritmo de Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 257 vida agitado dessas pessoas, criando condições para que levem os alimentos na bolsa, para comerem no trabalho ou em intervalos, ainda possibilitem que utilizem o produto e joguem fora a embalagem, sem fazerem sujeira. Surge também a idéia de se comercializar o leite em pó em sachês que, misturados na água, rendem um copo de leite, ou embalagens individuais de leite, para que a pessoa possa consumir o produto sem que ele fique se estragando na geladeira, entre outros. A campanha desses produtos deve ser específica, mostrando os seus benefícios perante os demais. Os direcionadores de atratividade para esse nicho são: a praticidade, o shelf life, a embalagem individualizada e a conveniência. Apressados As pessoas que se encaixam nesse nicho, os estudantes, os profissionais que levam uma vida corrida, entre outros, precisam de uma alimentação rápida e nutritiva. Para atender a essas exigências, existem para beber os shakes prontos que substituem as refeições, possuindo todos os nutrientes necessáriose podem ser comercializados em lugares de fácil acesso, como lojas de conveniência e supermercados. A embalagem do produto deve ser individual e apresentar uma ampla variedade de sabores. Por exemplo, existe o Milk Chillers, produto da PepsiCo dos EUA, e Blenders Milk and Fruit da Bravo! Food International Corp. Os direcionadores de atratividade para esse nicho são: a praticidade, a distribuição intensiva, as características nutricionais e a conveniência. Gestantes As mulheres gestantes apresentam necessidades nutricionais e psicológicas especiais. Para atender a demanda das novas “mães”, são necessários produtos especiais que, além de oferecerem uma nutrição adequada, dão-lhes a segurança de que estão consumindo o melhor alimento para o desenvolvimento do seu bebê. 258 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Para atender essa demanda, o leite das gestantes deve ser enriquecido com nutrientes especiais e a sua campanha precisa ter uma conotação tal, que passe a imagem de que a mãe que vai consumir o produto, está sendo mimada. Um exemplo é o Leite Mimosa Mamãs, da Lactogal, empresa portuguesa, que comercializa os produtos lácteos, voltados para os nichos específicos. Os direcionadores de atratividade para esse nicho são: a segurança, a recomendação de especialistas, as características nutricionais e a imagem do produto. Gourmets Um nicho crescente é o de pessoas que gostam de cozinhar por hobby e que compram os produtos específicos, com um maior valor agregado, mas que garantem o sucesso dos pratos que estão fazendo. Para atender as necessidades desses nichos, o produto deve ser adequado à produção de determinados pratos, possuindo características especiaise a sua venda seria realizada em supermercados e empórios. A campanha deveria ser específica para esse grupo de produto, mostrando a promoção das suas facilidades. Os direcionadores de atratividade para esse nicho são: a sofisticação, o preço premium, a imagem do produto, a adequação das embalagens e a comunicação direcionada. Classes C, D e E As classes C, D e E não são um nicho e sim, um segmento de mercado. As famílias pertencentes às classes D e E são as que possuem uma renda de no máximo 4 salários mínimos. Essas são as classes que mais aumentaram o potencial de consumo nos últimos anos. Só na cidade de São Paulo, os integrantes das classes C, D e E correspondem a 66% da população e 58% do consumo. No interior do Estado, 72% da população pertence a essas classes e são responsáveis por 65% do consumo. A maioria dessas famílias (42%) é comPlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 259 posta de 3 a 4 elementos, cujo grau de estudo é de analfabeto até o ginasial incompleto (83%). É importante ressaltar que essas famílias possuem grandes limitações orçamentárias e, por isso, precisam selecionar determinados produtos em detrimento de outros, no momento de realizarem as suas compras. Assim, o esforço mercadológico para esse segmento deve posicionar a oferta como fundamental para a família, para que os produtos sejam priorizados, no momento da compra. Diferentemente das classes sociais que possuem uma maior renda, a concorrência dos produtos derivados do leite, por exemplo, não se encontra somente entre os diversos gêneros alimentícios, pois a compra dos produtos de outras classes (eletrodomésticos, por exemplo), pode limitar a compra de alimentos, devido à restrição orçamentária. Outro fator importante é a questão da sofisticação. Embora as classes C, D e E sejam altamente sensíveis ao preço, desejam os produtos “sofisticados” e com uma imagem que gera status. Dessa forma, aliar o baixo preço com um determinado nível de sofisticação, não deve ser descartado para a elaboração da oferta ideal, para essas classes de consumidores. Os pertencentes a essas classes preferem consumir em mercados locais, como os armazéns ou os supermercados do bairro, onde podem realizar as suas compras com uma maior freqüência, sem terem que desembolsar grandes quantias de uma só vez. Os direcionadores de atratividade para esse nicho são: o preço, a imagem do produto, a distribuição em estabelecimentos locais ou door-to-door e a comunicação de massa. 11.6. Oportunidades no Marketing Mix Além dos nichos e segmentos de mercado, algumas outras oportunidades foram identificadas a partir do marketing mix. Em relação ao produto, existe um grande potencial para o aumento do consumo de queijos no país e novas formas de comunicação tam- 260 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo bém podem ser utilizadas. Em relação aos canais de distribuição, os novos formatos podem ser mais bem explorados. Canais de Distribuição Existem várias oportunidades para se aprimorarem os canais de distribuição de produtos lácteos, como uma alternativa para melhorar o acesso e conseqüentemente, para aumentar o consumo. Além dos canais já utilizados, como os supermercados, as padarias e as lojas de conveniência, nesse estudo, propõem-se canais que estão sendo subutilizados e apresentam um potencial de crescimento. O primeiro a ser destacado é o mercado porta a porta (door-todoor) que já é utilizado por algumas empresas como a Danone, Yakult, Nestlé e Salute. Esse canal pode ser mais bem explorado, aumentando-se a abrangência da sua distribuição. Os benefícios da utilização desse canal podem ser explicitados no maior contato com o cliente, no acesso aos consumidores de baixa renda, na conveniência ao consumidor, entre outros. Outro canal identificado e que é subutilizado no Brasil é o de Vending Machines, que são máquinas utilizadas na distribuição de refrigerantes, chás e sucos; no entanto, a utilização delas na distribuição de produtos lácteos no Brasil, é pouco difundida. Nos Estados Unidos, essas máquinas são comuns e estão estrategicamente colocadas em escolas, com o objetivo de estimularem o consumo do leite pelas crianças e ainda, colaborarem com a diminuição do consumo de produtos pouco saudáveis, como os que normalmente são distribuídos por essas máquinas. Por último, vale destacar a necessidade de adequação de canais específicos, como as drogarias, que apesar de já comercializarem os produtos lácteos, não lhes dão uma atratividade, possuindo-os apenas como forma de suprirem as eventuais necessidades. A comercialização dos produtos lácteos, nesses estabelecimentos, poderia ser estimulada por meio da utilização de displays especiais, que demonstrem os seus benefícios funcionais e específicos, estimulando o seu consumo. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 261 Oportunidade em Produto – Queijos Especiais O consumo de queijo é dividido entre os produtos comuns brasileiros, como: queijo Minas e Frescal e os chamados queijos especiais, entre os quais, encontram-se vários tipos como o Brie, Cammembert, entre outros. Esses queijos especiais são produzidos, atualmente, pela indústria brasileira e concorrem com os produtos importados da França, da Holanda e da Suíça, entre outros. Em alguns casos, a qualidade dos queijos nacionais se equipara a dos importados, no entanto, os preços são bem distintos. Por exemplo, enquanto um queijo Brie francês pode custar R$ 180,00/kilo, o Brie nacional custa em torno de R$ 50,00/kilo. Dessa forma, duas formas de posicionamento podem ser pensadas para os queijos especiais, produzidos no Brasil. A primeira, é posicionar o queijo brasileiro como uma opção sofisticada e mais barata, atingindo os consumidores que procuram economizar na aquisição deste tipo de produto. A segunda consiste em investir na imagem dos queijos especiais brasileiros, visando a diminuir a lacuna de qualidade, percebida entre o produto nacional e o internacional e, dessa forma, diminuir a diferença de preço entre eles, aumentando a margem de lucro do setor. Nesse ponto, pode-se focar no estímulo ao consumo de queijos especiais brasileiros. Além disso, verifica-se que o consumo de queijo no Brasil é bem menor do que o apresentado por um país vizinho e com as condições econômicas não muito distantes da apresentada por nossa população. A Argentina, além de ser uma grande produtora de queijo, também apresenta um consumo muito maior que o apresentado pelos brasileiros. Ainda assim, estão aumentando o consumo de queijo, conforme melhora a situação econômica do país. Comunicação As oportunidades em comunicação situam-se na utilização de suas diferentes formas , fugindo das formas comuns de elaboração de campanha e optando por modos mais abrangentes. Uma das possibilidades seria a comunicação integradaque corresponderia à uti- 262 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo lização de várias ferramentas para se criar uma imagem consistente da marca, reafirmando-a a cada contato que o consumidor tem com o produto. As indústrias lácteas podem desenvolver essa comunicação, aliando os benefícios proporcionados pelo consumo do leite, principalmente no caso daqueles com características funcionaise podem utilizar diferentes meios de mídia, além de garantirem que as informações vinculadas na comunicação sejam verdadeiras. Outra alternativa em comunicação situa-se na realização de marketing cooperado que é uma estratégia já desenvolvida por várias empresas, que estimulam o consumo de determinados produtos, aliados a outros. O sistema agroindustrial do leite pode focar no estímulo do consumo de seus produtos, por meio de alimentos complementares, como no caso da venda do achocolatado em pó, na qual cabe uma campanha de venda do leite, junto com o chocolate. Deve-se considerar também, no caso da adequação do produto a algum selo de qualidade ou origem, uma alternativa de comunicação interessante para os pequenos laticínios, que seria a de promoção conjunta do selo e conseqüentemente, dos produtos que o possuem. A última alternativa em comunicação encontra-se no marketing institucional,que é uma modalidade já executada pela Láctea Brasil, precisando apenas de uma maior adesão dos participantes do sistema, como uma forma de promover o produto. Comportamento do consumidor do leite e de seus derivados Da mesma forma que o comportamento do consumidor vem mudando, o sistema agroindustrial do leite está alterando muitas de suas características, para se adequar às exigências do “novo consumidor de lácteos”. A mudança gradativa de hábitos alimentares tem feito com que o consumidor exigisse mais atenção e cuidado das empresas que disputam a sua preferência (NEVES & CÔNSOLI, 2006). Outra mudança que ocorreu diz respeito às importações e às exportações. O Brasil era um dos maiores importadores de leite nos últimos oito anos. Nesse período, a produção manteve uma taxa de crescimento significativa, graças aos fatores como os ganhos de produtividade, que têm favorecido o Brasil, no sentido de Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 263 diminuir a quantidade do leite importado. Esse avanço refletiu de tal forma que, em 2005, o Brasil conseguiu exportar o volume de 633 milhões de litros, o que equivale a um aumento de 1,58% no volume exportado em relação a 1999 e 57,65% superior a 2003. Dessa forma, em 2004, o Brasil assumiu uma posição de exportador de leite e de seus derivados, que poderá trazer uma série de benefícios para diversos elos do sistema produtiva, além de consolidar a posição do país no mercado internacional de lácteos (PONCHIO, 2005). O leite é uma importante fonte de proteínas da alimentação humana e apesar de ser uma bebida bem consumida atualmente, ainda apresenta uma grande possibilidade de crescimento. O consumo brasileiro per capita está bem distante dos 175 litros/ano por pessoa, recomendados pela OMS, o que demonstra que pode e deve crescer ainda mais. O consumo do produto, no Brasil, acompanha a tendência de crescimento da produção, o que pode ser observado pelo aumento no consumo per capita do leite e dos seus derivados, de 130,9 litros por habitante, um dos maiores desde 1990. Uma pesquisa da Latin Panel (2004) revela que, no Brasil, o consumo do leite é um hábito cultural, além de ser uma importante fonte nutritiva. Ao analisar o consumo de países da América do Sul como o Uruguai e a Argentina, percebe-se que eles apresentam um consumo de leite maior que o do brasileiro, o que leva a crer que não é simplesmente o fator renda que teoricamente explicaria o menor consumo, mas os aspectos culturais e os hábitos alimentares, como mostra a pesquisa (NEVES & CÔNSOLI, 2006). No Estado de São Paulo, encontra-se o maior consumo de produtos lácteos do país, chegando-se a consumir 45% do leite longa vida (quase 2 bilhões de litros), 31,2% do iogurte (mais de 170.000 toneladas) e 32,5% de queijo (260.000 toneladas) (FORTES, 2005). O leite representa no Estado quase 11% do custo mensal, referente aos gastos com a alimentação, sendo que um consumidor freqüente de leite chega a gastar em torno de R$ 140,00 anuais com o produto, consumindo-o cinco vezes mais que um consumidor ocasional (SCOT, 2005). 264 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Uma pesquisa realizada pelo PENSA, em 2005, evidenciou que o leite é consumido na maioria das vezes, antes e depois do sono, o que faz com que ele seja um produto relacionado ao descanso e ao relaxamento. Os dados da pesquisa evidenciam que a percepção geral acerca do produto é que ele faz bem à saúde, sacia a fome e é saboroso. Quanto às desvantagens, há opiniões de que o produto engorda, além de perder comparativamente para outras bebidas, em questão de sabor. (NEVES & CÔNSOLI, 2006). Na hora da compra, os atributos mais considerados, de acordo com a pesquisa são: de que tipo é o leite (A,B,C ou Longa Vida), se é desnatado ou não, qual é a marca e o preço, a embalagem (sendo a preferida a do Longa Vida e a de menor preferência a de saquinho) e por último, se tem propriedades funcionais. Como produto complementar, a preferência é pelo chocolate, seguido do café. O consumo de leite é diário, em 55% dos entrevistados (NEVES & CÔNSOLI, 2006). No que diz respeito ao consumo de iogurte, ele não se encontra na preferência do consumidor, mas a opinião geral em relação a esse produto é positiva. Ele é visto como um produto saudável, que sacia a fome e é saboroso, no entanto, o valor calórico do produto é um aspecto não muito favorável ao consumo. Dentre os atributos de consumo, são priorizados: o sabor, as propriedades funcionais (diferentemente do leite), a forma, o preço, a marca e por último, a embalagem. Além disso, a freqüência de consumo é de uma vez por semana (NEVES & CÔNSOLI, 2006). A partir desses dados, concluiu-se o consumo de iogurte é motivado pela percepção do consumidor de que esse produto faz bem a saúde. Embora o leite seja considerado um produto saudável, é necessário que sejam feitas campanhas para informar os consumidores, visto que eles se julgam pouco informados. Além disso, pesa o fator cultural que associa o leite às crianças, precisando ser estimulado o consumo adulto do produto. Thomazini (2004) ressalta que, o folclore criado pelos brasileiros de que o adulto não pode tomar muito leite porque não absorve todas as substâncias contidas no alimento, contribui para o baixo consumo de lácteos e é um entrave cultural que o sistema enfrenta, mas pode ser resolvido, ou Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 265 pelo menos amenizado, com maiores informações aos consumidores sobre o leite e os seus derivados. Atualmente, a preocupação com a saúde e a qualidade de vida está aumentando e afetando o consumo de alimentos. Nesse cenário, é importante que o leite e o iogurte estejam associados a esses valores. Os lançamentos de bebidas elaboradas, contendo leite ou iogurte com suco de frutas e os atrativos como sabor variado e agradável, podem ser uma opção para integrar os produtos na onda do saudável, além de associá-los a refeições leves e completas (NEVES & CÔNSOLI, 2006). A embalagem também se reflete nesses conceitos e as plásticas são as preferidas e se adequam ao estilo de vida das pessoas que consideram a sua vida saudável e praticam esportes O aumento do mercado de leite requer que o não-consumidor seja convertido em consumidor e como foi visto, as maiores barreiras são o sabor em comparação com o de outros produtos e a percepção de que engorda. (NEVES & CÔNSOLI, 2006) Já o consumo de iogurte é bem menos freqüente, assim como as do leite. Pode-se estimular o consumo durante o dia e não somente no amanhecer e antes de dormir, além do consumo pelas diferentes faixas etárias (NEVES & CÔNSOLI, 2006). “Na hora do almoço, por exemplo, o iogurte e os queijos podem integrar o cardápio. No lanche da tarde e no jantar, o consumo de leite e de iogurte pode ser fortalecido, já que tais produtos estão relacionados ao descanso e ao relaxamento e saciam a fome. Além disso, há a questão da sobremesa, uma vez que os derivados do leite podem ser incorporados a essa refeição. O foco da comunicação deve deixar claras todas essas questões de segmentação, por ocasião de consumo (NEVES & CÔNSOLI, 2006). Uma combinação de vários fatores pode aumentar o consumo de lácteos no Brasil, além da valorização dos benefícios dos produtos, da identificação de novos usos para leite e seus derivados, o desenvolvimento de novos produtos e de embalagens mais 266 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo atrativas. Deve existir também um maior relacionamento com o governo, para que sejam desenvolvidas mais ações sociais (por exemplo: os programas de leite na escola), com o público (consumidores, clientes, fornecedores, governo, acionistas, funcionários, formadores de opinião, comunidade e imprensa), além do desenvolvimento de marketing institucional para o leite e seus derivados.” (NEVES & CÔNSOLI, 2006). O consumo de lácteos no mercado interno também pode ser estimulado pelo marketing institucional, pois pode ampliar o mercado, além de protegê-lo dos produtos substitutos. (MILKPOINT, 2005). Ele deve aproveitar a imagem positiva que o leite possui, reforçá-la e comunicá-la adequadamente; pode, ainda, melhorar a atratividade do setor, aumentando o mercado e criando as oportunidades para os seus agentes captarem valor (CARVALHO, 2005). 11.7. Plano estratégico para o Sistema Produtivo do Leite no Estado de São Paulo Esse capítulo discutiu algumas oportunidades identificadas para o Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo, que poderão ser exploradas por empresas individuais e, nesse sentido, o conteúdo deste texto servirá como referência e “provocação”. Este tópico visa a inserir as oportunidades identificadas dentro do contexto do planejamento estratégico para o Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo, com ênfase para as ações coletivas. Conforme citado anteriormente, algumas ações para se aproveitarem as oportunidades levantadas neste estudo, dependem exclusivamente de cada empresa. Essas ações que dependem exclusivamente de um agente privado individual não serão discutidas neste texto, pois o enfoque deste estudo, por se tratar de um planejamento estratégico para um sistema agroindustrial, está nas ações coletivas. A seguir, no Quadro 11.2, serão apresentadas algumas propostas de ações para cada tipo de oportunidade levantada e os respectivos agentes responsáveis que poderiam implementar essas ações. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 267 Quadro 11.2: Ações para se aproveitarem as oportunidades de mercado Fase 1. Adequação das oportunidades identificadas às exigências Ações Assegurar a qualidade do leite distribuído • Estabelecer os critérios de adequação a serem seguidos pelas usinas fornecedoras Preparar as pequenas e as médias empresas para a estratégia de nicho • Fornecer cursos e treinamento para os industriais para adequarem seus produtos às necessidades dos consumidores atuais Preparar as pequenas e as médias empresas para a estratégia “demand-driven” • Realizar estudos sobre a demanda específica de determinados nichos Difundir o selo “Produto de São Paulo” • Realizar a adequação do selo para o leite UHT e publicar, buscando atingir grande parte das indústrias do Estado 2. Análise de cada oportunidade do mercado Definir o formato mais adequado para os programas institucionais • Analisar qual é a forma de distribuição de leite mais adequada aos interesses do programa Coletar as informações sobre o mercado dos produtos voltados para nichos • Avaliar quais são os nichos mais rentáveis para focar a atuação das empresas Coletar as informações de mercado sobre o marketing mix • Ver, dentre as variáveis Produto, Praça e Promoção, quais são as possibilidades de investimento para a conquista de maior market share Inserir as especificações do leite UHT no programa do selo “Produto de São Paulo” • Adequar a legislação à certificação do leite UHT e possibilitá-la 3. Implantação de estratégias no mercado Conquistar um maior orçamento para a viabilização do atendimento de um número maior de famílias • Elaborar uma proposta de expansão do programa, com o objetivo de aumentar a distribuição Adequar a oferta a cada nicho/segmento de mercado • Adequar os produtos e as suas campanhas de acordo com as exigências dos consumidores Adequar o mix de marketing • Preparar as campanhas, pensando no incentivo de consumo ao leite, buscando novos consumidores e não atraindo clientes de outras marcas Estimular a participação das empresas do sistema do leite no programa “Selo de São Paulo” • Deixar claros as vantagens de adequação ao selo e o valor agregado que ele proporciona Fonte: Elaborado pelos autores. 11.8. Conclusões Este capítulo, inserido no conjunto das atividades do planejamento estratégico para o Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo, apresentou algumas oportunidades para o sistema produtiva do leite, que foram agrupadas em quatro tipos: (1) Programas Institucionais; (2) Nichos e Segmentos de Mercado; (3) 268 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Oportunidades no Marketing Mix; (4) Certificação do produto originado no Estado de São Paulo. Muitas dessas oportunidades podem ser exploradas individualmente pelas empresas; outras dependem de organização, de coordenação e de ações coletivas. A idéia básica é investir na imagem do produto “leite” e seus derivados, ressaltando a sua importância para a saúde da população. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 269 12. IMPORTÂNCIA DA CONFORMIDADE Ricardo Messias Rossi33 12.1. Introdução, Objetivos e Método34 Um dos requerimentos atuais da sociedade é a disponibilidade de alimentos seguros, saudáveis e nutritivos, em bases sustentáveis e competitivas. Não basta apenas dispor de alimentos em quantidade para abastecer a população, é necessário também que produtos, como o leite, tenham qualidade, tanto em seus aspectos físico-químicos, quanto organolépticos (sabor e odor agradáveis), além da ausência de agentes patogênicos, da reduzida carga microbiana, da baixa contagem de células somáticas e da ausência de agentes contaminantes (antibióticos, pesticidas, adição de água e sujidades), Milkpoint (2007). Nesse sentido, esse capítulo visa a apresentar um panorama geral da questão da manutenção da conformidade do leite fluído, com ênfase na detecção de soro de leite misturado ao leite “produto final”. Para isso, é necessário avaliar a conformidade do produto ou o serviço oferecido. A avaliação da conformidade é uma forma de examinar, sistematicamente, o grau de atendimento de um produto, processo ou serviço, aos requisitos de normas ou de regulamentos técnicos pré-estabelecidos. Quando compulsória, é feita pelo governo, destinada prioritariamente à proteção e defesa do consumidor. Quando voluntária, torna-se uma ferramenta de desenvolvimento industrial, passando a ser um diferencial competitivo (INMETRO, 2007). Sendo assim, estabelecendo-se padrões mínimos de qualidade, dificulta-se a concorrência desleal por meio da indicação dos produtos e serviços que estão conforme esses padrões necessários. Pesquisador do Markestrat e do Pensa. Mestre em Administração de Empresas e Doutorando em Engenharia de Produção pela UFSCar. 34 Os autores agradecem a colaboração de Marina Darahem Mafud, Antônio Xavier, Cícero Hegg, Deise Marsiglia, Ignez Novaes de Góes, José Mário T. Morais, Lídia Picinin, Luís Francisco Prata, Marcelo Moura Campos, Raphael Oliveira, Rosana Pithan, Vera Regina M. Barros. 33 270 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Além disso, as empresas engajadas nesta filosofia orientam-se para uma contínua melhoria de qualidade e produtividade, diferenciando-se das demais. É necessário que se tenha domínio científico e tecnológico suficientes para desenvolver níveis de qualidade e competitividade que permitam a inserção e a permanência do produto no mercado. Essa situação é ressaltada no contexto moderno de negócios em que se espera que a diminuição de barreiras tarifárias ocorra paralelamente ao o aumento das barreiras tecnológicas. Daí, surge a necessidade de parceiros comerciais manterem sistemas de avaliação de conformidade compatíveis e mutuamente reconhecidos (INMETRO, 2007). Em resumo, a avaliação da conformidade aumenta a credibilidade da marca, ampliando a sua participação no mercado, protege o mercado interno, além de garantir a oferta de produtos seguros ao consumidor. Nesse sentido, a discussão da questão da conformidade é importante para o sistema Produtiva do Leite para: • • • • Possibilitar uma maior segurança alimentar à população; minimizar o problema da não-conformidade em leite fluído; possibilitar uma concorrência justa entre os laticínios; dificultar a manipulação no mercado de leite. O método utilizado para se analisar a situação atual da conformidade de leite fluído foi constituído por três etapas. A primeira foi o levantamento de informações a respeito do tema, ou seja, as nãoconformidades em leite. A segunda visou a avaliar entre os problemas existentes, qual seria o de maior relevância para o sistema do leite no Estado de São Paulo. Na terceira, foi proposto um plano de ação, visando a corrigir o problema identificado na etapa anterior. Na primeira etapa do método utilizado neste projeto, foram levantados os dados primários (por meio de grupos de discussão com os membros do comitê gestor) e secundários (legislação e artigos acadêmicos) a respeito do tema das não-conformidades em leite e a partir dessas informações, foram levantadas as principais, observadas em leite e também o marco legal que regulamenta esse assunto. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 271 Na segunda etapa, realizada por meio de discussões com os membros do comitê gestor, foi identificada a principal não-conformidade para o leite fluído no Estado de São Paulo que consiste na adição de soro de leite ao leite. Essa não-conformidade foi priorizada, em detrimento das outras, pelos seguintes motivos: • Alguns estudos indicam a ocorrência deste tipo de não-conformidade no Estado de São Paulo; • Em muitos casos, esse tipo de não-conformidade pode ser considerado um ato intencional e, portanto, uma fraude; • Esse tipo de não-conformidade pode ocorrer no leite do tipo UHT, largamente consumido no Estado de São Paulo e as demais formas de leite fluído também estão sujeitas a esse tipo de nãoconformidade; • De forma antagônica às não-conformidades, provocadas pela contaminação por microorganismos, a adição de soro ao leite nada tem a ver com a sanidade e o controle de qualidade do rebanho leiteiro; • No caso da adição intencional de soro ao leite, os consumidores são prejudicados por consumirem um produto fora das especificações adequadas, os produtores rurais perdem com a desvalorização do seu produto e as empresas competidoras sofrem com a concorrência desleal. Finalmente, na terceira etapa desse estudo, foi proposto um plano de ação para minimizar o problema da não-conformidade do leite fluído, por adição de soro, no Estado de São Paulo. O tópico seguinte deste capítulo apresenta as principais não-conformidades observadas em leite fluído. 272 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 12.2. Tipos de Leite, conformidade, não-conformidade e problemas existentes Tipos de Leite De acordo com a Anvisa (2007), entende-se por leite, sem outra especificação, o produto oriundo da ordenha completa, ininterrupta, em condições de higiene, de vacas sadias, bem alimentadas e descansadas. O leite de outros animais deve denominar-se, segundo a espécie de que proceda. O leite considerado normal apresenta características específicas no que diz respeito ao teor de lactose e gordura, acidez, densidade, quantidade de extrato seco (total e desengordurado), entre outros. O Quadro 12.1 mostra os principais tipos de leite existentes e suas respectivas características. Quadro 12.1: Principais tipos de leite e suas características Tipo Características A • Produzido em granja leiteira com rigoroso controle de qualidade e higiene e pasteurizado no próprio local da ordenha. Sua distribuição para o consumo é feita em até 12 horas após o término da ordenha, sendo que este tempo pode ser estendido até às 18 horas, caso a temperatura do produto seja reduzida. É classificado quanto ao seu teor de gordura, em integral, padronizado, semidesnatado e desnatado. • Pode ser produzido em estábulos ou instalações apropriadas, sua pasteurização pode ser feita tanto no local da ordenha, quanto em usinas de beneficiamento, seguindo as respectivas condições particulares. B • Leite cru refrigerado do tipo B: integral quanto ao teor de gordura, resfriado no local da ordenha e nele mantido por um período máximo de 48 h em temperatura igual ou inferior a 4oC, de onde é transportado para um estabelecimento industrial, para ser processado. • Leite pasteurizado tipo B: classificado em integral, em relação ao teor de gordura, padronizado, semidesnatado e desnatado, submetido à pasteurização (lenta ou de curta duração), seguindo-se ao resfriamento imediato, à temperatura igual ou inferior a 4oC e envasado no menor prazo possível. C • Produzido em fazendas leiteiras, desde que com inspeção periódica de seus rebanhos. É transportado para as usinas de beneficiamento em até 12 horas após a ordenha, prazo este que pode ser estendido, caso o produto seja resfriado previamente. É pasteurizado no estabelecimento de beneficiamento no máximo 5 horas após o recebimento do produto e pode ser classificado, quanto ao teor de gordura em integral, padronizado, semidesnatado e desnatado. UHT • É classificado de acordo com o seu processamento. Este é homogeneizado e submetido, durante 2 a 4 segundos, a uma temperatura entre 130ºC e 150ºC, mediante processo térmico de fluxo contínuo, imediatamente resfriado a uma temperatura inferior a 32ºC e envasado sob condições assépticas, em embalagens estéreis e hermeticamente fechadas. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 273 Leite em Pó Obtido por desidratação do leite de vaca, desnatado ou parcialmente desnatado e apto para a alimentação humana. É considerado integral, quando possui um teor de gordura maior que 26 %, semidesnatado, quando este se encontra entre 1,5 a 25,9 % e desnatado, quando o teor de gordura é inferior a 1,5 %. Pode ser classificado como instantâneo ou não, dependendo da sua umectabilidade e da sua dispersibilidade. Fonte: Elaborado pelos autores a partir do MAPA (2007). Conforme mostrado anteriormente, o produto para receber a denominação de “leite” tem que manter as características naturais, a partir da ordenha adequada de vacas sadias. Qualquer tipo de elemento estranho à natureza de um leite natural e sadio é considerado uma não-conformidade. A identidade do leite está prevista na legislação, cabendo ao poder público, em suas esferas federal, estadual e municipal, realizar a fiscalização da conformidade deste produto. No entanto, existem alguns problemas no sistema atual de fiscalização, como por exemplo: (a) Existência de poucos laboratórios de análise credenciados pelo Governo; (b) Necessidade de treinamento de mais técnicos laboratoriais para realização das análises; (c) Necessidade de mais recursos humanos e materiais para o processo de fiscalização e/ou redesenhar o processo, visando a facilitar o trabalho do quadro de fiscais atualmente em atuação; (d) Brechas jurídicas que permitem que as empresas contestem o resultado das análises; (e) Multa punitiva relativamente barata; (f) Possíveis dificuldades de atuação dos fiscais junto às empresas; (g) Custo das análises; (h) Foco excessivo nos métodos quantitativos; Visando a minimizar esses problemas anteriormente citados, algumas ações corretivas são sugeridas, tais como: (a) Credenciar novos laboratórios para realizarem a análise, tanto de cromatografia quanto de espectrofotometria; 274 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo (b) Levantar o número ideal de técnicos para suprir a demanda prevista pelo governo e então desenvolver uma política adequada de incentivos; (c) Discutir com o poder público a necessidade de mais funcionários e um possível aumento do orçamento para os órgãos de fiscalização. Também diminuir as funções dos fiscais, mantendo o foco de atuação nas atividades mais críticas; (d) Aprimorar o processo de coleta de amostras, evitando o congelamento e a mistura de amostras, além de evitar a demora até chegar ao laboratório, para minimizar dúvidas em relação ao resultado dos testes; (e) Aumentar o valor da multa punitiva; (f) Aumentar a rotação dos fiscais que atuam em cada empresa, evitando que o mesmo fiscal atue sempre nas mesmas empresas; (g) Estimular a espectrofotometria como método alternativo à cromatografia; (h) Utilizar a combinação de métodos para complementar as análise quantitativas. Para isso, utilizar da auditoria fiscal e de processos como práticas complementares. (i) Paralelamente à intensificação das análises do teor de proteínas, o atual sistema de fiscalização para detecção de não-conformidade de leite fluído por adição de soro de leite, pode ser aprimorado. 12.3. O Problema da Não-Conformidade O RIISPOA (Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal) estabelece que o produto “leite” não pode ser adicionado de substâncias não permitidas, caracterizando a sua adulteração intencional como fraude, que prejudica os consumidores, os produtores rurais e os concorrentes da empresa fraudadora. Entende-se por falsificação a adição ou subtração parcial ou total de qualquer substância na composição de um produto, em Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 275 condições tais que o mesmo não corresponda ao produto normal. A verificação da falsificação em produtos industriais é relativamente simples. O mesmo não acontece, porém, com os produtos “naturais”, e em que se deve levar em conta a inconstância da composição com as variações que dependem de condições raciais, individuais, alimentares e climatéricas, no momento da análise (BEHMER, 1999). Sendo o leite um produto de origem fisiológica, há grandes variações em seus componentes. Entretanto, estabelecido um valor médio dessas variações e organizada uma relação entre os diferentes componentes, considera-se o leite fraudado aquele que não corresponde a esses valores determinados. Dentre as fraudes mais praticadas no setor, pode-se citar a adição de soro lácteo, água e leitelho. As análises que detectam as fraudes devem ser comprovadas para, então, serem publicadas. Para isso, a análise deve ser feita criteriosamente, começando pela colheita e o recebimento da amostra pelo laboratório, considerada a primeira fase da análise do produto. O serviço de colheita deve estar bem integrado com o laboratório, existindo um sincronismo entre a remessa e a capacidade do laboratório em executar as análises. As amostras para análises físico-químicas devem ser enviadas ao laboratório separadas daquelas destinadas a análises microbiológicas, em sua embalagem original, para se evitarem as modificações em suas características, devem ser limpas e íntegras (sem perfurações, rachaduras, entre outras) e lacradas. A quantidade mínima de amostra a ser encaminhada deve ser de 500 g ou 1.000 mL no caso de leite fluído, mesmo que para isso seja necessário colher várias amostras, tomando o cuidado para que sejam do mesmo lote, partida, data de fabricação, entre outros. Depois de colhidas, as amostras devem ser acondicionadas adequadamente (em recipiente isotérmico), para se evitar qualquer alteração até a sua chegada ao laboratório, o que deve acontecer o mais breve possível (MAPA, 2007). 276 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 12.4. Leite Fluído com Mistura de Soro Descrição do Problema Zocche et al (2002) analisaram 40 amostras de três diferentes marcas comerciais de leite pasteurizado, encontrando resultados físico-químicos insatisfatórios para as três. Martins et al (2007) analisaram 55 amostras de 20 diferentes marcas de leite UHT, encontrando fortes indícios que duas dessas marcas comercializavam leite fraudado. A fraude prejudica todo o sistema produtiva, desde os consumidores, que estão pagando por um produto e levando outro, até os concorrentes da empresa fraudadora, por causar uma margem de lucro artificial, que as empresas idôneas não conseguem realizar. A fraude só beneficia o fraudadore todos os outros do sistema produtiva são prejudicados (Martins et al, 2007). Sendo assim, a adição de soro ao leite fluído faz crescer a margem de lucros, tanto por aumentar o volume do produto a ser vendido, quanto por, em alguns casos, dar destino a um resíduo gerado na produção de queijo, sem custo. Segundo Pires (2007), na fabricação do queijo, do total de leite utilizado, cerca de 80% do volume são descartados no processo, em forma de soro que é um ingrediente normal e de uso tecnológico, consagrado em inúmeros alimentos, porém a sua adição ao leite ou aos produtos lácteos, onde não existe permissão legal para isso, constitui fraude. O soro de queijo adicionado ao leite não deve prejudicar a saúde do consumidor, visto que ele é incorporado em outras bebidas lácteas, porém reduz o teor de proteínas do leite, que tem justamente o alto teor de proteínas como uma de suas características mais importantes. Assim, o consumidor paga por um produto com propriedades nutricionais específicas (e que estão descritas no rótulo) e ingere algo diferente do esperado. Por ser um derivado de produto lácteo, o soro possui algumas propriedades parecidas com a do leite, tornando a homogeneização da mistura um processo fácil. Logo, a adição do soro ao leite só pode Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 277 ser percebida pelo consumidor, se seu teor for de até 20% do volume total. Segundo Lisboa (2007), alguns fraudadores adotam a prática de “mascarar” a adição de soro, mediante o emprego de dextrinas de uso comercial, aliadas ao emprego de um ou outro “ingrediente” que dificultaria a identificação delas. Outros adicionam, a um determinado volume de leite, certa quantidade de soro, cloreto de sódio e açúcar (sacarose), dosados de forma a se restaurarem os valores analíticos “normais” para certos índices de qualidade física ou química do leite normal, mas de detecção difícil pelos métodos analíticos usuais praticados em indústrias de laticínios. Essa “sofisticação” da fraude grosseira visa a dificultar as ações fiscais decorrentes do enquadramento do infrator no Código de Defesa do Consumidor. Processo de Fiscalização O Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Decreto nº 30.691, de 29 de março de 1952) determina a prévia fiscalização de todos os estabelecimentos de produção e industrialização de produtos de origem animal. A fiscalização abrange o recebimento, manipulação, transformação, elaboração, preparo, conservação, acondicionamento, embalagem, depósito, rotulagem, trânsito e consumo de quaisquer produtos e subprodutos destinados ou não à alimentação humana. A inspeção abrange também os produtos afins tais como: coagulantes, condimentos, corantes, conservadores, antioxidantes, fermentos e outros usados na indústria de produtos de origem animal (MAPA, 2007). Esta inspeção é privativa da Divisão da Inspeção de Produtos de Origem Animal (D.I.P.O.A.), do Departamento Nacional de Origem Animal (D.N.P.A.), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), sempre que se trata de produtos destinados ao comércio interestadual ou internacional. Pode ainda ser realizado pela Divisão de Defesa Sanitária Animal (D.D.S.A.), do mesmo Departamento, nos casos especiais. A inspeção feita pelo D.I.P.O.A. isenta o estabelecimento de qualquer outra fiscalização, industrial ou sanitária federal, estadual ou municipal. A inspeção industrial e sanitária em estabelecimentos de produtos de origem animal, que fazem o comércio municipal e intermunicipal pode ser feita pelos Estados, Territórios ou Municípios, a não ser que 278 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo estes não disponham de legislação própria, passando a ser responsabilidade do D.I.P.O.A. (MAPA, 2007). Todo estabelecimento que recebe e beneficia o leite e o destina, no todo ou em parte, ao consumo público, devem ter inspeção permanente, de acordo com a citada lei. Portanto, isto ocorre normalmente, mesmo havendo a falta de funcionários, a fiscalização deve ser periódica. As inspeções pelo SIF (Serviço de Inspeção Federal), nas indústrias de leite, contam com apoio de um laboratório que é utilizado para as provas de rotina e precisão. Pode-se, por meio destas provas, analisar a quantidade de gordura, acidez, ponto de congelamento e as provas que poderão auxiliar no diagnóstico de fraude por aguagem ou por adição de substâncias tais como o cloreto e a sacarose. O SIF acompanha também as avaliações microbiológicas. As provas de cromatografia ou espectrofotometria, que podem ser utilizadas para a pesquisa de soro, são efetuadas em laboratórios particulares ou no laboratório de produtos de origem animal de Pedro Leopoldo (MG). A remessa é determinada pelas chefias do MAPA, quando em controle específico de soro. Segundo o Decreto nº 30.691, de 29 de março de 1952, dada a imprecisão das provas de rotina, só pode ser considerado anormal, e desse modo condenado por fraude, o leite que se apresente fora do padrão, no mínimo em três provas de rotina ou em uma de rotina e uma de precisão. São aplicadas multas, de acordo com a legislação, ao estabelecimento que expuser à venda, leites com padrões não correspondentes ao respectivo tipo, em três análises sucessivas, persistindo o defeito, apesar da notificação ao estabelecimento produtor; ou em cinco análises interpoladas no período de um mês. Nos casos de perícia, a instituição interessada pode acompanhar as análises, que são realizadas em laboratórios oficiais (MAPA, 2007). Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 279 12.5. Métodos de Análise O soro do leite representa uma rica e variada mistura de proteínas lácteas que possuem um amplo espectro de propriedades químicas, físicas e funcionais. Entre estas proteínas se incluem a α-lactoalbumina, a ß-lactoglobulina, a lactoferrina, a lactoperoxidade, as imunoglobulinas, os glicomacropeptídeos e uma grande variedade de fatores de crescimento (SANTIN, 2007). Dentre as metodologias utilizadas para análise de compostos estranhos ao leite, entre eles o soro de leite, estão a Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (CLAE) e a Espectrofotometria. Quadro 12.2: Métodos de Análise Metodologia Explicação Cromatografia É um método de separação e identificação de compostos, baseado na migração diferencial dos componentes de uma mistura, utilizando uma fase estacionária e uma móvel. A fase estacionária é formada de um material escolhido para reter os componentes da amostra que se deseja separar. A fase móvel é o material que se desloca pela fase estacionária, arrastando os componentes restantes da amostra. Após transitar pela fase estacionária, por um percurso de distância adequadamente escolhido, os componentes da amostra se separam e são assinalados pelo sistema detector na seqüência (geralmente, de ultravioleta), do primeiro componente menos retido, ao último componente mais retido pela fase estacionária. A Cromatografia Líquida de Alta Eficiência utiliza pressões elevadas para forçar a passagem do solvente, através de colunas fechadas que contêm partículas muito finas capazes de proporcionar separações muito eficientes. A fase móvel utilizada nesta técnica é líquida, com alto grau de pureza, livre de oxigênio ou de outros gases. Espectrofotometria Analisa a interação dos diferentes tipos de radiação com a matéria. O espectrofotômetro é um instrumento que permite comparar a radiação absorvida ou transmitida por uma solução que contém uma quantidade desconhecida de soluto e uma quantidade conhecida da mesma substância. O princípio da espectrofotometria é deixar incidir luz em uma molécula e detectar como esta afeta a luz. O espectrofotômetro deixa o operador controlar o comprimento de onda da luz incidente na amostra e indica a razão entre a intensidade da luz que incidiu e a que conseguiu atravessar a amostra. O espectro de uma determinada substância em função do comprimento de onda é característico para cada uma. Fonte: Elaborado pelos autores a partir Fukuda (2003). Existem ainda métodos alternativos propostos como formas de análise para a determinação da adição de soro em leite. O teor de 280 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo proteínas, a crioscopia, e a presença de carboidratos estranhos ao leite poderiam compor as exigências dos padrões de identidade e de qualidade do leite fluído, para dificultarem a ocorrência do uso de formulações na sua produção, por algumas empresas fraudadoras. O teor de proteínas do soro é muito menor que o de proteínas do leite puro, que segundo a legislação, deve ser de no mínimo 2,9% para leite cru a ser usado para a produção do leite UHT, assim como para todos os leites pasteurizados (A, B, e C). Entretanto, o leite fluído não tem o padrão mínimo de proteína estabelecido na legislação do Mercosul e do Brasil, logo não pode ser usado como método oficial para determinar a adição de soro em leite. Assim como para a concentração de proteínas, não existem limites estabelecidos para a crioscopia do leite fluído, porém, o reconstituinte de densidade normalmente usado, quando se adiciona soro ou água ao leite, corrige a densidade, mas causa descontrole da crioscopia (Martins et al, 2007). Este método alternativo ainda provoca discussões, pois não é possível garantir constantemente que o teor de proteínas do leite chegue à indústria com o mínimo estabelecido, visto que isto varia de acordo com a raça do animal, a alimentação, entre outros. Sendo assim, seria necessário um controle rigoroso do leite que entra na indústria, correndo-se o risco de haver perdas de matéria-prima, caso esta não atingisse as características estabelecidas. Fukuda (2003) propôs a padronização do método da ninidrina ácida para a determinação espectrofotométrica quantitativa do ácido siálico livre ou ligado à glicoproteína do leite fluído e do soro, na região visível do espectro, a 470nm (mesma condição descrita na Instrução Normativa 68). O método mostrou-se exato, preciso e sensível a pequenas variações, ao redor de 2%. Aliado a essas características, mostrou-se de fácil execução, com grande possibilidade de aplicação rotineira, por não envolver materiais e equipamentos sofisticados ou mão-de-obra qualificada, além de reduzir o tempo de execução, quando comparado com outras metodologias, por dispensar a hidrólise a quente. Fukuda (2003) concluiu que o método da ninidrina ácida pode ser considerado tanto como uma metodologia de triagem, quanto como uma metodologia substituta para a detecção de adição de soro em leite, deixando a cromatografia líquida de alta eficiência, Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 281 que é processo oneroso e que exige mão-de-obra qualificada, para os casos duvidosos ou para as contraprovas laboratoriais. Deste modo, pode-se concluir que as metodologias regulamentadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento são eficientes e compatíveis com a realidade brasileira, sendo necessário apenas coordená-las com a fiscalização, para surtirem o efeito desejado. O tópico a seguir apresentará os principais tipos de não-conformidades, observados em leite fluído. 12.6. Principais Não-conformidades no Leite A autenticidade dos alimentos é um problema global. É cada vez mais importante detectar e impedir a introdução no mercado de produtos fraudulentamente rotulados e de produtos de qualidade inferior, tanto por razões econômicas, quanto por razões de saúde pública. A falsificação é um delito resultante da adulteração de um produto, visando a tirar lucro ilícito dele. Isto significa lesar e enganar, seja por adição de uma matéria qualquer ou pela subtração de um dos seus elementos, em condições tais que o mesmo não corresponda ao produto normal (Behmer, 1999). Algumas possíveis adulterações do leite estão listadas no Quadro 12.3: Quadro 12.3: As principais categorias de não-conformidades em leite fluído Tipo O que é essa não-conformidade Aguagem Em se tratando de leite, é o tipo mais antigo, simples e comum que se tem conhecimento e tem o objetivo de aumentar o seu volume. É facilmente detectável pelo controle físicoquímico de rotina, por meio de métodos diretos ou indiretos; Substâncias adicionadas ao leite com o objetivo de recomporem a aparência e algumas Reconstituintes características do leite fraudado com água ou soro de queijo. Dentre os principais reconstituintes utilizados, destacam-se: o sal, o açúcar, o leite em pó, os amiláceos, os hidrolisados etc.; Conservadores 282 Substâncias adicionadas ao leite com o objetivo de prolongarem sua “vida útil” através da inibição do crescimento microbiano (Água oxigenada, formol, cloro, ácido salicílico etc); Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Antibióticos Incorporados acidentalmente ou propositadamente, prolongam o tempo de conservação do leite pela inibição ou destruição da flora microbiana. A detecção envolve metodologias específicas, de custo normalmente elevado e, às vezes, tempo demorado de resposta; Alcalinos São substâncias normalmente adicionadas ao leite, juntamente com os conservadores, para mascararem as possíveis alterações de acidez. Exemplos: hidróxido de sódio ou potássio, bicarbonatos etc; Soro de Leite Denomina-se “soro de leite” o líquido residual, obtido a partir da coagulação do leite, destinado à fabricação de queijos e caseína. A adição é proibida por lei, por reduzir o valor nutritivo do alimento e diluir os teores de proteína e gorduras. Por fazer parte da composição do leite, é difícil sua detecção e o consumidor só percebe sua presença no leite, quando o grau de adição ultrapassa 20%. As empresas utilizam o soro no leite para baratearem os custos de produção. Neste tipo de fraude, utiliza-se também o leitelho, líquido resultante da batedura do creme para a fabricação de manteiga. Formulações prébalanceadas Usadas para ocultarem as adulterações pela adição de água ou soro. Envolvem principalmente a água e o soro de queijo (líquido ou pó), combinados com outros elementos que visam a corrigir principalmente, a densidade e o ponto de congelamento do leite. São necessárias técnicas especificas para detectarem cada tipo de fraude, o que dificulta o controle seguro da análise; Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Pires (2007). Uma vez apresentadas as principais formas de não-conformidades que podem ocorrer em leite fluído, o tópico seguinte deste capítulo é destinado a uma revisão da legislação que regulamenta a identidade do leite e os procedimentos de fiscalização. 12.7. Marco Legal A Lei nº 1283, de 18 de dezembro de 1950, dispõe sobre a inspeção industrial e sanitária dos produtos de origem animal e insere o leite e seus derivados como objetos passíveis de fiscalização, que será feita nas usinas de beneficiamento do leite, nas fábricas de laticínios, nos postos de recebimento, refrigeração e desnatagem do leite ou de recebimento, refrigeração e manipulação dos seus derivados e nos respectivos entrepostos. A responsabilidade para realizar a fiscalização federal é do Ministério da Agricultura, por intermédio do seu órgão competente e nos Estados, as Secretarias ou Departamentos de Agricultura. O Ministério da Agricultura realizará a fiscalização, quando qualquer dos Estados e Territórios não dispuser de aparelhamento ou organização para a eficiente realização dessa Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 283 atividade, mediante acordo com os Governos interessados. É expressamente proibida, em todo o território nacional, a duplicidade de fiscalização industrial e sanitária em qualquer estabelecimento industrial ou entreposto de produtos de origem animal, que será exercida por um único órgão (ANVISA, 2007). O decreto nº 30.691, de 29 de março de 1952, aprova o novo Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal e afirma que a responsabilidade para realizar a fiscalização é privativa da Divisão de Inspeção de Produtos de Origem Animal (D.I.P.O.A.), do Departamento Nacional da Produção Animal. (D.N.P.A.), do Ministério da Agricultura (MAPA), sempre que se tratarem de produtos destinados ao comércio interestadual ou internacional. Pode ainda ser realizada pela Divisão de Defesa Sanitária Animal (D.D.S.A.), do mesmo departamento. A inspeção de que trata o regulamento, será realizada nas propriedades rurais, fornecedoras de matérias-primas, destinadas ao preparo de produtos de origem animal e nos estabelecimentos que recebem o leite e seus derivados para o beneficiamento ou a industrialização. A Inspeção Federal será instalada em caráter permanente nos estabelecimentos que recebem e beneficiam leite e o destinem, no todo ou em parte, ao consumo público. Esta inspeção realizada pela D.I.P.O.A., isenta o estabelecimento de qualquer outra fiscalização industrial ou sanitário federal, estadual ou municipal. O decreto define também o padrão de identidade e a qualidade do leite, classificando como leite, sem outra especificação, o produto oriundo da ordenha completa, ininterrupta, em condições de higiene, de vacas sadias, bem alimentadas e descansadas. O leite de outros animais deve denominar-se segundo a espécie de que proceda. Estabelece ainda como deve ocorrer o funcionamento dos estabelecimentos, a rotulagem dos produtos lácteos e a classificação do leite quanto à finalidade, à espécie produtora, ao teor de gordura e ao tratamento (ANVISA, 2007). O Decreto-Lei nº 923, de 10 de outubro de 1969, dispõe sobre a comercialização do leite, proibindo a venda de leite cru para consumo direto da população, a não ser em regiões que não possam ser abastecidas permanentemente com leite beneficiado (MAPA, 2007). 284 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo A Portaria nº 2, de 09 de fevereiro de 1977, aprova as normas que dispõem sobre as condições higiênico-sanitárias mínimas, necessárias à aprovação dos novos estabelecimentos de produto de origem animal ou a reforma dos existentes, de acordo com a natureza e capacidade de produção, que não se dediquem ao comércio interestadual ou internacional (MAPA, 2007). A Resolução nº 16, de junho de 1978, estabelece que o leite é um produto perecível, considerando que produtos perecíveis são os alimentícios, in natura, os semipreparados ou os preparados para o consumo que, pela sua natureza ou composição, necessitam de condições especiais de temperatura para a sua conservação (ANVISA, 2007). A Portaria nº 5, de 07 de março de 1983, aprova os Critérios de Inspeção do Leite e Produtos Lácteos, em estabelecimentos de laticínios registrados no Serviço de Inspeção Federal/SIPA – MAPA. Esta portaria relaciona cada produto com os seus possíveis destinos, dependendo das condições em que se encontram (MAPA, 2007). A Resolução nº 1, de 05 de julho de 1991, aprova o registro dos produtos de origem animal, incluindo o leite, entendendo-se como tal a aprovação dos memoriais descritivos de fabricação dos produtos e seus respectivos rótulos (MAPA, 2007). A Portaria nº 124, de 23 de setembro de 1991, aprova os Métodos Analíticos Qualitativo e Quantitativo de Detecção de Soro em Leite, determinando seu emprego em todas as atividades desenvolvidas pela rede oficial do sistema coordenado pela Divisão de Laboratório Animal - DLA, do Departamento Nacional de Defesa Animal – DNDA. Estes poderão ser periodicamente atualizados, por proposta da Divisão de Laboratório Animal - DLA, sempre que o desenvolvimento de novas técnicas assim o recomende. Esta portaria determina não só a metodologia a ser seguida, como também o material a ser usado e interpretação dos resultados (MAPA, 2007). A Portaria nº 101, de 11 de agosto de 1993, aprova e oficializa os métodos analíticos para o controle de produtos de origem animal e os seus ingredientes - métodos microbiológicos determinando o seu emprego em todas as atividades desenvolvidas pela rede ofiPlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 285 cial do sistema coordenado pela Coordenação Geral de Laboratório Animal – CGLA do Departamento de Defesa Animal - DDA. Esta Portaria determina as normas de segurança no Laboratório de Microbiologia, normas de colheita, acondicionamento e manutenção da amostra, controle de qualidade de toda a análise, além de procedimento e interpretação de resultados (MAPA, 2007). O Decreto nº 1.236, de 2 de setembro de 1994, dá nova redação ao artigo que classifica o leite do decreto nº 30.691, de 29 de março de 1952, permitindo a produção dos seguintes tipos de leite: tipo A ou de granja; tipo B ou de estábulo; tipo C ou padronizado; magro; desnatado; esterilizado; reconstituído (ANVISA, 2007). O Decreto nº 1812, de 08 de fevereiro de 1996, altera alguns dispositivos do Decreto nº 30.691, de 29 de março de 1952, que aprovou o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal, como algumas definições e métodos de processamento do leite e seus derivados, entre eles o “soro de leite”, definido neste como “o líquido residual obtido a partir da coagulação do leite, destinado à fabricação de queijos e caseína” (MAPA, 2007). A Portaria nº 146, de 07 de março de 1996, aprova os Regulamentos Técnicos de Identidade e Qualidade dos Produtos Lácteos, entre eles: queijo, manteiga, gordura láctea, creme de leite, gordura anidra de leite, caseinatos alimentícios, caseína alimentar, leite em pó, e leite fluído a granel de uso industrial e UHT. Define leite UHT como o leite homogeneizado que foi submetido, durante 2 a 4 segundos, a uma temperatura 130oC, mediante um processo térmico de fluxo contínuo, imediatamente resfriado a uma temperatura inferior a 32oC e envasado sob condições assépticas em embalagens estéreis e hermeticamente fechadas; e leite fluído a granel de uso industrial, o leite higienizado, resfriado e mantido a 5°C, submetido, opcionalmente, à termização (pré-aquecimento), pasteurização e/ou estandardização (padronização) da matéria gorda, transportado em volume de um estabelecimento industrial de produtos lácteos habilitado a outro, a ser processado e que não seja destinado diretamente ao consumidor final (MAPA, 2007). 286 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo O Decreto nº 2244, de 04 de junho de 1997, altera alguns dispositivos do Decreto nº 30.691, de 29 de março de 1952, que aprovou o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal, entre eles a definição de leite UHT, que passa a ser “leite homogeneizado submetido, durante 2 a 4 segundos, a uma temperatura entre 130°C e 150°C, mediante o processo térmico de fluxo contínuo, imediatamente resfriado a uma temperatura inferior a 32°C e envasado, sob condições assépticas, em embalagens estéreis e hermeticamente fechadas” (MAPA, 2007). A Portaria nº 370, de 04 de setembro de 1997, aprova a inclusão do Citrato de Sódio no Regulamento Técnico para Fixação de Identidade e Qualidade do Leite UHT (U.A.T), em uma quantidade não superior a 0.1g/100ml (MAPA, 2007). A Portaria nº 451, de 19 de setembro de 1997, aprova o Regulamento Técnico Princípios Gerais para o Estabelecimento de Critérios e Padrões Microbiológicos para Alimentos. Esta Portaria afirma que os alimentos lácteos (incluindo o leite) devem estar, obrigatoriamente, sujeitos ao controle microbiológico, estabelecendo os limites e a tolerância de microorganismos para cada tipo de leite (ANVISA, 2007). A Portaria nº 46, de 10 de fevereiro de 1998, institui o Sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle - APPCC a ser implantado, gradativamente, nas indústrias de produtos de origem animal, entre eles o leite, sob o regime do serviço de inspeção federal - SIF, de acordo com o manual genérico de procedimentos, sendo definido o APPCC como um sistema de análise que identifica os perigos específicos e as medidas preventivas para seu controle, objetivando a segurança do alimento, e contempla também para a aplicação, nas indústrias sob SIF, os aspectos de garantia da qualidade e da integridade econômica (MAPA, 2007). O Ofício Circular nº 4, de 08 de abril de 1998, padroniza os Critérios Operacionais do Serviço de Inspeção Federal, definindo o número de visitas do fiscal em estabelecimentos de leite e derivados, sendo estes: usinas de beneficiamento, uma visita semestral; fábricas de laticínios, uma visita semestral; entrepostos de usinas, uma visiPlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 287 ta semestral; entrepostos de laticínios, uma visita semestral; granjas leiteiras, uma visita semestral; estábulos leiteiros, uma visita anual; postos de refrigeração e outros, uma visita anual; fazendas leiteiras e outros estabelecimentos, uma visita anual (MAPA, 2007). A Instrução Normativa nº 3, de 22 de janeiro de 1999, aprova os programas de controle de resíduos biológicos em produtos de origem animal, entre eles o leite, determinando níveis máximos de tolerância para resíduos biológicos, classificando as substâncias, estipulando os métodos analíticos, entre outros (MAPA, 2007). A Instrução Normativa nº 42, de 20 de dezembro de 1999, altera os programas de controle de resíduos em produtos de origem animal, entre eles o leite (PCRL) (MAPA, 2007). A Resolução nº 2, de 22 de maio de 2000, dispõe sobre Rotulagem de Leite e Produtos Lácteos de indústrias de laticínios sob Serviço de Inspeção Federal (MAPA, 2007). A Instrução Normativa nº 36, de 31 de outubro de 2000, aprova o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Bebidas Lácteas, estabelecendo a identidade e os requisitos mínimos de qualidade que deverão atender as “Bebidas Lácteas” destinadas ao consumo humano, definindo Bebida Láctea como “o produto obtido a partir de leite ou leite reconstituído e/ou derivados de leite, reconstituídos ou não, fermentados ou não, com ou sem adição de outros ingredientes, onde a base láctea represente pelo menos 51% (cinqüenta e um por cento) massa/massa (m/m) do total de ingredientes do produto” (MAPA, 2007). A Resolução RDC nº 12, de 02 de janeiro de 2001, aprova o Regulamento Técnico sobre padrões microbiológicos para alimentos, aperfeiçoando as ações de controle sanitário em alimentos, incluindo leite e derivados (ANVISA, 2007). A Resolução RDC nº 39, de 21 de março de 2001, aprova a Tabela de Valores de Referência para Porções de Alimentos e Bebidas Embalados para Fins de Rotulagem Nutricional, estabelecendo que 288 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo no rótulo de leites e derivados, devem constar a quantidade média diária recomendada de consumo destes produtos (ANVISA, 2007). A Instrução Normativa nº 37, de 18 de abril de 2002, institui a Rede Brasileira de Laboratórios de Controle da Qualidade do Leite, com o objetivo de realizar análises laboratoriais para a fiscalização de amostras do leite cru, recolhidas em propriedades rurais e em estabelecimentos de laticínios (MAPA, 2007). A Resolução nº 25, de 20 de junho de 2002, aprova o Regulamento Técnico MERCOSUL sobre os Limites Máximos de Aflatoxinas Admissíveis no Leite, Amendoim e Milho (ANVISA, 2007). A Instrução Normativa nº 53, de 16 de agosto de 2002, aprova o regulamento técnico para a fabricação, funcionamento e os ensaios de eficiência de tanques refrigeradores de leite a granel, especificando as definições dos tipos de tanques e as determinadas exigências para o projeto, construção e desempenho destes tanques e os respectivos métodos de teste (MAPA, 2007). A Instrução Normativa nº 51, de 18 de setembro de 2002, aprova os Regulamentos Técnicos de Produção, Identidade e Qualidade do leite tipo A, do tipo B, do tipo C, do pasteurizado e do cru refrigerado; e o regulamento técnico da coleta de leite cru refrigerado e seu transporte a granel (MAPA, 2007). A Resolução RDC nº 274, de 15 de outubro de 2002, aprova o Regulamento Técnico Sobre Limites Máximos de Aflatoxinas Admissíveis no Leite, no Amendoim e no Milho, compatibilizando a legislação nacional, com base nos instrumentos harmonizados no Mercosul, relacionados aos limites máximos de aflatoxinas em alimentos, incluindo o leite e seus derivados (ANVISA, 2007). A Resolução nº 2, de 19 de novembro de 2002, estabelece os critérios para o uso da indicação “Longa Vida”, na rotulagem dos produtos lácteos, submetidos a tratamento térmico pelo processo UHT (MAPA, 2007). Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 289 A Portaria nº 78, de 19 de dezembro de 2002, aprova os programas para o Controle de Resíduos em carne, mel, leite e pescado para o exercício de 2003, estabelecendo os limites dos resíduos de certas drogas e os métodos analíticos utilizados (MAPA, 2007). A Instrução Normativa nº 22, de 14 de abril de 2003, oficializa os Métodos Analíticos Oficiais Físico-Químicos, para controle de leite e dos produtos lácteos, determinando que sejam utilizados no Sistema de Laboratório Animal do Departamento de Defesa Animal (MAPA, 2007). A Resolução nº 8, de 16 de abril de 2003, determina que o Serviço de Inspeção de Leite e Derivados (SELEI) coordenará as ações de colheita e da remessa de amostras de produtos lácteos, sendo esta executada por servidor integrante da equipe técnica de auditores do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (DIPOA), como forma de intensificar o combate às fraudes econômicas, praticadas em produtos de lacticínios (MAPA, 2007). A Resolução nº 10, de 22 de maio de 2003, institui o Programa Genérico de Procedimentos Padrão de Higiene Operacional (PPHO), a ser utilizado nos estabelecimentos de leite e seus derivados que funcionam sob o regime de Inspeção Federal, como etapa preliminar e essencial dos Programas de Segurança Alimentar do tipo APPCC (Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle) (MAPA, 2007). A Instrução Normativa nº 62, de 26 de agosto de 2003, oficializa os Métodos Analíticos Oficiais para análises microbiológicas para controle de produtos de origem animal e água, determinando os procedimentos para fazer diluições e soluções; preparo, pesagem e descarte de amostra; contagem de colônias; emissão do resultado obtido, entre outros (MAPA, 2007). A Resolução RDC nº 359, de 23 de dezembro de 2003, Aprova Regulamento Técnico de Porções de Alimentos Embalados para Fins de Rotulagem Nutricional, aperfeiçoando as ações de controle na área de alimentos, compatibilizando a legislação nacional com base nos instrumentos harmonizados no Mercosul relacionados à 290 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo rotulagem nutricional de alimentos embalados e complementando a Resolução RDC nº39, de 21 de março de 2001 (ANVISA, 2007). A Portaria nº 13, de 05 de janeiro de 2006, cria a Câmara Setorial do sistema Produtiva de Leite e Derivados (MAPA, 2007). A Portaria nº 50, de 20 de fevereiro de 2006, aprova os programas de Controle de Resíduos em carne (bovina, aves, suína e eqüina), leite, mel, ovos e pescado para o exercício de 2006 (MAPA, 2007). A Instrução Normativa nº 68, de 12 de dezembro de 2006, oficializa os Métodos Analíticos Oficiais Físico-Químicos, para controle de leite e produtos lácteos, determinando que sejam utilizados nos Laboratórios Nacionais Agropecuários, descrevendo os procedimentos para o preparo de soluções e diluições, características e preparo de amostras, metodologias analíticas, interpretação de resultados, e outras recomendações gerais (MAPA, 2007). A Instrução Normativa nº 69, de 13 de dezembro de 2006, institui o critério de avaliação da qualidade do leite in natura, concentrado e em pó, reconstituídos, com base no método analítico oficial físicoquímico denominado “Índice CMP” (índice de caseinomacropeptídeos, para determinar se houve falsificação do leite por adição de soro), de que trata a Instrução Normativa nº 68, de 12 de dezembro de 2006, determinando que somente quando o índice de CMP for de até 30 mg/l (trinta miligramas por litro), o leite poderá ser destinado ao abastecimento direto (MAPA, 2007). Uma vez apresentado o marco legal que regulamenta a identidade do leite no Brasil, o tópico seguinte apresentará as possíveis ações, de curto, médio e longo prazos, para minimizarem as nãoconformidades em leite fluído e, assim, beneficiarem o sistema produtiva e o consumidor final. 12.8. Ações para Minimizarem a Não-conformidade em Leite Fluído As ações propostas para minimizarem o risco de não-conformidade em leite fluído, por meio da adição de soro de leite, considera Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 291 três etapas distintas. A primeira, de curto-prazo, visa a intimidar possíveis empresas fraudadoras por meio da fiscalização e da punição. A segunda fase, de médio-prazo, visa a aprimorar o atual sistema de fiscalização. A terceira fase, de longo-prazo, visa a conscientizar as empresas e os consumidores em relação à importância da qualidade do produto final. Essas etapas, que serão apresentadas na seqüência, foram denominadas respectivamente de: (1) Intensificação da Fiscalização; (2) Aprimoramento do Sistema de Fiscalização; (3) Conscientização de Empresas e Consumidores. O Quadro 12.4 mostra um resumo dessas ações. Quadro 12.4: Ações para minimizarem a não-conformidade em leite fluído Fase Ação • Elaborar cronograma de fiscalização do teor de proteínas do produto final. • Realizar fiscalização nos pontos de venda. 1. Intensificação da fiscalização • Analisar o teor de proteína do leite entregue aos laticínios. • Controle do teor de proteína na entrada e na saída dos laticínios. • Levantar os recursos necessários para essa fiscalização. • Implementar o processo de fiscalização. • Apresentar os resultados. • Discutir os resultados. • Credenciar novos os laboratórios, para realizarem análise, tanto de cromatografia quanto de espectrofotometria. • Levantar o número ideal de técnicos para suprir a demanda prevista pelo governo e desenvolver uma política adequada de incentivos. 2. Aprimoramento do sistema de fiscalização • Discutir com o poder público a necessidade de mais funcionários e um possível aumento do orçamento para os órgãos de fiscalização. • Diminuir as funções fiscais, mantendo o foco de atuação nas atividades mais críticas. • Aprimorar o processo de coleta de amostras, evitando-se o congelamento e a mistura de amostras, além de se evitar a sua demora até chegar ao laboratório, para minimizar dúvidas, em relação ao resultado dos testes. • Aumentar o valor da multa punitiva. • Aumentar a rotação dos fiscais que atuam em cada empresa, evitando que o mesmo fiscal atue sempre nas mesmas empresas. • Estimular a espectrofotometria como método alternativo à cromatografia. • Utilizar a combinação de métodos para complementar as análise quantitativas. Para isso, utilizar da auditoria fiscal e de processos como práticas complementares. 292 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo • Elaborar Campanha para consumidores focalizando a importância de se adquirirem os produtos com certificados de qualidade. 3. Conscientização de empresas e consumidores • Priorizar o selo “Produto de São Paulo” como certificador. • Destinar uma verba de marketing institucional para essa organização. • Elaborar uma campanha de conscientização para os laticínios sobre a manutenção da conformidade. • Estimular a diferenciação dos produtos. • Mostrar os malefícios da competição desleal. • Implementar a fase de “lançamento”. Fonte: Elaborado pelos autores. As ações propostas anteriormente se iniciam de forma corretiva, em curto e médio prazos e evoluem, no longo-prazo, para uma forma educacional em que as empresas e os consumidores passam a compreender e exigir a manutenção da conformidade e da qualidade em todo o sistema produtivo. 12.9. Conclusão “Successful societies require a means for securing political order. That we o�en take order for granted in developed societies does not imply that it is unimportant. Although most economists ignore problems of disorder, creating order is a central task for establishing the foundations of long term economic growth.” (NORTH et al, 2000: 1). Douglass North, economista norte-americano, ganhador no prêmio Nobel em 1993, enfatizou a importância das instituiçõesormais e informais, para o desenvolvimento de uma sociedade. O que ele chamou de “Regras do Jogo”, são as normas que conduzem a forma de atuação dos indivíduos e das organizações, inseridos em uma determinada sociedade. Quando se iniciou o processo de estudo deste projeto de nãoconformidade, o grupo de trabalho deparou-se com um tema exaustivamente discutido e com toda uma legislação construída e modificada ao longo do tempo. Durante as discussões, ficou eviPlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 293 dente que o problema é real e antigo. No entanto, a identificação das suas causas foi mais difusa. Foram discutidos os métodos de análise, o processo de fiscalização, a disponibilidade de recursos, a identidade dos produtos do sistema produtiva do leite, a legislação e as brechas jurídicas. Os diversos especialistas consultados mostraram a vontade de evoluírem no tema. Ao mesmo tempo, durante todo o processo de planejamento estratégico para o sistema do leite, escutaram-se reclamações a respeito da pequena margem de lucro obtida pelos produtores e também pelos laticínios que comercializam os leites fluídos comuns. Com o decorrer do trabalho, enxergou-se o óbvio: o problema é institucional. Se existe toda uma legislação pronta que regulamenta a identidade dos produtos e o processo de fiscalização e mesmo assim, o problema da não-conformidade persiste, das duas uma: ou obriga-se o setor a enquadrar-se nas leis, ou assume-se que as leis não refletem a realidade do setor e, portanto, precisam ser modificadas. Como as formas de “driblar” o sistema vigente sempre serão desenvolvidas, além da preocupação com as instituições formais, este projeto também indica, em longo-prazo, uma tentativa de modificar as instituições informais ou normas de conduta que auxiliam que o problema discutido neste texto seja insolúvel. Nesse sentido, o melhor caminho é a conscientização de todos os agentes do sistema produtiva e também dos consumidores, para que o sistema privilegie as empresas que procuram a conformidade e a qualidade, evitando as ações individuais que prejudicam o sistema e o país de maneira geral. 294 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 13. PLANO DE QUALIDADE DO LEITE Maurício Palma Nogueira35, Cristiane de Paula Turco36 e Rosana de Oliveira Pithan e Silva37 13.1. Introdução Até há bem pouco tempo, a FAO (Food and Agriculture Organization), da Organização das Nações Unidas (ONU), colocava o Brasil como um dos grandes importadores de leite até o ano de 2015. Internamente, diversos técnicos, baseados em relatórios da FAO, também acreditavam na futura dependência brasileira do mercado externo, para atender a demanda interna. Foram anos de produção leiteira insuficiente para atender a própria demanda. No entanto, a situação mudou. De 1991 a 2005, a produção brasileira cresceu 63%, segundo os números do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O país, de importador, passou a depender cada vez menos do mercado externo. Apesar de ainda incipiente, o Brasil já conta com um superavit na balança de lácteos desde 2004, o que leva a crer que a produção leiteira tenha atingido um ponto crítico. Tudo indica que o país produzirá mais do que a capacidade do consumo interno, pelo menos a curto prazo. Se não houver a abertura de mercados, a ampliação do número de clientes e consumidores para o leite brasileiro, a oferta excedente tende a reduzir consideravelmente o preço do leite no mercado interno. Sendo assim, o sucesso do setor depende da ampliação do mercado interno, através de marketing institucional e de campanhas de incentivo, assim como do mercado externo, almejando ampliar a participação brasileira no cenário internacional. Possibilidades para o leite brasileiro não faltam. Segundo estimativas, em algum momento entre os anos de 2008 e 2015, a população mundial urbana superará a população rural. Com isso, o núEngenheiro Agrônomo – Sócio diretor da Scot Consultoria. [email protected] Médica Veterinária – Consultora analista da Scot Consultoria. [email protected] 37 Socióloga, Pesquisadora Científica do Instituto de Economia Agrícola da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, foi Secretária Executiva da Câmara Setorial de Leite e Derivados do Estado de São Paulo. [email protected] 35 36 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 295 mero de clientes no mercado de alimentos no mundo, será maior, pois haverá a redução proporcional da produção de subsistência. Também por volta de 2015, a população mundial terá atingido os 8,5 bilhões de habitantes, população 29% superior à existente nos dias de hoje. Apenas como referência, na China, o volume anual de pessoas que migram do campo para a cidade é de cerca de 17 milhões de habitantes. Equivale dizer que ao ano, nasce uma grande São Paulo na China. O crescimento mundial, a recuperação de diversas economias, o fim das guerras em algumas regiões e a própria tendência de tentar resolver a questão da fome nas partes mais miseráveis do globo, tende a imprimir uma forte demanda de alimentos no mercado internacional. Isso tudo sem considerar a questão do futuro dos subsídios nos diversos países ricos. Dentre os principais países apontados como players do mercado internacional de leite e de alimentos em 2015, o Brasil é o que oferece maiores condições de atender a demanda. Os demais estão com a capacidade produtiva próxima do limite, como a Austrália, a Nova Zelândia, os Estados Unidos e outros, ou o próprio consumo crescerá consideravelmente junto com a produção, como é o caso da Índia (exceção à carne bovina por questões religiosas) ou a própria China, no caso da produção leiteira. No mercado interno, na pior das hipóteses, o consumo deve crescer juntamente com o avanço da população. Caso o setor leiteiro tenha sucesso em promover o marketing do leite no país, haverá também o ganho individual no consumo, multiplicando a demanda interna por leite. O mercado brasileiro também é de grande importância. Nas condições atuais, com um pequeno acréscimo no consumo “per capita”, o Brasil já passaria de exportador potencial para grande importador, tamanho é o mercado brasileiro e o seu potencial. Como é de conhecimento geral, independente da região do globo em que se encontra, toda a sociedade aponta para o aumento da exigência em relação à segurança alimentar e, conseqüentemente, da qualidade do alimento que será consumido. 296 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Nas palavras do Dr. Humberto Monardes (Department of Animal Science of McGill University, Montreal, Canada), a comunidade internacional consagrou a segurança alimentar como um dos direitos humanos fundamentais. A padronização das normas de qualidade vai impor uma grande disciplina nos mercados mundiais de lácteos, exigindo um importante compromisso social, econômico e político de todos os membros do sistema leiteiro. Sendo assim, garantir qualidade na produção do alimento será exigência para qualquer empresa ou país que se proponha a produzir alimentos. 13.2. Importância da Qualidade do Leite Qualidade tem sido o tema recorrente, quando se pensa em alimentos e em agregação de valor. Ela está diretamente ligada à competitividade e à rentabilidade e o seu controle é fundamental para garantir a segurança do alimento colocado à disposição do consumidor, além de possibilitar a otimização do uso de recursos e viabilizar a conquista e a manutenção de mercados. Atualmente, o termo ganhou contornos diferentes e abrange não apenas as características intrínsecas do produto, como também as características do seu processo produtivo, que além de seguir procedimentos que garantam a qualidade final do produto, deve acontecer dentro de princípios da preservação ambiental, da responsabilidade social e da promoção humana. O tema deve ser de interesse e preocupação de todo o sistema agroindustrial, pois a produção de leite de qualidade na propriedade deve ser mantida em todo processo produtivo até chegar à mesa do consumidor. Isto significa que vários pontos de controle devem ser efetivados ao longo do sistema para que se obtenha um produto final diferenciado. Vários aspectos devem ser considerados para se produzir um leite de qualidade, mas é importante visualizar a necessidade de regras que possibilitem e garantam como resultado, um produto superior que possa satisfazer o consumidor. No caso do leite, além Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 297 do investimento em qualidade, deve haver ações de marketing que levem o consumidor brasileiro a conhecer e a valorizar a qualidade dos lácteos. (Dürr, 2006). O sucesso dependerá da definição dos atributos de qualidade para o produto, que só pode ser garantida a partir da produção, que passa necessariamente pelas fazendas e pelas indústrias. O consumidor determina o que quer; o setor produtivo tem que garantir. Vanderli Prieto e outros (2006) lembram que o conceito de qualidade deve ser compreendido como o oferecimento de valor ao cliente e deve reforçar uma posição competitiva da empresa em seu mercado de atuação. Embora o estudo englobe todo o Sistema Agroindustrial do Leite, a falta de padrão de qualidade minaria a competitividade de todo o setor. Foi consenso entre todos os consultados, que participaram da elaboração do estudo, que a produção leiteira paulista deve focar um padrão mais elevado de qualidade. O raciocínio é simples. São Paulo produz cerca de 7,1% da produção nacional e consome entre 35% (IBGE) a 50% (números não oficiais) do leite disponível no país. Independente do mercado internacional, parece interessante que a pecuária leiteira de São Paulo estabeleça objetivos de trabalhar os mercados de maior valor dentro do Estado que detém o maior PIB (Produto Interno Bruto) do país. E mesmo no caso de que os projetos sobre a oportunidade de mercado e de exportação determinem que o Brasil tenda a permanecer em mercados pouco exigentes, que demandam produtos de menor valor agregado, a questão da qualidade ainda seria de elevada importância. Para William Edward Deming, estatístico norte-americano, “a produtividade é aumentada pela melhoria da qualidade. Este fato é bem conhecido por uma seleta minoria.” Se a produtividade aumenta, os custos caem. Custos mais baixos são os determinantes do sucesso no mercado de commodities, situação em que a empresa dificilmente consegue, por atuação individual, alterar os preços de venda. Estabelecer um padrão de qualidade para o leite paulista é fundamental, para atender as exigências crescentes do mercado consumidor. O marketing inclui a adaptação da qualidade de um produto às exi- 298 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo gências do consumidor. Independente do mercado em que a indústria paulista acabe se posicionando no futuro, o fato é que há uma necessidade latente de se investir em aumento da qualidade. 13.3. Objetivos do Plano Qualidade do Leite O objetivo do projeto é sugerir as metodologias que permitam os ganhos e a padronização da qualidade do leite produzido no país. É preciso viabilizar o acesso a técnicas e ao conhecimento, especialmente para as pequenas indústrias, as cooperativas e os produtores que ainda permanecem alienados em relação aos benefícios da garantia da qualidade e dos processos que permitem garanti-la na linha de produção. Em geral, o estudo estabelece, como principais linhas de ação, viabilizar a realização de um projeto, visando às seguintes ações: • Sugerir uma metodologia para o diagnóstico de qualidade e as análises para pequenas indústrias e fazendas. • Recomendar a criação de um banco de dados integrados de qualidade e de outras informações de fazenda e de indústria, visando a manter um diagnóstico permanente. • Sugerir um modelo de rastreabilidade para as fazendas e as indústrias, já antecipando as futuras exigências de mercado. • Definir pontos críticos e boas práticas de qualidade, a partir de normas de qualidade e de programas já existentes para o setor. • Criar um fórum permanente de discussão, para promover o debate entre especialistas, usuários e consumidores para inserir as correções ou as alterações nas normas. • Estabelecer os parâmetros de controle de qualidade por processos nas fazendas. Avaliação de insumos por especialistas e pelas indústrias. • Sugerir as metodologias de amostragem para que os pequenos produtores e as pequenas indústrias tenham condições de acompanharem a qualidade do leite. As pequenas indústrias não estão analisando as amostras. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 299 • Analisar a capacidade operacional e o dimensionamento da atual estrutura laboratorial. Afinal, tal qual os projetos de competitividade para as fazendas e para as indústrias, o plano de qualidade visa a permitir a criação de um programa permanente de difusão de tecnologias práticas e executáveis que permitam às empresas melhorarem a qualidade da produção. 13.4. Apoio Teórico e Metodologia Para se chegar às propostas de ações, diversos profissionais foram entrevistados para que fosse possível identificar os principais problemas e as propostas de soluções que já existem para o setor. O tema “Qualidade do Leite” é moderno e foi amplamente discutido nos últimos anos, especialmente no período entre a publicação da Instrução Normativa 51, em setembro de 2002, ainda no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, até o período em que entraria em vigor, em julho de 2005. Portanto, a metodologia para se chegar às propostas de ações foi baseada em pareceres, relatórios e artigos técnicos referentes ao assunto, publicados recentemente. Alguns representantes de indústrias, de associações e de entidades de classe também foram consultados a opinar sobre o que pensam e que sugestões poderiam ser colocadas em prática para melhorarem ou possibilitarem a melhoria de qualidade da produção leiteira no país. Dentre as colocações e as sugestões, destacam-se as palavras colocadas pelo professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, Dr.Marcos Veiga dos Santos, ao responder a algumas perguntas, formuladas pelos técnicos do projeto GESis Leite 2010 (Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite em São Paulo 2010): “Os principais elementos para garantir a qualidade são: a capacitação e o treinamento do produtor e dos funcionários, com relação à limpeza de equipamentos de ordenha, ao resfriamento do leite, ao manejo de ordenha e ao controle de mastite.” 300 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo A colocação resume os objetivos principais do estudo do plano de qualidade de leite: transferir os conhecimentos técnicos para garantir a qualidade e os conhecimentos econômicos para motivar a busca de qualidade nas unidades produtivas. 13.5. Esforços no Sentido de Garantir a Qualidade do Leite O leite e as legislações Há anos, o setor tem se esforçado constantemente para melhorar a qualidade do leite. Até a década de 1930, o abastecimento do leite nas cidades era feito por vaqueiros ou por pequenas indústrias. O leite era distribuído diretamente ao consumidor em vasilhas ou “canecas”. Na região do Vale do Paraíba e, principalmente dentro da atual Cooperativa Central de Laticínios, os produtores começavam a se profissionalizar para atenderem o mercado. A proximidade com São Paulo e com o Rio de Janeiro abria grandes oportunidades para a indústria leiteira das regiões próximas. O grande mercado consumidor e a incapacidade do produto em desenvolver grandes distâncias garantiam a situação favorável. O aumento do consumo e do número de fornecedores exigia que medidas preventivas fossem adotadas, visando a garantir uma segurança para a população. Com isso, em 1939, o Governo do Estado de São Paulo decretou que, todo o leite entregue à população deveria ser pasteurizado. O mesmo decreto ainda dividia o leite em 3 categorias, resumidas a seguir: Leite tipo A: • Produzido e beneficiado em granjas leiteiras • Máximo 10 000 unidades formadoras de colônia (ufc)/cm3 Leite tipo B: • Algumas normas de construção • Máximo de 500.000 unidades formadoras de colônia (ufc)/cm3 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 301 Leite tipo C: • Pode ter o teor de gordura reduzido • Máximo de 2.000.000 unidades formadoras de colônia (ufc)/cm3 Já era um avanço para o setor, mas tais normas vigoraram até a criação da Instrução Normativa 51 (IN-51), editada em setembro de 2002. Nas fazendas, as exigências por parte da fiscalização merecem críticas nos dias atuais. Os principais atributos checados para definir se o leite seria tipo “B” ou tipo “C” eram relacionados às instalações e não à qualidade da matéria-prima. Sendo assim, além das poucas variáveis que limitavam a qualidade do produto, a fiscalização não tinha como objetivo verificar condições bioquímicas da qualidade do leite produzido. Essa tradição de se privilegiar as instalações, a infra-estrutura e as edificações ficaram arraigadas na cultura brasileira, quando o tema em discussão abrangia o assunto qualidade do leite. Na história recente, já em 2002, quando os técnicos e os especialistas se empenhavam em promover os avanços quea entrada da IN 51 traria ao setor, diversos grupos se voltaram contra a normativa, baseados na argumentação de que a lei excluiria o pequeno produtor, pela incapacidade de investir em instalações e em equipamentos. No entanto, embora as classificações do produto brasileiro tenham se baseado na antiga legislação, a grande novidade da IN 51 é que a definição de qualidade seria delimitada pela composição e condições do leite e não por instalações ou nível de investimentos disponíveis na empresa. Mesmo o leite tipo “B”, cujas exigências em instalações eram maiores, e ainda são, vale ressaltar que a definição não se resume à medidas, mas sim ao bem-estar do animal e à manutenção de higiene. Na IN 51, todas as variáveis analisadas referem-se aos critérios da produção e do manuseio de leite, passando pela fazenda, pelo transporte e pelas indústrias. Para todos os anexos, que se referem a cada tipo de produto, desde a fazenda até a indústria, as definições incluem os seguintes itens: 302 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 1. Alcance da lei 2. Descrição 3. Sanidade do Rebanho 4. Higiene de Produção 5. Transporte da Matéria-Prima 6. Procedimentos específicos para o Controle de Qualidade da Matéria-Prima no Estabelecimento Beneficiador 7. Composição e Requisitos Físicos, Químicos e Microbiológicos do Leite Cru Tipo C, do Leite Cru Refrigerado Tipo C e do Leite Pasteurizado Tipo C 8. Pesos e Medidas 9. Rotulagem 10. Acondicionamento 11. Aditivos e Coadjuvantes de Tecnologia/Elaboração 12. Expedição e Transporte do Leite Pasteurizado Tipo C 13. Contaminantes 14. Higiene 15. Métodos de Análise 16. Amostragem 17. Prazos de vigência Portanto, a legislação tem como objetivo estabelecer os padrões, os critérios e as referências para a produção de leite. A lei estabelece os critérios referentes à acidez, gordura, proteína, crioscopia, sólidos não gordurosos, estabilidade ao alizarol, coliformes, salmonela, contagem padrão em placas (Ufc), índice de refração em soro cúprico, pesquisa de contagem de células somáticas, resíduos de antibióticos e composição centesimal do produto. A IN 51, ao contrário do que foi difundida, não é excludente! Na verdade, ela inclui o produtor. Quem não seguir os critérios estabe- Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 303 lecidos, tende a ser excluído pelo próprio mercadoe não pela lei ou pela fiscalização. 13.6. Criação de Manuais de Boas Práticas Definidos os critérios, é preciso garantir a sua implantação nas empresas. Por isso, técnicos reunidos pela Câmara Setorial do leite elaboraram o manual de boas práticas para a produção de leite tipo “B”. Na ocasião, participaram do estudo: André Zanaga Zeitlin, Carlugil Gomes de Almeida, Devanir Donizeti Daniel, Eduardo de Paula Nascimento, Gustavo Geriberto Hidalgo, José Antônio, Russo, Manoel José de Alcântara, Paulo Fernando Machado, Paulo Henrique, Grassano Murta, Paulo Tilelli de Almeida e Rosana de Oliveira Pithan e Silva. Colaboraram ainda, Nelson Pedro Staudt Breno Luz e Carlugil Gomes da Silva. Embora o exemplo seja para leite “B”, a criação de manuais pode se referir à qualidade do leite produzido para qualquer destino. Ressalta-se que no caso da ordenha, por exemplo, o manual preconiza a mecânica. Trata-se de uma referência aos critérios estabelecidos pelos técnicos, quando sugeriram o manual para a produção de leite “B”. Sendo assim, usar o manual como exemplo neste estudo não implica dizer que a ordenha deva ser mecanizada. A própria instrução normativa permite que o leite tipo “B” seja produzido sem ordenha mecânica, em trecho que segue aqui transcrito: “a instalação de ordenha... deverá ser dotada de Sala de Leite, onde deve ser instalado o equipamento de refrigeração do leite em placas ou por expansão direta. Nessa dependência, a ordenha pode ser manual ou mecânica. Quando manual, deve ser provida de paredes na altura mínima de 2 m”. 304 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo O manual também sugere que a produção seja avaliada em períodos que não devem ultrapassar os noventa dias. E toda vez que houver alterações no padrão de qualidade, detectadas na análise da matériaprima, a propriedade em questão será objeto de nova auditoria pelo corpo técnico da indústria, visando à identificação e à correção das origens desta alteração. Na indústria, o manual pode ser elaborado para qualquer tipo de produto, escopo da linha de produção da empresa. As disposições do manual para a produção de leite tipo “B” são: Boas Práticas de Produção: Fazenda a) Dos rebanhos • Os rebanhos deverão ser vacinados de brucelose e examinados contra tuberculose e brucelose. Deverão ter arquivado os atestados negativos dos animais emitidos a cada 6 (seis) meses, bem como a comprovação da vacinação regular dos animais, segundo as exigências das campanhas oficiais, através da certidão emitida pela Agência de Defesa Agropecuária do Estado de São Paulo - ADAESP; • A fazenda deverá manter o sistema de escrituração zootécnica, em que conste o cadastro individual dos animais, bem como as intervenções relativas à administração de medicamentos, de vacinas e antiparasitários, com a data e a relação dos animais tratados. b) Das Instalações • Deverão ser feitos exames microbiológicos por laboratório habilitado, com freqüência anual que comprovem a potabilidade da água utilizada na higienização das instalações e dos equipamentos que entrem em contato direto com o leite, bem como para a higiene pessoal dos colaboradores; • Deverão ser feitos registros das temperaturas da água quente utilizada na higienização dos equipamentos e utensílios, que não deverão ser inferiores à 70oC, na entrada e 45oC na saída dos equipamentos; • A fazenda deverá passar para a indústria a planta das instalações de ordenha em que conste curral de espera, sala de ordenha, sala de leite e sanitário. Todas as instalações deverão ter piso impermeável, lavável e cobertura, o que é dispensado no curral de espera; Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 305 • Deverá ser garantida a ausência de fontes produtoras de mau cheiro que possam atingir as instalações; boa iluminação e drenagem das águas servidas nos ambientes; a ausência de acesso por outros animais e insetos, bem como de produtos estranhos às tarefas da sala de leite (medicamentos, rações etc.). c) Dos equipamentos • Os equipamentos de ordenha deverão ser limpos, conforme as normas do fabricante, sendo imperativo a disponibilidade de água quente, em quantidade que permita que, no início da limpeza a temperatura seja acima de 70oC e no final, acima de 45oC; • Os equipamentos de refrigeração de leite deverão ser compatíveis com os volumes ordenhados e com a freqüência de coleta; • Os equipamentos admitidos de resfriamento de leite serão os rebaixadores rápidos à placas e os tanques de expansão direta. No caso dos rebaixadores rápidos àplacas, poderão ser admitidos os tanques isotérmicos. Observação: qualquer que seja a composição adotada para o resfriamento do leite, este deverá se dar, segundo os parâmetros abaixo: • temperatura máxima de estocagem: 4oC; • tempo de resfriamento até 4oC: 120 minutos; • temperatura máxima do leite estocado em caso de ordenha subsequente: 10oC. d) Dos Colaboradores • A propriedade deverá ter a identificação dos colaboradores envolvidos com a atividade leiteira, constando a carteira de saúde individual, renovada anualmente, com o diagnóstico negativo específico para tuberculose; • Deverão ser certificadas as condições de higiene pessoal dos funcionários; 306 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo • Os funcionários deverão usar uniformes (avental, touca ou boné e luvas descartáveis); • Os funcionários deverão ter amplo conhecimento do Manual de Boas Práticas de Produção. e) Da Rotina de Ordenha • A ordenha deverá ser realizada mecanicamente; • A rotina de ordenha deverá compreender, obrigatoriamente, os procedimentos listados abaixo, podendo-se adicionar outros: - Uso de uniforme completo; - Lavagem das tetas com água corrente e potável; - Eliminação dos primeiros jatos de leite; - Exame do leite, através de caneca telada ou de fundo preto; - Imersão das tetas, na pré-ordenha, com solução desinfetante, por no mínimo 30 segundos; - Secagem das tetas com material absorvente e descartável; - Colocação da teteira; - Ordenha propriamente dita; - Imersão das tetas em solução desinfetante, própria para este fim, após a ordenha. - Deverá ser garantida a adoção da segregação (ordenha em separado) do leite alterado por mastite e do leite dos animais em período de carência, por tratamento com produtos veterinários ou fase colostral. f) Do Transporte • O leite cru deve ser transportado em caminhões, contendo tanques isotérmicos, e o leite deverá chegar à plataforma de processamento até 48 horas após sua retirada, com temperatura inferior à 7oC. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 307 g) Das análises do leite cru • Serão feitas as análises do leite cru coletado nas propriedades e na plataforma de recepção que serão feitas pelo caminhoneiro no mínimo 2 (duas) vezes ao mês. • As amostras serão analisadas para: - Contagem global (CGB a 32oC ou eletrônica); - Contagem de células somáticas (CCS); - Presença de antibióticos (b-lactanas e tetraciclinas); - Componentes (gordura, proteína, lactose e sólidos totais). 13.7. Programa Nacional de Qualidade do Leite O Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite (PNQL) foi estabelecido com o objetivo de melhorar a qualidade do leite no Brasil. Engloba diversas questões relacionadas à qualidade do leite, como os equipamentos e os critérios de ordenha, metodologias de transporte, amostragem e análise do leite, medidas de higiene, refrigeração, controle de mastite clínica e subclínica, composição do leite entregue para a indústria, alimentação das vacas, resíduos no leite, e práticas de manejo na obtenção do leite. O programa também relaciona as técnicas preconizadas, assim como as medidas de controle, aos resultados obtidos na empresa. Todas as práticas de manejo que garantem a obtenção de leite de alta qualidade na fazenda aumentam a rentabilidade da propriedade rural: • Leite com baixa CBT indica que o leite foi obtido com higiene e bem conservado, o que evita as perdas por leite ácido; • Leite com baixa CCS indica que as vacas não têm mastite, o que evita as quedas na produção e melhora o rendimento industrial do leite; 308 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo • Leite com altos teores de sólidos indica que as vacas estão sendo bem alimentadas, o que aumenta a produção individual e total do rebanho; • Leite sem resíduos de antimicrobianos indica uma boa prevenção de doenças e um bom controle do descarte de leite contaminado, o que reduz as chances de penalidades por parte da indústria. 13.8. Base Metodológica para Garantir a Qualidade do Leite De acordo com o engenheiro agrônomo Dr. João Walter Dürr, especialista em qualidade do leite, quanto mais profissionalizado o sistema produtiva, menor a tolerância com os fatores que possam comprometer o resultado do processo industrial. A qualidade do produto final é determinada por um processo seqüenciado em que a qualidade em cada etapa é limitada pela qualidade na etapa anterior. Em outras palavras, só é possível garantir a qualidade de um produto acompanhando processo a processo do mesmo, ao longo de todo o sistema. Não há como pular as etapas. Na Holanda, o sistema produtiva segue uma seqüência de controle de qualidade e checagem para cada etapa de produção, conforme é ilustrado no quadro 13.1. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 309 Quadro 13.1: Exemplo de medidas de controle aplicada pelo sistema produtiva do leite na Holanda Pontos de Controle Medidas Vacas leiteiras • Certificação compulsória do estado sanitário de cada vaca. • Programas de controle de doenças baseados em monitoramento contínuo. • Registro compulsório de todos os animais em um sistema de rastreabilidade oficial. Alimentos para as vacas Leiteiras • Procedimentos de qualidade padronizados. • Padrões para inspeção dos ingredientes adquiridos. • Procedimentos de qualidade padronizados (detecção de presença de substâncias prejudiciais). • Requisitos técnicos para a fabricação de equipamentos. • Padrões de higiene para o processamento e armazenamento. • Padrões para a inspeção final dos alimentos (composição e qualidade). • Normas regulatórias para o transporte de ingredientes e produtos finais. Fazendas leiteiras • Critérios de acomodação e cuidado do gado leiteiro. • Controle de administração de tratamentos veterinários (atribuição de médicos veterinários). • Registro obrigatório de todos os tratamentos veterinários. • Períodos de descarte bem definidos - leite de vacas que receberam medicamentos não deve ser fornecido ao processador. • Sistema bem estabelecido de ordenha e refrigeração higiênicas. • Padrões legais de manejo e proteção ambiental. Leite Cru • Contagem de células somáticas (CCS). • Crioscopia. • PH da gordura. • Contagem bacteriana total (CBT). • Resíduos de antibióticos. • Presença de bactérias formadoras de ácido butírico. • Pureza visual. • Periódica pesquisa de substâncias prejudiciais: dioxina, aflatoxinas, metais pesados, resíduos de pesticidas etc. Indústria de laticínios Produtos lácteos • Procedimentos de qualidade padronizados. • Exigências específicas para o transporte do leite da fazenda até a indústria. • Inspeção na recepção do leite cru. • Padrões de higiene para os equipamentos industriais. • Protocolos estabelecidos para os processos de produção dos vários produtos finais. • Exigências específicas para o transporte do leite da fazenda até a indústria. • Composição Aditivos Qualidade microbiológica. • Resíduos de contaminantes Aparência, odor e sabor. Fonte: Dutch Dairy Board (2006)/Dürr (2006). 310 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo O objetivo de garantir a qualidade a cada processo de produção remete ao conceito de Gestão pela Qualidade Total. Gestão pela Qualidade Total é um método de gestão empresarial, desenvolvido a partir da chamada “administração japonesa”, que foi responsável pelo grande salto quantitativo e qualitativo das indústrias daquele país, no pós-guerra. A finalidade da Gestão Pela Qualidade Total, como em todo método de gestão, é aumentar a eficiência, gerando com isso um maior retorno financeiro e consequentemente o crescimento da organização. Pela relevância do assunto, os conceitos de Gestão pela Qualidade Total baseiam-se nos treinamentos e nas metodologias de execução da garantia da qualidade do leite, segundo o critério do professor Dr. Paulo Fernando Machado, da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da Universidade de São Paulo. O professor Paulo Machado também é um dos grandes especialistas em qualidade do leite do país, idealizador e responsável pela Clínica do Leite, em Piracicaba na unidade da Esalq. 13.9. Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC) Também baseado nos conceitos de qualidade total, o método de análise de perigos e pontos críticos de controle (APPCC) foi desenvolvido para o exército norte-americano e para a NASA (United States National Aeronautics and Space Administration), dada a relevância dos critérios para a conservação de alimentos. Posteriormente, o programa foi disseminado como ferramenta empresarial para o controle de qualidade da produção das indústrias. O APPCC segue sete princípios básicos, relacionados a seguir: Princípio 1: Identificação dos perigos, severidades e riscos (químicos, microbiológicos e físicos); Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 311 Princípio 2: Estabelecimento dos pontos críticos de controle (PCCs) para os perigos identificados; Princípio 3: Estabelecimento dos critérios (limites críticos) para cada PCC; Princípio 4: Adoção de procedimentos de monitoramento rotineiro para os PCCs; Princípio 5: Adoção das medidas corretivas quando o critério não for atingido; Princípio 6: Estabelecimento de um sistema efetivo de registro de informações para o programa; Princípio 7: Estabelecimento de um sistema de verificação para documentar que o programa de APPCC está sendo seguido. A implementação dos sistemas APPCC deve seguir os passos, conforme apresentados no quadro 13.2. Quadro 13.2: Passos para uma eficiente implementação do sistema APPCC PASSOS ATIVIDADES Passo 1 Definir uma equipe local e multidisciplinar para liderar o programa de APPCC. Passo 2 Descrever o produto final e os meios de distribuição (por exemplo, requisitos de formulação e processamento). Passo 3 Identificar o provável uso do alimento e a população consumidora alvo. Passo 4 Desenvolver um fluxograma que descreva o processo de produção e distribuição. Passo 5 Verificar o fluxograma. Passo 6 Implementar o princípio 1-identificar os perigos, severidades e riscos preparando uma lista dos pontos no processo de produção em que ocorrem perigos químicos, físicos e microbiológicos e comecar a descrever as medidas preventivas. Passo 7 Aplicar o princípio 2 - identificar os PCCs no processo produtivo. Passo 8 Adotar o princípio 3 - estabelecer limites críticos que disparem a implementação de medidas preventivas associadas a cada PCC identificado. Passo 9 Implementar o princípio 4- Estabelecer as exigências de monitoramento e organizar os procedimentos para o uso dos resultados do programa de monitoramento (Meta: usar os resultados de programa de monitoramento para ajustar procedimentos e manter controle sobre o processo de produção). Organizar o princípio 5. Criar ações corretivas a serem iniciadas quando o programa de Passo 10 monitoramento indicar desvios em relação aos critérios ou limites críticos estabelecidos. 312 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Manter o princípio 6- Estabelecer procedimentos efetivos de registro de informações que Passo 11 atestem a implementação do sistema de APPCC (exemplo: o plano de APPCC, os dados gerados durante o processo de produção etc.). Instituir o princípio 7- Estabelecer procedimentos de verificação de que o sistema de APPCC Passo 12 está trabalhando corretamente (por exemplo: auditorias internas e externas, revalidações periódicas do sistema etc.). Fonte: Dürr (2006)/ GESis Leite 2010. Especialistas e consultores ressaltam a elevada importância da liderança e do comprometimento da diretoria da empresa com relação ao programa. Para 90% dos empresários entrevistados pela consultoria Bain & Company, o sucesso de qualquer ferramenta administrativa depende do apoio da liderança da empresa. Caso não haja envolvimento, o processo tende a fracassar. Essa dica, portanto, vale para os produtores e as indústrias. Não adianta exigir a qualidade dos funcionários, caso o próprio empresário não esteja comprometido. O Programa Alimento Seguro (PAS Campo e Indústria), desenvolvido pela Embrapa e ANVISA, em convênio com CNI, SENAI, SENAR, SENAC, SESC e SEBRAE aponta os processos que devem ser analisados e controlados a partir da metodologia do APPCC. São todos os processos e as operações de produção, manutenção e sanificação das instalações, higiene pessoal, transporte, informações rotulagem (rastreabilidade) e manuseio de produtos químicos, biológicos e residuais. Também é classificada como de grande importância, a questão ecológica e ambiental para a produção agropecuária. Os Programas Alimentos Seguros (PAS) estão à disposição do setor e podem ser implementados através de parcerias com unidades produtivas, sindicatos, prefeituras, cooperativas e as entidades relacionadas ao SEBRAE, regionalmente. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 313 São eficientes e acessíveis aos empresários. 13.10. Plano de Ações A iniciativa da indústria Segundo o estudo o Mapa do Leite do Estado de São Paulo, realizado pela Leite Brasil, a ordenha mecânica é utilizada por 46,6% dos produtores paulistas, sendo que 77,7% deles resfriam o leite. Destes, 79,1% o fazem em tanques de expansão, 12,2% em tanque de imersão e 8,7% usam tanques comunitários. Dentre os procedimentos básicos adotados antes da ordenha, destacam-se: lavar as mãos, que alcançou uma participação expressiva (87,2%), asseio das tetas com água (54,7%) e limpeza das tetas com água clorada (50,7%). Cerca de 39,9% dos produtores consideram-se enquadrados nas regras do programa de melhoria da qualidade do leite no estado de São Paulo. Apesar da ainda latente necessidade de melhorar a qualidade do leite no Brasil, já houve um grande avanço. Especialistas do setor, seja através de entrevistas ou de artigos publicados, lembram-se do ganho espetacular em qualidade do leite, nos últimos 15 anos. Sempre brincam que se um profissional fosse congelado no início da década de 90 e descongelado nos dias de hoje (2007), não acreditaria estar no Brasil, tamanho o avanço na questão da granelização e de refrigeração do leite, nas empresas produtoras. E todos estes avanços em qualidade foram incentivados pela indústria, que fomentou a granelização da coleta de leite e financiou a compra de tanques de expansão por parte dos produtores. Muito se critica que o produtor tenha pago a conta da competitividade da indústria, mas a verdade não é bem essa. 314 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Desde 1998, segundo o acompanhamento da Scot Consultoria, os produtores que investiram em granelização e melhoria da qualidade e volume de leite, registraram preços médios cerca de 8 a 12% superiores aos produtores nas mesmas condições, que foram mais lentos em integrar-se aos novos conceitos de produção de leite. A partir de 2006, ano em que a pecuária leiteira esteve no auge da crise de preços, a diferença entre os valores mais altos e os valores médios, pagos aos produtores, aumentou para cerca de 14%. Portanto, vale a pena investir em qualidade dentro da empresa, por questão de preços pagos no leite. E hoje não são apenas as grandes indústrias que estão incentivando os melhores produtores. A prática já é corrente no mercado, mesmo entre as menores. E pela importância da indústria e no processo de melhoria da qualidade do leite, João W. Dürr (2006) propôs uma linha de ações de acordo com cada gargalo do leite, conforme apresentado no quadro 13.3. Quadro 13.3: Exemplos de ações catalizadoras que a indústria pode adotar para acelerar a melhoria de qualidade do leite no Brasil Gargalos Ações da indústria no sentido de resolver/prevenir Elevada CBT no leite cru refrigerado • Rígido controle da temperatura do leite na coleta. • Orientação técnica sobre a higiene na ordenha, refrigeração, limpeza e manutenção de equipamentos. • Treinamento e comprometimento dos transportadores. • Adoção de sistema de advertências e penalidades no preço do leite. Elevada CCS no leite cru Refrigerado • Orientação técnica sobre prevenção da mastite. • Adoção de um sistema de advertências e penalidades no preço do leite. • Orientação técnica sobre a prevenção da mastite e controle de resíduos. • Uso de métodos de detecção de resíduos antimicrobianos sensíveis a diferentes tipos de antibióticos, uma vez que no Brasil se permite a administração de Presença de resíduos diferentes grupos de drogas. de Antimicrobianos • Adoção de sistema de penalidades envolvento preço do leite e descarte de cargas condenadas. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 315 Baixos teores de sólidos no leite cru refrigerado • Orientação técnica sobre a nutrição animal. • Rígido controle de fraudes (água, soro, desnate). • Adoção de um sistema de bonificações pelos sólidos no preço do leite. • Adoção de um programa de roteirização da coleta de leite que impeça o transportador de atuar como o intermediário. Ausência de um programa integrado de melhoria da qualidade do leite • Terceirização da coleta de amostras nas propriedades para profissionais desvinculados nos transportes. • Classificação dos produtores em função da qualidade do leite para a destinação da matéria-prima, de acordo com as necessidades industriais. • Criação de um sistema de divulgação rápida dos dados de qualidade para que as ações corretivas sejam adotadas em tempo. • Implantação do sistema APPCC em todas as etapas do processo produtivo. Fonte: Dürr (2006). A indústria, quando decide valorizar os atributos de qualidade, garante que todo o processo seja adotado a montante do sistema, ou seja, nos elos que a antecedem. Protocolos de qualidade e parcerias entre o setor público e privado De acordo com o estudo conduzido pelo GESis Leite 2010, cerca de 75% dos produtores de leite realizam o controle preventivo de mastite para as vacas secas. Um percentual baixo, dada a amostra de produtores selecionados para a pesquisa, a importância do controle e a relação de mastite com a qualidade de leite e o nível de informações já disponíveis no campo. Diversos protocolos técnicos e manuais de controle de qualidade, focando determinados assuntos técnicos, já foram disponibilizados aos produtores. No entanto, implementá-los nas unidades produtivas, depende de treinamento, acompanhamento, abordagem e avaliação. É o exemplo das normas propostas no Programa Alimento Saudável. O importante, como é o escopo do projeto, não é reinventar os processos ou recriá-los, mas sim, unir o conhecimento já existente e implementá-lo nas empresas leiteiras. 316 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo De acordo com os especialistas, os processos mais importantes para o controle de qualidade do leite nas fazendas, relacionam-se com a higiene, controle de mastite e ao rigor com os prazos de carência e recomendações no uso de produtos veterinários. A qualidade do leite também depende do equipamento de ordenha e da manutenção e limpeza de todos os equipamentos. A composição do leite depende da genética do rebanho e da qualidade nutricional, assim como o índice de CCS (Contagem de Células Somáticas). A questão de qualidade está relacionada com os procedimentos de higiene e veterinários na empresas. Tanto é assim, que a maioria das indústrias farmacêuticas e de equipamentos de ordenha possui manuais e/ou programa de treinamento, direcionado ao produtor e ao funcionário. Embora seja utopia imaginar que concorrentes possam atuar em conjunto, um plano de padronização de manual e de treinamentos pode ser financiado pela indústria, seja através do SINDAN (Sindicato Nacional da Indústria de Produtos Para Saúde Animal), em âmbito geral, mais extenso, ou por acordos regionais com empresas atuantes. A indústria de insumos e equipamentos tem interesse em vender seus produtos. A prevenção de doenças, a contaminação e as moléstias no gado leiteiro, além de benéfico para o produtor, tende a demandar maiores quantidades de produtos, garantindo o faturamento da indústria farmacêutica. O uso de produtos veterinários passa a ser constantee estes devem ser aplicados em todos os animais e não apenas nos infectados. Os manuais seguem os padrões detalhados e indicados por itens, conforme a organização sugerida pelo pesquisador Luiz Francisco Zafalon, apresentada a seguir, para o exemplo de um manual de manejo da ordenha: Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 317 - Definição de higiene • Primeira etapa: O ordenhador - Comportamento - Higiene pessoal • Segunda etapa: O ambiente • Terceira etapa: A rotina de ordenha - Retirada dos primeiros jatos de leite e diagnóstico da mastite - Realização do teste CMT - Lavagem das tetas - Anti-sepsia das tetas antes da ordenha - A ordenha - A anti-sepsia pós-ordenha - Limpeza do equipamento de ordenha - Filtração e refrigeração do leite Os manuais consistem em informações simples, diretas e sempre que possível com o uso de imagens, seja esquematizações por desenhos ou fotografias. Fomento Para fomentar o esforço de investimentos em qualidade, é preciso trabalhar com questões econômicas, relacionando custos, faturamento, resultados e margens aos produtores. Como foi colocado em uma das reuniões do Comitê Gestor, é o bolso que decide pelas ações. Sendo assim, propõem-se criar uma constante linha de estudos e uma base de dados, evidenciando os ganhos que existem na garantia de qualidade dos produtos, desde a indústria até a produção de insumos. 318 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Dürr (2006) também especula sobre o que pode ser esperado em termos de resultados, em custos e renda, para a indústria e para o produtor de leite, com implementação crescente da qualidade. Há ganhos no pagamento, na possibilidade de agregar valor e na redução de custos fixos. Da mesma maneira que existe para as fazendas, há um Programa Alimento Seguro, relacionado à indústria produtora de lácteos. Todas as normas, recomendações e pontos de controle são apresentados de maneira simples, organizada e direta. Também já são acessíveis. Os desenhos dos processos de produção, assim como os resultados operacionais com a garantia da qualidade, são de conhecimento acadêmico e estão disponíveis. Observe que no caso da indústria, há uma dependência direta de marketing e de inserção no mercado. Portanto, são fatores dependentes de outros estudos, conduzidos pelo GESis Leite 2010. Com relação ao fomento e à iniciativa da indústria, outras questões precisam ser levadas em conta. É preciso ampliar a rede de laboratórios, seja criando novas unidades, seja expandindo as já existentes. Segundo a queixa de representantes das indústrias, embora a estrutura atual seja de alta tecnologia e confiabilidade, não está dimensionada para atender a demanda, caso realmente os produtores e as indústrias passem a analisar o leite produzido. Nem mesmo a quantidade de tanques de expansão da estrutura atual seria capaz de atender. Conforme foi proposto nos objetivos, não é de interesse do estudo aumentar as informaçõesde qualidade, disponíveis no mercado. O objetivo é propor as ações, dentro de um projeto que viabilize a melhoria de qualidade do leite no país. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 319 As propostas incluem: - Plano de monitoramento permanente e rastreabilidade das empresas; - Difusão de manuais consolidados de boas práticas agrícolas; - Elaboração de cronograma e manuais de controle de mastites, qualidade nutricional, uso de antibióticos, cuidados com agentes contaminantes, manejo de resíduos; - Estabelecer um programa de treinamento constante para o empresário; - Avaliação e redimensionamento da estrutura laboratorial; - Criação de um banco de dados integrados, viabilizando relatórios associando diagnósticos de qualidade com medidas gerenciais propostas; - Viabilização de acompanhamento técnico; - Estabelecer os critérios e as normas para o uso de tanques comunitários; - Criação de fóruns permanentes de discussão. 13.11. Considerações Finais O projeto de Qualidade do Leite não pode ser analisado em separado do projeto de Competitividade do Leite. Os protocolos e cronogramas de ações para a garantia de qualidade de leite, assim como os treinamentos, devem ser realizados em conjunto com os temas que serão abordados em competitividade. Não se tratam de dois projetos que possam ser analisados em separado. É necessário incluí-los dentro do mesmo contexto. A garantia da qualidade, por si, assim como o fomento ao uso de ferramentas de qualidade total, da APPCC e das boas práticas de produção, tendem a impulsionar a eficiência produtiva do produtor, portanto, ganha competitividade. 320 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Em relação à organização e à condução do projeto, o planejamento também pode ser otimizado. Duas equipes de produção tecnológica, uma, voltada para a produtividade, pastagens, nutrição animal, cruzamentos; outra, voltada para a questão sanitária, de garantia de qualidadee higiene. Embora sejam duas ciências técnicas diferentes, o esforço para levá-las ao campo deve ser multidisciplinar. Na unidade produtiva, nas indústrias ou nas fazendas, tudo acontece ao mesmo tempo e geralmente, existe apenas uma equipe para garantir todos os processos. Integrando projetos como Balde Cheio, Programa Alimentos Saudáveis e diversos outros esforços já existentes de assistência aos empresários, chegar-se-ia a um modelo eficiente, próximo da perfeição no formato. São Paulo tem recursos, tecnologias e instituições preparadas para atender toda esta demanda. É preciso unir esforços e manter a constância de propósitos, um dos atributos de qualidade total, listados anteriormente. Observe, no gráfico 13.1, a ilustração do tempo de duração de um projeto. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 321 Gráfico 13.1: Curva de ciclo de vida em processos/projetos Planejamento Implementação Conceitual Final Tempo Fonte: PRIETO (2005), adaptação de PMI - Project Management Institute. Incluindo a primeira fase, o projeto estratégico para o sistema do leite tem sido contextualizado desde 2005. Portanto, até 2010, seria o tempo final, a data em que cessaria o projeto inicial e o setor passaria a administrar apenas o processo, cada vez maior e consistente de treinamento, acompanhamento, difusão de tecnologia e ampliação das oportunidades para o Sistema Agroindustrial do Leite. 322 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 14. ANÁLISE LEGAL E TRIBUTÁRIA DO PROJETO DE GESTÃO ESTRATÉGICA PARA O SISTEMA DO LEITE DO ESTADO DE SÃO PAULO38 Guilherme Machado Costa – Machado & Machado Advogados e Consultores Legais em Agronegócios Cláudio Silveira Brisolara – FAESP/SENAR Érica Monteiro de Barros – FAESP/SENAR 14.1. Introdução O Projeto de Análise Legal e Tributária do Sistema Lácteo Paulista é parte integrante do Plano de Planejamento e Gestão Estratégica para o sistema do Leite em São Paulo, desenvolvido pelo PENSA (Programa de Estudos dos Negócios do Sistema Agroindustrial), em parceria com a Scot Consultoria, com o LECOOP (Laboratório de Pesquisas em Economia da Cooperação) e com Machado & Machado Advogados e Consultores Legais em Agronegócios. A íntegra do nosso trabalho está disponível para a consulta, no site www.machadoemachadoadvogados.com.br. Incluído no projeto maior do Plano de Planejamento para o Sistema Paulista, o estudo que desenvolvemos atacou o tema em duas frentes. A primeira parte tratou da análise da estrutura fiscal que influencia a competitividade do sistema paulista, em face dos outros Estados federados. Para tanto, discutimos a “guerra fiscal” entre os Estados, a postura de São Paulo na “guerra” e absorvemos um estudo elaborado pela FAESP/SENAR, que demonstra, com profundidade, a sistemática do ICMS do sistema e seus reflexos na competitividade do sistema paulista. No item seguinte, denominado “Produtor Empresa”, tratamos da constituição de Sociedades Empresárias com objeto social de produção e comércio agropecuário, o que vem ao encontro da tendência de profissionalização em gestão, do elo produtivo do sistema e dos mais recentes movimentos percebidos no mercado. 38 Os autores agradecem a Yves P. Civolani por colaborar na elaboração deste capítulo. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 323 Aos autores do trabalho da FAESP/SENAR, os engenheiros Cláudio Silveira Brisolara e Érica Monteiro de Barros, os nossos especiais cumprimentos, frente à profundidade e à competência do trabalho que nos apresentaram. 14.2. Importância do Projeto O projeto relativo à análise dos assuntos jurídicos do sistema, em especial ao produtor de leite do nosso Estado, é ponto sensível do projeto maior de Planejamento e Gestão Estratégica para o sistema do Leite do Estado de São Paulo, na medida em que trata dos gargalos jurídicos, fiscais, estruturais e societários do sistema. Entendemos que toda e qualquer análise setorial não prescinde da análise jurídica. Sob nosso ponto de vista e fiéis ao posicionamento que defendemos há anos, seja no magistério de graduação ou pósgraduação, seja na atitude que permeia toda a nossa atuação como consultores e advogados, voltados às atividades ligadas aos agronegócios, encaramos a ciência jurídica e o Direito como ferramentas de gestão. Superando a tradicional idéia de que os operadores do Direito atuam apenas nas esferas de conflito, passamos a atuar também nas esferas estratégicas e preventivas, colocando os olhos no futuro da atividade econômica em questão, tudo no sentido de reduzir, por meio da reorganização jurídica, os riscos e custos da atividade, o que envolve trabalhar no presente como gestores de conflitos já instaurados, e, no futuro, como planejadores da segurança e da eficiência do empreendimento. Nesta linha de trabalho, com os olhos no presente, trouxemos nosso ponto de vista sobre a “guerra fiscal”,somado ao brilhante trabalho analítico tributário, elaborado pela FAESP/SENAR. Com os olhos no futuro, trouxemos a nossa opinião sobre a atuação da atividade produtiva rural, na forma de Pessoas Jurídicas como sociedades empresárias, estruturas que, ao nosso entendimento, trazem mais segurança e dinamismo operacional ao produtor, se comparadas às tradicionais Pessoas Físicas com Inscrição de Produtor. 324 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 14.3. A Guerra Fiscal dos Estados Remonta à década de 60, a disputa entre os Estados federados brasileiros por investimentos de empresas e, conseqüentemente, o incremento nos seus orçamentos, ao que se denomina “Guerra Fiscal dos Estados”. Com a finalidade de induzir a alocação de investimentos, esta concorrência, infelizmente, não contribui para o desenvolvimento nacional. Pelo contrário, prejudica a melhoria das condições sociais, geográficas e territoriais do parque industrial brasileiro. No passado, a conjuntura política nacional contribuiu decisivamente para que a arena de “guerra” se formasse. A partir do início dos anos 80, iniciou-se um processo de descentralização do poder político, com um ganho de autonomia dos Estados que encontraria seu ápice com a promulgação da Constituição de 1988. Este processo de ganho de autonomia dos Estados incentivou as disputas pelos escassos fluxos de investimento da década de 80, sendo que a retomada dos investimentos externos no Brasil, a partir da estabilização de 1994, colocou lenha abundante na fogueira das disputas estaduais. Importante frisar que, historicamente, o Estado de São Paulo vem mantendo uma postura legalista e não agressiva na “guerra fiscal”, conservando o respeito à Lei Complementar 24/75 e aos convênios celebrados no âmbito do CONFAZ, restringindo seus movimentos estratégicos defensivos ao questionamento dos incentivos e benefícios fiscais, outorgados por outros Estados, junto ao Supremo Tribunal Federal, sempre defendendo a aplicação do art. 59 do RICMS-SP. Por esta postura ética, porém tímida, o Estado vem colhendo alguns prejuízos em arrecadação e perda de fluxo de investimentos. O arcabouço legal que dispõe sobre o ICMS quanto à outorga de incentivos, isenções e benefícios congrega a Constituição Federal de 1988, a Lei Complementar 24/75, os Convênios Estaduais celebrados no âmbito do CONFAZ (Conselho Nacional Fazendário), o Decreto 45.490/00 (RICMS-SP) e o Comunicado CAT 36/05. O Estado de São Paulo identifica os benefícios de ICMS, considerados ilegais, concedidos por outros Estados no Comunicado CAT 36, em cujo conteúdo, discrimina uma verdadeira lista negra elaborada pela Secretaria da Fazenda de São Paulo. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 325 Nossa Constituição determina na alínea “g”, do inciso XII, do art. 155, que cabe à Lei Complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, as isenções, os incentivos e os benefícios fiscais serão concedidos e revogados. Fica, portanto, reservada à competência de Lei Complementar a forma como serão instituídos isenções, incentivos e benefícios fiscais acerca de ICMS nos Estados. Regulando a matéria e em obediência à disposição constitucional citada, temos a Lei Complementar 24/75, determinando que as isenções do imposto sobre as operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal. Fica claro, portanto, que quaisquer incentivos e benefícios relativos ao ICMS devem ser previstos em Convênios celebrados pelos Estados no âmbito do CONFAZ, para que tenham validade jurídica e possam ser legalmente instituídos pelas unidades federativas. O resultado prático do não reconhecimento dos benefícios e incentivos de ICMS, listados pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo na CAT 36/04, é o impedimento às empresas situadas em território paulista de tomarem os créditos integrais gerados por tais benefícios, quando da recepção de mercadorias nela contempladas. A tomada de tais créditos, de forma integral, é considerada ilegal pela SEFAZ-SP e gera autuações às empresas que desrespeitam a CAT 36/04. O preâmbulo da CAT 36/04 impede o aproveitamento dos créditos de ICMS, provenientes de operações ou prestações, amparadas por benefícios fiscais de ICMS não autorizados, por convênio celebrado nos termos da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975. O fundamento do não reconhecimento de tais créditos é a sua não previsão em Convênio do CONFAZ, conforme determinado pela Lei Complementar 24/75, submetendo a relação de débitos e créditos de ICMS dos contribuintes paulistas ao Decreto 45.490 (RICMS-SP), especialmente ao seu artigo 59, que não considera cobrado, ainda que destacado em documento fiscal, o montante do imposto que corresponder à vantagem econômica, decorrente da concessão de qualquer subsídio, redução da base de cálculo, crédito presumido ou outro incentivo ou benefício fiscal em desacordo com o disposto no art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal. 326 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Percebe-se, pois, que, em razão de todo o sustentáculo jurídico constitucional e infraconstitucional citado, fica a cargo do art. 59 do RICMS de São Paulo a solução final prática adotada pela SEFAZ SP para todos os conflitos gerados em razão da “guerra fiscal”. A aplicação do art. 59 do RICMS impede que o comprador paulista tome crédito de valores não efetivamente recolhidos pelos vendedores nos Estados de origem. Este é o ambiente legal que regula a “guerra fiscal” e orienta a atuação do Estado de São Paulo que, como já dissemos, manteve historicamente um alto nível de legalidade e obediência à legislação federal, restringindo sua ações à defesa de suas posições no STF e à aplicação do art. 59 do RICMS. 14.4. Impactos do ICMS no Sistema Produtiva do Leite e Derivados do Estado de São Paulo As conclusões apresentadas foram trazidas do estudo sobre o tema, elaborado pela FAESP/SENAR, que teve por objetivo, analisar o impacto do ICMS sobre os produtos lácteos e recomendar políticas para o desenvolvimento e aumento da competitividade do sistema Produtiva de Leite e Derivados do Estado de São Paulo, finalizado em novembro de 2006. Seus autores são o engenheiro agrônomo, mestre em economia rural e Chefe do Departamento Econômico da FAESP/SENAR, Cláudio Silveira Brisolara e a engenheira agrônoma e assessora técnica do Departamento Econômico da mesma entidade, Érica Monteiro de Barros. O sistema produtiva do leite no Estado de São Paulo vem perdendo competitividade. A participação do Estado na produção nacional de leite reduziu-se de 12,7% para 7,4% entre 1994 e 2004. Nesse período, o Estado passou de segundo para o quinto maior produtor de leite do Brasil. Não seria responsável que apontássemos apenas uma causa para a retração da atividade leiteira no Estado, mas identifica-se, com Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 327 clareza, que a questão tributária é um dos fatores mais atuantes no resultado negativo apresentado. Os principais Estados produtores mantêm políticas de incentivo fiscal que distorcem os custos de produção, criam desvios de comércio e alteram sensivelmente as relações econômicas. Como já dissemos, o inciso I, da Lei Complementar nº 24/75, prevê a ineficácia dos benefícios fiscais outorgados às empresas no Estado de origem, quando estes não estão amparados na celebração prévia de convênios no âmbito do CONFAZ. Ocorre que, muitos Estados não respeitam a obrigação legal citada e concedem benefícios fiscais às empresas que exportam para outros Estados, reduzindo o custo efetivo dos tributos. O emaranhado de benefícios existentes resulta nas distorções tributárias citadas e no que se chama de “guerra fiscal”, assunto sobre o qual discorremos acima. No final de 2005, com a publicação do Decreto nº 50.456, revogando o § 4º, do artigo 9º, do Anexo III, do RIMCS/SP, o balanço de créditos e débitos de ICMS no sistema paulista de lácteos foi alterado. Com a revogação do aludido dispositivo, o industrializador do leite longa vida não mais poderia manter o crédito de ICMS de 12% decorrente da aquisição interestadual de matéria-prima, quando optasse pela adoção de crédito outorgado, previsto no artigo 9º, do Anexo III, do RICMS. Da impossibilidade de aproveitamento do crédito, algumas indústrias do setor lácteo, especialmente aquelas que envasam o leite UHT (longa vida), imediatamente manifestaram-se como prejudicadas em sua contabilidade, uma vez que já tinham contratado muitas operações interestaduais, solicitando à SEFAZ/SP, a revisão da proposta, por meio do estudo de medidas compensatórias. Como a medida fora publicada no final do ano, sem a prévia discussão com todos os agentes do setor, a SEFAZ/SP julgou procedente o pedido, publicando o Decreto nº 50.595, de 22 de março de 2006, que suspendeu por 90 dias os efeitos decorrentes do Decreto nº 50.456. 328 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Diante da necessidade dos agentes envolvidos analisarem com profundidade as conseqüências e riscos da mudança da política de estornos de créditos tributários, no sistema do leite longa vida, um novo pedido para a manutenção do estorno do crédito de ICMS, na aquisição interestadual da matéria-prima leite, foi encaminhado à SEFAZ/SP. Próximo ao fim do prazo estabelecido pelo Decreto nº 50.595/05, a SEFAZ/SP voltou a conceder às indústrias o direito de se creditarem de 100% do imposto relativo à aquisição interestadual do leite, entre 31 de julho de 2006 e 31 de dezembro de 2006, e de 50%, para o período de 1º de janeiro de 2007 a 30 de junho de 2007 (Decreto nº 50.924/06). Nesse ínterim, considerado o caráter transitório da medida, a Câmara Setorial Estadual do Leite e Derivados instaurou Comissão Especial Tributária para discutir as conseqüências da política tributária atual, bem como para propor medidas que restaurem a competitividade do segmento no Estado. O propósito, em última análise, foi consolidar propostas no âmbito da Câmara Setorial, para encaminhá-las de forma consensual à SEFAZ/SP. O presente estudo é o resultado dos trabalhos da Comissão Especial de Tributação que reuniu os dados dos agentes econômicos do sistema produtiva de leite e derivados e elaborou as planilhas de simulação, produzindo importantes informações e proposições, conforme passa a expor. A partir das reuniões da Comissão Especial Tributária da Câmara Setorial de Leite e Derivados da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, congregando representantes dos diferentes elos do sistema produtiva, notadamente dos setores produtivo e industrial, obtiveram-se dados, informações e os coeficientes técnicos necessários para a elaboração das planilhas de cálculo. Com a elaboração dos modelos de simulação, discutiram-se a metodologia e os resultados com a Comissão Especial, objetivando aprimorar e validar as planilhas. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 329 O tratamento tributário e as respectivas alíquotas do ICMS incidentes sobre cada produto e segmento do sistema (produtor, indústria e varejo) foram obtidos no Regulamento do ICMS/SP e ratificados pelas informações prestadas pelos participantes da referida Comissão. Os parâmetros de preços e custos, utilizados nos modelos, foram também obtidos pela troca de informação com os representantes da Comissão que revelaram estatísticas e instruções de suas empresas, a fim de possibilitarem o estabelecimento de parâmetros médios condizentes com a realidade. Como um recurso metodológico, foram elaboradas planilhas distintas para cada produto (leite pasteurizado, leite longa vida, queijo prato/muçarela e queijo frescal). Além disso, para cada produto, construíram-se cenários diferentes, objetivando comparar e captar os efeitos da política tributária. O leite pasteurizado, o leite UHT e os principais tipos de queijos estão tributados de PIS e COFINS com alíquota “zero” (Lei nº 10.637/02, Lei nº 10.833/03, Lei nº 10.925/04, Lei nº 11.051/04, Lei nº 11.196/05, Decreto nº 5.630/05 e IN-SRF nº 660/06). A legislação permite a manutenção dos créditos dessas contribuições pagas nas aquisições de insumos utilizados na fabricação desses produtos. Porém, como o aproveitamento efetivo desses créditos é lento, tem um impacto reduzido e não afeta a comparação relativa dos cenários desenvolvidos, optou-se por não incluir a possibilidade de aproveitamento dos créditos desses tributos nos modelos elaborados. Embora o estudo tenha a pretensão de analisar e sugerir políticas para todo o setor lácteo, representado pelos produtos constantes nas NCM de 04.01 a 04.06, focou-se o trabalho nos produtos mais representativos do sistema produtiva lácteo paulista, a título de exemplo, sendo eles: leite pasteurizado, leite longa vida e queijos (muçarela/prato e frescal). A partir dos dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, compararam-se a produção de leite e a participação das Unidades da Federação na produção total brasileira entre 1994 e 2004. 330 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Enquanto a produção brasileira de leite cresceu 48,73% entre 1994 e 2004, a produção paulista decresceu 13,26%. No mesmo período, a produção de Minas Gerais cresceu 44,81%, a de Goiás, 80,11%, a do Paraná, 68,12%, a do Rio Grande do Sul, 45,43% e a de Santa Catarina, 90,57%. Os dados mostram porque há a necessidade de se reverter a trajetória declinante da atividade no Estado, pois, de outra forma, a pecuária de leite paulista continuará cedendo espaço para as demais unidades da Federação. Apoiar a atividade leiteira, alterando a política tributária e provendo os meios para a modernização e o fortalecimento do segmento, passa a ser imperativo, para que se inverta a tendência demonstrada e restaure-se a competitividade do sistema de leite paulista. Os primeiros cenários apresentados são relativos ao leite pasteurizado. O cenário 1 é representativo da indústria paulista que industrializa o leite produzido no Estado de São Paulo e, o cenário 2, referente à indústria paulista que industrializa o leite adquirido em outro Estado. Observou-se que, em ambos os cenários, a SEFAZ/SP tem balanço arrecadatório nulo ou deficitário, ou seja, entre o que ela arrecada e o que reconhece como crédito; no caso de importação da matéria-prima leite de outros Estados, identificou-se um deficit. No cenário 1, devido à isenção, a SEFAZ/SP tem um balanço arrecadatório praticamente nulo. No cenário 2, o balanço é negativo, pois a SEFAZ/SP reconhece o crédito do leite adquirido em outro Estado e não arrecada nas operações subseqüentes, devido à isenção. No cenário 1, o deficit arrecadatório calculado representa as transações exclusivas da indústria de embalagens. Se a embalagem foi produzida no próprio Estado (cenário com alíquota de 18%), a arrecadação agregada da SEFAZ/SP não será deficitária, pois o imposto da embalagem foi efetivamente recolhido pela indústria que a produziu. Contudo, se a embalagem foi adquirida de outro Estado (12% de alíquota de ICMS), a SEFAZ/SP reconhecerá o crédito de ICMS recolhido no Estado de origem da matéPlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 331 ria-prima e a arrecadação efetiva será deficitária. Cabe destacar que a embalagem do leite pasteurizado é adquirida, basicamente, dentro do Estado. A diferença existente no total arrecadado entre o cenário 1 (elaborado a partir do leite produzido no próprio Estado) e o cenário 2 (leite produzido em outro Estado) é exatamente o valor correspondente ao crédito simples da matéria-prima de que a indústria paulista se credita quando adquire o leite de outro Estado, ou seja, R$ 0,068 por litro de leite adquirido. É importante também esclarecer que é prática comum neste mercado, a indústria adquirente do leite proveniente de outro Estado arcar com o ICMS relativo à importação. E, nesse sentido, do ponto de vista da indústria, há apenas uma antecipação do ICMS, uma vez que ela repassa e recebe o mesmo valor como crédito para compensar nas etapas seguintes. Contudo, essa antecipação não é para o Fisco paulista, pois o ICMS da importação é recolhido na origem. A SEFAZ/SP apenas reconhece o crédito dessa operação interestadual, permitindo a sua utilização nas operações internas subseqüentes. Segundo a interpretação de Borges (2005), o adquirente paulista que provar ter suportado o encargo do ICMS, calculado com alíquota de 12% nas operações interestaduais, tendo o direito de manter a integralidade do crédito, tendo em vista que, neste caso, não há vantagem econômica auferida pelo importador. Entretanto, tem-se que levar em conta que quando o Estado de origem do produto outorga crédito à empresa remetente, ainda que a empresa importadora (indústria paulista, por exemplo) não se favoreça desse benefício na operação de compra, isto distorcerá o preço do produto e as transações no mercado. Isto ocorre porque a empresa remetente, sabendo que contará com o benefício interno conferido pela Fazenda de seu Estado, incorpora o crédito na sua estrutura de custos e termina fixando um preço menor de venda para seu produto. Conseqüentemente, em compras futuras, a empresa adquirente comprará o produto por um preço menor. É a chamada “guerra fiscal”. 332 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Desse modo, mesmo não havendo o benefício fiscal direto e a vantagem econômica para a empresa paulista que adquire leite em outro Estado, certamente, os benefícios dos Estados de origem determinarão os menores preços nas compras futuras, estimulando a aquisição continuada de leite interestadual. Segundo a teoria econômica, essa política fiscal reduz o preço do produto no mercado que a adotar, refletindo-se, posteriormente, nos demais mercados interligados. O resultado de qualquer vantagem ou benefício fiscal outorgado é a sua incorporação na estrutura de custos da empresa que o recebe. No caso desta empresa “exportar” para outro Estado, surge mais competitiva que as empresas (ou produtores) situadas no próprio Estado da empresa compradora. Na verdade, estes benefícios e vantagens fiscais deveriam, para terterem validade jurídica, ser celebrados por Convênio, no âmbito do CONFAZ, como forma de inibir a “guerra fiscal” dos Estados, tornando homogêneos os benefícios. Em contrapartida, São Paulo vem utilizando a aplicação do art. 59 do RICMS para reconhecer apenas o que foi efetivamente pago de ICMS, no Estado de origem das matérias-primas. Quando a indústria adquire a matéria-prima leite de outro Estado, observa-se que aumenta o deficit de ICMS da SEFAZ/SP, passando de R$ 0,021 para R$ 0,090 por litro. Ressalve-se que, de acordo com o modus operandi do mercado, a indústria paulista recolhe ou repassa à vista o valor do ICMS, ao Estado de origem. Este crédito será recuperado posteriormente, em tempo variável, podendo ser maior que o período de 6 meses. Assim, na prática, a indústria paulista antecipa o valor que receberá posteriormente como crédito de ICMS. Mas, deve-se mencionar que essa antecipação é feita para a Secretaria da Fazenda do Estado de origem da matéria-prima, enquanto o crédito é concedido pela SEFAZ/SP. Nota-se, mais uma vez, que a diferença existente no total arrecadado entre os cenários 1 e 2 corresponde ao valor do crédito simples da matéria-prima de que a indústria paulista se credita, quando adquire o leite de outro Estado, ou seja, R$ 0,068 por litro de leite. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 333 Sem o estorno dos 5% correspondentes ao crédito simples do produto acabado, que vem ocorrendo, em muitos casos, com respaldo em liminares, o varejo acaba por se beneficiar em cerca de R$ 0,07 por litro (cenário 3A). O deficit arrecadatório da SEFAZ/SP é resultante, principalmente, da concessão da outorga de 6,7% sobre as saídas de leite longa vida. Quando o leite (matéria-prima) é adquirido de outro Estado, o crédito simples de entrada se soma ao crédito da outorga (cenário 2), resultando no defcit de R$ 0,090/litro, entre o leite e a embalagem, com ICMS de 12%. Para fins de comparação dos cenários, considerou-se que o preço de compra do leite de outro Estado é semelhante ao preço interno do leite, acrescido do ICMS, que será recuperado a partir da homologação do crédito tributário. Essa metodologia, logicamente, nos conduz a preços diferentes (superiores) no varejo, que representam a compra de produto acabado em indústria de outro Estado, o que de fato não ocorrerá. Apesar disso, a análise é válida, pois o que se quis determinar é quanto teria que ser o preço do produto acabado (leite UHT), adquirido em outro Estado, em condições normais, ou seja, sem nenhum tipo de benefício fiscal, concedido à indústria produtora exportadora. Obviamente, conforme será discutido posteriormente nas simulações sobre a isenção, os preços no varejo do leite longa vida, adquirido em outro Estado, são semelhantes ou até inferiores, aos comercializados pela indústria paulista, preponderantemente, por uma das seguintes circunstâncias: o benefício fiscal concedido pela Fazenda do Estado de origem do produto, ou custo de industrialização menor e/ou preço pago ao produtor de leite inferior ao do Estado de São Paulo. A tese de que os benefícios fiscais concedidos por outros Estados distorcem a relação de preços no mercado é reforçada por algumas análises de sensibilidade nos modelos desenvolvidos. Supondo-se que não houvesse benefício fiscal à produção em outro Estado, ao simularem-se preços iguais de comercialização no varejo paulista 334 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo (R$ 1,486/litro), verificou-se que a indústria exportadora teria que trabalhar com um custo 13% inferior ao paulista ou o equivalente a um preço de aquisição do leite do produtor 30% inferior, o que na prática não ocorre. Assim, essa análise corrobora a tese de que outros fatores, como o fiscal, influenciam e distorcem a formação e a relação de preços no mercado. Em realidade, a formação de preços no mercado interno e a determinação do preço de compra do leite em outro Estado dependem também de fatores como: localização da indústria, logística de suprimento e distribuição da indústria, oferta interna de leite e disponibilidade interna e em outros Estados, demanda dos produtos, grau de competição entre os concorrentes, estratégia de negócio da empresa, facilidade ou dificuldade para utilização dos créditos de ICMS, bem como o custo agregado da transação. Para a análise da incidência do ICMS sobre os queijos, foram divididas as simulações em dois grupos: queijos muçarela/prato que consomem 10 litros de leite/quilo e queijo frescal que consome 7 litros de leite/quilo. Esses grupos são representativos da família de produtos “queijo” e deles podem-se estender os resultados das análises aos demais tipos de queijos. Embora tenha se apresentado o cenário 2, que representa a indústria paulista processando leite adquirido de outro Estado, esta situação é incomum, pois o leite utilizado no processamento de queijos é, basicamente, produzido dentro do Estado de São Paulo. Destaca-se que o modus operandi da compra de leite de outro Estado é diferente na indústria queijeira por razões técnicas, haja vista que a proximidade da bacia leiteira é estratégica para o negócio. Enquanto no leite longa vida, a indústria paulista assume o custo do ICMS interestadual, na produção de queijo, a indústria não assume este custo na importação. Havendo a necessidade da compra do leite de outro Estado, a empresa remetente do leite no Estado de origem arcaria com o custo do ICMS interestadual. De maneira geral, na produção de queijos em São Paulo, o Governo do Estado tem uma arrecadação positiva. No cenário 1, que Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 335 é o predominante na produção de queijos, tanto na produção de queijos muçarela/prato, quanto frescal, a arrecadação foi significativa, R$ 0,773 e R$ 0,622 por quilo de queijo. Para os queijos em análise, a tributação na saída dos produtos acabados é de 7%, tanto no caso dos queijos muçarela/prato, quanto do frescal, pois eles estão na cesta básica. No caso da produção de queijos muçarela/prato, verificou-se que o Estado tem arrecadação negativa em apenas uma situação: quando o varejo adquire produto acabado de outro Estado e não faz a anulação do crédito fiscal, proporcional à redução da base de cálculo interna. Especificamente no caso do varejo, ao considerar-se a não anulação do crédito, ou seja, sem o estorno de 5%, a empresa varejista acaba por beneficiar-se de R$ 0,506/kg de queijo, que é a diferença na arrecadação entre os cenários 3 e 3A, levando-se em conta a parametrização de 12% de ICMS na embalagem. Considerando os dois cenários mais importantes na comercialização de queijo, é relevante destacar que os resultados encontrados mostram que, do ponto de vista do varejo, o cenário 3 (queijo comprado pelo varejo de indústria de outro Estado) se sobressai ao cenário 1 (queijo de indústria paulista, produzido com leite de São Paulo), independentemente da anulação ou não do crédito fiscal, pois aquele permite à empresa varejista trabalhar com um preço menor ao consumidor Analisado de outra forma, pode-se inferir que, se for mantido o preço de comercialização de R$ 11,00 por quilo ao consumidor, a empresa varejista paulista aumenta a sua lucratividade, comprando o queijo de indústria de outro Estado, pois ela fica com créditos na operação (cenário 3A) ou recolhe menos impostos (cenário 3). Além disso, se por um lado, a empresa varejista obtém créditos, por outro, isto implica um deficit no balanço arrecadatório da SEFAZ/SP. E, de qualquer forma, o que deve ser destacado é que a indústria paulista de queijos tem a sua competitividade diminuída frente à indústria de outro Estado. 336 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo No caso da produção de queijo frescal, as simulações apontam para os resultados semelhantes aos encontrados para os queijos muçarela/ prato. A magnitude dos números é que é distinta, em virtude da menor necessidade da matéria-prima leite para o processamento de queijo. Tendo em vista que o queijo frescal necessita de uma quantidade menor de leite (7 litros, contra 10 litros do muçarela/prato), o custo, o preço de venda e o ICMS resultantes da operação são menores. Percebe-se que o balanço da arrecadação é bem maior no cenário 1 do que nos cenários baseados no leite produzido em outros Estados (cenários 2, 3 e 3A). A diferença nos preços calculados para a venda no varejo representa, justamente, a menor competitividade da indústria local. Na atividade varejista, a possível não anulação do crédito fiscal, com o estorno de 5% do ICMS, beneficia o varejo em aproximadamente R$ 0,416/kg de queijo, equivalente à diferença do balanço de arrecadação dos cenários 3 e 3A. As simulações realizadas e as diferenças entre os cenários 3 (arrecadação positiva) e 3A (deficit arrecadatório) evidenciam que a política adotada pelo governo do Estado, que impõe a anulação do crédito fiscal, proporcional à redução da base de cálculo, é eficiente para reduzir, ao menos, o deficit da SEFAZ/SP. Entretanto, o seu eventual descumprimento, pela não anulação do crédito, resulta em vantagem econômica para o setor varejista que a aproveita como incentivo, para adquirir, preferencialmente, queijos em outras unidades da federação. Desta forma, conforme constata-se nos quadros apresentados acima, o cenário menos competitivo é o da industrialização paulista, a partir de leite produzido no próprio Estado (cenário 1). A arrecadação potencial da SEFAZ/SP é maior nesse cenário, mas, para garantir as margens da indústria e do varejo, seria necessário um preço de venda mais elevado no varejo. Na prática, portanto, ocorre um incentivo para a compra em outros Estados, pois resulta em preços menores no varejo e maiores retornos para o setor varejista, impactando de forma negativa, igualmente, os segmentos da pecuária e da industrialização paulista de queijos. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 337 Os resultados encontrados na simulação de isenção para o leite longa vida mostram que indústria paulista ganhará competitividade com essa medida, pois ela conseguirá uma margem sobre venda, superior à alcançada pela indústria de outros Estados. De acordo com as simulações, a indústria paulista que se abastecer de leite produzido em São Paulo será a mais competitiva (com e sem créditos), seguida pela indústria paulista que beneficia o leite de outro Estado (com crédito) e depois pela indústria de outro Estado. Cabe destacar que a indústria paulista que se abastece de leite de outro Estado, sem a possibilidade de utilização dos créditos, pode ficar em situação pior que a indústria de outro Estado em termos de margem líquida, quando se levam em consideração os benefícios concedidos por outros Estados. Vale registrar que os modelos apresentados nos Quadros 7 e 8 não servem para determinar os preços efetivos a serem praticados ou as margens que as indústrias auferirão, pois a formação de preços é dinâmica e depende também de muitas outras variáveis exógenas, tendendo a convergir para um único preço de referência no mercado. Assim, nem as margens praticadas pela indústria paulista serão de 7,34% (Quadro 7) e nem os preços serão de R$ 1,461/litro (Quadro 8), pois o mercado se encarregará de determinar os preços de equilíbrio e as margens possíveis de serem praticadas. A grande contribuição dos modelos apresentados é a mensuração relativa do impacto das simulações e a ordenação dos cenários, sejam eles medidos pelas margens ou pelos preços sugeridos nos modelos. Como o queijo é um produto de maior valor agregado, os valores do ICMS e do transporte interestadual reduzem sensivelmente as margens da indústria, localizada em outro Estado, pois esses valores representarão um custo para a empresa importadora (varejo) no cenário de isenção, não dando direito a crédito de imposto. A indústria queijeira paulista ganhará com a isenção, tendo a sua competitividade restaurada, a partir da industrialização de leite produzido no próprio Estado, com sensível diminuição do incentivo à empresa varejista à aquisição preferencial de queijos em outras Unidades da Federação. 338 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Assim, embora as indústrias do segmento lácteo paulista precisem adquirir cerca de 31% do leite que beneficiam em outros Estados, a isenção irá incentivá-las a adquirir cada vez mais leite dentro do Estado. Considerando os estudos apresentados, a análise dos cenários internos e o acompanhamento dos benefícios e dos incentivos conferidos aos produtores e às indústrias de outros Estados, concluiu-se que há a necessidade de se revisar a política tributária do Estado de São Paulo e incentivar a pecuária e a indústria paulista de lácteos. A partir da análise de vários cenários de produção, contemplando o leite pasteurizado, o longa vida e os queijos, produzidos a partir de matérias-primas originárias de São Paulo e de outros Estados, a Comissão Especial Tributária da SAA/SP constatou que a arrecadação de ICMS pela Secretaria da Fazenda é deficitária em muitos cenários. Além disso, em determinadas situações, tanto a indústria quanto o varejo têm benefícios em termos de balanço de ICMS quando adquirem produtos de outros Estados, configurando um desestímulo à produção paulista de leite e de lácteos. Especificamente, concluiu-se que a arrecadação da SEFAZ/SP é: positiva, para lácteos produzidos no Estado, a partir do leite produzido em São Paulo; negativa, para lácteos industrializados internamente com leite originário de outros Estados; e positiva, para lácteos produzidos em outros Estados, considerada a anulação do crédito fiscal proporcional à redução da base interna de cálculo; e negativa, quando não considerada a referida anulação. Como, no caso do leite longa vida, um dos mais importantes do segmento, a arrecadação do Estado é negativa, infere-se que o balanço arrecadatório de ICMS da SEFAZ/SP com lácteos também é negativo, denotando que a crescente importação de leite e derivados de outros Estados tem, tanto ajudado a reduzir a competitividade da atividade leiteira e da indústria de laticínios, quanto prejudicado a arrecadação da própria Secretaria. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 339 Com base no presente estudo, verificou-se que uma maneira viável de promover o desenvolvimento do sistema produtiva, a partir da industrialização do leite paulista, é isentar de ICMS o leite e seus derivados (NCM de 04.01 a 04.06), pois, assim, será garantida a competitividade da indústria, o que privilegiará o produtor do Estado, demandando um volume maior de leite a preços mais remuneradores. Acredita-se que, com essa política, estabeler-se-á um ambiente propício à dinamização desse tão importante sistema produtiva, gerador de um grande número de postos de trabalho no interior paulista. Corroborando as análises e o diagnóstico da Comissão Especial Tributária, propõe-se um conjunto de medidas que visam a restabelecer a competitividade e a desenvolver o Sistema Produtiva do Leite e Derivados em São Paulo. As propostas são as seguintes: 1) isenção de ICMS na comercialização de leite e derivados no Estado de São Paulo, mantendo-se os créditos da matéria-prima leite adquirida em outro Estado, por tempo determinado, até a adaptação da indústria e da pecuária leiteira paulistas, desde que o ICMS tenha sido efetivamente cobrado pela unidade federada de origem; 2) destinação de um percentual dos créditos oriundos da compra do leite de outros Estados para os produtores rurais paulistas, diretamente ou por meio de suas entidades de representação legal, ou ainda, por intermédio de um fundo do fomento que venha a ser criado, e 3) diferimento de ICMS de matérias-primas e insumos produzidos no Estado de São Paulo, quando destinados à industrialização de leite e derivados. Acredita-se que a isenção de ICMS dos produtos lácteos, o diferimento de matérias-primas e insumos e o apoio e fomento à pecuária leiteira paulista representam uma alternativa factível e corretiva às distorções tributárias existentes, na medida em que essas propostas valorizam o setor produtivo paulista e restauram a competitividade do segmento. 340 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo No atendimento aos objetivos perseguidos, sugerimos a inclusão, a ser proposta à Secretaria da Fazenda, do art. 389A no Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo, com a seguinte redação: ART. 389A – Ficam isentos do imposto, com a manutenção, por tempo limitado, dos créditos oriundos de matérias-primas advindas de qualquer unidade federativa, os seguintes produtos lácteos: I – Queijo Minas/Frescal; II – Queijo Muçarela; III – Queijo Prato; IV – Manteiga; Parágrafo Primeiro: A isenção prevista neste artigo se aplica, também, às matérias-primas, materiais de embalagem, produtos intermediários e insumos em geral, ainda que advindos de outros Estados da Federação. Parágrafo Segundo: Fica assegurada a manutenção dos créditos relativos à aquisição de matérias-primas, material de embalagem, produtos intermediários e insumos em geral, pelos contribuintes que derem saída aos produtos elencados no caput deste artigo, ainda que advindos de outros Estados da Federação. 14.5. O Produtor Empresa Neste tópico, desenvolveremos uma breve exposição da estrutura jurídica que envolve os produtores estruturados como Sociedades Empresárias, em substituição à clássica atuação na Pessoa Física do produtor. Este trabalho deve ser encarado como uma alternativa para o futuro, cujas implicações práticas devem ser analisadas caso a caso, o que não nos impede de defendê-la lato sensu. Historicamente, a produção rural brasileira está baseada na clássica estrutura da atividade rural desenvolvida sob a responsabilidade de uma Pessoa Física, produtor rural registrado como tal nas Receitas Federal e Estadual. O produtor rural tem um tratamento Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 341 diferenciado da Pessoa Física, mantendo registros federais e estaduais equiparados aos das empresas. É um misto de Pessoa Física e Jurídica, gerado por inúmeros dispositivos legais confusos e conflitantes que tornam a figura amorfa e pouco segura do ponto de vista jurídico. Importante lembrar que, atualmente, o produtor rural está obrigado e ter inclusive o número de Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ, fato que não significa “ser Pessoa Jurídica”. O Princípio da Limitação da Responsabilidade do Sócio em relação às dívidas e obrigações sociais (da empresa) foi criado pelos juristas romanísticos à época do início das grandes navegações (o primeiro registro oficial foi em 1622 com a Cia. Holandesa das Índias), justamente com o escopo de ser um limitador legal para o risco do empreendimento. O preceito legal foi tão importante e revolucionário que se tornou o fundamento de todo o capitalismo mundial, na medida em que permitiu aos empreendedores destacarem uma parcela do seu patrimônio que integraria o patrimônio da sociedade, limitando assim o risco patrimonial assumido. Nada mais confortável para um empreendedor do que a limitação do risco financeiro que corria em virtude da atividade econômica praticada. O risco foi então limitado ao capital investido e transferido da pessoa do empreendedor ao empreendimento na sua criação, figura jurídica da subscrição e integralização do patrimônio social. Referido princípio integra nosso ordenamento jurídico, na lei 10.404 de 2002, nosso Código Civil, que dispõe no art. 1.052: – Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. Assim sendo, o produtor rural pode destacar parcela do seu patrimônio para integrar a Sociedade Empresária que abarcará a operação de produção rural, protegendo assim dos riscos do empreendimento o restante do seu patrimônio. Algumas das formas de proteção são a impenhorabilidade das quotas das ditas socie- 342 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo dades de pessoas, o que protege as quotas das empresas de penhoras judiciais por dívidas contraídas na pessoas física do sócio, e em vetor diretamente oposto, o patrimônio não destacado para a sociedade pelo sócio fica protegido das dívidas da sociedade. Neste caso, quando as dívidas sociais suplantam a capacidade de pagar ou mesmo o patrimônio social como um todo, passamos à égide da Nova Lei de Falências, abaixo analisada. A Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas foi promulgada em 2005 sob número 11.101 e tem por escopo a proteção da atividade econômica, desenvolvida pela empresa. Para tanto, somente permite a decretação de falência, em caso de o passivo da empresa ser maior que todos os seus ativos. Caso contrário, a empresa terá uma permissão legal para recuperar-se por meio de um plano especial de pagamento dos credores. O enquadramento no sistema de proteção, fornecido pela nova lei é restrito às Sociedades Empresárias, modelo que defendemos ser o mais adequado à atividade rural de produção. Lei 11.101/05 - Art. 1º - Esta lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor. Caso o produtor rural faça a opção por operar sua produção na Pessoa Jurídica Sociedade Empresária, como estamos propondo, estará protegido pela Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. Por outro lado, para os não- empresários, a lei reservou a insolvência civil (Código de Processo Civil, art. 748), procedimento que não dá qualquer chance de recuperação à Pessoa Física insolvente e lhe esbulha o patrimônio de forma agressiva para a satisfação dos credores. Quem atua no direito do trabalho vem percebendo uma tendência fortíssima no setor quanto às negociações trabalhistas: os acordos coletivos. Historicamente, os direitos trabalhistas têm sido o objeto das negociações coletivas, entre empregadores e empregados. Ocorre que tais negociações são sempre entabuladas de forma coletiva, entre sindicatos patronais e de empregados, com implicações em árePlanejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 343 as geográficas extensas, agrupando empresas de diferentes perfis e formas de atuação, o que reduz drasticamente o potencial de solução dos conflitos das chamadas Convenções Coletivas de Trabalho. A negociabilidade dos direitos laborais vem sendo muito discutida pela comunidade jurídica, sem que resultados seguros acadêmicos ou práticos possam oferecer segurança às negociações de classe. A insegurança jurídica causada por constantes ataques judiciais às convenções coletivas, seja por ações singulares, seja por ações coletivas (dissídios), ou mesmo motivadas por disputas geográficas, entre os sindicatos de empregados (o que é muito comum), deixa o empregador numa situação de imprevisibilidade de riscos absolutamente incômoda. A cada dia, temos notado a necessidade de customização das negociações laborais, sinalizando que no futuro próximo, teremos mais e mais negociações individualizadas, materializadas em Acordos Coletivos de Trabalho. Note o leitor que “Convenções” são celebradas entre classes (laboral e patronal sucroalcooleira, por exemplo) em determinada base geográfica. Os referidos “Acordos” são celebrados entre uma empresa individualizada ou um pequeno grupo de empresas e seus próprios trabalhadores, com regras e dispositivos adequados à realidade dos acordantes, fato que confere maior eficácia prática e jurídica ao documento, gerando maior segurança a ambas as partes, reduzindo substancialmente a imprevisibilidade das relações e os custos de transação para o empregador. Chamamos a atenção, neste item, para o fato de que os Acordos Coletivos de Trabalho são mais operativos quando celebrados por empresas, ou seja, para usufruir desta ferramenta de diminuição de riscos e custos de transação, é importante que o produtor esteja organizado como Pessoa Jurídica. Quanto às implicações fiscais do formato societário “Sociedade Empresária”, pretendemos demonstrar que a carga tributária não é empecilho para a sua adoção. Em análise superficial do tema, já é possível perceber que a carga tributária federal incidente na operação de produção rural sob a organização de Pessoas Físicas ou Jurídicas é muito equivalente, não ocorrendo custos adicionais sig- 344 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo nificativos para quem produz na qualidade de empresa rural. O comparativo é baseado nos sistemas de lucro presumido. Vejamos. (i) Pessoa Física - Apuração pelo sistema de Lucro Presumido: • IR – alíquota 27,5% - Base de Cálculo 20% = 5,4% • INSS s/ folha – 2,7% • INSS s/ valor da produção: 2,3% (receita bruta) TOTAL = 5,4% sobre o faturamento (INSS) (ii) Pessoa Jurídica - Apuração pelo sistema de Lucro Presumido: • IR – alíquota 15% x base de cálculo reduzida para 8% = 1,2% s/ faturamento • CSL – alíquota 9% x base de cálculo reduzida para 12% = 1,08% s/ faturamento • PIS/COFINS (cumulativo) – 3,65% s/ faturamento • INSS – 2,7% s/ folha • INSS – 2,85% s/ produção TOTAL = 5,93% sobre o faturamento (INSS) Análise comparativa aproximada entre a carga fiscal das PF e PJ para produtores rurais * Simulação baseada nos sistemas de lucro presumido 6,00% 5,00% 4,00% 3,00% 2,00% 1,00% 0,00% IR CSLL Pis/Cofins Total Pessoa Jurídica 2005 Pessoa Física Percebe-se, portanto, que a diferença da carga fiscal nas Pessoas Físicas, comparadas às Pessoas Jurídicas não ultrapassa 1% do faturamento, o que nos leva a acreditar que a tributação não deva ser empecilho para que o produtor se beneficie de todas as vantagens já citadas, assumindo a condição de Pessoa Jurídica. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 345 No desenvolvimento deste trabalho, distribuímos inúmeras pesquisas sobre o assunto e obtivemos uma quantidade ínfima de respostas, o que não nos permitiu chegar a nenhuma conclusão estatística. Confirmamos o envio de inúmeros pedidos de resposta às pesquisas, dos quais obtivemos quase nenhum, ainda que tenhamos feito contato por telefone, insistentemente solicitando as respostas. Temos ciência de que cada contribuinte faz sua “matemágica” fiscal, o que nos compele a analisar os casos práticos um a um, quando nos são propostos e, antecipando as nossas conclusões finais, fica evidente que quem quer crescer, deve pagar os tributos e organizarse como empresa; caso contrário, não crescerá. Para os satisfeitos com o estágio dos seus negócios, ficar na zona de conforto pode ser cômodo, ainda que tenhamos confiança na máxima de mercado que afirma estar regredindo quem não está crescendo. Prossigamos. Importa levar ao conhecimento do leitor, a nossa mais recente disposição legal para as micro e as pequenas empresas: o Supersimples. Pela nova Lei Complementar 123 de 14 de dezembro de 2006, as micro e as pequenas empresas (inclusive rurais com objeto social de produção agrícola ou agropecuária) recebem inúmeras facilidades e benefícios, inclusive fiscais, na sua operação. Com vigência a partir de 1º de julho de 2007, o Simples Nacional ou Supersimples como já está sendo chamado, traz a este grupo de empresas os benefícios ficais, as facilidades trabalhistas e previdenciárias, além da instituição de uma espécie de imposto único que abarcará todos os tributos incidentes sobre um tipo definido de operação. Sabedores que os produtores rurais Pessoa Física já gozam dos benefícios fiscais, anexamos a tabela da atividade comercial da nova lei, em que deve ser enquadrada a atividade rural de produção. Novamente, a análise deve ser feita caso a caso. Ainda que seja uma legislação nova demais para as conclusões firmes, o Supersimples deve revelar-se, num futuro muito próximo, uma excelente opção para as empresas com pequeno faturamento, o que de fato deve atrair a grande maioria dos produtores rurais do Brasil, entre eles os dedicados à produção leiteira, em cuja atividade os pequenos são a maioria. 346 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo A eficácia plena da nova lei ainda depende de regulamentação em algumas áreas, notadamente quanto aos tributos estaduais e municipais, sendo que a aplicação dos dispositivos tributários ocorrerá a partir de 1º de julho de 2007. Salientamos, portanto, que a opção que se descortina nos parece tão boa que deve ficar perto dos olhos do produtor rural até a sua implantação final. Ao final desta análise, citamos um benefício de planejamento estrutural para as famílias envolvidas nos agronegócios o qual denominamos “Planejamento Familiar e Sucessório” da atividade. Os objetivos que compõem o escopo do planejamento proposto são: (i) elevar os graus de segurança na proteção patrimonial; (ii) reduzir os custos fiscais no processo sucessório; (iii) reduzir os custos operacionais (honorários, custas, tempo) do processo sucessório; e (iv) prevenir conflitos familiares. O fundamento básico do planejamento proposto é o desenvolvimento da atividade econômica de produção rural, sob a organização de Pessoa Jurídica. Sob a referida estrutura, é possível realizar a transferência do patrimônio familiar, aos herdeiros, de forma planejada, sem que o patriarca cedente perca o poder de controle das operações, reduzindo custos financeiros e de transação, evitando o trâmite judicial de inventário. Abaixo dois exemplos simples da estrutura. Exemplo 1 Pessoa Jurídica administra e incorpora o patrimônio na constituição Filhos - 2% quotes Casal paterno - administradores - 98% Exemplo 2 Holding Controladora PJ Agro PJ Imóveis Urbanos PJ Prestadora de Serviços Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 347 O procedimento proposto permite a transferência do patrimônio familiar aos herdeiros por meio da cessão das quotas sociais, ainda durante a vida do casal patriarca, o que torna os herdeiros sócios da empresa rural. Importante frisar que a partir deste momento, os herdeiros tornam-se proprietários de quotas da empresa, condição que assegura a unidade patrimonial das terras e das demais propriedades, uma vez que os demais herdeiros terão preferência na compra da quota-parte do herdeiro (ou agregado) que pretender alienar a sua herança. No caso da operação sob a estrutura de Pessoa Física, cada um dos herdeiros pode alienar as terras herdadas sem consultar os irmãos ou o cônjuge sobrevivente, criando um ambiente complicado de negócios. Outro importante benefício é a redução dos custos e dos conflitos da sucessão, por meio do esvaziamento do inventário, uma vez que o patrimônio familiar, ao momento da morte dos patriarcas, já estará na propriedade dos herdeiros. Os conflitos são reduzidos pelo fato de que, neste momento, todos os herdeiros serão sócios e aquele que pretender liquidar a sua herança, deverá oferecê-la aos irmãos, antes de oferecê-la ao mercado. Para assegurar a compra da uma ou mais quotas-parte, orienta-se constituir um fundo na empresa rural que cubra o valor referente, para que nenhum estranho venha a integrar o negócio da família. Isso é gestão profissional. Entendemos, portanto, que a possibilidade do planejamento patrimonial e sucessório das famílias, ligadas à produção rural, deve ser mais um motivo para chamar a atenção para a criação de Pessoas Jurídicas, com o objetivo de produção rural. Cumpre-nos informar, por ser oportuno, que recentemente o Conselho Superior do Agronegócio – Consag, órgão da FIESP dirigido pelo ex-ministro da agricultura Roberto Rodrigues, enviou uma proposta de Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ao Governo Federal, em que uma das propostas é “efetuar normas de implantação de medidas que estimulam a transformação dos produtores rurais em pessoas jurídicas”. 348 Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo Os detalhes da constituição da Sociedade devem ser, obviamente analisados caso a caso, como um alternativa para o futuro, levandose em conta as características da estrutura patrimonial da família e das projeções de produção e de faturamento. Aqui, discorremos sobre os benefícios legais que identificamos para a operação de produção na Pessoa Jurídica, colocando-a como uma opção que deve ser analisada pelo produtor, sendo que em alguns casos, em virtude de peculiaridades pontuais, a opção pode não ser viável. Durante o estudo, percebemos uma reação negativa dos produtores à proposta. Ao que nos parece, há um preconceito e um certo tabu sobre o assunto, no meio rural. Às razões íntimas de cada um, o nosso maior respeito. Aos dispostos a navegar o futuro, como autores de sua própria história, a nossa admiração. É necessário finalizar, salientando que, conforme dissemos no início, para nós, o direito é ferramenta da gestão, e nesta qualidade, quem deve avaliar a aplicabilidade da ferramenta disponível é o próprio empreendedor, sustentado por uma avaliação técnica, neste caso, de profissional jurídico habilitado para tanto. Contudo, nossa posição é clara: tudo que vimos e vivemos no mundo do direito empresarial e nos agronegócios nos leva a defender a operação de produção rural na Pessoa Jurídica, mais especificamente constituída como Sociedade Empresária. Até o momento, tudo o que ouvimos em contrário não nos convenceu. Entendemos que é hora do produtor rural encarar a sua atividade como um empreendimento econômico-empresarial. O capitalismo mundial se fundamenta na operação econômica por pessoas jurídicas e não há porque o empresariado rural afastar-se da mesma atitude. Fugir disso é fugir do futuro. Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo 349 REFLEXÃO O mercado de lácteos passa por um período que muitos consideram como um divisor de águas em relação aos patamares de preços e à própria divisão do mercado internacional. Tomando-se como exemplo um dos produtos mais comercializados, de um valor histórico abaixo de US$ 2.500 a tonelada, o leite em pó viu suas cotações atingirem, em menos de um ano, US$ 5.000 a tonelada, valor inimaginável se apresentado a especialistas no ano passado. Entre os fatores estruturais que vêm se combinando para consolidar essa percepção está a mudança do papel do maior exportador de lácteos, a União Européia, gradativamente passando de uma exportadora de commodities lácteas fortemente subsidiadas para uma exportadora de produtos de maior valor agregado, com menor dependência de subsídios; as mudanças climáticas, afetando pelo menos um grande exportador mundial de lácteos (a Austrália); a destinação crescente de grãos para a produção de energia, encarecendo seus preços e, com isso, elevando os custos de produção de proteínas animais, como o leite; o aumento dos custos dos fertilizantes, que reflete os preços do petróleo; a elevação dos preços da terra e do trabalho, pressionando o aumento dos custos de produção em várias regiões do mundo e o aumento da renda per capita, especialmente em países mais pobres e que, portanto, tendem a direcionar mais os ganhos de renda ao consumo de proteínas nobres, como os lácteos, em comparação a países de renda per capita mais elevada. Além desses fatores, há que se considerar o formidável impulso que o avanço no consumo de lácteos na China dá a esse cenário, graças ao crescimento econômico próximo aos dois dígitos, aliado à urbanização e à ocidentalização, em que hábitos como o consumo de leite e derivados ganham espaço. Por tudo isso, a cooperativa Fonterra publicou recentemente um material, informando que trabalha com a previsão para os próximos 10 anos de crescente descompasso entre a evolução da oferta e da demanda de lácteos no mundo. Enquanto a primeira deve crescer ao ritmo de 2,2% ao ano, a demanda deve elevar-se à taxa de 2,7%, gerando, ao final do período, um deficit hipotético de quase 50 bilhões de kg de leite anuais, cerca de duas vezes a produção brasileira. Estamos, portanto, em meio a um processo de mudança estrutural e, como todo processo desta natureza, é ainda difícil saber sua extensão e, principalmente, seus efeitos. Afinal, como bem colocou Alan Greenspan, ex-presidente do Fed norte-americano, estamos todos navegando em “águas inexploradas”. Uma coisa, porém, é certa: se de fato estivermos diante de um novo patamar de preços de lácteos no mercado internacional, mesmo que não se saiba a magnitude deste aumento, é provável que novos países, novas regiões e novas empresas surjam e venham a ocupar um lugar crescente no mercado internacional. O Brasil, nesse quesito, tem uma situação promissora. Apresenta área disponível, não tem grandes limitações ambientais, possui grãos e subprodutos a custos proporcionalmente baratos, possui produtividade ainda reduzida, mas que pode ser elevada com tecnologias já desenvolvidas, tem vocação para o agronegócio e, finalmente, está estruturando seu setor lácteo, desde 2001, para uma participação mais consistente no mercado internacional. O resultado, por sinal, já vem vindo. Nos últimos anos, a produção tem crescido a taxas significativamente superiores ao mercado interno, implicando na reversão do deficit comercial de lácteos em apenas seis anos, o que é um feito considerável ao se constatar que o país estava, nessa época, entre os três maiores importadores líquidos de lácteos do planeta. São Paulo, no entanto, parece não fazer parte desse cenário. Junto com a Paraíba, o Estado foi o único que perdeu produção absoluta entre 1990 e 2005. Neste período, segundo dados do IBGE, São Paulo encolheu 217 milhões de litros, ao passo que o Estado vizinho, Minas Gerais, teve sua produção aumentada em 2,6 bilhões de litros. De uma participação de 13,5% da produção nacional em 1990, São Paulo caiu para pouco mais de 7% no espaço de 15 anos. Trata-se de uma situação paradoxal. Afinal, São Paulo é líder em diversas atividades do agronegócio, possui em seus domínios o maior mercado consumidor, reúne mão-de-obra qualificada e, por fim, tem diversas instituições reconhecidas de pesquisa e ensino. A situação de São Paulo no leite é, pois, pouco justificável, considerando suas potencialidades, indicando que São Paulo e sua cadeia de lácteos, mais do que outros Estados, não souberam acompanhar as mudanças verificadas após a liberalização das importações, após a drástica diminuição da tutela governamental que caracterizou o setor por um longo período e após o crescimento do leite longa vida, que permitiu a captação em regiões distantes dos centros de consumo, mudando a geografia do leite. Como ocorre com inúmeros líderes que perdem sua posição diante de rupturas, o setor leiteiro paulista vem soçobrando diante das alterações estruturais que ocorreram de forma mais acentuada a partir de 1990. Diante disso, o trabalho conduzido pelo PENSA reverte-se de significativa importância. É talvez o passo inicial de uma possível e esperada recuperação da atividade no Estado. Com uma equipe de alto nível e reunindo uma gama de informações atualizadas, a publicação “Planejamento e Gestão Estratégica para o Leite em São Paulo” oferece às empresas e às lideranças um caminho estruturado a se seguir. Mais do que isso, ao formular planos de ação em áreas definidas como estratégicas pelo próprio setor, eleitas em workshops realizados ao longo do estudo, este livro deixa com o setor a responsabilidade de se reinventar, reconduzindo São Paulo a uma posição de destaque compatível com a sua importância histórica e com as suas características. O setor lácteo mundial trabalha com a perspectiva de estarmos diante de um novo momento no mercado internacional de lácteos, em que talvez o patamar de preços abaixo de US$ 0,25/kg de leite não mais retorne, dando lugar a valores acima de US$ 0,30 ou mesmo US$ 0,35/kg, abrindo novas oportunidades. Quem sabe não podemos dizer também que estamos diante de um novo momento para a atividade em São Paulo. O desafio, porém, não deve ser ignorado. O planejamento é o primeiro e necessário passo. Está na execução competente dos planos a diferença entre o sucesso e o fracasso. Cabe ao setor agora ler e refletir acerca do amplo material produzido e aqui apresentado. Cabe ao setor, por fim, tornar esse material uma realidade. Como cunhou Peter Drucker, “a melhor maneira de prever o futuro é criá-lo”. Tendo esta publicação como farol, está ao alcance do setor lácteo paulista a (re)criação do seu futuro. 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Livre-Docente pela Universidade de São Paulo em 2004 com tese sobre Planejamento e Gestão Estratégica Dirigido pela Demanda (Orientação de Marketing). • É Coordenador do PENSA – Programa de Agronegócios da USP, especializado em processos de planejamento estratégico para empresas e sistemas (cadeias) produtivos. • Criou em 2005 a MARKESTRAT (Centro de Pesquisas e Projetos em Marketing e Estratégia) • Membro do Conselho da International Food and Agribusiness Management Association (IAMA), Texas, de 2007 a 2010. • Realizou, usando o Método GESis, o Planejamento e Gestão Estratégica para a Cadeia do Leite em São Paulo – 2007, para a Laranja em 2007, para o trigo em 2004, para o trigo no Uruguai em 2007, e para 10 cadeias produtivas no Vale do São Francisco, (contratado pela Codevasf, 2007-2008). • Realizou, usando métodos de planejamento, projetos para Branco Peres Açúcar e Álcool, Zillo Lorenzetti, Basf, Lagoa da Serra, Netafim, Wolf Seeds/Naterra, Monsanto, Tigre, Orsa Embalagens, Crystalsev, Vallée, Boehringer, Illycafé, Fri-Ribe, J.Macedo Alimentos, Elanco, entre outras. • Coordenador do MBA Marketing da Fundace desde 2000 (classificado pela Revista Você S.A. como o melhor do Brasil em 2003) e do MBA aberto em Agronegócios da Fundace desde 2004. • Teve projetos financiados e foi bolsista da Fapesp, CAPES, CNPq e USP desde 1989. • Desde 1995 é Professor de Planejamento, Estratégia e Marketing da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo - Campus de Ribeirão Preto - SP, e também na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP) de 1996 a 2001. • Já realizou 290 palestras no Brasil e mais de 60 palestras no exterior, em temas ligados a planejamento, marketing, estratégia, agribusiness, cadeias produtivas e biocombustíveis. • Tem mais de 200 artigos publicados em periódicos internacionais e nacionais. • É autor/co-autor e organizador de 15 livros: - Pela Editora Atlas: “Agronegócios e Desenvolvimento Sustentável” (2007) “Caminhos para a Citricultura” (2007) “Estratégias para o Leite no Brasil”, (2006) “Estratégias para a Laranja no Brasil” (2005) “Planejamento e Gestão Estratégica de Marketing” (2005) “Administração de Vendas” (2005) “Estratégias para o Trigo no Brasil” (2004) “Marketing e Estratégia em Agronegócios e Alimentos”; (2002) “Marketing & Exportação”, (2001) “Marketing na Nova Economia”; (2001) - Pela Editora Makron Books: “Planejamento de Vendas” (2007) - Pela Editora Saraiva: “Agronegócio do Brasil” (2005), Pela Editora Thomson Learning (Pioneira) “Economia e Gestão de Negócios Agroalimentares”; (2000) “Alimentos, Novos Tempos e Conceitos na Gestão de Negócios”; (2000) “Estudos de Caso em Agribusiness” (1998) “Agribusiness Europeu” (1996) • Site: www.favaneves.org Currículo dos Autores Sigismundo Bialoskorski Neto • • • • • • • • • • • Professor Titular e vice diretor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; Especialista em Administração Rural; Mestre em Economia Aplicada; Doutor em Economia Agrária; Pós-doutoramento na University of Missouri, USA; Pesquisador convidado da University of Sasakatchewan - Canadá; Pesquisador do Comitê de Pesquisa da Aliança Cooperativa Internacional; Coordenador do Programa de Estudos e Pesquisas em Cooperativismo; Coordenador do MBA-Cooperativismo da FUNDACE; Coordenador do convenio internacional USP/FEA-RP e Universidade de Mondragon Espanha; Ex-Diretor do Instituto de Cooperativismo e Associativismo da Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Ricardo Messias Rossi • • • • • • • • • • • Doutorando em Gestão da Produção pela Universidade Federal de São Carlos (DEP-UFSCar); Mestre em Administração de Empresas pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA/USP); Especialista (MBA) em Administração de Empresas (FUNDACE); Engenheiro Agrônomo formado pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP em Jaboticabal (FCAVJ/UNESP); Pesquisador convidado do Management Studies Group na Universidade de Wageningen (WUR) na Holanda; Atuou como profissional de marketing na área de insumos agrícolas; Pesquisador do PENSA (Programa de Agronegócios da USP); Sócio e Consultor do grupo Markestrat (Aplicação de Estratégias de Marketing); Atuou em projetos de consultoria em Sistemas Agroindustriais, marketing, canais de distribuição e estratégia empresarial para diversas organizações públicas e privadas; É autor de livros e artigos, nacionais e internacionais, nas áreas de estratégia competitiva, negociação empresarial e coordenação de sistemas agroindustriais; Professor de Marketing, Estratégia e Sistemas Agroindustriais em cursos de MBA. Mauricio Palma Nogueira • É engenheiro agrônomo formado pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo na turma de 1997. Fez especialização em Administração Rural na Universidade Federal de Lavras em 2002; • É sócio-diretor da Scot Consultoria e coordenador da divisão de gestão empresarial da empresa. A Scot Consultoria atua junto a seus clientes nas áreas de produção, administração, de apoio ao negócio e de comercialização de produtos agrícolas. Também edita informativos agro-econômicos com técnicas de produção e aspectos conjunturais e pontuais sobre os mercados de pecuária de corte, leite e grãos; • Atua no mercado de consultoria e serviços em gestão integrada de custos, mercado pecuário (leite e boi), mercado de alimentos concentrados e insumos, marketing e consultoria estratégica para produtores e agroindústria, gestão pela qualidade total para organizações agropecuárias e realiza pesquisas de mercado e de opinião. Faz também análises setoriais; • É palestrante e facilitador em diversos cursos, seminários, simpósios e encontros agropecuários em todo o país abordando os temas: Histórico e perspectivas de mercado pecuário (leite e corte); administração rural (tecnologia e resultados); estratégias para empresas agropecuárias; gestão pela qualidade total; custos e resultados de empresas pecuárias; cálculos e gestão de custos de produção; atuação da empresa de consultoria e serviços para o setor rural; importância do cooperativismo para o setor leiteiro; o agronegócio brasileiro; • Possui diversos artigos publicados sobre estes temas nos mais variados veículos de informação especializados no agronegócio; • É autor do livro “Gestão de Custos e Avaliação de Resultados: Agricultura e Pecuária”, lançado em agosto de 2004; • Pela credibilidade e qualidade nos serviços, os integrantes da equipe da Scot Consultoria são articulistas e constantemente entrevistados pelos principais veículos de informações especializados e não especializados no setor agropecuário. Helio Afonso Braga de Paiva • É Administrador e mestrando em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto – USP, além de pesquisador do PENSA desde 2004; • Como consultor, atuou em projetos de planejamento e gestão estratégica junto às organizações Fri-Ribe, Imunodot, Rochfer, CODEVASF, SEBRAE, OCESP e Secretaria da Agricultura; • Foi professor das disciplinas de Administração Financeira e Teoria Econômica nas Faculdades da Fundação Educacional de Mococa e leciona em cursos de pósgraduação pelo Brasil; • É co-autor do livro “Estratégias para o Leite no Brasil” e autor de artigos em congressos e periódicos nacionais e internacionais. Guilherme Machado Costa • • • • • • • • Sócio Fundador do Machado & Machado Advocacia Especializada em Agronegócios www.machadoemachadoadvogados.com.br Bacharel em Direito em 1997 – Largo de São Francisco - USP; Especialista em Direito Tributário Pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET; MBA em Gestão de Agronegócios FUNDACE/USP; Criador da Disciplina de Estratégia Jurídica para Gestores; Professor de Estratégia Jurídica na FUNDACE/USP; Pesquisador convidado do PENSA/USP; Fundador da Aliança de Advocacia Empresarial - ALAE www.alae.org.br Marcelo Francini Girão Barroso • Engenharia Agronômica pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, com concentração em economia e administração agroindustrial; • MBA Especialização em Economia de Empresas - Ênfase em Gestão de Cooperativas Agropecuárias; • Empregado da Organização das Cooperativas Brasileiras-OCB de 2002 a 2006, primeiramente como técnico da Gerência Técnica, depois como gerente da Gerência de Fomento; • Mestrando em Controladoria e Contabilidade na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP/USP); • Estagiário de pós-graduação do Programa de Estudos e Pesquisas em Cooperativismo da Fundace; Sérgio Pinheiro Torggler • É Engenheiro Agrônomo formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP em 1982. Também está se especializando na área de custos, contabilidade e controladoria, uma vez que é Graduando em Ciências Contábeis e pós-graduando em Controladoria e Contabilidade, ambos na FEARP-USP; • Entre 1983 e 2003 atuou como profissional de mercado nas áreas de gestão de empresas financeiras, comerciais e industriais, tais como Citibank N.A., Cia de Bebidas Ipiranga, Empresa das Águas Prata S.A., Cia Açucareira Vale do Rosário, Drogacenter Distribuidora de Medicamentos Ltda., entre outras; • Neste período também exerceu a presidência do Sindicato Nacional das Indústrias de Água Mineral e da Associação Nacional das Empresas de Água Mineral; • Atualmente atua como consultor em gestão financeira e análise de custos para empresas comerciais e industriais. É autor de artigos em periódico nacional relacionado a área de custos em projetos. Cristiane de Paula Turco • Médica veterinária, formada pela UNESP-Jaboticabal em dezembro de 2003. Desde então trabalha na Scot Consultoria; • Atualmente, realiza a Pós-graduação Latu Senso, pela Universidade Federal de Lavras, no curso “Gestão no Agronegócio com ênfase em Administração Rural”; • É coordenadora da divisão de leite da Scot Consultoria e Editora-chefe do informativo de mercado A Nata do Leite. Conselheira editorial dos informativos Boi & Companhia e Tem Boi na Linha; • Gerente administrativa da Scot Consultoria. Coordenadora das divisões de Estatística do leite, Internet, Livros, Publicidade, Pesquisas, Organização e Operacionalidade.; • Analista de mercado, com atuação na área de mercados de leite, insumos agropecuários e análises setoriais; • Organiza e planeja eventos. Membro das comissões organizadoras dos encontros “II Gestão Competitiva para a Pecuária” e “III Gestão Competitiva para a Pecuária”; idealizadora e membro da comissão organizadora do encontro “Confinamento: Gestão Técnica e Econômica”, com duas edições já realizadas; • Ministra palestra relacionada ao mercado de leite. Possui artigos, entrevistas e opiniões publicadas e divulgadas em diversos veículos de informação especializados em agricultura e pecuária, seja mídia impressa, eletrônica ou televisiva. Matheus Alberto Cônsoli • Administrador de empresas formado pela FEA-USP, mestre em Administração de Empresas e doutorando em Engenharia de Produção na EESC-USP; • Atuou como supervisor regional de vendas da Danone, trabalhando no gerenciamento de distribuidores e em atividades de negociação e planejamento logístico e distribuição; • É pesquisador do PENSA e membro do MARKESTRAT. Desenvolve projetos e pesquisas nas áreas de Planejamento e Gestão Estratégica de Marketing, Planejamento de Canais de Distribuição, Gestão de Vendas e Estratégias de Cadeias de Suprimento; • É professor das disciplinas Gestão de Canais de Distribuição e Networks, Estratégias de Negócios e Marketing nos cursos de MBA da Fundace e FIA. Tem especialização em Gestão de Canais e Cadeias de Suprimentos na Texas A&M University, EUA (2007). Rosana de Oliveira Pithan e Silva • • • • • • • • • Socióloga formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Pesquisadora Científica do Instituto de Economia Agrícola da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA-SP), atuando na área de Políticas Públicas; Atuou como Secretária Executiva das Câmaras Setoriais de Leite e Derivados, Carne Suína, Carne Bovina, Pescado e Aves e Ovos, da SAA-SP; Coordenou as discussões para elaboração das normas técnicas para o Selo “Produto de São Paulo” da SAA-SP para leite pasteurizado e carne suína e auxiliou nos debates referentes às normas para algodão e carvão vegetal; Representante de Comissões Técnicas de Leite, Carne Bovina, Avicultura, Suíno e Pescado da SAA-SP; Foi diretora do Departamento de Informação e Documentação da Coordenadoria de Abastecimento da SAA-SP; Colaborou com a ONG “Instituto Locus” que em parceria com o SEBRAE organizou a implantação de projetos municipais de empreendedorismo; Trabalhou na Coordenadoria de Abastecimento da SAA-SP na área de planejamento de programas de abastecimento, participando da elaboração e controle do Programa “VivaLeite”; Colaborou com a elaboração do capítulo sobre da “Política Agrícola, Agrária e Fundiária” na Constituição Estadual de 1989. Este trabalho surgiu da necessidade de se traçarem as diretrizes estratégicas para a cadeia leiteira do Estado de São Paulo, tendo em vista o cenário que se observa, perante os outros Estados produtores. Atualmente, São Paulo, como produtor, ocupa a 5ª colocação, mas lidera em termos de consumo per capita no Brasil, que é 45% maior que o da média nacional, o que indica que há uma “importação” deste alimento de outros Estados brasileiros. Em termos de produtividade, São Paulo ocupa a 9ª posição, demonstrando que há muito trabalho a ser feito para que os produtores e a indústria do Estado cresçam e abasteçam, com produção própria, este enorme mercado consumidor que está à disposição. Como colaboração ao enfrentamento deste desafio que se apresenta, o SEBRAE-SP, o Sistema FAESP - SENAR-AR/SP e o SESCOOP-SP solicitaram este estudo, cujo título expressa exatamente o seu maior objetivo: “Planejamento e Gestão Estratégica para o Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo” e traz as orientações e os direcionamentos aos diversos elos da cadeia, de como competir e reagir, frente ao crescimento de seus concorrentes.