EDITORIAL
Prezado (a) leitor (a).
É um privilégio aceitar o convite do Dr. Pastorino para escrever este editorial. A revista Correios da SBP
é aguardada por todos os sócios, a cada quadrimestre, que anseiam pelos documentos dos Departamentos
Científicos da Brasileira.
A educação médica continuada tem sido um dos pilares da Diretoria da SBP nesta gestão, trazendo aos
pediatras o maior número de informações que possibilitem uma prática médica de qualidade.
Em especial, este número aborda um tema de suma importância em nossa prática “A Obesidade na
Adolescência”. Doença multifatorial responsável por considerável morbidade e mortalidade em adultos, que,
na sua grande maioria, inicia-se na infância, tendo o pediatra uma importância ímpar no seu manejo e profilaxia,
através da educação da família, quanto aos hábitos alimentares e de vida.
Estamos todos de parabéns, em especial o corpo editorial do Correios por nos brindar mais uma vez com
excelente material cientifico, que muito nos enriquecerá.
Um grande abraço e boa leitura.
Eduardo da Silva Vaz
Secretário Geral da SBP
ÍNDICE
Obesidade na Adolescência
Maria Conceição Oliveira Costa, Eloisa Barreto Bacelar,
Pierry Fábio Cavalcante Coni
. . . . . . . . . . . . .
5
Altas doses de hormônio de crescimento
induzem aceleração de maturação
esquelética e início precoce de puberdade
em crianças com baixa estatura idiopática
Coma não traumático na infância
Kamp GA , WaelKens JJ, Muinck Keiser-Schrama SM,
Kirkham FJ
Delemarre-Van de Waal HA, Verhoeven-Wind L,
Arch Dis Child 2001; 85: 303-12..
.. . . .
. . . . .
11
Zwinderman AH et al
Arch Dis Child 2002;87:215-20
. . . . . . . .. . . .
22
Punção Lombar - Quando fazer?
Riordan FAI, Cant AJ
Arch Dis Child 2002; 87:235-7
. . . . . . . . . . .
16
Retinopatia da Prematuridade: recentes
avanços no nosso conhecimento
Epidemiologia da doença diarréica
na Argentina: estimativa do impacto
da doença pelo Rotavirus
Gomez JA, Sordo ME, Gentile A.
Pediatr Infect Dis J 2002; 21:843-50 .
. . . . . . . . .
24
Wheatley CM, Dickinson JL, Mackey DA, Craig JE, Sale MM
Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2002; 87:F78 - F 82
. . .
18
CORREIOS DA SBP - Diretor de publicações: Dr. Renato Soibelmann Procianoy - Coordenador do PRONAP: Dr. João Coriolano Rego Barros - Coordenador dos
Correios: Dr. Antonio Carlos Pastorino - Coordenador Documentação Científica: Dr. Paulo de Jesus Hartmann Nader - Conselho Editorial: Darci Vieira da Silva
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número: Dra. Maria Conceição Oliveira Costa, Dra. Eloisa Barreto Bacelar, Dr. Pierry Cavalcante Coni, Dr. José Luiz Dias Guerpelli, Dra. Heliane Brant Machado Freire, Ércio Amaro
de Oliveira Filho, Dr. Luis Eduardo P. Calliari, Dra. Helga Verena Leoni Maffei - Revisores deste número: Dr. Antonio Carlos Pastorino, Dra. Rosana Fiorini Puccini. As opiniões
expressas são da responsabilidade exclusiva dos autores e comentadores, não refletindo obrigatoriamente a posição da Sociedade Brasileira de Pediatria. Tire suas
dúvidas, faça suas críticas e sugestões aos editores sobre os artigos aqui publicados, pelo e-mail: [email protected] Criação, Diagramação e Produção
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Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003
3
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4
Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003
Francisco José Penna
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DEPARTAMENTO DE ADOLESCÊNCIA
DOCUMENTO CIENTÍFICO
Obesidade na Adolescência
Maria Conceição Oliveira Costa1
Eloisa Barreto Bacelar2
Pierry Fábio Cavalvante Coni2
Na população brasileira, a exemplo da americana,
há duas décadas, têm sido verificadas importantes mudanças no que se refere aos hábitos alimentares e estilo de vida. Estudos do perfil alimentar
da nossa população, a partir da década de 90, têm
demonstrado um maior consumo de gorduras
saturadas (carne e frituras) e insaturadas (óleos),
hidratos de carbono simples (açúcar, massas e farinhas), proteína animal e derivados, em detrimento do consumo de carboidratos complexos (tubérculos), frutas, hortaliças e fibras. As possíveis causas para esta mudança de hábitos entre crianças
e adolescentes seriam a prática de assistir televisão várias horas ao dia, difusão excessiva de jogos eletrônicos, abandono precoce do aleitamento materno e a difusão de alimentos industrializados, os quais possuem maior densidade
energética, são saborosos e sempre vêm acompanhados de forte estímulo ao consumo.
Estas mudanças vêm preocupando os profissionais de saúde, aumentando a responsabilidade
destes quanto à necessidade de prevenir a instalação e desenvolvimento da obesidade precoce e
o cortejo de conseqüências que dela decorre. A
obesidade é considerada uma das entidades clínicas mais intratáveis, além do que um sério problema de saúde pública, pelo aumento da
prevalência e pela potencialidade como fator de
risco para o desenvolvimento de doenças
cardiovasculares, metabólicas e hipertensão arterial. Portanto, a identificação das causas ou dos
fatores associados são as medidas mais importantes a serem consideradas no que se refere à prevenção e intervenção precoce. A idade de início
e a intensidade da obesidade está relacionada com
a manutenção desta condição na fase adulta. Cerca de 60% dos obesos aos 7 anos, permanecem
obesos quando adultos.
A obesidade é o acúmulo excessivo de gordura
no organismo ou distúrbio do estado nutricional
traduzido pelo desequilíbrio prolongado e permanente entre ingestão e gasto calórico. O incremento de peso é devido a um aumento do número
(hipercelularidade) e/ou à hipertrofia dos
adipócitos. Entretanto, os estudos sobre obesidade têm mostrado que o entendimento desta patologia transcende seu conceito etimológico.
CLASSIFICAÇÃO DA OBESIDADE
QUANTO ÀS CAUSAS E LOCALIZAÇÃO
DA GORDURA CORPORAL:
Obesidade com estatura normal ou elevada
- de causa exógena, 90% relacionada ao consumo
Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003
5
exacerbado e/ou sedentarismo; idade óssea acelerada, níveis de somatomedinas normais, podendo
cursar com hiperinsulinismo;
Obesidade com baixa estatura - de causa
endócrina ou genética (síndromes);
A obesidade exógena - é considerada doença
de múltiplos determinantes, genéticos, neuroendócrinos e ambientais, que interagem simultaneamente.
ASPECTOS GENÉTICOS, HEREDITÁRIOS
E AMBIENTAIS DA OBESIDADE
Em relação ao fator genético, pesquisas têm mostrado que as mutações gênicas podem levar à obesidade por aumento da ingestão de alimentos e/ou
diminuição do gasto calórico e metabolismo basal,
estudos que foram incrementados após a descoberta da leptina – (hormônio derivado do adipócito),
verificaram que o loco do cromossomo que contém o gen da leptina está geneticamente ligado ao
peso e as mutações que rompem este gen e receptores são responsáveis pela sua inatividade em obesos. Também os neuro-transmissores parecem controlar o apetite, através dos receptores para a
leptina, sendo que mutações gênicas determinam
insuficiência de hormônios chaves. Os defeitos
gênicos também podem alterar a forma como o
adipócito armazena gordura, acelerando a transformação do pré-adipócito (não armazena gordura) em adipócito.
Nos aspectos hereditários pesquisas apontam que a
herança familiar é um dos mais importantes
determinantes de obesidade. Na presença de dois
dos pais obesos a chance de ser obeso é cerca de
70%, com um dos pais obesos esta chance é 40% e
com pais não obesos de 7 a 9%. Em todas as idades, o sexo feminino tem mais gordura corporal; no
primeiro ano, a diferença é de 1%, aos 10 anos de
6% e na adolescência de 50%. No início da adolescência, os meninos ganham gordura com perda ao
final da puberdade, enquanto que, nas meninas, há
acúmulo gradativo na pré-puberdade, aumento durante a puberdade e, ao final desta etapa, elas têm
duas vezes mais gordura que os rapazes. Alguns
períodos são críticos para evolução da obesidade a gestação, o primeiro ano de vida, entre cinco e
sete anos e na adolescência, todos eles contribuindo para a continuidade da obesidade na fase adulta.
Entre os aspectos ambientais destacam-se a alimentação, atividade física, o ambiente familiar e o nível
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Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003
sócio-econômico, além dos aspectos psicológicos.
Na adolescência, por conta do estirão puberal, os
requerimentos calóricos estão aumentados, com
consequente aumento do apetite e ganho de peso.
Nesta etapa, as características de comportamento
peculiares, aliados ao apêlo da mídia e influência
do grupo, favorecem à dietas não balanceadas,
hipercalóricas, pela repetição de alimentos tipo fast
food e lanches rápidos com alto valor calórico, ricos em açucar, carboidratos refinados e gordura
saturada, em detrimento da alimentação habitual
com a família.
A atividade física tem importância na regulação do
peso corporal, no gasto energético total, nos estoques de tecido adiposo e no consumo de alimentos. O ambiente familiar influencia, tanto pelos hábitos alimentares, quanto pelo tamanho da família
e hábitos sedentários.
A educação, o tamanho da família e os hábitos alimentares são variáveis muito representativas na determinação da obesidade precoce em crianças e adolescentes. O NCHES (National Center Health
Estatistics Survey) - Ciclos II e III, demonstrou que
o hábito de assistir TV é um dos mais importantes
preditores da obesidade em adolescentes que assistem TV 22 horas por semana. O hábito de assistir TV impede o envolvimento em atividade física;
além do que propicia à ingestão de lanches enquanto assistem a TV; os alimentos alvo das propagandas têm alto valor calórico e a falta de personagens
obesos sugere que é possível comer constantemente
sem o risco de engordar.
O nível sócio-econômico é composto por combinação de renda, educação, ocupação e área de residência (urbana ou rural). Nos países desenvolvidos,
a obesidade tem relação negativa com a condição
sócio-econômica, especialmente entre as mulheres,
entretanto, nos países subdesenvolvidos esta relação é positiva em todas as faixas etárias. No Brasil,
inquéritos nacionais realizados pelo IBGE (19741989) demonstraram que a obesidade infantil encontrava-se mais freqüentemente nas famílias de
maior renda.
CONSEQUÊNCIAS DA OBESIDADE
Entre as consequências da obesidade destacamse os problemas psicossociais, como a discriminação entre os colegas e familiares, complicações
ortopédicas, como genuvalgo e alterações
posturais, acantose nigricans, apnéia do sono, dis-
túrbios gastrointestinais, como refluxo gastroesofágico, além dos problemas metabólicos, como
hiperinsulinemia e hiperlipidemia.
As alterações lipídicas na obesidade dependem de
fatores como, consumo de gordura saturada e
colesterol, duração e intensidade da obesidade e
influência hereditária, muito embora o clearance das
lipoproteínas no sangue pode ser influenciado pelo
gasto calórico, através da atividade física. A distribuição da gordura corporal guarda relação com
níveis adversos de lipídios e evolução para doenças metabólicas como hipertensão e diabetes. Os
níveis de LDL-c e colesterol total estão relacionados com risco de doenças coronarianas e as pregas subescapular e abdominal relacionadas com
níveis adversos de triglicerídeos e HDL-c.
Diagnóstico da obesidade – Métodos Indiretos
Não se correspondem estritamente com a quantidade de gordura, mas guardam relação aceitável
com esta. Na adolescência, os mais utilizados, tanto a nível individual quanto populacional, são a
Antropometria e a Bioimpedância (proporções de
massa magra e gorda do corpo, reveladas pela diferença bioelétrica dos tecidos, massa magra têm
alta condutibilidade e baixa resistência, contrário à
massa gorda que possui alta resistência).
A antropometria é o método mais utilizado, por
ser prático e acessível. Entre crianças e adolescentes os índices mais usados são a relação peso para
altura (P/A); o índice de massa corporal – IMC –
(P/A 2 ), complementados pelas pregas cutânea
subescapular - PCSE e prega tricipital – PCT. Segundo recomendação da OMS, até o momento,
na avaliação antropométrica de adolescentes, o
IMC é o critério recomendado, acrescido da avaliação das pregas cutâneas – PCT e PCSE. O aumento do IMC pode ser decorrente de massa muscular, como ocorre em atletas, por isto é necessário a utilização das pregas que refletem mudanças
na gordura subcutânea e fornece maior entendimento do IMC. No diagnóstico de obesidade o IMC
está acima do percentil 85 e as pregas PCT e PCSE
acima do percentil 90, conforme tabelas de
percentis em anexo.
O apoio laboratorial inclui o hemograma, dosagem
do colesterol total e suas frações, triglicerídeos,
glicemia de jejum e dosagem da insulina basal –
considerar hiperinsulinismo quando a relação insulina /glicemia for maior que 0,5.
Valores de Referência de CT, LDL,
HDL e Triglicerídeos, de 2 a 19 anos de idade
Valores (mg/dl)
Limítrofe Aumentada
Lípides Idade
Desejável
CT
LDL
HDL
TG
< 10
10 -19
< 10
10 -19
< 170
< 110
_ 40
>
_ 35
>
< 100
_ 130
<
170 -199
110 -129
-
_
>200
_
>130
>100
>130
Fonte:Consenso brasileiro de dislipidemias
Sociedade Brasileira de Cardiologia, 1996.
PROPOSTA TERAPÊUTICA
Para adolescentes obesos deve considerar alguns
aspectos como, etapa do desenvolvimento puberal
que se encontra; necessidade de mudanças nos
hábitos alimentares do adolescente e da família;
balanço nutricional da dieta; atividade física para
aumentar o gasto calórico e perda de peso e avaliação da presença de distúrbios metabólicos, como
as hiperlipidemias.
A etapa do desenvolvimento puberal é determinante
do tipo de conduta a ser adotada: até os 14-15 anos,
no sexo feminino e até os 16-17 anos, no sexo masculino, a maior parte dos indivíduos encontram-se
no estirão de crescimento, portanto, a adequação
do peso em relação à altura pode ser conseguida
apenas pela manutenção do peso atual e aumento
da atividade física habitual, não sendo necessário
dietas restritivas que podem prejudicar a velocidade de crescimento. Entretanto, após os 16 anos,
no sexo feminino, onde o crescimento estatural já
cessou, para a adequação do peso à altura é necessário restrição calórica, com dieta balanceada e
atividade física, proporcionando perda gradual de
peso, alcançando assim a adequação ponderal,
através da mudança de hábitos alimentares e atividade física regular.
A participação da família é um dos fatores decisivos para mudança de conduta e, adesão ao plano
terapêutico. Na obesidade exógena, está presente
a superindulgência e a voracidade alimentar, assim,
o processo de reeducação alimentar deve ser gradual, exigindo determinação do adolescente mas,
sobretudo, sensibili-zação e apoio de toda sua família. É preciso que a família do obeso conheça a
importância do acompanhamento e a aquisição
de hábitos alimentares mais adequados. O pacto
da família com a proposta de reeducação alimentar é tão importante quanto a decisão do adolescente na mudança de hábitos.
Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003
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Mudança nos hábitos alimentares
do adolescente e família:
Realizar três refeições diárias estabelecendo horários – café da manhã, almoço e janta e um lanche
em cada turno, evitando os “beliscos” e longos períodos de jejum;
Priorizar, nos lanches, as frutas e sucos naturais;
Evitar realizar refeições junto à TV ou outras atividades;
Evitar frequentar diariamente lanchonetes e cantinas da escola – estabelecer o dia da semana para
esta visita;
Evitar o uso diário de alimentos muito calóricos
como frituras, milanesas, refrigerantes, massas
em geral, bolachas amanteigadas e com recheio,
doces em geral, salgados, embutidos, outros –
estabelecer dias e quantidades para o consumo
daqueles muito apreciados;
Evitar uso de líquidos, sucos e água durante as
refeições;
Procurar mastigar mais devagar, sentindo o sabor e procurando diminuir a ansiedade, quem come
rápido ingere maior quantidade;
Praticar atividade física programada três ou mais
vezes na semana ou aumentar o gasto calórico com
caminhadas, uso de bicicletas, esteira, entre outras atividades aeróbicas;
Organizar os hábitos alimentares da família em
geral, uma das atitudes mais efetivas para modificar o hábito alimentar do obeso, através de refeições mais equilibradas; horários mais regulares e
com menor acesso aos alimentos muito calóricos.
O balanço nutricional pode ser realizado através de
inquéritos alimentares de 24 horas ou frequência de
consumo de três a sete dias, os quais podem orientar quanto à frequência da ingestão dos alimentos,
qualidade e quantidade, além dos hábitos familiares.
O uso da pirâmide de alimentos contribui para a compreensão da distribuição dos alimentos em grupos,
as necessidades diárias e as porções recomendadas.
As gorduras totais da dieta devem corresponder a
25 a 30% do total calórico da refeição, controlandose o uso de alimentos muito ricos em gorduras, principalmente as saturadas como as frituras, milanesas,
e m b u t i d o s , s a l g a d i n h o s , c r e m e s , o u t r o s . Os
carboidratos devem perfazer 50 a 55% do total
calórico, principalmente os carboidratos complexos,
controlando-se as quantidades. Os glicídios simples,
como os açúcares, doces, refrigerantes, balas, devem
ter seu consumo controlados, podendo ingerir em
dias e horários pré-estabelecidos. As verduras e os
legumes (menos apreciados pelos adolescentes), assim como as frutas (mais aceitas), podem ser mais
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liberados e estimulado o seu consumo. As proteínas devem fornecer 10 a 15% das calorias da dieta,
oferecidas em forma de carnes magras, leite desnatado com acréscimo das vitaminas lipossolúveis
– A,D e E.
Na obesidade que cursa com hiperlipidemias deve
ser controlado o consumo das gorduras de origem
animal e saturadas como, manteiga, vísceras, carnes vermelha e gorda, embutidos, queijos amarelos, maioneses, cremes, molhos, gema de ovo, recheios, feijoada, bolachas amanteigadas, leite integral, entre outros alimentos.
A atividade física combinada com o controle alimentar
apresenta resultados positivos pelo aumento da massa livre de gordura, aumento da taxa metabólica basal
e gasto energético, o que contribui para a perda de
peso e melhora da imagem corporal. Além da atividade física, recomenda-se a redução do tempo para atividades sedentárias. É importante que a atividade física seja apreciada pelo adolescente e, se possível, seja
desenvolvida com outros colegas, evitando-se os exercícios competitivos e estimulando a atividade aeróbica
e recreativa. É necessário o apoio, incentivo e participação da família.
O Tratamento Farmacológico para obesidade é de
uso limitado em adultos. O risco benefício pode
não justificar seu uso. Os anorexígenos clássicos
apresentam uma ação no sistema nervoso central
que não seria adequada em crianças e adolescentes em plena fase de crescimento e desenvolvimento. Portanto, estas drogas não devem ser usadas
no tratamento da obesidade infantil e na adolescência. O rastreamento do paciente para tratamento medicamentoso específico no controle da
hipercolesterolemia em crianças e adolescentes,
leva em conta alguns critérios como os níveis de
LDL > 190 após 1 ano de controle alimentar rigoroso e a presença de doenças cardiovasculares precoces na família. Entretanto, a decisão de iniciar
esta terapêutica deve considerar o custo benefício, levando-se em conta que ainda não se sabe
os efeitos destas drogas durante o desenvolvimento puberal, as consequências clínicas e metabólicas para o crescimento e que ele deverá utilizar
estas drogas por toda a vida.
Prognóstico da adesão ao plano terapêutico alguns
fatores interferem decisivamente para o bom prognóstico: apoio e incentivo da família; decisão do adolescente; mudança de hábitos alimentares da família;
participação em atividades físicas junto a outros adolescentes; bom relacionamento com o profissional; retornos periódicos à avaliação.
Índice de Massa Corporal (IMC) por idade na Adolescência
Idade (anos)
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20-24
Percentil 85th
Masculino
Feminino
19,6
20,2
20,4
21,2
21,1
22,2
21,9
23,1
22,8
23,9
23,6
24,3
24,5
24,7
25,3
25,2
25,9
25,6
26,4
25,9
26,9
26,1
Percentil 95th
Masculino Feminino
22,6
23,2
23,7
24,6
24,9
26,0
25,9
27,1
26,9
28,0
27,8
28,5
28,5
29,1
29,3
29,7
30,0
30,2
30,7
30,7
31,3
31,2
Risco para obesidade, segundo Prega
Cutânea Subescapular para Adolescentes
Percentil 90 th
Idade (anos) Masculino Feminino
14,0
19,5
10
18,5
20,0
11
19,0
22,0
12
17,0
23,0
13
14
15,5
25,5
15
16,0
23,0
16
16,0
26,0
17
17,0
28,0
18-24
24,0 mm
29,0 mm
Fonte: Frisancho AR, 1990
Fonte: Must A et al, 1991
Risco de sobrepeso e obesidade, segundo Prega Cutânea Tricipital para Adolescentes
Idade (anos)
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
Percentil 85th
Masculino (mm) Feminino (mm)
16,0
19,0
16,9
20,1
17,3
21,3
17,1
22,3
16,4
23,3
15,8
24,3
15,8
25,1
16,0
25,8
16,6
26,5
17,3
27,2
Percentil 90th
Masculino (mm)
Feminino
20,0
22,5
23,0
24,0
22,5
24,0
20,5
25,0
18,0
26,5
18,0
26,0
17,0
29,0
16,0
29,0
20,0
31,0
20,0
31,0
(mm)
Fonte: Must A et al, 1991
Classificação do Estado Nutricional, segundo os Pontos de Corte em Percentis (P)
Problema Nutricional
Indicador
Antropométrico
Retardo de Crescimento ou Nanismo
Altura p/ dade
Magreza ou Baixo IMC p/ Idade
Risco de Obesidade
Obesidade
IMC p/ Idade
IMC p/ Idade
IMC p/ Idade
PCT (tricipital)
PCSE (subescapular)
Pontos
de Corte
< P3
< 2DP
_ P5
<
_ 85
P>
_ 85
P>
_ 90
P>
_ 90
P>
População
de Referência
NCHS
NCHS
NCHS
NCHS
Adaptado de : WHO, Must A et al, Johnson CL
Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003
9
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1
Professora Titular do Departamento de Saúde –
Universidade Estadual de Feira de Santana,Ba;
Doutora – UNIFESP; Pesquisadora do Núcleo de
Estudos e Pesquisas na Infância e Adolescência –
NNEPA-UEFS
2
Alunos de Iniciação Científica – PIBIC, PROBIC,
NNEPA-UEFS
ATENÇÃO
As publicações da Revista Correios da SBP
estão disponíveis no site:
www.sbp.com.br (Educação Médica Continuada).
10
Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003
NEUROPEDIATRIA
Coma não traumático na infância
NON-TRAUMATIC
COMA IN CHILDREN
Kirkham FJ
Arch Dis Child 2001; 85:303-12.
1. A CRIANÇA ESTÁ INCONSCIENTE E, SE ESTÁ,
QUAL É O NÍVEL (PROFUNDIDADE) DO COMA?
Esta é a questão mais importante e pode ser a mais
difícil de ser respondida. A escala de coma de
Glasgow é a mais utilizada para avaliar a profundidade do coma. Sua aplicação pode ser feita facilmente em crianças acima de 5 anos de idade,
porém nas crianças menores é possível a utilização
das escalas referentes à motricidade e abertura
ocular, com exceção dos lactentes que têm dificuldade para localizar o estímulo doloroso (Tabela 1).
2. A PRESSÃO INTRACRANIANA (PIC) ESTÁ
AUMENTADA?
As prioridades iniciais são as de manter uma ventilação adequada, desobstruindo as vias aéreas, e
manter a pressão arterial média em níveis um pouco elevados na fase aguda. A resposta à pergunta
acima deve ser obtida o mais rápido possível, pois
a hipertensão intracraniana (HIC) pode levar a danos cerebrais irreversíveis, muito antes de ser possível a instalação de monitores da PIC. A HIC pode
determinar lesões cerebrais através de dois mecanismos fisiopatológicos: a) redução da pressão de
perfusão cerebral (pressão de perfusão cerebral =
pressão arterial média – pressão intracraniana), que
leva a fenômenos isquêmicos cerebrais; b)
herniações cerebrais internas, devidas a diferenças
nos gradientes pressóricos entre os vários compartimentos intracranianos (supra-tentorial vs fossa
posterior, ou fossa posterior vs canal espinal). As
herniações cerebrais determinam compressões e
distorções do parênquima cerebral, levando a lesões isquêmicas e hemorrágicas de natureza
vascular. As herniações centrais (secundárias a
edema difuso do encéfalo) e uncais (secundárias a
edemas unilaterais do encéfalo) são compatíveis
com a sobrevida, entretanto a herniação através do
Tabela 1. Escala de Glasgow adaptada, recomendada pela Associação Britânica de Pediatria
Pontuação
Abertura ocular
4
3
2
1
Verbal
5
4
3
2
1
Motricidade
6
5
4
3
2
1
> 5 anos
< 5anos
Espontânea
Ao chamado
À estimulação dolorosa
Nenhuma
Orientado
Confuso
Palavras desconexas
Sons incompreensíveis
Nenhuma resposta à dor
Obedece a comandos
Localiza estímulos dolorosos
(>9 meses)
Retira o membro à pressão dolorosa do leito ungueal
Flexão das extremidades à pressão dolorosa
da região supra-orbitária
Extensão das extremidades à pressão dolorosa
da região supra-orbitária
Nenhuma resposta à pressão dolorosa
da região supra-orbitária
Vigil, balbucia palavras ou sentenças
- normal
Verbaliza menos que o normal, choro
irritadiço
Chora em resposta à dor
Gemido em resposta à dor
idem
Movimentos espontâneos normais
idem
idem
idem
idem
Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003
11
forâmen magno não. As síndromes neurológicas
que permitem diagnosticar os vários tipos de
herniação e acompanhar sua evolução temporal são
conhecidas clinicamente (Tabelas 2 e 3).
As etapas importantes no manejo da HIC são: (i)
memorizar os estágios da herniação progressiva que
são compatíveis com a sobrevida sem seqüelas
neurológicas (assinalados em itálico, nas Tabelas 2
e 3); (ii) adquirir a rotina de examinar repetidamente o nível de consciência (Tabela 1) e os reflexos do
tronco encefálico (Tabela 2) com esses conceitos
em mente a fim de realizar rapidamente o diagnós-
tico da piora clínica; e (iii) aprender o algoritmo
terapêutico de modo a instituir o tratamento o mais
rápido possível.
A recuperação é pouco provável se os estágios
medular ou caudal da ponte são atingidos. Desta
forma, se a criança apresenta alguns ou todos os
sinais de herniação uncal, diencefálica, ou
mesencefálica/pontina alta, é imperativo que medidas emergenciais para o controle da HIC sejam
adotadas. A presença de papiledema é raramente
observada em casos de HIC aguda. Os reflexos
córneo-palpebrais, nauseoso e de tosse podem ser
Tabela 2. Exame do tronco encefálico
Item
12
Sinal / Resposta
Localização topográfica da lesão
Resposta à dor
Flexão de extremidades
Extensão de extremidades
Nenhuma
Diencefálica
Mesencéfalo / Cranial da Ponte
Caudal da Ponte
Postura
Normal
Hemiparesia
Decorticação
Descerebração
Flácida
Tronco encefálico intacto
Herniação uncal
Diencefálica
Mesencéfalo / Cranial da Ponte
Caudal da Ponte
Tono muscular/ Reflexos
Normais
Sinais piramidais unilaterais
Sinais piramidais bilaterais
Flacidez / sinal de Babinski
Controle encefálico normal
Herniação uncal
Diencefálica
Caudal da Ponte
Prova óculo-cefálica
(olhos de boneca)
Movimentos oculares
sacádicos
Controle encefálico normal
Excluir lesão espinal cervical
Desvio completo do olhar para
o lado oposto da rotação
Diencefálica
Rodar a cabeça de um lado para
o outro, observando os olhos
Desvio mínimo do olhar
Mesencéfalo / Cranial da Ponte
Prova óculo-vestibular
(prova calórica)
Nistagmo
Controle encefálico normal
Excluir perfuração timpânica
Desvio do olhar em
direção ao estímulo
Diencéfalo
Manter a cabeça na linha média,
com inclinação de 30o
Desvio mínimo do olhar
Mesencéfalo / Cranial da Ponte
Injetar 20 ml de água gelada no
conduto auditivo
Nenhum movimento ocular
Caudal da Ponte
Tamanho pupilar
Normal, médio
Mióticas
Dilatação unilateral
Dilatação bilateral
Mesencéfalo / Cranial da Ponte
Diencefálica
Herniação uncal
Caudal da Ponte
Resposta pupilar à luz
Rápida
Ausência de resposta
Tronco encefálico intacto
Mesencéfalo / Cranial da Ponte
Padrão respiratório
Normal
Cheyne-Stokes
Hiperpnéia
Atáxica
Agônica (“gasping”)
Tronco encefálico intacto
Diencefálica
Mesencéfalo / Cranial da Ponte
Caudal da Ponte
Medula oblonga
Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003
Tabela 3. Síndromes de herniações cerebrais internas
Síndrome
Sinais clínicos
Uncal
Dilatação pupilar unilateral
Ptose palpebral unilateral
Desvio mínimo do olhar na prova óculo-cefálica/vestibular
Hemiparesia
Diencefálica (central)
Pupilas mióticas, ou médio
Desvio completo do olhar na prova óculo-cefálica/vestibular
Resposta flexora à estimulação dolorosa e/ou postura decorticada
Hipertonia muscular e/ou hiperreflexia, com resposta plantar
extensora
Respiração do tipo Cheyne-Stokes
Nível Mesencéfalo
/Cranial da Ponte
(central)
Pupilas médio-fixas
Desvio mínimo do olhar na prova óculo-cefálica/vestibular
Resposta extensora à estimulação dolorosa e/ou postura
descerebrada
Hiperpnéia
Nível Caudal
da Ponte
Pupilas médio-fixas
Ausência de resposta nas provas óculo-cefálica/vestibular
Ausência de resposta à estimulação dolorosa, ou apenas flexão
de MMII
Respiração atáxica
Nível medular
Dilatação pupilar bilateral e ausência de resposta à luz
Respiração agônica, irregular
Apnéia, com função hemodinâmica preservada
pesquisados, porém não dão nenhuma informação
adicional que seja essencial e, portanto, foram excluídos da avaliação.
QUAL É A CAUSA E QUAIS SÃO AS POSSÍVEIS
ETIOLOGIAS QUE DEVEM SER TRATADAS COM
URGÊNCIA ?
3. QUAL É O MANEJO EMERGENCIAL DA
CRIANÇA COMATOSA?
A causa pode ser facilmente detectada em casos
onde há uma história de parada cárdio-respiratória, ou diabetes melito descompensado, ou hepatite viral grave.
A criança previamente hígida que entra em coma
pode apresentar dificuldades diagnósticas. Nestes casos pode ser necessário realizar além dos
testes de rotina (hematológicos, bioquímicos e microbiológicos) outros mais específicos, tais como
dosagem sérica de lactato, amônia e testes urinários toxicológicos. É útil a estocagem de uma
amostra de plasma e urina para posteriores testes
para agentes tóxicos menos comuns. A realização de uma tomografia de crânio em crianças afebris e em coma profundo é uma prioridade mais
importante do que a punção lombar. Se o exame
é normal e persiste uma suspeita de lesão intracraniana, deve-se providenciar uma ressonância
magnética de crânio, que pode detectar lesões não
visíveis à tomografia. O exame fundoscópico é importante para detectar hemorragias retinianas
As prioridades são a manutenção da ventilação, da pressão arterial sistêmica e a correção de distúrbios metabólicos significativos. O choque é um achado freqüente em crianças com meningites bacterianas. A hipoglicemia deve ser corrigida prontamente. Deve-se
evitar a administração de soluções hipo-osmolares pelo
potencial de indução do edema cerebral tardio. A administração rápida de 0,25-0,5 g/kg de manitol a 20%
em dose única é uma medida que pode ser tomada,
desde que não haja evidência de hemorragia cerebral.
Se há sinais de deterioração do nível de consciência, a
criança deve ser ventilada artificialmente, pois há dois
efeitos benéficos: a) proteção das vias aéreas, diminuindo o risco de parada cardíaca; b) tendência à diminuição da PIC pela queda da pCO 2. Crises epilépticas devem ser tratadas prontamente, pois elas induzem ao
aumento da PIC e a lesões cerebrais secundárias a mecanismos isquêmicos e citotóxicos. A Tabela 4 sintetiza as condutas a serem tomadas na criança comatosa.
Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003
13
Tabela 4. Manejo emergencial
da criança em coma
presentes em casos de lesões causadas na “síndrome da criança espancada”.
O exame liqüórico está indicado naquelas crianças
com suspeita de um quadro infeccioso agudo do
sistema nervoso central, incluindo as provas
microbiológicas e virológicas.
Estabelecer ventilação adequada com máscara com
alto fluxo de O2.
Manter pressão arterial sistêmica; se baixa, administrar soluções inotrópicas; se alta, não reduzir
rapidamente.
Obter níveis glicêmicos e corrigí-los, se necessário.
Avaliar nível de consciência através da escala de
coma (Tabela 1).
Avaliar função do tronco encefálico (Tabela 2) e
decidir se o paciente apresenta, ou não, sinais
de herniação cerebral (Tabela 3).
Eleve as pálpebras da criança e veja se há desvio
ocular, ou nistagmo.
A criança que foi estabilizada do ponto de vista
ventilatório e hemodinâmico e transferida para uma
unidade de terapia intensiva, e permanece em coma
por período superior a 6 horas, com pressão arterial estável, a monitorização da PIC deve ser considerada. Se houver sinais clínicos de lesão irreversível do tronco encefálico, com atividade elétrica
cerebral muito comprometida (através do
eletroencefalograma), é pouco provável que a
monitorização da PIC interfira no prognóstico.
Realize o exame de fundo de olho.
Manutenção da pressão de perfusão cerebral (PPC)
Se a escala de coma revelar valores < 12, ou se
houver evidências clínicas de herniação cerebral,
intubar e ventilar artificialmente a criança.
Se a escala de coma for 11 ou 12 e a criança apresentar sinais de herniação cerebral progressiva
e não puder ser intubada imediatamente, administrar manitol 0,25 mg/kg.
QUAL É A CONDUTA SE A CRIANÇA PERMANECE
EM COMA?
Monitorização da pressão intracraniana (PIC)
14
Se houver desvio tônico do olhar, ou nistagmo, assumir que a criança esteja em estado de mal
epiléptico sutil e administrar benzodiazepínicos,
ou fenitoína.
Se a criança estiver febril e tiver idade < 12 meses,
ou > 12 meses e com escore > 12 na escala de
Glasgow, realizar punção lombar desde que a
criança não esteja em estado de mal epiléptico
sutil. Realizar manometria do líqüor e, se a pressão liqüórica > 15 cm H20, ou houver deterioração do nível de consciência, ou sinais de comprometimento de tronco encefálico, após a punção administrar manitol 0,25 g/kg.
Se a criança estiver afebril, ou febril, porém houver
deterioração do estado comatoso, não realizar
punção liqüórica, iniciar cefalosporina de 3a geração e aciclovir, e transferir a criança para uma
instituição em condições de realizar tomografia
de crânio e com equipe neurológica.
Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003
Em comas de etiologia não traumática, o prognóstico
parece estar mais relacionado com os valores mínimos de PPC, do que com os máximos, apesar de existirem controvérsias sobre os valores adequados de
PPC a serem mantidos, o que varia dependendo da
idade da criança. A recomendação mais utilizada é a
da manutenção de valores acima de 50 mm Hg.
Manejo da Hipertensão Intracraniana
Se a etiologia da HIC é uma lesão com efeito de massa
(tumor, abscesso, hematoma), ou uma hidrocefalia aguda, o tratamento neurocirúrgico é o recomendado.
A criança deve ser posicionada com a cabeça na linha
média, elevada a 30o, de modo a facilitar a drenagem
venosa intracraniana. A manipulação da criança deve
ser a menor possível. A utilização da hiperventilação
deve ser feita com critério, pois há o risco dela diminuir o fluxo sangüíneo cerebral em algumas situações.
O mais adequado é manter a normocapnia e utilizar a
hiperventilação durante os picos de HIC. A restrição
hídrica deve ser utilizada nos casos onde haja secreção inadequada do hormônio antidiurético, que são
raros. É muito importante que a pressão arterial
sistêmica seja mantida evitando-se a utilização freqüente de expansões volumétricas com soluções hipoosmolares. O manitol reduz rapidamente os surtos
de HIC, mas, como a hiperventilação, não há evidências para sua utilização profilática de rotina.
A utilização de drogas anestésicas para a redução da
PIC, através da redução do metabolismo cerebral, foi
muito usada na prática clínica, entretanto, não há evidências que ela seja benéfica em casos de comas de
etiologia isquêmica. O risco de hipotensão arterial provavelmente supera os possíveis efeitos benéficos deste tipo de terapia, além do fato do nível sérico permanecer alto por vários dias após a interrupção da terapia,
o que impossibilita o diagnóstico da morte encefálica.
A hipotermia leve (redução da temperatura corpórea em
1 oC) pode reduzir a demanda metabólica cerebral, existindo algumas evidências de um possível efeito protetor em casos de isquemia cerebral.
A drenagem liqüórica através de cateter ventricular é
uma medida relativamente simples e eficaz em alguns
casos de HIC resistente ao tratamento clínico, e casos selecionados podem ser submetidos a uma
descompressão craniana cirúrgica.
Monitorização Eletroencefalográfica da Atividade Epiléptica
Em geral, quando uma criança comatosa está em ventilação mecânica, é difícil o reconhecimento de todas
as crises epilépticas que estão ocorrendo e não é
incomum o estado de mal epiléptico. Assim, a
monitorização eletroencefalográfica com monitores de
função cerebral é desejável. Há necessidade de um
suporte técnico e do médico especialista para que a
interpretação dos dados seja feita de forma adequada.
As crises devem ser tratadas de forma agressiva, pois
são potencialmente um fator de piora da lesão neurológica e do prognóstico.
EXISTEM OUTROS FENÔMENOS SECUNDÁRIOS, POTENCIALMENTE TRATÁVEIS, DETERMINANTES DA LESÃO NEURONIAL?
Experimentalmente, substâncias tais como radicais livres, citotoxinas e íons cálcio, parecem estar envolvidos na lesão neuronial secundária à isquemia, entretanto, até o momento não existem estudos que possam
recomendar sua utilização rotineira na prática clínica.
QUAL É O PROGNÓSTICO ?
É importante discutir o prognóstico com os familiares entretanto, apesar de ser essencial dizer a verdade, é também importante não ser muito pessimista a não ser que o prognóstico seja definitivamente ruim. A etiologia, profundidade e duração
do coma foram todos relacionados com um mau
prognóstico, mas apresentam uma utilidade relativa para o caso individual, tanto porque os fatores
discriminadores entre bom e mau prognóstico não
são suficientemente adequados, quanto pelo fato
de que freqüentemente, quando é possível obter
um quadro clínico mais nítido a interrupção do suporte ventilatório e cardiovascular não é mais uma
opção viável. Estudos neurofisiológicos e de
neuroimagem podem auxiliar.
O QUE ACONTECE DEPOIS ?
A reabilitação precoce é de grande auxílio após quadros de comas não-traumáticos, envolvendo vários
profissionais da área da saúde (fisioterapeutas,
fonoaudiólogos, psicólogos, educadores, terapeutas
ocupacionais, enfermeiros e médicos de várias especialidades).
É importante lembrar que, apesar do prognóstico poder ser considerado bom pela equipe médica, alterações sutis do comportamento social ou personalidade da criança podem causar problemas de adaptação
da criança na família e nos ambiente social e escolar.
COMENTÁRIOS
O artigo tem finalidade didática e é redigido com o
objetivo de ser utilizado pelo pediatra como um guia
para nortear as condutas médicas diante de uma criança em coma, de etiologia não traumática, que potencialmente necessite de cuidados intensivos. Uma
lista de questões pertinentes ao diagnóstico e às condutas que devem ser tomadas é sugerida para orientar o profissional.
O autor aborda várias etapas da criança em coma não
traumático, desde o diagnóstico etiológico, o tratamento das complicações mais freqüentes e, finalmente, o
prognóstico. O importante é ressaltar que a criança
em coma deve ter um atendimento primário que deve
ser realizado por pediatra numa situação de emergência, mas que, a partir daí, quando não há melhora do
quadro comatoso o paciente deve ser encaminhado
para serviços que disponham de recursos adequados
para atende-lo, pois isto terá um reflexo direto sobre o
prognóstico.
A utilização de escalas de gradação do coma deve
ser do conhecimento de todo o médico que atue em
ambiente de emergência e/ou intensivo. Além de
permitir uma avaliação sistemática do paciente em
coma, é fundamental para as outras equipes que posteriormente venham a acompanhar o paciente, além
de permitir a adoção de condutas de emergência, que
podem fazer a diferença entre uma boa ou má recuperação do paciente.
As etapas a serem seguidas no diagnóstico etiológico
são importantes para o tratamento da causa do coma,
bem como a das complicações neurológicas, que irão
exigir ou não recursos de natureza cada vez mais complexa e que determinarão o encaminhamento do paciente para o local mais adequado para tal.
Finalmente, questões relacionadas ao prognóstico são
abordadas de uma forma genérica, pois em muitos casos não é possível determinar com precisão as conseqüências da lesão cerebral aguda em longo prazo.
Tradução e Comentários
Dr. José Luiz Dias Gherpelli
Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003
15
INFECTOLOGIA
Punção Lombar - Quando fazer?
When to do a Lumbar Puncture
Riordan FAI, Cant AJ
Arch Dis Child 2002; 87:235-7
OBJETIVOS:
A punção lombar está indicada diante da suspeita clínica de meningite, a não ser que haja contra-indicação
específica. A preocupação de que possa estar sendo
pouco realizada, com o conseqüente atraso ou sub-diagnóstico da infecção meníngea, motivou esta revisão sobre suas indicações.
MÉTODOS:
Os autores abordam quatro questões de fundamental
importância: quais os benefícios da realização da punção lombar nos casos suspeitos de meningite, as contra-indicações à sua realização, como diagnosticar e tratar a infecção meníngea se a punção não é feita precocemente e sua indicação após convulsão febril.
RESULTADOS:
São citados os mais importantes aspectos referentes às
informações fornecidas pela análise da citobioquímica e
cultura do líquor, enfatizando a importância de se obter
o padrão de sensibilidade do patógeno isolado ou mesmo a suspensão da antibioticoterapia frente às características liquóricas indicativas de etiologia viral.
Maior ênfase foi dada às condições que constituem contra-indicação à realização da punção, que deve ser adiada frente à presença de sinais sugestivos de herniação
cerebral, sinais neurológicos focais e instabilidade cardiorrespiratória. Relatos isolados também contra-indicam
sua realização na vigência de distúrbios de coagulação
ou quando há infecção no local de punção. A herniação
pode ocorrer, após esse procedimento, mesmo em pacientes com tomografia cerebral normal, sendo este o
achado comum na maioria das crianças com meningite
bacteriana nas quais se suspeita de elevação da pressão
intracraniana.
É obrigatória a realização da tomografia cerebral precedendo a punção lombar frente à suspeita de condições com risco aumentado de herniação (abscesso,
tumor ou hemorragia intracraniana).
Quando a punção lombar não é feita precocemente, o
diagnóstico de meningite ainda pode ser confirmado
em punção tardia pois as alterações celulares e de bio16
Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003
química permanecem no líquor de 44 a 68 horas após o
início da antibioticoterapia e as informações obtidas podem orientar a conduta subseqüente, sendo fundamental
quando houver diagnóstico diferencial a ser feito.
Se a realização da punção lombar não for considerada
procedimento seguro, deve-se iniciar antibioticoterapia empírica dependente do padrão de sensibilidade
antimicrobiana local. Na meningite neonatal a erradicação do estreptococo B pode ocorrer após oito horas
de tratamento, mas os coliformes são freqüentemente
isolados após dois a três dias de antibióticos.
A hemocultura e/ou técnicas de diagnóstico molecular
devem ser consideradas em crianças com suspeita de
meningite e exantema persistente. Avaliações prospectivas utilizando PCR indicaram sensibilidade de 47% a 87%
para o meningococo.
Em crianças com convulsão febril simples, sem sinais
ou sintomas de meningite, é improvável a infecção
meníngea que, entretanto, deve ser pesquisada frente à
doença prolongada, convulsões complexas ou com comprometimento do estado geral.
CONCLUSÃO:
A precoce realização da punção lombar permite rápida
confirmação ou exclusão do diagnóstico da infecção
meníngea, devendo ser sempre realizada frente à suspeita clínica, exceto em específica contra-indicação.
COMENTÁRIOS:
O diagnóstico da infecção meníngea persiste sendo de
extrema importância na prática clínica diária pois é uma
das mais temidas enfermidades agudas, com taxas de
morbimortalidade ainda elevadas no país. As recentes
investigações enfatizam a importância da resposta inflamatória do hospedeiro, atuando tanto contra os microorganismos responsáveis pelo acometimento meníngeo
quanto exercendo papel na agressão ao sistema nervoso
central, demonstrando a necessidade de se estabelecer
precocentemente o diagnóstico da meningite, diferenciando a etiologia viral e bacteriana, para a pronta indicação da antibioticoterapia empírica inicial.
A indicação da punção lombar, especialmente em qua-
dros iniciais e no lactente de baixa idade, pode não ser
baseada somente em achados característicos ao exame clínico, sendo freqüente a ausência dos clássicos
sinais de irritação meníngea. Não existe um sinal clínico patognomônico da infecção meníngea, sendo os sinais e sintomas variáveis, dependentes da idade do
paciente, duração da enfermidade e da resposta da criança à infecção.
Habitualmente o paciente com meningite pode cursar
com duas formas de apresentação da afecção: doença
insidiosa, de evolução progressiva, em um período de
um a vários dias, apresentando a criança sinais e sintomas inespecíficos, ou, pode ter quadro no qual os sinais e sintomas da infecção do sistema nervoso central
desenvolvem-se em horas, com padrão agudo e grave.
Essas apresentações podem ser observadas em todas as
etiologias bacterianas, embora classicamente o
H.influenzae b se caracterize por apresentar evolução
mais insidiosa e o S.pneumoniae, mais abrupta.
Essas considerações iniciais permitem perceber a dificuldade em se estabelecer o diagnóstico da meningite e sua
provável etiologia sem a análise liquórica das características citobioquímicas e de cultura e/ou pesquisa antigênica. A realização da punção lombar frente à suspeita diagnóstica de meningite é conduta mandatória se não
houver contra-indicação específica. Se a análise do líquor
não puder ser realizada, inicia-se a antibioticoterapia empírica inicial, com antibiótico que possua boa atuação no
sistema nervoso central, até que o paciente tenha se estabilizado e restabelecido as condições que permitam a realização da punção lombar, ainda que tardia, pois os achados ainda podem ser de utilidade, já que as modificações
da citobioquímica decorrentes da ação do antibiótico
ocorrem somente dois a três dias após sua introdução.
Neste exame de líquor, ficará prejudicada a identificação
bacteriana por cultura, mas esta ainda poderá ser obtida
através da pesquisa de antígenos bacterianos (presentes
mesmo com a vigência da antibioticoterapia) ou se tratando de agentes de esterilização mais tardia no líquor,
como o estafilococo ou gram-negativos, além de bactérias resistentes.
Deve-se enfatizar que o diagnóstico da etiologia da
meningite com base na identificação de antígenos bacterianos permite adequação do tratamento antibiótico
mas não possibilita a identificação do padrão de sensibilidade da cepa envolvida, impedindo que se tenha conhecimento do comportamento local. É importante este
conhecimento pois a implementação bem sucedida da
vacinação contra o H.influenzae b em nosso país e o
uso disseminado de antibioticoterapia determinaram alterações na epidemiologia da infecção meníngea e a
emergência da resistência bacteriana, o que justifica a
abordagem antibiótica sempre baseada nos padrões de
sensibilidade do local de ocorrência da doença. Este é
um indicador para que, precocemente, se tente identifi-
car, seja por cultura de líquor ou hemocultura, o agente
responsável pela infecção meníngea.
Dentro do mesmo país, diversidades regionais também
se fazem presentes, mas em locais com maior freqüência de cepas resistentes observou-se que estas não são
mais virulentas do que as cepas sensíveis, não diferindo a apresentação da doença, exceto em imunossuprimidos que cursam com quadro clínico mais grave e
pior evolução.
Recentes investigações têm enfatizado que, frente ao
pneumococo, a classificação laboratorial padronizada
de cepas com sensibilidade intermediária ou com resistência plena, baseada na concentração inibitória mínima frente à penicilina, pode não ter correspondência
clínica, havendo relatos crescentes do isolamento de
cepas classificadas laboratorialmente como “resistentes” cujos pacientes apresentaram boa evolução clínica com a manutenção da penicilinoterapia, muitas vezes sem o aumento da dose. Este promissor aspecto
enfatiza a necessidade de acompanhamento clínico de
pacientes onde se isolou agente bacteriano com potencial resistência antimicrobiana para se evitar a exposição da criança ao risco de terapêutica inefetiva ou ao
uso de antibióticos de espectro cada vez mais ampliado
pois, novamente, a interação hospedeiro x agente x terapêutica é que definirá o prognóstico da infecção meníngea.
Estas considerações demonstram de modo claro, o que
os autores abordam nesta revisão: a importância da
precoce realização da punção lombar frente à suspeita
de meningite.
Tradução e comentários:
Dra. Heliane Brant Machado Freire
Referências Bibliográficas
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Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003
17
NEONATOLOGIA
Retinopatia da Prematuridade: Recentes avanços
no nosso conhecimento
Retinopathy of prematurity: recent advances in our understanding
Wheatley CM, Dickinson JL, Mackey DA,
Craig JE, Sale MM.
Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2002; 87:F78 – F82
RESUMO:
A retinopatia da prematuridade (ROP) é reconhecida com
importante causa de redução da acuidade visual e de
cegueira desde 1940. Sua incidência e gravidade vêm
sendo reduzidas nos paises desenvolvidos ao longo das
últimas décadas, mas têm permanecido crescentes nos
paises em desenvolvimento.
O artigo fornece uma breve revisão atualizada sobre fatores predisponentes do surgimento da retinopatia da
prematuridade.
INTRODUÇÃO:
Nos Estados Unidos, a ROP permanece a segunda causa
mais freqüente de cegueira infantil. Em paises com taxa
de mortalidade infantil (TMI) acima de 60/1000, muito pouca ROP é documentada devido à falta de cuidado intensivo para os prematuros nestas áreas e sua baixa sobrevivência. Ao contrário, nos países com TMI abaixo de
10/1000, a ROP causa 6 a 20% dos casos de cegueira, e
naqueles com TIM entre 10 e 60/1000 a ROP desponta
como uma das principais causas de cegueira infantil.
Estudos mais recentes demonstram uma redução na incidência e gravidade da ROP nos paises desenvolvidos,
embora continue a ocorrer em até 12,5% das crianças
nascidas com 23 a 26 semanas de gestação.
FATORES PREDISPONENTES:
grave especialmente naqueles nascidos com menos de
26 semanas.
Saturação de oxigênio – Parece estar implicada no
surgimento da ROP tanto pela relativa hiperóxia a que
o prematuro é submetido quando nasce, quanto pela
hipóxia secundária que ocorre na retina. Poderia também agir pelo poder oxidante do oxigênio.
Fatores genéticos – A ROP pode ocorrer mesmo em
crianças que não receberam oxigênio. Parece também
haver diferenças raciais na ocorrência da doença. As
semelhanças entre ROP, doença de Norrie e Vitreoretinopatia exsudativa familiar também sugerem a presença
de fatores genéticos.
Outros fatores possíveis - Crianças geradas a partir
de fertilização assistida apresentam um risco maior de
ROP devido a maior incidência de gemelaridade. Crianças com paralisia cerebral também apresentam risco
aumentado. Outros fatores que podem aumentar o risco são a displasia bronco-pulmonar, nutrição parenteral,
número de transfusões sangüíneas, hipo e hipercarbia,
intubação precoce, hipotensão, persistência do canal
arterial, enterocolite necrosante, uso de betabloqueadores pela mãe, sepsis por Cândida, hemorragia intraventricular, baixo ganho de peso.
O aumento da incidência de ROP em paises em desenvolvimento é previsto pelo o aumento da sobrevivência
de prematuros, cada vez menores, nestes paises.
Idade gestacional e peso de nascimento – O baixo
peso de nascimento e a prematuridade são, juntamente
com o uso de oxigênio, os únicos fatores consistentemente associados ao surgimento da ROP. Ocorre em
81,6% daqueles nascidos com menos de 1000g, sendo18
Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003
Conclusão – Embora a ROP já seja reconhecida como
uma causa importante de cegueira em paises desenvolvidos, ela está se tornando uma causa cada vez mais
importante nos paises em desenvolvimento. A Organiza-
ção Mundial da Saúde classifica a cegueira por ROP como
uma doença que pode ser prevenida, dependendo de
diagnóstico e tratamento precoces. O exame de fundo
de olho rotineiro em crianças nascidas com menos de
32 semanas ou com menos de 1250 g, administração
monitorada de oxigênio, e o atendimento por equipes
bem treinadas e compostas de oftalmologistas parecem
medidas eficazes em reduzir a ocorrência da doença nos
paises em desenvolvimento.
COMENTÁRIOS:
A ocorrência da ROP deve ser uma preocupação constante em qualquer unidade que atenda recém-nascidos
prematuros.
Até 1940, esta doença era praticamente desconhecida.
Em 1943 ela foi descrita como fibroplasia retrolental. Esta
denominação inicial baseava-se nas alterações anatômicas que ocorrem na doença. Estima-se que entre 1943 e
1953 cerca de 10.000 crianças tenham ficado cegas, no
mundo, devido a ROP. Em 1951 a denominação de fibroplasia retrolental foi substituída por retinopatia da prematuridade e foi na década de 50 que o papel do oxigênio, juntamente com a idade gestacional e o peso de
nascimento ficaram definitivamente relacionados na gênese desta doença.
A incidência da retinopatia é inversamente proporcional à
idade gestacional e ao peso de nascimento.
Um grande estudo multicêntrico de 1985, chamado estudo CRYO-ROP, patrocinado pelo National Eye Institute
encontrou a presença da ROP em 47% das crianças nascidas com peso entre 1000 e 1250g, sendo que em 8%
delas a doença atingiu estágio 3. Nas crianças nascidas
com peso inferior a 750 g, a doença ocorreu em 90% das
vezes, sendo que 37% tinham ROP estágio 3. Quando
fizeram a distribuição pela idade gestacional viu-se que a
ROP ocorreu em 83% das crianças nascidas com menos
de 28 semanas de gestação e em 30% daquelas com idade gestacional superior a 31 semanas.
A teoria mais difundida sobre o mecanismo que desencadeia a ROP é de que na retina incompletamente vascularizada, isto é, prematura, um insulto (como o excesso relativo de oxigênio do ambiente extra-uterino) leva a
uma vasoconstrição seguida de parada de crescimento
dos vasos da retina. Após este insulto cessar, provavelmente mediada por algum fator de crescimento endotelial vascular liberado pela retina ainda não vascularizada,
ocorre uma neovascularização da retina. Este processo
pode progredir de maneira semelhante à natural, levando à cicatrização, o que ocorre em cerca de 90% dos
casos. Em aproximadamente 10% das vezes ocorre um
crescimento dos neovasos para dentro do vítreo, num
processo de fibrose que acaba tracionando a retina e
levando ao seu descolamento.
A retinopatia da prematuridade segue uma classificação
internacional que se baseia na sua localização, extensão
e gravidade. Quanto à localização (à distância do nervo
óptico), quanto mais na periferia da retina, menos grave
é a doença. A extensão é medida dividindo-se a retina
conforme um mostrador de relógio e avaliando quantas
“horas” da retina estão afetadas. A gravidade é classificada de acordo com as alterações anatômicas encontradas.
As recomendações da Academia Americana de Pediatria para o diagnóstico da ROP são:
1) Crianças nascidas com menos de 1500g, ou
aquelas nascidas com 28 semanas de gestação
ou menos, assim como aquelas nascidas com
menos de 2000g e que apresentem evolução
clínica instável ou que o seu neonatologista acredite no risco para a ROP, devem ter a retina
examinada pelo menos duas vezes, por oftalmoscopia indireta binocular para detectar
ROP. Um exame é suficiente somente se a retina mostrar, inequivocamente, vascularização
completa bilateral.
2) O primeiro exame deve ser feito com quatro a
seis semanas de idade cronológica, ou com 31
a 33 semanas de idade gestacional corrigida, o
que ocorrer por último.
3) Os exames seguintes são determinados pelo oftalmologista de acordo com os achados ao primeiro exame.
O tratamento para a retinopatia é geralmente indicado
quando a doença atinge o estágio “threshold” (ROP estágio 3 nas zonas I ou II em oito horas cumulativas ou
cinco horas contíguas da retina) e pode ser feito por crioterapia ou, mais freqüentemente, com laser.
Vários fatores de risco têm sido postulados na gênese da
ROP; contudo, desde 1950 somente três fatores são consistentemente associados à doença.
Idade gestacional e baixo peso de nascimento são, inquestionavelmente, os fatores mais importantes na ocorrência
da ROP, uma vez que ela é uma doença exclusiva da retina ainda não totalmente vascularizada. Quanto mais imatura a criança, e por conseqüência a retina, maior o risco.
O uso de suplementação de oxigênio, desde o início da
década de 50, está consagrado como um fator muito
importante no surgimento da retinopatia da prematuridade, muito embora não seja indispensável a sua utilização. Na retina muito imatura, a simples exposição ao ar
ambiente já leva a uma hiperóxia, relativa ao ambiente
intra-uterino, suficiente para desencadear o processo de
surgimento da ROP.
Todos os demais fatores de risco sugeridos careAno 9 - Jul/Ago/Setembro/2003
19
cem de comprovação definitiva quanto à sua importância.
A iluminação ambiente tem sido um dos fatores que
mais levanta discussão. Existe bastante evidência
teórica de que a luz ambiente comum nas UTIs poderia induzir ou agravar a retinopatia. Os estudos
clínicos; contudo, não tem conseguido comprovar
esta relação.
Fatores genéticos têm sido postulados como favorecendo o surgimento da ROP. Este pensamento é
baseado fundamentalmente em semelhanças entre as alterações patológicas encontradas na retina de pacientes com ROP e com outras doenças
da retina com predisposição genética e, também,
na diferente ocorrência de ROP entre alguns grupos étnicos. Todavia faltam ainda dados conclusivos sobre qual seria a participação de herança genética na gênese da ROP.
Alguns outros fatores repetidamente propostos
pela literatura como tendo algum papel na ocorrência da ROP são a hipercarbia; a anemia, que
causaria hipóxia da retina; o número de transfusões, que causaria stress oxidativo; a doença da
membrana hialina; a ocorrência de hemorragia
peri-intraventricular; a hipóxia crônica intra-uterina; crises repetidas de apnéia ou bradicardia; o
uso de ventilação mecânica; a presença de convulsões. Se qualquer destes fatores tem participação individual na ocorrência da ROP é um ponto
que ainda não foi esclarecido. Vários deles ocorrem concomitantemente em pacientes clinicamente
instáveis e, portanto, mais sujeitos a desenvolverem ROP. Eles poderiam ser agentes no desenvolvimento da doença ou simplesmente marcadores
da gravidade do quadro clínico.
O que temos bem definido hoje é que a ROP está
diretamente relacionada à prematuridade e ao baixo
peso ao nascer, e que o principal fator de risco para
o seu surgimento, além da prematuridade e do peso,
é a utilização de oxigênio. O método ideal para a
prevenção da doença é a redução dos nascimentos
prematuros e, quando isto for impossível, uma avaliação oftalmológica rigorosa de todas as crianças
em risco para a doença a fim de que possamos instituir o tratamento o mais precocemente possível.
Tradução e comentários:
Dr. Ércio Amaro de Oliveira Filho
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ENDOCRINOLOGIA
Altas doses de hormônio de crescimento induzem
aceleração de maturação esquelética e início precoce
de puberdade em crianças com baixa estatura idiopática
High dose growth hormone treatment induces acceleration of skeletal
maturation and an earlier onset of puberty in children with idiopathic
short stature
Kamp GA, Waelkens JJ, Muinck Keiser-Schrama SM,
Delemarre-Van de Waal HA, Verhoeven-Wind L,
Zwinderman AH et al
Arch Dis Child 2002; 87:215-20
INTRODUÇÃO
Embora se acredite que crianças com baixa estatura idiopática (BEI) apresentem secreção de
hormônio de crescimento (GH) normal, alguns estudos demonstraram que a administração de GH
aumenta a velocidade de crescimento. O tratamento com GH é realizado assumindo-se que não haja
interferência da medicação na progressão da puberdade. No entanto, alguns estudos recentes sugerem
que possa haver uma alteração na época de início
puberal, e sabe-se que a puberdade precoce pode
levar à perda de estatura final. Há apenas um estudo randomizado em crianças com BEI, que mostra
não haver influência do GH na puberdade.
Por outro lado, há observações indicando que o
tratamento com GH é mais eficiente quando iniciado antes da puberdade e que é dose-dependente, havendo forte correlação entre estatura no início da puberdade e estatura final.
Neste estudo foi feita uma tentativa de melhorar a
relação custo-benefício do tratamento de BEI com
GH, iniciando-se o tratamento precocemente, em
doses relativamente altas, de forma randomizada,
sendo que a medicação era suspensa assim que o
paciente entrasse em puberdade. Neste artigo são
apresentados os resultados dos primeiros cinco
anos do estudo, com o achado inesperado de que
o GH induz a uma maior aceleração de maturação
óssea e um início de puberdade mais precoce que
em controles. Estes achados podem ter importantes implicações no tratamento de crianças com BEI.
PACIENTES E MÉTODOS
40 crianças pré-púberes com baixa estatura sem
deficiência de GH foram selecionadas para o estudo multicêntrico e distribuídas ao acaso para um
22
Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003
grupo de tratamento com GH (n=20), e um grupo
controle (n=20). Cinco crianças foram retiradas
do estudo. Atualmente, oito pacientes do grupo
com GH e sete do controle completaram cinco
anos de estudo.
CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
Meninos com idade de quatro a dez anos, meninas de quatro a oito anos, estatura abaixo de – 2,0
escores de desvio-padrão (SDS), sem evidências
de desnutrição, doenças hormonais ou sistêmicas,
estatura ao nascimento maior que + 2,0 SDS. Em
todos os casos, o pico de GH foi maior que 10 ng/
ml após estímulo.
PROTOCOLO
Crianças do grupo com GH foram avaliadas trimestralmente durante o uso do medicamento e anualmente após a suspensão do mesmo. O grupo controle foi avaliado anualmente. As avaliações consistiam na tomada de estatura, peso, estatura sentado
e estadiamento puberal de acordo com critérios de
Tanner. Início de puberdade foi considerado como
M2 nas meninas e G2 nos meninos, com volume testicular > 4 cm 3. Idades ósseas (IO) anuais foram determinadas pelo método de Greulich and Pyle.
GH
GH foi administrado sete dias por semana, entre
18 e 20 horas. Durante o primeiro ano o tratamento consistiu em dois períodos de três meses com
1,5 ou 3,0 UI/m 2, separados por dois períodos de
três meses sem medicação. Após o primeiro ano,
doses altas de GH foram iniciadas – 6,0 UI/m 2/d,
equivalente a 0,21UI/kg/d. Todas as crianças receberam pelo menos dois anos de tratamento.
RESULTADOS
AUXOLOGIA
As características basais dos pacientes não eram
diferentes entre os grupos. Após o primeiro ano
com dose baixa não houve incremento estatural
significante. No entanto, nos anos subseqüentes
com dose alta de GH, houve aumento do SDS de
estatura no grupo tratado (p<0,001).
Não houve interferência no SDS do Índice de Massa Corporal ou da IO no primeiro ano de tratamento. Nos anos seguintes houve avanço significante
da IO no grupo tratado em comparação aos controles. O SDS de estatura para IO diminuiu nos dois
grupos durante cinco anos de acompanhamento e
não foi diferente entre os indivíduos tratados e não
tratados (p=0,96). As proporções corporais não foram alteradas pelo tratamento com GH.
PUBERDADE
Os meninos entraram em puberdade com idade média
de 12,2 anos com GH e 13,9 sem GH, enquanto que
apenas três meninas iniciaram a puberdade durante o
estudo. O risco relativo calculado para o uso de GH
induzir puberdade mais precocemente foi de 4,2.
COMENTÁRIOS
Desde o aparecimento do GH recombinante, com
conseqüente aumento na sua capacidade produtiva, várias foram as situações clínicas onde se tentou melhorar a estatura com seu uso. Além das
indicações aceitas, como deficiência de GH,
síndrome de Turner e insuficiência renal, um grupo bastante heterogêneo recebe especial atenção
– as crianças com a chamada Baixa Estatura
Idiopática. São crianças que crescem abaixo do
potencial de crescimento familiar, com reserva
normal de GH, ausência de outras doenças
sistêmicas e com prognóstico estatural reservado. Há alguns anos, estudos estão tentando avaliar a possibilidade de melhora estatural destas crianças com uso de GH recombinante.
O presente artigo teve o cuidado de basear-se em
princípios de tratamento já bem definidos por outros estudos, como utilizar doses altas de GH e tratar apenas pacientes pré-púberes. Outro ponto importante foi a comparação entre pacientes tratados
e controles contemporâneos, permitindo uma avaliação mais realista em relação à idade de entrada
na puberdade e avanço de IO.
Cabe aqui reconhecer a importância do estudo, porém chamar a atenção para alguns fatores que podem ter influenciado nos resultados. A determi-
nação da IO pelo método de Greulich and Pyle,
utilizado pelos autores, não é a ideal para um estudo tão rigoroso, por estar baseado no aparecimento dos núcleos do carpo e falange, perdendo
a sua acurácia na avaliação evolutiva da IO. O método descrito por Tanner-Whitehouse baseia-se no
aspecto evolutivo dos núcleos, e permitiria uma
determinação mais precisa. Outro fator que pode
confundir os resultados em relação à puberdade
é a idade dos pacientes ao iniciarem o estudo, que
era um ano mais avançada no grupo que recebeu
GH (7,4 versus 8,4 anos), embora não houvesse
diferença estatística entre eles. Considerando-se
que os pacientes do grupo sem tratamento ficavam até um ano sem avaliação física, também é
lícito considerar que possa ter havido atraso na
percepção de entrada em puberdade.
Este é o primeiro estudo incluindo estas características e traz a constatação de que em pacientes
com Baixa Estatura Idiopática, o uso do GH em
idades precoces e doses altas induz a uma precocidade no aparecimento de puberdade e avanço
de IO, fazendo com que o ganho estatural, visto
nos primeiros anos de tratamento, possa não representar um aumento real de estatura final. Estes resultados são conflitantes com outros estudos e precisam ser confirmados, porém chama a
atenção dos pediatras e endocrinopediatras para
um fato antes não demonstrado, sugerindo que
ainda desconhecemos todas as possíveis repercussões deste tipo de tratamento. Ainda não há
evidências seguras de que o uso de GH em pacientes com BEI tenha benefícios estaturais a longo
prazo, devendo ficar reservado para pacientes incluídos em protocolos de pesquisa até que se conheça melhor todos os fatores que envolvem o uso
desta medicação.
Tradução e comentários:
Dr. Luis Eduardo P. Calliari
Referências Bibliográficas
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therapy on the final height of boys with short stature
not cause by growth hormone deficiency. J Pediatr
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Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003
23
INFECTOLOGIA
Epidemiologia da doença diarréica na Argentina:
estimativa do impacto da doença pelo Rotavirus
Epidemiologic patterns of diarrheal disease in Argentina:
estimation of Rotavirus disease burden
Gomez JA, Sordo ME, Gentile A
Pediatric Infect Dis J 2002; 21:843-50
INTRODUÇÃO E OBJETIVO
Em 1991, estimava-se que o custo da diarréia por
Rotavirus na Argentina seria maior que U$27 milhões. Tendo em vista que não era rotina, no país,
a identificação laboratorial do Rotavirus e, antecipando eventual introdução de vacinação para o
mesmo, iniciaram-se estudos multicêntricos, em
1996, que foram publicados em 1999 e 2001. O
objetivo do presente estudo foi estimar o impacto
da doença por este agente etiológico, aplicando
às estatísticas nacionais para Doença Diarréica, os
dados de incidência, hospitalização e mortalidade
por Rotavirus obtidos nos referidos estudos
MÉTODOS
Foram utilizados: 1. Dados do Ministério da Saúde sobre incidência, hospitalização e óbitos associados a diarréia. - INCIDÊNCIA: dados semanais de
consultas médicas por Doença Diarréica de 199299, em hospitais públicos das 24 províncias do país
que atendem cerca de 1/3 da população (12,3 milhões); HOSPITALIZAÇÃO: dados qüinqüenais das
altas hospitalares por Doenças Intestinais Infecciosas (DII) de 21 províncias em 1990 e 15 em 1995,
com avaliação mensal, em < 2 anos, das Infecções
Intestinais Não Definidas (IIND), incluído-se as virais; - ÓBITOS ASSOCIADOS À DIARRÉIA: dados de
1981-99. 2. O percentual de Rotavirus detectado nos
estudos citados, para estimativa do custo da doença. 3. Dados do Instituto Nacional de Estatística e
Censo de 1991 para projeção populacional.
Para aplicar os percentuais de Rotavirus encontra24
Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003
dos às estatísticas nacionais de DII e IIND, foram
feitas adequações, tendo em vista épocas e grupos
etários diferentes, avaliação parcial das províncias,
etc. Para tal, utilizaram-se testes de correlação e
outros artifícios estatísticos.
RESULTADOS E CONCLUSÕES
Os estudos prévios identificaram em torno de 30%
de Rotavirus nas diarréias ambulatoriais e em torno de 40% nas hospitalizadas. A incidência de consultas por diarréia foi catorze vezes maior em crianças menores de cinco anos, quando comparada
a incidência em crianças de maior faixa etária. As
altas hospitalares entre 1981-99 diminuíram de 1,3
para 0,9/100 pessoas-ano nas crianças menores de
5a e os óbitos de 64,7 para 16,1/100.000 pessoasano em crianças menores de 2a (1985-99). Estes 3
índices foram 5,9, 14,7 e 26,2 vezes maiores em
algumas províncias mais pobres, do norte do país,
do que nas regiões de menor risco.
Estimou-se que 1/2, 1/12, 1/1599 das crianças nascidas em 1995, respectivamente, realizaram consultas, foram hospitalizadas ou faleceram por doença
diarréica antes dos cinco anos, sendo que, destas,
1/6, 1/35, 1/4169 tiveram o diagnóstico etiológico
de Rotavirus confirmado.
Concluiu-se que são freqüentes hospitalizações e
óbitos por doença diarréica na Argentina e que a
falta de capacidade de diagnosticar Rotavirus fez
com que se subestimasse o seu impacto. A vacina
para este agente teria o potencial de evitar milhares de hospitalizações e centenas de óbitos, princi-
palmente nas províncias mais pobres.
COMENTÁRIOS
Os autores realizaram um importante e trabalhoso
mapeamento epidemiológico da doença diarréica,
em especial por Rotavirus, na Argentina. Os dados brasileiros são semelhantes aos encontrados na
Argentina. Assim é que, a freqüência de diarréia
por Rotavirus varia entre 13 a 41% dos casos de
doença diarréica (DD) em crianças e nas últimas décadas vem ocorrendo diminuição nos índices de
hospitalização e óbitos por DD. Segundo dados do
Ministério da Saúde do Brasil, entre 1989 e 1999, a
mortalidade infantil (em menores de um ano) decresceu de 52,0 para 31,8 por mil nascidos vivos.
Esta queda se deveu em grande parte ao decréscimo dos óbitos por diarréia, pois a mortalidade proporcional por DD aguda em <5 anos caiu, durante
o período, de 9,2% para 5,5% do total de óbitos
neste grupo etário. Como no país vizinho, nossos
índices são piores nos Estados mais pobres das regiões Norte e, principalmente, Nordeste. Assim é
que, o coeficiente de mortalidade infantil, em 1999,
foi 31,8/ 1.000 no Brasil, mas 52,4 e 33,9 nas Regiões Nordeste e Norte, respectivamente, e bem menor nas demais regiões, com destaque para o Rio
Grande do Sul, com 15,1 óbitos por mil nascidos
vivos. A mortalidade proporcional por DD aguda em
<5 anos também caiu nas Regiões Nordeste e Norte, de 13,9% e 10,2% para 9,7% e 5,3%, respectivamente. Nas Regiões Sul e Sudeste estes percentuais são bem baixos atualmente, respectivamente
3,2 e 2,7%, mas ainda poderiam ser melhorados.
Por outro lado, quando foram planejados os estudos iniciais na Argentina, em 1996, previa-se a introdução, altamente desejável, de vacinação para
Rotavirus em larga escala. No entanto, isto foi temporariamente adiado, pois a vacina tetravalente
(RRV-TV, rhesus-human reassortant rotavirus tetravalent vaccine = vacina tetravalente rhesus-humana rearranjada geneticamente) foi suspensa do
calendário vacinal aonde já vinha sendo empregada (nos EUA, em 1999), tendo em vista a associação descrita entre seu emprego e intussuscepção intestinal. Embora seja uma associação relativamente rara (risco de aproximadamente 1:10.000
crianças vacinadas), trata-se de entidade grave.
Independentemente de haver ou não vacinas para
os enteropatógenos, é necessário que os países
continuem investindo nas medidas gerais de prevenção da DD, como o saneamento básico, e criando melhores condições de atenção à saúde da
criança, com ênfase nas áreas de maior risco. É
fundamental também a atuação adequada dos
agentes da saúde quanto ao tratamento da diarréia aguda, qual seja: manutenção da alimentação,
respeitando eventual anorexia, e oferta de refeição suplementar durante a recuperação, a fim de
evitar a instalação ou agravamento de desnutrição; terapia de reidratação oral (TRO) adequada;
evitar o emprego de medicamentos, a não ser em
raras condições com indicação precisa. Estas medidas, mesmo sem as vacinas, têm melhorado todos os indicadores da DD. Embora se saiba que o
impacto da melhoria do saneamento básico seja
menor na prevenção da diarréia por Rotavirus do
que nas demais diarréias, também se sabe que, ao
diminuir a incidência de diarréia por agentes bacterianos, se interfere positivamente no círculo vicioso diarréia - desnutrição, o que se refletirá na prevenção da perpetuação da diarréia por rotavirus,
assim como diminuirá a indesejável translocação
bacteriana que leva a eventos sépticos. Ambos fatores, desnutrição e septicemia, sabidamente aumentam em muito o risco de morte.
Espera-se que em breve seja possível, além de ver
as medidas acima sugeridas implantadas em sua
plenitude em nossos países, ter acesso à vacina
anti rotavirus eficiente e segura. As previsões têm
sido para em torno de dez anos, após o término
de todas etapas dos ensaios clínicos.
Tradução e comentários:
Dra. Helga Verena Leoni Maffei
Referências Bibliográficas
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http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/
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