EDITORIAL Prezado (a) leitor (a). É um privilégio aceitar o convite do Dr. Pastorino para escrever este editorial. A revista Correios da SBP é aguardada por todos os sócios, a cada quadrimestre, que anseiam pelos documentos dos Departamentos Científicos da Brasileira. A educação médica continuada tem sido um dos pilares da Diretoria da SBP nesta gestão, trazendo aos pediatras o maior número de informações que possibilitem uma prática médica de qualidade. Em especial, este número aborda um tema de suma importância em nossa prática “A Obesidade na Adolescência”. Doença multifatorial responsável por considerável morbidade e mortalidade em adultos, que, na sua grande maioria, inicia-se na infância, tendo o pediatra uma importância ímpar no seu manejo e profilaxia, através da educação da família, quanto aos hábitos alimentares e de vida. Estamos todos de parabéns, em especial o corpo editorial do Correios por nos brindar mais uma vez com excelente material cientifico, que muito nos enriquecerá. Um grande abraço e boa leitura. Eduardo da Silva Vaz Secretário Geral da SBP ÍNDICE Obesidade na Adolescência Maria Conceição Oliveira Costa, Eloisa Barreto Bacelar, Pierry Fábio Cavalcante Coni . . . . . . . . . . . . . 5 Altas doses de hormônio de crescimento induzem aceleração de maturação esquelética e início precoce de puberdade em crianças com baixa estatura idiopática Coma não traumático na infância Kamp GA , WaelKens JJ, Muinck Keiser-Schrama SM, Kirkham FJ Delemarre-Van de Waal HA, Verhoeven-Wind L, Arch Dis Child 2001; 85: 303-12.. .. . . . . . . . . 11 Zwinderman AH et al Arch Dis Child 2002;87:215-20 . . . . . . . .. . . . 22 Punção Lombar - Quando fazer? Riordan FAI, Cant AJ Arch Dis Child 2002; 87:235-7 . . . . . . . . . . . 16 Retinopatia da Prematuridade: recentes avanços no nosso conhecimento Epidemiologia da doença diarréica na Argentina: estimativa do impacto da doença pelo Rotavirus Gomez JA, Sordo ME, Gentile A. Pediatr Infect Dis J 2002; 21:843-50 . . . . . . . . . . 24 Wheatley CM, Dickinson JL, Mackey DA, Craig JE, Sale MM Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2002; 87:F78 - F 82 . . . 18 CORREIOS DA SBP - Diretor de publicações: Dr. Renato Soibelmann Procianoy - Coordenador do PRONAP: Dr. João Coriolano Rego Barros - Coordenador dos Correios: Dr. Antonio Carlos Pastorino - Coordenador Documentação Científica: Dr. Paulo de Jesus Hartmann Nader - Conselho Editorial: Darci Vieira da Silva Bonetto, Elsa Regina Justo Giugliani, Charles Kirov Naspitz, Délio José Kipper, Edmundo Clarindo Oliveira, Valéria Maria Bezerra Silva Luna, Ana Maria Cavalcanti e Silva, José Hugo Lins Pessoa, Bernardo Gontijo, Durval Damiani, Luciana Rodrigues da Silva, Marcos José Burle de Aguiar, Regina Célia de Menezes Succi, Eleonora Moreira Lima, Cléa Rodrigues Leone, Magda Lahorgue Nunes, Fernando José de Nobrega, Mara Albonei Dudeque Pianovski, Moacyr Saffer, Jayme Murahovschi, Clemax Couto Sant’anna, Flávio Roberto Sztajnbok, Jorge Harada, Eric Yehuda Schussel, José Américo de Campos, Cléa Maria Pires Ruffier, Paulo Ramos David João. Comitê Executivo: Dr. Claudio Leone, Dr. Clóvis Artur Almeida da Silva, Dra. Heloisa Helena de Souza Marques, Dra. Lúcia Ferro Bricks, Dra. Marta Miranda Leal, Dr. Mário Cícero Falcão, Dra. Luiza Helena Falleiros R. Carvalho, Dra. Valdenise Martins Laurindo Tuma Calil - PRONAP / SBP – Programa Nacional de Educação Continuada em Pediatria – Rua Augusta, 1939 - 5º andar - sala 53 – Cerqueira César – São Paulo – SP – CEP: 01413-000 – Fone: (11) 3068-8595 – Fax: (11) 3081-6892 – E-mail: [email protected] Colaboraram neste número: Dra. Maria Conceição Oliveira Costa, Dra. Eloisa Barreto Bacelar, Dr. Pierry Cavalcante Coni, Dr. José Luiz Dias Guerpelli, Dra. Heliane Brant Machado Freire, Ércio Amaro de Oliveira Filho, Dr. Luis Eduardo P. Calliari, Dra. Helga Verena Leoni Maffei - Revisores deste número: Dr. Antonio Carlos Pastorino, Dra. Rosana Fiorini Puccini. As opiniões expressas são da responsabilidade exclusiva dos autores e comentadores, não refletindo obrigatoriamente a posição da Sociedade Brasileira de Pediatria. Tire suas dúvidas, faça suas críticas e sugestões aos editores sobre os artigos aqui publicados, pelo e-mail: [email protected] Criação, Diagramação e Produção Gráfica: Atha Comunicação & Editora – Rua Machado Bittencourt, 190 - 4o andar Conj. 410 – Cep: 04044-000 – São Paulo – SP – Tel: (11) 5087-9502 - Fax: (11) 55795308 – E-mail: [email protected]. Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 3 DIRETORIA 2001/2003 PRESIDENTE: Lincoln Marcelo Silveira Freire 1 0 VICE-PRESIDENTE: Dioclécio Campos Júnior 2 0 VICE-PRESIDENTE: João Cândido de Souza Borges SECRETÁRIO GERAL: Eduardo da Silva Vaz 0 1 SECRETÁRIO: Vera Lúcia Queiroz Bomfim Pereira 20 SECRETÁRIO: Marisa Bicalho P. Rodrigues 30 SECRETÁRIO: Fernando Filizzola de Mattos 1O DIRETOR FINANCEIRO: Carlindo de Souza Machado e Silva Filho 2O DIRETOR FINANCEIRO: Ana Maria Seguro Meyge DIRETORIA DE PATRIMÔNIO: Mário José Ventura Marques COORDENADOR DO SELO: Claudio Leone COORDENADOR DE INFORMÁTICA: Eduardo Carlos Tavares CONSELHO ACADÊMICO: PRESIDENTE: Reinaldo Menezes Martins SECRETÁRIO: Nelson Grisard DIRETORIA DE QUALIFICAÇÃO RESIDÊNCIA E ESTÁGIO - PROGRAMAS: E CERTIFICAÇÃO PROFISSIONAL: COORDENADOR: Clóvis Francisco Constantino COORDENADOR DO CEXTEP: Hélcio Villaça Simões COORDENADOR DA ÁREA DE ATUAÇÃO: José Hugo Lins Pessoa José Martins Filho DIRETOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS: Fernando José de Nóbrega REPRESENTANTES: Mário Santoro Jr. AAP: Conceição Aparecida de M. Segre IPA: Sérgio Augusto Cabral MERCOSUL: Remacio Fischer Júnior ALAPE: DIRETOR DOS DEPARTAMENTOS CIENTÍFICOS: Nelson Augusto Rosário Filho DIRETORIA DE CURSOS E EVENTOS: Dirceu Solé COORDENADOR DA REANIMAÇÃO NEONATAL: José Orleans da Costa Coordenador da Reanimação Pediátrica: Paulo Roberto Antonacci Carvalho COORDENADOR DOS SERÕES: Edmar de Azambuja Salles Nilzete Liberato Bresolin ASSESSORIAS DA PRESIDÊNCIA: Pedro Celiny Ramos Garcia Fernando Antônio Santos Werneck Claudio Leone Luciana Rodrigues Silva Nelson de Carvalho Assis Barros Reinaldo Menezes Martins 4 Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 Francisco José Penna COORDENADOR DA PESQUISA: Marco Antônio Barbieri DIRETOR DE PUBLICAÇÕES: Renato Soibelmann Procianoy DIRETOR DO JORNAL DE PEDIATRIA: Renato Soibelmann Procianoy COORDENADOR DO PRONAP: João Coriolano Rego Barros COORDENADOR DOS CORREIOS DA SBP: Antonio Carlos Pastorino DOCUMENTOS CIENTÍFICOS: COORDENADOR: Paulo de Jesus H. Nader CENTRO DE INFORMAÇÕES CIENTÍFICAS: COORDENADOR: Ércio Amaro de Oliveira Filho DIRETOR ADJUNTO: Roberto Moraes Rezende DIRETORIA DE BENEFÍCIOS E PREVIDÊNCIA: Guilherme Mariz Maia DIRETOR DE DEFESA PROFISSIONAL: Mário Lavorato da Rocha CENTRO DE TREINAMENTO EM SERVIÇOS: COORDENADOR: Mário Cícero Falcão COORDENADOR DOS CONGRESSOS E EVENTOS: Álvaro Machado Neto Sara Lopes Valentim COORDENADOR DA PÓS - GRADUAÇÃO: DIRETORIA DE PUBLICAÇÕES DA SBP: COORDENADOR DA RECERTIFICAÇÃO: CONSELHO FISCAL: Raimunda Nazaré Monteiro Lustosa Aloísio Prado Marra DIRETORIA DA PROMOÇÃO SOCIAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: João de Melo Régis Filho PROMOÇÃO DE CAMPANHAS: COORDENADORA: COORDENADOR DO CIRAPS: Rachel Niskier Sanchez Maria Odete Esteves Hilário DEFESA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: DIRETORIA DE ENSINO E PESQUISA: Lícia Maria Oliveira Moreira COORDENADORA DA GRADUAÇÃO: Rosana Fiorini Puccini RESIDÊNCIA E ESTÁGIO-CREDENCIAMENTO: COORDENADORA: Cleide Enoir P. Trindade COORDENADORA: Célia Maria Stolze Silvany COMISSÃO DE SINDICÂNCIA: COORDENADORES: Euze Márcio Souza Carvalho José Gonçalves Sobrinho Rossiclei de Souza Pinheiro Antônio Rubens Alvarenga Mariângela de Medeiros Barbosa DEPARTAMENTO DE ADOLESCÊNCIA DOCUMENTO CIENTÍFICO Obesidade na Adolescência Maria Conceição Oliveira Costa1 Eloisa Barreto Bacelar2 Pierry Fábio Cavalvante Coni2 Na população brasileira, a exemplo da americana, há duas décadas, têm sido verificadas importantes mudanças no que se refere aos hábitos alimentares e estilo de vida. Estudos do perfil alimentar da nossa população, a partir da década de 90, têm demonstrado um maior consumo de gorduras saturadas (carne e frituras) e insaturadas (óleos), hidratos de carbono simples (açúcar, massas e farinhas), proteína animal e derivados, em detrimento do consumo de carboidratos complexos (tubérculos), frutas, hortaliças e fibras. As possíveis causas para esta mudança de hábitos entre crianças e adolescentes seriam a prática de assistir televisão várias horas ao dia, difusão excessiva de jogos eletrônicos, abandono precoce do aleitamento materno e a difusão de alimentos industrializados, os quais possuem maior densidade energética, são saborosos e sempre vêm acompanhados de forte estímulo ao consumo. Estas mudanças vêm preocupando os profissionais de saúde, aumentando a responsabilidade destes quanto à necessidade de prevenir a instalação e desenvolvimento da obesidade precoce e o cortejo de conseqüências que dela decorre. A obesidade é considerada uma das entidades clínicas mais intratáveis, além do que um sério problema de saúde pública, pelo aumento da prevalência e pela potencialidade como fator de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, metabólicas e hipertensão arterial. Portanto, a identificação das causas ou dos fatores associados são as medidas mais importantes a serem consideradas no que se refere à prevenção e intervenção precoce. A idade de início e a intensidade da obesidade está relacionada com a manutenção desta condição na fase adulta. Cerca de 60% dos obesos aos 7 anos, permanecem obesos quando adultos. A obesidade é o acúmulo excessivo de gordura no organismo ou distúrbio do estado nutricional traduzido pelo desequilíbrio prolongado e permanente entre ingestão e gasto calórico. O incremento de peso é devido a um aumento do número (hipercelularidade) e/ou à hipertrofia dos adipócitos. Entretanto, os estudos sobre obesidade têm mostrado que o entendimento desta patologia transcende seu conceito etimológico. CLASSIFICAÇÃO DA OBESIDADE QUANTO ÀS CAUSAS E LOCALIZAÇÃO DA GORDURA CORPORAL: Obesidade com estatura normal ou elevada - de causa exógena, 90% relacionada ao consumo Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 5 exacerbado e/ou sedentarismo; idade óssea acelerada, níveis de somatomedinas normais, podendo cursar com hiperinsulinismo; Obesidade com baixa estatura - de causa endócrina ou genética (síndromes); A obesidade exógena - é considerada doença de múltiplos determinantes, genéticos, neuroendócrinos e ambientais, que interagem simultaneamente. ASPECTOS GENÉTICOS, HEREDITÁRIOS E AMBIENTAIS DA OBESIDADE Em relação ao fator genético, pesquisas têm mostrado que as mutações gênicas podem levar à obesidade por aumento da ingestão de alimentos e/ou diminuição do gasto calórico e metabolismo basal, estudos que foram incrementados após a descoberta da leptina – (hormônio derivado do adipócito), verificaram que o loco do cromossomo que contém o gen da leptina está geneticamente ligado ao peso e as mutações que rompem este gen e receptores são responsáveis pela sua inatividade em obesos. Também os neuro-transmissores parecem controlar o apetite, através dos receptores para a leptina, sendo que mutações gênicas determinam insuficiência de hormônios chaves. Os defeitos gênicos também podem alterar a forma como o adipócito armazena gordura, acelerando a transformação do pré-adipócito (não armazena gordura) em adipócito. Nos aspectos hereditários pesquisas apontam que a herança familiar é um dos mais importantes determinantes de obesidade. Na presença de dois dos pais obesos a chance de ser obeso é cerca de 70%, com um dos pais obesos esta chance é 40% e com pais não obesos de 7 a 9%. Em todas as idades, o sexo feminino tem mais gordura corporal; no primeiro ano, a diferença é de 1%, aos 10 anos de 6% e na adolescência de 50%. No início da adolescência, os meninos ganham gordura com perda ao final da puberdade, enquanto que, nas meninas, há acúmulo gradativo na pré-puberdade, aumento durante a puberdade e, ao final desta etapa, elas têm duas vezes mais gordura que os rapazes. Alguns períodos são críticos para evolução da obesidade a gestação, o primeiro ano de vida, entre cinco e sete anos e na adolescência, todos eles contribuindo para a continuidade da obesidade na fase adulta. Entre os aspectos ambientais destacam-se a alimentação, atividade física, o ambiente familiar e o nível 6 Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 sócio-econômico, além dos aspectos psicológicos. Na adolescência, por conta do estirão puberal, os requerimentos calóricos estão aumentados, com consequente aumento do apetite e ganho de peso. Nesta etapa, as características de comportamento peculiares, aliados ao apêlo da mídia e influência do grupo, favorecem à dietas não balanceadas, hipercalóricas, pela repetição de alimentos tipo fast food e lanches rápidos com alto valor calórico, ricos em açucar, carboidratos refinados e gordura saturada, em detrimento da alimentação habitual com a família. A atividade física tem importância na regulação do peso corporal, no gasto energético total, nos estoques de tecido adiposo e no consumo de alimentos. O ambiente familiar influencia, tanto pelos hábitos alimentares, quanto pelo tamanho da família e hábitos sedentários. A educação, o tamanho da família e os hábitos alimentares são variáveis muito representativas na determinação da obesidade precoce em crianças e adolescentes. O NCHES (National Center Health Estatistics Survey) - Ciclos II e III, demonstrou que o hábito de assistir TV é um dos mais importantes preditores da obesidade em adolescentes que assistem TV 22 horas por semana. O hábito de assistir TV impede o envolvimento em atividade física; além do que propicia à ingestão de lanches enquanto assistem a TV; os alimentos alvo das propagandas têm alto valor calórico e a falta de personagens obesos sugere que é possível comer constantemente sem o risco de engordar. O nível sócio-econômico é composto por combinação de renda, educação, ocupação e área de residência (urbana ou rural). Nos países desenvolvidos, a obesidade tem relação negativa com a condição sócio-econômica, especialmente entre as mulheres, entretanto, nos países subdesenvolvidos esta relação é positiva em todas as faixas etárias. No Brasil, inquéritos nacionais realizados pelo IBGE (19741989) demonstraram que a obesidade infantil encontrava-se mais freqüentemente nas famílias de maior renda. CONSEQUÊNCIAS DA OBESIDADE Entre as consequências da obesidade destacamse os problemas psicossociais, como a discriminação entre os colegas e familiares, complicações ortopédicas, como genuvalgo e alterações posturais, acantose nigricans, apnéia do sono, dis- túrbios gastrointestinais, como refluxo gastroesofágico, além dos problemas metabólicos, como hiperinsulinemia e hiperlipidemia. As alterações lipídicas na obesidade dependem de fatores como, consumo de gordura saturada e colesterol, duração e intensidade da obesidade e influência hereditária, muito embora o clearance das lipoproteínas no sangue pode ser influenciado pelo gasto calórico, através da atividade física. A distribuição da gordura corporal guarda relação com níveis adversos de lipídios e evolução para doenças metabólicas como hipertensão e diabetes. Os níveis de LDL-c e colesterol total estão relacionados com risco de doenças coronarianas e as pregas subescapular e abdominal relacionadas com níveis adversos de triglicerídeos e HDL-c. Diagnóstico da obesidade – Métodos Indiretos Não se correspondem estritamente com a quantidade de gordura, mas guardam relação aceitável com esta. Na adolescência, os mais utilizados, tanto a nível individual quanto populacional, são a Antropometria e a Bioimpedância (proporções de massa magra e gorda do corpo, reveladas pela diferença bioelétrica dos tecidos, massa magra têm alta condutibilidade e baixa resistência, contrário à massa gorda que possui alta resistência). A antropometria é o método mais utilizado, por ser prático e acessível. Entre crianças e adolescentes os índices mais usados são a relação peso para altura (P/A); o índice de massa corporal – IMC – (P/A 2 ), complementados pelas pregas cutânea subescapular - PCSE e prega tricipital – PCT. Segundo recomendação da OMS, até o momento, na avaliação antropométrica de adolescentes, o IMC é o critério recomendado, acrescido da avaliação das pregas cutâneas – PCT e PCSE. O aumento do IMC pode ser decorrente de massa muscular, como ocorre em atletas, por isto é necessário a utilização das pregas que refletem mudanças na gordura subcutânea e fornece maior entendimento do IMC. No diagnóstico de obesidade o IMC está acima do percentil 85 e as pregas PCT e PCSE acima do percentil 90, conforme tabelas de percentis em anexo. O apoio laboratorial inclui o hemograma, dosagem do colesterol total e suas frações, triglicerídeos, glicemia de jejum e dosagem da insulina basal – considerar hiperinsulinismo quando a relação insulina /glicemia for maior que 0,5. Valores de Referência de CT, LDL, HDL e Triglicerídeos, de 2 a 19 anos de idade Valores (mg/dl) Limítrofe Aumentada Lípides Idade Desejável CT LDL HDL TG < 10 10 -19 < 10 10 -19 < 170 < 110 _ 40 > _ 35 > < 100 _ 130 < 170 -199 110 -129 - _ >200 _ >130 >100 >130 Fonte:Consenso brasileiro de dislipidemias Sociedade Brasileira de Cardiologia, 1996. PROPOSTA TERAPÊUTICA Para adolescentes obesos deve considerar alguns aspectos como, etapa do desenvolvimento puberal que se encontra; necessidade de mudanças nos hábitos alimentares do adolescente e da família; balanço nutricional da dieta; atividade física para aumentar o gasto calórico e perda de peso e avaliação da presença de distúrbios metabólicos, como as hiperlipidemias. A etapa do desenvolvimento puberal é determinante do tipo de conduta a ser adotada: até os 14-15 anos, no sexo feminino e até os 16-17 anos, no sexo masculino, a maior parte dos indivíduos encontram-se no estirão de crescimento, portanto, a adequação do peso em relação à altura pode ser conseguida apenas pela manutenção do peso atual e aumento da atividade física habitual, não sendo necessário dietas restritivas que podem prejudicar a velocidade de crescimento. Entretanto, após os 16 anos, no sexo feminino, onde o crescimento estatural já cessou, para a adequação do peso à altura é necessário restrição calórica, com dieta balanceada e atividade física, proporcionando perda gradual de peso, alcançando assim a adequação ponderal, através da mudança de hábitos alimentares e atividade física regular. A participação da família é um dos fatores decisivos para mudança de conduta e, adesão ao plano terapêutico. Na obesidade exógena, está presente a superindulgência e a voracidade alimentar, assim, o processo de reeducação alimentar deve ser gradual, exigindo determinação do adolescente mas, sobretudo, sensibili-zação e apoio de toda sua família. É preciso que a família do obeso conheça a importância do acompanhamento e a aquisição de hábitos alimentares mais adequados. O pacto da família com a proposta de reeducação alimentar é tão importante quanto a decisão do adolescente na mudança de hábitos. Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 7 Mudança nos hábitos alimentares do adolescente e família: Realizar três refeições diárias estabelecendo horários – café da manhã, almoço e janta e um lanche em cada turno, evitando os “beliscos” e longos períodos de jejum; Priorizar, nos lanches, as frutas e sucos naturais; Evitar realizar refeições junto à TV ou outras atividades; Evitar frequentar diariamente lanchonetes e cantinas da escola – estabelecer o dia da semana para esta visita; Evitar o uso diário de alimentos muito calóricos como frituras, milanesas, refrigerantes, massas em geral, bolachas amanteigadas e com recheio, doces em geral, salgados, embutidos, outros – estabelecer dias e quantidades para o consumo daqueles muito apreciados; Evitar uso de líquidos, sucos e água durante as refeições; Procurar mastigar mais devagar, sentindo o sabor e procurando diminuir a ansiedade, quem come rápido ingere maior quantidade; Praticar atividade física programada três ou mais vezes na semana ou aumentar o gasto calórico com caminhadas, uso de bicicletas, esteira, entre outras atividades aeróbicas; Organizar os hábitos alimentares da família em geral, uma das atitudes mais efetivas para modificar o hábito alimentar do obeso, através de refeições mais equilibradas; horários mais regulares e com menor acesso aos alimentos muito calóricos. O balanço nutricional pode ser realizado através de inquéritos alimentares de 24 horas ou frequência de consumo de três a sete dias, os quais podem orientar quanto à frequência da ingestão dos alimentos, qualidade e quantidade, além dos hábitos familiares. O uso da pirâmide de alimentos contribui para a compreensão da distribuição dos alimentos em grupos, as necessidades diárias e as porções recomendadas. As gorduras totais da dieta devem corresponder a 25 a 30% do total calórico da refeição, controlandose o uso de alimentos muito ricos em gorduras, principalmente as saturadas como as frituras, milanesas, e m b u t i d o s , s a l g a d i n h o s , c r e m e s , o u t r o s . Os carboidratos devem perfazer 50 a 55% do total calórico, principalmente os carboidratos complexos, controlando-se as quantidades. Os glicídios simples, como os açúcares, doces, refrigerantes, balas, devem ter seu consumo controlados, podendo ingerir em dias e horários pré-estabelecidos. As verduras e os legumes (menos apreciados pelos adolescentes), assim como as frutas (mais aceitas), podem ser mais 8 Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 liberados e estimulado o seu consumo. As proteínas devem fornecer 10 a 15% das calorias da dieta, oferecidas em forma de carnes magras, leite desnatado com acréscimo das vitaminas lipossolúveis – A,D e E. Na obesidade que cursa com hiperlipidemias deve ser controlado o consumo das gorduras de origem animal e saturadas como, manteiga, vísceras, carnes vermelha e gorda, embutidos, queijos amarelos, maioneses, cremes, molhos, gema de ovo, recheios, feijoada, bolachas amanteigadas, leite integral, entre outros alimentos. A atividade física combinada com o controle alimentar apresenta resultados positivos pelo aumento da massa livre de gordura, aumento da taxa metabólica basal e gasto energético, o que contribui para a perda de peso e melhora da imagem corporal. Além da atividade física, recomenda-se a redução do tempo para atividades sedentárias. É importante que a atividade física seja apreciada pelo adolescente e, se possível, seja desenvolvida com outros colegas, evitando-se os exercícios competitivos e estimulando a atividade aeróbica e recreativa. É necessário o apoio, incentivo e participação da família. O Tratamento Farmacológico para obesidade é de uso limitado em adultos. O risco benefício pode não justificar seu uso. Os anorexígenos clássicos apresentam uma ação no sistema nervoso central que não seria adequada em crianças e adolescentes em plena fase de crescimento e desenvolvimento. Portanto, estas drogas não devem ser usadas no tratamento da obesidade infantil e na adolescência. O rastreamento do paciente para tratamento medicamentoso específico no controle da hipercolesterolemia em crianças e adolescentes, leva em conta alguns critérios como os níveis de LDL > 190 após 1 ano de controle alimentar rigoroso e a presença de doenças cardiovasculares precoces na família. Entretanto, a decisão de iniciar esta terapêutica deve considerar o custo benefício, levando-se em conta que ainda não se sabe os efeitos destas drogas durante o desenvolvimento puberal, as consequências clínicas e metabólicas para o crescimento e que ele deverá utilizar estas drogas por toda a vida. Prognóstico da adesão ao plano terapêutico alguns fatores interferem decisivamente para o bom prognóstico: apoio e incentivo da família; decisão do adolescente; mudança de hábitos alimentares da família; participação em atividades físicas junto a outros adolescentes; bom relacionamento com o profissional; retornos periódicos à avaliação. Índice de Massa Corporal (IMC) por idade na Adolescência Idade (anos) 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20-24 Percentil 85th Masculino Feminino 19,6 20,2 20,4 21,2 21,1 22,2 21,9 23,1 22,8 23,9 23,6 24,3 24,5 24,7 25,3 25,2 25,9 25,6 26,4 25,9 26,9 26,1 Percentil 95th Masculino Feminino 22,6 23,2 23,7 24,6 24,9 26,0 25,9 27,1 26,9 28,0 27,8 28,5 28,5 29,1 29,3 29,7 30,0 30,2 30,7 30,7 31,3 31,2 Risco para obesidade, segundo Prega Cutânea Subescapular para Adolescentes Percentil 90 th Idade (anos) Masculino Feminino 14,0 19,5 10 18,5 20,0 11 19,0 22,0 12 17,0 23,0 13 14 15,5 25,5 15 16,0 23,0 16 16,0 26,0 17 17,0 28,0 18-24 24,0 mm 29,0 mm Fonte: Frisancho AR, 1990 Fonte: Must A et al, 1991 Risco de sobrepeso e obesidade, segundo Prega Cutânea Tricipital para Adolescentes Idade (anos) 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 Percentil 85th Masculino (mm) Feminino (mm) 16,0 19,0 16,9 20,1 17,3 21,3 17,1 22,3 16,4 23,3 15,8 24,3 15,8 25,1 16,0 25,8 16,6 26,5 17,3 27,2 Percentil 90th Masculino (mm) Feminino 20,0 22,5 23,0 24,0 22,5 24,0 20,5 25,0 18,0 26,5 18,0 26,0 17,0 29,0 16,0 29,0 20,0 31,0 20,0 31,0 (mm) Fonte: Must A et al, 1991 Classificação do Estado Nutricional, segundo os Pontos de Corte em Percentis (P) Problema Nutricional Indicador Antropométrico Retardo de Crescimento ou Nanismo Altura p/ dade Magreza ou Baixo IMC p/ Idade Risco de Obesidade Obesidade IMC p/ Idade IMC p/ Idade IMC p/ Idade PCT (tricipital) PCSE (subescapular) Pontos de Corte < P3 < 2DP _ P5 < _ 85 P> _ 85 P> _ 90 P> _ 90 P> População de Referência NCHS NCHS NCHS NCHS Adaptado de : WHO, Must A et al, Johnson CL Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 9 Referências Bibliográficas Carneiro JRI, Kushir MC, Clemente ES, Brandão MG, Gomes MB. Obesidade na adolescência: fator de risco para complicações clínico-metabólicas. Arq Bras Endocrinol Metab 2001; 44:390-6. Costa MCO, Leão LSCS, Werutsky CA. Obesidade. In: Costa MCO & Souza RP. Adolescência: aspectos clínicos e psicossociais. Porto Alegre, Artes Médicas Ed 2002; 45-58p. Coutinho W. Consenso Latino-Americano de Obesidade. Arq Bras End Met 1999; 43: 21-60. Dietz WH. Critical periods in childhood for the development of obesity. Am J Clin Nutr 1994; 59:955-9. Dietz WH. Health Consequences of Obesity in Youth: Childhood Predictors of Adult Disease. Pediatrics 1998; 101:518-24. Epstein LH. Exercise in the treatment of childhood obesity. Int J Obes and Rel Met Disord 1995; 19:117-21. Frisancho AR. Anthropometric Standards for the Assessment of growth and Nutritional Status. The University of Michigan Press, Ann Arbo 1990. Jacobson MS, Rees JM, Golden NH. Adolescent Nutritional Disorders: prevention and treatment. New York Academy of Science, New York, 1997. 347p. Johnson CL. Basic data on anthropometric measurements and angular measurements of the hip and knee joint for selected age groups 1-74 years of age. Vital and Health Statistics, series 11, n.219. NCHS, Washington, 1981. MacDonald IA. Energy Expenditure in Humans: the Influence of Activity, Diet and Sympathetic Nervous System. In: Kopelman PG; Stock MJ. Clinical Obesity.1 a ed. Malden: Blackwell Science 1998. p.112-28. Must A, Jacques PF, Dallal GE, Bajena CJ, Dietz WH. Long-term morbidity and mortality of overweight adolescents. A follow-up of the Harvard Growth Study of 1922 to 1935. N Engl J Med 1992; 327:1350-5. Must A, Dalla GE, Dietz WH. Reference data for obesity: 85th and 95th percentiles of body mass index (wt/ht 2 ) and triceps skinfold thickness. Am J Clin Nutr 1991; 53:839-46. Santos LMP. Avaliação antropométrica da criança e do adolescente. In: Costa MCO, Souza RP. Avaliação e cuidados primários da criança e do adolescente. Porto Alegre: Artmed. 1998. p.135-43. Sichieri RS, Allam VLC. Avaliação do estado nutricional de adolescentes brasileiros através do índice de massa corporal. J Pediatr (RJ) 1996; 72:80-4. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Consenso Brasileiro de Dislipidemias: avaliação, Detecção e Tratamento. Arq Bras Cardiol 1996; 67:109-28. Troiano RP, Flegal KM. Overweight Children and Adolescents: Description, Epidemiology, and Demographics. Pediatrics 1998; 101:497-504. World Health Organization – WHO. Consultation on Obesity. Defining the problem of overweight and obesity. In: Obesity. Preventing and managing the global epidemic. WHO, Geneve. 1998. 276p. World Health Organization – WHO. Physical Status: The use and interpretation of anthropometry. World Health Organization, Geneva, 1995. Veiga GV, Sigulem DM. Avaliação da composição corporal através de medidas antropométricas de adolescentes obesos, eutroficos, de dois níveis sócio-econômicos. J Pediatr (RJ) 1994; 70: 206-14. 1 Professora Titular do Departamento de Saúde – Universidade Estadual de Feira de Santana,Ba; Doutora – UNIFESP; Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas na Infância e Adolescência – NNEPA-UEFS 2 Alunos de Iniciação Científica – PIBIC, PROBIC, NNEPA-UEFS ATENÇÃO As publicações da Revista Correios da SBP estão disponíveis no site: www.sbp.com.br (Educação Médica Continuada). 10 Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 NEUROPEDIATRIA Coma não traumático na infância NON-TRAUMATIC COMA IN CHILDREN Kirkham FJ Arch Dis Child 2001; 85:303-12. 1. A CRIANÇA ESTÁ INCONSCIENTE E, SE ESTÁ, QUAL É O NÍVEL (PROFUNDIDADE) DO COMA? Esta é a questão mais importante e pode ser a mais difícil de ser respondida. A escala de coma de Glasgow é a mais utilizada para avaliar a profundidade do coma. Sua aplicação pode ser feita facilmente em crianças acima de 5 anos de idade, porém nas crianças menores é possível a utilização das escalas referentes à motricidade e abertura ocular, com exceção dos lactentes que têm dificuldade para localizar o estímulo doloroso (Tabela 1). 2. A PRESSÃO INTRACRANIANA (PIC) ESTÁ AUMENTADA? As prioridades iniciais são as de manter uma ventilação adequada, desobstruindo as vias aéreas, e manter a pressão arterial média em níveis um pouco elevados na fase aguda. A resposta à pergunta acima deve ser obtida o mais rápido possível, pois a hipertensão intracraniana (HIC) pode levar a danos cerebrais irreversíveis, muito antes de ser possível a instalação de monitores da PIC. A HIC pode determinar lesões cerebrais através de dois mecanismos fisiopatológicos: a) redução da pressão de perfusão cerebral (pressão de perfusão cerebral = pressão arterial média – pressão intracraniana), que leva a fenômenos isquêmicos cerebrais; b) herniações cerebrais internas, devidas a diferenças nos gradientes pressóricos entre os vários compartimentos intracranianos (supra-tentorial vs fossa posterior, ou fossa posterior vs canal espinal). As herniações cerebrais determinam compressões e distorções do parênquima cerebral, levando a lesões isquêmicas e hemorrágicas de natureza vascular. As herniações centrais (secundárias a edema difuso do encéfalo) e uncais (secundárias a edemas unilaterais do encéfalo) são compatíveis com a sobrevida, entretanto a herniação através do Tabela 1. Escala de Glasgow adaptada, recomendada pela Associação Britânica de Pediatria Pontuação Abertura ocular 4 3 2 1 Verbal 5 4 3 2 1 Motricidade 6 5 4 3 2 1 > 5 anos < 5anos Espontânea Ao chamado À estimulação dolorosa Nenhuma Orientado Confuso Palavras desconexas Sons incompreensíveis Nenhuma resposta à dor Obedece a comandos Localiza estímulos dolorosos (>9 meses) Retira o membro à pressão dolorosa do leito ungueal Flexão das extremidades à pressão dolorosa da região supra-orbitária Extensão das extremidades à pressão dolorosa da região supra-orbitária Nenhuma resposta à pressão dolorosa da região supra-orbitária Vigil, balbucia palavras ou sentenças - normal Verbaliza menos que o normal, choro irritadiço Chora em resposta à dor Gemido em resposta à dor idem Movimentos espontâneos normais idem idem idem idem Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 11 forâmen magno não. As síndromes neurológicas que permitem diagnosticar os vários tipos de herniação e acompanhar sua evolução temporal são conhecidas clinicamente (Tabelas 2 e 3). As etapas importantes no manejo da HIC são: (i) memorizar os estágios da herniação progressiva que são compatíveis com a sobrevida sem seqüelas neurológicas (assinalados em itálico, nas Tabelas 2 e 3); (ii) adquirir a rotina de examinar repetidamente o nível de consciência (Tabela 1) e os reflexos do tronco encefálico (Tabela 2) com esses conceitos em mente a fim de realizar rapidamente o diagnós- tico da piora clínica; e (iii) aprender o algoritmo terapêutico de modo a instituir o tratamento o mais rápido possível. A recuperação é pouco provável se os estágios medular ou caudal da ponte são atingidos. Desta forma, se a criança apresenta alguns ou todos os sinais de herniação uncal, diencefálica, ou mesencefálica/pontina alta, é imperativo que medidas emergenciais para o controle da HIC sejam adotadas. A presença de papiledema é raramente observada em casos de HIC aguda. Os reflexos córneo-palpebrais, nauseoso e de tosse podem ser Tabela 2. Exame do tronco encefálico Item 12 Sinal / Resposta Localização topográfica da lesão Resposta à dor Flexão de extremidades Extensão de extremidades Nenhuma Diencefálica Mesencéfalo / Cranial da Ponte Caudal da Ponte Postura Normal Hemiparesia Decorticação Descerebração Flácida Tronco encefálico intacto Herniação uncal Diencefálica Mesencéfalo / Cranial da Ponte Caudal da Ponte Tono muscular/ Reflexos Normais Sinais piramidais unilaterais Sinais piramidais bilaterais Flacidez / sinal de Babinski Controle encefálico normal Herniação uncal Diencefálica Caudal da Ponte Prova óculo-cefálica (olhos de boneca) Movimentos oculares sacádicos Controle encefálico normal Excluir lesão espinal cervical Desvio completo do olhar para o lado oposto da rotação Diencefálica Rodar a cabeça de um lado para o outro, observando os olhos Desvio mínimo do olhar Mesencéfalo / Cranial da Ponte Prova óculo-vestibular (prova calórica) Nistagmo Controle encefálico normal Excluir perfuração timpânica Desvio do olhar em direção ao estímulo Diencéfalo Manter a cabeça na linha média, com inclinação de 30o Desvio mínimo do olhar Mesencéfalo / Cranial da Ponte Injetar 20 ml de água gelada no conduto auditivo Nenhum movimento ocular Caudal da Ponte Tamanho pupilar Normal, médio Mióticas Dilatação unilateral Dilatação bilateral Mesencéfalo / Cranial da Ponte Diencefálica Herniação uncal Caudal da Ponte Resposta pupilar à luz Rápida Ausência de resposta Tronco encefálico intacto Mesencéfalo / Cranial da Ponte Padrão respiratório Normal Cheyne-Stokes Hiperpnéia Atáxica Agônica (“gasping”) Tronco encefálico intacto Diencefálica Mesencéfalo / Cranial da Ponte Caudal da Ponte Medula oblonga Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 Tabela 3. Síndromes de herniações cerebrais internas Síndrome Sinais clínicos Uncal Dilatação pupilar unilateral Ptose palpebral unilateral Desvio mínimo do olhar na prova óculo-cefálica/vestibular Hemiparesia Diencefálica (central) Pupilas mióticas, ou médio Desvio completo do olhar na prova óculo-cefálica/vestibular Resposta flexora à estimulação dolorosa e/ou postura decorticada Hipertonia muscular e/ou hiperreflexia, com resposta plantar extensora Respiração do tipo Cheyne-Stokes Nível Mesencéfalo /Cranial da Ponte (central) Pupilas médio-fixas Desvio mínimo do olhar na prova óculo-cefálica/vestibular Resposta extensora à estimulação dolorosa e/ou postura descerebrada Hiperpnéia Nível Caudal da Ponte Pupilas médio-fixas Ausência de resposta nas provas óculo-cefálica/vestibular Ausência de resposta à estimulação dolorosa, ou apenas flexão de MMII Respiração atáxica Nível medular Dilatação pupilar bilateral e ausência de resposta à luz Respiração agônica, irregular Apnéia, com função hemodinâmica preservada pesquisados, porém não dão nenhuma informação adicional que seja essencial e, portanto, foram excluídos da avaliação. QUAL É A CAUSA E QUAIS SÃO AS POSSÍVEIS ETIOLOGIAS QUE DEVEM SER TRATADAS COM URGÊNCIA ? 3. QUAL É O MANEJO EMERGENCIAL DA CRIANÇA COMATOSA? A causa pode ser facilmente detectada em casos onde há uma história de parada cárdio-respiratória, ou diabetes melito descompensado, ou hepatite viral grave. A criança previamente hígida que entra em coma pode apresentar dificuldades diagnósticas. Nestes casos pode ser necessário realizar além dos testes de rotina (hematológicos, bioquímicos e microbiológicos) outros mais específicos, tais como dosagem sérica de lactato, amônia e testes urinários toxicológicos. É útil a estocagem de uma amostra de plasma e urina para posteriores testes para agentes tóxicos menos comuns. A realização de uma tomografia de crânio em crianças afebris e em coma profundo é uma prioridade mais importante do que a punção lombar. Se o exame é normal e persiste uma suspeita de lesão intracraniana, deve-se providenciar uma ressonância magnética de crânio, que pode detectar lesões não visíveis à tomografia. O exame fundoscópico é importante para detectar hemorragias retinianas As prioridades são a manutenção da ventilação, da pressão arterial sistêmica e a correção de distúrbios metabólicos significativos. O choque é um achado freqüente em crianças com meningites bacterianas. A hipoglicemia deve ser corrigida prontamente. Deve-se evitar a administração de soluções hipo-osmolares pelo potencial de indução do edema cerebral tardio. A administração rápida de 0,25-0,5 g/kg de manitol a 20% em dose única é uma medida que pode ser tomada, desde que não haja evidência de hemorragia cerebral. Se há sinais de deterioração do nível de consciência, a criança deve ser ventilada artificialmente, pois há dois efeitos benéficos: a) proteção das vias aéreas, diminuindo o risco de parada cardíaca; b) tendência à diminuição da PIC pela queda da pCO 2. Crises epilépticas devem ser tratadas prontamente, pois elas induzem ao aumento da PIC e a lesões cerebrais secundárias a mecanismos isquêmicos e citotóxicos. A Tabela 4 sintetiza as condutas a serem tomadas na criança comatosa. Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 13 Tabela 4. Manejo emergencial da criança em coma presentes em casos de lesões causadas na “síndrome da criança espancada”. O exame liqüórico está indicado naquelas crianças com suspeita de um quadro infeccioso agudo do sistema nervoso central, incluindo as provas microbiológicas e virológicas. Estabelecer ventilação adequada com máscara com alto fluxo de O2. Manter pressão arterial sistêmica; se baixa, administrar soluções inotrópicas; se alta, não reduzir rapidamente. Obter níveis glicêmicos e corrigí-los, se necessário. Avaliar nível de consciência através da escala de coma (Tabela 1). Avaliar função do tronco encefálico (Tabela 2) e decidir se o paciente apresenta, ou não, sinais de herniação cerebral (Tabela 3). Eleve as pálpebras da criança e veja se há desvio ocular, ou nistagmo. A criança que foi estabilizada do ponto de vista ventilatório e hemodinâmico e transferida para uma unidade de terapia intensiva, e permanece em coma por período superior a 6 horas, com pressão arterial estável, a monitorização da PIC deve ser considerada. Se houver sinais clínicos de lesão irreversível do tronco encefálico, com atividade elétrica cerebral muito comprometida (através do eletroencefalograma), é pouco provável que a monitorização da PIC interfira no prognóstico. Realize o exame de fundo de olho. Manutenção da pressão de perfusão cerebral (PPC) Se a escala de coma revelar valores < 12, ou se houver evidências clínicas de herniação cerebral, intubar e ventilar artificialmente a criança. Se a escala de coma for 11 ou 12 e a criança apresentar sinais de herniação cerebral progressiva e não puder ser intubada imediatamente, administrar manitol 0,25 mg/kg. QUAL É A CONDUTA SE A CRIANÇA PERMANECE EM COMA? Monitorização da pressão intracraniana (PIC) 14 Se houver desvio tônico do olhar, ou nistagmo, assumir que a criança esteja em estado de mal epiléptico sutil e administrar benzodiazepínicos, ou fenitoína. Se a criança estiver febril e tiver idade < 12 meses, ou > 12 meses e com escore > 12 na escala de Glasgow, realizar punção lombar desde que a criança não esteja em estado de mal epiléptico sutil. Realizar manometria do líqüor e, se a pressão liqüórica > 15 cm H20, ou houver deterioração do nível de consciência, ou sinais de comprometimento de tronco encefálico, após a punção administrar manitol 0,25 g/kg. Se a criança estiver afebril, ou febril, porém houver deterioração do estado comatoso, não realizar punção liqüórica, iniciar cefalosporina de 3a geração e aciclovir, e transferir a criança para uma instituição em condições de realizar tomografia de crânio e com equipe neurológica. Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 Em comas de etiologia não traumática, o prognóstico parece estar mais relacionado com os valores mínimos de PPC, do que com os máximos, apesar de existirem controvérsias sobre os valores adequados de PPC a serem mantidos, o que varia dependendo da idade da criança. A recomendação mais utilizada é a da manutenção de valores acima de 50 mm Hg. Manejo da Hipertensão Intracraniana Se a etiologia da HIC é uma lesão com efeito de massa (tumor, abscesso, hematoma), ou uma hidrocefalia aguda, o tratamento neurocirúrgico é o recomendado. A criança deve ser posicionada com a cabeça na linha média, elevada a 30o, de modo a facilitar a drenagem venosa intracraniana. A manipulação da criança deve ser a menor possível. A utilização da hiperventilação deve ser feita com critério, pois há o risco dela diminuir o fluxo sangüíneo cerebral em algumas situações. O mais adequado é manter a normocapnia e utilizar a hiperventilação durante os picos de HIC. A restrição hídrica deve ser utilizada nos casos onde haja secreção inadequada do hormônio antidiurético, que são raros. É muito importante que a pressão arterial sistêmica seja mantida evitando-se a utilização freqüente de expansões volumétricas com soluções hipoosmolares. O manitol reduz rapidamente os surtos de HIC, mas, como a hiperventilação, não há evidências para sua utilização profilática de rotina. A utilização de drogas anestésicas para a redução da PIC, através da redução do metabolismo cerebral, foi muito usada na prática clínica, entretanto, não há evidências que ela seja benéfica em casos de comas de etiologia isquêmica. O risco de hipotensão arterial provavelmente supera os possíveis efeitos benéficos deste tipo de terapia, além do fato do nível sérico permanecer alto por vários dias após a interrupção da terapia, o que impossibilita o diagnóstico da morte encefálica. A hipotermia leve (redução da temperatura corpórea em 1 oC) pode reduzir a demanda metabólica cerebral, existindo algumas evidências de um possível efeito protetor em casos de isquemia cerebral. A drenagem liqüórica através de cateter ventricular é uma medida relativamente simples e eficaz em alguns casos de HIC resistente ao tratamento clínico, e casos selecionados podem ser submetidos a uma descompressão craniana cirúrgica. Monitorização Eletroencefalográfica da Atividade Epiléptica Em geral, quando uma criança comatosa está em ventilação mecânica, é difícil o reconhecimento de todas as crises epilépticas que estão ocorrendo e não é incomum o estado de mal epiléptico. Assim, a monitorização eletroencefalográfica com monitores de função cerebral é desejável. Há necessidade de um suporte técnico e do médico especialista para que a interpretação dos dados seja feita de forma adequada. As crises devem ser tratadas de forma agressiva, pois são potencialmente um fator de piora da lesão neurológica e do prognóstico. EXISTEM OUTROS FENÔMENOS SECUNDÁRIOS, POTENCIALMENTE TRATÁVEIS, DETERMINANTES DA LESÃO NEURONIAL? Experimentalmente, substâncias tais como radicais livres, citotoxinas e íons cálcio, parecem estar envolvidos na lesão neuronial secundária à isquemia, entretanto, até o momento não existem estudos que possam recomendar sua utilização rotineira na prática clínica. QUAL É O PROGNÓSTICO ? É importante discutir o prognóstico com os familiares entretanto, apesar de ser essencial dizer a verdade, é também importante não ser muito pessimista a não ser que o prognóstico seja definitivamente ruim. A etiologia, profundidade e duração do coma foram todos relacionados com um mau prognóstico, mas apresentam uma utilidade relativa para o caso individual, tanto porque os fatores discriminadores entre bom e mau prognóstico não são suficientemente adequados, quanto pelo fato de que freqüentemente, quando é possível obter um quadro clínico mais nítido a interrupção do suporte ventilatório e cardiovascular não é mais uma opção viável. Estudos neurofisiológicos e de neuroimagem podem auxiliar. O QUE ACONTECE DEPOIS ? A reabilitação precoce é de grande auxílio após quadros de comas não-traumáticos, envolvendo vários profissionais da área da saúde (fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, educadores, terapeutas ocupacionais, enfermeiros e médicos de várias especialidades). É importante lembrar que, apesar do prognóstico poder ser considerado bom pela equipe médica, alterações sutis do comportamento social ou personalidade da criança podem causar problemas de adaptação da criança na família e nos ambiente social e escolar. COMENTÁRIOS O artigo tem finalidade didática e é redigido com o objetivo de ser utilizado pelo pediatra como um guia para nortear as condutas médicas diante de uma criança em coma, de etiologia não traumática, que potencialmente necessite de cuidados intensivos. Uma lista de questões pertinentes ao diagnóstico e às condutas que devem ser tomadas é sugerida para orientar o profissional. O autor aborda várias etapas da criança em coma não traumático, desde o diagnóstico etiológico, o tratamento das complicações mais freqüentes e, finalmente, o prognóstico. O importante é ressaltar que a criança em coma deve ter um atendimento primário que deve ser realizado por pediatra numa situação de emergência, mas que, a partir daí, quando não há melhora do quadro comatoso o paciente deve ser encaminhado para serviços que disponham de recursos adequados para atende-lo, pois isto terá um reflexo direto sobre o prognóstico. A utilização de escalas de gradação do coma deve ser do conhecimento de todo o médico que atue em ambiente de emergência e/ou intensivo. Além de permitir uma avaliação sistemática do paciente em coma, é fundamental para as outras equipes que posteriormente venham a acompanhar o paciente, além de permitir a adoção de condutas de emergência, que podem fazer a diferença entre uma boa ou má recuperação do paciente. As etapas a serem seguidas no diagnóstico etiológico são importantes para o tratamento da causa do coma, bem como a das complicações neurológicas, que irão exigir ou não recursos de natureza cada vez mais complexa e que determinarão o encaminhamento do paciente para o local mais adequado para tal. Finalmente, questões relacionadas ao prognóstico são abordadas de uma forma genérica, pois em muitos casos não é possível determinar com precisão as conseqüências da lesão cerebral aguda em longo prazo. Tradução e Comentários Dr. José Luiz Dias Gherpelli Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 15 INFECTOLOGIA Punção Lombar - Quando fazer? When to do a Lumbar Puncture Riordan FAI, Cant AJ Arch Dis Child 2002; 87:235-7 OBJETIVOS: A punção lombar está indicada diante da suspeita clínica de meningite, a não ser que haja contra-indicação específica. A preocupação de que possa estar sendo pouco realizada, com o conseqüente atraso ou sub-diagnóstico da infecção meníngea, motivou esta revisão sobre suas indicações. MÉTODOS: Os autores abordam quatro questões de fundamental importância: quais os benefícios da realização da punção lombar nos casos suspeitos de meningite, as contra-indicações à sua realização, como diagnosticar e tratar a infecção meníngea se a punção não é feita precocemente e sua indicação após convulsão febril. RESULTADOS: São citados os mais importantes aspectos referentes às informações fornecidas pela análise da citobioquímica e cultura do líquor, enfatizando a importância de se obter o padrão de sensibilidade do patógeno isolado ou mesmo a suspensão da antibioticoterapia frente às características liquóricas indicativas de etiologia viral. Maior ênfase foi dada às condições que constituem contra-indicação à realização da punção, que deve ser adiada frente à presença de sinais sugestivos de herniação cerebral, sinais neurológicos focais e instabilidade cardiorrespiratória. Relatos isolados também contra-indicam sua realização na vigência de distúrbios de coagulação ou quando há infecção no local de punção. A herniação pode ocorrer, após esse procedimento, mesmo em pacientes com tomografia cerebral normal, sendo este o achado comum na maioria das crianças com meningite bacteriana nas quais se suspeita de elevação da pressão intracraniana. É obrigatória a realização da tomografia cerebral precedendo a punção lombar frente à suspeita de condições com risco aumentado de herniação (abscesso, tumor ou hemorragia intracraniana). Quando a punção lombar não é feita precocemente, o diagnóstico de meningite ainda pode ser confirmado em punção tardia pois as alterações celulares e de bio16 Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 química permanecem no líquor de 44 a 68 horas após o início da antibioticoterapia e as informações obtidas podem orientar a conduta subseqüente, sendo fundamental quando houver diagnóstico diferencial a ser feito. Se a realização da punção lombar não for considerada procedimento seguro, deve-se iniciar antibioticoterapia empírica dependente do padrão de sensibilidade antimicrobiana local. Na meningite neonatal a erradicação do estreptococo B pode ocorrer após oito horas de tratamento, mas os coliformes são freqüentemente isolados após dois a três dias de antibióticos. A hemocultura e/ou técnicas de diagnóstico molecular devem ser consideradas em crianças com suspeita de meningite e exantema persistente. Avaliações prospectivas utilizando PCR indicaram sensibilidade de 47% a 87% para o meningococo. Em crianças com convulsão febril simples, sem sinais ou sintomas de meningite, é improvável a infecção meníngea que, entretanto, deve ser pesquisada frente à doença prolongada, convulsões complexas ou com comprometimento do estado geral. CONCLUSÃO: A precoce realização da punção lombar permite rápida confirmação ou exclusão do diagnóstico da infecção meníngea, devendo ser sempre realizada frente à suspeita clínica, exceto em específica contra-indicação. COMENTÁRIOS: O diagnóstico da infecção meníngea persiste sendo de extrema importância na prática clínica diária pois é uma das mais temidas enfermidades agudas, com taxas de morbimortalidade ainda elevadas no país. As recentes investigações enfatizam a importância da resposta inflamatória do hospedeiro, atuando tanto contra os microorganismos responsáveis pelo acometimento meníngeo quanto exercendo papel na agressão ao sistema nervoso central, demonstrando a necessidade de se estabelecer precocentemente o diagnóstico da meningite, diferenciando a etiologia viral e bacteriana, para a pronta indicação da antibioticoterapia empírica inicial. A indicação da punção lombar, especialmente em qua- dros iniciais e no lactente de baixa idade, pode não ser baseada somente em achados característicos ao exame clínico, sendo freqüente a ausência dos clássicos sinais de irritação meníngea. Não existe um sinal clínico patognomônico da infecção meníngea, sendo os sinais e sintomas variáveis, dependentes da idade do paciente, duração da enfermidade e da resposta da criança à infecção. Habitualmente o paciente com meningite pode cursar com duas formas de apresentação da afecção: doença insidiosa, de evolução progressiva, em um período de um a vários dias, apresentando a criança sinais e sintomas inespecíficos, ou, pode ter quadro no qual os sinais e sintomas da infecção do sistema nervoso central desenvolvem-se em horas, com padrão agudo e grave. Essas apresentações podem ser observadas em todas as etiologias bacterianas, embora classicamente o H.influenzae b se caracterize por apresentar evolução mais insidiosa e o S.pneumoniae, mais abrupta. Essas considerações iniciais permitem perceber a dificuldade em se estabelecer o diagnóstico da meningite e sua provável etiologia sem a análise liquórica das características citobioquímicas e de cultura e/ou pesquisa antigênica. A realização da punção lombar frente à suspeita diagnóstica de meningite é conduta mandatória se não houver contra-indicação específica. Se a análise do líquor não puder ser realizada, inicia-se a antibioticoterapia empírica inicial, com antibiótico que possua boa atuação no sistema nervoso central, até que o paciente tenha se estabilizado e restabelecido as condições que permitam a realização da punção lombar, ainda que tardia, pois os achados ainda podem ser de utilidade, já que as modificações da citobioquímica decorrentes da ação do antibiótico ocorrem somente dois a três dias após sua introdução. Neste exame de líquor, ficará prejudicada a identificação bacteriana por cultura, mas esta ainda poderá ser obtida através da pesquisa de antígenos bacterianos (presentes mesmo com a vigência da antibioticoterapia) ou se tratando de agentes de esterilização mais tardia no líquor, como o estafilococo ou gram-negativos, além de bactérias resistentes. Deve-se enfatizar que o diagnóstico da etiologia da meningite com base na identificação de antígenos bacterianos permite adequação do tratamento antibiótico mas não possibilita a identificação do padrão de sensibilidade da cepa envolvida, impedindo que se tenha conhecimento do comportamento local. É importante este conhecimento pois a implementação bem sucedida da vacinação contra o H.influenzae b em nosso país e o uso disseminado de antibioticoterapia determinaram alterações na epidemiologia da infecção meníngea e a emergência da resistência bacteriana, o que justifica a abordagem antibiótica sempre baseada nos padrões de sensibilidade do local de ocorrência da doença. Este é um indicador para que, precocemente, se tente identifi- car, seja por cultura de líquor ou hemocultura, o agente responsável pela infecção meníngea. Dentro do mesmo país, diversidades regionais também se fazem presentes, mas em locais com maior freqüência de cepas resistentes observou-se que estas não são mais virulentas do que as cepas sensíveis, não diferindo a apresentação da doença, exceto em imunossuprimidos que cursam com quadro clínico mais grave e pior evolução. Recentes investigações têm enfatizado que, frente ao pneumococo, a classificação laboratorial padronizada de cepas com sensibilidade intermediária ou com resistência plena, baseada na concentração inibitória mínima frente à penicilina, pode não ter correspondência clínica, havendo relatos crescentes do isolamento de cepas classificadas laboratorialmente como “resistentes” cujos pacientes apresentaram boa evolução clínica com a manutenção da penicilinoterapia, muitas vezes sem o aumento da dose. Este promissor aspecto enfatiza a necessidade de acompanhamento clínico de pacientes onde se isolou agente bacteriano com potencial resistência antimicrobiana para se evitar a exposição da criança ao risco de terapêutica inefetiva ou ao uso de antibióticos de espectro cada vez mais ampliado pois, novamente, a interação hospedeiro x agente x terapêutica é que definirá o prognóstico da infecção meníngea. Estas considerações demonstram de modo claro, o que os autores abordam nesta revisão: a importância da precoce realização da punção lombar frente à suspeita de meningite. Tradução e comentários: Dra. Heliane Brant Machado Freire Referências Bibliográficas Carroll W, Brookfield D. Lumbar puncture following febrile convulsion - a painful pointless procedure? Arch Dis Child 2002; 87:238-40 Freire LMS, Freire HBM. Meningites Bacterianas na Infância. In: Tonelli E, Freire LMS. Doenças Infecciosas na Infância e Adolescência. 2ª ed. Rio de Janeiro: Medsi; 2000. p. 557-70. Kanegaye JT, Soliemanzadeh P, Bradley JS. Lumbar puncture in pediatric bacterial meningitis: defining the time interval for recovery of cerebrospiral fluid pathogens after parenteral antibiotic pretreatment. Pediatrics 2001; 108:1169-74. Offringa M, Moyer VA. Evidence based pediatrics: Evidence based management of seizures associated fever. BMJ 2001; 323:1111-4. Shetty AK, Desselle BC, Craver RD. Fatal cerebral herniation after lumbar puncture in a patient with a normal computed tomographyscan. Pediatrics 1999; 103:1284-7. Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 17 NEONATOLOGIA Retinopatia da Prematuridade: Recentes avanços no nosso conhecimento Retinopathy of prematurity: recent advances in our understanding Wheatley CM, Dickinson JL, Mackey DA, Craig JE, Sale MM. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2002; 87:F78 – F82 RESUMO: A retinopatia da prematuridade (ROP) é reconhecida com importante causa de redução da acuidade visual e de cegueira desde 1940. Sua incidência e gravidade vêm sendo reduzidas nos paises desenvolvidos ao longo das últimas décadas, mas têm permanecido crescentes nos paises em desenvolvimento. O artigo fornece uma breve revisão atualizada sobre fatores predisponentes do surgimento da retinopatia da prematuridade. INTRODUÇÃO: Nos Estados Unidos, a ROP permanece a segunda causa mais freqüente de cegueira infantil. Em paises com taxa de mortalidade infantil (TMI) acima de 60/1000, muito pouca ROP é documentada devido à falta de cuidado intensivo para os prematuros nestas áreas e sua baixa sobrevivência. Ao contrário, nos países com TMI abaixo de 10/1000, a ROP causa 6 a 20% dos casos de cegueira, e naqueles com TIM entre 10 e 60/1000 a ROP desponta como uma das principais causas de cegueira infantil. Estudos mais recentes demonstram uma redução na incidência e gravidade da ROP nos paises desenvolvidos, embora continue a ocorrer em até 12,5% das crianças nascidas com 23 a 26 semanas de gestação. FATORES PREDISPONENTES: grave especialmente naqueles nascidos com menos de 26 semanas. Saturação de oxigênio – Parece estar implicada no surgimento da ROP tanto pela relativa hiperóxia a que o prematuro é submetido quando nasce, quanto pela hipóxia secundária que ocorre na retina. Poderia também agir pelo poder oxidante do oxigênio. Fatores genéticos – A ROP pode ocorrer mesmo em crianças que não receberam oxigênio. Parece também haver diferenças raciais na ocorrência da doença. As semelhanças entre ROP, doença de Norrie e Vitreoretinopatia exsudativa familiar também sugerem a presença de fatores genéticos. Outros fatores possíveis - Crianças geradas a partir de fertilização assistida apresentam um risco maior de ROP devido a maior incidência de gemelaridade. Crianças com paralisia cerebral também apresentam risco aumentado. Outros fatores que podem aumentar o risco são a displasia bronco-pulmonar, nutrição parenteral, número de transfusões sangüíneas, hipo e hipercarbia, intubação precoce, hipotensão, persistência do canal arterial, enterocolite necrosante, uso de betabloqueadores pela mãe, sepsis por Cândida, hemorragia intraventricular, baixo ganho de peso. O aumento da incidência de ROP em paises em desenvolvimento é previsto pelo o aumento da sobrevivência de prematuros, cada vez menores, nestes paises. Idade gestacional e peso de nascimento – O baixo peso de nascimento e a prematuridade são, juntamente com o uso de oxigênio, os únicos fatores consistentemente associados ao surgimento da ROP. Ocorre em 81,6% daqueles nascidos com menos de 1000g, sendo18 Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 Conclusão – Embora a ROP já seja reconhecida como uma causa importante de cegueira em paises desenvolvidos, ela está se tornando uma causa cada vez mais importante nos paises em desenvolvimento. A Organiza- ção Mundial da Saúde classifica a cegueira por ROP como uma doença que pode ser prevenida, dependendo de diagnóstico e tratamento precoces. O exame de fundo de olho rotineiro em crianças nascidas com menos de 32 semanas ou com menos de 1250 g, administração monitorada de oxigênio, e o atendimento por equipes bem treinadas e compostas de oftalmologistas parecem medidas eficazes em reduzir a ocorrência da doença nos paises em desenvolvimento. COMENTÁRIOS: A ocorrência da ROP deve ser uma preocupação constante em qualquer unidade que atenda recém-nascidos prematuros. Até 1940, esta doença era praticamente desconhecida. Em 1943 ela foi descrita como fibroplasia retrolental. Esta denominação inicial baseava-se nas alterações anatômicas que ocorrem na doença. Estima-se que entre 1943 e 1953 cerca de 10.000 crianças tenham ficado cegas, no mundo, devido a ROP. Em 1951 a denominação de fibroplasia retrolental foi substituída por retinopatia da prematuridade e foi na década de 50 que o papel do oxigênio, juntamente com a idade gestacional e o peso de nascimento ficaram definitivamente relacionados na gênese desta doença. A incidência da retinopatia é inversamente proporcional à idade gestacional e ao peso de nascimento. Um grande estudo multicêntrico de 1985, chamado estudo CRYO-ROP, patrocinado pelo National Eye Institute encontrou a presença da ROP em 47% das crianças nascidas com peso entre 1000 e 1250g, sendo que em 8% delas a doença atingiu estágio 3. Nas crianças nascidas com peso inferior a 750 g, a doença ocorreu em 90% das vezes, sendo que 37% tinham ROP estágio 3. Quando fizeram a distribuição pela idade gestacional viu-se que a ROP ocorreu em 83% das crianças nascidas com menos de 28 semanas de gestação e em 30% daquelas com idade gestacional superior a 31 semanas. A teoria mais difundida sobre o mecanismo que desencadeia a ROP é de que na retina incompletamente vascularizada, isto é, prematura, um insulto (como o excesso relativo de oxigênio do ambiente extra-uterino) leva a uma vasoconstrição seguida de parada de crescimento dos vasos da retina. Após este insulto cessar, provavelmente mediada por algum fator de crescimento endotelial vascular liberado pela retina ainda não vascularizada, ocorre uma neovascularização da retina. Este processo pode progredir de maneira semelhante à natural, levando à cicatrização, o que ocorre em cerca de 90% dos casos. Em aproximadamente 10% das vezes ocorre um crescimento dos neovasos para dentro do vítreo, num processo de fibrose que acaba tracionando a retina e levando ao seu descolamento. A retinopatia da prematuridade segue uma classificação internacional que se baseia na sua localização, extensão e gravidade. Quanto à localização (à distância do nervo óptico), quanto mais na periferia da retina, menos grave é a doença. A extensão é medida dividindo-se a retina conforme um mostrador de relógio e avaliando quantas “horas” da retina estão afetadas. A gravidade é classificada de acordo com as alterações anatômicas encontradas. As recomendações da Academia Americana de Pediatria para o diagnóstico da ROP são: 1) Crianças nascidas com menos de 1500g, ou aquelas nascidas com 28 semanas de gestação ou menos, assim como aquelas nascidas com menos de 2000g e que apresentem evolução clínica instável ou que o seu neonatologista acredite no risco para a ROP, devem ter a retina examinada pelo menos duas vezes, por oftalmoscopia indireta binocular para detectar ROP. Um exame é suficiente somente se a retina mostrar, inequivocamente, vascularização completa bilateral. 2) O primeiro exame deve ser feito com quatro a seis semanas de idade cronológica, ou com 31 a 33 semanas de idade gestacional corrigida, o que ocorrer por último. 3) Os exames seguintes são determinados pelo oftalmologista de acordo com os achados ao primeiro exame. O tratamento para a retinopatia é geralmente indicado quando a doença atinge o estágio “threshold” (ROP estágio 3 nas zonas I ou II em oito horas cumulativas ou cinco horas contíguas da retina) e pode ser feito por crioterapia ou, mais freqüentemente, com laser. Vários fatores de risco têm sido postulados na gênese da ROP; contudo, desde 1950 somente três fatores são consistentemente associados à doença. Idade gestacional e baixo peso de nascimento são, inquestionavelmente, os fatores mais importantes na ocorrência da ROP, uma vez que ela é uma doença exclusiva da retina ainda não totalmente vascularizada. Quanto mais imatura a criança, e por conseqüência a retina, maior o risco. O uso de suplementação de oxigênio, desde o início da década de 50, está consagrado como um fator muito importante no surgimento da retinopatia da prematuridade, muito embora não seja indispensável a sua utilização. Na retina muito imatura, a simples exposição ao ar ambiente já leva a uma hiperóxia, relativa ao ambiente intra-uterino, suficiente para desencadear o processo de surgimento da ROP. Todos os demais fatores de risco sugeridos careAno 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 19 cem de comprovação definitiva quanto à sua importância. A iluminação ambiente tem sido um dos fatores que mais levanta discussão. Existe bastante evidência teórica de que a luz ambiente comum nas UTIs poderia induzir ou agravar a retinopatia. Os estudos clínicos; contudo, não tem conseguido comprovar esta relação. Fatores genéticos têm sido postulados como favorecendo o surgimento da ROP. Este pensamento é baseado fundamentalmente em semelhanças entre as alterações patológicas encontradas na retina de pacientes com ROP e com outras doenças da retina com predisposição genética e, também, na diferente ocorrência de ROP entre alguns grupos étnicos. Todavia faltam ainda dados conclusivos sobre qual seria a participação de herança genética na gênese da ROP. Alguns outros fatores repetidamente propostos pela literatura como tendo algum papel na ocorrência da ROP são a hipercarbia; a anemia, que causaria hipóxia da retina; o número de transfusões, que causaria stress oxidativo; a doença da membrana hialina; a ocorrência de hemorragia peri-intraventricular; a hipóxia crônica intra-uterina; crises repetidas de apnéia ou bradicardia; o uso de ventilação mecânica; a presença de convulsões. Se qualquer destes fatores tem participação individual na ocorrência da ROP é um ponto que ainda não foi esclarecido. Vários deles ocorrem concomitantemente em pacientes clinicamente instáveis e, portanto, mais sujeitos a desenvolverem ROP. Eles poderiam ser agentes no desenvolvimento da doença ou simplesmente marcadores da gravidade do quadro clínico. O que temos bem definido hoje é que a ROP está diretamente relacionada à prematuridade e ao baixo peso ao nascer, e que o principal fator de risco para o seu surgimento, além da prematuridade e do peso, é a utilização de oxigênio. O método ideal para a prevenção da doença é a redução dos nascimentos prematuros e, quando isto for impossível, uma avaliação oftalmológica rigorosa de todas as crianças em risco para a doença a fim de que possamos instituir o tratamento o mais precocemente possível. Tradução e comentários: Dr. Ércio Amaro de Oliveira Filho Referências Bibliográficas American Academy of Pediatrics. Screening Examination of Premature Infants for Retinopathy of Prematurity. Pediatrics 2001; 108:809-11. Bancalari E, Flynn J, Goldberg RN, Bawol R, Cassady J, Schiffman J et al. Influence of transcutaneous oxygen monitoring on the incidence of retinopathy of prematurity. Pediatrics 1987;79:663-9. Flynn JT, Bancalari E, Bachynski BN, Retinopathy of prematurity: diagnosis, severity, and natural history. Ophthalmology 1987; 94:620-9. Friendly DS. Retinopathy of prematurity or Retrolental Fibroplasia. In: Avery GB, Fletcher MA, MacDonald MG (ed). Neonatology Pathophysiology and Management of the Newborn, 4ª ed, Philadelphia:J.B. Lippincott CoMosby, 1994;1202-5p. Graziano RM, Leone CR, Cunha SL, Pinheiro AC. Prevalência da retinopatia da prematuridade em recém-nas20 Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 cidos de muito baixo peso. J Pediatr 1997;73:377-82. Larsson E, Holmström G. Screening for retinopathy of prematurity: evaluation and modification of guidelines. Br J Ophthalmol 2002;86:1399-402. Procianoy RS. Retinopatia da prematuridade: uma doença solicitando a atenção do neonatologista (Editorial). J Pediatr 1997;77:361. Reynolds JD, Dobson V, Quinn GE, Fielder AR, Palmer EA, Saunders RA et al. Evidence-based screening criteria for retinopathy of prematurity: natural history data from the CRYO-ROP and LIGHT-ROP studies. Arch Ophthalmol 2002; 120:1470-6. Shastry BS, Pendergast SD, Hartzer MK, Liu X, Trese MT. Identification of missense mutation in the Norrie disease gene associated with advanced retinopathy of prematurity. Arch Ophthalmol 1997; 115:651-5. ENDOCRINOLOGIA Altas doses de hormônio de crescimento induzem aceleração de maturação esquelética e início precoce de puberdade em crianças com baixa estatura idiopática High dose growth hormone treatment induces acceleration of skeletal maturation and an earlier onset of puberty in children with idiopathic short stature Kamp GA, Waelkens JJ, Muinck Keiser-Schrama SM, Delemarre-Van de Waal HA, Verhoeven-Wind L, Zwinderman AH et al Arch Dis Child 2002; 87:215-20 INTRODUÇÃO Embora se acredite que crianças com baixa estatura idiopática (BEI) apresentem secreção de hormônio de crescimento (GH) normal, alguns estudos demonstraram que a administração de GH aumenta a velocidade de crescimento. O tratamento com GH é realizado assumindo-se que não haja interferência da medicação na progressão da puberdade. No entanto, alguns estudos recentes sugerem que possa haver uma alteração na época de início puberal, e sabe-se que a puberdade precoce pode levar à perda de estatura final. Há apenas um estudo randomizado em crianças com BEI, que mostra não haver influência do GH na puberdade. Por outro lado, há observações indicando que o tratamento com GH é mais eficiente quando iniciado antes da puberdade e que é dose-dependente, havendo forte correlação entre estatura no início da puberdade e estatura final. Neste estudo foi feita uma tentativa de melhorar a relação custo-benefício do tratamento de BEI com GH, iniciando-se o tratamento precocemente, em doses relativamente altas, de forma randomizada, sendo que a medicação era suspensa assim que o paciente entrasse em puberdade. Neste artigo são apresentados os resultados dos primeiros cinco anos do estudo, com o achado inesperado de que o GH induz a uma maior aceleração de maturação óssea e um início de puberdade mais precoce que em controles. Estes achados podem ter importantes implicações no tratamento de crianças com BEI. PACIENTES E MÉTODOS 40 crianças pré-púberes com baixa estatura sem deficiência de GH foram selecionadas para o estudo multicêntrico e distribuídas ao acaso para um 22 Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 grupo de tratamento com GH (n=20), e um grupo controle (n=20). Cinco crianças foram retiradas do estudo. Atualmente, oito pacientes do grupo com GH e sete do controle completaram cinco anos de estudo. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO Meninos com idade de quatro a dez anos, meninas de quatro a oito anos, estatura abaixo de – 2,0 escores de desvio-padrão (SDS), sem evidências de desnutrição, doenças hormonais ou sistêmicas, estatura ao nascimento maior que + 2,0 SDS. Em todos os casos, o pico de GH foi maior que 10 ng/ ml após estímulo. PROTOCOLO Crianças do grupo com GH foram avaliadas trimestralmente durante o uso do medicamento e anualmente após a suspensão do mesmo. O grupo controle foi avaliado anualmente. As avaliações consistiam na tomada de estatura, peso, estatura sentado e estadiamento puberal de acordo com critérios de Tanner. Início de puberdade foi considerado como M2 nas meninas e G2 nos meninos, com volume testicular > 4 cm 3. Idades ósseas (IO) anuais foram determinadas pelo método de Greulich and Pyle. GH GH foi administrado sete dias por semana, entre 18 e 20 horas. Durante o primeiro ano o tratamento consistiu em dois períodos de três meses com 1,5 ou 3,0 UI/m 2, separados por dois períodos de três meses sem medicação. Após o primeiro ano, doses altas de GH foram iniciadas – 6,0 UI/m 2/d, equivalente a 0,21UI/kg/d. Todas as crianças receberam pelo menos dois anos de tratamento. RESULTADOS AUXOLOGIA As características basais dos pacientes não eram diferentes entre os grupos. Após o primeiro ano com dose baixa não houve incremento estatural significante. No entanto, nos anos subseqüentes com dose alta de GH, houve aumento do SDS de estatura no grupo tratado (p<0,001). Não houve interferência no SDS do Índice de Massa Corporal ou da IO no primeiro ano de tratamento. Nos anos seguintes houve avanço significante da IO no grupo tratado em comparação aos controles. O SDS de estatura para IO diminuiu nos dois grupos durante cinco anos de acompanhamento e não foi diferente entre os indivíduos tratados e não tratados (p=0,96). As proporções corporais não foram alteradas pelo tratamento com GH. PUBERDADE Os meninos entraram em puberdade com idade média de 12,2 anos com GH e 13,9 sem GH, enquanto que apenas três meninas iniciaram a puberdade durante o estudo. O risco relativo calculado para o uso de GH induzir puberdade mais precocemente foi de 4,2. COMENTÁRIOS Desde o aparecimento do GH recombinante, com conseqüente aumento na sua capacidade produtiva, várias foram as situações clínicas onde se tentou melhorar a estatura com seu uso. Além das indicações aceitas, como deficiência de GH, síndrome de Turner e insuficiência renal, um grupo bastante heterogêneo recebe especial atenção – as crianças com a chamada Baixa Estatura Idiopática. São crianças que crescem abaixo do potencial de crescimento familiar, com reserva normal de GH, ausência de outras doenças sistêmicas e com prognóstico estatural reservado. Há alguns anos, estudos estão tentando avaliar a possibilidade de melhora estatural destas crianças com uso de GH recombinante. O presente artigo teve o cuidado de basear-se em princípios de tratamento já bem definidos por outros estudos, como utilizar doses altas de GH e tratar apenas pacientes pré-púberes. Outro ponto importante foi a comparação entre pacientes tratados e controles contemporâneos, permitindo uma avaliação mais realista em relação à idade de entrada na puberdade e avanço de IO. Cabe aqui reconhecer a importância do estudo, porém chamar a atenção para alguns fatores que podem ter influenciado nos resultados. A determi- nação da IO pelo método de Greulich and Pyle, utilizado pelos autores, não é a ideal para um estudo tão rigoroso, por estar baseado no aparecimento dos núcleos do carpo e falange, perdendo a sua acurácia na avaliação evolutiva da IO. O método descrito por Tanner-Whitehouse baseia-se no aspecto evolutivo dos núcleos, e permitiria uma determinação mais precisa. Outro fator que pode confundir os resultados em relação à puberdade é a idade dos pacientes ao iniciarem o estudo, que era um ano mais avançada no grupo que recebeu GH (7,4 versus 8,4 anos), embora não houvesse diferença estatística entre eles. Considerando-se que os pacientes do grupo sem tratamento ficavam até um ano sem avaliação física, também é lícito considerar que possa ter havido atraso na percepção de entrada em puberdade. Este é o primeiro estudo incluindo estas características e traz a constatação de que em pacientes com Baixa Estatura Idiopática, o uso do GH em idades precoces e doses altas induz a uma precocidade no aparecimento de puberdade e avanço de IO, fazendo com que o ganho estatural, visto nos primeiros anos de tratamento, possa não representar um aumento real de estatura final. Estes resultados são conflitantes com outros estudos e precisam ser confirmados, porém chama a atenção dos pediatras e endocrinopediatras para um fato antes não demonstrado, sugerindo que ainda desconhecemos todas as possíveis repercussões deste tipo de tratamento. Ainda não há evidências seguras de que o uso de GH em pacientes com BEI tenha benefícios estaturais a longo prazo, devendo ficar reservado para pacientes incluídos em protocolos de pesquisa até que se conheça melhor todos os fatores que envolvem o uso desta medicação. Tradução e comentários: Dr. Luis Eduardo P. Calliari Referências Bibliográficas Kamp GA, Wit JM High dose growth hormone therapy in idiopathic short stature. Horm Res 1998; 49: 67-2. Rekers-Mombarg LP, Cole TJ, Massa GG, Wit JM. Longitudinal analysis of growth in children with idiopathic short stature. Ann Hum Biol 1997; 24:569-83. Kawai M, Momoi T, Yorifuji T, Yamanaka C, Sasaki H, Furusha K. Unfavorable effects of growth hormone therapy on the final height of boys with short stature not cause by growth hormone deficiency. J Pediatr 1997;130:205-9. Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 23 INFECTOLOGIA Epidemiologia da doença diarréica na Argentina: estimativa do impacto da doença pelo Rotavirus Epidemiologic patterns of diarrheal disease in Argentina: estimation of Rotavirus disease burden Gomez JA, Sordo ME, Gentile A Pediatric Infect Dis J 2002; 21:843-50 INTRODUÇÃO E OBJETIVO Em 1991, estimava-se que o custo da diarréia por Rotavirus na Argentina seria maior que U$27 milhões. Tendo em vista que não era rotina, no país, a identificação laboratorial do Rotavirus e, antecipando eventual introdução de vacinação para o mesmo, iniciaram-se estudos multicêntricos, em 1996, que foram publicados em 1999 e 2001. O objetivo do presente estudo foi estimar o impacto da doença por este agente etiológico, aplicando às estatísticas nacionais para Doença Diarréica, os dados de incidência, hospitalização e mortalidade por Rotavirus obtidos nos referidos estudos MÉTODOS Foram utilizados: 1. Dados do Ministério da Saúde sobre incidência, hospitalização e óbitos associados a diarréia. - INCIDÊNCIA: dados semanais de consultas médicas por Doença Diarréica de 199299, em hospitais públicos das 24 províncias do país que atendem cerca de 1/3 da população (12,3 milhões); HOSPITALIZAÇÃO: dados qüinqüenais das altas hospitalares por Doenças Intestinais Infecciosas (DII) de 21 províncias em 1990 e 15 em 1995, com avaliação mensal, em < 2 anos, das Infecções Intestinais Não Definidas (IIND), incluído-se as virais; - ÓBITOS ASSOCIADOS À DIARRÉIA: dados de 1981-99. 2. O percentual de Rotavirus detectado nos estudos citados, para estimativa do custo da doença. 3. Dados do Instituto Nacional de Estatística e Censo de 1991 para projeção populacional. Para aplicar os percentuais de Rotavirus encontra24 Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 dos às estatísticas nacionais de DII e IIND, foram feitas adequações, tendo em vista épocas e grupos etários diferentes, avaliação parcial das províncias, etc. Para tal, utilizaram-se testes de correlação e outros artifícios estatísticos. RESULTADOS E CONCLUSÕES Os estudos prévios identificaram em torno de 30% de Rotavirus nas diarréias ambulatoriais e em torno de 40% nas hospitalizadas. A incidência de consultas por diarréia foi catorze vezes maior em crianças menores de cinco anos, quando comparada a incidência em crianças de maior faixa etária. As altas hospitalares entre 1981-99 diminuíram de 1,3 para 0,9/100 pessoas-ano nas crianças menores de 5a e os óbitos de 64,7 para 16,1/100.000 pessoasano em crianças menores de 2a (1985-99). Estes 3 índices foram 5,9, 14,7 e 26,2 vezes maiores em algumas províncias mais pobres, do norte do país, do que nas regiões de menor risco. Estimou-se que 1/2, 1/12, 1/1599 das crianças nascidas em 1995, respectivamente, realizaram consultas, foram hospitalizadas ou faleceram por doença diarréica antes dos cinco anos, sendo que, destas, 1/6, 1/35, 1/4169 tiveram o diagnóstico etiológico de Rotavirus confirmado. Concluiu-se que são freqüentes hospitalizações e óbitos por doença diarréica na Argentina e que a falta de capacidade de diagnosticar Rotavirus fez com que se subestimasse o seu impacto. A vacina para este agente teria o potencial de evitar milhares de hospitalizações e centenas de óbitos, princi- palmente nas províncias mais pobres. COMENTÁRIOS Os autores realizaram um importante e trabalhoso mapeamento epidemiológico da doença diarréica, em especial por Rotavirus, na Argentina. Os dados brasileiros são semelhantes aos encontrados na Argentina. Assim é que, a freqüência de diarréia por Rotavirus varia entre 13 a 41% dos casos de doença diarréica (DD) em crianças e nas últimas décadas vem ocorrendo diminuição nos índices de hospitalização e óbitos por DD. Segundo dados do Ministério da Saúde do Brasil, entre 1989 e 1999, a mortalidade infantil (em menores de um ano) decresceu de 52,0 para 31,8 por mil nascidos vivos. Esta queda se deveu em grande parte ao decréscimo dos óbitos por diarréia, pois a mortalidade proporcional por DD aguda em <5 anos caiu, durante o período, de 9,2% para 5,5% do total de óbitos neste grupo etário. Como no país vizinho, nossos índices são piores nos Estados mais pobres das regiões Norte e, principalmente, Nordeste. Assim é que, o coeficiente de mortalidade infantil, em 1999, foi 31,8/ 1.000 no Brasil, mas 52,4 e 33,9 nas Regiões Nordeste e Norte, respectivamente, e bem menor nas demais regiões, com destaque para o Rio Grande do Sul, com 15,1 óbitos por mil nascidos vivos. A mortalidade proporcional por DD aguda em <5 anos também caiu nas Regiões Nordeste e Norte, de 13,9% e 10,2% para 9,7% e 5,3%, respectivamente. Nas Regiões Sul e Sudeste estes percentuais são bem baixos atualmente, respectivamente 3,2 e 2,7%, mas ainda poderiam ser melhorados. Por outro lado, quando foram planejados os estudos iniciais na Argentina, em 1996, previa-se a introdução, altamente desejável, de vacinação para Rotavirus em larga escala. No entanto, isto foi temporariamente adiado, pois a vacina tetravalente (RRV-TV, rhesus-human reassortant rotavirus tetravalent vaccine = vacina tetravalente rhesus-humana rearranjada geneticamente) foi suspensa do calendário vacinal aonde já vinha sendo empregada (nos EUA, em 1999), tendo em vista a associação descrita entre seu emprego e intussuscepção intestinal. Embora seja uma associação relativamente rara (risco de aproximadamente 1:10.000 crianças vacinadas), trata-se de entidade grave. Independentemente de haver ou não vacinas para os enteropatógenos, é necessário que os países continuem investindo nas medidas gerais de prevenção da DD, como o saneamento básico, e criando melhores condições de atenção à saúde da criança, com ênfase nas áreas de maior risco. É fundamental também a atuação adequada dos agentes da saúde quanto ao tratamento da diarréia aguda, qual seja: manutenção da alimentação, respeitando eventual anorexia, e oferta de refeição suplementar durante a recuperação, a fim de evitar a instalação ou agravamento de desnutrição; terapia de reidratação oral (TRO) adequada; evitar o emprego de medicamentos, a não ser em raras condições com indicação precisa. Estas medidas, mesmo sem as vacinas, têm melhorado todos os indicadores da DD. Embora se saiba que o impacto da melhoria do saneamento básico seja menor na prevenção da diarréia por Rotavirus do que nas demais diarréias, também se sabe que, ao diminuir a incidência de diarréia por agentes bacterianos, se interfere positivamente no círculo vicioso diarréia - desnutrição, o que se refletirá na prevenção da perpetuação da diarréia por rotavirus, assim como diminuirá a indesejável translocação bacteriana que leva a eventos sépticos. Ambos fatores, desnutrição e septicemia, sabidamente aumentam em muito o risco de morte. Espera-se que em breve seja possível, além de ver as medidas acima sugeridas implantadas em sua plenitude em nossos países, ter acesso à vacina anti rotavirus eficiente e segura. As previsões têm sido para em torno de dez anos, após o término de todas etapas dos ensaios clínicos. Tradução e comentários: Dra. Helga Verena Leoni Maffei Referências Bibliográficas Ministério da Saúde/FUNASA/CENEPI/Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) Indicadores e Dados Básicos - Brasil - 2001. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/ Peter G, Myers MG. National vaccine advisory committee. Intussusception, rotavirus, and oral vaccines: summary of a workshop. Pediatrics 2002;110:e67 Rodrigues J, Acosta VC, Candeias JMG, Souza LO, Filho FJC. Prevalence of diarrheogenic Escherichia coli and rotavirus among children from Botucatu, São Paulo State, Brazil. Braz J Med Biol Res 2002;35:1311-18. Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003 25 ATENÇÃO Em caso de mudança de endereço, comunique-se imediatamente com a Secretaria do PRONAP / SP ou com a SBP / RJ. SECRETARIA EXECUTIVA DO PRONAP Rua Augusta, 1939 - 5º andar - sala 53 Cerqueira César – 01413-000 – São Paulo - SP Fone: (0xx11) 3068-8595 – Fax: (0xx11) 3081-6892 As publicações da Revista Correios estão disponíveis no Site: www.sbp.com.br (Educação Médica Continuada) Dúvidas e Sugestões: e-mail: [email protected] ou [email protected] SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA Rua Santa Clara, 292 - Copacabana 22041-010 - Rio de Janeiro / RJ Fone (0xx21) 2548-1999 – Fax: (0xx21) 2547-3567 site: www.sbp.com.br e-mail: [email protected] 26 Ano 9 - Jul/Ago/Setembro/2003