Revista ano VI n.XVIII Justiça para quem precisa Dez anos separam a primeira da segunda passagem do Juizado Especial Itinerante por Mateiros, no Estado do Tocantins, uma das cidades mais pobres do país, próxima à entrada do Deserto do Jalapão. Via Legal acompanhou o trabalho da comitiva que reuniu juízes, servidores e procuradores do INSS. A constatação é que não é preciso muito para mudar a realidade de famílias inteiras, que comemoram o fato de, finalmente, se tornarem visíveis para o Estado. JUSTIÇA FEDERAL Centro de Produção da Justiça Federal Revista Via Legal C erca de 300 famílias beneficiadas de forma direta e uma comunidade inteira com a autoestima renovada e com mais disposição para o exercício da cidadania. Estes foram os resultados do Juizado Especial Federal itinerante, que esteve, pela segunda vez, na cidade de Mateiros, no Tocantins. Nesta edição, a Revista Via Legal mostra detalhes da atuação da comitiva, que reuniu juízes, servidores e representantes do INSS. A reportagem acompanhou o trabalho e traz o relato de pessoas que sempre foram consideradas invisíveis para o Estado. A vitória de mulheres que receberam próteses mamárias feitas com silicone industrial, inadequado a este tipo de procedimento, também é tema desta edição. Depois da descoberta da irregularidade cometida por uma empresa francesa, muitas entraram em pânico e foram obrigadas a conviver com o risco de ter problemas graves de saúde. Como o material foi importado de forma regular e tinha autorização do Ministério da Saúde, a Justiça Federal tem entendido que o Estado brasileiro também deve ser responsabilizado. Resultado: algumas vítimas estão recebendo indenização por danos morais. Outro assunto abordado pela Revista são as consequências da circulação de caminhões com excesso de peso pelas rodovias de todo país. Um mapeamento do Ministério Público Federal revelou quem são os 100 maiores infratores e a incidência da prática, que é apontada como uma das principais causas da redução na vida útil das pistas. Por ignorar a legislação, uma transportadora de Minas Gerais foi condenada a pagar indenização por danos morais coletivos. Ainda em relação aos problemas que atingem as rodovias brasileiras, a Revista traz uma reportagem sobre o atropelamento de animais, uma causa frequente de acidentes e mortes. O descaso dos donos e as falhas na fiscalização explicam boa parte das ocorrências que poderiam ser evitadas. Dependendo do caso, as vítimas podem acionar a Justiça contra os responsáveis. No Rio Grande do Sul, estado que se destaca pela quantidade de problemas desse tipo, um caso terminou com a condenação da concessionária que administra a rodovia. Nesta edição, Via Legal traz ainda uma reportagem especial com a história de vida de um agricultor e artesão de Sergipe. Mesmo depois de uma vida inteira trabalhando no campo, ele precisou recorrer aos tribunais para se aposentar como segurado especial. É que, para o INSS, era do artesanato que Cícero tirava o sustento. Mas, na avaliação judicial do caso, ele provou que não é o dinheiro, e sim o amor, que sempre explicou a sua dedicação à arte. Boa leitura! | Editorial 1 2 Expediente | Revista Via Legal CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL Ministro FELIX FISCHER Presidente Ministro GILSON DIPP Vice-Presidente Ministro HUMBERTO MARTINS Corregedor-Geral da Justiça Federal, Presidente da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais e Diretor do Centro de Estudos Judiciários Ministra MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA Ministro HERMAN BENJAMIN Desembargador Federal CÂNDIDO ARTUR RIBEIRO FILHO Desembargador Federal SERGIO SCHWAITZER Desembargador Federal FÁBIO PRIETO DE SOUZA Desembargadora Federal TADAAQUI HIROSE Desembargador Federal FRANCISCO WILDO LACERDA DANTAS Membros efetivos Revista Via Legal – Ano VII – número XVIII – jan./abr. 2014 Revista Via Legal - Assessoria de Comunicação Social - Conselho da Justiça Federal Setor de Clubes Esportivos Sul - Lote 09 - Trecho III - Polo 8 CEP 70200-003 – Brasília – DF Telefones: (061) 3022-7070/ 7071/ 7074 / 7075 e-mail: [email protected] Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO Ministro SIDNEI AGOSTINHO BENETI Ministro JORGE MUSSI Desembargadora Federal NEUZA MARIA ALVES DA SILVA Desembargador Federal POUL ERICK DYRLUND Desembargadora Federal CECÍLIA MARCONDES Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO Desembargador Federal EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR Membros suplentes Eva Maria Ferreira Barros Secretária-Geral CENTRO DE PRODUÇÃO DA JUSTIÇA FEDERAL (CPJUS) Assessoria de Comunicação Social - CJF Assessora de Comunicação Social e Editora-Geral: Roberta Bastos Cunha Nunes – FENAJ 4235/14/12/DF Editoras-Gerais Adjuntas: Adriana Dutra e Dione Tiago Coordenadora de Comunicação Impressa: Adriana Dutra Coordenador de Multimídia: Alexandre Fagundes Chefe da Seção de Planejamento Visual: Raul Cabral Méra Chefe da Seção de Edição e Produção: Edson Queiroz Chefe da Seção de Rádio e TV: Paulo Rosemberg Repórteres: Bianca Nascimento, Isabel Carvalho e Simone Aragão Designer: Ramon Duarte Assessoria de Comunicação Social – 1ª Região TRF1: Ivani Morais Seções Judiciárias: AC: Cláudia Maria Borges de Oliveira; AM: Andréa Rocha; AP: Edgleuma Braga; BA: Luiz Carlos Bittencourt; DF: Gilbson da Costa Alencar; GO: Carlos Eduardo Rodrigues Alves; MA: Sônia Aparecida Jansen; MG: Christianne Callado de Souza; MT: Marisa dos Anjos Fernandes; PA: Paulo Bemerguy; TO: Fernanda Sousa Silva; PI: Viviane Bandeira; RO: Shigueo Maru; RR: Roberta Mattos Assessoria de Comunicação Social – 2ª Região TRF2: Viviane Gorgati Viegas Seções Judiciárias: ES: Ana Paola Dessaune; RJ: Bruno Marques Assessoria de Comunicação – 3ª Região TRF3: Júlio César Tiraboschi Júnior Seções Judiciárias: MS: Aldo Cristino; SP: Ricardo Acedo Nabarro Assessoria de Comunicação – 4ª Região TRF4: Analice Bolzan Seções Judiciárias: PR: Carlos Luiz Driessen; RS: Taís Regina Chaves; SC: Jairo Cardoso Assessoria de Comunicação – 5ª Região TRF5: Isabelle Câmara Seções Judiciárias: AL: Ana Márcia da Costa Barros; CE: Luiz Gonzaga Feitosa do Carmo; PB: Silvana Sorrentino Moura de Lima; PE: Susan Vitorino; RN: Supervisora: Anna Ruth Dantas de Sales; SE: Tiago Nunes de Oliveira Projeto Gráfico: Raul Cabral Méra - CJF Diagramação: Raul Cabral Méra e Ramon Duarte - CJF Imagens: www.sxc.hu Impressão: Coordenadoria de Serviços Gráficos do Conselho da Justiça Federal Revista Via Legal 04 | Sumário 3 Saúde Próteses de silicone adulteradas evidenciam riscos de procedimentos estéticos Decisão garante à mulher o direito de ter um acompanhante na hora do parto 04 06 Tributário Quem viaja com quantia acima do limite legal pode perder o dinheiro Tributação do vale-transporte é questionada nos tribunais 08 10 Conselhos profissionais Justiça fixa limites à atuação dos Conselhos Regionais de Química 12 Inclusão 17 Deficientes visuais cobram recurso da audiodescrição em programas de TV Iniciativa oferece assistência jurídica à população de rua 14 16 Previdenciário Artesão prova que ganha a vida como agricultor e consegue se aposentar Tempo de trabalho como jovem aprendiz pode ser computado para aposentadoria Aposentados que necessitam de acompanhante têm direito a acréscimo Justiça itinerante volta ao Jalapão e julga questões previdenciárias 17 20 22 24 Ambiental 36 24 Licença ambiental é coisa séria, mas falta estrutura para fiscalizar Instituição acolhe felinos sem chance de serem devolvidos à natureza Empresa que desmatou Mata Atlântica é condenada a recuperar área Animais soltos nas estradas são causas frequentes de acidentes 27 28 30 32 Administrativo Excesso de carga diminui vida útil das estradas e faz vítimas todos os dias Fechamento de universidades afeta a vida de milhares de estudantes 36 38 Preservação Locomotiva abandonada em Recife deve voltar a Natal Decisão abre caminho para proteção de sítios arqueológicos gaúchos 40 42 Institucional Projeto de reinserção social comemora 10 anos 44 Notas 32 Giro pelas decisões 45 47 42 4 Saúde | Revista Via Legal Os riscos da beleza Decisão da Justiça Federal em São Paulo garante indenização por danos morais a vítimas que colocaram próteses de silicone adulteradas. A polêmica foi descoberta em 2011, quando investigações confirmaram que uma indústria francesa estava usando silicone industrial na fabricação de próteses mamárias. Na época, mulheres do mundo inteiro ficaram em alerta Carolina Villacreces e Conceição Gama – São Paulo (SP) O Brasil é campeão mundial em cirurgias plásticas. Os dados revelam que sete em cada dez procedimentos são feitos por motivos estéticos. Lipoaspiração, rosto e redução ou implante de silicone nas mamas são os mais procurados. Só em 2013, mais de um milhão de brasileiras se submeteram a implantes de próteses de silicone nos seios, uma cirurgia relativamente comum, mas que não está imune a riscos e outras implicações que podem, inclusive, terminar em processos judiciais. Um dos casos mais recentes – cujos efeitos colaterais fizeram o assunto ir parar nos tribunais – envolveu a descoberta de que uma famosa marca francesa usou silicone industrial, produzido a partir de substâncias tóxicas, na fabricação de próteses compradas por um número expressivo de brasileiras. O escândalo foi descoberto em 2011 e, na época, ficou comprovado que o produto era prejudicial à saúde. Diante da extensão dos riscos e dos danos, o Ministério da Saúde determinou que os planos de saúde e o Sistema Único de Saúde (SUS) cobrissem as despesas médicas relacionadas à troca da prótese. Mas, para muitas mulheres, o prejuízo vai além da necessidade de uma nova cirurgia. Por isso, muitas têm recorrido à Justiça Federal, com a intenção de serem indenizadas por danos morais e materiais. A estilista Daphne Dias Pires dos Santos, que fez a cirurgia de implante de silicone em 2011, está entre as brasileiras que decidiram buscar a reparação. No ano passado, durante um exame de rotina, ela levou um susto ao saber que precisaria trocar imediatamente as próteses, já que uma delas havia rompido. “Fiz a nova operação em uma semana. Eu não imaginava a gravidade do problema, só descobri depois que a cirurgia reparadora já havia sido feita. Estava tudo infeccionado ao redor da prótese, tinha muito pus. A prótese, inclusive, estava até meio derretida. Se esperasse um pouco mais, eu poderia ter ficado com sequelas graves de saúde ou até ter morrido”, relata. A corretora de imóveis Maria Aparecida Ferreira é outra vítima da adulteração de próteses mamárias. Ela, que sempre quis colocar silicone nos seios, fez até um empréstimo bancário para realizar o sonho, que acabou se tornando um pesadelo. “Precisei passar por uma nova cirurgia e viver outra vez o incômodo pós-cirúrgico desnecessariamente. Mas, ainda bem, pelo menos descobri o problema a tempo. E quem não descobriu?”, lamenta. O diretor da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Carlos Alberto Komatsu, afirma que os cirurgiões plásticos possuem um banco de dados com todas as informações sobre as próteses usadas em cada paciente. Então, as mulheres que possuem implante de silicone e tenham quaisquer dúvidas sobre a qualidade de suas próteses, devem procurar os médicos que realizaram suas cirurgias. “A adulteração dessas próteses mamárias foi um crime cometido pela fábrica francesa. Nós, médicos, jamais esperávamos uma falsificação desse produto. O silicone cirúrgico foi trocado por um silicone industrial com muitos resíduos e que, ao longo do tempo, pode corroer a prótese”, explicou Komatsu. Decisões A advogada Soraya Barbosa, que representa algumas vítimas da empresa francesa, explica como algumas de suas clientes se sentiram quando souberam do problema com as próteses. “Muitas entraram em depressão, não saíam para trabalhar, não se movimentavam, viviam em função do problema. Tudo isso gerou danos patrimoniais e morais”, reitera, defendendo a necessidade de indenização. Desde 2013, vários processos já foram julgados pela Justiça Federal em São Paulo. Além da empresa fabricante das próteses, o governo brasileiro também está sendo responsabilizado pelo crime. O entendimento é que houve negligência de quem deveria fiscalizar a qualidade do material vendido no mercado nacional. Para a juíza federal Rosana Ferri, cada caso deve ser analisado de forma específica. Segundo a magistrada, não se trata apenas de uma questão estética, mas também de negligência dos órgãos envolvidos. “Os artigos 12 e 18 do Código de Defesa do Consumidor preveem a responsabilização de todos (os órgãos e empresas envolvidos), não sucessivamente, mas solidariamente. Então, todos respondem por Revista Via Legal | Saúde Fenômeno cultural A prótese de Daphne dos Santos rompeu e tinha muito pus no local tudo e depois vão atrás de serem ressarcidos pelos corresponsáveis”, alerta a juíza. Daphne processou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ganhou o direito de receber de volta tudo o que gastou na cirurgia, além da indenização por danos morais. “O governo tem que arcar com algumas coisas para que isso não ocorra mais”, afirma a estilista. Já Maria Aparecida ainda aguarda a decisão da Justiça. Porém, o que ela mais espera é que esse tipo de falha não volte a se repetir. “Materiais cirúrgicos devem ser muito bem fiscalizados, não podem chegar de qualquer jeito até os pacientes. Afinal, são muitas vidas em jogo”, desabafa. Novos critérios Procurada pela reportagem, a Anvisa informou que a questão envolvendo a importação das próteses fabricadas com silicone industrial levou a agência a alterar as regras para o registro desse tipo de produto. Hoje, as empresas interessadas em vender próteses mamárias no Brasil devem seguir a Resolução 16/2012. Entre as novas exigências, está a de que as peças sejam certificadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). As novas regras incluem ainda a necessidade do cumprimento de testes rigorosos, a começar pela avaliação quanto à segurança em ensaios mecânicos, biológicos e químicos nos laboratórios indicados pelo Inmetro ou pela Anvisa. Nesses testes são verificados itens como a resistência do material e a composição do silicone. A certificação inclui ainda uma inspeção na linha de produção. Além disso, as próteses devem vir acompanhadas de uma etiqueta de rastreabilidade. Neste caso, é garantida a possibilidade de identificação da origem da peça, bem como a responsabilização do fabricante em caso de problemas. n A vontade de transformar o corpo, seja por meio de intervenções cirúrgicas, seja pela repetição de exercícios, não é recente no mundo e nem uma exclusividade da civilização ocidental contemporânea. São vários os exemplos de hábitos que têm o objetivo de alterar a aparência da pessoa, como a redução nos pés das chinesas, o alongamento do pescoço com anéis de metal entre as tribos asiáticas e as perfurações de algumas partes do corpo, em algumas tribos indígenas. No entanto, está bem claro que as sociedades contemporâneas sofrem de uma preocupação exacerbada com a construção (ou reconstrução) do corpo, em contrapartida a uma desvalorização do aspecto natural. Basta observar o grande crescimento no número de academias de ginástica, de clinicas de estética e de cirurgias plásticas. No Brasil, entre 2009 e 2012, o número de cirurgias plásticas cresceu 120%. O país ultrapassou os Estados Unidos e chegou ao primeiro lugar no ranking internacional, na proporção cirurgia por habitante, incluindo as cirurgias estéticas e as reparadoras. Para a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, a cirurgia estética é uma forma de obter saúde e bem estar. “A definição de saúde pela Organização Mun- dial de Saúde é o bem estar social, físico e mental. Então a procura pela cirurgia estética, embora algumas pessoas desvalorizem esse fato, é uma forma de se obter saúde”, avalia o cirurgião plástico Horácio Aboudib. As cirurgias reparadoras são as menos procuradas, mas já aparecem nas estatísticas oficiais. Pessoas que são vítimas de acidentes, de violência ou de uma doença grave, e desejam fazer uma cirurgia plástica, podem, inclusive, procurar o Sistema Único de Saúde. O SUS cobre apenas plásticas reparadoras, como é o caso de pessoas com fenda palatina (deformação genética na região da boca e do nariz), lábio leporino (semelhante à fenda palatina, que pode atingir até os dentes e a gengiva), orelhas de abano, gigantomastia (seios muito grandes), entre outros problemas. A legislação também prevê que o Estado arque com os custos das cirurgias para a colocação de silicone mamário, no caso das mulheres que retiram o seio, ou parte dele, por causa do câncer de mama. Segundo dados do Portal da Saúde, em 2012, foram realizadas pelo SUS 1.394 cirurgias reparadoras de mama, 50 a mais que no ano anterior. O valor investido nesses procedimentos, no período, somou R$ 1.158.937,91. 5 6 Saúde | Revista Via Legal Companhia para o parto Não é por falta de lei que no Brasil muitas mulheres ainda entram em salas de parto sozinhas, sem acompanhante. No Pará, cinco hospitais foram denunciados por ignorar a norma, criada para dar segurança à mulher em um momento especial. O problema é mais grave na rede pública e coloca as maternidades na mira da fiscalização Dione Tiago – Brasília (DF) D esde abril de 2005, quando a Lei 11.108 entrou em vigor no Brasil, alterando dois dispositivos da Lei 8.080/90, os hospitais do país são obrigados a permitir a presença de um acompanhante durante todo o trabalho de parto realizado nessas unidades. A norma garante ainda que a indicação dessa pessoa seja feita pela parturiente e que o acompanhante possa permanecer no local também no pós-parto. As exigências, aparentemente simples, continuam sendo ignoradas por parte das unidades de saúde, tanto públicas quanto privadas. Também não são raros os casos em que, para cumprir a lei, a maternidade decide cobrar um valor a mais da paciente. Não è à toa que o assunto tem-se tornado objeto de ações judiciais, como a que tramita na Justiça Federal no Pará. Cinco unidades de saúde que funcionam na capital, Belém, e na região metropolitana, foram denunciadas por descumprir a norma e fazer cobranças indevidas. Longe da capital paraense, também é possível ouvir relatos de quem foi prejudicado pelo desrespeito à lei. O desempregado Leonardo de Oliveira conta que, embora tenha se preparado de forma intensa para a chegada de Pedro, hoje com dois anos, só viu o filho no dia seguinte ao parto. O pai lamenta ter sido impedido de exer- cer um direito que ele sabia que tinha e com o qual contava. “Poder contar para ele mais tarde como foi que tudo aconteceu, que eu estava lá com a mãe dele, minha esposa. Eu acredito que isso seria muito importante para a família e para ele também saber que eu estou e estarei com ele em todos os momentos”, afirma. O parto de Pedro foi feito em um hospital público de Brasília e, segundo a mulher de Leonardo, Poliana Aguiar, a proibição de que o marido a acompanhasse na sala de parto partiu do médico responsável pelo procedimento, um profissional que não teve o nome revelado por ela. “Por que um médico pode criar a lei dele Revista Via Legal dentro do hospital, sendo que existe toda uma lei, que o governo está dando esse amparo ao cidadão? Aí chega lá, nesse momento de fragilidade, e uma pessoa te barra”, questiona Poliana. São várias as razões que levaram a legislação a garantir a presença do acompanhante na sala de parto. A médica Lucila Nagata lembra que já foram comprovados os benefícios dessa ajuda emocional do acompanhante, que reflete na parte hormonal da paciente, fazendo com que ela acredite que será capaz de concluir o procedimento. “Ajuda a minimizar aquele sofrimento da dor do trabalho de parto, incentiva na hora que a paciente precisa fazer a força para o nascimento, a torcida é importante. Para a mulher, é saber que tem uma pessoa que gosta de você, do seu lado, num momento importante da sua vida”, resume. “O acompanhante tem que emprestar o equilíbrio emocional dele para a parturiente e ajudá-la a achar que é capaz. Ajudá-la no controle não farmacológico da dor. E depois, ajudá-la a caminhar, ir para o banho. Ela tem que fazer exercício e o acompanhante tem que estar em todos os momentos, para que o trabalho de parto possa fluir bem”, completa a psicóloga Alessandra Arrais, que atua em Brasília. A especialista vai além e diz que ter o companheiro presente no momento do parto também ajuda a prevenir a depressão pós-parto, fortalecer a relação conjugal e a família. Alegações conhecidas Até que a realidade verificada nas maiores maternidades de Belém fosse denunciada à Justiça Federal, foram muitas as reclamações e relatos de mulheres obrigadas a entrar nas salas de parto sozinhas. O caso foi levado ao Ministério Público Federal em 2010, pela organização não-governamental Parto do Princípio, que apresentou denúncias de várias pacientes de que os hospitais se negavam a permitir que o marido Mauro Putini / TRF1 Lucila Nagata: benefícios da ajuda emocional do acompanhante são comprovados acompanhasse o parto. Em um dos depoimentos, a parturiente diz que, depois de muita negociação, permitiram que um tio dela entrasse na sala, “porque ele era médico”. De posse dos dados preliminares, foi aberto um inquérito, que acabou comprovando os indícios e sustentando a abertura de uma ação civil pública que tem como réus os hospitais Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente do Pará; a Clínica Cirúrgica Samaritano; a Maternidade do Povo; a Venerável Ordem Terceira e a Anita Gerosa. A União e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) também foram incluídos na lista de denunciados, sob a acusação de não fiscalizarem o cumprimento das leis federais que sustentam o direito das pacientes. No processo, o procurador da República Alan Mansur Silva relata a existência de farto material que desmente as alegações das unidades hospitalares de que cumprem a lei. Ele afirma, por exemplo, que um dos hospitais processa- As parturientes têm direito ao acompanhante de sua escolha, sem limitação de sexo, tipo de procedimento ou local de hospedagem dos, o Samaritano, admitiu que permite a presença apenas de mulheres como acompanhantes em partos, impedindo a entrada dos pais. Os mesmos relatos – de exigência ilegal de que o acompanhante seja mulher – se repetem no Hospital da Ordem Terceira, na Maternidade do Povo e no Hospital Anita Gerosa. Em outra unidade, um dos relatos denunciava que mesmo a mãe da parturiente foi impedida de acompanhar o trabalho de parto. “É evidente que as informações apresentadas pelas instituições hospitalares não demonstram a realidade da situação. Mesmo respondendo ao MPF que estão garantindo regularmente o direito ao acompanhante às gestantes, ainda há diversos casos relatados por grávidas que não puderam gozar o seu direito em um momento tão delicado, atestando a desobediência ao normativo legal”, sustenta um dos trechos da ação do MPF. O relato da paciente Jennepher Silva Linhares, que deu à luz no Hospital Beneficente Portuguesa de Belém e que também embasa a ação judicial, não deixa dúvidas de que a lei do acom- | Saúde 7 Edson Queiroz / CJF Segundo Alessandra Arrais, ter o companheiro presente no momento do parto ajuda a fortalecer a família panhante era mesmo desrespeitada no Estado. “Cheguei à maternidade e fui encaminhada para o centro obstétrico. Neste andar minha mãe pôde entrar, mas foi impedida de entrar comigo na sala enquanto eu sentia dor. Passei o dia sozinha nessa sala. Entrei às 8 horas e tive meu filho por volta das 20 horas. Meu marido ficou na recepção do hospital e não pôde nem subir para esperar junto com minha mãe”, detalha a paciente. Além do Ministério Público, as infrações também foram confirmadas pela Secretaria de Estado de Saúde Pública que, ao longo de 2013, afirma ter concluído três relatórios de supervisão das maternidades da região metropolitana de Belém. Em todas as inspeções, os fiscais constataram que os hospitais processados estão irregulares no cumprimento à lei do acompanhante. Na ação, que ainda não foi analisada pela Justiça Federal, o MPF pede que a ANS seja obrigada a fiscalizar o cumprimento integral das Leis 8.080/90 e 11.108/2005 e que os cinco hospitais passem imediatamente a garantir a todas as parturientes o direito de ter um acompanhante, “de sua livre escolha, sem limitação de sexo, tipo de procedimento ou local de hospedagem durante o trabalho de parto, o parto e o pós-parto, sem qualquer cobrança adicional”. Procurada pela reportagem do programa de TV Via Legal, a ANS preferiu se manifestar por meio de nota. A agência explicou que a fiscalização é baseada em denúncias e que não foi notificada sobre a ação judicial. O Hospital Maternidade do Povo e a Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente do Pará voltaram a negar o descumprimento da lei, assim como fizeram no momento em que foram interpelados pelo Ministério Público Federal. Já a Clínica Cirúrgica Samaritano, o Hospital Anita Gerosa e a Venerável Ordem Terceira não quiseram se manifestar sobre as acusações. n 8 Tributário | Revista Via Legal Limites na bagagem Em viagens internacionais, levar dinheiro demais na bagagem pode configurar crime de evasão de divisas. As regras são claras e rígidas, mas, mesmo assim, há quem prefira se arriscar Simone Aragão – Brasília (DF) A presença de turistas estrangeiros no Brasil tem crescido ano após ano. Em 2014, por exemplo, o governo calcula que o país recebeu 1 milhão de pessoas de 202 nacionalidades, apenas durante a Copa do Mundo de Futebol. Uma das cidades-sede dos jogos, São Paulo recebeu cerca de 400 mil visitantes, que gastaram mais de R$ 1 bilhão. Boa parte dos gastos foi feita por meio de cartões, mas quem preferiu trazer dinheiro vivo precisou obedecer à Instrução Normativa 1.385 da Receita Federal. A norma disciplina a entrada de moeda em espécie no território nacional e prevê, por exemplo, que o visitante que estiver portando mais de R$ 10 mil seja obrigado a apresentar a Declaração Eletrônica de Bens de Viajantes (e-DBV ). Quem for descoberto descumprindo a regra perde o excedente e, nestes casos, a via judicial é a única alternativa para tentar reaver a quantia retida pelo Estado. A justificativa para limitar a entrada de moeda não declarada é o combate à sonegação fiscal e à lavagem de dinheiro, dois crimes que causam prejuízos milionários aos cofres públicos. Em 2013, foi apreendido, em espécie, um total de US$ 275.000,00. A forma mais usada pelos viajantes para transportar o dinheiro que extrapola o limite legal é junto ao corpo, nas roupas ou nas bagagens de mão. Entre os estrangeiros flagrados pela fiscalização, está um colombiano que desembarcou em Brasília com R$ 21 mil. Ainda no terminal, agentes da Receita Federal apreenderam os R$ 11 mil excedentes. Insatisfeito com a perda do dinheiro, o homem levou o caso à Justiça Federal. No processo aberto contra a União, ele alegou desconhecer as regras e pediu para que fosse levado em conta o princípio da reciprocidade, frisando que na Colômbia as regras permitem que o estrangeiro entre no país portando valores mais altos. O processo foi analisado no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, onde teve como relatora a desembargadora Maria do Carmo Cardoso. Para a magistrada, os argumentos e os pedidos apresentados pela defesa do colombiano não podem ser aceitos. “Não há possibilidade de reciprocidade, porque o Brasil não tem nenhum tratado com a Colômbia nesse sentido. E depois, a norma é clara. O estrangeiro que aqui ingressa tem que declarar efetivamente o que está trazendo. E nesse caso ele trouxe acima do permitido”, afirmou no voto. Com a decisão, a Receita Federal não precisou devolver os R$ 11 mil reais, ficando configurada a aplicação da chamada pena de perdimento, prevista para casos como esse. Quando isso ocorre, os valores são encaminhados ao Banco Central. Ainda na decisão, a desembargadora lembrou a importância da restrição imposta pelo governo brasileiro como medida de proteção nacional. “Nós temos que preservar a soberania do nosso país. Havendo um tratado internacional, aplicar-se-ia o princípio da reciprocidade, mas não é o caso. A lei permite que se façam transações bancárias, não o porte de valores acima do permitido, porque isso poderá ensejar uma fraude”, concluiu. Evasão de divisas As regras que limitam a quantidade de dinheiro que pode ser transportada por viajantes devem ser respeitadas também por quem está deixando o Brasil. Em 2007, os fundadores da Igreja Renascer em Cristo, Estevam e Sônia Ramon Pereira / TRF1 Maria do Carmo explica que a regra é clara: estrangeiro que chega ao Brasil tem que declarar o que está trazendo Revista Via Legal Hernandes, foram presos ao entrar nos Estados Unidos com dólares não declarados. Segundo informou a polícia local, o casal portava US$ 56 mil, embora tivesse declarado à alfândega norte-americana que levava menos de US$ 10 mil cada um. Os dois foram detidos no Federal Detention Center, em Miami, em celas separadas. Depois, passaram a cumprir prisão domiciliar. Quando foram liberados, passaram a usar tornozeleiras eletrônicas. O equipamento, que permite o monitoramento de todos os passos da pessoa, foi usado pelo casal enquanto durou o processo. Eles foram denunciados também por contrabando, conspiração e falso testemunho. Um caso parecido foi julgado em Porto Alegre, quando a Justiça Federal condenou duas sócias de uma joalheria por evasão de divisas. A denúncia, feita pelo Ministério Público Federal (MPF), foi embasada na “Operação Ouro Verde”, que resultou em mais de 100 ações penais, apenas no Rio Grande do Sul. De acordo com a denúncia, as empresárias realizaram operações de câmbio e remessa internacional de valores por meio de instituições financeiras não autorizadas. O MPF alegou ainda que elas teriam praticado sonegação fiscal. O total enviado para o exterior ultrapassou os US$ 500 mil. As empresárias negaram o crime mas, para a juíza Karine da Silva Cordeiro, da 7ª Vara Federal de Porto Alegre, ficou comprovada no processo a prática de operações de câmbio, realizadas sem o conhecimento dos órgãos oficiais, procedimento chamado de dólar-cabo. Com base nisso, a juíza condenou as rés à pena privativa de liberdade pelo período de 3 anos, 10 meses e 20 dias e ao pagamento de 175 dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas. n r O isa sabe c e r p o ir e g a s s que todo pa -DBV ) ns de Viajantes (e Be de ca ou dele sair com ni rô et El gressar no Brasil Declaração in e qu te jan via montante su13, todo l ou estrangeira, em na •Desde 16/08/20 cio na da oe m ação Eletrônica cie, em recursos em espé resentar a “Declar ap a o ad rig ob é ,00, endereço www. perior a R$ 10.000 o da internet, no ei m r po o)”, BV -D es (e aduaneira, no m de Bens de Viajant se à fiscalização irrig o. di çã e ra r, cla .b de ov a.g da edbv.receita.fazend fins de conferência ra pa a, de íd da sa tra ou en lar gresso comprovar a regu mento do seu in cumento hábil a do ra verificação pa um a rá ad se nt se só A e-DBV er sido apre tiv a el se a, íd sa a a su no Brasil, ou na valores no país, ou gresso do viajante in do do an qu , neira à fiscalização adua e o caso. m moeda estrangeira or nf co a, sua saíd ís com valores em pa do do a íd sa de estiver le declarado quan •O viajante que 0 e superior àque ,0 00 .0 10 R$ : a ar r nt rio verá ainda aprese em montante supe além da e-DBV, de ís, autorizado ou pa o no nc so ba es em gr in do seu da estrangeira oe m da ão siç ui aq em valor igual ou - comprovante de câmbio no país, em ar er op a da cia instituição creden do; ra trada no territócla de ao r superio RFB, quando da en da e ad id un à a ad sent u poder; - declaração apre rior àquele em se pe su por ou l ua ig r lo eques de viagem, rio nacional, em va espécie ou em ch em que to sa en de m bi ou ce re favor, - comprovante do trangeira em seu es da viaoe m de se em te to pó en l, na hi ordem de pagam édito internaciona cr o rtã ca de o çã ou brasileiro. mediante a utiliza Brasil, estrangeiro no te en sid re o nã jante ferência: osto de 2010 Legislação de Re 1.059, de 02 de ag nº B RF a iv at rm osto de 2013 Instrução No 1.385, de 15 de ag nº B RF a iv tes/eDPV.htm at rm Instrução No r/Aduana/Viajan v.b go a. nd ze .fa receita Fonte: http://www. | Tributário Limite também atinge bens importados O Brasil conta com 16 aeroportos internacionais que oferecem voos regulares. Os três que mais recebem passageiros vindos do exterior são o de Guarulhos (SP), com cerca de 540 mil por mês; o do Galeão (RJ), com 175 mil, em média; e o de Brasília (DF), com aproximadamente 23 mil passageiros/mês. De acordo com a Assessoria de Imprensa da Receita Federal em Brasília, cerca de 5% dos passageiros que desembarcam na capital federal, vindos do exterior, têm suas bagagens inspecionadas – para cerca de metade dos viajantes, elas são verificadas por meio de scanners e, nos demais casos, há a abertura e conferência dos volumes. As checagens têm como objetivo evitar a entrada de mercadorias proibidas ou em excesso, garantindo, dessa forma, o recolhimento dos tributos devidos ou mesmo a perda dos produtos. Ao longo de 2013, o fisco registrou 861 ocorrências de retenção e apreensão de mercadorias no aeroporto de Brasília. Os números e os relatos de quem foi flagrado não deixam dúvidas: muita gente ainda prefere correr o risco e trazer bens ou dinheiro acima do permitido. Foi o caso do agente de viagem Guilherme Saldanha. “Eu não cheguei a contar com a sorte. Eu fui preparado para comprar e pagar o excedente com consciência de que ainda assim seria mais barato”, afirma Guilherme, autuado quando voltava de uma viagem ao Paraguai. Muitas vezes, a punição não se restringe à cobrança dos impostos referentes aos produtos que excederam o limite legal. No caso de Guilherme, a abordagem incluiu um tremendo susto. A Receita Federal levantou a suspeita de que ele estava contrabandeando os produtos. “Pediram para vistoriar minha bagagem e, quando abriram, viram que eu estava excedendo muito. Eu estava com um excedente de mais ou menos U$ 2,3 mil dólares. A fiscal verificou a minha frequência de entrada e saída em Foz do Iguaçu, concluiu que eu não tinha o intuito de contrabandear e me liberou”, conta o agente de viagem, revelando alívio com o desfecho do caso. A chefe da Divisão de Controles Aduaneiros Especiais da Receita Federal, na época, Edna Moretto, pontuou a importância de se ter em mente que, no conceito de bagagem estão os bens de uso pessoal, como roupas, perfumes e cremes, desde que em quantidades compatíveis com a viagem. “Por exemplo, nada justifica uma pessoa trazer 15 camisas, porque pressupõe comércio. Nossa preocupação é inibir o comércio, porque vai competir com as pessoas que pagam tributos e é uma concorrência desleal”, ressalta. A penalidade nos casos em que fica demonstrada a intenção de comércio ilegal é a apreensão dos produtos. 9 10 Tributário | Revista Via Legal Transporte garantido Criado há quase 30 anos para facilitar a vida dos trabalhadores, o vale-transporte é a origem de uma queda de braço entre o INSS — que pretendia incluir os valores pagos aos empregados na base de cálculo da contribuição previdenciária — e empresas, para quem o benefício tem natureza indenizatória Adeílton Oliveira – Rio de Janeiro (RJ) T odos os dias, milhões de brasileiros usam o vale-transporte para se deslocar de casa para o trabalho. O benefício envolve muito dinheiro e, exatamente por isso, acabou se tornando o centro de uma disputa que já chegou à Justiça Federal no Rio de Janeiro. De um lado, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) entende que é possível cobrar contribuição previdenciária sobre os valores, nos casos em que o pagamento é feito em dinheiro. Do outro, oito empresas de saúde localizadas na região sul-fluminense tentam afastar o risco de pagar impostos sobre o total repassado aos funcionários. Constituição de 1988 e tem sido encarada pelo INSS como uma brecha para incluir a verba na base de cálculo da contribuição previdenciária. A discussão judicial partiu de uma ação proposta por clínicas de Volta Redonda (RJ). Em primeira instância, o pedido foi negado e a ação, extinta. Na decisão, o juiz, apesar de reconhecer a inconstitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária sobre o vale-transporte pago em pecúnia, não acatou o pedido por “ausência de prova pré-constituída”, conforme sustentaram os autores do mandado de segurança. Inconformadas, as empresas recorreram ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, onde o caso foi analisado pelo desembargador federal Luiz Antônio Soares. No recurso, as empresas pediram que fosse reconhecida a inexistência de relação jurídica que pudesse justificar a incidência da contribuição previdenciária, além de ser assegurado o direito de efetuar a compensação dos valores indevidamente recolhidos nos últimos dez anos, corrigidos monetariamente pela taxa SELIC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a partir de cada pagamento indevido. No julgamento do recurso, o relator citou o entendimento firmado em 2010 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quando a corte reconheceu o caráter não salarial do benefício, seja ele pago em vale-transporte ou em moeda. A partir desse reconhecimento, o magistrado acatou de forma parcial o recurso, determinando a reforma da sentença de primeiro grau no sentido de assegurar a compensação dos valores indevidamente recolhidos nos cinco anos que antecederam a propositura da ação. Ainda de acordo com a decisão, a compensação deve ser efetuada após o trânsito em julgado do processo, momento em que o processo é finalizado, ou seja, não cabe mais nenhum recurso. Arquivo TRF2 Os argumentos contrários ao INSS têm como base a Lei 7.418/85, que criou o benefício. O artigo 2º do texto legal deixou claro que o vale-transporte não tem natureza salarial, não se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos; não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), nem se configura como rendimento tributável do trabalhador. A norma que regulamentou a concessão do benefício proíbe o pagamento em dinheiro. Uma restrição que, para muitos advogados, é incompatível com o sistema tributário previsto na O desembargador Luiz Antônio Soares reconheceu o caráter não salarial do vale-transporte Revista Via Legal O advogado Felipe Ribeiro, que trabalha no escritório responsável pela ação judicial, explica que as empresas sempre discutiram a base de cálculo da contribuição previdenciária da cota patronal. “A legislação institui como cotas de incidência desse tributo a folha de salário, mas muitos empregadores questionam o que de fato é considerado remuneração. O propósito era afastar a possibilidade da Fazenda Nacional e da Receita Federal exigirem o tributo em relação a essa verba. Ainda que se pague o valor em pecúnia, não vai descaracterizar a natureza do benefício”, disse ele. A decisão cria uma jurisprudência que pode beneficiar outras trinta ações coletivas que já tramitam na Justiça com o mesmo objetivo. Mais do que isso: a expectativa é que o Poder Legislativo altere a norma que veda a concessão do benefício em dinheiro. “Até que o STF declare a inconstitucionalidade da norma, a administração permanecerá exigindo, então o intuito foi exatamente preventivo, para que a empresa não seja compelida a recolher o tributo e que isso não seja um óbice para expedição de certidões negativas com efeitos positivos, certidões de regularidade fiscal”, completa Felipe. Como funciona O vale-transporte surgiu em 1985, diante de um cenário de caos econômico. Época de hiperinflação, com preços que subiam todos os dias. Os trabalhadores tentavam se planejar para que o salário fosse suficiente até o fim do mês. A situação piorava a cada dia, porque o preço da passagem do transporte público também era reajustado por conta da inflação. A consequência era que, em determinado ponto do mês, o trabalhador não tinha mais o dinheiro para chegar ao emprego. “Tinha que ter o dinheiro da passagem, então eu separava a quantia, mas tinha que arrumar outros meios para ir trabalhar, porque o dinheiro não dava”, lembra o arquivista Luis Antônio de Almeida. No começo, o vale-transporte era opcional, mas, dois anos depois, passou a ser obrigatório. Com o tempo, deixou de ser de papel e se transformou em eletrônico, impossibilitando qualquer tentativa de venda. Tornou-se a prova de falsificações e, mesmo quando é furtado ou roubado, o trabalhador pode cancelar o cartão sem perder o saldo, até que a segunda via fique pronta. Ainda tem outra vantagem: como só é aceito por empresas credenciadas, desestimula o uso de transporte clandestino. | Tributário 11 De acordo com Guilherme Wilson, gerente de Planejamento e Controle da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro - Fetranspor, o vale é a principal fonte de financiamento para a operação do transporte urbano no país, sendo responsável por quase 60% do faturamento do setor. “Por meio do gerenciamento, as empresas conseguem identificar, e até acompanhar, o uso dos recursos que elas estão fornecendo. Antes, você dava o benefício, mas não sabia se o trabalhador estava utilizando, se ele de fato precisava. Hoje, você consegue avaliar isso. E o vale, como benefício, acaba fortalecido”, concluiu. n Divulgação Fetranspor Para Guilherme Wilson, o vale é a principal fonte de financiamento do transporte urbano no país 12 Conselhos profissionais | Revista Via Legal Exigências descabidas O critério legal de obrigatoriedade, tanto de registro como de contratação de profissional habilitado, é determinado pela natureza dos serviços prestados. Com este entendimento, a Justiça Federal limitou a atuação de conselhos que vinham exigindo a cobrança de anuidade ou a contratação de profissionais de forma indevida Dione Tiago, com a colaboração de Viviane Rosa – Brasília (DF) A atuação de conselhos federais e regionais, criados com a missão de regulamentar e fiscalizar a atuação profissional em determinadas áreas, é hoje objeto de milhares de ações judiciais em tramitação no país. Os motivos dos questionamentos são muitos e vão dos valores cobrados, como anuidades, às exigências para a emissão de registros e de carteiras profissionais. No caso do órgão que representa os químicos, outro motivo também tem levado a entidade ao banco dos réus: a tentativa de exigir a contratação de pessoas com formação superior na área para exercer atividades que, quase sempre, não guardam relação direta com a prática química. Revista Via Legal Um exemplo desse comportamento foi adotado por alguns conselhos regionais, que entendem ser legal a exigência de que condomínios residenciais contratem um profissional formado em Química para ser o responsável técnico pela limpeza de piscinas coletivas. Em Porto Velho (RO), por exemplo, a contratação só deixou de ser exigida depois de duas determinações judiciais. O caso chegou aos tribunais por iniciativa do Conselho Regional de Química da 14ª Região (CRQ14). No processo, a entidade pediu que a limpeza das piscinas fosse condicionada ao registro do condomínio no CRQ e à contratação de responsável técnico pelo serviço. A entidade alegou ainda que a falta de um controle rigoroso da água – a ser feito por quem entenda do processo de descontaminação, análise e utilização de produtos químicos –, representa risco para a saúde dos condôminos. O conselho sustentou que, como o tratamento da água requer o uso de substâncias controladas e dirigidas – sem aditivos químicos pré-fabricados –, justifica-se a competência exclusiva do químico. No entanto, os argumentos da entidade não convenceram nem o juiz que analisou o processo em primeira instância e nem o relator do recurso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o desembargador federal Reynaldo Fonseca. Ao analisar o caso, o magistrado negou o pedido, confirmando o direito do condomínio de contratar outros profissionais para fazer a limpeza das piscinas. O desembargador lembrou que a Lei 6.839, de 1980, deixa claro que o registro de uma instituição ou entidade em um determinado órgão de classe deve ocorrer de acordo com a principal atividade desempenhada. “Então, a primeira pergunta que se faz: qual é a atividade básica de um condomínio residencial? É a ativiASCOM / TRF1 Para Reynaldo Fonseca, não é necessária a contratação de químico para manipular as substâncias usadas na limpeza das piscinas dade de reação química? Não. Portanto, o pedido do Conselho não foi aceito”, resume. Ainda na decisão, o desembargador rebateu os argumentos da entidade em relação à necessidade do químico na manipulação das substâncias usadas na limpeza das piscinas. Para Fonseca, esses produtos são vendidos prontos e vêm acompanhados de instrução de fácil compreensão. “Precisamos ter um profissional de Química fiscalizando as reações químicas na sua produção. Agora, não podemos chegar ao absurdo de entender que em uma casa seja necessária a contratação de um profissional químico fiscalizando a piscina”, encerrou. Peças de arte E essa não foi a única derrota jurídica recente sofrida pelos conselhos regionais de Química. Em São Paulo, outra sentença impediu a (...) a Lei 6.839, de 1980, deixa claro que o registro de uma instituição ou entidade em um determinado órgão de classe deve ocorrer de acordo com a principal atividade desempenhada entidade de fazer cobranças e impor obrigações a uma empresa. A determinação foi dada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região e tem como beneficiária a empresa Cerâmica Artística Alvorada, instalada na cidade de Porto Feliz, no interior do Estado. A unidade, que produz peças de arte tendo a cerâmica como matéria-prima, vinha sendo pressionada por integrantes do CRQ da 4ª Região (CRQ4), inclusive com a execução de dívidas geradas a partir do não pagamento da anuidade exigida pelo órgão de classe. Para justificar as autuações, o CRQ4 afirma que a empresa executa atividades próprias da indústria química e que, por isso, com base no artigo 1º da Lei 6.839/80, deveria ter o registro junto à entidade. Por discordar da medida, a empresa acionou a Justiça Federal e, em primeira instância, o pedido foi considerado improcedente. Na opor- | Conselhos profissionais 13 tunidade, o juiz levou em conta um laudo pericial, segundo o qual ocorrem reações químicas durante o processo produtivo, especialmente durante a queima das peças. A cerâmica não se conformou e levou o caso ao TRF3, onde obteve uma resposta positiva. Como argumentos para se livrar da obrigação, a empresa alegou que a fabricação de material cerâmico prescinde de químico responsável, uma vez que a obtenção de seus produtos finais decorre de simples operação com matéria-prima e componentes adquiridos livremente no comércio. Afirmou ainda que sequer possui laboratório próprio. O recurso foi analisado pelo desembargador federal Johonsom De Salvo, que foi taxativo na decisão. Citando a Lei 2.800/56, que criou e estabeleceu as regras gerais para atuação do Conselho Federal de Química, e a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), o magistrado frisou que o critério legal de obrigatoriedade, tanto de registro como de contratação de profissional habilitado, é determinado pela natureza dos serviços prestados. “A parte autora não é uma indústria que se dedica ao ramo da química como atividade-fim, possuindo por objeto social a fabricação de material cerâmico, pelo que é inexigível seu registro no CRQ”, afirmou em um dos trechos da decisão, que também considerou desnecessária a inscrição da pessoa jurídica junto ao órgão de classe. No processo, o CRQ4 ainda sustentou que o rol de atividades que exigem a contratação de químicos pelas indústrias, discriminado no artigo 335 da CLT, é meramente exemplificativo. Mas o argumento não convenceu o magistrado que, listando decisões semelhantes tomadas no próprio TRF3 e também no Superior Tribunal de Justiça (STJ), isentou a indústria de se submeter à fiscalização do conselho. n EMAG / TRF3 De Salvo destacou que a obrigatoriedade se restringe às indústrias que se dedicam ao ramo da química como atividade-fim 14 Inclusão | Revista Via Legal Ouço, logo vejo Há pelo menos oito anos, o Brasil espera o cumprimento de uma norma que deveria ser sinônimo de acessibilidade e cidadania. Por lei, as emissoras de TV devem incluir, de forma gradativa, o recurso da audiodescrição na programação. Mas prorrogações e recursos judiciais têm retardado a implantação da medida, criada para garantir mais autonomia aos deficientes visuais Adriana Dutra, com informações de Viviane Rosa - Brasília (DF) “U ma determinada empresa faz uma propaganda e diz: ‘ligue agora para o telefone que está na sua tela’. Dá vontade de morrer, porque você não tem acesso a isso”. O desabafo é da servidora pública Noemi Rocha. A brasiliense está entre os 16 milhões de brasileiros com deficiência visual e reclama da indisponibilidade do serviço de audiodescrição, previsto na Lei 10.098/00, a lei de acessibilidade. O serviço está no centro de um imbróglio jurídico, e teve o mais recente capítulo no fim do ano passado, quando uma liminar, concedida pelo ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) e uma portaria do Ministério das Comunicações, que determinavam o cumprimento imediato do cronograma original de implantação da audiodescrição na programação das emissoras de TV que exploram canais abertos. Tudo começou em junho de 2006, quando a Portaria 310/06, do Ministério das Comunicações, instituiu o prazo de 24 a 132 meses para implantação da audiodescrição. Na época, dúvi- das e perguntas sobre detalhes técnicos levaram o órgão a abrir uma consulta pública sobre o tema. O resultado foi a criação de novo calendário de implantação, definido por meio da Portaria 188/10, segundo o qual as emissoras teriam até dez anos, a contar de 1º de julho de 2010, para atingir o mínimo de 20 horas semanais de disponibilização do recurso na programação. A flexibilização para o cumprimento da regra deixou insatisfeito o Ministério Público Federal (MPF), que decidiu comprar a briga. Para a procuradora da República no Distrito Federal, Luciana Loureiro, a alteração contrariou os interesses dos deficientes visuais. “Se essa norma complementar tivesse entrado em vigor em 2006, nós chegaríamos em 2016 com as 24 horas da programação televisiva dotada de recursos de audiodescrição”, reclama a procuradora. O MPF ajuizou, então, uma ação civil pública. A disputa judicial colocou em lados opostos o MPF, que defende o cumprimento da norma de 2006, e o Ministério das Comunicações (MC), para quem as regras a serem obedecidas são as da Portaria 188/2010. No TRF1, o relator do processo, desembargador Souza Prudente, afastou o novo cronograma, considerando que “as restrições aos direitos dos portadores de necessidades visuais, elencadas na Portaria 188/2010, afiguram-se como graves violações aos princípios da não discriminação, da proibição do retrocesso e da isonomia, na medida em que impõe tratamento diferenciado ao mesmo universo de telespectadores que pretendem ter acesso às fontes de cultura nacional”. Esse resultado levou o MC a editar a Portaria 322/A/2013, determinando o cumprimento imediato do cronograma inicial. Para Souza Prudente, a regulamentação deve funcionar como forma de tornar efetivas as medidas de inclusão dos portadores de deficiência. “No que se refere à programação televisiva, as regras visam dar eficácia plena à Constituição, que garante a todos o acesso à informação (CF, artigo 5º, XIV ), promovendo a integração na vida comunitária das pessoas portadoras de deficiência (CF, art. 203, IV ) e assegurando a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional (CF, art. 215, caput)”. Revista Via Legal Com esse resultado, quem ficou insatisfeita foi a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), que entrou então com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 309) junto ao STF. A intenção era que o STF declarasse a constitucionalidade da Portaria 188 e a inconstitucionalidade da Portaria 322/A/2013 e do acórdão do TRF1. Segundo a associação, a exigência de cumprimento imediato do cronograma original, além de transgredir diversos preceitos fundamentais, é impossível de ser atendida devido a “obstáculos técnicos intransponíveis” e aos altos custos de adaptação de uma tecnologia já defasada, o que geraria sérios problemas financeiros e operacionais e teria impacto negativo na migração para a TV digital. A entidade argumenta ainda que o cronograma de 2010 leva em conta a necessidade de adaptação das emissoras à tecnologia digital e as dificuldades de implantação da audiodescrição em tecnologia analógica, e foi instituído com ampla participação da sociedade civil. Os argumentos da Abert foram aceitos no STF. Ao conceder a liminar, o ministro Marco Aurélio destacou que a matéria “envolve dificuldades empíricas e técnicas que exigem conhecimentos e informações específicas indispensáveis”. E, na sua avaliação, o Ministério das Comunicações, “sob uma óptica realista”, é o órgão habilitado, “diante do quadro de pessoal que possui e da função constitucional que desempenha, a tomar decisões complexas como a ora examinada, considerados aspectos essencialmente técnicos, diagnósticos tematicamente particularizados e necessidade de amplo domínio sobre as limitações fáticas e as perspectivas operacionais dos destinatários da política pública em jogo”, frisou na decisão. O ministro assinalou ainda que as múltiplas variáveis que levaram à alteração do cronograma Agência STF Marco Aurélio entende que o Ministério das Comunicações é competente para definir o cronograma “não são imunes ao crivo judicial, especialmente se levada em conta a relevância constitucional do propósito social buscado”. Alertou, porém, que a complexidade “requer cautela por parte dos magistrados e maior deferência às soluções encontradas pelos órgãos especialistas na área”. Assim, o afastamento dos motivos que levaram à mudança “pode corresponder a imposições impossíveis de serem realizadas e à usurpação de competência do agente constitucionalmente legitimado para resolver questões dessa natureza, resultando na transgressão de preceitos fundamentais como a separação de poderes, o devido processo legal e a eficiência administrativa”. Serviço valioso A funcionária pública Noemi Rocha é casada com o cineasta João Júlio Antunes, que também tem a visão limitada — ambos só enxergam vultos. Ela perdeu a visão em um acidente de carro e ele sofre de retinose pigmentar — doença incurável que provoca perda de visão noturna e dificuldade de enxergar quando há pouca lumi- “(...) Nós queremos ter o direito de assistir a um filme livremente e enxergar, entende?” Noemi Rocha nosidade ou claridade excessiva, além de perda progressiva da visão periférica e estreitamento do campo visual. Apesar da cegueira, eles contam que conseguem desempenhar, sem ajuda, várias atividades do dia a dia. Uma autonomia que não se repete na frente da TV. “Você não tem acesso a uma coisa natural para as outras pessoas. Alguém fala na TV: ‘olha que luxo essa praia, esse carro, essa casa! Mas só que a gente não está vendo a cor da casa, não sabe nem se ela tem teto, se ela não tem. Então, para a gente, isso é horrível, é falta de informação. No dia a dia, o que a gente precisa é que a programação seja para todos”, desabafa Noemi. Por conta da dificuldade, o casal afirma que o recurso da audiodescrição torna-se imprescindível. “É tudo o que o cego precisa ter. Para eu ver um filme sozinha, se eu tiver esse recurso, é a melhor coisa, eu não preciso incomodar ninguém para perguntar sobre a cena. Quer liberdade maior? Quer prazer maior do que ter essa autonomia?”, questiona Noemi. | Inclusão 15 Saiba mais A audiodescrição é a narração em língua portuguesa integrada ao som original da obra, contendo descrições de sons e elementos visuais e quaisquer informações adicionais que sejam relevantes para possibilitar a melhor compreensão do vídeo por pessoas com deficiência visual e intelectual. Quem entende do assunto garante que as emissoras têm tecnologia para possibilitar essa inclusão. “Numa tevê digital você toca o filme em inglês, na língua original ou dublado, em português, já traduzido. Quer dizer, vocês têm trilhas sonoras correndo paralelamente. A audiodescrição vem correndo numa trilha paralela a essas”, explica o presidente da Associação Brasiliense de Deficientes Visuais (ABDV ), César Magalhães. Para ele, esses adiamentos não fazem sentido. “Foi feito um cronograma que já era uma forma de dar um tempo para que as emissoras se adequassem. Flexibilizar isso significa protelar, empurrar com a barriga, não faz o menor sentido”, resume César, com o apoio incondicional de Noemi, que está entre os quatro milhões de deficientes visuais do país que torcem para a norma ser cumprida. “Pelo amor de Deus, demorou para essa inclusão que tantos almejam acontecer. Ela já tinha que ter chegado a esses milhares e milhares de pessoas que têm essa cegueira. É sair do marasmo para o mundo, para a vida. Porque nós queremos viver, é isso! Nós queremos ter o direito de assistir a um filme livremente e enxergar, entende?”, finaliza. n Paulo Rosemberg /CJF César Magalhães garante que as emissoras de tevê têm tecnologia para garantir a inclusão 16 Inclusão | Revista Via Legal Divulgação: Defensoria Pública da União Oferta de cidadania Uma iniciativa simples, que envolve poucos recursos, tem feito a diferença na vida de brasileiros que, durante anos, foram invisíveis ao poder público. Uma realidade que choca e retrata a desigualdade que muitos preferem ignorar. A ideia saiu do papel há mais de três anos e a cada dia se consolida como um instrumento de cidadania Carolina Villacreces e Conceição Gama – São Paulo (SP) “E les são os necessitados dos necessitados, porque não têm o que comer, nem onde dormir. Jamais vão pensar em procurar os seus direitos, eles pensam em sobreviver”. É assim que o defensor público da União, Fábio Quaresma, define os mais de 15 mil moradores de rua que vivem atualmente na cidade de São Paulo. Sem emprego, dinheiro ou documentos, muitos deles não têm sequer coragem de procurar ajuda em órgãos públicos, o que inclui a Justiça. Uma realidade que está mudando graças ao apoio dado pelo Juizado Especial Federal ao Grupo de Trabalho em Defesa dos Direitos das Pessoas em Situação de Rua (GT-Rua). A iniciativa é resultado de uma parceria entre a Defensoria Pública da União, a Defensoria Pública do Estado e o Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras). O grupo presta assistência jurídica a pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social, despertando nelas sentimentos de dignidade e cidadania. “O GT já atendeu mais de 3,2 mil pessoas que, até então, só estavam preocupadas em saber o que iriam comer ou onde iriam dormir. Essas pessoas não tinham meios de ir atrás dos seus direitos. E muitas delas, a partir da interme- diação do GT, conseguiram sacar seu Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e outros benefícios”, explica Fábio Quaresma, que também é coordenador do GT-Rua. O primeiro passo do trabalho é a orientação jurídica mas, em muitos casos, a conversa evolui para providências práticas. Em sua grande maioria, as ações referem-se a benefícios do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), como aposentadoria e auxílio-doença. Quem já trabalhou com carteira assinada, por exemplo, descobre a possibilidade de solicitar o saque do Plano de Integração Social (PIS) e do FGTS. “Mesmo nos casos em que a gente não consegue resolver, isso é uma oferta de cidadania. O morador de rua se sente valorizado, porque está sendo atendido por um profissional qualificado”, avalia Quaresma. Em 2013, o Grupo de Trabalho completou seu segundo ano de atuação, com recorde no atendimento à população em situação de rua, especialmente em casos relativos ao saque do FGTS e aos benefícios do INSS. Mais de 600 ações judiciais já foram protocoladas, sendo 90% com resultado a favor do morador de rua. O diferencial é a rapidez no atendimento. Nas varas federais comuns, o tempo de tramitação varia de dois a três anos. Já nos juizados especiais, a média é de 90 dias. No local onde ocorre o atendimento jurídico, a população atendida recebe até mesmo um “chá da tarde”. Mas o que realmente faz diferença no dia a dia dessas pessoas são as conquistas como a de Edilson Alves. Ele conseguiu receber o valor depositado na conta do Fundo de Garantia. “Eu trabalhei em algumas empresas, mas não sabia que existia isso de FGTS. Quando recebi essa orientação jurídica do Grupo de Trabalho, soube que tinha esse direito. Com o dinheiro, vou conseguir sair dessa situação de morador de rua e recomeçar minha vida”, afirma. Carlos Cacita, outro beneficiado pelo projeto, conseguiu resgatar o dinheiro do PIS. “Por estar nessa situação de vulnerabilidade social, a gente acha que não vai conseguir nada, nem os nossos direitos. Mas o meu processo foi bem rápido. Hoje, eu me sinto menos abandonado pela sociedade e mais cidadão”. O grupo de trabalho conta com 20 defensores e três estagiários. Os atendimentos são feitos nas terças e quintas-feiras, das 8h às 12h, no Sefras, na Rua Riachuelo, 268, Centro de São Paulo. n Revista Via Legal | Previdenciário 17 Vida dedicada à ARTE A história de um agricultor do interior de Sergipe chama a atenção pelo despreendimento e respeito à cultura. Mesmo reconhecido como artista, ele ganha a vida apenas do trabalho no campo. E a aposentadoria rural só foi conquistada depois de um processo na Justiça Dione Tiago, com informações de Edna Nunes - Aracaju (SE) Fábio Cordeiro / JFSE A sensação é que faltam as palavras corretas para definir ou qualificar o personagem principal desta reportagem. Aos 67 anos, o sergipano Cícero Alves dos Santos é, no mínimo, um homem múltiplo, que construiu uma história de vida única, recheada de amor e, principalmente, de respeito à arte. A trajetória desse nordestino virou objeto de interesse da Revista Via Legal porque, como milhares de brasileiros que vivem no campo, ele precisou recorrer à Justiça Federal para que o INSS reconhecesse sua condição de agricultor e lhe concedesse a aposentadoria. “A profissão que me deu sustento foi a agricultura”, afirma o trabalhador, de forma simples, resumin- do a explicação que a Previdência teimou em ignorar e que foi o motivo da abertura de uma ação junto ao Juizado Especial Federal em Aracaju (SE). Para entender a história, é preciso voltar no tempo. Nascido em 1947, Cícero – que recebeu este nome em reverência ao padroeiro do Nordeste – diz que, desde muito cedo, entendeu que deveria homenagear, de alguma forma, o sertanejo. “Coube a mim ir montando a história de um povo, que não foi registrada pela literatura”, afirma, com a autoridade de quem mantém 17 mil peças esculpidas em madeira. São figuras de animais e pessoas que, juntas, formam uma espécie de museu particular, montado na pequena propriedade, no município de Nossa Senhora da Glória, a 126 quilômetros de Aracaju. O museu – que abre as portas de forma gratuita a todos que querem falar e aprender sobre arte, mas se fecha para os interessados no comércio – foi construído a poucos metros da plantação de milho e feijão mantida pelo artesão-agricultor. É da lavoura que Cícero retira todo o sustento de casa. Um trabalho árduo, que começou aos cinco anos, quando era obrigado a seguir para o campo ao lado do pai e dos irmãos. “A gente tinha de plantar. Eles achavam que eu tinha uma mão boa para as plantas e então fazia isso com gosto”, recorda. 18 Previdenciário | Revista Via Legal Foi também nessa época que Cícero descobriu e se encantou pela arte. Um projeto de vida que, no início, por volta de 1955, era motivo de perseguição dos pais. As primeiras peças eram figuras humanas, feitas de cera de abelha, nos intervalos do trabalho na roça. “Meus pais achavam que eu estava brincando de boneca, porque o menino tinha de ser homem, e a mulher ficava na cozinha. Partiam para a advertência em forma física. Eu sofri muito, porque eu queria trabalhar com isso, mas tinha de esconder”, detalha. Para evitar as reprimendas, o jovem artista trocou a cera por madeira e passou a esconder o resultado do trabalho. Depois de acumular dezenas de peças, a maioria tinha um destino trágico. Cícero conta que, como consideravam as esculturas peças mortas, na noite de São João, ele fazia uma fogueira e se livrava da produção. “Era uma forma de protesto, porque eu achava que a fumaça entrava nos olhos deles e eles sentiam pelo menos um desconforto”, revela, referindo-se aos pais e vizinhos, que insistiam em rejeitar a sua vocação. O reconhecimento Foram anos de sofrimento e trabalho desfeito pelo fogo, até que Cícero passou a guardar as esculturas, para que a família admitisse que ele jamais desistiria de criar. A partir daí, o trabalho começou a ganhar visibilidade. O primeiro evento em que ele participou como artesão foi um curso promovido pelo extinto Mobral, que se dedicava à alfabetização de adultos. Depois vieram outros, muitos outros. Cícero diz que já perdeu as contas de quantas exposições participou e quantos prêmios recebeu. Mas alguns são especiais. É o caso do troféu Asa Branca, entregue pelo Governo de Minas Gerais, como reconhecimento ao trabalho desenvolvido em favor da preservação da Caatinga. “Eu fui sem saber o que era. E naquele lugar grande, eu, que saí da roça, fui aplaudido por muita gente. E eu olhava e não via nenhum conhecido. Foi muito importante”, relembra. A trajetória do agricultor no mundo das artes inclui ainda a participação em dezenas de eventos na capital sergipana, o convite para confeccionar uma peça para o então presidente da República, João Batista Figueiredo, além de exposições em São Paulo e até em Paris, na França. De cada viagem, ele guarda recordações e histórias que confirmam o amor pela arte e o desejo de fazer com que as pessoas pensem em cultura, algo que, para Cícero, vai ser difícil, por um motivo singular. “Arte é muito difícil porque o pessoal do governo é muito pobrezinho em termos de cultura”, resume. O distanciamento e até a resistência do artista em relação ao universo político aparece de forma clara em vários momentos da entrevista. Quando cita o presente feito para o presidente da República, por exemplo, Cí- cero faz questão de dizer que não estava no momento da entrega. “Foi o Governo de Sergipe que deu. Eu só fiz”. Em outro momento, o artesão relata o fato de ter participado de uma exposição em que as suas peças sequer foram mostradas, porque as atenções estavam voltadas para um “carneiro”, feito pelo prefeito, que também era o “dono” da televisão que promovia o evento. A simplicidade do artista aparece de forma ainda mais clara quando ele se refere às viagens que fez – primeiro para São Paulo, e depois para Paris. Cícero foi escolhido pelo Instituto Imaginarium, que pretendia selecionar os melhores artistas do país. “Eu disse: eu vou. Vocês mandam aí as passagens, pagam a hospedagem, me pegam aqui e eu vou”, resume, completando que todas as providências foram tomadas pela empresa. Em Paris, Cícero conta que o mais estranho foi depender de um intérprete para se comunicar. “É muito difícil você sair daqui com o seu linguajar e a sua voz passar a ser a dele”, relata, completando que o único compromisso na capital da França foi o projeto cultural. Ele trouxe volta ao Brasil os 120 euros que ganhou para comprar alguma lembrança da viagem. “Eu não ia comprar nada que não fosse do meu país”, afirma. Fábio Cordeiro / JFSE Fábio Cordeiro / JFSE Cícero Alves dos Santos esculpe obras em madeira, mas sempre retirou o sustento da agricultura “Arte é muito difícil porque o pessoal do governo é muito pobrezinho em termos de cultura”, diz Cícero Revista Via Legal Arte não combina com dinheiro Voltar de Paris trazendo na bagagem os euros que havia ganhado foi apenas uma das demonstrações de desapego ao dinheiro dadas ao longo da vida pelo artista Cícero Alves dos Santos, também conhecido pelo apelido de Véio. “Eu acho que sou um descendente de São Francisco, eu ajudo, mas dispenso a paga”, sintetiza. Durante toda a conversa, ele repetiu várias vezes que nunca pensou em ganhar dinheiro com a arte. “De exposições, que é para mostrar o trabalho, eu participei de muitas, mas vernissage – que tem a venda, eu nunca fiz”, garante. E, ao longo de mais de 50 anos, não faltaram propostas de interessados em pagar pelas peças exclusivas. Nessas ocasiões, Cícero diz que sempre arruma uma desculpa para não vender. “Elas não foram feitas para isso. Nenhuma tem etiqueta. Eu me sinto mal, não é o meu objetivo”, justifica, completando em seguida: “Eu não trabalho para turista, eu trabalho para mim”. Mas não são todos os visitantes do museu que saem de mãos abanando. Seu Cícero diz que avalia a pessoa e que, se sentir que ela gosta mesmo de arte e entende a importância do trabalho, sempre entrega uma lembrança. “Mas não cobro”, enfatiza. Quando a insistência é grande, o artista perde a paciência e não esconde a decepção. Um desses episódios aconteceu quando, segundo ele, recebeu a visita da prefeitura de um município da região, acompanhado de um homem que, logo na entrada, foi apresentado, não pelo nome, mas pela posição social, uma ofensa, na visão do artista. “Ele disse que era o dono de uma grande empresa. Ficou falando isso o tempo todo”, recorda. Quando o visitante insistiu em comprar algumas esculturas, Cícero diz que não teve dúvidas ao responder: “O senhor pode ser dono dessas empresas aí, mas eu sou o dono das peças e, para o senhor, eu não vendo”. n | Previdenciário A luta pela aposentadoria Como em outras áreas da vida, a conquista da aposentadoria também não veio de forma fácil para o sergipano Cícero Alves. Segundo ele, a primeira tentativa foi feita junto ao INSS, quando a idade já havia passado dos 60. Poderia ter sido antes, mas ele preferiu completar 15 anos de moradia na atual propriedade e de recolhimentos para o sindicato rural. “Quando completou, eu juntei os papeis todos, da terra, do Incra, e levei lá para o agente”, afirma. Segundo ele, a primeira resposta que ouviu foi de que estava tudo certo e que em breve ele estaria aposentado. “Um conhecido meu lá do INSS falou que ia fazer tudo, mas passou um mês, dois, três e nada. Fui atrás e ele começou a se esquivar”, diz. Só depois de muita insistência, Cícero foi informado pelo funcionário de que o pedido havia sido negado pelo INSS. O instituto entendeu que ele era um artista e que ganhava a vida com o artesanato. Dessa forma, ele não teria direito à aposentadoria rural, prevista na Constituição Federal, que qualifica os agricultores como segurados especiais da Previdência. “Primeiro eu falei: ‘vou deixar isso prá lá’. Mas um conhecido meu disse: ‘não, vamos atrás’, e foi o que eu fiz”. Ir atrás significou procurar a 6ª Vara do Juizado Especial Federal na cidade de Itabaiana. Foi quando o destino de Cícero se cruzou com o do juiz federal Fábio Cordeiro da Silva. O magistrado explica que, no momento da audiência – a última de um dia cansativo de trabalho –, ficou muito intrigado com a história e também com a firmeza do relato do agricultor. “Eu vi os documentos da terra, depois vi as fotos e até as histórias do trabalho dele como artista, mas uma dúvida muito grande me assaltava”, afirma, completando que ali, no gabinete, não se sentiu seguro para conceder e nem para negar o pedido que constava no processo. Para dirimir a dúvida, o juiz decidiu fazer uma inspeção e, de novo, diz que se surpreendeu com a reação do agricultor. “A todo momento, eu falava: ‘eu vou lá’, para ver se ele demonstrava convicção, e ele sempre respondia: ‘pode ir, vá lá. Está tudo lá’”, detalha o magistrado. Fábio Cordeiro ressalta que a desconfiança está sempre presente no julgamento de processos que pedem aposentadoria rural, porque não são raros os casos de pessoas que pedem o benefício mesmo sem ter o direito. “O alto grau de infor- malidade no nosso país, aliado às facilidades de ser segurado especial, estimula algumas pessoas a pedirem esse benefício sem ter direito. E a gente precisa ser mais cuidadoso para evitar que essa situação ocorra”, explica. Decisão oral A inspeção na propriedade de Cícero não podia ter sido mais esclarecedora. O juiz lembra que foi acompanhado de um procurador do INSS e que, assim que chegou ao local, pôde constatar a veracidade de todas as informações repassadas na audiência pelo artesão/agricultor. “Tinha duas plantações de milho, o tamanho, o local, os instrumentos. Tudo estava lá, do jeito que ele falou”, enumera. Bastaram alguns minutos para que tanto o juiz quanto o representante do INSS se convencessem de que aquele homem simples, porém decidido, era um segurado especial e tinha direito à aposentadoria solicitada. “O INSS fez a proposta de acordo e eu homologuei oralmente que ele estava sendo aposentado”, conta o magistrado, lembrando que a notícia foi dada a ele quando o grupo estava dentro de uma capela construída pelo agricultor na propriedade. Para o juiz, o desfecho do caso foi, além de uma oportunidade para que ele, como representante do Estado, fizesse justiça, uma lição de vida. Fábio Cordeiro ressalta a segurança, a coragem e o orgulho de seu Cícero em relação à história de vida do sertanejo e ao amor à arte. “Ele tem muito a ensinar para a gente. É um motivo de orgulho ter podido, no meio de centenas de processos, ter garantido esse direito a uma pessoa como ele”, encerrou. Arquivo pessoal No local, Fábio Cordeiro constatou a veracidade do depoimento do agricultor 19 20 Previdenciário | Revista Via Legal Edson Queiroz / CJF Experiência reconhecida Trabalhadores que atuaram como aprendizes ainda são obrigados a recorrer à Justiça Federal para que o INSS reconheça o tempo dedicado à atividade, que pode ser computado no cálculo da aposentadoria. Nem a existência de um decreto federal garante o atendimento dos pedidos na esfera administrativa Liamara Mendes – Brasília (DF) Elmirlene Merce desfruta de sua primeira oportunidade de emprego como aluna-aprendiz A possibilidade de entrar no mercado de trabalho de forma qualificada e protegida é o anseio da maioria dos brasileiros. Para aproximadamente 1,7 milhão de adolescentes entre 14 e 18 anos, esse desejo já é realidade. O número corresponde à parcela de trabalhadores atendidos pelo Programa Jovem Aprendiz, mantido pelo Governo Federal há 14 anos e que tem núcleos em funcionamento em todo o país. Entretanto, nem sempre foi assim. Durante décadas, a atividade experimental, apesar de permitida e incentivada pelo poder público, funcionava sem amparo legal. Uma falta de regulamentação que ainda hoje traz problemas e causa prejuízos a quem atuou como aprendiz. Não são raros os casos em que o jovem precisa recorrer à Justiça para provar a experiência profissional. Um caso recente envolveu um ex-aluno da Escola Agrotécnica Federal de Uberlândia, em Minas Gerais. José Gilberto Ribeiro da Silva foi aluno aprendiz no período de fevereiro de 1975 a novembro de 1977. Durante esse tempo, o jovem recebeu uma espécie de bolsa da União. Em 2007, quando acreditava ter completado o tempo necessário de trabalho para se aposentar, ele procurou o INSS, que negou o pedido. Para o instituto, no período em que ele atuou como aluno aprendiz, não existiu uma relação de trabalho, mas sim de aprendizado. Diante da recusa, José Gilberto acionou a Justiça Federal. A sentença foi favorável ao trabalhador, mas a União recorreu e a decisão definitiva – o trânsito em julgado – só saiu em abril de 2014, depois de um segundo julgamento do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília. O relator do recurso foi o juiz federal Márcio Barbosa Maia, convocado para atuar como desembargador na corte. No acórdão, o magistrado lembrou que a jurisprudência já está pacificada no sentido de que todo aluno-aprendiz que recebeu verbas da União para estudar pode usar o tempo de formação para se aposentar. Revista Via Legal Arquivo TRF1 Para Márcio Maia, não reconhecer o tempo de contribuição seria prejudicar duplamente o trabalhador O juiz frisou ainda que essa remuneração tanto pode ter sido efetivada em espécie como por meio de serviços, como alimentação, fardamento, material escolar, pousada, calçados e vestuário. Márcio Maia lembrou que tem sido expressivo o número de pessoas que buscam amparo judicial para não ser obrigado a trabalhar mais tempo antes da aposentadoria. Uma das explicações para essa procura é o fato de a lei, até a promulgação da Constituição de 1988, permitir que as pessoas começassem a trabalhar aos 12 anos. De acordo com o magistrado, a jurisprudência entende que não se pode prejudicar duas vezes o menor, tendo em vista que ele já foi prejudicado uma vez, pois, em vez de estar estudando, estava trabalhando. “Agora seria um segundo sacrifício se a jurisprudência não reconhecesse o tempo de contribuição”, comenta Maia. Situação parecida A possibilidade de incluir o tempo como jovem aprendiz para efeito de aposentadoria foi reconhecida pelo governo brasileiro em 1992, quando entrou em vigor o Decreto 611. A norma deixa claro que o direito está restrito a alunos que receberam remuneração para cobrir gastos com materiais, moradia e outros itens. Neste caso, eles podem somar esse tempo de estudo para conseguir o benefício. Mesmo assim, o INSS continua ignorando a regra e negando os pedidos, com o argumento que não havia vínculo empregatício entre escola e aluno-aprendiz quando vigorava o Decreto-Lei 4.073/42. Essa também foi a resposta dada a um aluno da Escola Agrotécnica Federal de Catu, na Bahia. Nesse caso, assim como aconteceu com o morador de Minas Gerais, o assunto também foi parar nos tribunais. O recurso foi analisado pela desembargadora federal Neuza Alves. Em seu voto, a magistrada citou decisões já tomadas e consolidadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de reconhecer a contagem, nas situações em que fica comprovado o pagamento por parte da União. A desembargadora Neuza Alves entendeu que o demandante tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição integral, uma vez que o período em que ele manteve vínculo com a escola profissionalizante deve ser acrescido ao tempo já comprovado. A magistrada determinou a revisão do benefício pelo órgão competente, com base nos índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal, ou seja, ao valor do benefício devem ser acrescidas as correções decorrentes da aplicação do IPCA. Segurança Os atuais aprendizes estão amparados pela Lei 10.097/00, regulamentada pelo Decreto 5.598/05. Pelas normas, eles devem ter entre 14 e 24 anos e podem desenvolver atividades nessa condição por, no máximo, dois anos. A validade do contrato de aprendizagem está condicionada à anotação na Carteira de Trabalho e ao recolhimento da contribuição previdenciária. Também há recolhimento de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o FGTS. A diferença é que, em vez de 8% – como ocorre com os demais trabalhadores –, no caso dos aprendizes, o percentual depositado na conta vinculada é de 2% do salário. O objetivo do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), expresso no Plano Plurianual (PPA 2012-2015), é a contratação de 1,268 milhão de aprendizes até o fim de 2015. Os dados mais recentes são de 2013, quando 646.058 jovens já haviam sido admitidos por meio do programa. Para ser beneficiado, o jovem precisa ser selecionado por uma empresa cadastrada no programa que prove cumprir todas as regras. A coordenadora de integração empresa-escola da Federação do Comércio, Regina Malheiros, explica que são muitas as opções disponíveis e que os jovens devem encarar o programa como uma porta de entrada para o mercado de trabalho. “A ideia é gerar a oportunidade do primeiro emprego e daí ele já iniciar uma carreira”, afirma. É exatamente com esse espírito que Elmirlene da Silva Merce, que mora em Brasília, encara a o projeto. A jovem, de 20 anos, desfruta da sua primeira oportunidade de emprego, que veio acompanhada de um curso profissionalizante. Ela trabalha em uma concessionária da capital | Previdenciário 21 como técnica em mecânica. O conhecimento adquirido em sala de aula é fundamental para o desempenho da função. Elmirlene se orgulha do progresso que já obteve. “Eu monto sensor de estacionamento, som de carro, frisos da lateral, câmera de ré. Tudo eu sei fazer. Tudo e mais um pouco”, conta. Além de Elmirlene, a concessionária também contratou outros aprendizes. Como a determinação é de que os jovens permaneçam por, no máximo, dois anos no programa, o futuro parece incerto após o término do período. Contudo, o desenvolvimento das atividades com presteza, responsabilidade e determinação pode ser a garantia de vagas no mercado de trabalho. “Se tudo correr do jeito que está, vamos ficar com todos eles”, afirma o gerente de serviços da empresa, Túlio da Costa Jorge. n O que diz a lei A aprendizagem é estabelecida pela Lei 10.097/00, regulamentada pelo Decreto 5.598/05. A norma estabelece que todas as empresas de médio e grande porte estão obrigadas a contratar jovens entre 14 e 24 anos. Trata-se de um contrato especial de trabalho por tempo determinado de, no máximo, dois anos. Os jovens beneficiários são contratados por empresas como aprendizes de ofícios previstos na Classificação Brasileira de Ocupações - CBO do MTE, ao mesmo tempo em que são matriculados em cursos de aprendizagem, em instituições qualificadoras reconhecidas, que se responsabilizam pela certificação. A carga horária estabelecida no contrato não pode passar de 8 horas diárias e deve contemplar o tempo necessário à vivência das práticas do trabalho na empresa e o aprendizado de conteúdos teóricos ministrados na instituição de aprendizagem. A cota de aprendizes está fixada entre 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, por estabelecimento, calculada sobre o total de empregados cujas funções demandem formação profissional. Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego 22 Previdenciário | Revista Via Legal Auxílio na invalidez Aposentados por invalidez que precisam de acompanhante têm direito a acréscimo de 25% no pagamento mensal do benefício. A norma é clara, mas nem sempre é cumprida pela Previdência Viviane Rosa – Brasília (DF) A previsão legal é clara. De acordo com o artigo 45 da Lei 8.213/91, o valor da aposentadoria por invalidez do segurado que necessitar de assistência permanente de outra pessoa será acrescido de 25%. A prática, no entanto, tem evidenciado um número expressivo de casos em que, mesmo preenchendo o requisito previsto na lei que disciplina os planos de benefícios da Previdência Social, a pessoa só consegue receber o acréscimo depois de recorrer à Justiça. Um desses casos chegou à Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) e serviu de base para que os magistrados aprovassem o entendimento de que o INSS deve pagar a diferença de forma retroativa. O acréscimo na aposentadoria beneficia pessoas como a ex-auxiliar de cozinha Edina Lopes, que mora no Distrito Federal. À primeira vista, não é possível sequer desconfiar que a mulher que prepara o próprio jantar e faz questão de colocar a casa em ordem acaba de ser aposentada por invalidez. Ela não tem limitação física, mas os médicos constataram que problemas psíquicos a impedem de continuar trabalhando. “Às vezes eu estou dentro de casa e ouço uma voz me chamando”, relata a paciente de 53 anos, que chegou a passar três dias entre a vida e a morte depois de tomar, de uma vez, uma caixa inteira de comprimidos. Diante da evolução do quadro clínico, o INSS reconheceu que Edina precisava de um cuidador em tempo integral e, por isso, adicionou ao pagamento o auxílio acompanhante. Hoje, ela é monitorada o tempo inteiro pela irmã Anadisce Lopes e por uma sobrinha. As duas se revezam para que a aposentada não fique sozinha em nenhum momento, conforme recomendação médica. Anadisce detalha a rotina da casa e faz questão de lembrar a importância do valor extra pago pelo INSS. “Às vezes tem que comprar também verdura, comprar uma vitamina, os remédios que faltam, e esse dinheiro já faz muita diferença”, resume. Por lei, os 25% a mais devem ser pagos mesmo que o segurado já receba o teto da Previdência, que hoje equivale a R$ 4.390,24. A legislação prevê ainda que o valor deve ser corrigido de forma automática, sempre que o benefício principal for reajustado. O pagamento extra cessa com a morte do aposentado, não sendo incorporável ao valor de pensão, se for o caso. Para ter acesso ao recurso, não basta apresentar laudos de médicos particulares. A pessoa deve ser examinada por um profissional do INSS. A coordenadora-geral de perícias médicas do instituto, Doris Ferreira Leite, explica que esse é o único profissional que pode fazer o enquadramento. “O segurado deverá se enquadrar nas situações previstas em lei, como a cegueira total, doenças que o incapacitem e o mantenham permanentemente no leito e deverá ser submetido a uma perícia médica que caracterize essa situação”, resume. Mauro Putini / TRF1 Anadisce Lopes, à esq., cuida para que Edina Lopes não fique sozinha em nenhum momento, conforme recomendação médica Revista Via Legal Divulgação INSS Doris Ferreira Leite explica que só o perito do INSS pode enquadrar o segurado nas situações previstas em lei Dificuldade de acesso O aposentado por invalidez Flávio da Silva, que ficou cego há 15 anos, depois de ser atingido no rosto por uma garrafa de vidro, está entre os segurados que têm direito ao auxílio acompanhante. Deveria receber o acréscimo desde que foi afastado do trabalho, mas o incremento só chegou cinco anos depois. É que o INSS havia ignorado a recomendação do perito. Flávio conta que, quando soube que deveria estar recebendo o dinheiro a mais, procurou o instituto, que reconheceu a falha e fez os pagamentos. “O bom é que eu recebi todo o retroativo desde aquela época”, recorda. Na concepção do ex-laboratorista que, por ironia, trabalhava fabricando garrafas, o auxílio acompanhante é fundamental para todo cego. “Para dar um passo, preciso de alguém. Ainda mais o deficiente com cegueira adquirida, como é o meu caso”, exemplifica. Segundo o aposentado, sair de casa era um dos maiores desafios na tentativa de se adaptar à nova condição. Hoje é o cão-guia quem leva o aposentado para quase todos os lugares. Antes de Platão, porém, ele diz que dependia dos pais. “Isso era muito constrangedor para mim”. A expectativa de Flávio é que o entendimento da Justiça Federal beneficie outros segurados que, assim como ele, podem até aprender a se virar sozinhos mas, em algumas situações, ainda dependem de um acompanhante. “Meu acompanhante é o Platão, mas tem determinadas situações em que eu preciso de uma pessoa. Existem lugares em que o deficiente visual não tem acesso, até pelo fato de a acessibilidade ser precária”, finaliza. Nos casos em que o instituto se nega a pagar os valores retroativos do benefício, resta ao segu- rado fazer o pedido na esfera judicial. Foi o que fez um aposentado por invalidez, que só soube que tinha direito aos 25% alguns anos após o afastamento do trabalho. Ao procurar a Previdência, ele foi informado que o perito não havia recomendado o pagamento extra, apesar da sua situação se enquadrar nos critérios discriminados na Lei 8.213/91. Após a reclamação, o INSS informou que passaria a pagar a diferença, mas se recusou a acertar os valores atrasados. Inconformado, o aposentado decidiu acionar a Justiça Federal. Questionada sobre a resistência do instituto em liberar o pagamento dos valores retroativos, a diretora do INSS foi taxativa. Segundo Doris Leite, vale a data do requerimento administrativo. “Vai ser sempre a data da entrada do requerimento. Não tem como o INSS pagar retroativamente esse benefício”, alegou. O processo foi julgado pela TNU, que ordenou ao INSS que pagasse os valores atrasados com juros e correção monetária. “O que a Turma decidiu é que, se for constatado pela perícia do INSS, ao deferir o benefício de aposentadoria por invalidez, que a pessoa não tinha condições de cuidar sozinha de si, ou seja, precisava do amparo de terceiros, ela tem direito desde então, não a partir de um requerimento específico, mas desde o momento em que o próprio INSS apurou a sua condição física”, explica o juiz federal | Previdenciário 23 Divulgação CJF Segundo Gláucio Maciel, a ideia é proporcionar uma vida melhor a quem não tem condições de cuidar de si próprio Gláucio Maciel Gonçalves, que foi o relator da matéria no julgamento da TNU. O magistrado fez questão também de ressaltar que o dinheiro não precisa ser aplicado exclusivamente na contratação de um acompanhante. “Caso a pessoa não tenha um cuidador, serve também para que possa adquirir medicamentos, para que possa fazer exames não pagos pelo SUS e também ter uma vida melhor em razão dessa impossibilidade de trabalho, que é acrescida da impossibilidade de cuidar de si próprio”, avaliou. n Tem direito ao acréscimo de 25% no pagamento o aposentado por invalidez que se enquadra em uma das seguintes situações: – cegueira total; – perda de nove dedos das mãos ou superior a esta; – paralisia dos dois membros superiores ou inferiores; – perda dos membros inferiores, acima dos pés, quando a prótese for impossível; – perda de uma das mãos e de dois pés, ainda que a prótese seja possível; – perda de um membro superior e outro inferior, quando a prótese for impossível; – alteração das faculdades mentais, com grave perturbação da vida orgânica e social; – doença que exija permanência contínua no leito; – incapacidade permanente para as atividades da vida diária. 24 Previdenciário | Revista Via Legal Justiça chega aos “esquecidos” Juízes e servidores da Justiça Federal passaram uma semana no Deserto do Jalapão atendendo a trabalhadores rurais que só aposentam a enxada no limite da resistência física. A distância do INSS e a falta de documentos que comprovem a atividade no campo foram barreiras eliminadas pelo juizado itinerante. Magistrados determinaram a concessão de aposentadorias, pensões, auxílios-doença e salários-maternidade a quem dificilmente teria acesso a esses benefícios Viviane Rosa – Mateiros (TO) C ercada por dunas, cachoeiras e nascentes que formam poços de águas cristalinas, vive uma das populações mais pobres e isoladas do país. Os pouco mais de dois mil habitantes moram muito perto da entrada do Deserto do Jalapão. Apesar da proximidade com esse importante ponto turístico do país, a cidade tem apenas uma rua pavimentada e, mesmo na avenida principal, algumas casas ainda são de adobe, um tijolo rudimentar feito de barro, água e palha. A energia elétrica só chegou há 12 anos. Na mesma época, também foi instalada a rede de esgoto, que entupiu e nunca foi consertada. Praticamente não há comércio na região. A maioria da população vive da agricultura de subsistência e se alimenta do que colhe nas pequenas propriedades. A descrição acima, que serve para um número expressivo de pequenos municípios do país, é de Mateiros, no interior de Tocantins. A carência da população é evidente e atinge todos os serviços públi- cos. A realidade de abandono fez a Justiça Federal escolher o lugar como base para a realização de um juizado especial itinerante, de 25 a 29 de novembro de 2013, destinado a resolver questões previdenciárias. O desafio foi oferecer serviços a que, sozinhos, dificilmente os moradores conseguiriam ter acesso. “O INSS, muitas vezes, não tem condições de estar presente em todas as localidades e essas pessoas ficam afastadas da presença do Estado”, avalia o juiz federal Rafael Branquinho, coordenador do juizado. A escolha do tema previdenciário se deve às características predominantes na região, onde a maioria dos moradores vive do trabalho no campo. O problema é que quem envelhece e adoece quase sempre não consegue largar a enxada. Adão Teixeira, de 65 anos, é um desses casos. O agricultor mora sozinho em um sítio a seis quilômetros de Mateiros. Visivelmente debilitado, ele tem reumatismo, perdeu parte dos movimentos das mãos e os cotovelos são tomados Adão Teixeira convenceu o juiz de que trabalhou a vida inteira no campo e conseguiu a aposentadoria por caroços. O trabalhador rural diz que sente dores por todo o corpo, mas não pode parar. “Tem que plantar uma mandioca, um pouquinho de milho para as galinhas. Tem dia em que eu não aguento caminhar de jeito nenhum. Só levanto da cama me escorando”, revela. Adão Teixeira foi atendido no juizado itinerante. Mesmo não apresentando nenhum documento que comprovasse a atividade rural, ele conseguiu o benefício. O juiz ficou convencido de que ele trabalhou a vida inteira no campo. “São pessoas com pouco mais de 50 e aparência de 80. Acaba que essa questão docu- Revista Via Legal Ramon Pereira / TRF1 mental torna-se menos importante”, explica o juiz Rafael Branquinho. Ao deixar a sala de audiência, o agora aposentado rural parecia não compreender o que havia acabado de acontecer. “Vai continuar a mesma coisa. Vou ver se aumento a produção de galinha. Só tem que comprar mais milho”, resumiu. No Brasil, embora o sistema previdenciário adote o modelo contributivo, ou seja, a concessão de benefícios está vinculada ao recolhimento de contribuições, há uma flexibilização das regras quando os pedidos são apresentados por moradores da zona rural. Por lei, quem vive da agricultura em regime de economia familiar deve recolher 2% do faturamento anual da propriedade para os cofres do INSS. No entanto, a legislação não exige a comprovação desse recolhimento, uma lacuna que tem permitido a milhares de pessoas o recebimento de benefícios como aposentadoria, auxílio-doença, salário maternidade e pensão por morte. Alguns casos são atendidos diretamente nos balcões do INSS, mas como uma boa parcela dessa população não consegue provar a ligação com o campo, muitos pedidos são negados na esfera administrativa. A boa notícia é que quando esses casos são levados à Justiça Federal, há uma tendência de os juízes considerarem a informalidade, muito comum na zona rural, como um atenuante, na hora de analisar os processos. Ramon Pereira / TRF1 Rafael Branquinho acredita que, diante das dificuldades, a questão documental torna-se menos importante | Previdenciário 25 Ramon Pereira / TRF1 Neusa Dias conseguiu garantir o salário-maternidade referente a dois de seus oito filhos Para Waldemar Carvalho, faz bem ao magistrado saber como vivem os cidadãos esquecidos pelo poder público Municípios vizinhos testemunhas determinados fatos. Às vezes elas mesmas trazem informações que atrapalham a pretensão delas”, explica o juiz federal Waldemar Carvalho. Além da pensão por morte, dona Maria Madalena vai começar a receber mais um salário mínimo. “Eu vou endireitar minha casa, que vive rachando”, comemora. No penúltimo dia de atendimento, uma senhora com a coluna muito curvada quase passava despercebida entre tantos idosos. A identidade mostra que Laurentina Ribeiro chegou longe. A extrabalhadora rural é de 1905 e, apesar dos 108 anos, ainda está lúcida. A viúva recebe pensão pela morte do marido, mas, como também trabalhou a vida inteira no campo, quer se aposentar. Dona Os moradores de Mateiros não foram os únicos atendidos no juizado itinerante. Os juízes que conduziram as audiências ouviram também os relatos de pessoas que vivem em povoados vizinhos ou em cidades próximas. Neusa Dias, de 33 anos, é de Recursolândia, a 400 quilômetros do município. Recém-operada e com o filho de um mês no colo, a trabalhadora rural, mãe de oito crianças, viajou mais de 10 horas em estrada de terra para tentar receber o salário-maternidade referente às duas gestações anteriores. “Desse aqui eu já fiz o registro, mas ainda não recebi. Quando eu receber, aí eu vou fazer o pedido”, explica a trabalhadora, mostrando o caçula, que passou a noite com ela em uma rede num dos três alojamentos disponíveis na cidade. Maria Madalena, de 81 anos, que usa um cabo de vassoura como bengala, foi uma das primeiras atendidas na estrutura montada na prefeitura da cidade. A ex-trabalhadora rural é pensionista, mas foi informada que também poderia receber a aposentadoria. O juiz e o procurador precisavam saber até quando ela trabalhou no campo. Uma informação simples, mas difícil de ser esclarecida. Dona Maria Madalena foi questionada de diversas formas e só respondia “eu não lembro”. Somente depois de ouvir uma testemunha, o juiz concedeu o benefício. “É preciso ter muita paciência, perguntar várias vezes, esclarecer com as Ramon Pereira / TRF1 Foi preciso ouvir uma testemunha para saber por quanto tempo dona Maria Madalena trabalhou no campo 26 Previdenciário | Revista Via Legal Laurentina, no entanto, é da época em que a lei só permitia o acúmulo dos benefícios para o chamado arrimo de família, o mantenedor da casa. Como, para o INSS, o sustento só poderia vir do homem, a Procuradoria do instituto negou o benefício. Esse, porém, não foi o fim da história. “A Constituição Federal tirou qualquer discriminação entre o sexo masculino e o feminino. Portanto, eu não reconheço essa argumentação”, decidiu o magistrado Waldemar Carvalho. Com a decisão da Justiça Federal, a ex-trabalhadora rural passa a receber dois salários mínimos: um de pensão e outro de aposentadoria. Dona Laurentina vive no povoado de Mumbuca, a 35 quilômetros de Mateiros, onde moram 52 famílias. A casa de adobe, teto de palha e chão batido parece frágil. O espaço mais parecido com um banheiro é coberto por palhas e só tem chuveiro. A Fundação Nacional de Saúde chegou a erguer um cômodo para instalar uma pia e um vaso sanitário, mas a obra, iniciada há quatro anos, nunca foi concluída. A idosa diz que vai usar o dinheiro da aposentadoria para terminar o banheiro e comprar o que só com um salário mínimo nem sempre é possível ter em casa. “Tá faltando uma carne, que é cara, farinha, tudo. Tenho o sonho de melhorar a vida e fazer esse banheiro”, diz. Balanço Além de dona Laurentina, outras 254 pessoas foram beneficiadas durante o juizado itinerante. Juntas, elas vão receber do INSS R$ 786.368,40. O número de acordos superou as expectativas da organização, totalizando 83% dos casos. Os impactos do juizado itinerante não atingem apenas os moradores. Ver de perto como vivem brasileiros esquecidos pelo poder público é uma experiência importante para quem tem a missão de fazer justiça. “O juiz vê a realidade e procura entender as dificuldades de transporte, de saúde, de segurança, de instrução”, finaliza o juiz Waldemar Carvalho. n Há dez anos, a história era outra O juizado itinerante realizado em novembro foi a segunda vez que uma comitiva da Justiça Federal esteve em Mateiros. Um trabalho semelhante foi realizado em 2003 e acabou despertando a população para aspectos ligados à cidadania. Dez anos depois, Via Legal reencontrou uma moradora que chamou a atenção de servidores e juízes na primeira passagem da comitiva da Justiça Federal pelo Jalapão. Maria Balbina Batista não aparenta ter menos que os 77 anos registrados nos documentos, mas quem lembra dela há uma década diz que a agricultora parece ter rejuvenescido. “Ela se mostrava muito fragilizada. Se não fosse o problema na visão, eu creio que ela estaria mais ativa”, surpreende-se o servidor do Ministério Público Federal, Wellington Antenor, que a conheceu no primeiro juizado. Ele recorda que, na época, chegaram às mãos de um servidor da Justiça Federal fotos de uma senhora que vivia em situação precária em um povoado a 30 quilômetros da base montada para os atendimentos. Dona Maria Balbina, desnutrida e com os dedos deformados pela hanseníase, morava sozinha em uma casa de palha. Sem condições de voltar a trabalhar na lavoura, ela dependia da irmã, Joaquina Batista, que também não tinha renda. Viviam apenas da agricultura de subsistência. Depois de ser atendida por um juiz, ela soube que passaria a ter uma renda fixa. O magistrado determinou que o INSS pagasse a ela o amparo assistencial. O benefício, no valor de um salário mínimo, destina-se a idosos e deficientes que não têm condições de arcar com o próprio sustento. O reencontro permitiu a constatação de que a ex-trabalhadora rural continua levando a mesma vida simples. A diferença é que a casa de palha já não existe. Com o dinheiro que passou a receber, foi possível construir outra, de alvenaria, que a idosa garante ser muito mais confortável. “Naquela casa, a que desman- Fernanda Souza / TRF1 Antes de receber o benefício, Maria Balbina dependia de parentes chou, goteirava na cama. Essa aqui ficou bem tampadinha, não gotera, não”, garante. A saúde ainda inspira cuidados. Ela conseguiu tratar a hanseníase mas, nos últimos anos, perdeu a visão. Hoje, boa parte do dinheiro recebido do INSS é usada na alimentação e para cuidar da saúde. “Melhorou um bocado, porque dá para comprar um remedinho e as coisas dela comer”, confirma a irmã, agora aposentada rural, que completa: “se eu não tivesse aposentado eu não comia nada”, conta Joaquina Batista. A casa nova é tão rudimentar quanto a antiga, mas tem uma estrutura reforçada e uma varanda coberta. É onde a única moradora mais gosta de ficar. Protegida do calor do Jalapão e mais bem alimentada, dona Maria Balbina mal lembra aquela senhora frágil, de rosto queimado e envelhecido pelo sol, que há uma década parecia estar no fim da vida. Fernanda Souza / TRF1 JEF itinerante realizado há 10 anos em Mateiros Revista Via Legal Licença ambiental: o gargalo da fiscalização A lei é rigorosa: para sair do papel, um empreendimento precisa de licença ambiental. Dependendo do tamanho da obra, as autorizações são dadas pelos municípios, pelos estados ou pela União Adeilton Oliveira – Niterói (RJ) D e Niterói se tem uma vista completa da cidade do Rio de Janeiro. Imagine só ter na frente o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor, a floresta da Tijuca e a Gávea, tudo de uma só vez. Para valorizar essa visão, em 2009, a prefeitura do município reurbanizou a orla das praias de Icaraí e Flexas, com o alargamento dos calçadões para a faixa de areia, a reforma dos bancos e a criação de um espaço que foi reservado aos quiosques. Os frequentadores adoraram. Mas o Ministério Público questionou na Justiça Federal a maneira como a obra foi feita. O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) não teria sido consultado – uma providência obrigatória por lei, já que a área é considerada terreno de Marinha e, portanto, do Governo Federal. A Prefeitura de Niterói, na época, se baseou num convênio assinado com o Governo do Estado do Rio de Janeiro, que transferia para o município a responsabilidade de licenciar obras que provocassem apenas impactos locais. Wilson Madeira, professor de Direito Ambiental da Universidade Federal Fluminense (UFF) explica que a atitude é consequência da política nacional de descentralização. “Até alguns anos, o licenciamento era todo do órgão federal: o Ibama. Mas a política nacional de meio ambiente foi pensada na forma sistêmica. Então, o primeiro passo foi que todos os estados tivessem suas secretarias de ambiente. Um segundo passo foi que todos os municípios também viessem a ter suas secretarias específicas. Então, o Sisnama – Sistema Nacional de Meio Ambiente – é onde todos os entes federativos, a princípio, vão trabalhar de forma independente, mas harmônica. A princípio, os licenciamentos de impacto local, de baixo impacto, ficam sob a competência do município “, esclareceu o professor. A descentralização previa obrigações e limites para todos os participantes do Sisnama. No caso do convênio assinado pelo Município de Niterói, era necessário que a prefeitura montasse uma estrutura que incluía a contratação de técnicos habilitados para fiscalizar e analisar os pedidos de licenciamento. As providências eram mesmo necessárias, uma vez que, na época da assinatura do acordo, o Conselho e o Fundo Municipais de Meio Ambiente, que estabelecem as diretrizes da política ambiental da cidade, sequer existiam. Diante da falta de estrutura e do fato de que as obras já estavam concluídas quando o caso foi julgado, o juiz da 4ª Vara Federal de Niterói, William Douglas dos Santos, considerou que a demolição do que já estava pronto seria mais prejudicial ao meio ambiente, uma vez que os danos ambientais sofridos já estavam consolidados. No entanto, o magistrado condenou o Município de Niterói a não emitir licença ambiental antes de prover os cargos do quadro de fiscalização ambiental e de aprovar o Código Ambiental Municipal. A decisão também determinou que, nos casos em que os demais entes federativos pudessem sofrer o impacto ambiental da obra, as licenças só fossem emitidas com o aval do Instituto Estadual do Ambiente – Inea e/ou do Ibama. | Ambiental 27 Daniel Marques, atual secretário municipal de Meio Ambiente, reconhece que Niterói não estava preparada, e toma como exemplo a falta de documentação sobre as questões ambientais. “No nosso exercício aqui, não encontramos nenhum estudo prévio de impacto ambiental com termo de referência que tenha sido feito pela secretaria municipal. Havia muita solicitação para que o órgão estadual fizesse esse tipo de estudo. E isso demonstra certa fragilidade do corpo técnico, porque quando você delega ou pede auxílio a outro órgão, é porque você reconhece que não tem condição de fazer”, revela. Novo panorama – Com a instalação do conselho local de meio ambiente e a publicação da Lei Complementar 140/2011, que regulamentou a competência dos municípios para emitir licenças ambientais, Niterói voltou a brigar na Justiça, desta vez no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, a fim de recuperar o direito de autorizar novos empreendimentos. E teve o apoio, inclusive, do Inea. “Os efeitos de tal decisão acarretarão uma sobrecarga no sistema de licenciamento ambiental do Instituto, que hoje opera cumprindo todas as demandas dentro de prazos legais, mas com o esforço limítrofe de seu efetivo e uso de sua estrutura”, declarou o órgão estadual, em ofício que foi anexado ao processo. Diante das providências tomadas pelo Município, o desembargador federal Sergio Schwaitzer acatou o pedido e alterou a primeira determinação. Ele entendeu que obrigar a municipalidade a colher prévia manifestação dos órgãos de controle e fiscalização ambiental estadual e federal, poderia gerar riscos de grave lesão à ordem e à economia públicas, acarretando atraso dos pedidos apresentados, com significativos transtornos e sobrecarga de serviço para o Inea. Para Mario Mantovani, diretor de políticas públicas da ONG SOS Mata Atlântica, o caso de Niterói é um exemplo do que se repete em diversas cidades do país. “Agora, o que a gente vê? Qual é a regra geral? O Ibama não tem estrutura porque o orçamento é muito pequeno, e você acaba prejudicando os licenciamentos. As demandas são cada vez mais frequentes, mas não se tem estrutura. Nos estados, é a mesma coisa e nos municípios, isso se reproduz”. Ele discorda de que faltam técnicos habilitados para executar a política nacional de meio ambiente. “Os técnicos estão disponíveis: biólogos, geógrafos, agrônomos, engenheiros florestais, químicos, gente ligada com a questão da arquitetura... O que nós não temos é vontade política”, conclui o ambientalista. n 28 Ambiental | Revista Via Legal Gustavo Moraes / CJF O lado frágil das feras Um espaço montado em uma fazenda a 80 quilômetros de Brasília garante qualidade de vida a felinos que foram retirados da natureza, maltratados e abandonados. Chamados de animais-problema, muitos deles viviam em celas minúsculas, em centros de triagem do Ibama Marina Cavechia - Corumbá de Goiás (GO) U ma jaula pequena, lacrada, escondida debaixo de um pano velho. Quando Cristina Gianni viu esse objeto misterioso, perguntou ao funcionário do zoológico de Brasília do que se tratava. Ele respondeu que ali dentro morava um bicho; mais especificamente, uma onça. “Em uma caixinha dessas?”, retrucou a visitante. “Nesse momento, ele levantou o pano e aquele olhar me pegou em cheio, desprevenida. Eu quis ajudar aquela onça de qualquer jeito, ela estava ali há quatro anos sem andar”, recorda. Foi assim que nasceu a ideia de criar uma organização não-governamental destinada a abrigar felinos que dificilmente poderão ser reintegrados à natureza. NEX é a abreviação do termo em inglês No Extinction, nome da ONG que já completou 13 anos de luta. Sua sede fica em uma fazenda, em Corumbá de Goiás. Partindo de Brasília, a viagem demora pouco mais de uma hora e, logo na entrada, o visitante tem a certeza de que ali vivem animais que estão no topo da cadeia alimentar, mas que, há muito tempo, perderam o trono. Não é raro encontrar bichos que carregam no corpo marcas de maus tratos, que nunca serão apagadas. Em outros, a cicatriz é invisível. São felinos que passaram anos sendo criados como animais de estimação e também amargam consequências irreversíveis. Para entender a origem do problema, primeiro é preciso conhecer a legislação brasileira que trata da proteção de animais silvestres. Quem captura animais na natureza com o objetivo de ganhar dinheiro com a comercialização está praticando tráfico. E mais: manter animais silvestres em casa como bichos de estimação também é ilegal e pode dar cadeia. A pena varia de seis meses a um ano de prisão. Em contrapartida, de acordo com as normas ambientais do país, uma pessoa que, por livre e espontânea vontade, entrega uma onça a agentes do Ibama, por exemplo, não sofre qualquer tipo de punição. E mais: uma resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), aprovada em Revista Via Legal 2013, deixa claro que, se o cativeiro domiciliar tiver condições de abrigar um animal selvagem, o proprietário poderá solicitar um termo de depósito ou até um termo de guarda. Na prática, significa uma autorização a quem, de alguma forma, em algum momento, descumpriu as regras. No caso dos felinos, no entanto, dificilmente o dono do animal terá condições de continuar com o bicho ou sequer vai se oferecer para cumprir essa tarefa. A explicação é simples: quando o instinto selvagem do animal sobressai, mantê-lo no ambiente doméstico transforma-se em um capricho muito arriscado. Justamente por isso, o destino mais frequente são unidades do Ibama. O problema é que a maioria dos centros de triagem (Cetas) também não têm a infraestrutura necessária para manter esses bichos. Há pouco espaço e falta dinheiro. Não é à toa que os felinos selvagens nessas condições recebem um rótulo: animais-problema. Se o poder público não tem condições de abrigar e cuidar deles, a alternativa está no terceiro setor. Na ONG NEX, por exemplo, os recintos têm cerca de 400 metros quadrados, água corrente e muita vegetação. Ao todo, são 15 espaços que abrigam 27 felinos: 14 onças pintadas, 8 pardas, 3 jaguatiricas e 2 jaguarundis. Antes de chegar à fazenda, muitos desses animais passaram por um intenso processo de humanização e, por isso, perderam o instinto de caça e de sobrevivência. A história de Brutus, uma onça-pintada que há quatro anos vive no retiro, ajuda a explicar as consequências da influência do homem na vida de animais selvagens. Quando ainda era filhote, ele foi comprado por uma família de Goiás que tratava o bicho como um integrante da família. Há relatos, inclusive, que ele tenha sido amamentado por uma mulher. “Como esse casal tinha uma filha com poucos meses de vida, acabou criando o Brutus como se fosse uma criança. Só que o bicho cresceu muito rápido. O pai teve que separar os dois, mas na cabeça do Brutus ele era irmão de ninhada da criança e não queria ficar longe dela de jeito nenhum”, conta o gerente da NEX, Rogério Jesus, relatando o problema que fez com que Brutus fosse descartado pela família. Cada recinto abriga uma história triste, que justifica o comportamento carente das onças. Nenhum visitante tem autorização para atravessar as grades, claro, mas quando uma pessoa se aproxima, as onças logo encostam o corpo na estrutura de ferro e pedem carinho. “A referência do animal é humana, mas é claro que ele não é humano. Ele é uma onça e o nosso pior trabalho aqui é fazê-lo lembrar-se disso”, explica a presidente da ONG. Soltando os instintos A calma e até a carência dos felinos desaparecem em um momento do dia. Na hora da alimentação, o jeito meigo de gato dá lugar à fera. Todos os dias, no fim da tarde, os tratadores passam nos recintos para alimentá-los. A comida é farta – cada animal come cerca de dois quilos de carne —, mas o acesso não é facilitado. Com a intenção de estimular a percepção dos felinos e diminuir o estresse, inevitável a uma situação de cativeiro, os funcionários da ONG escondem a carne. Para conseguir encher a barriga, as onças precisam usar o faro, descobrir o esconderijo e encontrar uma forma de chegar ao alimento. A comida pode estar em cima de uma árvore, “Tem aquele gostar que você quer pra si, quer ter o domínio. E tem também aquele gostar que você respeita o animal do jeito que ele é, ou seja, livre” Rogério Jesus dentro de um pedaço oco de madeira ou até debaixo d’água, onde o olfato passa a ser um sentido inútil. Seja qual for o grau de dificuldade, a comida sempre é encontrada. Apesar dos exercícios, é praticamente impossível ensinar uma onça a caçar e a se defender. Essa tarefa só tem chance de dar certo se começar a ser executada cedo, quando os animais ainda são bem novinhos. Foi por isso que a ONG criou um espaço diferente, onde dois filhotes estão sendo treinados. Eles vivem em uma área bem maior que a dos recintos convencionais e são submetidos a situações semelhantes às encontradas na natureza. “Temos que treinar os filhotes para que eles não procurem uma fazenda quando estiverem soltos e com fome. Primeiro, eles têm que conhecer o cheiro da presa, saber que o animal está próximo. Depois, nós apresentamos as fezes desses animais, e o bicho vai | Ambiental 29 ficando com fome. É tratamento duro, é sofrimento, mas é a verdadeira escola. Afinal, na floresta, nenhum bicho vai ficar sentado esperando para ser devorado”, explica Cristina. As dificuldades do treinamento são apenas uma parte do processo que deve anteceder a soltura de um animal silvestre na natureza. As regras estão previstas em uma norma do Ibama, aprovada em 2008. O texto detalha, por exemplo, as dez etapas que precisam ser vencidas para que o programa de soltura seja aprovado pelo Instituto. Com a autorização em mãos e os animais prontos, chega o momento de vencer a distância e a burocracia. Para ser solto, o animal precisa ser levado à região de origem, que muitas vezes está a milhares de quilômetros de distância dos cativeiros. “Tem que ter normas de soltura mesmo, porém a burocracia do país inviabiliza qualquer coisa. Em vez da preparação, o bicho passa a viver vegetando, esperando”, reclama Cristina Gianni. Por causa dessas dificuldades, a reprodução de onças em cativeiro é evitada ao máximo. Em treze anos de existência do projeto, apenas duas tiveram filhotes. O foco das nove pessoas que integram a equipe é mesmo criar condições para que os animais que chegam ao espaço tenham qualidade de vida. “Meu sonho é que homem e animal vivam em harmonia. Existem várias formas de gostar. Tem aquele gostar que você quer pra si, quer ter o domínio. E tem também aquele gostar que você respeita o animal do jeito que ele é, ou seja, livre”, completa o gerente do retiro, Rogério Jesus. n Posso visitar as onças? A resposta é sim! A ONG No Extinction está aberta ao público e recebe visitas durante os fins de semana. Mas fique atento, o passeio deve ser agendado com muita antecedência. Para reservar o seu lugar, basta mandar um email para [email protected] e esperar a confirmação. Cada pessoa paga R$100,00 que, além da visitação, dá direito a café da manhã, almoço e lanche da tarde. Além das onças-pintadas, jaguatiricas, pumas e jaguarundis, quem visita o espaço pode ver de pertinho tucanos e araras. 30 Ambiental | Revista Via Legal www.midiaindependente.org Cicatriz na Mata Atlântica Vinte anos após derrubar área da Mata Atlântica equivalente a 600 campos de futebol, empresa foi condenada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região a pagar indenização de R$ 26 milhões. O crime ambiental ocorreu no Município de São Francisco de Paula, na serra gaúcha Marcelo Magalhães - São Francisco de Paula (RS) L á se vão duas décadas desde que uma clareira na floresta chamou a atenção de um piloto que sobrevoava a Fazenda Faxinal, em São Francisco de Paula, no Rio Grande do Sul. Uma avaliação mais detalhada revelou um grave crime ambiental: a derrubada irregular de 600 hectares da Mata Atlântica. Denunciada, a dona da área – uma empresa agrícola – travou uma longa batalha jurídica na tentativa de se livrar das punições previstas em lei para esse tipo de agressão à natureza. Não deu certo. A decisão mais recente, tomada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, determinou que, além de recuperar a área, os responsáveis paguem R$ 26,5 milhões como indenização pelos danos causados ao ecossistema da região. As suspeitas de que havia algo errado surgiram em fevereiro de 1989, quando o piloto relatou o caso ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), ao perceber a falha na vegetação. Na época, fiscais do órgão estiveram na propriedade e confirmaram o crime. A constata- ção foi de que a Perini e Cia Ltda. aproveitou o fato de ter recebido algumas autorizações para desmatar parte da propriedade de 947 hectares e acabou avançando sobre a Mata Atlântica. O Ibama, além de levar o caso ao Ministério Público Federal (MPF), autuou a companhia, com a acusação de adotar o chamado corte raso – técnica que consiste na retirada de todas as plantas de uma determinada superfície. “Houve um pedido para o corte raso. A autorização foi negada e, mesmo assim, a empresa executou o Revista Via Legal Sylvio Sirângelo/TRF4 do valor inicial da indenização. No entanto, a análise de um recurso apresentado pelo MPF revelou novos indícios de irregularidades. Documentos provaram que a nova proprietária faz parte do mesmo grupo econômico da primeira denunciada. “Na época, fizemos um exame da composição social. Os sócios são os mesmos, a própria sede da empresa é uma ao lado da outra e o Tribunal entendeu que isso não poderia ser reconhecido como válido para este processo”, destacou o desembargador federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, relator do recurso no TRF4. A decisão, que obriga a empresa a recuperar a área devastada e a pagar indenização de R$ 26,5 milhões, ainda não é definitiva, ou seja, a Perini pode levar o caso aos tribunais superiores. A possibilidade não foi confirmada pelos advogados da companhia que, ao serem procurados por Via Legal, preferiram não se manifestar. Mesmo acreditando que as punições serão mantidas e que vão prevalecer no fim do processo, o procurador da República lamenta os danos causados ao meio ambiente. “Por mais que haja essa obrigação de recuperar a área – o que inclusive ainda não começou –, vai levar muito tempo pra que essa área seja recuperada”, resume Paulo Gilberto Leivas. n A decisão de Thompson Flores obriga a empresa a recuperar a área e a pagar indenização corte raso”, afirma o procurador regional da República, Paulo Gilberto Leivas. A empresa também foi denunciada por destruir áreas de preservação permanente, principalmente próximas a córregos e nascentes. No lugar da mata nativa, foram plantados eucaliptos e pinus, duas espécies muito usadas para a produção de madeira e apontadas como pragas, capazes de afetar o equilíbrio do ecossistema. “Eles derrubavam a mata, extraíam madeira para certas empresas e plantavam pinhos”, recorda Fleuri Zini, motorista de caminhão e morador da região. Nova dona Tamanduá-bandeira Depois de ser condenada em primeira instância, a Perini e Cia recorreu ao TRF, apresentando como principal argumento o fato de não ser mais a proprietária da Fazenda Faxinal. Foram apresentados documentos, segundo os quais, dois anos após obter as autorizações para a retirada de parte da vegetação, a empresa arrendou a propriedade à Transpinho. Dois anos mais tarde, foi oficializada a alienação da área, que passou a ser oficialmente da segunda companhia. Em um primeiro momento, os desembargadores acataram de forma parcial o pedido, determinando que a Perini pagasse apenas 10% Papagaio-depeito-roxo Ariranha Onça-parda Águia cinzenta Tiriba grande Lobo-guará Onça-pintada Rãzinha Bioma da Mata Atlântica: ocupa área litorânea do Rio Grande do Norte a Santa Catarina. 20 parques nacionais são o lar de algumas espécies em extinção | Ambiental Realidade da Mata Atlântica no país Originalmente, a Mata Atlântica abrangia uma área de 1.315.460 km², espalhados ao longo de 17 estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí. Hoje, restam 8,5% de remanescentes florestais acima de 100 hectares. Se forem considerados os fragmentos – acima de três hectares – esse índice chega a 12,5%. Classificada pela Unesco como Reserva da Biosfera, a Mata Atlântica é uma das áreas mais ricas em biodiversidade e mais ameaçadas do planeta. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 decretou a floresta como Patrimônio Nacional e, desde 2006, está em vigor a Lei Federal 11.428 que regulamenta o uso e a exploração de seus remanescentes florestais e recursos naturais. De acordo com o Censo Populacional 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 62% da população brasileira vive em área de Mata Atlântica. São mais de 118 milhões de habitantes em 3.284 municípios, que correspondem a 59% dos existentes no Brasil. Habitam a Mata Atlântica mais de 20 mil espécies de plantas, sendo 8 mil endêmicas, além de 270 espécies conhecidas de mamíferos, 992 espécies de pássaros, 372 anfíbios, 350 peixes e 197 répteis. Das 633 espécies de animais ameaçadas de extinção no Brasil, 383 podem ser encontradas lá. Fonte: SOS Mata Atlântica 31 32 Ambiental | Revista Via Legal Cuidado, animais na pista A presença de animais soltos nas margens das rodovias brasileiras está entre as maiores causas de acidentes. O problema se repete em todo o país, mas tem maior incidência na Região Sul, onde se transformou no motivo de uma ação judicial Isabel Carvalho – Brasília (DF) Revista Via Legal tância e condenou a Concessionária da Rodovia Osório-Porto Alegre (Concepa) a indenizar uma motorista que se envolveu em um acidente, em 1999. A colisão foi na altura do quilômetro 39 da Freeway (BR-290). O carro que ela dirigia bateu em uma vaca e ficou completamente destruído. A autora da ação deve receber o valor do carro, acrescido de juros e correção monetária. Na tentativa de reverter a condenação, a Concepa alegou que a culpa pelo acidente era exclusiva da autora da ação ou, então, do dono do animal que invadiu a pista. Mas o argumento não convenceu o relator do processo, desembargador federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle. Em seu voto, o magistrado destacou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem responsabilizado as concessionárias por acidentes desse tipo. Essas condenações se baseiam no princípio da responsabilidade objetiva, segundo o qual o Estado responde pelos atos de seus agentes, independentemente de dolo ou culpa. Um princípio que, desde a Constituição Federal de 1988, foi estendido às concessionárias. “A Concepa é responsável pela exploração, recuperação, manutenção, melho- O Brasil está entre os países que mais registram acidentes de trânsito no mundo. Entre as causas mais frequentes, é possível citar a imprudência de motoristas, a falta de conservação e sinalização das estradas e até a presença de animais nas pistas. Dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF) revelam que, entre janeiro de 2013 e fevereiro de 2014, foram registradas 4.764 ocorrências desse tipo. Em 199 delas houve vítimas fatais. Estes números só não são maiores porque agentes da PRF realizam um trabalho constante de retirada de animais das BRs. Apenas no ano passado, foram 12.669 apreensões. Apesar do esforço, ainda são muitos os registros. É que a fiscalização nem sempre é suficiente para vencer o descaso dos donos que, pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), cometem um crime e devem arcar com os prejuízos provocados por essas colisões. Dependendo das circunstâncias e dos locais dos acidentes, as vítimas podem recorrer à Justiça contra os donos dos animais, as empresas concessionárias e até o Estado. Se ficar provado, por exemplo, que faltou fiscalização em uma BR, a ação deve ser analisada na Justiça Federal. Em um desses casos, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou a sentença de primeira ins- | Ambiental 33 Ascom / TRF4 Des. Aurvalle: “cabe à concessionária o dever de vigiar pela segurança das pistas” ramento, monitoração e conservação da Rodovia BR-290”, afirmou o desembargador. Ele ressaltou ainda que, durante o processo, não foi apresentado nenhum indício de que a motorista tenha contribuído para o acidente. “Se ao motorista impõe-se o dever de obedecer devidamente à sinalização na rodovia, além dos cuidados redobrados em uma via expressa, por 34 Ambiental | Revista Via Legal Nilton Santolin Schunck Junior não concorda que a retirada dos animais que invadem as pistas seja uma obrigação das empresas outro lado, cabe à concessionária o dever de bem vigiar pela boa segurança nas pistas, e isso compreende o zelo para evitar acidentes decorrentes da invasão de animais “, explicou. O magistrado fez questão de ressaltar que, ao receber a concessão de uma BR, a empresa está ciente dos bônus e dos ônus envolvidos no contrato. “O bônus é cobrar o pedágio. No Brasil, inclusive, essa situação é bastante vantajosa porque, em geral, nas outras partes do mundo, as concessionárias de serviços públicos constroem as estradas para depois cobrar. Aqui no Brasil não, elas recebem a estrada pronta e apenas fazem a sua manutenção. Então, é normal que também haja um ônus maior, que seria, no caso, a responsabilidade pela vigilância e pela segurança dessa estrada”, concluiu D’Azevedo Aurvalle. O desfecho judicial do caso não agradou a Associação Gaúcha de Concessionária de Rodovias (AGCR). “Nós temos como prática não comentar decisões judiciais, pois elas devem ser objeto de recurso — quando cabível — e, caso não sejam reformadas, devem ser cumpridas”, afirmou o presidente da AGCR, Egon Schunck Divulgação: Instituto Ambiental ECOSUL Para Roberto Borges, a redução da quantidade de acidentes passa pela conscientização dos donos dos animais Junior, alegando em seguida que o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) é que, nesse tipo de ocorrência, a responsabilidade da concessionária é subjetiva, ou seja, só deve ser aplicada se for provado dolo ou culpa do agente. “É preciso examinar efetivamente a casuística do acidente para saber se há ou não responsabilidade da concessionária em indenizar o usuário”, sustentou Schunck Junior. O representante da associação também questiona o fato de a retirada dos animais que invadem as pistas ser apontada como uma obrigação das empresas. Ele explica que cada contrato tem uma previsão específica. Segundo Schunck Junior, aqueles firmados pela União na primeira fase de concessões não previam que as empresas deveriam detectar, capturar, remover e guardar os animais encontrados nas pistas. “Já os contratos da segunda e terceira fases atribuem essa obrigação às concessionárias. Os contratos estaduais, por exemplo, também não têm essa previsão”, completou. O contrato da Concepa, segundo ele, é da primeira fase, o que faz com que a empresa se sinta no direito de não assumir os custos do acidente ocorrido em 1999. Maior incidência As colisões e atropelamentos de bois, vacas, cachorros e outros animais se repetem em todo o Brasil, mas em alguns estados, como Minas Gerais e Rio Grande do Sul, a situação é ainda mais grave e crescente. Em 2006, por exemplo, foram registrados 165 atropelamentos nas rodovias gaúchas. Em 2010, este número mais que dobrou: os agentes da Polícia Rodoviária Federal registraram 369 casos. Já em 2013 e nos dois primeiros meses deste ano, o total de ocorrências saltou para 527. Foram oito mortes e 166 vítimas com ferimentos leves ou graves. Segundo Egon Schunck, no sul do país 11% dos acidentes nas estradas envolvem animais. “O sistema rodoviário gaúcho corta muitas fazendas e áreas de criação, em função da predominância da atividade primária em nosso estado. Temos grandes extensões de terra, com cercas fora de condições apropriadas, nas periferias das cidades. Nós temos também vilas de carroceiros que deixam os animais para pastar nas margens das rodovias”, acentuou Schunck. Revista Via Legal | Ambiental Divulgação: PRF Atropelamento de animais domésticos e silvestres Dados da PRF revelam que em 2013 e início de 2014 cerca de 527 acidentes em rodovias do RS envolveram animais Acidente durante fiscalização Os fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Roberto Cabral Borges e Anderson Valle, sabem muito bem o que é se envolver em um acidente com animais de grande porte. Na madrugada do dia 28 de janeiro de 2012 eles seguiam pela BR 101, em direção a Vitória da Conquista (BA), após operação de combate ao tráfico de animais silvestres, e acabaram atropelando uma égua. Segundo Roberto Cabral, que dirigia o veículo, a estrada estava escura e o mato alto dificultava a visão. “De repente, uma égua entrou na frente do carro, logo depois de uma curva, e não deu tempo de frear. A colisão foi muito violenta. Ninguém do carro se feriu, mas o animal caiu na estrada e ficou entre a vida e a morte”, explicou. Cabral recorda ainda que a segunda viatura do Ibama, que vinha logo atrás, por pouco não atropelou um cavalo, que também havia invadido a pista. De acordo com Anderson Valle, após sacrificarem e retirarem o animal da pista, eles descobriram que outras duas éguas também haviam sido atropeladas no local. Uma delas estava no matagal às margens da BR, com as duas patas traseiras quebradas. Diante da gravidade, os fiscais tiveram que sacrificar o animal. “Esse acidente foi uma fatalidade por vários motivos, entre eles a falta de sinalização, de consciência das pessoas que abandonam e não cuidam de seus animais, bem como da falta de uma legislação que puna esse tipo de descuido. O que aconteceu nesse dia foi uma negligência de vários agentes”, resume. Roberto Cabral faz outra revelação, que indica o tamanho e a frequência em que o problema se repete na BR 101. Segundo ele, três dias antes da colisão, a equipe do Ibama ajudou a retirar três burros que estavam no meio da pista. Eles haviam fugido de uma propriedade rural próxima ao local. “Essa é uma situação muito comum ao longo da viagem”, destacou. Na avaliação de Roberto Cabral, a redução na quantidade desse tipo de acidente passa pela conscientização dos donos dos animais, que devem ter uma guarda responsável. “Se eu tenho um animal, eu sou responsável por ele e, consequentemente, pelo dano que ele vier a causar a terceiros e especialmente pela vida e bem estar dele. Quando as pessoas têm os animais e não se responsabilizam por ele, isso faz com que aconteçam fatalidades como esta”, completa. No caso do Brasil, além de muita gente desconhecer a necessidade da guarda responsável, também faltam meios para se identificar os proprietários de cavalos e vacas que insistem em circular pelas rodovias. “Seria muito bom se os donos dos animais fossem obrigados a colocar microchip em cada um deles. Porém, ainda não temos uma legislação que os obriguem a fazer isso. Se existisse, teríamos condição de rastrear o animal, conseguiríamos ver a questão do abandono, dos maus-tratos, de um acidente envolvendo terceiros e seus bens e, com isso, saber quem responsabilizar”, concluiu Roberto Cabral. n Muitos motoristas ficam feridos quando atropelam animais de grande porte nas pistas, alguns até morrem, mas os números não deixam dúvidas: os bichos são as maiores vítimas. A quantidade de atropelamentos de animais, tanto silvestres como domésticos, impressiona: a estimativa é que o total de ocorrências chegue a 450 milhões por ano. No entanto, como a maioria delas não resulta em danos graves, o fato acaba passando despercebido. Com o objetivo de monitorar o impacto dos atropelamentos sobre a fauna silvestre e identificar pontos críticos de acidentes, foi criado em 2010 o projeto Rodofauna, ligado ao Instituto Brasília Ambiental (Ibram). Técnicos do órgão percorrem o entorno das 11 unidades de conservação que cortam o Distrito Federal. “Passamos duas vezes por semana nessas áreas, registrando e fotografando os bichos que a gente encontra, tanto os animais silvestres como os domésticos. Percebemos que era elevado o número de atropelamentos e, com base nisso, montamos um relatório, no qual propomos algumas medidas mitigadoras para região”, apontou o analista ambiental do Ibram, Rodrigo Santos. De acordo com Almir Figueiredo, que também é analista do Ibram e participa do projeto, os atropelamentos são a segunda maior causa direta de mortes de animais silvestres. Os números superam os da caça, que historicamente provocam a morte de milhares de aimais. “As pessoas não caracterizam o atropelamento como uma atividade negativa, mas sim como uma casualidade. Porém, se for calcular o prejuízo para a natureza, é muito grande”, contou. Os registros do projeto Rodofauna revelam uma curiosidade. A maioria dos casos de atropelamentos, cerca de 70%, envolve aves. “Justamente porque é difícil perceber que você atropelou um pequeno pássaro. Então, dá a sensação de que mamíferos são mais atropelados. Por isso, é importante a redução de velocidade nas rodovias no entorno das unidades de conservação”, resume Figueiredo, completando que os animais domésticos estão presentes em 15 % dos registros de atropelamentos. Rodofauna De acordo com o Ibram, a maioria dos atropelamentos envolve aves 35 36 Administrativo | Revista Via Legal Peso para a sociedade A circulação de veículos com peso superior ao previsto em lei é apontada como uma das principais causas de redução da vida útil das estradas. A ganância de empresários, a fiscalização ineficiente e o baixo valor das multas aplicadas na esfera administrativa explicam a alta incidência desse comportamento irresponsável, que coloca em risco a vida de motoristas. Mas, se depender da Justiça, quem ignora esses limites em nome dos lucros, vai pagar caro pela desobediência Eliane Wirthmann – Brasília (DF) O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) define o limite de peso que cada veículo pode transportar, além de estabelecer penalidades em caso de desobediência. No entanto, as regras não impedem que caminhões circulem com toneladas a mais pelas rodovias do país todos os dias. Para frear a ilegalidade e garantir o cumprimento da lei, a Justiça Federal tem sido acionada com frequência cada vez maior. As empresas infratoras quase sempre são as mesmas — foi o que revelou um levantamento feito pelo Ministério Público Federal (MPF) entre 2007 e 2010. Na época, foram identificados os 100 maiores responsáveis pela prática. “Algumas ações chegam a apontar 13 mil infrações por empresa nesse período”, conta o procurador da República, Paulo Roberto Galvão de Carvalho. Um dos processos teve como ré a Indústria de Rações Patense Ltda., que tem sede na cidade de Patos de Minas (MG). Na ação, o MPF pediu que a empresa fosse punida por descumprir a lei e ainda tivesse que pagar uma indenização para compensar os danos causados à malha viária nacional. Como o pedido foi negado em primeira instância, os procuradores recorreram ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região. O caso foi analisado pela 5ª Turma do tribunal, que reformou a sentença e, por unanimidade, deu razão ao MPF. De acordo com a decisão, a empresa terá que pagar multa no valor da carga transportada, além de duas indenizações: uma por danos materiais, pelos estragos provocados às rodovias, outra por danos morais coletivos, pelos prejuízos causados de forma indireta à população. Ao todo, a empresa terá que desembolsar R$ 40 mil. Arquivo pessoal Procurador Paulo Carvalho: “algumas ações chegam a apontar 23 mil infrações por empresa entre 2007 e 2010” Revista Via Legal O desembargador federal Souza Prudente, relator do caso no TRF 1ª Região, faz questão de lembrar que os danos à população vão além dos buracos e estragos na pista. “Essas empresas individuais emitem gases nocivos, que agridem o meio ambiente, podendo até concorrer para o desequilíbrio climático, além de agredir a saúde do próprio motorista”, avalia o magistrado. Souza Prudente rebateu ainda críticas de que não caberia à Justiça aplicar esse tipo de penalidade. “O Judiciário não foi chamado a aplicar outra penalidade, mas sim ordenar que essa empresa parasse de infringir as leis de trânsito. Uma ordem judicial, se descumprida, tem consequências na esfera criminal. Aquele que descumprir responde não só civilmente, através das multas coercitivas, aplicadas pelo juiz ou pelo tribunal, mas pode responder também criminalmente. Significa, em tese, que descumprir uma ordem judicial é um crime de desobediência”, explica o desembargador. Causas da irregularidade O levantamento do MPF revelou que a principal causa do problema é a impunidade. Além do número de Postos de Pesagem de Veículos (PPV) ser insuficiente para atender a toda a malha viária, o sistema de cobranças apresenta falhas. “As empresas passavam pela balança, se constatava que havia excesso de peso e simplesmente as multas não eram encaminhadas. Isso criou nas empresas um sentimento de que poderiam fazer qualquer coisa. E, posteriormente a isso, mesmo com a cobrança das multas, o valor é ínfimo”, comenta o procurador Paulo Carvalho. Especialista da área de transportes, o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, João Fortini Albano, também atribui a prática ilegal, ainda comum entre os caminhoneiros, a problemas como fiscalização deficiente e multas brandas demais. O excesso de peso, segundo ele, é um dos principais fatores de destruição das rodovias brasileiras. Ele explica que a vida útil de algumas pistas chega a ser reduzida em 40%. “A multa não está surtindo o devido efeito. Quando um veículo se desloca com excesso de carga, há uma otimização do frete. Os retornos obtidos são bem maiores do que se ele trafegasse com a carga máxima legal. No sentido de obter retornos imediatos, alguns transportadores tomam a decisão de pagar a multa e trafegar com sobrecarga, danificando a rede rodoviária brasileira. Sintetizando: é a ganância imperando”, dispara. João Albano lembra que as rodovias são patrimônios do país e, assim como outros “bens públicos”, também precisam ser preservadas. “Se considerarmos os 220 mil quilômetros de rodovias pavimentadas no Brasil, totalizamos um patrimônio de R$ 340 bilhões. É o que valem nossas rodovias. É muito dinheiro e esse patrimônio precisa ser conservado”. Outros processos semelhantes envolvendo grandes empresas transportadoras ainda aguardam análise pelo Judiciário. Para João Albano, esse é um sinal de que medidas mais efetivas para acabar com esse tipo de crime já começam a ser adotadas. “Acho muito adequado que a Justiça brasileira comece a tomar medidas mais severas e mais impositivas no sentido de que transgressores comecem a pagar até o momento em que possam entrar na linha e trafegar dentro dos limites previstos pela lei”, encerra. Os números do perigo A redução da vida útil das pistas não é a única consequência do excesso de peso. A prática também tem impactos no total de acidentes registrados todos os dias no país. Um efeito que pode se dar de forma direta, com o envolvimento desses veículos em colisões, ou de forma indireta, pela presença de buracos ou de outros estragos na pista. O mestre de obras Crispim Teixeira de Araújo conhece bem essas consequências. Em 2010, ele se envolveu em um acidente na BR 070, em um trecho próximo ao Município de Águas Lindas, no Estado de Goiás. “Eu fui desviar de um buraco e encostei em um caminhão”, conta Crispim, que ficou quatro dias internado | Administrativo 37 Arquivo pessoal João Albano: “rodovias são patrimônio do país” e precisou fazer uma cirurgia para colocar cinco parafusos na perna quebrada. “Se a pista estivesse boa, se tivesse sinalização e não tivesse aquela buraqueira toda, isso não teria acontecido”, diz o mestre de obras. Dados da Polícia Rodoviária Federal mostram que em 2011, por exemplo, os veículos de carga se envolveram em 93.066, de um total de 331.652 acidentes registrados no período nas rodovias federais sob a jurisdição do Departamento Nacional de Infraestrutura em Transporte (Dnit). Em 2010, esse número havia sido de 88.963, do total de 317.711. Outra estatística reforça a necessidade de mais rigor na fiscalização: embora represente 3,1% do total de veículos registrados em todo o país, a frota de caminhões está envolvida em 21% dos acidentes com mortes. n 38 Administrativo | Revista Via Legal Formados e sem diploma Seja qual for o motivo, quando uma escola ou universidade fecha as portas, muitas informações importantes acabam se perdendo. São históricos, certificados e mesmo diplomas que, às vezes, nunca chegam aos alunos. No Rio de Janeiro, milhares de estudantes e até recém-formados têm percorrido um longo caminho para ter acesso a documentos. Adeílton Oliveira - Rio de Janeiro (RJ) O fechamento de duas universidades, descredenciadas pelo Ministério da Educação (MEC) no início deste ano, no Rio de Janeiro, atingiu em cheio a vida de centenas de estudantes. Além do risco de atraso na conclusão do curso e da possibilidade de perder o emprego, a maioria dos alunos ainda tem que se preocupar com providências simples, como conseguir um documento para continuar o curso em outra instituição. Também é expressivo o número dos que já terminaram as disciplinas, mas não têm nem notícia de quando receberão os diplomas. O resultado tem sido prejuízos e dezenas de ações judiciais. Em pelo menos uma delas, o autor conseguiu um resultado favorável. O juiz federal Firly Nascimento Filho, da 5ª Vara Federal no Rio de Janeiro, concedeu uma liminar que obrigou a União a emitir e registrar o diploma de um rapaz que terminou o curso de Medicina no fim de 2013. O magistrado considerou que a certidão de conclusão apresentada no processo é suficiente para comprovar que o autor finalizou o curso ministrado pela Universidade Gama Filho. Segundo o juiz, ficou comprovado que o estudante foi aprovado, após um concorrido processo seletivo, para a residência médica em Cirurgia Geral na Universidade Federal do Espírito Santo, e dependia do documento para efetuar a matrícula, sob o risco de perda da vaga. A tese apresentada pelo estudante, e que saiu vitoriosa, baseou-se no entendimento de que, se é o Ministério da Educação que credencia e descredencia uma instituição, o órgão passa a fazer parte do processo, e a relação deixa de ser de consumo. “O poder concedente é o Ministério da Educação, é a União. Ele pode descredenciar, pode emitir o diploma, ou pode exigir que outra universidade, outra faculdade, como acontece em outros casos, emita o diploma, uma vez que o curso era reconhecido pelo MEC”, argumentou o advogado do autor, Victor Travancas. Ele explicou que, em regra, os processos contra universidades particulares correm no âmbito estadual, mas que preferiu recorrer à Justiça Federal para cobrar diretamente do MEC uma solução. “Com a entrada desta ação na Justiça Federal, a demanda chama a campo o Ministério da Educação para que possa agir imediatamente a fim de que os alunos prejudicados possam obter suas transferências e seus diplomas, como é o caso do médico autor desta ação. É um verdadeiro absurdo o descaso que está sendo vivido pelos alunos e formandos da Gama Filho, especialmente por parte do MEC, que não tem tomado as medidas fiscalizadoras inerentes ao seu papel constitucional com relação à referida universidade privada”, disparou. No processo, a União chegou a argumentar que o MEC não tem acesso aos dados dos alunos. “Só quem tem o acervo acadêmico é a universidade. E a portaria de descredenciamento é muito clara. O fato de a instituição ser descre- Revista Via Legal Ascom/TRF2 Victor Travancas propõe um cadastro único, onde o aluno possa emitir seu diploma pela internet denciada não a exime de sua responsabilidade. E a portaria especifica quais obrigações as universidades descredenciadas têm que cumprir, que são: manter o acervo acadêmico, expedir e registrar diploma, transferir documentação, fornecer histórico escolar, ou seja, toda a parte burocrática, toda a vida acadêmica do aluno”, alega Gláucia Delgado Souto, procuradora da Advocacia-Geral da União, ressaltando que as instituições punidas pelo governo têm contratos de prestação de serviço educacional com os alunos, o que configura uma relação privada. No entanto, para o advogado Victor Travancas, independentemente de a Gama Filho obedecer ou não à portaria, é dever do MEC fiscalizar e exigir providências para que a universidade emita os diplomas. “Minha preocupação é que esse jovem, mesmo formado, não possa exercer a profissão porque o Conselho de Medicina exige o diploma. A gente tem que cobrar que o Governo Federal tenha uma atuação real. Se tem alguma coisa errada, o aluno não pode ser abandonado”, resumiu. Pelas contas do advogado, no início de 2014, cerca de 2 mil alunos aguardavam os papeis de transferência. Sobre a decisão, o advogado destacou o fato de o juiz ter determinado a imposição de uma multa pessoal de R$ 200, que recai diretamente sobre os gestores da instituição e não apenas para a pessoa jurídica. “O juiz se baseou no artigo 14 do Código de Processo Civil. Isto quer dizer que os responsáveis pela Gama Filho não podem embaraçar nem tentar descumprir a decisão. A Justiça pode até vir a pedir a prisão deles, caso perceba que não está sendo obedecida”, acrescentou, classificando a medida como inovadora. Victor Travancas defende mudanças na legislação, argumentando que a situação vivida pelos alunos da Gama Filho não é uma exceção. “Eu fui perceber, durante a ação, que cada faculdade, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, é responsável pelo seu cartório de emissão de diploma. Nós não temos um cartório único. Percebi que os alunos que se formam em universidades que fecharam ou faliram jamais conseguiram obter seu diploma, porque ninguém cuida daquele cartório”, frisa. Ele acredita na necessidade de mudar o jeito como as coisas funcionam. “O que a gente propõe é um debate político-educacional e que haja um cadastro único, digitalizado, onde o aluno, ao precisar, possa, pela internet, emitir seu diploma. A gente consegue uma certidão com muita facilidade, por exemplo, na Justiça Federal. Isso tem que mudar para a educação também. Vamos começar a defender essa tese a partir dessa ação judicial e iniciar esse debate junto ao governo”, completou. n Ascom/TRF2 Tentando pegar o diploma, milhares de estudantes formaram uma fila que parecia não ter fim | Administrativo O drama dos alunos 39 Tatiana Gomes fez o curso de Direito, mas não pode exercer a profissão de advogada com a qual sonhou a vida toda. Ela estudou na UniverCidade, instituição particular de ensino superior do Rio de Janeiro, também descredenciada pelo MEC. A jovem conta que perdeu a chance de ser efetivada no escritório onde trabalhava como estagiária porque não tinha como comprovar a conclusão dos estudos. “Há dois anos a gente já percebia que a faculdade estava passando por sérios problemas, mas ninguém nunca chegou a acreditar que isso um dia ia acontecer. Hoje, eu não sei mais em quem acreditar, eu não sei para onde eu vou correr”, desabafa a ainda estudante. Os problemas começaram há um bom tempo, mas a crise ficou mais intensa em 2010, com a paralisação de professores, alunos e funcionários. Em 2013, uma greve se arrastou durante praticamente todo o ano. A UniverCidade fazia parte do grupo Galileo Educacional, que também era dono da Gama Filho. Juntas, elas tinham 14 mil alunos. Desse total, cerca de 3 mil deveriam ter-se formado no fim do ano passado. São pessoas como Vanessa Souza, que espera pelo diploma em Ciências Contábeis desde 2012. “Fiz minha prova no Conselho Regional de Contabilidade e ela vence em dois anos. Até agora não consegui pegar nenhum documento e por isso corro o risco de perder o registro”, lamenta Vanessa. São histórias de quem sonhou a vida inteira chegar ao ensino superior. Enquanto Tatiana e Vanessa tentavam pegar o diploma, milhares de pessoas ainda matriculadas ocuparam por vários dias as estreitas ruas do Centro do Rio numa fila que parecia não ter fim. Tudo para conseguirem ser transferidos a uma das três instituições indicadas para receber os estudantes. A desorganização no atendimento aos alunos levou o Procon-RJ a autuar o grupo Galileo. Neste caso, a infração foi registrada com base na natureza jurídica da relação instituição-aluno, que é de prestação de serviço, uma vez que se trata de ensino privado. 40 Preservação | Revista Via Legal Juliana Galvão / TRF5 Pelos trilhos da história Disputada pelos Estados de Pernambuco e Rio Grande do Norte, a locomotiva Catita nº 03, de reconhecido valor cultural, virou alvo de um processo que chegou à Justiça Federal. Se depender dos tribunais, a máquina deve ficar exposta em terras potiguares Tayza Lima – Recife (PE) Revista Via Legal A Catita nº 03 — que recebeu este apelido carinhoso por ser de pequeno porte — é uma locomotiva férrea inglesa adquirida em 1906 pela Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte. No período áureo do transporte ferroviário nacional, o trem cruzou as terras potiguares e conduziu personalidades, como o ex-presidente Washington Luiz e o general Duque Estrada. Mas, com o passar dos anos e com o declínio desse modo de transporte, as ferrovias perderam espaço. Foi nesse contexto que a Catita acabou sendo aposentada. Em 1975, o pequeno trem foi levado para Recife, em Pernambuco. O propósito era decorar o escritório regional da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA). De lá, seguiu para exposição no hoje extinto Museu do Trem da cidade. Contudo, a estadia da pequena locomotiva em terras pernambucanas está com os dias contados. É que, com o fechamento do Museu, a máquina ficou exposta às agressões do sol e da chuva, sofrendo deteriorações e sendo corroída pela ferrugem. Na tentativa de restaurar a peça, que tem uma grande importância histórica para o povo potiguar, em novembro de 2010, os Ministérios Públicos Federal e Estadual no RN propuseram uma ação civil pública, que foi julgada na 4ª Vara da Justiça Federal. O pedido foi para que a locomotiva fosse tombada, sendo, assim, reconhecida formalmente como bem de valor histórico e cultural. A ação ainda requeria que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, providenciasse o retorno da Catita para o RN, anulando o convênio que permitiu a transferência do trem para Recife. Apesar do resultado favorável ao pedido potiguar, em vez de providenciar a transferência, o Iphan apresentou um recurso ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Uma das alegações apresentadas foi que a locomotiva que se encontra no Museu do Trem do Recife não é a mesma comprada e reclamada pelo Estado do Rio Grande do Norte. “A locomotiva em referência (Catita) foi retirada dos jardins da Associação dos Engenheiros Ferroviários do Nordeste para a construção de uma piscina, entre 1982 e 1983, não havendo notícias de seu destino”, sustentou o órgão. No TRF, o relator do recurso foi o juiz federal Ivan Lira de Carvalho, convocado para atuar como desembargador. Convencido de que a locomotiva que está no Museu do Trem é a verdadeira Catita, o magistrado negou provimento ao recurso do Iphan e manteve a decisão de primeira instância. “Ficou claro pelos elemen- tos, inclusive pela perícia que foi feita, de que efetivamente é a mesma máquina, a de número 03”, explica. “Verifica-se, pelas fotografias anexadas aos autos, que a máquina está guardada em parte externa do prédio da Estação Central do Recife, submetendo-se às intempéries, as quais, com certeza, destruirão o equipamento, que ora se encontra em lastimável estado de manutenção”, acrescentou o relator. O juiz federal pontuou ainda que, quando contestou a ação, o próprio Estado de Pernambuco não demonstrou interesse em ficar com o bem, uma postura bem diferente da adotada pelos representantes do governo potiguar. “O Rio Grande do Norte disse querer a máquina para colocá-la no Museu do Trem que já está sendo construído na sede do Instituto Federal de Educação, onde foi outrora uma estação ferroviária no bairro das Rocas, em Natal”, esclareceu Ivan Lira. Nova contestação Apesar das duas decisões judiciais já tomadas serem favoráveis ao Rio Grande do Norte, ao que tudo indica, o destino da Catita ainda não foi decidido de forma definitiva. Isso porque o Iphan já anunciou que vai continuar brigando para manter a locomotiva em Recife. O próximo passo deve ser a apresentação de um novo recurso junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O instituto deve manter a argumentação de que não há comprovação da importância da locomotiva como patrimônio cultural do povo potiguar. Em nota, a procuradoria do órgão afirmou ainda que “o acórdão (do TRF5) não observou questões como o fato de o bem estar devidamente tombado no Estado de Pernambuco, estando, portanto, protegido por legislação própria”. Enquanto o assunto continua nos tribunais, a locomotiva Catita nº 03 segue exposta a variações climáticas e ambientais que comprometem a sua integridade. A máquina, que já está em condições precárias, segue sem a manutenção adequada. Um risco que, de acordo com o presidente do Instituto de História e Arqueologia de Pernambuco, José Luiz Menezes, não deveria ser permitido por órgãos como o Iphan, que tem a missão de proteger esse tipo de patrimônio. “Ela espelha o sistema de transporte, um desenvolvimento econômico de regiões. Ela, em si, é um símbolo do passado”, explica o historiador, que torce pela restauração da locomotiva. “Essa continuidade dos objetos criados, do patrimônio cultural, tem que ser preservada, pela própria história do país”, conclui. | Preservação 41 Ascom / TRF5 A decisão de Ivan Lira levou em conta que a Catita já se encontra em estado lastimável de conservação Sobre a locomotiva A Catita é uma locomotiva férrea fabricada na Inglaterra e que chegou ao Brasil em 1906. Em 1916, conduziu importantes figuras do cenário potiguar, como Joaquim Ferreira Chaves, Januário Cicco, Henrique Castriciano e Juvenal Lamartine, à inauguração da Ponte de Igapó, considerada, à época, a maior obra ferroviária da Região Nordeste. Cinquenta anos depois, a RFFSA autorizou que 26 locomotivas a vapor usadas fossem vendidas para o ferro velho. Quando a comissão pernambucana designada para esse fim foi ao Rio Grande do Norte e reclamou que só havia 25 locomotivas, descobriu que a ausente era justamente a Catita, escondida pelos empregados da empresa para evitar que virasse sucata. Assim, a locomotiva ficou aos cuidados de Manoel Tomé de Souza, o Sr. Manoezinho, que a deixou em condições de trafegar novamente. Mais tarde, para atender à crescente demanda rodoviária, o governo do RN, na gestão de Walfredo Gurgel, firmou parceria com a RFFSA para a construção de uma nova ponte sobre o estuário do Potengi, a Ponte Presidente Costa e Silva, mais conhecida como “A Ponte de Igapó”, a primeira de concreto em Natal, inaugurada em 26 de setembro de 1970. Para a ocasião, a Catita foi restaurada, a fim de fazer o percurso, pela segunda vez em sua existência, de inauguração da nova ponte, assim como o fizera 54 anos antes. Mais uma vez, transportou importantes personalidades, como o monsenhor Walfredo Gurgel e o general Duque Estrada. Em 1975, a Catita foi levada para o Recife, para decorar o escritório regional da RFFSA. De lá, seguiu para o Museu do Trem, também na capital pernambucana, onde se encontra até o momento. Fonte: Ascom/RN n 42 Preservação | Revista Via Legal Ascom / TRF4 Patrimônio esquecido O descaso e o abandono de dois sambaquis localizados no Município de Xangri-lá, no Rio Grande do Sul, levaram o Ministério Público Federal a ajuizar uma ação civil pública contra o Iphan e a prefeitura do município. Foi necessário um acordo mediado pela Justiça Federal para que o poder público assumisse o compromisso de tomar providências Marcelo Magalhães e Paula Porcello - Xangri-lá (RS) N o Brasil, sítios arqueológicos são considerados patrimônios da União e, de acordo com a Lei 3.924/61, devem ser protegidos pelo Estado. O artigo 3º da norma, por exemplo, proíbe “o aproveitamento econômico, a destruição ou mutilação, para qualquer fim, das jazidas arqueológicas ou pré-históricas conhecidas como sambaquis”. O descumprimento das regras é classificado como crime contra o patrimônio nacional, a ser punido com pena que pode chegar à prisão. A realidade, no entanto, mostra que não são poucos os casos em que o poder público ignora a legislação e deixa os locais abandonados. No sul do país, um caso recente foi parar nos tribunais. Um acordo mediado pela Justiça Federal no Rio Grande do Sul é a esperança para evitar que os dois maiores sítios arqueológicos do litoral gaúcho se percam de forma definitiva. Os sambaquis do Capão Alto e do Guará foram criados de forma oficial a partir da consta- O que são sambaquis? Sambaqui é uma palavra de etimologia Tupi em que tamba significa conchas e ki, amontoado. São montes compostos por cascas de moluscos, ossos de mamíferos e de peixes, conchas, equipamentos primitivos de pesca e até objetos de arte, que formam um arquivo pré-histórico. tação científica de que os locais guardavam fragmentos deixados por habitantes pré-históricos, que podem ter vivido por volta de 4.500 anos a.C. Entre os resquícios localizados e mapeados por arqueólogos, estão conchas e ossos utilizados em rituais fúnebres e nas moradias. “O sítio arqueológico informa pra gente como viveram as pessoas no passado, os diferentes modos de vida que, em última instância, nos tornaram o que somos hoje. Um sambaqui fala da história de nossos antepassados a partir dos vestígios materiais”, explica a arqueóloga do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Maria Araújo Neumann. Dada a importância dos fragmentos, o local deveria estar protegido, mas o que se viu nos últimos anos foi muita degradação, resultado do abandono. O superintendente do Iphan no Rio Grande do Sul, Eduardo Hanh, reconhece que a responsabilidade pela situação precisa ser dividida. “O abandono é resultado de uma deficiência do município sim, mas também do próprio órgão federal, afinal temos que assumir nossa parcela de culpa. Apesar de o Iphan ter iniciado essa ação na década de 2000, e de termos solicitado que o município executasse ações de preservação, não houve uma fiscalização eficaz”, pontuou. A situação chamou a atenção do Ministério Público Federal, que visitou a área. O procurador Felipe Muller, responsável pela vistoria, se disse surpreso com o que viu: “a cena foi chocante. São dois sambaquis completamente degradados, descaracterizados, com residências em todo o entorno. Enfim, eram locais que deveriam ser preservados e que viraram depósitos de lixo e de dejetos de animais”, resumiu. Diante da gravidade do problema, o MPF propôs uma ação na Justiça Federal. E foi numa audiência de conciliação entre as partes, realizada no final de 2013, que o Iphan e o município fecharam um acordo. “A prefeitura vai fazer a limpeza desses locais, vai ser feito o cercamento dos dois sambaquis impedindo a entrada de pessoas e animais, e também foi determinado que o Iphan, em um prazo especifico, faça a delimitação do local, não só do sambaqui, mas de todo o entorno que deve ser preservado, justamente para valorizar aquela área”, explica o procurador. Neste acordo, também ficou acertado que a prefeitura não vai conceder novos alvarás de construção nas áreas próximas aos sambaquis. A preocupação do MPF é com o entorno, que também deve ser preservado, mas acaba sofrendo um Divulgação: Secretaria de Cultura Para Eduardo Hahn, não houve uma fiscalização eficaz por parte do Iphan Revista Via Legal Via legal O procurador Felipe Muller ficou surpreso com a degradação dos sambaquis em Xangri-lá processo intenso de urbanização. Morador do local há oito anos, o pedreiro Giuseppe Natanael da Silva Rodrigues se sentiu amparado pela Justiça: “Eu acho que devia ser cercado para ter mais segurança, tem muita bagunça aí, estragam demais”. Proteção assegurada E não é de hoje que a Justiça Federal vem atuando para mudar situações nas quais está em risco a preservação de sítios arqueológicos no sul do país. No início de 2014, foi a vez de uma decisão garantir a limpeza, o cercamento e o tombamento do Sítio Paleontológico da Alemoa, um dos mais antigos e também mais importantes do Brasil. As primeiras escavações foram feitas no início do século XX, quando o local foi descoberto. Localizado dentro do perímetro urbano de Santa Maria, na região central do Rio Grande do Sul, o sambaqui ocupa uma área de pouco mais de três hectares e guarda vestígios de animais que teriam vivido na região há milhões de anos. Uma das descobertas mais importantes foi a do fóssil do animal conhecido como Stauricossauro pricei, o primeiro dinossauro brasileiro. “Aqui no Rio Grande do Sul existem vários afloramentos, que são essas exposições — naturais ou artificiais—, essas rochas e fósseis. Esta, em particular, é a mais importante de todas porque, em primeiro lugar, em 1902, o primeiro registro de fósseis do Período Triássico foi feito aqui. Esse Período Triássico é visto em poucos lugares no mundo”, explica o geólogo e professor do Departamento de Geociência da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Átila Stock. Assim como aconteceu em Porto Alegre, a iniciativa de exigir o cercamento e a proteção do sítio arqueológico de Santa Maria partiu do MPF. A ação foi contra a UFSM e o próprio município. “Por meio de um termo de permissão de uso, o município de Santa Maria repassou uma parte da área à universidade para fazer estudos. Mas estava começando um processo de loteamento na região e, em decorrência disso, começaram a haver intervenções nas proximidades”, relata a procuradora-chefe do município de Santa Maria, Anny Desconzy. De acordo com ela, em decorrência dessas intervenções, o MPF entendeu que seria necessário o cercamento do local e a definição de qual seria a área de interesse social, para que o município, junto com a universidade, fizesse a preservação. O tombamento da área é um dos pontos mais relevantes da decisão. “Através do auxilio da universidade, que delimitou a importância da área e aquilo que era necessário para que fossem feitos os estudos, nós delimitamos, conversamos com as famílias. Algumas tiveram o seu patrimônio privado atingido. Essas áreas, conforme já havia na inicial da ação do MPF, foram levadas a registro e hoje estão tombadas”, conta Anny Desconzy. A decisão judicial abriu caminho ainda para que outras providências fossem adotadas. Em 2013, o Executivo municipal ampliou a área tombada para 20 hectares. Um avanço que, segundo Átila Stock, ainda é insuficiente para evitar a degradação. “Hoje nós continuamos fazendo pesquisa, coleta de fósseis e formação de recursos humanos, como cursos de verão para jovens paleontólogos. Recebemos pessoas de vários lugares do país e mesmo do exterior. É preciso que esse conhecimento acumulado dentro da universidade retorne para a comunidade na forma de museus, de escavações controladas, que possam ser acompanhadas, e inclusive, no futuro, que possibilite recebermos visitantes”, pontuou. E não precisa ser geólogo para concordar com Stock. Os moradores da região também se preocupam com a preservação da área. É o caso da professora aposentada Nélida Barros. “Primeiramente, tem a questão histórica, que para mim é fundamental, mas tem também a preservação, toda uma questão ambiental que eu, enquanto moradora, me preocupo. Eu tenho Via Legal A procuradora Anny Desconzy entende que a preservação é responsabilidade do município e da universidade | Preservação 43 filhos, pretendo ter netos e bisnetos, e eu adoraria que eles pudessem no futuro ter uma área como essa totalmente preservada, cuidada. Adoraria que tivéssemos museus, que tivéssemos lugares de visitação, para o país inteiro poder verificar que aqui temos uma riqueza arqueológica dessas”, concluiu. n Eduardo Covalesky Segundo Átila Stock, o primeiro registro do Período Triássico foi feito no RS Dinossauros brasileiros O primeiro dinossauro brasileiro foi oficialmente reconhecido pela ciência em 1970. Morador do Sul do país, o estauricossauro foi localizado em Candelária (RS), em 1936. Embora pequeno — media cerca de 2 metros de comprimento e 1 metro de altura —, era bom de briga. Seu nome significa Lagarto do Cruzeiro do Sul. Estudos indicam que ele viveu há cerca de 230 milhões de anos, no final do Período Triássico, na Era Mesozóica. Mas foi mesmo nos últimos anos que começaram a ser conhecidos. Hoje, são pouco mais de 20 espécies catalogadas, como: spinossauro, abelissauro, carnossauro, celurossauro, iguanodonte, antarctossauro, e titanossauro. 44 Institucional | Revista Via Legal Sylvio Sirângelo / TRF4 Vencer o preconceito foi a principal conquista do projeto de inclusão implantado no TRF da 4ª Região, e que acaba de completar uma década Outro destaque é o projeto “Virando a Página”. São oficinas de leitura e produção textual, coordenadas por servidores do TRF4 licenciados em Letras, em conjunto com professores e formandos da Faculdade de Letras da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do RS. Os jovens desenvolvem textos que retratam a vida de cada um, com suas angústias, medos e questionamentos. A produção literária garante uma coletânea de textos, editada na forma do livro “Virando a Página”, que está em sua terceira edição e é anualmente lançado na Feira do Livro de Porto Alegre, com sessão de autógrafos dos novos escritores. O projeto permite ainda que os jovens recebam atendimento multidisciplinar, com acompanhamento jurídico, de psicólogos e de assistentes sociais. Já o acompanhamento pedagógico tem como foco a melhoria do desempenho escolar. São oferecidas aulas de reforço e atendimento para garantir que eles permaneçam na escola. Analice Bolzan – Porto Alegre (RS) Remuneração e benefícios Uma década reescrevendo histórias H á 10 anos seria difícil imaginar um interno da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul (Fase), em cumprimento de medida socioeducativa, saindo para trabalhar em um tribunal e, no fim do dia, retornando à fundação. Muitos não acreditariam na iniciativa de colocar um adolescente infrator dentro de um gabinete de desembargador ou da Presidência de um tribunal. Outros poderiam até discriminar esses jovens e não desejá-los no ambiente de trabalho. Todas essas barreiras foram vencidas. Em uma década, o Programa de Educação pelo Trabalho (PET) do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) tornou-se realidade, quebrou preconceitos, mudou a cultura da própria instituição e a vida de 154 adolescentes que já passaram pelo projeto. São jovens que cumprem medida socioeducativa na Fase, têm entre 16 e 21 anos e precisam estar cursando, pelo menos, o 5º ano do ensino fundamental, em estabelecimento de ensino oficial. Desde 2004, o TRF4 tomou para si o desafio de criar, de desenvolver e, principalmente, de manter um programa de reinserção social, e o resultado é considerado muito positivo: durante essa década, 45% dos participantes foram inseridos no mercado de trabalho e muitos já concluí- ram o ensino médio, sendo que um está cursando a universidade. Cerca de 70% reorganizaram suas vidas e conseguiram superar a condição de envolvimento em atividades ilícitas. O PET é uma parceria do TRF4 com a Fase. A base do programa é o trabalho educativo, previsto na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e tem como condição a capacitação para projeto social combinada com exercício de atividade regular remunerada. O que diferencia o trabalho educativo de qualquer outra atividade de estágio é a priorização do desenvolvimento pessoal e social do menor em situação de vulnerabilidade social, em lugar da exigência de metas meramente produtivas. Como funciona Na prática, os jovens trabalham durante quatro horas por dia nos gabinetes de desembargadores e nas unidades administrativas do tribunal. Eles auxiliam nas tarefas administrativas e também na pesquisa para a produção de peças jurídicas. Durante o horário do estágio, eles participam ainda de oficinas de informática e de formação profissional. Por meio de parcerias com entidades, já foram realizados cursos de mecânica, de padaria e de garçom. Nesse caso, a intenção é incentivar a capacitação para o mercado de trabalho. Cada adolescente participante do PET recebe uma bolsa-auxílio mensal de cerca de R$ 500,00, o mesmo valor pago ao estagiário de nível médio que atua na instituição. Eles têm ainda direito a um seguro que cobre acidentes pessoais, compreendendo morte e invalidez permanente total ou parcial por acidente, vale-lanche e auxílio-transporte. Recursos que têm feito diferença na vida das famílias dos menores. Reconhecimento No ano passado, o PET recebeu a Menção Honrosa no I Prêmio Patrícia Acioli de Direitos Humanos, promovido pela Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj). O programa foi reconhecido na categoria “Práticas Humanitárias”. Comemoração Se motivos para comemorar não faltam, a festa de premiação também foi um convite à reflexão, com a realização do painel de debates “Da vulnerabilidade social à cidadania: aspectos legais e sociais da medida socioeducativa”. Após o painel, foi lançada a exposição “Identidades”, com mostra fotográfica, textos e áudios dos participantes do PET. A mostra contou a reconstrução da identidade de jovens que passaram pelo PET, traçando uma linha do tempo desde a internação na Fase até conquista da cidadania. n Revista Via Legal Maioria dos cidadãos está satisfeita com a Justiça Federal Pesquisa realizada pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), em parceria com os Tribunais Regionais Federais e demais unidades da Justiça Federal, com o tema “Sempre pode melhorar... e sua opinião fará diferença” revelou que 58% dos cidadãos estão satisfeitos com os serviços oferecidos pela Justiça Federal em todo o país. Quase oito mil pessoas responderam ao questionário. Fazem parte desse grupo usuários que são partes de processos judiciais, advogados, procuradores, servidores públicos e estagiários. O resultado preliminar indica que, em geral, todas as regiões receberam avaliação positiva dos usuários. A 4ª Região foi a que obteve o melhor índice de satisfação: 71%. O segundo lugar ficou com a 5ª Região, com 66% de satisfação do público, seguida da 1ª Região (56%), da 3ª Região (55%) e da 2ª Região (50%). A satisfação dos usuários da Justiça Federal foi medida por temas — um total de nove. Em quatro deles, a instituição recebeu avaliação positiva, em outros três, recebeu avaliação regular e apenas em dois foi avaliada negativamente. Os cinco serviços da Justiça Federal mais bem avaliados pela pesquisa foram: condições do ambiente físico, localização, confiabilidade das informações prestadas, disponibilidade da página da internet e facilidade para utilização da consulta processual eletrônica e para navegar nas páginas eletrônicas e sistemas de internet.n Notas 45 Comitê de Planejamento Estratégico da JF define macrodesafios O Comitê de Planejamento Estratégico da Justiça Federal estabeleceu dez macrodesafios a serem vencidos pela instituição no ciclo 2015-2020. São eles: Humberto Martins é o novo corregedor-geral da JF O ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é o novo corregedor-geral da Justiça Federal, cargo que será exercido junto ao Conselho da Justiça Federal (CJF). A solenidade de posse do ministro, realizada em 23/4, foi conduzida pelo presidente do CJF e do STJ, ministro Felix Fischer, que, na ocasião, saudou o corregedor. “Expresso a satisfação de saber que a Corregedoria-Geral da Justiça Federal continuará enfrentando o desafio de oferecer aos brasileiros uma Justiça célere e efetiva, pautada pelos mais elevados princípios éticos”, pontuou. “É com muita honra e senso de responsabilidade que assumo a função de corregedor-geral da Justiça Federal”, disse o ministro Humberto Martins. Ele afirmou se sentir agradecido pela confiança recebida do ministro Felix Fischer e dos seus pares e que conta com o apoio de todos os magistrados brasileiros, de entidades de classes ligadas ao Judiciário, além do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil. | O novo corregedor-geral ressaltou que a função da Corregedoria-Geral da Justiça Federal continuará sendo marcada pela difusão de um valor que ele considera “incontornável”: o compromisso com a transparência. “Sem transparência não há como permitir a interveniência da sociedade”. n Edson Queiroz / CJF 1. Aprimoramento da gestão criminal; 2. Combate à corrupção e à improbidade administrativa; 3. Impulso às execuções fiscais, cíveis e trabalhistas; 4. Adoção de soluções alternativas de conflito; 5. Gestão das demandas repetitivas e dos grandes litigantes; 6. Celeridade e produtividade na prestação jurisdicional; 7. Aperfeiçoamento da gestão de custos; 8. Melhoria da gestão de pessoas; 9. Instituição da governança judiciária; 10. Melhoria da infraestrutura e governança de TIC. Para cada macrodesafio, foram definidos dois ou mais objetivos estratégicos, além dos indicadores que serão usados para medir o grau de atingimento de cada objetivo e as iniciativas (ações concretas). Todos os projetos estratégicos nas instituições da JF devem ser desenvolvidos com foco nesses macrodesafios. n 46 Notas | Revista Via Legal Grupo fixa prazo para unificação das versões do Processo Judicial Eletrônico O grupo especial de trabalho da unificação das versões do Processo Judicial Eletrônico (PJe) fixou prazos para unificar as funcionalidades dos sistemas usados nas Justiças Federal, Estadual e do Trabalho. A Justiça Federal terá até o dia 18 de agosto para unificar as funcionalidades de seus sistemas. O prazo para a Justiça Estadual se encerrará no início de julho. No caso da Justiça trabalhista, prazo será de seis meses, a contar de julho. Após a unificação das versões, haverá a utilização de uma única versão do PJe, com atualização automática para todos os tribunais. O PJe é um sistema concebido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para a automação do Judiciário. Foi desenvolvido em parceria com os tribunais e a participação da Ordem dos Advogados do Brasil. O principal objetivo é manter um sistema eletrônico capaz de permitir a prática de atos processuais, assim como o acompanhamento do processo judicial, independentemente do ramo da Justiça em que ele tramita. O CNJ pretende convergir os esforços dos tribunais brasileiros para a adoção de uma solução única e gratuita, que atenda aos requisitos de segurança e interoperabilidade, com a racionalização de gastos, como os necessários à elaboração e aquisição de softwares. Dessa forma, os tribunais poderão aplicar mais recursos financeiros e de pessoal em outras atividades igualmente relacionadas à finalidade do Judiciário, como resolver os conflitos. Fonte: Agência CNJ de Notícias n Projeto Escola na Justiça entra no quinto ano Ampliar os laços da Justiça Federal com a comunidade, contribuindo para a formação de novos cidadãos. Este é o principal objetivo do Projeto Escola na Justiça, promovido desde 2009 pela Justiça Federal no Rio Grande do Norte ( JFRN). A ideia é que alunos de escolas públicas e privadas conheçam as instalações e um pouco da história da Instituição. O diretor do Foro, juiz federal Janilson Bezerra de Siqueira, empolga-se ao falar da iniciativa. “Os estudantes assistem a um vídeo institucional sobre o Judiciário Federal potiguar, com ênfase no trabalho realizado. Em seguida, um dos nossos juízes ministra uma palestra, com foco na construção da cidadania. Em algumas edições, inclusive, houve demanda da direção das escolas pedindo que o tema da palestra fosse a violência e suas consequências, o que foi prontamente atendido”, revelou o magistrado. Outro momento muito rico do projeto, segundo Janilson Bezerra, é quando os alunos começam a fazer perguntas. “Os questionamen- tos são feitos com as mais diversas abordagens e não apenas sobre o tema da palestra. Eles perguntam sobre a formação do juiz, como é a nossa vida, o momento da aplicação de penas e fazem questionamentos sobre a atualidade. Enfim, é uma fase de enriquecimento para nós e para os alunos”, resumiu o juiz. Este ano, a novidade é que, ao final da conferência e da fase de perguntas, os estudantes podem assistir a uma apresentação dos servidores da Seção Judiciária que possuem aptidão para música, poesia ou teatro. Cerca de 30 escolas já foram beneficiadas. E como não há restrição à participação de escolas, o público-alvo é bem diversificado. “Pelo nosso projeto já passaram crianças de oito anos, mas também jovens de 20 anos de idade. A receptividade com o Escola na Justiça pode ser vista no semblante e ouvido nos depoimentos de cada aluno que aqui esteve. Os testemunhos são sempre de enaltecimento do trabalho desenvolvido pela Justiça Federal, da importância de se conhecer essa instituição, sua história e suas atividades”, finalizou Janilson Bezerra. Como funciona O projeto tem como responsável a Assessoria de Comunicação da JFRN, que centraliza as inscrições e o agendamento. A Justiça Federal se responsabiliza por toda a atividade, com exceção do transporte do aluno, que é feito pela escola. As inscrições são gratuitas e estão sempre abertas pelo e-mail [email protected] ou pelo telefone (84) 3235-7604. O agendamento ocorre pela ordem de inscrição. n Ascom / JFRN Servidores da Justiça Federal têm Código de Conduta Desde 2011, os servidores e gestores da Justiça Federal de primeiro e segundo graus devem seguir o Código de Conduta instituído pela Resolução 147 do Conselho da Justiça Federal (CJF). O intuito do Código é orientar o comportamento dos servidores e gestores de modo que as ações empreendidas pelo CJF e por cada unidade da Justiça Federal apresentem uniformida- de no atendimento das missões institucionais de cada órgão e espelhem ética e probidade. O Código estabelece parâmetros de conduta acerca de temas delicados, como a prática de preconceito, discriminação, assédio ou abuso de poder, sigilo de informações, uso de sistemas eletrônicos, atendimento à imprensa, zelo pelo patrimônio público, publicidade de atos, falhas administrativas e responsabilidade socioambiental. Conforme o documento, a conduta dos destinatários do Código deverá ser pautada pelos princípios da integridade, lisura, transparência, respeito e moralidade. Para saber mais sobre o Código, acesse a íntegra do documento no site www.cjf.jus.br, no item “Institucional”. n Revista Via Legal | Giro pelas decisões 47 Filho de servidor vindo do exterior tem direito a matrícula em universidade brasileira Nos casos de retorno ao Brasil de servidor público transferido para o exterior por necessidade de serviço, seus dependentes, se estudantes de instituição de ensino estrangeira, fazem jus à transferência para instituição brasileira. O direito independe da forma de ingresso no exterior ou da existência ou não de semelhança entre os sistemas de ensino dos dois países. Este foi o entendimento do TRF da 1ª Região, ao julgar um recurso da Universidade de Brasília (UnB) (foto) contra sentença da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal. A decisão contestada atendeu ao pedido da filha de um servidor federal da carreira diplomática para se matricular no curso de Comunicação Social, oferecido pela UnB. A estudante concluiu os estudos equivalentes ao ensino médio na Bélgica, no Collège Saint-Pierres. Ingressou, então, no curso de Informação e Comunicação na Universidade de Bruxelas. Acontece que o pai da estudante foi removido para Brasília, o que gerou o pedido de transferência. Diante de uma resposta negativa da Câmara de Ensino e Graduação da UnB, para quem os requisitos legais não foram preenchidos, a família procurou a Justiça Federal, onde teve resposta favorável. Na decisão, o juiz frisou que a lei não faz distinção nem ressalva quanto à congeneridade para a concessão do benefício e, portanto, não faz diferença se o estudante vem de uma universidade pública ou privada ou se submeteu ou não ao um vestibular. “Não há que se falar em violação aos princípios constitucionais da igualdade de acesso ao ensino superior ou da isonomia, quando se reconhece, com base na norma, o direito de servidor transferido ex officio à matrícula em uma universidade”, citou em um dos trechos da decisão. Inconformada, a universidade apelou ao TRF1, alegando que a jurisprudência tem o entendimento de que deve ser atendido o critério da congeneridade entre as instituições de origem e de destino. A instituição argumentou que a requerente não se submeteu a vestibular. Mas o relator, desembargador federal Souza Prudente, manteve a sentença. Para o magistrado, a regra de que a transferência compulsória se dê para instituição de ensino congênere que adote exame vestibular para fins de ingresso não se aplicaria ao caso, tendo em vista que a estudante vem de uma universidade estrangeira que, como regra, não realiza processo seletivo. “Assim, exigir similaridade de procedimento de seleção, e até mesmo a congeneridade, esvaziaria o direito à educação, salvaguardado na Constituição Federal”, concluiu o relator. Fonte: TRF1 n Jornal de Brasília Gmail terá de permitir acesso da Justiça a e-mails de acusado de fraude bancária O Brasil ganhou em 2014 uma lei geral para o uso da internet (Lei 12.965). O chamado Marco Civil, ainda em fase de regulamentação, tem o propósito de orientar e disciplinar os procedimentos no uso da rede. A expectativa é que as regras ajudem a evitar a prática de crimes cibernéticos, que é crescente no mundo inteiro e que tem causado muitos prejuízos materiais e morais. A lei entrou em vigor em junho deste ano, mas, mesmo antes disso, quem se sentia lesado por práticas ligadas à internet tinha como alternativa acionar a Justiça. E já foram muitas as ações pedindo providências. Uma delas foi analisada pelo TRF da 2ª Região e terminou com uma ordem explícita à empresa Google Brasil Internet. A decisão determina que integrantes do Poder Judiciário tenham acesso a mensagens enviadas e recebidas por uma conta do Gmail. Esses dados foram requisitados como parte da investigação de uma quadrilha acusada de fazer saques fraudulentos em contas bancárias de clientes da Caixa Econômica Federal (CEF). A expectativa da Justiça é conseguir provas da atuação do grupo, por meio do monitoramento e das consultas aos e-mails trocados pelos integrantes. O julgamento no TRF foi em grau de recurso. É que a empresa já havia sido condenada em primeira instância, mas recorreu. No processo, a Google alegou que não poderia liberar os dados porque eles ficariam armazenados nos servidores da empresa nos Estados Unidos. Sustentou ainda que a quebra do sigilo só poderia acontecer se existisse acordo de cooperação internacional entre o Judiciário brasileiro e o norte americano e não por uma decisão unilateral da Justiça brasileira. Ao analisar o caso, o desembargador federal Abel Gomes rebateu o argumento, por entender que a Google Brasil foi constituída de acordo com a legislação brasileira. “A empresa deve se submeter às leis brasileiras, nos termos do artigo 1.137 do Código Civil, e não às leis estadunidenses, que vedam o acesso de autoridades judiciais estrangeiras às comunicações armazenadas em território norte-americano, sem o prévio controle de ordem pública da Justiça dos EUA”, concluiu o relator em seu voto. Fonte: TRF2 n Divulgação: Google 48 Giro pelas decisões | Revista Via Legal Estrangeira residente no país tem direito a benefício assistencial O INSS deve pagar um salário mínimo como benefício assistencial a uma portuguesa, que é deficiente e vive no Brasil em condições precárias. A ordem partiu do desembargador federal Baptista Pereira, do TRF da 3ª Região, que se baseou no artigo 203, V, da Constituição Federal de 1988. Esta norma determina que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição. O magistrado frisou que o preceito constitucional foi regulamentado pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no artigo 20, § 3º, estabeleceu que faz jus ao benefício a pessoa deficiente ou o idoso maior de sessenta e cinco anos, cuja renda familiar per capita seja inferior a um quarto do salário mínimo. Baptista Pereira destacou que no TRF3 já está pacificado o entendimento de que a condição de estrangeiro não impede a concessão do benefício assistencial, em razão do disposto no artigo 5º da Constituição, que assegura ao estrangeiro residente no país o gozo dos direitos e garantias individuais em igualdade de condições com o nacional. No caso julgado, o laudo médico pericial atesta que a autora, portuguesa, é portadora de sequela de infarto cerebral desde 2008, com hemiplegia desproporcionada à direita, não se locomove sem apoio e necessita de auxílio para as atividades cotidianas. Além disso, também ficou comprovado que a mulher não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Fonte: TRF3 n Balanças de farmácias não estão sujeitas à fiscalização do Inmetro A maioria das pessoas que se pesam com regularidade não pensa se o equipamento, normalmente instalado em farmácias e drogarias, está com a calibragem correta. Para o Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro), as empresas têm a obrigação de fazer a regulagem antes de colocar as balanças à disposição do público. O assunto é tão sério que tem virado questão de Justiça, sobretudo na Região Sul. Um caso recente, que começou em Joinvile (SC) foi analisado no TRF da 4ª Região. Os desembargadores da 3ª Turma confirmaram a sentença, que havia considerado a fiscalização ilegal. A ação foi proposta pelo Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos de Joinville e Região, após sucessivas autuações por parte do Inmetro. O sindicato alega que os equipamentos estão à disposição dos clientes das farmácias de forma gratuita e a título de cortesia, sem qualquer relação comercial com as atividades que desempenham. Já o Inmetro sustenta que qualquer equipamento utilizado para determinar a massa de pessoas está sujeito à aferição pelo instituto. No recurso, alegou que uma pessoa que se pesa em balanças cedidas pelas empresas poderá ser induzida a comprar um remédio ali comercializado. Para o Inmetro, se a balança não estiver devidamente verificada, o consumidor pode, inclusive, utilizar dose de medicamento superior ou inferior àquela necessária para a cura do mau que o aflige no momento. O relator do caso no TRF4, desembargador federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, afirmou que o Inmetro está exorbitando sua competência regulamentar. “As balanças de medição de peso corporal não guardam relação com a atividade comercial empreendida pelos estabelecimentos, que não auferem, inclusive, qualquer vantagem econômica pela sua disponibilização aos clientes”, analisou. Fonte: TRF4 n União, estado e município devem custear cirurgia Cinco meses. Este foi o tempo que um morador de Alagoas teve que aguardar para conseguir marcar uma cirurgia simples, de retirada de cálculo renal. Como o pedido nunca era atendido pela rede pública, ele acionou a Justiça. O juiz federal André Carvalho Monteiro (foto), que atua na 9ª Vara da capital do estado, determinou que o paciente faça o procedimento cirúrgico na rede privada, com as despesas pagas pela União, o Estado de Alagoas e o Município de Maceió. Os três entes aparecem como réus no processo instaurado no Juizado Especial Federal. Na decisão, o magistrado lembrou que, na audiência de conciliação, o representante do Estado frisou que há um desinteresse dos médicos particulares da especialidade Nefrologia em prestarem serviços ao SUS. A recusa tem como justificativa o valor da remuneração, considerado inadequado pelos profissionais. De acordo com o Estado, os procedimentos vêm sendo realizados apenas por hospitais públicos, os quais, sobrecarregados, não possuem disponibilidade no prazo desejado pelo autor da ação, diante da existência de outras demandas mais urgentes. No entanto, para o magistrado, “não há explicação que justifique o transcurso de aproximadamente cinco meses sem que nada – absolutamente nada, nem a marcação/ previsão de data para realização de cirurgia – tenha sido feito”. Na decisão, André Monteiro ressaltou que o quadro apresentado no processo deixa claro que atualmente o sistema público de saúde não presta serviços em padrões minimamente aceitáveis à população, como, por exemplo, o prazo para marcação de uma simples cirurgia, e nem oferece remuneração em valor suficiente para atrair profissionais privados a prestá-los, mediante credenciamento. Por fim, o magistrado determinou que, para não prejudicar ainda mais a saúde do autor, a União, o Estado e o Município deverão arcar com os custos da realização do tratamento segundo os valores cobrados pela rede privada. Fonte: JFAL n ASCOM / TRF5 saúde cidadania exemplo segurança saúde coragem direitos ...e direitos do cidadão! meio ambiente ...de falar de justiça... meio ambiente ciência Um jeito simples e fácil... cultura cidadania meio ambiente informação exemplo educação segurança direitos cidadania programa informação TV Cultura: domingo 6h30 TV Justiça: quarta-feira 21h30 TV Brasil: domingo 6h vialegal.cjf.jus.br programavialegal.blogspot.com JUSTIÇA FEDERAL Centro de Produção da Justiça Federal Revista Via Legal Conselho da Justiça Federal Assessoria de Comunicação Social SCES – Setor de Clubes Esportivos Sul Trecho III – Polo 8 – Lote 9 – Subsolo CEP 70200-003 – Brasília – DF Telefones: (061) 3022-7071/7074 e-mail: [email protected]