Em boa
companhia
Luiz Schwarcz fundou
a Companhia das Letras há 25 anos.
É o editor no Brasil das obras de
Saramago, Miguel Sousa Tavares
e, a partir do próximo ano,
José Luís Peixoto. É ainda um
editor à moda antiga, na sua
relação com os autores.
Isabel Coutinho, em Frankfurt
Quando "Ensaio sobre a Lucidez" de
Saramago foi lançado mundialmente
em Lisboa, o editor brasileiro do Prémio Nobel da Literatura português,
Luiz Schwarcz, tinha de fazer um discurso e ia aproveitar para o escrever
na viagem de avião. 0 voo de São Paulo para Lisboa atrasou por causa da
confusão provocada por um passageiro com Alzheimer que desejava ir
"a qualquer custo, directamente para Faro, sem passar por Lisboa". Enquanto a tripulação acalmava o passageiro, o fundador da Companhia
das Letras (editora fundada com a
mulher, a académica Lilia Moritz
Schwarcz) viu entrar uma equipa de
paramédicos que saiu do avião com
o piloto quase inanimado. Tinha tido
um ataque de coração. 0 atraso provocado pelo doente de Alzheimer
acabou por salvar a vida do comandante.
0 editor brasileiro não chegou a escrever o discurso, começou no avião
aquilo que pensava ser o início de um
romance. Acabou por ser o seu segundo livro de contos, "Linguagem de
sinais", publicado no Brasil o ano pas-
versa que aconteceu na Feira do Livro
de Frankfurt. "Talvez tenha sido bemsucedido. A Companhia das Letras se
transformou
numa empresa maior
do que imaginei. É uma editora que
procura ser honesta com o prazer
literário. Tem uma postura de respeito à literatura, o que envolve respeitar o leitor na qualidade do papel, na
escolha tipográfica."
Catálogo vivo
No início, Schwarcz dizia que se tratava da editora dos livros que gostava
de ler. Se calhar agora não é tanto assim. O mercado mudou.
"Como hoje publicamos 285 livros
por ano, há títulos que não passam
pela minha leitura. Hoje a Companhia
é uma empresa formada por muitos
editores que foram criados dentro da
empresa. Não há só livros que eu gostaria de ler mas acredito que gostaria
de ler ou até que eu tenha lido. Pelo
menos não há livros dos quais eu me
envergonhe."
É uma editora caracterizada por um
catálogo que se mantém vivo. Neste
sado. 0 livro começa em Lisboa e termina em Faro, no cemitério judaico,
dica dada por Alberto Manguei (um
dos seus autores), já que o editor nunca esteve na cidade algarvia. Os seus
livros ainda não estão publicados em
Portugal, mas Schwarcz escreve todas
sobre a relação
do editor com os autores e memórias
de família, no Blog da Companhia
as semanas crónicas
(www.blogdacompanhia.com.br).
Não era a primeira vez que pensava que ia escrever um romance.
"Aconteceu de novo. Era para ser
mais, era para ser outro, era para ser
romance, não é", escreve no posfácio
do seu livro. É esta a sina do homem
que se formou em administração de
empresas para seguir o negócio da
família e numa mudança de rumo,
há 25 anos, fundou a editora mais
carismática do Brasil: a Companhia
das Letras. Onde ele iria publicar só
os livros que gostaria
de ler. "Buscaria
livros escritos com qualidade mas
teria uma mirada para o público também. Queria que a editora usasse a
literatura como factor de atracção e
não de exclusão", explica numa con-
ano da comemoração dos 25 anos um
dos livros que voltou a ser publicado
é "O Ano da Morte de Ricardo Reis",
de Saramago. Miguel Sousa Tavares
mudou para a Companhia e "Equador" saiu com uma nova capa e com
um prefácio da antropóloga Lilia Moritz Schwarcz. "O Miguel é um autor
em que temos orgulho. O José Luís
Peixoto também passou a ser nosso
autor, no próximo ano vamos publicar
Companhia das Letras: 258
livros por ano
Carlos Drummond de Andrade em
2012: durante os próximos quatro
anos, os 44 volumes das obras completas do escritor sairão em versão
impressa e em e-book. Drummond é
uma espécie de "póster boy" das comemorações dos 25 anos. "Estamos
no período de quarentena deixando
a edição anterior circular mas fizemos essa edição do 'Poema de sete
faces', traduzido para sete línguas,
que é muito bonita. É só um mimo,
para celebrar". Luiz não acha que a
obra estivesse mal publicada na outra
editora. "A família decidiu mudar de
editora e estamos trabalhando com
um grupo qualificado, uma curadoo último romance dele, 'Livro'".
São cerca 3400 títulos publicados.
"Desses, três mil estão vivos. A editora conseguiu encontrar uma forma
de crescer, de ser uma empresa lucrativa e poder continuar num estilo que
está desaparecendo no mercado. Mesmo um autor que não vende, em muitos casos continuamos a publicar. Às
vezes, a relação com alguns autores
está chegando no momento em que
temos de parar mas fazemos isso com
uma dor significativa."
Um exemplo bem-sucedido é o de
Bernardo Carvalho. "Ele só teve sucesso no sétimo livro. Até 'Nove noites' vendia bastante pouco. Este romance levou o Bernardo para um
patamar superior. Há uma autora de
que gostamos muito, Elvira Vigna. O
último livro ["Nada a Dizer", finalista
do Prémio Portugal Telecom de Literatura 2011] já acreditávamos que teria sucesso, não teve. Mas o próximo
acreditamos que vai ter."
No catálogo da editora, 75 por cento são obras de estrangeiros. Mas a
Companhia das Letras tem também
das obras
os direitos de publicação
de Vinícius de Moraes, Érico Veríssimo, Jorge Amado e Lygia Fagundes
Telles. Começa a publicar a obra de
ria. As edições vão ser caprichadas
com todo o respeito à forma como
estava sendo editada a obra pela outra editora", explica.
Em São Paulo, a Companhia fez
uma associação com a Livraria Cultura onde tem um espaço com todos os
livros do catálogo. Além de alguns
exemplares na FNAC ou na Book House, se quisermos comprar livros da
Companhia das Letras em Portugal
como fazemos? "0 distribuidor que
existia no passado não existe mais. É
muito difícil, essa é uma área em que
não fomos bem sucedidos. Os nossos
planos de expansão não chegam a
esse ponto. É muito difícil conseguir
operar uma empresa fora e, por enquanto, essa é uma situação que é um
dos fracassos da Companhia das Letras. Mas no nosso site há um serviço
de venda internacional."
Tem havido uma expansão de grupos editoriais portugueses para o
Brasil, como a Leya ou o Babel. Já
quiseram comprar a Companhia? "Já
quiseram várias vezes. Os espanhóis,
mas não houve afinidade para tal." Mas não se passa o
inverso. A Companhia das Letras nun"Não
ca se quis internacionalizar?
somos uma empresa tão grande assim. O crescimento da editora foi no
sentido da conquista de novos autores e já é difícil administrar isso. Entre contratar autores como Drummond ou Pedro Nava e começar um
negócio fora do Brasil, não me sinto
muito motivado para o fazer. É mais
uma questão de motivação pessoal.
De a empresa não ter formado quadros que tenham essa ambição. Mas
os portugueses,
quem sabe um dia..."
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