SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES DA
COMUNICAÇÃO
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
X Simpósio de Pesquisa em Comunicação da Região Sudeste - SIPEC
Rio de janeiro, 7 e 8 de dezembro de 2004
Ciberativismo
Emilene de Oliveira Campos
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Introdução
O presente artigo é resultado dos estudos preliminares sobre o tema de dissertação de mestrado
desenvolvidos pela autora no Programa de Pós-Graduação em Comunicação – Mestrado - da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Centrado na linha Novas Tecnologias e Cultura, o projeto tem
como propósito estudar formas de ativismo na Internet.
Nesse sentido, interessa a autora investigar como a sociedade organizada vem utilizando a Rede
para realizar campanhas, divulgar suas causas e mobilizar o voluntariado. A intenção é identificar as
continuidades e descontinuidades desse processo ocasionadas pela inclusão de uma interface tecnológica
e midiática: a Internet. A discussão está fundamentada na lógica da comunicação em Rede, que envolve
interconexões, fluxo de informação e formação de comunidades, bem como nos avanços da área de
telecomunicações e na constante experimentação da linguagem da Internet.
O estudo está sendo desenvolvido através de consulta a livros, artigos de jornais e revistas
impressos e disponibilizados na web. Além de referências documentais, está prevista a metodologia do
estudo de caso, tendo como foco o Greenpeace – “organização independente que faz campanhas na mídia,
utilizando confrontos não-violentos para expor os problemas ambientais globais”.
Por se tratarem de estudos preliminares, o texto abrange a contextualização do tema, bem como
um breve levantamento de considerações apresentadas por pesquisadores brasileiros que também se
interessam por essa modalidade de ativismo.
Mais um espaço para o ativismo
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A comunicação através da Internet, acelerada a partir dos anos 90 com a propagação dos
computadores pessoais e do acesso comercial à Rede, vem provocando mudanças na forma de conceber e
interagir em sociedade, influenciando hábitos nas áreas do trabalho, lazer, entretenimento e associação.
Instrumento do processo de globalização, a Internet oferece as condições para o surgimento do
ciberespaço.
Nesse ambiente construído pela tecnologia e definido por Pierre Lévy como “espaço de
comunicação aberto pela interconexão mundial de computadores e das memórias dos computadores”
(LÉVY, P. 1999: p.92), o interlocutor muda de status. Não é um mero receptor, é usuário, termo que já
pressupõe certa interação. O indivíduo habituado a apenas consumir informação passa a ter a
possibilidade de criar suas próprias associações no processo comunicativo, o que estimula o intercâmbio
de informação espontâneo e não organizado nesse universo.
No ciberespaço, em troca, cada um é potencialmente emissor e receptor num
espaço qualitativamente diferenciado, não fixo, disposto pelos participantes,
explorável (LÉVY, P.1996: p. 113).
De interfaces de comércio eletrônico de grandes corporações a artigos anti-globalização; de
fotologs de família a manifestos em favor de causas ambientalistas, o fluxo de informações é contínuo.
Qualquer pessoa que têm acesso à Internet pode enviar um e-mail, criar um blog, bater papo nas salas de
chat, comprar um CD em uma loja virtual, emitir opinião em uma lista de discussão ou participar de uma
campanha. Enfim, nesse local de tamanha complexidade e experimentação convivem as mais variadas
formas de interesse e poder.
Atenta a essa tendência, a sociedade organizada lança mão dos próprios mecanismos
desenvolvidos no âmbito da globalização, principalmente na área de tecnologia de comunicação e da
informação, para ampliar na Rede o espaço que nem sempre encontra em outras mídias, como TV, rádio e
jornais. A estratégia é difundir informações e reivindicações sem mediação.
A maioria das ONGs procura usufruir das vantagens de curto, médio e longo
prazos da comunidade virtual: barateamento dos custos, abrangência ilimitada;
velocidade de transmissão; ruptura com as diretivas ideológicas e mercadológicas
da mídia; autonomia para detonar campanhas, sejam elas de denúncia, de pressão,
de conscientização ou de arrecadação de fundos; abertura de fóruns cooperativos
(listas de discussão, conferências on line, chats) (MORAES, D. 2001: p.129).
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O Guia de Direitos Humanos (www.jfservice.com.br/direitoshumanos) é um
desses canais. Nele os internautas acessam informações sobre ONGs juizforanas e podem se tornar
voluntários, ao preencher um cadastro. Outro exemplo é o projeto Click Fome (www.clickfome.com.br),
criado pela Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria e pela Vida. Para contribuir, basta um clique
numa imagem que dá acesso à publicidade dos patrocinadores.
Essas e outras iniciativas que exploram os potenciais associativo e de comunicação da Rede são
amostras do que o teórico francês Pierre Lévy chama de inteligência coletiva. Segundo ele, cada grupo
vai lançar mão desse mecanismo, de acordo com suas vivências, valores e necessidades.
A comunidade científica, a Igreja, a burocracia de Estado ou a Bolsa encarnam,
cada uma, formas diferentes de inteligência coletiva, com seus modos de
percepção, de coordenação, de aprendizagem e de memorização distintos.
Presidindo aos tipos de interação entre indivíduos, as ‘regras do jogo’ social
modelam a inteligência coletiva das comunidades humanas assim como as
aptidões cognitivas das pessoas que nelas participam (LÉVY, P. 1996: p. 99).
Nos exemplos do Guia de Direitos Humanos e do Click Fome, convergem tecnologias e projetos
de ação social. A linguagem não-linear do hipertexto, as interfaces gráficas e os recursos de programação
podem ser entendidos como ferramentas de mobilização, num ambiente propício à formação de tribos.
Assim, ao lado da existência de uma sensação coletiva, vamos assistir ao
desenvolvimento de uma lógica de rede. Quer dizer: os processos de atração e
repulsão se farão por escolha. Assistimos à elaboração do que proponho chamar
de “socialidade eletiva” (MAFFESOLI, M. 1987: p. 121).
Essa relação pode se estabelecer em formas de associações locais, regionais, nacionais
extraterritoriais, em conseqüência da possibilidade de interconexão.
O apelo à espontaneidade, às forças impulsivas que ultrapassam a simples
nacionalidade contratual, acentua o relacionismo, a ligação de séries de atrações e
repulsões como elementos de base de todo o conjunto social. (MAFFESOLI, M.
1987: p. 124).
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Enfim, os indivíduos estão dispersos fisicamente, mas se valem do ciberespaço para se reunirem
em função de interesses, conhecimentos ou ideais comuns. É esse contexto que abre espaço para o
ativismo através da Rede.
Das ruas ao ciberespaço
Em termos conceituais o ativismo é qualquer doutrina ou argumentação que privilegie a prática
efetiva de transformação da realidade em detrimento da atividade exclusivamente especulativa. Ação
resultante da sociedade civil organizada, definida pelo pesquisador Alberto Oliva, aquela:
que busca, de forma madura e autônoma, soluções para os desafios da vida
coletiva; a que recorre aos poderes estatais em busca de parceria e que se recusa a
assumir diante deles postura de subserviência; a que tem consciência de que mais
importante que controlar o lacre das urnas é acompanhar as voltas que os políticos
dão na chave do cofre.
Entre outras formas, tais definições se traduzem nas ruas em forma de protestos, passeatas e
baixo-assinados da sociedade civil organizada. Até o final da década de 80, os ativistas utilizaram esses
recursos para mobilizarem a opinião pública em função de suas causas. Já nos anos 90, alguns
movimentos sociais passaram a incorporar a Internet às suas ações. Somado a isso surgiu no ciberespaço a
militância exclusivamente virtual. As duas tendências deram origem ao que se convencionou chamar de
ciberativismo, ou seja, a militância praticada no ciberespaço.
Longe de ser mais um neologismo com prefixo cyber, o ativismo na web é encarado por algumas
linhas de estudo da academia como uma forma contemporânea de retomada da “coisa pública”, que pode
transformar questões locais em causas de alcance global. O professor da Universidade Federal da Bahia e
estudioso da Cibercultura, André Lemos, lembra que uma das primeiras expressões do ciberativismo
aconteceu há dez anos, no México, e teve repercussão mundial:
O primeiro herói ciberativista da cibercultura é o sub-comandante Marcos que
articulou mundialmente o movimento Zapatista através da Internet para angariar
apoio à luta do povo da região de Chiapas no México em 1994. Mesclando
discurso particular com perspectivas globais, Marcos conseguiu realizar um
movimento eletrônico global de grande impacto. (LEMOS)
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Para o pesquisador e professor Universidade Federal Fluminense, Dênis de Moraes, “o
ciberativismo alicerça campanhas e aspirações à distância, no compasso de causas que se globalizam
(combate à fome, defesa do desenvolvimento sustentável, preservação do equilíbrio ambiental, direitos
humanos, luta por um sistema de comunicação pluralista)”.
Segundo ele, a Internet é considerada pelos ciberativistas canal público de comunicação, “livre de
regulamentações e controles externos, para disseminar informações e análises que contribuam para o
fortalecimento da cidadania e para o questionamento de hegemonias constituídas”.
O ciberativismo, explica o professor da UFRJ, Henrique Antoun, dispensaria o contato face-a-face
da militância tradicional, não exigiria perfil ideológico e tampouco obrigaria que o militante abdicasse de
aspectos da vida pessoal em prol da causa. O jornalista Rafael Sento Sé, na reportagem “Militância se
fragmenta na tela do computador”, estabelece paralelos entre as passeatas nas ruas da sociedade civil
organizada e o que ele chama de “passeatas virtuais”, ou seja, um grande número de pessoas combina
acessar um mesmo endereço ao mesmo tempo, impedindo que outras pessoas entrem no site.
Nesse sentido, André Lemos, propõe três grandes categorias do ativismo através da Rede:
1. conscientização e informação, como as campanhas promovidas pela Anistia
Internacional, Greenpeace ou a Rede Telemática de Direitos Humanos; 2.
organização e mobilização, a partir da Internet, para uma determinada ação
(convite para ações concretas nas cidades) e; 3. iniciativas mais conhecidas por
“hacktivismo”, ações na rede, envolvendo diversos tipos de atos eletrônicos como
o envio em massa de emails, criação de listas de apoio e abaixo-assinados, até
desfiguramentos (defacing) e bloqueios do tipo DoS (Denial of Service).
Dessa forma, o que diferenciaria as modalidades de ciberativismo seria a continuidade do ato no
ambiente concreto de uma ação iniciada no ciberespaço. Pela definição de Lemos, também estariam em
jogo as ferramentas usadas na ação: disseminação de mensagens através do correio eletrônico (e-mail),
acesso simultâneos a sites, informações veiculadas em listas de discussão, desconfiguração de páginas,
entre outras. O e-mail é considerado uma das armas mais poderosas de desobediência civil. É possível
através dele propagar uma idéia, organizar um protesto ou esgotar a capacidade da caixa postal de uma
pessoa, através de envio de muitas mensagens.
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Assim, o ciberativismo se diferencia do ativismo das ruas na medida em que usa a estrutura da
Rede para se organizar e lança mão de uma mídia para divulgar sua causa e agir. Causas que podem ser
locais, nacionais ou mundiais; limitadas ao tempo ou contínua. Um exemplo de ativismo em âmbito
mundial é o Greenpeace, que trabalha em prol da preservação do meio ambiente. Uma de suas expressões
no ciberespaço é a versão brasileira de seu site veiculada no http://www.greenpeace.org.br.
O ativismo verde
Antes mesmo da Internet se popularizar, o Greenpeace se valia da mídia para apresentar suas
questões à opinião pública. Seus atos sempre chamaram a atenção do público pela irreverência e
dramaticidade. Suas formas de manifestações pacíficas seguem os protocolos da mídia como lógica de
ação. Na contemporaneidade, o ato vale por sua repercussão na mídia. E o ativista do Greenpeace tem
consciência disso. As campanhas públicas são o eixo do trabalho do Greenpeace, determinando todas as
atividades da organização, como as direcionadas a governos, organismos nacionais e internacionais e
outros formadores de opinião. Segundo informações veiculada em www.greenpeace.org.br, o grupo atua
no Brasil com quatro campanhas: proteção da Amazônia, a adoção de energias limpas e renováveis, a
adoção do princípio da precaução na produção de transgênicos e pelo banimento das substâncias químicas
tóxicas.
A hipótese trabalhada nesse projeto é de que, com a Internet, a estratégia midiática do grupo se
amplia. Se antes fazer parte do noticiário dependia de uma decisão editorial, baseada em interesses
mercadológicos, agora veicular informações e deflagrar campanhas não significam problema. O
Greenpeace tem voz, a questão é saber quem pode ouvir esse discurso e de que forma ele pode ser mais
efetivo.
Nas teorias sobre o potencial da Rede, muitos estudiosos parecem ignorar que a ação concreta
através da Internet esbarra em obstáculos, como a exclusão digital, que se estabelece, em alguns casos,
pela carência de aparato tecnológico e, em outros, pela falta de adaptação a essa demanda.
No mundo das novas tecnologias de comunicação, o excluído é o
desconectado, aquele que está fora de uma nova aptidão cognitiva gerada
nas comunidades virtuais e na sua inteligência coletiva. Conexão que não é
só tecnológica e financeira, mas também a de estar em condições de
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participar ativamente nos novos processos e poder valorizar as culturas, as
competências, os projetos e os recursos que alimentariam essa nova rede
(PINHEIRO, M. A. 2000: p. 136)
Agora, o ativista pode se valer uma variedade de ferramentas para criar, publicar e fazer circular
suas mensagens. A questão é saber quais são as continuidades e descontinuidades provocadas pelo uso
nesse processo de uma mídia como Internet, com tantas especificidades e potencialidades. De que forma
estão usando a Rede? Que ferramentas estão lançando mão para produzir uma ativismo verde? O uso da
Rede influenciaria o desenvolvimento campanhas? A eficácia das campanhas dependeria de uma
ancoragem no real? Representariam avanço ou retrocesso do ponto de vista ideológico? Essas e outras
questões serão investigadas e discutidas na dissertação da autora desse projeto.
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