INNHHAA AA CCOODDZZOOISS TRROOSS MMOONNSST MACARRÃO COM ZOMBIS O AUTOR O ILUSTRADOR Martín Piñol tirava óptimas notas na escola e agora, que é adulto, pagam-lhe para escrever tolices. Vês como vale a pena estudar muito? www.martinpinol.com Votric queria ser astronauta e, por isso, desde cedo começou a desenhar os seus foguetes espaciais. Agora desenha monstros. Por que será? A todos os miúdos que detestam a comida da escola. A Irene Lucas, que nos deixou desarrumar a cozinha da editora com as nossas receitas malucas. A Iker, Charito e Cris pelos seus empurrões, ao Chefe Zombi pelas suas receitas hediondas e em especial à formidável menina tartaruga por pôr a mesa. Planeta Manuscrito Rua do Loreto, n.º 16 – 1.º Direito 1200‑242 Lisboa • Portugal Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor Título original: Macarrones con Zombi © do texto: Joan Antoni Martín Piñol, 2011 © das ilustrações: Votric, 2011 © Planeta Manuscrito, 2011 Tradução: Rui Lagartinho Revisão: Fernanda Fonseca Capa: Departamento de Diseño de Editorial Planeta Adaptação de capa e paginação: Guidesign 1.ª edição: Março de 2012 Depósito legal n.º 338 892/12 Impressão e acabamento: Printer Portuguesa isbn: 978-989-657-231-0 www.planeta.pt 1 M uito antes de me tornar zombi, já detes‑ tava os vivos. Estavam sempre a queixar‑se dos meus pratos. Que os legumes estavam rijos, que encontravam pedaços de casca de ovo na omeleta, que a sopa tinha um cabelo… Mais do que uma vez, houve alunos que cho‑ raram porque não queriam acabar o almoço. E a verdade é que não estava assim tão mau… A minha ratazana, a Estercola, nadava sempre na sopa para a provar e nunca se queixou. 55 A cozinha dos monstros Mais do que uma vez fui avisado pelo direc‑ tor do colégio, para que me esmerasse mais nos menus. Respondia‑lhe que sim, que me esforçaria, mas só para o ver pelas costas. Mais do que uma vez pensei em deixar o colégio de São Lázaro; afinal aqueles miúdos não mereciam a minha arte culinária. Mas depois pensei: «Se me vou embora, quem fica cá para lhes estragar os almoços?» Ainda bem que fiquei. Se não o tivesse feito, nunca teria conseguido tornar‑me no chefe de cozinha mais importante do planeta. Mas comecemos pelo início: a minha vida é demasiado interessante para me permitir saltar parágrafos. 6 2 P ara os alunos do colégio de São Lázaro, o pior momento do dia era a hora do almoço. 7 A cozinha dos monstros Entravam no enorme refeitório do colégio com cara de cábulas apanhados com a mão na massa a meio de um exame. Na verdade, adorava vê‑los nervosos, já que tinham passado a vida a rirem‑se de mim. Chamavam‑me gordo, gozavam com o facto de estar a ficar careca… Felizmente, nestes maus momentos, tinha sempre por perto a minha fiel mascote para me animar. Para os que ainda não a conhecem, a Estercola era uma ratazana com um ar nojento que encon‑ trei um dia no meio dos caixotes do lixo do colé‑ gio, a devorar os restos da comida. 8 Macarrão com zombis Enterneceu‑me encontrar finalmente alguém que apreciava os meus cozinhados, por isso, em vez de a esborrachar, apanhei‑a com as minhas manápu‑ las, olhei‑a nos olhos e disse‑lhe com uma voz séria: – A partir de agora, serás a minha família. Dar ‑te‑ei comida, casa e, quem sabe, um pouco de carinho. Mas não esperes uma vida em grande, ratazana nojenta. 9 A cozinha dos monstros Como única resposta, a ratazana tentou morder‑me o nariz com uma dentada traiçoeira. Comovi‑me. O bicharoco tinha o meu génio. Embora em ponto pequeno e fedorenta. – Chamar‑te‑ei Estercola. Juntos vamos vingar ‑nos de todos os que se riram de nós. A partir desse dia, a Estercola ia comigo para todo o lado. Obviamente, desde que entrava na escola até ficarmos os dois sozinhos na cozinha, a ratazana ia escondida dentro da minha mochila. O porteiro do colégio de São Lázaro detestava‑me e guardava no seu cubículo da recepção um pau que teria certamente usado para se desfazer da minha pestilenta mascote caso a descobrisse. Sempre que estávamos a sós, longe de olha‑ res de estranhos, a Estercola passeava‑se feliz pelo refeitório, saltando de mesa em mesa. Quando se cansava, deixava‑a entrar na despensa e ela pró‑ pria se servia de tudo o que lhe apetecia. Nada de queijo, como as ratazanas dos desenhos animados. A Estercola preferia as natas, que comia à colher. Das 10 Macarrão com zombis de sobremesa porque, com as suas patinhas, não conseguiria erguer uma colher de sopa. Depois de arrotar com satisfação, a Estercola ajudava‑me a preparar a refeição do dia: sopa azeda, peixe cru, hambúrgueres queimados e feijão‑ verde, com aque‑ les fios que se metem entre os dentes e nos obrigam a passar o dia a tentar arrancá ‑los com a língua. Obviamente, tudo isto era feito sem que nos passasse pela cabeça a ideia de lavar as mãos. De seguida, escondia‑ se num armário e deixava a porta entreaberta, para não perder pitada do que se passava quando che‑ gavam os miúdos. Primeiro vinham os mais pequenos, em fila, acompanhados por duas ou três professoras 11 A cozinha dos monstros encarregadas de os vigiar, mas que não lhes liga‑ vam nenhuma. Uns instantes depois, o tecto tremia, anunciando a chegada estrepitosa dos alu‑ nos do secundário. Os últimos a chegar eram os do básico, que se deparavam sempre com uma enorme fila. Cada um passava à minha frente com o seu tabuleiro metálico, cujos espaços vazios ia preen‑ chendo. Como é óbvio fazia‑o com movimentos fortes e bruscos, como quem toca um tambor 12 Macarrão com zombis num desfile, para ter a certeza de que lhes sujava a farda com os salpicos do molho do prato do dia. Divertia‑me especialmente na altura da sopa, pois procurava sempre entornar a concha com sopa a ferver sobre os dedos com que seguravam o tabuleiro. Adorava ver como as suas caras pas‑ savam de rosadas a arroxeadas. Melhor ainda era a confusão que se seguia quando o tabuleiro caía e todos os que se seguiam na fila ficavam enchar‑ cados e sujos de sopa. Escondida no seu armário, a Estercola aplaudia com as suas patas pestilentas. Era, de facto, o mais ruim dos cozinheiros. Mas, um dia, passei‑me. E o meu destino e o do mundo mudaram para sempre. 13