FUNDEB Avanços na universalização da educação básica FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação Avanços na universalização da educação básica Organização Maria José Rocha Lima Vital Didonet Brasília | Inep | Fevereiro 2006 Coordenadora-Geral de Linha Editorial e Publicações Lia Scholze Coordenadora de Produção Editorial Rosa dos Anjos Oliveira Coordenadora de Programação Visual Márcia Terezinha dos Reis Editor Executivo Jair Santana Moraes Revisão Marli de Sousa Chagas Miguel Lucena Filho Vital Didonet Projeto gráfico e diagramação Elton Mark Capa Menino pulando carniça Cândido Portinari Tiragem 1.000 exemplares EDITORIA Inep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo I, 4º Andar, Sala 418 CEP 70047-900 – Brasília-DF – Brasil Fones: (61) 2104-8438, (61) 2104-8042 Fax: (61) 2104-9812 [email protected] DISTRIBUIÇÃO Inep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo II, 4º Andar, Sala 414 CEP 70047-900 – Brasília-DF – Brasil Fone: (61) 2104-9509 [email protected] http://www.inep.gov.br/pesquisa/publicacoes A exatidão das informações e os conceitos e opiniões emitidos são de exclusiva responsabilidade dos autores. Dados Internacionais de Catalogação na Fonte (CIP) Fundeb: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação : avanços na universalização da educação básica / Organização Maria José Rocha Lima e Vital Didonet. – Brasília : Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2006. 180 p. : il. 1. Financiamento da educação básica – Brasil. 2. Escolarização – Brasil I. Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). II. Lima, Maria José Rocha. III. Didonet, Vital. CDU 37.046.12.05(81) Agradecimentos A João Cândido Portinari, que tão gentilmente autorizou ilustrarmos a capa com a linda e expressiva pintura de seu pai, Cândido Portinari. Ele nos disse que via, no quadro Menino pulando carniça, um salto para um mundo no qual todas as crianças possam brincar e aprender. Os Organizadores SUMÁRIO PREFÁCIO -------------------------------------------------- 09 Eliezer Pacheco APRESENTAÇÃO ------------------------------------------ 13 Maria José Rocha Lima Vital Didonet PARTE 1 - O que pensam os especialistas CAPÍTULO 1 ------------------------------------------------ 21 Origem dos fundos para a educação: breve histórico Maria José Rocha Lima CAPÍTULO 2 ------------------------------------------------ 31 A educação infantil na educação básica e o Fundeb Vital Didonet CAPÍTULO 3 ------------------------------------------------ 49 Financiamento da educação básica: critérios, conceitos e diretrizes Paulo de Sena Martins CAPÍTULO 4 ------------------------------------------------ 71 Política de fundos na educação: duas posições Lisete Arelaro, Juca Gil CAPÍTULO 5 ---------------------------------------------Requisitos para a construção do Fundeb José Marcelino de Rezende Pinto 89 CAPÍTULO 6 ---------------------------------------------- 105 Insuficiente, mas necessário! Luiz Araújo CAPÍTULO 7 ---------------------------------------------- 117 Sobre a viabilidade financeira do Fundeb João Antônio Cabral Monlevade, Renato Friedmann CAPÍTULO 8 ---------------------------------------------- 145 Do Fundef ao Fundeb: mudança e avanço Francisco das Chagas Fernandes PARTE 2 – Anexos I – Proposta de Emenda Constitucional nº 112/1999 -------II – Proposta de Emenda Constitucional – PEC 415/2005 --III– Exposição de motivos do ministro Tarso Genro à Proposta de Emenda Constitucional – PEC 415/2005 ----IV –Projeto de Lei Complementar nº 40/95 ----------------- 153 159 163 177 PREFÁCIO Eliezer Pacheco* Esta publicação sobre o Fundo de Manutenção e de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação é da maior importância para substanciar o debate sobre a proposta mais avançada no rumo da universalização da educação básica. A obra, organizada pelos professores Maria José Rocha Lima e Vital Didonet, constitui-se em valiosos subsídios para professores e especialistas e todos os que, de uma maneira ou de outra , trabalharão para que o Fundeb alcance o nobre objetivo de ampliar a escolarização do povo brasileiro. É muito interessante que a obra reúna artigos de especialistas de posições políticas diferenciadas, às vezes divergentes, fazendo com que rememoremos os vários momentos da discussão, os dilemas, as muitas expectativas, até o resultado conquistado com o envio ao Congresso Nacional, pelo Ministério da Educação, de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC-415) que cria o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e de valorização dos profissionais da Educação. * Secretário da Educação - Profissional e Tecnológica do MEC 9 O Fundeb será o instrumento adequado para enfrentarmos o desafio de cumprir a tarefa gigantesca de assegurar os três níveis da educação básica com qualidade neste século, tarefa já realizada pelos países desenvolvidos nos séculos XIX e XX. Isto porque queremos tornar realidade, no Brasil, um projeto nacional de inclusão social, o que só será possível com o acesso de todos os brasileiros à educação básica com um padrão adequado de qualidade. No que pesem os avanços realizados no ensino fundamental, que atende, hoje, 97% das crianças entre 7 e 14 anos, não podemos conviver com situações de exclusão educacional como o fato de 62.391.980 de jovens e adultos de 15 anos ou mais não terem completado o ensino fundamental e apenas 7.438.315 de crianças serem atendidas na Educação Infantil, quando a demanda é de 23.141.413. Portanto, a taxa de atendimento na educação infantil equivale a 32,1%. Com relação ao ensino médio, a população de 15 a 17 anos é de 10.702.499. Destas, 3.563.932 são atendidas, representando 33,3% do total. Em relação à permanência das crianças e jovens na escola e à aprendizagem, os desafios ainda são maiores. Os índices de repetência e a qualidade da educação ainda são preocupantes. Este Fundo representará avanços para a educação brasileira por muitas razões, entre elas: amplia a escolaridade a partir da educação infantil, alcançando os jovens do Ensino Médio; age no sentido de universalizar a educação básica; rompe com a tradição brasileira de concorrência entre os entes federativos, alcançando todos os municípios, estados e DF, criando condições para fortalecer um Sistema Nacional de Educação; efetiva uma política de valorização do magistério e corrige uma distorção histórica, que é o não-atendimento da educação de jovens e adultos no âmbito do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magitério (Fundef ). 10 A criação do Fundeb representará uma verdadeira Reforma de Base para a Educação. Será um grande pacto com os estados, municípios e com o Distrito Federal, buscando a superação desse atraso histórico, que é a exclusão de amplas parcelas da população do acesso à educação. A aplicação de R$ 4,3 bilhões no Fundeb, nos próximos quatro anos, possibilitará a ampliação da escolaridade do brasileiro, atendendo às crianças na educação infantil; aos jovens no ensino médio e garantindo a universalização do ensino fundamental ao incluir milhões de jovens e adultos que não concluíram esse nível de ensino. Como o Fundeb prevê mais investimentos, fixação de custo-aluno, melhoria salarial e melhor formação dos professores, acredito estarmos dando mais um passo para o avanço de qualidade na educação. O Fundeb poderá concretizar o sonho de acesso à educação de qualidade para todos os brasileiros. 11 APRESENTAÇÃO Maria José Rocha Lima Vital Didonet Esta é a primeira publicação sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Ela é extremamente oportuna, em vista do crescente interesse despertado na discussão dessa proposta de criação de um novo modelo de financiamento da educação nos níveis infantil, fundamental e médio. A reunião de análises de especialistas, parlamentares, administradores de sistemas de ensino e militantes cria a possibilidade de uma rara interlocução numa mesma obra. O primeiro capítulo faz uma revelação surpreendente para alguns: a idéia de fundo para a educação é bem antiga. Anísio Teixeira a formulou nos idos de 1947, e, mais incisivamente, em 1961. O resgate de sua proposta é um dever histórico. Na seqüência, são apresentadas análises, críticas, sugestões, alertas e recomendações de estudiosos do ambiente acadêmico e dirigentes dos sistemas de ensino. A segunda parte contém a PEC 112/1999 e a 415/2005. Inclui, também, o Projeto de Lei Complementar nº 40/95, apresentado já em 1995, pela então deputada estadual Maria José Rocha, na Assembléia Legislativa da Bahia. A sua precedência sobre as iniciativas 13 de proposição de fundos para a educação o credencia a fazer parte do registro dessa trajetória de propostas de fundos para a educação. Os textos foram escritos em diferentes momentos do debate sobre o Fundeb. Alguns autores comentam questões que acabaram sofrendo modificações ao longo desse processo, como é o caso da exclusão ou inclusão das crianças de creches no financiamento da educação básica; do percentual de recursos de manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) alocados no Fundeb (a totalidade determinada pelo art. 212 da Constituição Federal ou um percentual do percentual, como está na Proposta atual do Governo); da destinação de 80% dos recursos do Fundo para o pagamento dos trabalhadores em educação, portanto envolvendo professores, dirigentes, especialistas e auxiliares, ou 60% para pagamento dos professores, como é atualmente no Fundef; da hipótese de três fundos, um para cada etapa da educação básica ou um fundo único para sua totalidade; do estabelecimento de prazo definido para a vigência do fundo, como tem o Fundef, situando-se nas disposições constitucionais transitórias ou sua criação por tempo indeterminado, entrando no corpo da Constituição. Essa característica do livro lhe dá o vigor da atualidade - registra os diversos momentos de um processo que vem amadurecendo e em que nenhuma alternativa está, ainda, descartada. É possível que o calor dos debates faça ressurgir idéias e argumentos com força de ocupar novamente o espaço. Isso não significa retrocesso, mas possibilidade de produzir o melhor modelo de financiamento da educação básica. A primeira Proposta de Emenda Constitucional que institui o Fundeb (PEC nº 112/1999) e a Proposta de iniciativa do Poder Executivo foram incluídas neste livro para que o leitor pudesse confrontálas com suas próprias concepções e com a dos autores que aqui registram suas análises e opiniões. Com referência à PEC do governo, é importante que a versão atual, que expressa os acordos ou o resultado dos debates e negociações desenvolvidos em 2004, esteja à mão do leitor. Por não ter sido, ainda, encaminhada ao Congresso Nacional, 14 está sujeita a modificações no âmbito do Poder Executivo. E se ali não sofrer mais alterações, possivelmente naquela Casa Legislativa vai receber emendas, uma vez que todos os Partidos políticos têm suas concepções de como o problema do financiamento da educação básica deva ser equacionado no sistema federativo. É certo que cada Partido poderá usar sua força de argumentação na defesa de suas concepções teóricas ou práticas sobre essa questão, mas o que certamente predominará é a percepção de quanto e como o modelo de financiamento proposto "beneficiará" ou "prejudicará" os diferentes entes federados e que repercussão ele terá sobre o caixa da educação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. No Congresso Nacional, também, os vários grupos e organizações da sociedade têm espaço - ou se empenham em consegui-lo para expressar e pressionar em defesa de seus pontos de vista e expectativas. Esses grupos e organizações estarão menos preocupados com o "caixa" dos diferentes entes federados e mais com o impacto da Emenda Constitucional sobre os diferentes níveis e modalidades de educação no que diz respeito à possibilidade de universalização do atendimento e à melhoria da qualidade, que o Fundeb deverá ensejar. Mais do que a força de pressão sustentada pelo poder econômico dos diferentes atores, deve prevalecer a coerência com os princípios e determinações da Constituição Federal, especialmente das responsabilidades e competências quanto à educação em geral e em cada nível de ensino, da autonomia dos entes federados e do regime de colaboração entre eles. Trata-se de um modelo de financiamento que altera profundamente a sistemática atual, talvez não na profundidade que Luiz Araújo gostaria (cap. 6), nem envolva decisões sobre questões que deveriam anteceder a discussão sobre o(s) Fundo(s), tais como ensino obrigatório, isonomia, valor mínimo, equilíbrio federativo, como Paulo Sena sugere (cap. 3), mas vale a pena perguntar-se se esse modelo ficaria no nível formal e externo de uma nova "engenharia de financiamento" ou estabeleceria novos compromissos e novas possibilidades de implementar 15 uma concepção de educação básica, da educação infantil ao ensino médio, para todos com a qualidade requerida hoje*. Iara Bernardi encontra uma fórmula intermediária, talvez mediadora, dessas diferentes expectativas: o Fundeb não é um plano pedagógico nem um simples plano administrativo ou contábil, mas um plano de descentralização das responsabilidades para com a educação básica para todos. Num ponto, todos os autores estão de acordo: trata-se de construir um novo modelo de financiamento de qualidade da educação básica para todos num sistema federativo, formado por entes autônomos, com recursos próprios e recursos partilhados. Vale, também, rever os argumentos que antecedem a discussão sobre a forma de dispor o(s) fundo(s): a própria idéia de fundo de recursos para financiar a educação. Lisete Arelaro e Juca Gil (cap. 4) aduzem argumentos, respectivamente, sobre o risco dos fundos e sua importância como instrumento organizador do financiamento da educação. A existência, nesta coletânea, de diferentes visões e entendimentos sobre a mesma questão favorece a reflexão e a tomada de posições, induzindo a que mais pessoas e instituições se envolvam e façam parte da decisão do "formato" final. Esse debate é frutífero tanto porque força a análise cuidadosa da matéria, quanto porque estimula à participação e, conseqüentemente, encaminha ao compromisso. Esse é o objetivo desta publicação. Finalmente, cabe anotar que grande parte das discussões levantadas neste livro se refere a questões que não figuram na Emenda Constitucional. Elas serão resolvidas na regulamentação desta. É oportuno, no entanto, estarem aqui suscitando reflexões e decisões, pois a emenda que for promulgada terá que receber imediato desdobramento prático, por meio de regulamento. Em última análise, trata-se de um mesmo bloco de idéias e proposições em dois níveis: constitucional e infra-constitucional. Ao se definir os dispositivos no texto da * cap. 2, de Vital Didonet e cap. 8, de Francisco das Chagas Fernandes. Maria José Rocha Lima (cap.1) 16 Constituição, já se deverá ter bastante claro o que eles implicarão e como se desdobrarão na gestão dos recursos, no ano seguinte à sua promulgação. E a obrigação, agora, é não incorrer nos erros relativos ao Fundef, mas acertar, uma vez que temos a experiência acumulada na sua implementação e o envolvimento de um número maior de pessoas na formulação do Fundeb, por mais tempo. 17 PARTE 1 O que pensam os especialistas CAPÍTULO 1 ORIGEM DOS FUNDOS PARA A EDUCAÇÃO: BREVE HISTÓRICO Maria José Rocha Lima* Falar sobre a criação do Fundo para a Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) significa reconstruir a trajetória da luta em defesa da escola pública, laica, gratuita e de qualidade no Brasil. Os Fundos para a educação se inscrevem entre as formulações mais relevantes do Manifesto dos Pioneiros da Educação, de 1932,(1) particularmente do educador Anísio Teixeira. Em 1930, Menotti Del Pichia, em artigo publicado no Jornal da Manhã, afirmava que um grupo de professores dos mais ilustres do país acabara de elaborar um documento de cardeal importância para a reorganização da nossa nacionalidade, sugerindo uma reconstrução * Mestre em Educação, deputada estadual (PT/BA) de 1991a 1998 Secretária–Substituta SETEC MEC 1 O Manifesto dos Pioneiros foi redigido por Fernando de Azevedo e assinado por: Afrânio Peixoto, Sampaio Dória, Anísio S. Teixeira, Lourenço Filho, Roquete Pinto, Frota Pessoa, Júlio Mesquita Filho, Raul Briquet, Mario Casassanta, Delgado de Carvalho, Almeida Junior, Roldão Lopes de Barros, Noemy M. da Silveira , Hermes Lima, Attilio Vivacqua, Edgar Sussekind,Francisco Venâncio Filho, Paulo Maranhão, Cecília Meireles, Álvaro Alberto, Garcia Rezende, Nóbrega da Cunha, Paschoal Leme e Raul Gomes. 21 educacional. O artista dizia que a educação se ressentia da ausência de um mecanismo articulado dentro de um plano global que atingisse as várias “etapas instrucionais”, reclamando que o estudo em etapas desarticuladas dava como resultado uma formação artificial e não um “thesouro nacional de cultura”. E prosseguia comentando que, pela primeira vez, um dos nossos problemas cardeais seria visto, não por um ângulo restricto, mas pelo seu único e justo ponto de perspectiva: de conjunto. Para ele, “os nossos males resultam da falta de enquadramento das soluções apontadas a um problema num plano geral, uma vez que os problemas de uma nacionalidade têm todos uma íntima conexão, uma fatal interdependência. Resolvê-los por aspecto lateral é, o mais das vezes , deformar ainda mais o conjunto”. (2) E vaticinava que a publicação do Manifesto dos Pioneiros assinalava “um dia novo no nosso calendário feito de tantas decepções”. Mais de setenta anos se passaram e constatamos que as elaborações mais decisivas da educação brasileira se inspiraram e continuam se inspirando no Manifesto dos Pioneiros, nas idéias de Anísio Teixeira. É no Manifesto, de bandeiras de conteúdo liberal, pautado pela defesa da escola pública, obrigatória, laica e gratuita e pelos princípios pedagógicos renovados, inspirados nas teorias de Dewey e Kilpatrick que vamos encontrar as idéias mais fecundas para a educação do Brasil contemporâneo. O documento de 1932 deu origem a todas as leis mais fundamentais da educação nacional, nos últimos setenta anos: os capítulos sobre educação nas Constituições de 1934, 1946 e de 1988; as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: a Lei 4.024/61 e a Lei 9.394/96; o Fundo de Manutenção e de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef ); criado pela Lei 9.424/96; o Plano Nacional de Educação (PNE), instituído pela Lei 10.172/2001 e atualmente nos inspira na elaboração do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). 2 Menotti Del Picchia, Folha da Manhã de São Paulo, 23 de março de 1930. 22 Na Constituição de 1934, o que tem de inovador vem desses educadores; na Constituição de 1946: a instituição da autonomia da educação nos estados e as percentagens instituídas para a educação nacional, para a União, os Estados e os Municípios tiveram a mão dos pioneiros; em 1988, mereceram destaques, durante as discussões da Assembléia Nacional Constituinte, as teses defendidas por Anísio Teixeira: a gratuidade do ensino, como princípio igualitário que torna a educação, em qualquer dos seus graus, acessível não a uma minoria, por um privilégio econômico, mas a todos os cidadãos que tenham vontade e estejam em condição de recebê-la; a articulação entre educação e trabalho; a constituição de fundos para a instrução pública; a defesa da formação de nível superior para os professores, para acentuar-lhes o espírito de formação científica; a extensão do tempo da escola primária, o aumento do número de dias do ano letivo; as discussões acerca do sistema nacional de educação, entre outras. Além do manifesto ser uma matriz para as leis de diretrizes e bases da educação nacional, são marcantes as influências das idéias de Anísio e demais pioneiros na elaboração dessas leis, tanto na de nº 4.024, de 1961, que Anísio proclamou como uma meia vitória dos defensores da escola pública, como na Lei 9.394, de 1996. Sobre essa última, em 1992, o deputado Jorge Hage, seu relator, comentou que o impressionava a atualidade e contemporaneidade das idéias de Anísio, retomadas durante a elaboração da lei, e que o preocupava à frente do nosso tempo. Também Florestan Fernandes destacou em Anísio, a permanência do educador mais do que seu conteúdo teórico e suas realizações. Para ele, Anísio é educador militante. É o educador que compreendeu que a mudança na área de educação não é mera retórica, é ação e transformação social. Para Florestan, Anísio compreendeu que a revolução no Brasil tinha de ser, principalmente, uma revolução da educação. 23 Acerca da defesa dos recursos para a educação e a constituição dos fundos No Manifesto de 1932, estava inscrito que a autonomia econômica da educação não se realizaria “a não ser pela instituição de um fundo especial ou escolar que constituído de patrimônios, impostos e rendas próprias, fosse administrado e aplicado exclusivamente no desenvolvimento da obra educacional, pelos órgãos de ensino, incumbidos de sua direção”. Para Anísio, esses fundos deveriam ficar não só ao abrigo das contingências orçamentárias normais, como também deveriam permitir acréscimos sucessivos, independentemente das oscilações de critério político de nossos administradores. Em 1947, na Assembléia Legislativa da Bahia, Anísio continuava defendendo a criação de Fundos para a educação. Já em 1961, lembrava aos brasileiros a grandeza da tarefa educacional que tínhamos pela frente, sublinhando que na evolução da educação entre os países desenvolvidos podiam-se perceber, claramente, três períodos: século XIX – ensino primário para todos; século XX – a partir da I Guerra Mundial, ensino secundário para todos; século XX, a partir da II Guerra Mundial, ensino universitário em alta expansão. Cada um desses períodos correspondia à reestruturação da educação: Século XIX – educação prática e universal, primária e seletiva e técnica para poucos; século XX – a partir de 1914, educação universal e prática secundária para todos; século XX – a partir de 1945, reestruturação e expansão do ensino superior, pelo reconhecimento de interdependência entre ciências e sociedade e educação como supremo instrumento. E Anísio prosseguia afirmando que o Brasil teria de realizá-las “nestas próximas décadas do século XX”. Estamos no século XXI e não realizamos a tarefa de universalizar o ensino fundamental. No que pesem os seus esforços em defesa do Fundo para a Educação, quando da apresentação do relatório do Plano 24 Nacional ao Conselho Federal em 1961, somente 35 anos depois foi criado o Fundo de Manutenção e de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério(Fundef ). Anísio detalha as idéias do Fundo para a Educação O fundo proposto em 1932, discutido na Bahia em 1947, é detalhado em 1961. No relatório sobre o PNE, em 1961, o educador afirma que as idéias de Fundo e Plano, adotadas pela Lei de Diretrizes e Bases, “apontam em considerar especiais os serviços públicos de ensino e, deste modo, sujeitos a tratamento diverso daqueles que recebem os serviços públicos normais”. Ali, Anísio, com muita sutileza, advertia as autoridades no sentido de que adotassem para a educação um plano especial como fora o plano rodoviário do País, insistindo para que a educação passasse a merecer tratamento diferenciado entre as diversas políticas. E falava da oportunidade que o Fundo oferecia, indicando a forma pela qual os três governos poderiam coordenar os seus esforços para a consecução dos objetivos previstos na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases. Para Anísio, o Fundo seria criado visando à especificação das verbas que devem ser incluídas no Orçamento Geral do Estado, de suas despesas, no sentido de assegurar o rigor e a perfeita fiscalização desta aplicação e a inviolabilidade desses recursos de exclusiva destinação à obra da educação. Os argumentos fundamentais e conclusões do educador acerca da relação entre educação e democracia, particularmente sobre a proposta de Fundo, podem ser extraídos dos textos publicados na obra Educação é um Direito, em 1996, ele argumentava que a forma democrática implica um desenvolvimento social e político, que tem por base a educabilidade humana, que as relações entre o Estado 25 Democrático e a Educação são intrínsecas, no sentido de que a educação é condição sine qua non da existência do Estado Democrático e que o direito à educação passou a ser um dos direitos constitucionais do cidadão brasileiro; para a efetivação desse direito, de natureza constitucional, o Estado assume plena responsabilidade, nos termos de dispositivos expressos na Constituição; essa responsabilidade, em virtude do caráter federativo do Estado, é solidária, obrigando simultânea e completamente as três ordens de Poder Público: a União, os Estados e os Municípios; tal obrigação solidária, a ser exercida conjuntamente e de modo mutuamente complementar, torna indispensável um mínimo de ação coordenada e uniforme em que, acima de tudo, se fixem as responsabilidades de financiamento e do esforço comum de educação de todos os brasileiros. Sobre a constituição de fundos, Anísio elaborou, detalhadamente, uma proposta, que, como podemos verificar, serviu de base para a elaboração do Fundef, 35 anos depois. Com a criação do Fundo, Anísio visava à aplicação dos recursos mínimos constitucionais e à definição da escolaridade mínima obrigatória, sem se descuidar da garantia da gestão colegiada, como vemos a seguir: Os recursos mínimos, previstos na Constituição, para tais serviços, passariam a ser considerados Fundos de Educação a serem administrados pelos Conselhos; nesse empreendimento comum, o mínimo obrigatório de educação a ser oferecido a todos os brasileiros - ou seja, a escola primária - constituiria dever prioritário, não se podendo dos recursos educacionais previstos como mínimos pela Constituição despender, para a extensão dos serviços educativos acima da escola primária compulsória, senão o que venha a sobrar daqueles recursos, depois de atendida a obrigação fundamental da escola primária. Vejamos como Anísio pensou a composição do Fundo: 26 Os planos de financiamento obedecerão às seguintes normas: os orçamentos serão baseados no custo individual do aluno; esse custo será calculado pela forma prevista de salário do professor (70%), de despesas materiais de manutenção e administração (20%) e de despesas do prédio e sua conservação (10%); e os 10% desse custo do aluno (municipal e estadual), junto com os 10% do auxílio federal, constituirão o fundo para empréstimos, tornando possível a negociação dos mesmos em bases nacionais e internacionais. Ainda sobre a distribuição dos recursos, ele sugeriu: Para cumprimento dessa obrigação, o município despenderia o total de seus recursos mínimos para a educação, isto é, 20% de sua receita tributária, salvo quando se tratasse de município tão rico que essa percentagem excedesse as necessidades do ensino primário; os Estados despenderiam, no ensino primário propriamente dito, no mínimo 14% de sua receita tributária, reservando 6% para os seus outros deveres indiretamente relacionadas com a educação popular e primária; e a União despenderia de sua percentagem de 10% da receita tributária quanto fosse necessário para completar o orçamento da educação primária para todos os brasileiros. Quanto ao padrão, ele propôs que o custo dessa educação fosse fixado na base do salário mínimo regional, mediante a fórmula apresentada no texto, ou outra equivalente, constituindo este o custopadrão do ensino primário, para efeito do cálculo das respectivas quotas municipais, estaduais e federal; para esse “custo-padrão” contribuiriam com efeito, as três quotas: a municipal, correspondente ao resultado da divisão dos 20% da sua receita tributária pelas crianças escolarizáveis, em virtude da obrigatoriedade escolar; a estadual, correspondente ao resultado da divisão de 14% de sua receita tributária por esse mesmo número de crianças; e a da União, correspondente ao que faltasse 27 para complementar o total do custo-padrão do aluno–ano, no serviço comum do ensino. Ressaltava que os planos relativos ao Fundo de Educação deveriam consistir em assistência técnica e instituições supletivas, ou seja, o sistema federal de ensino. E destacava que o ideal seria que o brasileiro, independente do estado ou município em que vivesse, tivesse educação substancialmente equivalente a de todos os outros, com professores igualmente competentes e igualmente pagos e as demais despesas e condições de escola apreciavelmente idênticas. O educador conclui o documento, afirmando que daquele modo “o sistema parecia corresponder às verdadeiras condições federativas do Estado Brasileiro e deveria proporcionar um clima de formação do espírito profissional na condução do maior serviço público de uma democracia: a educação.” A criação do Fundef Inspirados em Anísio, desde o final da década de 80, militantes do Movimento de Professores concorreram para a criação da Fundação Anísio Teixeira, do Movimento Anísio Teixeira, na Bahia, e para o resgate das propostas de Anísio na Constituinte, no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública e particularmente nas Comissões de Trabalho na Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Assim, propuseram a criação de fundo para a educação, o financiamento da educação a partir do cálculo do custo-aluno. Em 1994, como Deputada Estadual da Bahia, apresentamos a proposta de criação de um Fundo Estadual de Educação, assessorada pelo saudoso reitor da Universidade Federal da Bahia, Professor Felipe Serpa. No governo Itamar Franco, estudos foram realizados no Fórum Permanente pela Valorização do Magistério e elaboradas planilhas que apontavam para uma política de financiamento da educação a partir do cálculo do custo–aluno e da fixação de piso nacional para o magistério. 28 No governo FHC, foi sancionada a Lei 9.424/96, que cria o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, elaborado, praticamente, a partir de uma matriz que reproduzia parcialmente a proposta de fundo apresentada por Anísio Teixeira em 1932, reapresentado em 1947, na Assembléia Legislativa da Bahia e ao Conselho Federal de Educação, no relatório ao Plano Nacional de Educação, em 1961. Mas, diferentemente do Fundef, criado no Governo Fernando Henrique Cardoso, o Fundo proposto por Anísio Teixeira deveria reunir todos os recursos destinados à educação e não apenas uma parcela. E enquanto aquele tem caráter transitório, este seria permanente. A criação do Fundeb Em 1932, os Pioneiros propunham : ... o ensino obrigatório deveria estender-se progressivamente até uma idade conciliável com o trabalho produtor, isto é, até aos 18 anos, porque a obrigatoriedade do ensino é mais necessária ainda na sociedade moderna em que o industrialismo e o desejo da exploração humana sacrificam e violentam a criança e o jovem, cuja formação é freqüentemente impedida ou mutilada pela ignorância dos pais ou responsáveis e pelas contingências econômicas. Em 1999, os parlamentares do Núcleo de Educação, Cultura e Desporto do Partido dos Trabalhadores no Congresso Nacional apresentaram uma Proposta de Emenda Constitucional – a PEC 112/ 1999, visando ao resgate das propostas de universalização e integralidade da educação básica de qualidade para todos. A Proposta de Emenda Constitucional ganhou o apoio de setores importantes da educação. Ela representava o enfrentamento de problemas cruciais do Fundef, como o veto à educação de jovens e adultos, 29 no âmbito do Fundef, o desestímulo em relação à educação infantil e à falta de recursos para o atendimento aos jovens no ensino médio. Durante a elaboração do Programa de Governo Lula, essa foi uma das discussões que ganharam relevância no Partido, tendo sido incorporada ao Programa Por uma Escola do Tamanho do Brasil. Enfim, o desafio é garantir a educação básica para todos os brasileiros e as brasileiras. E isto representa a batalha que é colocar na escola de qualidade todas as crianças, adolescentes, jovens e adultos, desde a educação infantil, o ensino fundamental, ao ensino médio. Setenta e dois anos após o lançamento do Manifesto dos Pioneiros, como afirmou Antonio Houaiss, somos devedores a Anísio Teixeira de que o seu ideal está inteiramente por ser cumprido ainda. Ele postulou um ensino de qualidade que fosse extensivo a todos os brasileiros. Paguemos a nossa dívida a Anísio, construindo o Fundeb para que a democracia efetive o seu supremo dever e o Estado cumpra a sua suprema função que é a educação. 30 CAPÍTULO 2 A EDUCAÇÃO INFANTIL NA EDUCAÇÃO BÁSICA E O FUNDEB Vital Didonet * A educação infantil está tendo uma oportunidade histórica: a possibilidade de tornar-se, na prática, integrante da educação básica. Legalmente, ela já o é desde 1996. A LDB a define como primeira etapa da educação básica. Mas essa concepção ainda está longe de moldar um processo educacional seqüenciado e integrado do nascimento até os 17 anos. O que temos, efetivamente, são três diferentes segmentos, senão quatro: a educação infantil, com uma divisória ainda bastante marcada entre a creche e a pré-escola, o ensino fundamental e o ensino médio. Dos três, o fundamental é o rei. O médio, o príncipe. E a educação infantil, o vassalo. A legislação contribui, em parte, para essa segmentação e essa hierarquia, pois define o ensino fundamental como obrigatório e gratuito, e direito público subjetivo. O médio, como progressivamente obrigatório. * Professor; consultor legislativo da Câmara dos Deputados, aposentado; especialista em educação infantil. 31 E a educação infantil, apenas como direito da criança e da família. Em decorrência, a educação básica é vista como tendo um núcleo prioritário, antecedido por uma fase ancilar ou preparatória, e seguido por outra, conclusiva ou propedêutica da universidade. Figurativamente, é como se a educação básica seguisse uma Curva de Gauss, seccionada em três momentos. A educação infantil marca os primeiros passos, o ensino fundamental ocupa o topo da curva e o ensino médio faz a parte descendente, representando o término do estudo ou a preparação para outra etapa, que são os estudos superiores. Essa estrutura se deve a circunstâncias históricas, que hoje não existem mais. Até o final do século XIX aprender a ler, escrever e contar e quatro anos de estudo eram suficientes para a maioria das pessoas participar da vida social e econômica, com possibilidades de vivência da cidadania. Instituiu-se, assim, o ensino primário, como direito universal e obrigatório. Em meados do século XX, percebeuse que seriam necessários oito anos de escolaridade e a Lei 5.692, em 1971, incluiu os quatro anos de ginásio na obrigatoriedade, renomeando os dois blocos (primário e ginásio) de ensino fundamental. O ensino médio era raro, tanto na oferta quanto na procura e não constituía uma condição essencial para o trabalho e a compreensão da complexidade do mundo da época. E a educação infantil era entendida pelo poder público como necessidade restrita às famílias cuja mãe trabalhava fora de casa (5). O período inicial da vida fora objeto de estudo de algumas ciências, mas pouco se sabia sobre a formação da inteligência nos primeiros anos de vida. Desconhecia-se a supremacia do período infantil na formação das estruturas cognitivas, sociais e afetivas. À família era atribuída a função de cuidar, educar e socializar a criança até, pelo menos, seu ingresso na escola obrigatória. Caminhando para o final do século, esse ensino e só ele foi declarado 5 Em 1942, a CLT determinou que as empresas em que trabalhassem trinta ou mais mulheres deviam manter um lugar “para a guarda” das crianças no período da amamentação e a mulher tinha direto a dois períodos de interrupção do trabalho, de vinte minutos, para amamentar seus filhos. 32 direito público subjetivo. O ensino médio ganhou força como progressivamente obrigatório, mas ainda sem a importância conferida aos oito anos do fundamental. A lentidão das mudanças das estruturas sociais contrasta com a evolução do conhecimento e das necessidades da sociedade. O sistema de ensino ainda mantém a organização da educação própria da primeira metade do século passado. As sinalizações que a Constituição Brasileira faz, o avanço conceitual e as indicações legais presentes na LDB na direção da Educação Básica são luzes para orientar as necessárias mudanças da educação. A proposta do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) caminha nessa direção. Por que é necessário mudar a estrutura de financiamento do ensino? Se o ensino fundamental é o único obrigatório, tanto para a criança quanto para o Estado, a prioridade política, o investimento técnico, os recursos financeiros e as maiores cobranças de resultados se voltam para ele. A construção do Fundef comprova esse entendimento. Sessenta por cento dos recursos públicos vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino foram apropriados, por emenda constitucional, a esse nível de ensino. Desenhou-se e se implantou um modelo de financiamento próprio, com regras claras e rígidas, que assegurassem não só a prioridade legal, mas também a prevalência e a permanência de um núcleo privilegiado. O conceito de educação básica, portanto, não esteve presente na formulação do Fundef. Tampouco este contribuiu para a implementação dessa nova concepção de educação, que passou a ser necessária para todos, no mundo moderno. É difícil, portanto, implementar a educação básica mantendo essa forma de ver o processo educacional da criança e do adolescente. Todos 33 os elogios e reconhecimentos creditados ao Fundef – transparência na aplicação dos recursos, prioridade efetiva da etapa obrigatória do ensino, elevação do salário de grande parte dos professores, avanço rumo à universalização – são expressos com os olhos voltados apenas para a educação entre 7 e 14 anos de idade, ou 6 a 15. O que passou a acontecer com os dez por cento dos recursos vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), no Município e no Estado, não foi objeto de análise. Dizia-se que deveriam ser aplicados prioritariamente, pelo Município, na educação infantil e, pelo Estado, no ensino médio. No processo legislativo do Plano Nacional de Educação houve uma redação preliminar do capítulo de educação infantil que determinava a aplicação daqueles dez por cento por parte do Município na educação infantil. Importantes órgãos normativos e administrativos do sistema de ensino pediram para acrescentar o advérbio “prioritariamente”. Por que? A resposta parece óbvia: para que não fosse obrigatória e, portanto, pudesse ser usada em outros níveis, inclusive no ensino fundamental. A compreensão do conceito de educação básica, que vem sendo construído desde a Constituinte (1987/1988), que se formalizou no projeto de lei de diretrizes e bases da educação nacional, na década de 80 e foi consagrado em lei em meados da década de 90, pressupõe (a) o reconhecimento de que a educação é direito de todos e (b) que cada momento do processo educacional da pessoa tem significado, conteúdo e finalidade próprios e, simultaneamente, um sentido de seqüência, de continuidade e, por isso, também de sustentação do seguinte. Exploremos o alcance desses dois supostos. O reconhecimento de que a educação é um direito de todos decorre do entendimento de que a pessoa não nasce pronta, que sua personalidade resulta de um processo de personificação, que as estruturas constitutivas do ser humano se constroem ao longo da vida, ou seja, a pessoa se constitui pessoa, ser social, cidadão, a partir do nascimento na interação social, bem como com a apropriação da cultura, a participação ativa e a busca do conhecimento, no esforço de dominar os desafios do meio físico e social. Pode-se dizer que, ao nascermos, não temos 34 uma personalidade mas, que nos personalizamos pelo fato de existirmos em relação com as demais pessoas e a cultura. A educação é o conjunto dos processos que fazem alguém se tornar pessoa, conquistar a cidadania, formar-se homem ou mulher. A natureza lhe dá equipamentos básicos, genéticos, biológicos, tendências, ou seja, constitui a “vocação”, o chamamento para constituir a humanidade em si, e a educação é o diálogo construtivo entre essa pessoa e as demais que a acolhem, protegem, ajudam, ensinam, provocam. Trata-se, portanto, de uma relação dialógica de construção da pessoa. Ora, sem educação a pessoa não se realiza como ser humano, não responde a sua vocação, não corresponde à expectativa da humanidade em relação a si mesma. Portanto, também não contribui com o progresso da sociedade, em conhecimento, em trabalho ou em invenção. Privar alguém de educação é privá-lo de seu projeto de vida, de sua vocação humana, de seu destino histórico. É tirar-lhe a história. Excluí-lo da marcha evolutiva da humanidade. Por essa razão, o direito à educação não pode começar aos 7 anos de idade e nem terminar na 8ª série do ensino fundamental. Pois antes e depois deste período existe uma trajetória a ser feita. Uma personalidade a ser formada. Uma inteligência a ser edificada. Um conhecimento a ser reconstruído. Valores a serem entendidos, apropriados e vivenciados como elementos personificadores. Esse mesmo entendimento diz porque a educação de jovens e adultos é um direito tão sagrado; porque o analfabetismo é uma “des-humanidade” além de uma injustiça; porque um tempo mínimo de educação é necessário para a pessoa. Que tempo é esse? A partir de 1996, com a LDB, passou a ser a educação básica, ou seja, do nascimento ao término do ensino médio. A educação infantil na educação básica Pode-se encontrar, ainda, resquícios do argumento, mas cada vez mais raros, de que até os 6 ou 7 anos, a responsabilidade pela educação é da família e que o Estado não pode substitui-la num processo 35 educacional em que predominam os laços afetivos sobre os conhecimentos; a transmissão assistemática e lúdica de informações, orientações e normas sobre o estudo formal de conteúdos de aprendizagem. Seria um respeito à criança pequena e à sua forma de desenvolver-se e aprender, mantê-la no abrigo doméstico, preservando-a da formalidade da instituição escolar, que trata a pessoa como aluno, sujeito de aprendizagem, responsável pela aquisição de conteúdos de conhecimento... A família é a primeira e mais importante instituição de cuidado e educação da criança pequena. Mas o Estado e a sociedade não podem deixá-la sozinha nessa função, seja porque a própria família se vê limitada no cumprimento de sua tarefa educacional (o trabalho é a razão mais evidente, mas há outras), seja porque a aprendizagem e o desenvolvimento na infância já constituem um campo específico das ciências da educação, existindo uma pedagogia para essa idade, com profissionais especializados. Família e Estado formam uma dupla nessa tarefa, agindo complementarmente. Assim está definido pela Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtien, no ano 1990: “A aprendizagem começa com o nascimento. Isso implica cuidados básicos e educação inicial na infância, proporcionados por estratégias que envolvam as famílias e comunidades, ou por programas institucionais, como for mais apropriado”. E pela LDB: “A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade” (art. 29). O argumento de que competia à família educar seus filhos até o ingresso na escola obrigatória foi se relativizando na medida que as ciências iam descobrindo o potencial de aprendizagem nos primeiros anos de vida, a importância de a criança mover-se em ambiente estimulador, heurístico e de que sua atividade seja mediatizada por 36 profissionais que entendem do processo de aprendizagem e desenvolvimento. Influiu também a prática pedagógica de construção de uma “pré-escola” própria à idade infantil, ambientada pela atividade lúdica e organizada segundo o interesse das crianças e que visa ao desenvolvimento de sua auto-expressão, em vez da apropriação formal de determinados conteúdos curriculares. O fato de a criança não estar obrigada a freqüentar a educação infantil inviabiliza a educação básica a partir do nascimento? Entendemos que não. Efetivamente, não se pode obrigar uma criança de 3 meses ou de 3 ou 4 anos a freqüentar uma instituição educacional, mesmo que se lhe dê nome afetuoso como Parque Encantado, Mundo Feliz, Jardim da Infância. Mas alguém – a família, a sociedade e o Estado – tem a obrigação de garantir-lhe os meios que lhe possibilitem viver, aprender e desenvolver-se o mais plenamente possível. A Constituição é clara: a criança tem o direito (não a obrigação) de freqüentar uma instituição de educação infantil; o Estado tem o dever de atender a esse direito. Direito é uma coisa. Obrigatoriedade é outra. A legislação brasileira é sábia em não decretar a compulsoriedade da educação infantil. Durante a Constituinte e nos anos de debate do projeto de LDB, havia quem defendesse que a educação infantil devia ser obrigatória, para forçar o Estado a oferecê-la a todos. Venceu o argumento de que, sendo um direito de todas as crianças e um dever do Estado, este é obrigado a atender aquelas que procuram por esse serviço. A obrigação do Estado está explícita no art. 208 da Constituição Federal: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de...IV – atendimento em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade”. A evidência desse princípio tem levado o Ministério Público, em alguns lugares, a intimar a secretaria municipal de educação a matricular crianças que, querendo e precisando, não conseguem vaga na creche ou na pré-escola. Se alguma alteração couber na legislação, será a introdução da exigibilidade da oferta da educação infantil por parte do Estado, como 37 tem o ensino fundamental, uma vez que o direito público subjetivo repousa sobre o direito da pessoa e o dever do poder público frente a ele e não sobre a obrigação da criança em freqüentar a escola. O segundo suposto da educação básica, mencionado acima, é o significado que a educação tem em cada momento da vida. A educação infantil tem um valor em si mesma. Ela vale, em primeiro lugar, porque faz a criança ser ela mesma, porque a edifica como pessoa de um ano, de dois anos, e assim sucessivamente. Cada fase da vida tem uma beleza própria, um conteúdo existencial irrepetível e intransferível. Tem seu charme, seu encanto, sua finalidade própria. Se a infância é o tempo das silenciosas preparações, como disse Péguy, é, também o tempo das grandes descobertas, das fantásticas construções interiores. Em nenhuma outra época da vida a pessoa aprende tanto e tão importantes coisas quanto nos primeiros anos de vida. Tudo, ali, é profundo. Tem a dimensão das coisas que permanecem. Além desse significado próprio, ela tem uma sentido de fundamentação, seqüência e continuidade no processo de aprendizagem e autoformação. Por isso, deve ter estreitos vínculos com o ensino fundamental, assim como este deve tê-los com o ensino médio. Estabelecer vínculos não significa eliminar as particularidades nem recusar objetivos próprios, mas ligar conteúdos específicos e metodologias distintas. Seu objetivo é assegurar a coerência de um processo em que a mesma pessoa transita de um estágio para outro. As três etapas da educação básica devem estar, portanto, essencial e operacionalmente articuladas. Podemos, agora, voltar ao conceito de educação básica. O processo de constituição de sujeito, de formação da personalidade, de preparação para o exercício da cidadania, de desenvolvimento das estruturas de aprendizagem, de construção e reconstrução do conhecimento inicia no nascimento e se prolonga ininterruptamente até os 17 anos. Essa é a educação necessária, que estabelece a base da formação da pessoa, que a coloca na sociedade para usufruir e contribuir. Coerentemente com esse conceito, está a definição constitucional da idade 38 em que se pode iniciar o trabalho. Até os 16 anos, ele é proibido. Dos 16 aos 18, permitido como aprendizagem. Somente daí em diante deve acontecer a inserção produtiva no mundo do trabalho. O Fundef e a educação infantil Como dissemos acima, o Fundef não contribuiu com o conceito de educação básica. Foi estratégico para (quase) universalizar a escola obrigatória, mas, por ter reforçado um núcleo privilegiado de oito anos no conjunto dos dezessete dessa educação de base, postergou a implementação dessa nova concepção. E, assim, contribuiu para manter a hierarquia entre as três etapas. A educação infantil, particularmente, sofreu um revés nos primeiros anos do Fundef. As matrículas retrocederam na pré-escola. Creches foram fechadas e crianças mandadas embora, porque os municípios que investiam nessas instituições, ao verem retidos no Fundo estadual do ensino fundamental 15% de seus recursos de FPM e do repasse de ICMS, ficaram sem dinheiro para manter a educação infantil (2 ). Aos poucos, foram encontradas formas de equilibrar o orçamento e as matrículas voltaram a crescer. Mas não no ritmo da procura. Creches e pré-escolas públicas que fazem lista de interessados registram um número tão grande de pessoas aguardando uma vaga, que seria necessário dobrar sua capacidade de atendimento. O PNE estabeleceu a meta de aplicar prioritariamente na educação infantil os 10% de MDE não incluídos no Fundef (Metas 21, do capítulo. sobre a Educação Infantil e 8, do Financiamento). Mas a presença do advérbio não é decorativa. Está aí para dizer: se não der, se outro motivo se apresentar, está dispensado. E esse motivo surge 2 Segundo dados do MEC/INEP Sinopse Estatística da Educação Básica. Brasília, 1999, em 1998 a redução de matrículas foi de 200 mil crianças na pré-escola e de 159 mil, em 1999. Não foram levantados dados gerais sobre a creche. Informações colhidas, na época, junto a algumas prefeituras, e reportagens em noticiários da televisão levaram a supor que a situação na creche foi dramática. 39 com freqüência. Basta fazer o seguinte raciocínio: 60% dos valores do Fundef devem ser, obrigatoriamente, aplicados no pagamento dos professores. (O Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, tomando o texto da EC 14, exige que seja exclusivamente na remuneração dos professores em efetivo exercício em sala de aula. Os que ocupam cargo de direção, orientação, supervisão não podem ser pagos com esses recursos. Outros TCE aceitam o pagamento do pessoal de magistério, conforme está dito na Lei nº 9.424/96). Os restantes 40% teriam que dar conta das despesas de manutenção da escola, serviços de secretaria, outros serviços, pagamento do pessoal técnico e auxiliar e dos aposentados do magistério. Os valores não alcançam as necessidades. Recorrer aos 10% que não entraram no Fundo é a primeira saída. Com isso, a educação infantil, entendida como importante, mas (equivocadamente) como não obrigatória, acaba cedendo. Ou se reformula esses modelo de financiamento ou se renuncia à implementação da educação básica. Como a meta de uma educação extensiva da infância ao fim da adolescência é uma tendência mundial, está inserida formalmente em nossa legislação educacional e constitui um avanço na formação da cidadania e nas condições de inserção produtiva dos indivíduos na sociedade, deve-se abrir o caminho que a torne possível. Não há dúvida de que essa é a vontade do governo federal e dos sistemas de ensino dos estados e dos municípios. Um modelo de financiamento é a forma e a condição mais eficaz para isso, pois as leis que regulam o uso dos recursos canalizam intenções e prioridades políticas, enquanto os recursos financeiros assim aplicados as consolidam. Novas formas de financiamento da educação básica Que caminhos estão sendo sugeridos? As várias alternativas podem ser reunidas em quatro propostas: (a) manter e aperfeiçoar o Fundef, assegurando que os 10% dos recursos da receita líquida de impostos vinculados à MDE não 40 incluídos no Fundo sejam aplicados pelos Estados no ensino médio e, pelos Municípios, na educação infantil; (b) criar três fundos: um para a educação infantil – Fundei; um para o ensino fundamental – Fundef e outro para o médio – Fundem; (c) criar dois fundos: um para a creche, de 0 a 3 anos, e outro para a educação infantil a partir dos 4 anos, o ensino fundamental e o ensino médio; (d) criar um fundo único e geral para toda a educação básica – Fundeb. Comentemos as quatro. A primeira não traz novidade e perpetua os problemas que pesam sobre os dois segmentos que circundam o ensino fundamental, como está dito acima. Continuar com um núcleo privilegiado, como se fosse a grande necessidade e a grande solução da escolarização do cidadão brasileiro – um ensino dos 7 aos 14 anos de idade – equivale, na prática, a renunciar à idéia de educação básica como direito e necessidade. Essa é uma questão conceitual. Mas há outra, financeira, que a reforça: enquanto aplicar 60% dos recursos de MDE no ensino fundamental obedece a uma norma constitucional (transitória – art. 60 do ADCT), apenas uma meta de um plano – o PNE (se bem que aprovado pela Lei nº 10.172/2001) determina a aplicação prioritária dos restantes 40% nos segmentos anterior e posterior ao ensino fundamental. É possível que os Estados, que repassam progressivamente o ensino fundamental para os Municípios e deixam de ter encargos com professores e manutenção de escolas dessa etapa, não tenham que fazer uso dos seus 10% de MDE nesse ensino. Mas os Municípios, que absorvem ano a ano mais alunos no ensino fundamental, passam a ter despesas cada vez maiores naquelas rubricas já referidas. Na medida que se avançar na definição e implementação do custo/aluno/qualidade, os investimentos deverão aumentar. Novamente o ensino obrigatório 41 carreará maior volume de recursos. E a educação infantil ficará refém dessas pressões. Que é preciso corrigir falhas e fazer ajustes no Fundef, está claro. Mas só isso não basta para resolver o financiamento da educação básica. A constituição de três fundos (dois novos e correções no que já existe para o ensino fundamental) se apresenta com boas credenciais. Paulo Sena (3 ) argumenta em defesa de três fundos e aponta problemas de um fundo único: (a) o Fundef já está constitucionalizado, podendo receber os ajustes e correções por lei ou por decreto; (b) para a criação dos dois fundos específicos, a União teria, de cada vez, apenas uma esfera federada como interlocutora: os estados, para o ensino médio e os municípios, para a educação infantil. Não se encontrariam interesses conflitantes numa mesma negociação para aprovar a emenda constitucional; (c) manter-se-iam separados os recursos de entes federados diferentes para competências diferentes, evitando-se possíveis conflitos nos quais, entes mais fortes (estados) sobrepujariam os mais fracos (municípios); (d) a burocracia seria menor, porque o Fundei envolveria apenas a União e os municípios enquanto o Fundem, a União e os estados; (e) a negociação sobre o valor mínimo ano seria feita em separado, com possibilidades de ganhos para a educação infantil; (f ) três fundos implicariam três conselhos de controle social, portanto, com mais representatividade em cada nível; (g) melhor possibilidade de composição de fontes de recursos: por exemplo, a educação infantil poderia agregar recursos da saúde e da assistência social para o atendimento das crianças de 3 SENA, Paulo. Financiamento da Educação Infantil: o Fundeb é a solução? Texto apresentado no Seminário Nacional Financiamento da Educação Infantil, Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, setembro de 2003. 42 zero a seis anos enquanto o ensino médio poderia receber aportes da área do trabalho, o que ficaria mais difícil se houver um único fundo. Os argumentos de Paulo Sena são consistentes e respeitáveis. Mas é preciso lembrar que uma “Tripartite” da educação básica também gera problemas. Entre eles: (a) o ensino fundamental continuará na intersecção dos âmbitos de responsabilidade do estado e dos municípios e terá que contar com recursos de ambos os sistemas, independente de quem mantém as matrículas. Dificilmente se aceitará mudança constitucional para exclusivisar a competência dessa etapa aos municípios. Existindo três fundos, estariam os estados dispostos a renunciar à parte dos seus 25% para depositar num fundo que não seria mais de sua competência? (b) a educação infantil ficará sob a responsabilidade exclusiva dos municípios. Em muitos deles, ainda não existem condições financeiras nem técnicas de assumir sozinhos a oferta com qualidade de uma educação que, por incidir numa fase da vida decisiva no desenvolvimento e na formação da pessoa, exige grande competência profissional. A educação infantil municipal carece de cooperação técnica dos estados. Com recursos de que fundo eles atenderiam a essa tarefa? (c) a mesma dificuldade operacional que haveria em carrear parcela dos impostos municipais para o Fundeb haverá em recolhêlos ao Fundei, como também de exercer controle sobre eles, uma vez que ambos os fundos devem ser estaduais para fazer alguma equalização dentro do estado (4 ). 4 O fundo para o ensino médio teria que ser nacional para fazer alguma equalização entre Estados e o Distrito Federal, a menos que só a União faça o papel de equalizadora, complementando os Estados cujo valor médio por aluno/ano esteja abaixo da média nacional. 43 A terceira proposta tem aspectos positivos e negativos. A idéia de instituir fundos municipais para a creche com uma parcela dos impostos locais é interessante sob o ponto de vista financeiro: (a) haveria garantia de recursos para o atendimento dos três primeiros anos de vida. Os municípios sentiriam a pressão das famílias e organizações da sociedade para atenderem a demanda por creches, as quais poderiam fiscalizar o orçamento e as aplicações financeiras; (b) contorna a dificuldade de arrecadar as contribuições dos impostos municipais a um fundo estadual; (c) resta saber a que ente federado caberia aportar recursos para os municípios sem arrecadação ou com ínfimos valores de impostos próprios. Em que pesem as vantagens, essa proposta fere a unidade da educação infantil e retrocede ao tempo pré-constituinte. O avanço, nos últimos 15 anos, consistiu em integrar as instituições e formas de atendimento às crianças de 0 a 6 anos num único conceito de educação e cuidado, sob a ótica e a responsabilidade do sistema de ensino. Duas vezes a Constituição Federal menciona o atendimento do nascimento aos 6 anos (art. 7º, XXV e 208, IV), isto é, como um período ininterrupto quanto ao direito à educação. O legislador das diretrizes e bases da educação nacional determinou que a creche passasse ao sistema de ensino (LDB, art. 89) exatamente por captar a mensagem das ciências que se debruçaram sobre a criança e seus processos de desenvolvimento e aprendizagem. São anos decisivos na formação da pessoa e na construção das estruturas cognitivas, que iniciam e sustentam as aprendizagens ao longo da vida. Separar a creche do sistema geral de financiamento da educação básica pode provocar uma rachadura, devolvendo o atendimento dos três primeiros anos de vida à esfera da assistência social e à 44 perda de seu caráter essencialmente educativo. Os educadores não estarão dispostos a aceitar tal retrocesso (5 ). A opção por um fundo único para toda a educação básica – que deverá encarar as dificuldades mencionadas acima – pode aduzir a seu favor o argumento de que expressa coerência com o conceito de educação integrada do nascimento ao ensino médio como responsabilidade comum e solidária de todos os entes da Federação: todos vão buscar, em conjunto, uma solução para o desafio de garantir essa educação a todos os brasileiros. Regras claras e instrumentos eficientes e eficazes de controle, resultantes de um pacto político nacional pela educação terão que ser estabelecidos. As margens para jogos de poder, barganha ou pressão dos mais fortes sobre os mais fracos ficam bastante restritas. Chegar a tais regras e definir a mais equânime partilha dos recursos para a educação é a principal dificuldade a vencer. Composição dos recursos para o(s) Fundo(s) Em qualquer das opções, há necessidade de aumentar os recursos financeiros. Além do montante necessário para a complementação da União ao ensino fundamental, com vistas a aproximar da média nacional o disponível em estados e municípios que estão abaixo dela, surgirá a necessidade de complementar o valor mínimo criança/ano na educação infantil e aluno/ano no ensino médio. Esse é um princípio essencial do Fundef e deverá sê-lo nas três etapas da educação básica. De onde a União tirará os recursos? A proposta inserida na PEC 112/99 – elevar de 18% para 20% o mínimo em MDE – não é suficiente. A União já gasta 20% ou mais. A exclusão da educação da desvinculação dos recursos da União (DRU) é uma alternativa excelente e necessária. Isso 5 Deve-se ressalvar que muitas creches de iniciativa e responsabilidade da assistência social eram instituições de cuidado e educação, com proposta pedagógica e atividades condizentes com as mais modernas orientações das ciências da educação. 45 acarretaria uma disponibilidade maior de R$ 3,6 bilhões por ano. Esse valor, no entanto, é apenas suficiente para a complementação no ensino fundamental, se for aplicada a fórmula determinada pelo art. 6º da Lei nº 9.424/96. A Reforma da Previdência foi a grande ocasião (perdida) para defi nir a fonte de recursos para os proventos de aposentadorias e pensões da educação. Enquanto esses pagamentos continuarem saindo dos mínimos estabelecidos pelo art. 212 da Constituição Federal para manutenção e desenvolvimento do ensino, a disponibilidade para a edu cação será cada vez menor. Eles estão na MDE não por uma questão de lógica, mas de caixa. Aposentados e pensionistas não mantém nem desenvolvem o ensino; já o fizeram quando estavam na ativa. Portanto, têm que receber seus proventos de outra fonte que não aquela que tem por função “desenvolver” e “manter” o ensino. Resolvendo essa questão, alguns sistemas de ensino terão um volume de recursos para o ensino de até 40 ou 50% superior ao disponível atualmente. O estudo do Inep/Ipea/MEC/Presidência da República/Senado Federal (6 ) sobre os recursos financeiros necessários para atender às metas do PNE e dotar o ensino dos critérios de custo/aluno/qualida de indica as seguintes fontes possíveis: (a) elevação do percentual de impostos para MDE, nos estados, DF e municípios, de 25 para 30%, ocasionando um crescimen to de 0,7% dos gastos em educação em relação ao PIB; (b) exclusão da educação da desvinculação dos recursos da União (DRU), gerando um aporte de R$ 3,6 bilhões anuais no orçamento da educação; (c) vinculação de um percentual da CPMF para a educação. Com 20%, elevar-se-ia o percentual de gastos com educação, em relação ao PIB, em 1,5%; 6 Estudo publicado no Site do INPE em 21 de agosto de 2003 46 (d) redução de subsídios e da renúncia fiscal: juntos, hoje, são responsáveis por um volume de recursos equivalente a 5% do PIB. Concluindo A educação infantil tem que ser considerada no conjunto da educação básica. Não como segmento à parte nem fracionada na sua integralidade de zero a seis anos. A educação básica tem que ser encarada como responsabilidade comum e solidária de todos os Entes da Federação.Juntos, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios devem construir o caminho para tornar a educação básica de qualidade possível para todos. É condição importante, sob o ponto de vista político e técnico, que o(s) fundo(s) de financiamento da educação básica seja(m) desenhado(s) num amplo processo de construção coletiva, envolvendo o governo e a sociedade civil. Os acertos e também as falhas do Fundef constituem uma experiência importante para definir o novo modelo. Em todas as discussões sobre esse assunto, constata-se que a educação infantil não é mais entendida como educação de importância menor. Ela ganhou espaço político, afirmou-se tecnicamente e encontra defensores em todos os âmbitos da sociedade. Está na idade da maturidade. Por isso, pode-se confiar que estará presente no Fundo de manutenção da educação básica em igualdade de condições com as etapas seguintes do processo educacional. 47 CAPÍTULO 3 FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CRITÉRIOS, CONCEITOS E DIRETRIZES Paulo de Sena Martins * 1. Introdução Ao iniciar o primeiro colóquio, realizado em Brasília, para expor a proposta de um fundo único para a Educação Básica (Fundeb), a re presentação do MEC convocou-nos a fazer uma discussão conceitual. A preocupação é com os ruídos que a proximidade do processo eleitoral municipal possa causar no debate. Há uma sugestão de despartidarizar o debate. Embora seja louvável a intenção, trata-se em nossa opinião, não de despartidarizar, mas de suprapartidarizar, e mais que isso, ce lebrar um acordo federativo, isto é, pactuar uma proposta na qual a Educação figure como prioridade e executá-la. Com o apoio do maior número possível de partidos políticos e entes federativos. * Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, área de Educação, Cultura e Desporto. 49 O fato de a questão educacional aparecer nos programas dos candidatos não é negativo – o presidente Lula o fez ao comprometer-se com o Fundeb, embora sem definir a proposta. O cidadão tem o direito de saber a opinião dos candidatos sobre as políticas públicas educacionais e suas conseqüências para o País e para o Município. Ademais, as divergências no que se refere ao financiamento da Educação passarão, menos pelo corte partidário e mais pela verificação do impacto imediato, positivo ou negativo, no caixa municipal ou estadual. Portanto, a proposta do MEC de fazer um debate conceitual é oportuna. Além dos conceitos é preciso definir critérios. Entretanto, os colóquios estaduais realizados na seqüência não se detiveram em alguns conceitos e critérios importantes. Seus relatórios indicam propostas, freqüentemente antagônicas – é o caso da discussão recorrente acerca da adoção de um ou três fundos. Para contribuir com o debate gostaríamos de apresentar nossas apreensões quanto à pouca discussão sobre a definição de alguns conceitos – ensino obrigatório, isonomia, valor mínimo, complementação da União, equilíbrio federativo, distribuição, e adoção de alguns critérios – sobre distribuição, recebimento de complementação da União, indicação de fontes e percentuais. 2. Critérios A distribuição de recursos requer a definição de critérios. O critério geral adotado pelo Fundef é o repasse proporcional ao número de matrículas. Agregado a este, há a adoção dos dados do ano anterior. O primeiro critério relaciona-se com os fins do fundo, o segundo, a questões operacionais (maior complexidade técnica de fazer a apuração no decorrer do ano letivo em curso, e, no caso da implantação inicial do fundo ou fundos, atuar como válvula reguladora de uma indesejável explosão de matrículas somente para atrair recursos). 50 O critério das matrículas parece-nos o mais apropriado para o ensino fundamental, que é obrigatório, funcionando como um indutor de matrículas. Relaciona-se com o objetivo da universalização. Mas não é o único critério possível. Pode ser adotado o número de alunos matriculados ou o de freqüentantes (apurada a freqüência média). A própria Constituição Federal (art. 208, § 3º) determina que o poder público faça a chamada no ensino fundamental e zele, junto aos pais, pela freqüência. Entre as diretrizes do MEC para o Fundeb, figura a questão da certificação da freqüência, que pode recolocar esta questão no debate. Este é o critério indicado, por exemplo, pelo art. 75, § 3º da LDB para distribuição direta de recursos da União para os estabelecimentos de ensino. Prevaleceu, entretanto, o critério do Fundef (matrículas). Nos Estados Unidos, onde é generalizado o estabelecimento de fórmulas para distribuição de recursos, há partidários de uma e outra posição. A vantagem de distribuir recursos segundo a freqüência é comprometer os gestores com a efetiva presença do aluno na sala de aula. Por outro lado, a margem obtida pelo critério de matrículas pode significar os recursos necessários para atrair os matriculados com baixa freqüência. A questão é complexa. De qualquer forma, numa fase de implantação entendemos que o critério da matrícula é mais apropriado. No caso das etapas de ensino que não são obrigatórias, a situação difere daquela do ensino fundamental, onde todos os entes estavam mais próximos da universalização quando da implantação do Fundef. É razoável supor que os Municípios mais ricos possuam mais matrículas na Educação Infantil que os mais pobres. Daí a necessidade de combinar esse critério com outros como o IDH, o número de crianças fora da escola, para que não se congelem desequilíbrios federativos, afastando-se o objetivo da eqüidade. A determinação de quais os fundos de âmbito estadual que devem receber recursos da União e quais os valores, utilizou como critério o fato de atingirem ou não, o valor mínimo nacional – conceito que discutiremos a seguir – com a União aportando os recursos necessários 51 para alcançar o mínimo. O critério proposto poderia ser outro: complementar fundos no âmbito de Estados com determinado patamar de IDH, que estejam mais distantes das metas fixadas no PNE, etc. O montante poderia ser um valor fixo por aluno, etc. Mais uma vez entendemos que o critério do Fundef (como previsto na lei, não como praticado) é um bom critério – adota o aluno como medida, e a distância que separa o per capita de cada fundo da média nacional como o volume de recursos a serem aportados pela União. De qualquer forma, a proposta do governo deve se manifestar sobre esses critérios. Cabe ainda a definição de critérios sobre quais as fontes dos três fundos ou do fundo. Num desenho de fundo único as tensões federativas afloraram já em alguns debates nos colóquios realizados, em que cada ente se comporta mais ou menos, segundo o princípio de retirar do fundo seus impostos e as matrículas dos outros. Nas diretrizes do MEC, o Fundeb propõe excluir os impostos administrados pelas receitas municipais. Trata-se de decisão acertada em nossa opinião, uma vez que evita conflitos jurídicos acerca da constitucionalidade de sua apropriação pelo fundo. Ademais, dá alguma flexibilidade à gestão municipal. O mesmo raciocínio deveria ser estendido aos recursos próprios estaduais, sendo mantida, portanto, a cesta de fontes do Fundef, apenas alterando o percentual. Mais uma vez cabe definir o critério para tanto. Uma das diretrizes do MEC propõe repartir os recursos pelas matrículas na Educação Básica, mas autorizando o gasto com a universidade. A situação seria análoga à que ocorre atualmente com o supletivo no Fundef, isto é, as matrículas não contariam para a base de cálculo, mas poderiam ser efetuados os gastos. Não faz sentido. Neste caso, estaria criado o Fundebs. Seria mais lógico arbitrar um patamar inferior a 25%, e deixar uma margem para o financiamento das universidades estaduais, que contariam com os recursos de impostos próprios estaduais, que não entrariam no Fundeb ou nos fundos do ensino fundamental e médio, na hipótese de três fundos e, vá lá, se necessário os “outros 10%” referentes à 52 compensação recebida em virtude da Lei Kandir (15% voltam para o Fundef, não em virtude da Emenda nº 14, mas por previsão, “no grito”, na Lei do Fundef. Mas não há clareza se os 10% têm sido dirigidos à MDE. O destino destes recursos deve ser expressamente indicado: como fonte dos fundos ou fundo, ou para atender a esta necessidade das universidades estaduais). 3.Conceitos Para que se tenha clareza de como funcionará o financiamento da Educação Básica, o governo, o Congresso Nacional e a comunidade educacional em geral devem se entender acerca de alguns conceitos. Indicamos a seguir alguns deles. 3.1. Ensino obrigatório O primeiro conceito importante para a discussão do financiamento parece-nos ser o de ensino obrigatório. Faz sentido que haja um ensino obrigatório, e que este corresponda à etapa do ensino fundamental? Ou a adoção do novo modelo de financiamento estaria fazendo uma revisão deste conceito? A validade ou não deste conceito tem, evidentemente, repercussões no que se refere ao financiamento. O ensino obrigatório não precisa, necessariamente, corresponder a apenas uma etapa. Pode incluir outras, como no Chile, onde a escolaridade obrigatória é de doze anos, abrangendo o nível médio ou o último ano da etapa inicial (educação infantil), como o fizeram Argentina e Uruguai. No caso do Brasil, o dilema é optar entre a extensão, a curto prazo, do período de obrigatoriedade ou a concentração dos esforços na melhoria da qualidade do ensino obrigatório “regular” e garantia de acesso e qualidade na modalidade de jovens e adultos nesta etapa. Eventualmente, 53 tem-se comemorado o deslocamento da bolha demográfica, da faixa etária do fundamental para a correspondente ao médio, como se estivesse “sobrando dinheiro” no nível fundamental. Isto não corresponde à realidade, se levados em consideração os desafios mencionados. A Emenda nº 14/96 e a Lei do Fundef priorizaram o ensino fundamental no que se refere ao financiamento, ao subvincular 60% dos recursos para esta etapa, além de criar o Fundef. Não inovaram neste aspecto. Seguiram a trilha do constituinte que fez inscrever na Carta Magna: “Art.212 .......................................................................................... § 3º A distribuição de recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, nos termos do plano nacional de educação. ” O MEC apresentou, nos colóquios, uma simulação com dados da Fundap, referentes à estrutura de custos das diferentes etapas da Educação Básica no Município de São Paulo, tomando por base o ano de 2002. Conforme indicaram os representantes do MEC, este era apenas um exemplo: 54 De qualquer maneira, foi o exemplo apresentado, e portanto, merece alguns comentários. O primeiro refere-se ao fato de que, tomando como referência o valor de R$ 418 praticado no ano de 2002, para o ensino de 1ª a 4ª séries, verifica-se que a tabela da Fundap aponta um valor de R$ 435,79 para o de 5ª a 8ª séries – valor este pouco menor que os R$ 438,90 considerados como mínimo para esta subetapa (a diferença cai de 5% para 4%). Mas, o mais importante não é isto. Cabe observar que os pólos de atração de recursos e indução de matrículas estarão localizados na creche e, sobretudo, no ensino médio (considerando o peso e o número de matrículas). Cabe indagar se não pode ser criada uma situação de “desfinanciamento” do ensino obrigatório. Com os três fundos cai a subvinculação de 60% para o ensino fundamental, prevista no caput do art. 60 do ADCT. O ingresso das matrículas do ensino médio, com o maior valor por aluno deve direcionar recursos dos Municípios para os Estados. Em termos de etapa, o perdedor do Fundeb será o ensino fundamental obrigatório, cujos planos de carreira municipais poderão, em alguns casos, ter dificuldade de ser mantidos. 3.2. Isonomia A segunda questão importante a ser tratada é a da isonomia ou eqüidade (o governo atual tem utilizado a palavra de origem grega enquanto o passado adotava a latina. Os conceitos relacionam-se com o que os operadores do direito denominam igualdade material). Para sustentar a tese da superioridade de um fundo único sobre a adoção de três fundos, o MEC tem adotado o conceito de isonomia “entre etapas de ensino”. Cabem algumas considerações: A isonomia consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Ela se dá entre pessoas (ou grupos de pessoas) e não entre etapas. Há isonomia se a criança que estava na Educação Infantil encontrar as mesmas condições da geração que a precedeu quando ingressar no 55 ensino fundamental. O princípio da igualdade, previsto no art. 5º da Constituição Federal inaugura o capítulo dos direitos individuais e coletivos. Titulares de direitos são pessoas, não etapas. Ao tentar aplicar a isonomia entre etapas, a proposta não considera que estas são desiguais. Fazem parte exatamente das especificidades que devem ser consideradas na eqüidade. E que, portanto, cabe tratálas diferentemente . Esta discriminação positiva, quem a faz é a Constituição Federal. Ela diferenciou a etapa do ensino fundamental. Elevou-a à condição de ensino obrigatório (art. 208, I). Expressamente qualificou-a de direito público subjetivo (art. 208, § 1º). Mandou priorizar seu financiamento (art. 212, § 3º). Para Celso Bastos ‘o problema da isonomia só pode ser resolvido a partir do binômio elemento discriminador-finalidade da norma” (Bastos, 1989:168). Vicente Ráo lembra que para realização da eqüidade “por igual modo devem ser tratadas as cousas iguais e desigualmente as desiguais” devendo ser considerados todos os elementos relevantes (Ráo, 1976:56). Ora, se a Constituição optou por selecionar uma determinada etapa e considerá-la obrigatória, já que esta seria o mínimo necessário para que seja exercida plenamente a cidadania, este dado é relevante e não pode ser ignorado. É possível, evidentemente, fazer uma revisão desses conceitos. Mas será desejável? 3.3. Equilíbrio Federativo Um terceiro conceito importante é o de equilíbrio federativo. A Federação caracteriza-se pela distribuição de competências entre os entes. Na lição de Dallari (1982:228), “dar-se competência é o mesmo que atribuir encargos”, sendo indispensável, “portanto, que se assegure a quem tem os encargos uma fonte de rendas suficientes”. O Fundef, ao estabelecer o fluxo de recursos segundo a matrícula, parece-nos ter contribuído para administrar a distribuição de recursos e encargos no 56 plano intra-estadual. Não teve sucesso no plano interestadual, mas em grande parte, pelo descumprimento da lei, pela prática de valor mínimo abaixo da média. O Fundef opera uma redistribuição entre os entes, misturando seus recursos numa situação em que a competência é comum. Misturar recursos em situação em que a competência, como função própria, é específica de um ou outro ente pode gerar desequilíbrios e conflitos. Uma proposta que seja francamente favorável ao caixa estadual em detrimento do municipal ou vice-versa, pode gerar desequilíbrio federativo, sobretudo se a União não assumir, ao lado do papel de arbitrar conflitos, o de exercer com recursos substanciais sua função supletiva. Cabe verificar se a adoção de um fundo único não incide nesta hipótese. Sem meias palavras, consideramos que o Fundeb, sem aporte significativo de recursos federais “beneficia” os Estados reduzindo o fluxo de recursos que se dirigem aos Municípios – e ao ensino fundamental – com o Fundef. Esses mesmos Estados, entretanto, receberão os alunos que vierem de um ensino fundamental subfinanciado. 3.4. Valor mínimo Um conceito central para a eqüidade /isonomia é o de valor mínimo. Um sistema de financiamento pode adotar um valor mínimo regional (que não nos parece o mais eqüitativo, porque congela desigualdades) ou nacional. O valor mínimo pode ser, como tem ocorrido, à margem da lei, arbitrado ano a ano, segundo aquilo que a área econômica considera disponibilidade de caixa, ou obedecer a alguns parâmetros. Estes podem ser expressos em fórmulas. A lei do Fundef estabelece um conceito normativo de valor mínimo, expresso de forma clara no art. 6º, caput e § 1º, que preceitua: “Art. 6º A União complementará os recursos do fundo a que se refere o art. 1º sempre que, no âmbito de cada estado e do Distrito 57 Federal, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente. § 1º O valor mínimo anual por aluno, ressalvado o disposto no § 4º, será fixado por ato do Presidente da República e nunca será inferior à razão entre a previsão da receita total para o fundo e a matrícula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas, observado o disposto no art. 2º, § 12º, incisos I e II. ” Claro, pois, que o valor mínimo é nacional, e que são consideradas a receita e a matrícula total. O art. 60, § 3º do ADCT dispõe: “Art. 60 .......................................................................................... .......................................................................................... § 3º A União complementará os recursos dos fundos a que se refere o § 1º, sempre que, em cada Estado e no Distrito Federal, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente. ” O Fundef, aprovado em 1996, somente entrou em pleno funcionamento em 1998, em virtude das complexas negociações federativas que levaram à sua adoção automática a partir daquele ano. Somente o Estado do Pará antecipou a implantação do fundo para 1997, valendo então a regra do art. 6º, § 4º, isto é o valor mínimo de 300 reais. No ano seguinte foi estabelecido o valor de 315 reais, congelado para 1999. Até então, o governo não tinha elaborado sua interpretação da lei que procura negar o que nela está escrito. Há requerimentos de informação, à época, de parlamentares, como o deputado Pedro Wilson e o Senador Pedro Simon, questionando o congelamento do valor, sem que o governo esboçasse a tese que passou a defender posteriormente, inclusive em suas defesas judiciais e que se mantém no novo governo. Segundo esta interpretação, construída num segundo 58 momento, sendo cada fundo de âmbito estadual, o valor mínimo adviria da razão entre a receita estimada e o número de alunos do Estado em que esta conta resultar no quociente mais baixo – obtido no Estado do Maranhão. Este resultado seria o valor mínimo. Esta interpretação não tem a menor sustentação sob qualquer ângulo. Do ponto de vista jurídico está expresso que, ainda que operacionalmente existam 27 fundos de âmbito estadual, o valor mínimo é nacional. E a Carta Magna determina que a lei disponha sobre a forma de cálculo do valor mínimo nacional (art. 60, § 7º, ADCT). O Fundef é um programa nacional. Pode-se escolher o método hermenêutico-gramatical, histórico, teleológico – não há contorcionismo exegético que possa negar que a Constituição definiu que o valor mínimo é nacional. Mesmo uma abordagem na linha da “reserva do possível” seria inadequada, porque em termos de Educação, discute-se aqui o mínimo básico, o ensino obrigatório. Do ponto de vista da história da proposta, isto fica claro. Ao propor o Fundef, em 1995, com a discussão conduzida por Barjas Negri, o governo trabalhava com a média nacional como referência. Propunha que o valor fosse o equivalente a 90% da média. Esta informação pode ser recuperada nos arquivos da PEC 233. Além das planilhas da época, de audiência pública em que foi distribuído documento neste sentido, do testemunho de quantos acompanharam o processo, há resposta escrita do então ministro da Educação, a requerimento dirigido pelo então deputado Elias Abrahão, presidente da Comissão Especial, e que se refere a 90% da média. No momento subseqüente, por iniciativa do deputado Maurício Requião, o Congresso adotou 100%, e não 90%. Esta é a história. Documentada. Contra fatos não há argumentos. Do ponto de vista lógico a tese é muito frágil. Ora, se prosperasse a interpretação dos governos, passado e atual – a do menor quociente 59 – todos os Estados, por definição, teriam atingido imediatamente o valor mínimo. Neste caso não haveria que se falar em complementação para atingi-lo, como prevê a Constituição. E o art. 60, § 3º do ADCT não faria o menor sentido. A Constituição não contém dispositivos ociosos e tampouco impropriedades lógicas. Este valor, sem dúvida, implicaria um esforço financeiro significativo da União. Se se chegar à conclusão de que, como costumam dizer os integrantes da área econômica, “não há espaço fiscal para tanto”, talvez seja o caso de rever o critério, ou estabelecê-lo como uma meta a ser atingida num determinado prazo, mais longo. Esta poderia ser uma inserção a ser feita no Plano Nacional de Educação (PNE). O que não é possível é manter um critério que não se cumpre. Se for para alterá-lo, que se abra o debate para tanto. É melhor ter algum critério que deixar que o valor seja arbitrado pelo executivo anualmente, sem qualquer parâmetro. Entretanto, é preciso esclarecer que a adoção da média nacional não foi um critério inventado, sem fundamento. A média é o desejável, porque atua em favor da eqüidade. Ajusta-se perfeitamente, como veremos a seguir, ao disposto no art. 211, § 1º da Carta Magna. A questão da adoção da média como parâmetro está colocada no debate internacional acerca do financiamento. Ao discutir a política de financiamento para os Estados Unidos, Allan Odden (1998) aponta: As previously discussed, to achieve the new education reform goal may require setting the adequate base spending level at the national or state median, whichever is higher. However, in states where median spending is below the national median, outside resources will probably be necessary to bring spending up to an adequate level. Odden and Busch (1998) suggest that this implies a new federal fiscal role in education: providing funds to raise spending 60 in all districts across the country at least up to the national median or to some defined, minimum nationally adequate level. ( 1 ). A questão é: o fundo ou os fundos devem definir o conceito de valor mínimo? Em caso afirmativo, este deve ser a média nacional, ser construído a partir de um determinado esforço financeiro de todos os entes (critério que pode ser alternativo à média), inclusive e sobretudo (no contexto, porque este seria o dado novo) da União, ou ser determinado a partir de outro critério? 3.5. Complementação da União A União, nos termos do art. 211, § 1º da Constituição Federal deve exercer, no que se refere à Educação, a função supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino. Portanto, é decorrência lógica deste dispositivo, que o sistema de financiamento conte com uma complementação da União. Esta pode se dar: a) para atingir um valor mínimo; b) para atingir um padrão de qualidade; c) como expressão de um determinado esforço financeiro da União, negociado no pacto federativo. Vincular a complementação da União a um valor mínimo equivalente à média nacional, embora seja o critério que melhor atenda ao objetivo da eqüidade, revelou-se um caminho muito difícil de ser assimilado, numa negociação federativa, por qualquer governo da União. 1 Numa tradução livre: “Como discutido previamente, alcançar a meta da nova reforma da educação pode requerer o estabelecimento do nível base adequado de gasto na média nacional ou estadual – aquela que for maior. Entretanto, nos estados em que o gasto médio situa-se abaixo da média nacional, recursos de fora serão provavelmente necessários para trazer o gasto a um patamar adequado. Odden e Busch (1998) sugerem que isto implica novo papel fiscal federal em educação: prover fundos para elevar o gasto em todos os distritos do País para, pelo menos, a média nacional ou algum nível mínimo nacional definido, que seja adequado.” 61 A adoção de valor equivalente ao padrão de qualidade é um caminho apontado pela legislação. A LDB dispõe que o Estado deve garantir padrões mínimos de qualidade do ensino (art. 4º, IX), definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. O Plano Nacional de Educação estabelece como meta a realização de Conferência Nacional de Educação para definir padrões mínimos de qualidade de aprendizagem na Educação básica (11.3.2.41). A Emenda nº 14/96 ensaiou a introdução de uma concepção de custo-qualidade, ao prever o ajuste progressivo, no prazo de cinco anos (2001) das contribuições dos entes federados ao fundo, de modo a garantir um valor, por aluno, correspondente a um padrão mínimo de qualidade do ensino, definido nacionalmente. Este dispositivo restou ignorado. A Lei do Fundef introduziu (art. 2º, § 2º) a questão da diferenciação de custos, tomando como referência de 1ª a 4ª séries, 5ª a 8ª séries, estabelecimentos de educação especial e escola rural. Este caminho, embora desejável, também envolve pesquisas complexas (2) e, mesmo, certo grau de arbitrariedade. Implica a realização de estudos de custo. Enfim, deve-se continuar buscando uma melhor definição do custo-aluno-qualidade, sem que necessariamente, este seja, neste momento, o critério que defina a complementação da União. Propomos que se discuta a complementação da União a partir de um esforço financeiro, isto é, o compromisso com um percentual do próprio fundo. Monlevade (2004) lembra que, por ocasião dos debates da PEC 233, o Executivo fez circular no Congresso Nacional planilha que indicava uma complementação de 871 milhões de reais (sendo beneficiados 15 Estados), e “isto significava um aporte da União de quase 10% da receita total do fundo”. 2 O INEP iniciou alguns estudos nesta direção 62 Nos Estados Unidos o aporte de recursos do governo federal para o programa K-12 (do jardim da infância até o 12º grau, equivalente ao último ano do ensino médio) correspondem a cerca de 8,2%, segundo o U. S. Department of Education, (2004). Estudo do Banco Mundial mostra que a participação da União no esforço de gasto com Educação (incluindo o nível superior) vem caindo, de 24,9% em 1995 para 17,9% em 2000. A determinação de que a União sustente 10% das despesas dos fundos da Educação Básica pode ser uma alternativa. Se aplicada a regra considerando os valores de 2004 para o Fundef, cujo valor total corresponde a cerca de 28 bilhões de reais, a União entraria com 2,8 bilhões de reais. Se o valor fosse de 8%, representaria 2,24 bilhões de reais como complementação (ao Fundef ). Não seriam os atuais 379 milhões de reais, nem os mais de cinco bilhões de reais requeridos caso fosse aplicada a regra da lei do Fundef. Não seria o ideal, mas seria um grande passo. Esta regra poderia valer para o fundo único ou para os três fundos a serem criados. Seja qual for o critério adotado, contribuiria para dar transparência ao compromisso do governo a inserção do valor proposto para a complementação do Fundeb, no Plano Plurianual (PPA) 2004-2007. Atualmente o PPA prevê, para complementação ao Fundef, cerca de 2,25 bilhões de reais para quatro anos. Simultaneamente ao envio da PEC do Fundeb, o governo poderia encaminhar a revisão do PPA neste aspecto, determinando os valores da dotação para a complementação. 3.6. Distribuição X Fragmentação Uma objeção que os defensores de um fundo único fazem aos três fundos baseia-se no argumento de que esta forma de organizar o financiamento “fragmentaria” a Educação Básica. Há uma confusão entre meios (e lei de meios – que é a lei do financiamento) e fins, estes representados entre outros documentos pelo Plano Nacional de 63 Educação (PNE) e planos de Educação dos entes subnacionais. Cabe aos mesmos realizar a integração das metas. Um fundo único é, por definição, competitivo – promove a fragmentação de interesses. Qualquer que seja o modelo de financiamento adotado, os recursos devem ser distribuídos de acordo com algum critério. Distribuição não é fragmentação. Pode-se fazer uma analogia com o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que distribuem recursos para cada esfera federativa. Raciocínio análogo subjacente a esta crítica dos defensores do fundo único aos três fundos implicaria supor que um “fundo federativo único” que somasse os recursos de FPM e FPE seria uma forma melhor de organizar a distribuição de recursos federativos. Internamente seriam definidos os critérios. Nossa hipótese é que uma tal organização traria um conflito federativo latente. 4. Diretrizes O Plano Nacional de Educação estabeleceu as diretrizes gerais para o financiamento da Educação, que podem ser resumidas em: – Vinculação de recursos; – gestão de recursos por meio de fundos de natureza contábil e contas específicas; – Alocação de recursos segundo as necessidades e compromissos de cada sistema, expresso pelo número de matrículas; – Eqüidade; – Adequação a um padrão mínimo de qualidade; – Promoção do autêntico federalismo em matéria educacional; – Aprimoramento contínuo do regime de colaboração; – Transparência; – Sistemas de informação e avaliação; – Desburocratização e descentralização da gestão financeira; 64 – Gestão democrática. Essas diretrizes valem para um ou três fundos. Das dez diretrizes fixadas pelo MEC para a adoção do Fundeb, cinco referem-se especificamente à proposta (1, 2, 3, 4, 8). Três referem-se ao financiamento da Educação em geral e podem ser adotadas com um ou três fundos (5, 6, 7). Uma refere-se a débito do Fundef e outra a controle da efetividade do gasto, por meio de certificação da freqüência, que pode se dar com um ou três fundos. Seguem comentários às diretrizes divulgadas pelo MEC (indicadas em itálico): 1. Um fundo único para cada unidade da federação A adoção de um fundo único acabou sendo dogmatizada pelo governo. As vantagens do fundo único, segundo seus defensores, seriam: evitar a fragmentação, concorrer para uma maior isonomia (entre etapas), facilitar o piso salarial e a unificação da carreira. Como procuramos demonstrar, três fundos não levam à fragmentação, tratando-se de uma forma de organizar a distribuição, que procura evitar disputas federativas e exacerbar a fragmentação de interesses. Uma maior isonomia pode se dar com um ou três fundos e é, em grande parte, dependente do compromisso da União com um maior volume de recursos. Piso salarial é, como o salário mínimo, uma decisão política, dentro de uma margem de viabilidade orçamentária, com um ou três fundos. Os planos de carreira do pessoal do magistério municipal, implantadas a partir dos recursos do Fundef, podem ter dificuldade de se sustentar em alguns Municípios, que perderão recursos com o Fundeb. 2. Exclui impostos administrados pelas receitas municipais (inclui, portanto, o IPVA). É positiva a indicação de que as receitas próprias dos Municípios não constituirão o fundo, sendo reservadas a outras despesas de manutenção 65 e desenvolvimento do ensino (MDE). Esta posição preserva alguma flexibilidade para os Municípios, e é mais coerente com o respeito à autonomia deste ente federativo, além de evitar demandas judiciais. 3. Inclui os 25% dos impostos estaduais, mais os do Fundeb (Fundo de Participação dos Município e dos Estados, etc.). O princípio expresso na diretriz nº 2 deveria se estender também às receitas próprias dos Estados, como o IPVA. Este seria um tratamento isonômico entre Estados e Municípios. Por outro lado, os “outros 10%” provenientes da compensação financeira referente à desoneração prevista na Lei Kandir devem expressamente constituir o fundo. É necessário, ainda, que se estude qual o percentual de subvinculação compatível com uma margem de financiamento do ensino superior estadual. 4. Reparte por matrícula no ensino básico, diferenciando por etapa (infantil, fundamental, médio) e especificidade (educação de jovens e adultos, especial, rural, etc), mas autoriza o gasto com universidade. As matrículas em creches seriam consideradas, mas com corte de renda. A autorização de gasto com a universidade, dentro do fundo da Educação Básica, parece conceitualmente incorreta, além de, possivelmente, gerar alguma confusão. É preferível, como proposto no item anterior, que se deixe uma margem, através de subvinculação menor que os 25%. Desta forma estaria atendido o princípio apresentado de não punir quem cumpriu a lei anterior. Caso contrário, estaria criado o Fundebs. O princípio referido deve ser atendido também no que se refere aos Municípios que, cumprindo a lei do Fundef, municipalizaram matrículas, implantaram planos de carreira e talvez tenham dificuldade de sustentá-lo ao perder recursos com o Fundeb. Com relação à creche, de fato é preciso discutir se é desejável induzir a demanda a ponto de universalizar a matrícula na faixa etária 66 correspondente. O governo apresenta uma forma de regular o crescimento, através do corte de renda. A alternativa que propomos, no caso do fundo da Educação Infantil é agregar o IDH como um dos elementos (ao lado da matrícula) a compor o critério de distribuição. Monlevade destacou, ao referir-se ao Fundeb, em palestra no Conselho Nacional de Educação, que a matrícula do ano anterior já é uma forma de regular o crescimento, opinando que o critério de renda da pessoa/ família não é adequado. 5. Exclui os inativos de forma progressiva A exclusão dos inativos de forma progressiva é um princípio importante que vem sendo defendido pela comunidade educacional, desde a CPI da Emenda Calmon. Trata-se de uma das metas (11.3.13) do Plano Nacional de Educação (PNE) que recebeu veto do governo anterior, veto não derrubado pela maioria governista atual (não foi apreciado). É importante que o MEC tenha se comprometido com a proposta. Cabe verificar a posição da Fazenda. Entretanto, a mera indicação do princípio não é suficiente. A Proposta de Emenda Constitucional deve prever expressamente prazos e ritmos dessa progressividade. 6. Revincula de forma progressiva, recursos da educação desvinculados (Desvinculação de Receitas da União-DRU), parte dos quais destinarse-á a complementar o per capita dos estados mais pobres. Se para outras esferas de atuação do poder público vale, como princípio, a não-vinculação, (art. 167, IV, CF), para a Educação é exatamente o contrário. Trata-se de exceção expressa ao mencionado dispositivo constitucional. De acordo com o PNE, a vinculação é a “primeira diretriz básica para o financiamento da Educação”. A revinculação de recursos da DRU é desejável. Será uma vitória, se a PEC do Fundeb ou três fundos, contiver dispositivo acerca da ques67 tão, estabelecendo o ritmo e os prazos da desvinculação. É importante que o MEC tenha assumido publicamente esta posição. Entretanto, há setores do alto escalão da área econômica do governo que têm publicamente defendido a desvinculação no plano federal, o que gera ainda um efeito cascata ao incitar os defensores desta posição nos demais níveis federativos. Desta forma, é necessária uma sinalização mais firme, não do MEC, mas do governo, acerca da defesa da proposta; 7. Reformula o salário-educação, admitindo o gasto em todo ensino básico A utilização dos recursos do salário-educação deve ser debatida especificamente, uma vez que não constitui receita típica do Fundef (embora atualmente a União possa utilizá-la, em parte, para complementação). Em se tratando de fonte que financia o ensino obrigatório, deve estar inserida ou não, no debate acerca da priorização – como atualmente indica o art. 212, § 3º, de alocação de recursos nesta etapa. 8. Estabelece como piso para o ensino fundamental o per capita vigente à época da promulgação da emenda constitucional que cria o Fundeb O estabelecimento de um piso para o ensino fundamental, equivalente ao per capita vigente à época das promulgação da Emenda Constitucional que criaria o Fundeb, indica que provavelmente as simulações do governo apontaram uma queda no valor do ensino fundamental, gerando a necessidade de um fator de correção para mitigar o enfraquecimento desta etapa como pólo de atração de recursos. Embora seja positiva a existência desta salvaguarda, isso indica que o modelo pode não estar dedicando a atenção necessária à etapa de ensino que é a obrigatória. Ademais, ficaria congelado o valor num patamar que tem sido considerado insuficiente pelos analistas do Fundef. 68 9. Recursos adicionais da União servem de contrapartida, além de saldar eventual débito do Fundef Os recursos da União não constituem propriamente contrapartida, mas exercício da função supletiva. Isto não significa que os entes subnacionais não tenham obrigações. Ao contrário, devem cumprir a lei, responsabilizar-se pela oferta de Educação Básica e submeter-se à eventual perda de recursos em virtude das regras do fundo ou fundos. Os débitos da União, discutidos na Justiça, se reconhecidos como tal, são débitos. Eles não tem relação com os recursos futuros necessários à complementação do Fundeb ou três fundos nos próximos exercícios. O pagamento de débito não é um recurso adicional, mas, se assim reconhecido, uma reposição de recursos que não foram – mas deveriam ter sido – alocados. 10. controle da efetividade do gasto por meio de certificação universal de freqüência e qualidade O controle da efetividade do gasto e a verificação da freqüência e da qualidade constituem um objetivo de qualquer modelo e devem ser feitos, com um fundo ou três fundos. Estão entre as diretrizes indicadas pelo PNE. O Inep, desde o período do governo passado, efetua controles estatísticos e auditorias para verificação das matrículas. Com relação à qualidade, o Saeb representa o instrumento de aferição. Sempre é possível aperfeiçoar estes controles e instrumentos de avaliação. No governo atual, a ação da Controladoria Geral da União tem sido importante para este objetivo. 69 Referências Bibliográficas Banco Mundial . Educação municipal no Brasil (relatório nº 24413BR) DALLARI, Dalmo de Abreu . Elementos de Teoria Geral do Estado. Ed. Saraiva. 9ª Edição. 1982 BASTOS, Celso Ribeiro . Curso de Direito Constitucional. 11ª edição, 1989. Ed. Saraiva MONLEVADE, João . Algumas Reflexões sobre a transição FUNDEFFUNDEB – www. mec. gov. br/sef/fundeb ODDEN, Allan . Creating School Finance that facilitate neal goals, in Policy Briefs. Consortium for Policy Research in EducationCPRE, September, 1998. RÁO, Vicente . O Direito e a vida dos Direitos, vol. I, Tomo I. Editora Resenha Universitária, São Paulo, 1976. U. S. Department of Education . 10 Facts about K-12 Education Funding, in www. ed. gov/about/overview/fed 70 CAPÍTULO 4 POLÍTICA DE FUNDOS NA EDUCAÇÃO: DUAS POSIÇÕES Lisete Arelaro * Juca Gil ** A discussão sobre o financiamento da Educação exige necessariamente que nos posicionemos pelo menos sobre três aspectos: a necessidade de mais recursos financeiros para a Educação, a política de vinculação de recursos e a política de fundos. Os autores deste artigo possuem posições convergentes acerca dos dois primeiros e absolutamente divergentes sobre o último. Assim, a intenção deste trabalho é contribuir para o debate atual relativo aos recursos financeiros afetos ao setor educacional público, em específico no que tange à necessidade ou não da existência de fundos para a sua gestão. Uma das dificuldades para se discutir este assunto no Brasil é: seja qual for nossa posição em relação à política educacional atual, * Profa. Fac. de Educação/USP ** Prof. Fac. de Educação/USP e UNITAU 71 esbarramos num impasse quase insolúvel: num país desigual como o nosso, as propostas vigentes apresentam, exclusivamente formas insuficientes de fazer “render” mais os mesmos recursos. Em nenhum momento, discute-se, de forma consistente, a necessidade inadiável de uma contraproposta à política econômica e, especialmente em relação à manutenção do quase intocável equilíbrio fiscal, em detrimento à priorização das políticas sociais. Por isso, é necessário muita cautela para que um dos pontos que historicamente representou um avanço nos gastos sociais, notadamente na Educação – a vinculação constitucional de recursos – não seja abolida das proposições governamentais, uma vez que esta, de certa maneira e em certo grau, garante a prioridade de investimento em Educação. Estudos comparativos demonstram que esta vinculação tem sido positiva, mesmo considerado, os eventuais desvios de aplicação cometidos nas diferentes esferas públicas, e vem representando investimento diferenciado na área educacional. Não por acaso, apesar da resistência de setores significativos da área financeira das esferas públicas, a área da saúde “brigou”, no final do século passado, por essa vinculação e a obteve, 12% dos orçamentos anuais, quase doze anos depois da promulgação da Constituição Cidadã de 1988. No entanto esse ganho corre o risco de ser dissipado pelas negociações pouco cidadãs que os Governos Estaduais vêm fazendo com o Governo Federal em relação às propostas “pobres” da reforma tributária ora em pauta. Leia-se, a este respeito, reportagem no jornal Folha de S.Paulo, de 27/7/03, onde Elio Gaspari denuncia que 7 bilhões de reais da Educação e da Saúde poderiam “sumir”, em função das negociações dos governadores com o Governo Federal sobre a reformulação dos cálculos da aplicação dos recursos na área social, no projeto de reforma tributária, quando então estes cálculos passariam a ser feitos após o desconto do percentual do pagamento da dívida de seus Estados, estimada normalmente em 13% dos seus orçamentos. 72 Temos que admitir, de uma vez por todas, que não haverá ensino de qualidade para todos, em todas as regiões do Brasil, nas zonas urbanas e rurais, em estados ricos e pobres se não ampliarmos os recursos hoje disponíveis para o setor educacional. Ou seja, compreendemos que a problemática do financiamento da educação no país não se resolve apenas com um aperfeiçoamento de aspectos gerenciais ou com a diminuição / eliminação de desvios: é imprescindível o aporte de novos recursos. Essa situação ficou mascarada com a implementação do Fundef Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério, pois com a bandeira da descentralização/ municipalização do ensino fundamental iludiu prefeitos e comunidades sobre a sua pseudo democratização, sobre a universalização do atendimento educacional obrigatório e sua qualificação, com aumento substantivo de seus recursos. A fórmula foi a mais simples possível: num passe de mágica, os recursos de cada estado e seus municípios foram colocados numa cartola, “balançados” bem e...surpresa!! está estabelecida a igualdade e a fraternidade solidária na Educação. Eu, governo federal, “produzi” o espetáculo e depois sentei para contemplá-lo. Se a “cena”, no caso, precisasse de retoques, a complementação mínima de recursos financeiros federais seria feita, a menor possível, para não ficar claro demais e falsear totalmente o discurso. E foi o que aconteceu. Não por acaso, a mesma “revolução” não sofreu – nem ao menos no primeiro ano de sua implantação – uma atualização de valor anual minimamente compatível com a inflação do período. Até pouco tempo, os 25% vinculados à Educação eram considerados, do ponto de vista jurídico, e para que não se comprometesse a autonomia dos entes federativos, a máxima vinculação constitucional possível. Ou seja, definida a prioridade nacional – a Educação – como direito de todos, por suposto os 25% reservados deveriam ser aplicados, sob a ótica do interesse maior da população, conforme as necessidades específicas, e a critério de cada uma das três esferas públicas: União/ Estado/ Município. 73 A partir da Emenda Constitucional 14/96, que criou o Fundef, um “passa moleque” na Lei foi dado pois, apesar do “tempo certo” (dezembro de 2006) de sua duração – é esta a razão para este Fundo ter sido criado no corpo das “Disposições Transitórias” e não no corpo da Constituição – o Fundef estabelece uma subvinculação de 15% para o ensino fundamental, ou seja, 60% do total dos 25% já vinculados constitucionalmente para a “ manutenção e desenvolvimento do ensino” (art. 212 – CF/88). Acreditamos que esta subvinculação seja inconstitucional, na medida em que considera parte dos entes públicos, em especial os municípios, como “infantis” ou “imaturos” para cumprir com dignidade e competência as suas responsabilidades públicas com a Educação. Ou seja, sem condições de definir de forma cidadã e justa, o bom uso dos recursos de e para sua comunidade, ficam obrigados a seguir determinação federal que impõe, com petulância ainda que com acerto, a possibilidade de intervenção nos estados e municípios, caso a norma não seja cumprida. Em compensação, não existe na Lei Maior, nenhuma disposição legal que obrigue este mesmo cumprimento pelo Governo Federal, razão pela qual as quase quinze ações judiciais lideradas pelos partidos de oposição da época e os sindicatos e associações nacionais que reúnem profissionais de educação, propostas desde fevereiro de 1997, só foram julgadas, no mérito, no último trimestre de 2002, considerando-se esta subvinculação “legal”, fundamentalmente para não se deixar “a descoberto”, do ponto de vista da Lei, as atividades dos municípios e estados, nos seis anos de vigência do Fundef. Os dois autores tem acordo em suas posições até aqui. Porém, “a” autora não acredita na necessidade/pertinência da existência de Fundos no setor educacional enquanto “o” autor, sim. Desta forma, a seguir apresentamos os argumentos favoráveis aos Fundos, que representam as idéias do segundo autor, para em seguida, expormos os pontos de vista da primeira autora, contrária aos Fundos. 74 Em defesa dos Fundos Anteriormente à existência do Fundef, criado em 1996, pela estrita lógica federativa, os municípios e estados pobres permaneciam largados à sua própria sorte ou dependendo da boa vontade do governo federal. Por terem uma baixa arrecadação teriam que contentar-se com uma educação mais pobre do que a de municípios e estados vizinhos. Pela atual mecânica, a redistribuição e equalização de recursos, por meio do Fundef, é maior no âmbito de cada estado e seus respectivos municípios. Assim, por exemplo, São Paulo não repassa verbas para o Piauí, sendo papel do governo federal, em tese, repassar recursos adicionais para aqueles que mais necessitam, com seus próprios recursos orçamentários. Um estudante paulista não pode continuar a “valer” três vezes o que “custa” um estudante piauiense. Por outro lado, acredita-se que a questão educacional é uma problemática nacional e assim deve ser tratada. Se se defende uma escola “unitária”, não podemos esperar que isto surja da ação isolada de 5.500 municípios e 27 estados, como em diversos aspectos ocorre hoje. Isso vem se traduzindo em “livre mercado” onde os mais “aptos” sobrevivem; para nós, mais do que sobreviverem, todos têm o direito de fazê-lo com qualidade, o que exige outros mecanismos de busca da igualdade. Acredita-se que os fundos podem servir justamente para criar formas de redistribuição de recursos e para novos modelos de gestão. Assim, são potenciais alternativas para gerir melhor os recursos e não necessariamente gerar mais dinheiro. Não há dúvidas de que políticas de financiamento têm o poder de induzir e até definir políticas sociais. O Banco Mundial e o FMI existem para provar isto: “ou fazem do jeito que nós queremos ou não tem dinheiro”. O governo federal, por meio do Fundef, fez exatamente o mesmo: “ou você (estado e município) tem aluno de ensino fundamental regular em sua rede ou fica sem os recursos”. Daí a correria atrás dos alunos de 7 a 14 anos (gerando municipalização e/ou 75 estadualização de matrículas por simples lógica financeira), daí a inclusão oportunista de crianças de 6 anos ao ensino fundamental em várias cidades, daí o abandono da educação infantil, da educação de jovens e adultos, da educação especial... Entende-se porém que a indução, em si, não é ruim. O problema é quem decide o caminho a ser trilhado e como o faz. Acredita-se na democracia, em especial quando esta incorpora forte participação popular na elaboração, implementação, fiscalização e avaliação de políticas. Tem-se a convicção de que as melhores alternativas não surgirão da cabeça de alguns ‘iluminados’ (de direita ou de esquerda) e sim da elaboração coletiva, onde os ditos “especialistas” dialoguem, ensinem e aprendam com a população. Os fundos, geridos por meio dos Planos de Educação (estaduais, municipais e, desejamos, nacional), podem e devem induzir ações menos desiguais. Não se almeja aqui a uniformidade, mas o estabelecimento de padrões mínimos definidos em conjunto com os cidadãos. Não é possível a existência de municípios que não possuam nenhum atendimento público em creche ou educação especial, como acontece em algumas cidades paulistas, segundo dados de 2002! Os fundos, como o Fundef ou o Fundeb Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, forçam a discussão conjunta entre a União, os Estados e os Municípios sobre quais são os valores considerados suficientes, necessários e/ou possíveis de serem investidos em educação. Essas discussões, em si mesmas, são democratizadoras, pois temos melhores condições de saber como funcionam os mecanismos de captação, distribuição e gasto dos recursos educacionais. Neste sentido, sustentam esta argumentação os posicionamentos da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e do Consed Conselho de Secretários de Estado da Educação (Consed) com forte teor crítico em relação ao Fundef. A proposta de Fundeb, elaborada pela bancada federal do PT, em 1999 (Proposta de Emenda Constitucional nº 112 – PEC 112/99), é 76 imperfeita, deixando algumas lacunas. Isso se dá pelo fato de sua elaboração ter ocorrido com pouca discussão, em especial junto aos movimentos organizados. Porém, o Fundeb supera a lógica do Fundef, aponta formas e cria mecanismos para o surgimento de uma nova concepção de gestão educacional. Defende-se o Fundeb tendo por pressuposto que nenhuma mudança substantiva ocorre pela simples inércia advinda de alterações legais; acredita-se na mobilização social, na disputa e em diversos mecanismos de luta, ora sendo vistos como formas “ultrapassadas” de ação. Com a tabela a seguir, busca-se traçar as principais diferenças entre o Fundef e a proposta original do Fundeb Inicialmente, a proposta ataca o principal problema do financiamento educacional no país: a falta de recursos. Ao determinar o aumento da vinculação federal de 18% para 20%, ela traria algo em torno de um bilhão de reais para a educação (quase o dobro do que o governo federal aplicou no Fundef em alguns anos). Isto não equaciona a falta de recursos, mas põe por terra a premissa estruturante do Fundef, qual seja, a de que os problemas de financiamento localizavam-se exclusivamente no gerenciamento incompetente das verbas e não em sua escassez. 77 O segundo aspecto a favor do Fundeb é o fato de não ser, em sua raiz, uma política de curto prazo, como o Fundef foi originalmente concebido. A vida curta do Fundef, vigorando por apenas 10 anos, inviabiliza aos gestores e à população buscarem políticas de longo prazo, afinal, em dezembro de 2006, tudo pode ser diferente: recursos que chegavam deixariam de vir e... o caos estaria instalado! Aqueles municípios que criaram redes inteiras não receberiam mais os recursos que garantiam a manutenção destas novas incumbências. O Fundeb seria perene, até nova reformulação constitucional. O terceiro aspecto diz respeito à responsabilização da União para com a educação básica. O papel atribuído ao governo federal deixa de ser o de mero “manda-chuva” que dita regras e distribui migalhas, ficando na cômoda posição de espectador das venturas e desventuras de estados e municípios. Ele passa a ser co-responsável pela educação básica, o que é oposto à direção tomada por Collor e Fernando Henrique Cardoso, em especial no que diz respeito à “grana” da educação. O quarto aspecto é uma grande inovação da gestão educacional. Atualmente as definições dos valores mínimos a serem aplicados no Fundef ocorrem através de decretos federais, sem consulta a ninguém e desrespeitando até o débil dispositivo legal para sua aferição. A proposta do Fundeb vincula estas definições a Planos Estaduais e Municipais de Educação, neste sentido induzindo a articulação entre a política de financiamento educacional com os rumos gerais construídos com a participação de amplos setores sociais. O quinto ponto destacado no projeto do Fundeb é o resgate da concepção de educação básica, conquistada pelos trabalhadores em educação na LDB (9394/96). O Fundef manteve e aprofundou a nefasta segregação entre níveis e modalidades de ensino, acirrando a competição por recursos entre eles, privilegiando o ensino fundamental em detrimento dos demais. Ao reunir toda a educação básica afirmamos o direito a um conjunto maior de formas e tipos de ações educativas, apontamos para a identidade e não para a diferença e 78 favorecemos a socialização de problemas e soluções e não a disputa fratricida. O sexto quesito a ser destacado significaria uma fenomenal conquista, em especial para os movimentos sociais que historicamente buscam melhores condições para a educação: o piso salarial nacional. O Estado brasileiro vem se esquivando desta definição, permitindo a existência de condições indignas para milhares de educadores. O Fundef não tocou nesta questão e, apesar do discurso do governo federal quando da tramitação desta lei no congresso indicar um patamar mínimo (na época, R$ 300), a balela não consta da legislação e nem tornou-se realidade. O mais importante seria a indução para a existência de “subpisos” estaduais e municipais, obviamente em valores superiores aos nacionais. A sétima alteração viria de uma dupla mudança: quantitativa e qualitativa. A subvinculação mínima em gastos com pessoal passaria de 60% para 80% e não somente os docentes seriam beneficiados, mas o conjunto dos (as) trabalhadores (as) em educação. É primordial lembrar que o Fundef gerou a bizarra situação em que apenas professores do ensino fundamental regular obtivessem certas vantagens enquanto colegas de educação infantil, ensino médio e educação de jovens e adultos, nas mesmas redes, com atribuições similares, vivendo os mesmos problemas, ficassem de mãos abanando. A oitava e última modificação prevista é conseqüência e pré-requisito para a “factibilidade” de todas as demais: o Fundeb abarcaria a totalidade dos recursos vinculados e não apenas 60% de alguns impostos, como ocorre no Fundef. Para promover todas as alterações citadas anteriormente, o Fundeb precisaria ser “vitaminado” e valorizado, chamando para si, além de maiores responsabilidades, meios equivalentes. Sabemos que estes, hoje, seriam insuficientes (e o Fundeb não busca solucionar isto!) e estaríamos lidando apenas com os recursos disponíveis. Mas inclusive isto facilitaria o trabalho se aferirmos o quanto ainda falta para alcançarmos melhores patamares. 79 Como vemos, as alterações propostas pelo Fundeb vão muito além da simples troca da letrinha final. No entanto, vale reafirmar, considera-se este mecanismo insuficiente para sanar a totalidade dos problemas de financiamento e/ou gestão educacional e, ainda, imperfeita. Quanto às imperfeições, citaria três: a ausência de integração com a educação superior, a utilização dos 20% de recursos vinculados do governo federal (seriam usados para bolsas? Bolsinhas e similares? Para alfabetização ‘express’ em 90 dias?) e a exeqüibilidade e pertinência da vinculação da totalidade (100%) dos recursos. Dito isso, acredita-se que mesmo assim, as características do Fundeb superam a simples vinculação constitucional e guarda pouca relação com a essência política do Fundef. Considera-se, desta forma, uma proposta instigante que deve ser debatida em profundidade e implementada sem pretensões salvadoras, exigindo diversas medidas complementares para uma mudança mais profunda na educação brasileira. Aspectos discutíveis da Política de Fundos Historicamente, a criação de Fundos Especiais – lembremo-nos dos Fundos previstos na primeira LDB, a de 1961 – Lei 4024/61 -, em que os Fundo de Ensino Primário e de Ensino Secundário constituíram-se fontes preciosas de complementação dos recursos financeiros para a expansão destes níveis de ensino. O primeiro Plano Nacional de Educação (1963), que propunha que, em 1970, 100% das crianças brasileiras estivessem matriculadas no ensino primário de então (1ª a 4ª série do atual Ensino Fundamental), contava com a participação desses recursos no “ bolo” orçamentário para poder realizar, de forma ousada, a meta que havia sido definida. Ou seja, os Fundos Especiais tinham como objetivo principal ajudar a viabilizar a diretriz educacional definida, em prazo certo, no caso, o direito de todos, e o conseqüente dever do Estado ao ensino obrigatório. 80 Não se cogitava que estes Fundos substituíssem os planejamentos específicos e particulares de cada um dos Estados e seus Municípios. Este sentido de complementaridade da disponibilidade financeira dos entes públicos precisa ser ressaltada na atual conjuntura. Se não, vejamos: a Saúde, enquanto direito social à semelhança da Educação, tem como objeto de preocupação o conjunto da população brasileira. Na Constituinte de 1987-1988, a área da Saúde, a partir de algumas experiências pioneiras de gestão descentralizada, em especial com uma expressiva participação popular – e inédita, pois envolvia o próprio usuário – propôs o Sistema Único de Saúde (SUS), como ficou conhecido – que estabelecia o atendimento universalizado da população e, em conseqüência, um custo unitário por exame/ consulta realizado no Brasil, envolvendo inclusive a rede privada e comunitária médico–hospitalar, para a consecução solidária da universalização do atendimento em Saúde. Estabelece-se, no Brasil, de forma sutil, pela primeira vez, a idéia de custo/unidade de atendimento ou custo/cidadão atendido. Sobre este número geral de atendimento (quantidade de cidadãos atendidos) é que a idéia de “reserva de verbas orçamentárias” para o setor Saúde foi se configurando. E o resultado, hoje, para a população? Atrás de um discurso pseudamente democrático e progressista de gestão descentralizada, com participação popular – a proposta envolvia a criação de Conselhos Populares de Saúde – e custo unitário nacional do atendimento básico em saúde conseguiu-se, além dos elogios do Banco Mundial, uma escandalosa privatização do atendimento em saúde no Brasil. Perguntamos: que segmento social, médio ou pobre, com emprego fixo – excluamos os mais ricos pela obviedade da sua opção – não possui, ainda que com muita dificuldade para o seu orçamento mensal, plano de saúde privado, mesmo que quase ridículo pela precariedade do atendimento? Quem freqüenta as (intermináveis) filas do SUS? Que segmentos da população vêm morrendo, sistematicamente, 81 por falta de UTIs/ falta de vagas para internação em geral/ precária higiene hospitalar/ falta de remédios nos Postos de Saúde? A certeza da desqualificação do atendimento médico hospitalar levou operários, professores, profissionais liberais e os próprios profissionais da saúde – nem os sindicatos ficaram de fora – à descrença de um atendimento “público” – agora, reconceituado e, portanto, não necessariamente estatal – de qualidade. O que temos hoje? Um atendimento “universalizado” ruim, destinado à população majoritariamente muito pobre do País. É verdade, e é importante destacar isto, que os atendimentos e os procedimentos técnicos dos hospitais e unidades de saúde estatais são ainda (felizmente!) melhores que os dos hospitais privados que atendem o SUS. Mas não é verdade, que mesmo com esta proposta radical de redistribuição de recursos financeiros públicos, conseguiuse a desejável expansão e qualidade de atendimento em saúde. Foi a vinculação constitucional de recursos para a área que estancou, sem dúvida, o investimento. E para isso, não foi necessária a “intervenção” em Municípios e Estados, como o Fundef fez – e o Fundeb pretende. A partir dessa vinculação legal, o Governo Federal não conseguiu “empurrar” às outras esferas públicas a sua co-responsabilidade na implementação desse direito social. Por que os educadores têm que fazer estas reflexões? Porque em uma área social muito próxima a nós – a Saúde – a política pública do “foco” que tanto temíamos já está em plena execução no Brasil. Ou seja, na área da Saúde já admitimos, na prática, que não há condições do atendimento universal e, em conseqüência, já nos “privatizamos”. A saúde pública já não é mais destinada a todos, mas sim a quem não tiver nenhuma condição de pagar pelo atendimento. E portanto, de se mobilizar para “brigar” por um atendimento de melhor qualidade (ou minimamente digno e respeitoso). O Fundef, considerado pelo Governo FHC exemplo inovador de política social que, nos termos de documento do MEC, articula os três níveis de Governo, incentiva a participação da sociedade na fiscalização dos 82 recursos e define prioridades para que sejam atingidos os objetivos estratégicos de: promover a justiça social, promover uma política nacional de equidade, promover a efetiva descentralização e promover a melhoria da qualidade da Educação e a valorização do magistério público, não passou de competente estratégia para transferir aos Municípios responsabilidades até então da União e dos Estados e manter, ao custo mais baixo que for tolerável para as crianças pobres – e só para elas – uma escola pobre. O velho lema que os cínicos (pré/pós) liberais pregavam em políticas públicas: “aos pobres, a pobreza” vê-se consolidado através do Fundef. Nunca o Governo Federal gastou, de forma tão competente, tão pouco no ensino fundamental... As condições para que este fenômeno fosse realizado no Brasil são bem conhecidas: 1º) um excelente trabalho na mídia, que confundiu a população brasileira (a revolução na Educação /a escola já está diferente / acompanhe os recursos que todos os dias chegam na escola de seu filho / os amigos da escola, etc...; 2º) foi impedida, legalmente, a utilização de recursos do Fundef na educação de jovens e adultos, mesmo em cursos presenciais, para não haver um “excesso de pressão de demanda”, nos termos do então Ministro da Educação ; 3º) a Educação Infantil, o mais novo direito das crianças pequenas, em especial as de zero a três anos de idade, que “engatinhava” na sua implantação no Brasil, a partir da CF/88, como responsabilidade primeira – e nobre – dos Municípios, e que redesenhava o atendimento público, direto em creches, tem sua curva ascendente de atendimento e expansão de 1988 a 1997 interrompida. O Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica)apresentado como Proposta de Emenda Constitucional em 1999, pelo Partido dos Trabalhadores, e incorporado no Plano de Governo dos Partidos da Coligação que elegeu o Governo Lula, como solução definitiva e radical (quase mágica!) para garantir “igualdade de oportunidades” a todos os estudantes brasileiros apresenta, também, vícios de origem que o colocam numa plataforma de fantasia educacional. 83 Proposto como mecanismo definitivo, pretendendo-se que o mesmo seja incluído no corpo da Constituição e não mais nas Disposições Transitórias, o mesmo se constituiria em processo substitutivo aos procedimentos em vigor de elaboração dos orçamentos públicos. Ou seja, a vinculação dos 25%, já não mais se constituiria em estratégia para que cada município e governo estadual, a partir de esforço real e necessário, que traduzisse a concepção de “colaboração entre as esferas”, consideradas e respeitadas a história, a cultura, as condições financeiras e as especificidades locais e regionais, construíssem um plano comum e solidário de atuação. Ao propor a vinculação ao Fundeb de 100% dos recursos vinculados à Educação, limita-se ou impede-se qualquer autonomia municipal ou estadual para definir seus rumos. Acaba-se com a história da educação nas cidades e nos Estados, pretendendo-se estabelecer – de novo por decreto! – sem uma verdadeira revolução – e nos garante a história política, as vitoriosas sempre foram fruto de luta armada – que 1/4 de tudo que for arrecadado “será dividido” entre todos. Pergunta-se: um Município de porte médio, que possui um Estatuto do Magistério, que vem sendo cumprido e que prevê benefícios gradativos e permanentes aos seus profissionais de educação, e que, portanto, oferece um patamar de remuneração e ganhos trabalhistas superior à média da maioria dos municípios ou estados, ficará impossibilitado de manter esta diferença? Hoje, ainda que com dificuldades, mas com os supostos impostos e contribuições que não compuseram o Fundef, Municípios e Estados podem manter esta diferença, por sinal constitucional. Não se estaria anulando a noção de autonomia políticoadministrativa da República Federativa? Ele (o prefeito) poderia pagar “a menor” aos trabalhadores, em nome da solidariedade? E só na área da educação? Nas outras áreas sociais, a diferença (e a desigualdade) pode permanecer? E o Plano de Obras discutido e aprovado pela população? Sofreria cortes porque o custo de cada unidade escolar ou o padrão (um pouco mais bonito) de construção não pode mais ser mantido, em 84 função da extravagante “socialização” imposta às esferas públicas, sem nenhuma alteração do modelo de projeto político-econômico adotado no País? Que prefeito municipal, só para lembrarmos um aspecto, cobraria um IPTU progressivo de seus munícipes, se os outros municípios que o rodeiam – por possuírem menor atividade industrial e comercial ou por pura inércia ou conveniência de seus governantes – deixam de fazê-lo ou o fazem com custo simbólico? Acredito que, a partir de planos municipais e estaduais de Educação elaborados com a participação da população e dos profissionais da área, poderíamos ter boas propostas de políticas educacionais exeqüíveis e que melhor atendessem aos interesses das diferentes comunidades e da Nação. Para isso, não precisamos financiar a Educação por meio de “Fundos”. Uma boa reforma tributária, que efetivamente exija uma contribuição mais significativa do Capital Financeiro, é o que viabiliza a ação – insubstituível – de redistribuição de renda e superação das desigualdades regionais e da pobreza pelos governos estaduais e federal, numa República verdadeiramente federativa. Pondere-se também que o estabelecimento de custo/gasto único para aluno atendido, em todo o Brasil ou para cada Estado, não rebaixa as expectativas de investimento na área de Educação, como o próprio Fundef sobejamente demonstra. Que secretário de Fazenda ou Finanças, após o estabelecimento do custo mínimo, vai determinar maiores investimentos na área educacional que aumentem o valor (pouco ou muito) de cada um dos alunos matriculados na rede de ensino? Insistimos: não há experiência histórica na área de políticas sociais, de implementação de políticas ousadas e universalizantes, depois que um custo per capita estadual ou nacional tenha sido estabelecido. A ingenuidade da PEC sobre o Fundeb não incorpora o ensino superior nos gastos estaduais e nacional da Educação porque não “sobrou”, nas suas contas, recursos financeiros para tanto. Mesmo 85 o aumento proposto da vinculação constitucional, em nível federal, dos atuais 18% para 20%, não prevê a manutenção e a expansão da educação superior pública no Brasil. Pretende-se, com o Fundeb, resolver questões de ordem quantitativas e qualitativas de toda a Educação Básica, argumentando-se que a vinculação total dos recursos seria a melhor (única?) alternativa para viabilizar a escola de qualidade para todos, em toda a Educação Básica. É evidente que esta é uma simplificação grosseira da questão da igualdade e eqüidade educacional pois, num passe de mágica, teríamos estabelecido por decreto a suspensão da República Federativa, das responsabilidades específicas dos entes públicos e das especificidades regionais e locais. Não se considerou, como não se considera, em nenhum dos projetos apresentados da Reforma Tributária, condições de construir estruturalmente uma utopia que realize, a cada dia, uma sociedade mais justa e menos desigual. Pretende-se, repetindo a História e a fase do nacionaldesenvolvimentismo, fazer da Educação o mote exclusivo “da revolução” a ser desencadeada no País, e não um dos direitos sociais que, a partir de um projeto mais global, gere um desenvolvimento pessoal e da Nação. A discussão sobre o eventual aporte de 1 bilhão de reais, que a diferença de 18 para 20% dos recursos federais vinculados traria – caso, eventualmente, conseguisse ser aprovado este aumento da vinculação federal – representa quase o dobro do que o Governo FHC investiu na complementação de recursos para os oito Estados (todos os da Região Nordeste, menos o Rio Grande do Norte e mais o Estado do Pará/ Região Norte), que não possuíam condições para o pagamento do mínimo a ser investido no ensino fundamental. Complementação esta da ordem de R$ 486,6 milhões, em 1998; R$ 579,9 milhões, em 1999; R$ 634,2 milhões, em 2000, conforme relatório do próprio MEC. Só a “dívida” social e financeira do Governo Federal em relação ao que deveria ter sido investido no ensino fundamental já consome esse bilhão. 86 Neste caso, não se pode pretender que um eventual novo – e simplista – pacto social dê conta desta nova proposta de gestão educacional. Algumas conclusões provisórias Os autores concordam que é urgente a necessidade de se buscar novas fontes de recursos financeiros para a Educação, seja com a criação de salário creche – para dar conta do direito social das crianças pequenas a um atendimento educacional – seja por meio de vinculação de percentual das loterias, do Finsocial, do Imposto Sobre Grandes Fortunas (IGF). O aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão democrática também se impõe como condição da qualidade educacional. Assim, propomos avaliação anual do Plano Nacional de Educação e dos estaduais e municipais que forem sendo aprovados, nos quais os aspectos do financiamento da Educação sejam discutidos de forma mais exaustiva, e por diferentes segmentos da população. Alguns aspectos, particularmente os que se referem à publicização de informações financeiro/contábeis que viabilizem a elaboração de estudos para subsidiar a definição de valores do custo-aluno-qualidade, entendidos enquanto montantes financeiros necessários para a consecução de uma educação com qualidade, socialmente pactuada, precisam e podem ser colocados em prática, com urgência. Propõe-se, também, a unificação dos Conselhos de Educação, de caráter deliberativo, normativo e/ou consultivo (municipais, estaduais e nacional) com os Conselhos Gestores (hoje, o do Fundef ), e os de Alimentação Escolar, para evitar discussão pulverizada da questão educacional, facilitando uma melhor avaliação das políticas educacionais implementadas. Nesse sentido, faz-se urgente a criação de mecanismos legais que impeçam que os representantes do Poder Executivo presidam aqueles conselhos, uma vez que eles têm que, entre 87 suas atribuições, fiscalizar a atuação daquele Poder, como é o caso dos Conselhos de Educação (municipal, estadual), do Fundef, de Alimentação Escolar... São providências simples que podem incentivar e prestigiar uma autonomia crescente dos conselhos e, nesta condição, expressarem, de fato, uma gestão democrática. No entanto, a política educacional adotada pelo novo Governo não tem caminhado nesta direção. Ao contrário, nela tem predominado uma visão “compensatória” para a utilização dos recursos federais. Até hoje, o Governo Lula possui – criou ou manteve – sete tipo de Bolsas: da Bolsa Escola (R$ 30 para cada filho, até três, na família) à Bolsa Primeira Infância (esta, com valor de R$ 50 por criança). Essa atuação da esfera federal nas políticas públicas dificulta sobremaneira a possibilidade de se exigir das outras esferas um comportamento substantivamente diferente. É claro que é mais interessante distribuir, de forma pulverizada, mas direta, recursos públicos, pois o fisiologismo político nos ensina que esta dinâmica de distribuição sempre rende bons dividendos. Mas, para o futuro do País, que se pretende justo e solidário, ela é desastrosa. É por isso mesmo que a adoção ou não de uma Política de “Fundos” deve ser alvo de amplo debate junto à sociedade, utilizando nossas experiências, regionais e nacionais, como subsídios para o aprofundamento das análises e das propostas, de tal forma que o velho – e mais que nunca necessário – compromisso com o direito de todos a uma educação de qualidade possa ser realizado neste inédito momento histórico de um governo que se pretende popular e democrático. 88 CAPÍTULO 5 REQUISITOS PARA A CONSTRUÇÃO DO FUNDEB * Jose Marcelino de Rezende Pinto ** Quando analisamos o modelo de financiamento da educação no Brasil, o que mais chama a atenção é o peso muito reduzido do governo federal no financiamento da educação básica (educação infantil, ensino fundamental e médio). Assim, tendo por base os dados do INEP (1 ), constata-se que, em 1999, o último ano para o qual existem dados consolidados, a contribuição do governo federal nos gastos com educação básica foi de apenas 3% do total. Por outro lado, considerando agora a participação da União no total de recursos do Fundef, em 2003, vamos chegar ao mesmo índice (3%). Dessa forma, conclui-se que estados e municípios são os principais responsáveis pelo financiamento da educação básica no Brasil. Esse * Texto Publicado na revista Educação: Teoria e Prática do Departamento de Educação do Instituto de Biociências da Unesp, campus de Rio Claro. ** Professor da FFCLRP-USP e ex-diretor do Inep. Email: jmrpinto@ffclrp. usp.br 1 www. inep. gov. br/estatisticas/gastoseducacao 89 fato pode não representar um problema se duas condições ocorrerem: 1 – os recursos desses dois níveis de governo disponíveis para aplicar em educação são suficientes e, 2 – não há grandes disparidades nos recursos disponíveis por aluno entre os diferentes estados da Federação. Neste texto avaliaremos então a disponibilidade de recursos para a educação no Brasil tendo em vista estas duas condições e faremos, em seguida, algumas simulações sobre o aporte necessário de recursos da União, tendo como meta um valor de gasto por aluno que assegure um padrão mínimo de qualidade do ensino no país, como determina a LDB: Art 75. A ação supletiva e redistributiva da União e dos Estados será exercida de modo a corrigir, progressivamente, as disparidades de acesso e garantir o padrão mínimo de qualidade de ensino. (caput) A Tabela 1a seguir, apresenta os recursos disponíveis por aluno da Educação Básica, considerando a aplicação de 25% da Receita Líquida de Impostos do Estados e Municípios. Os dados apresentados nesta tabela indicam, em primeiro lugar, uma grande discrepância no valor disponível por aluno entre os diferentes estados da federação. Assim, para uma média, em 2002, de R$ 933 por aluno, a razão entre o maior valor (Roraima) e o menor (Maranhão) é de 4,3 vezes, com um desvio padrão bastante elevado (35%). Estes dados mostram que, sem a participação da União, é impossível assegurar um tratamento mais equânime nos gastos por aluno no país. Mesmo a introdução do Fundef pouco alterou este quadro. Dados do relatório do Fundef de 2003 (2 ) indicam uma razão de 3,6 vezes entre o estado de maior valor (RR) e o de menor (MA). A segunda questão a ser avaliada é: qual o valor adequado para garantir um padrão mínimo de qualidade. Este tema pode ser abordado 2 Disponível em www. stn. fazenda. gov. br 90 91 de duas formas. A primeira, pela realização de estudos empíricos de custo em escolas consideradas de qualidade tendo em vista um conjunto de critérios (infra-estrutura e equipamentos, opinião de especialistas, desempenho dos alunos etc.). O Inep, por meio de convênios com nove estados, realizou um estudo dessa natureza em 2003. Outra maneira é construir uma escola fictícia a partir de indicadores de custo de seus diferentes insumos. Tendo em vista a carência ainda de dados de campo sobre os custos de uma escola (ou de escolas) de qualidade, e apenas com o objetivo de simular a necessidade de recursos, optaremos, aqui, por esta segunda metodologia, que tem a vantagem de ser simples e permitir desenhar diferentes cenários com bastante rapidez (3) . Considerando ainda que o principal elemento de composição no custo aluno são os gastos com pessoal, a partir da definição dos salários médios do profissionais que trabalham na escola, em especial dos professores, e na definição do número de alunos por turma, esta metodologia permite que obtenhamos valores bem realistas e que propiciem avaliar os impactos financeiros nos sistemas de ensino. Assim, foi construída a escola mostrada na Tabela 2, a seguir que possui 600 alunos, cujos professores recebem um salário médio de R$ 1.600, que dispõe de biblioteca com dois bibliotecários, um estagiário remunerado para cada classe. A escola dispõe ainda de um diretor, dois coordenadores pedagógicos, dois supervisores de recreio (que podem ser estagiários do curso de educação física), quatro funcionários de limpeza, dois vigilantes, duas secretárias e duas merendeiras. Também estão previstos recursos para conservação e manutenção do prédio e equipamentos, para aquisição de material didático e reposição de equipamentos, além dos gastos de supervisão da escola (considerados como 5% do total), encargos sociais (considerados como 20% dos gastos com pessoal) e uma pequena provisão para cursos de capacitação docente (R$ 200 por professor). Como se constata, o gasto/aluno-ano obtido 3 Para conhecer um pouco mais desta metodologia visite o end.: www. Custo-aluno. inep. gov. br 92 93 foi de R$ 1.678. Cabe ressaltar que não estão contabilizados os custos de construção e de implantação da escola, pois são feitos uma única vez, mas pode-se estimar o custo de uma escola desta em cerca de R$ 800 mil, o que mostra que manter uma escola é muito mais caro que construí-la; na verdade, mantê-la é o equivalente a construí-la novamente a cada ano. Por isso, é comum governos estaduais que se propõem a construir uma escola e doá-la para o município. Confrontando os dados da Tabela 2 com os valores disponíveis dos estados e municípios apresentados na Tabela 1, percebe-se que estes estão distantes de propiciar a manutenção de uma escola com padrões apenas razoáveis de qualidade. Assim, constata-se que somente os estados de São Paulo e de Roraima apresentariam recursos próximos aos R$ 1.678 obtidos na simulação, os quais representam 1,8 vezes a média do país (R$ 933). E não cabe argumentar que se trata de um valor alto, pois ele é inferior aos cerca de R$ 2 mil que a Receita Federal permite descontar por cada dependente que freqüenta a rede privada de ensino. Além disso, basta atentar também para o fato de que este valor anual corresponde a cerca de R$ 140/mês, mensalidade menor que a da maioria das escolas privadas. Portanto, os dados apresentados até aqui mostram que se pretendemos construir no país uma escola básica que assegure padrões mínimos de qualidade e que não apresente tantas disparidades regionais como as atualmente existentes, a ação supletiva da União é imprescindível. Mas antes de aquilatarmos qual deve ser a contribuição do governo central no financiamento da educação básica é importante que comparemos as principais diferenças entre o Fundef e o Fundeb. Como é sabido, o primeiro fundo é composto por apenas parte das receitas constitucionalmente vinculadas à manutenção e desenvolvimento do ensino, a saber, 15% do ICMS + FPM + FPE + IPIexportação + LC 97/96 e se destina apenas e tão-somente aos alunos matriculados no ensino fundamental regular. Os Gráficos 1 e 2 mostram os principais impactos da implantação do Fundef. Em primeiro lugar, constata-se que as matrículas na pré-escola 94 95 que vinham em um ritmo de forte crescimento praticamente se estabilizam com a implantação do fundo. Em segundo lugar, observando-se ainda o Gráfico 1, constata-se que o fundo levou a certo inchaço nas matrículas do ensino fundamental que, mesmo com a queda a partir de 1999, ainda era de 35 milhões em 2002 para uma população de 7 a 14 anos de 27 milhões. Estes números de matrícula no ensino fundamental são mantidos elevados basicamente pela inclusão das crianças de 5 e 6 anos na primeira série deste nível de ensino e pela fraude. A terceira conseqüência da implantação do Fundef foi a de fomentar um processo de municipalização jamais visto no país. Este processo é grave, pois, enquanto as matrículas na rede municipal de Educação Básica ultrapassaram, em 2002, pela primeira vez na nossa história, as matrículas da rede estadual, os recursos disponíveis dos municípios correspondem a apenas 60% daqueles que se encontram nas mãos dos estados. Dessa forma, com o fim do Fundef, previsto para 31/12/ 2006, desenha-se um colapso no sistema de financiamento, pois os municípios não terão como arcar com os alunos sob sua responsabilidade. Os estados, por sua vez, ficarão numa situação extremamente confortável. Apresentadas como uma forma de pôr um fim a estes problemas, surgem as várias propostas do Fundeb em discussão no MEC e no Congresso Nacional. A idéia central dessas propostas é destinar o conjunto dos recursos vinculados à educação (ou a maioria destes) ao total de alunos matriculados na Educação Básica e não apenas ao ensino fundamental, como ocorre hoje com o Fundef. Com isso, pretende-se estimular os municípios a voltar a investir na educação infantil, de um lado e, de outro, assegurar os recursos necessários para as demandas crescentes do ensino médio, cujas matrículas ainda crescem somente porque muitos estados contabilizam os gastos com o pessoal que atua neste nível de ensino como se fossem realizados no ensino fundamental. É comum ouvir-se também o argumento de que com o Fundeb os recursos disponíveis aumentarão, pois nele estarão inclusos todos os recursos destinados constitucionalmente ao ensino. 96 Vejamos, pois, o que dizem os números apresentados no Gráfico 3, que compara, para a situação de 2002, os recursos do Fundef com aqueles que seriam disponibilizados pelo Fundeb se neste estivessem incluídos todos os recursos vinculados dos estados e municípios. Em primeiro lugar, ao comentar os dados do Gráfico 3, devemos nos lembrar que tanto o Fundef quanto o Fundeb não implicam 97 inclusão de novos recursos para a educação por parte dos estados e municípios, visto que ambos possuem como limite os percentuais já vinculados à educação pela Constituição Federal. A diferença é que o valor per capita do Fundef refere-se apenas ao ensino fundamental regular, enquanto o equivalente do Fundeb inclui, além deste nível de ensino, a educação infantil e o ensino médio. Portanto o que os dados do Gráfico 3 apontam é que com um Fundeb composto com 25% da receita líquida de impostos dos estados e municípios haveria um aumento no valor per capita médio do país, na situação de 2002, de 33%, saindo de R$ 716 para R$ 933, um valor que está ainda muito aquém do custo de uma escola com um padrão mínimo de qualidade, ainda mais se considerarmos que, tanto as creches como o ensino médio possuem um custo mais elevado que o ensino fundamental. Um dos pontos mais polêmicos na discussão sobre o Fundeb refere-se à inclusão, ou não, dos recursos provenientes da receita de impostos próprios dos municípios (IPTU, ISS e ITBI). Os contrários a esta inclusão, entre os quais eu me alinho, alegam que ela penaliza os municípios com maior esforço e seriedade fiscal, é de difícil fiscalização (o Brasil possui mais de 5.500 municípios) e possui pequeno impacto financeiro. Neste sentido, levantamento feito pelo autor, para o ano de 2002, indica que a não-inclusão destes impostos representaria uma redução média de apenas 8,86% dos recursos do fundo. Constatado, portanto, que para cumprir os princípios da eqüidade entre as diferentes regiões e um gasto por aluno que garanta um padrão mínimo de qualidade, conforme estabelecido no art. 75 da LDB, o papel da União é imprescindível, resta saber então qual o montante dos recursos envolvidos. As simulações destes valores é apresentada na Tabela 3, considerando duas situações: na primeira trabalha-se com um valor mínimo nacional para o Fundeb igual a R$ 1.000 que seria um valor um pouco acima da média nacional que foi o critério adotado na formulação do Fundef (Lei 9.424/96, art. 6°, § 1°) e que, tendo em vista o seu descumprimento pelo governo federal desde o governo 98 Fernando Henrique Cardoso e continuado na gestão de Luis Inácio Lula da Silva, resultou em um prejuízo de R$ 19 bilhões para o ensino fundamental nos últimos seis anos. Na outra hipótese, trabalha-se com o valor mínimo de R$ 1.700 que seria aquele considerado como suficiente para garantir o ensino com um padrão mínimo de qualidade (Tabela 2). Pelos dados da Tabela 3 observa-se que para garantir um mínimo nacional de R$ 1.000/aluno-ano, na situação fiscal de 2002 e considerando um fundo composto com 25% da receita líquida de impostos dos estados e municípios, a contribuição da União seria de R$ 9,6 bilhões e não receberiam repasses federais os estado do Acre, Roraima, Amapá, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Já para um mínimo de R$ 1.700/aluno-ano o complemento da União seria de R$ 36,6 bilhões e todos os estados da federação teriam direito à complementação. Para termos uma idéia do esforço que representaria para a União esta contrapartida, vamos compará-la com o PIB e com o total de despesas correntes da União (do qual estão excluídos os gastos de capital). Assim, na primeira situação (mínimo de R$ 1.000) a contrapartida representaria 0,7% do PIB ou 3,5% das despesas correntes. Já no segundo cenário (mínimo de R$ 1.700) esta complementação representaria 2,7% do PIB e 13,3% das despesas correntes. Estas comparações mostram que, se no curto prazo, ainda é difícil garantirmos a todos os brasileiros que hoje estão matriculados (e aqui ainda não falamos dos que estão fora da escola) o ensino com um padrão mínimo de qualidade, é plenamente possível iniciarmos este movimento garantindo, desde já, um piso nacional que seja menos vergonhoso que o atual, sem que isto signifique “quebrar” o governo federal ou deixar de pagar a dívida externa. Estudos do Inep (4) mostram que os gastos com educação no Brasil, excluídas as aposentadorias do pessoal da educação, representam cerca de 4,3% do PIB. Em 4 www. inep. gov. br/estatisticas/gastoseducacao 99 100 contrapartida, os encargos financeiros da União (EFU) com juros e amortização das dívidas interna e externa representam cerca de 10% do PIB. Isto mostra que uma redução de 27% nos EFU (esta divindade bem mais perigosa e concreta que o Exu) permitiria, em um prazo razoável, dotar o país de uma escola pública digna. Antes de concluir este artigo restam ainda três pontos a serem considerados. O primeiro refere-se ao fato de que, ao se criar um fundo que englobe toda a educação básica deverá ocorrer um aumento na oferta de matrícula tanto na educação infantil quanto no ensino médio, fato não contemplado no cálculo que fizemos sobre o complemento da União que considerou apenas a matrícula atual. Contudo, estudo feito pelo Inep (5 ), no qual se leva em conta uma progressiva melhora no padrão de gasto por aluno associada a um aumento nas matrículas de forma a atender as metas do Plano Nacional de Educação (Lei 10.172/2001) indica a necessidade de recursos da ordem de 6,5% do PIB, até 2011 para atingir as metas do plano para a educação básica (incluindo a educação de jovens e adultos) um percentual que, embora elevado, está dentro das disponibilidades do país, desde que o Governo Lula cumpra os princípios norteadores do programa de governo eleito. Um segundo subproduto do Fundeb deve ser também uma ampliação nas fraudes com a inclusão de novos alunos “fantasmas” a exemplo do que já ocorre no Ensino Fundamental com o Fundef. Uma possível solução seria o governo federal criar o cadastro individual de todos os alunos do país a exemplo do que já fazem alguns sistemas estaduais e municipais. Esta medida, trabalhosa em um primeiro momento, facilitaria o trabalho de coleta pelo Censo Escolar além de permitir uma integração mais eficaz com outros programas do governo federal, como aqueles da área da saúde e da assistência social, além de facilitar os processos de avaliação e monitoramento. 5 Relatório do Grupo de Trabalho sobre financiamento da educação. In Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 82, n. 200/201/202, p. 117-136. Brasília, INEP. (o download pode ser feito em www. inep. gov. br/estatisticas/gastoseducacao). 101 O último ponto que merece consideração caso o governo federal resolva, de fato, viabilizar o Fundeb refere-se à gestão dos recursos. Com a criação do Fundo com valor mínimo da ordem de, pelo menos, R$ 1.000/aluno, os recursos que passarão a ser administrados por muitas secretarias municipais de educação serão, em muitos casos, superiores ao próprio orçamento dos municípios. E, para controlar estes recursos, a atual estrutura definida pela Lei 9.424/96 para os Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do Fundef é claramente insuficiente. Na verdade, seria fundamental alterar não só a composição como também as atribuições do Conselho. Em primeiro lugar, este Conselho deveria assumir as funções de Conselho Gestor do Fundeb. Isso significa que lhe caberia a tarefa de aprovar o orçamento referente aos recursos do Fundo (que depois seria encaminhado ao Legislativo), acompanhar e zelar pela sua execução e, por fim, aprovar o seu balanço. Entendo também que caberia ao Conselho Municipal do Fundeb zelar não apenas pelos alunos da rede municipal, mas também por aqueles que freqüentam o sistema estadual de ensino, cabendo ao Conselho Estadual do Fundeb apenas a supervisão geral. Do ponto de vista de sua composição, entendo que precisa ser alterado o modelo atual, que conta com representantes de categorias e onde o Poder Executivo geralmente garante a maioria das cadeiras e a hegemonia na diretoria. Um exemplo interessante poderia ser retirado do EUA, onde os membros do Conselho de Educação (School Board) são eleitos diretamente pela comunidade e o equivalente ao nosso Secretário Municipal é contratado por este conselho. Uma exigência interessante para pleitear cargos nestes conselhos poderia ser a condição de pai de aluno, professor, funcionário ou aluno de escola pública, já que o fundo administra recursos do sistema público de ensino. O Conselho deveria dispor também de um percentual da ordem de 1% a 2% para poder compor uma equipe de apoio técnico com a exigência de que sejam funcionários contratados por concurso público. Isto é importante porque, hoje, boa parte dos conselhos carece de qualquer estrutura e depende da boa vontade do 102 Executivo, que é a instância de poder que deveria fiscalizar. Esses conselhos, assim constituídos, inclusive dispensariam a existência de um Conselho Municipal de Educação, cujas atribuições poderiam ser por ele encampadas para evitar a dualidade absurda hoje existente. Bem, é bom parar por aqui, pois como fica evidente neste último parágrafo já comecei a entrar em devaneios utópicos. Infelizmente, no Brasil de hoje o medo (do FMI, do BIRD, dos credores privados... até dos importadores argentinos) jogou a esperança no fundo do poço. Mas nós temos a corda e a caçamba e sabemos onde fica o poço; assim, da mesma forma que fizemos com os militares e com todos aqueles que rasgaram, depois de eleitos, as promessas de campanha, nós sabemos como agir. O que os dados aqui apresentados mostram é que: 1º – só vai existir Fundeb se o governo federal decidir investir de fato em educação; e, 2º – é plenamente possível fazer uma revolução na qualidade da escola brasileira, mas para isso é preciso haver um grande esforço, não diferente daquele que foi feito, por exemplo, para acabar com a hiperinflação no país, ou para construir a Petrobrás ou para viabilizar o Pró-Álcool. Este talvez seja um dos poucos desafios coletivos que ainda una toda a nação. 103 CAPÍTULO 6 INSUFICIENTE, MAS NECESSÁRIO! Luiz Araújo * Para discutir a proposta do Fundeb é necessário encontrar as origens da política recente de fundos, assim como o arcabouço teórico da focalização da política educacional em determinados níveis de ensino nos países periféricos. A proposta de criação de um fundo educacional é sempre associada ao processo de negociação ocorrida entre os trabalhadores em educação (representados pela CNTE) e o Ministério da Educação no governo Itamar Franco (1994). Porém, as origens e pressupostos do que veio a se constituir enquanto Fundef podem ser encontrados em momentos anteriores, especialmente nos documentos dos organismos internacionais, com destaque para os do Banco Mundial, elaborados como diretrizes para os acordos internacionais de empréstimos que viabilizaram o Projeto Nordeste II e III, os quais datam de 1991. * Professor, ex-Secretário Municipal de Educação de Belém (1997/2002), ex-Dirigente Nacional da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, ex-Presidente do INEP e atualmente Assessor da UNDIME Nacional. 105 No período correspondente aos governos Collor, Itamar e FHC, houve uma crescente influência das idéias do Banco Mundial. No que diz respeito às políticas sociais, a visão passou a ser de que as mesmas faziam parte dos instrumentos viabilizadores dos pressupostos da política econômica, passando a ter como objetivo manter coerência com os esforços de reestruturação do Estado Nacional, ajudando a introduzir o ethos da competitividade nos serviços públicos, descentralizando a gestão e repassando parte dos serviços para o setor privado. Há um esforço por hegemonizar uma visão focalista de políticas sociais, o que representou um abandono das teses universalistas oriundas do Estado de Bem-Estar Social. A focalização das políticas públicas nas camadas mais pobres da população está embasada no objetivo de promover o uso mais produtivo do recurso mais abundante entre os pobres – o trabalho, ao mesmo tempo em que lhes fornece um pacote de serviços que viabilize a sua sobrevivência. Dessa visão deriva um conjunto de diretrizes educacionais defendidas pelo Banco Mundial e que foram progressivamente assimiladas pelo governo brasileiro e executadas enquanto políticas públicas. Podemos destacar a descentralização dos sistemas educacionais (municipalização), a concentração dos recursos públicos no ensino primário e secundário inferior (ensino fundamental), realocação de recursos do ensino superior para a educação básica (diminuição de investimentos federais no caso brasileiro), contrapartida financeira por parte dos setores médios dos serviços educacionais (devido à resistência isso não foi plenamente efetivado, mas por outro lado o congelamento das vagas nas universidades públicas e a liberalização na abertura de faculdades particulares tiveram efeito semelhante) e criação de sistemas de monitoramento de avaliação de aprendizagem dos alunos (plenamente desenvolvidos) como formas de incentivar a competição a partir da propaganda negativa. Com isso fica mais fácil compreender que a Emenda Constitucional nº 14 e a Lei º 9424/96 que criou o Fundef representam vitória 106 inconteste da visão descrita acima. Não tanto por um processo de imposição de condicionantes para empréstimos internacionais, mas principalmente pela adesão voluntária e incondicional dos governantes de plantão no período acima citado. É nesse cenário que deve ser entendida a reelaboração conservadora da proposta de fundo nacional atrelado à criação de um piso salarial nacional para os trabalhadores em educação. Aproveitou-se a idéia de um fundo (o qual era nacional e tornou-se 27 fundos estaduais) como elemento viabilizador da focalização no ensino fundamental e como elemento incentivador da política de descentralização do sistema educacional. A visão focalista de política pública incorre em vários problemas, dentre eles a dificuldade de diferenciar serviços que possuem características de cobertura total, a oscilação na chamada linha de pobreza, muitas vezes provocada pela inserção nos próprios programas que a combatem e a existência subjacente de um modelo dual, ou seja, representa uma redistribuição de recursos dos setores médios da sociedade para os setores pobres, sem representar nenhuma mudança dos marcos da política de distribuição de renda do país. Isso tudo acompanhado de uma progressiva redução da qualidade dos serviços ofertados pelo poder público. Muito já foi escrito sobre o Fundef, portanto basta enumerar algumas características e efeitos que sejam importantes para o debate sobre a criação de um novo Fundo Educacional. Em primeiro lugar, a existência de fundos estaduais e não de um fundo nacional estabeleceu um limitador ao enfrentamento de um dos principais problemas educacionais: a desigualdade regional. Com uma distribuição de renda absurdamente concentrada nas mãos de poucos, nosso país também distribui de forma desigual as riquezas produzidas dentre suas regiões. Isso tem reflexo na capacidade de cada unidade da Federação, especialmente de cada município em prover os serviços básicos. Além disso, o fundo público, derivado da coleta dos impostos e contribuições está desigualmente distribuído entre os 107 entes federados. A União contribui com menos recursos para a educação do que os municípios, apesar da sua capacidade de mobilizar recursos ser muito maior, isso porque a maior parte de suas receitas advém das contribuições sociais e econômicas (13% do PIB), das operações de crédito, (quase 30% do PIB), e da Desvinculação das Receitas da União (DRU), que fica com cerca de 20% das receitas de impostos e contribuições. Em segundo lugar, concentrando os recursos no ensino fundamental e recompensando os estados e municípios de acordo com as matrículas existentes, o Fundef provocou uma aceleração da cobertura educacional neste nível de ensino. Porém, como os recursos circulantes no Fundo são basicamente provenientes de uma redistribuição dentre estados e municípios, isso significou uma realocação de recursos, migrando de outras áreas que ficaram descobertas ou tiveram seu ritmo de crescimento desacelerado. Assim, presenciamos a renúncia dos estados em oferecer a educação infantil e a incapacidade dos municípios de assumir sozinhos tamanha carga de responsabilidade. Em terceiro, serviu como viabilizador do processo de municipalização do ensino. Os estados rapidamente repassaram parte de sua rede de ensino para a gerência municipal, repassando também os recursos vinculados ao Fundo (vinculados à matrícula). Muitas pesquisas foram produzidas em nosso país mostrando os efeitos perversos desse processo de prefeiturização, pois não foi acompanhado de reformas na distribuição geral dos recursos, os quais continuaram concentrados na União, e na maior parte dos casos representou uma precarização dos serviços oferecidos. Essa política teve um efeito colateral importante para o debate atual do Fundeb: houve uma progressiva migração de matrículas e de recursos estaduais para a esfera municipal, provocando desequilíbrios orçamentários na esfera estadual. Em quarto lugar, o Fundef representou a legalização da política de omissão da União com o financiamento da educação básica. Mesmo 108 na prioridade escolhida para focalizar a política educacional, sua participação foi irrisória, variando de 1% a 3% do total de recursos constituintes do Fundo. A ausência de participação significativa do principal ente federado agiu como limitador de qualquer combate às desigualdades regionais e impossibilitou que fosse praticado um custoaluno menos humilhante no último período. Em quinto e último lugar deste breve resumo, temos o frágil controle social instituído pelo Fundef. É verdade que o novo fundo proporcionou um aumento do conhecimento do financiamento educacional por parte dos gestores e educadores, mas as estruturas formadas para fiscalizar sua real utilização podem ser avaliadas negativamente. Uma lição importante desses anos de Fundef é que a sinalização dada pelo Estado na sua política educacional tem ressonância imediata quando os recursos estão vinculados às matrículas. Podemos demonstrar essa afirmação com dois exemplos emblemáticos. O primeiro, do comportamento das matrículas da educação infantil que teve, durante o Fundef, dois momentos: um primeiro de redução com a postura dos estados em não oferecer os serviços e pelo fato 109 de estas matrículas não receberem recursos do novo fundo, e um segundo momento, quando começou a ser discutida a incorporação das crianças de seis anos no ensino fundamental. O segundo é o comportamento das matrículas da educação de jovens e adultos, as quais voltaram a crescer com o estabelecimento para algumas regiões de um financiamento paliativo, menor do que o custo-aluno do ensino fundamental, o que provocou uma retomada do seu crescimento. Nas regiões contempladas por este financiamento, a taxa de crescimento da EJA foi maior, como podemos verificar no Gráfico representativo da região Nordeste, onde foi verificado um salto de matrículas com a constituição da medida paliativa. A proposta de criação de um Fundo mais amplo que o atual Fundef está inscrito no programa de governo do atual Presidente e já havia sido proposta por parlamentares federais do Partido dos Trabalhadores desde 1999. É necessário entender as motivações que são apresentadas e perguntar se a atual proposta representa uma continuidade 110 ou uma ruptura com os pressupostos que motivaram o Fundef, que possuem forte influência das teses do Banco Mundial. As principais razões apresentadas são baseadas no saneamento das deficiências do atual Fundef, especialmente a falta de formas vinculadas de financiamento para níveis e modalidades da educação básica, com destaque para a educação infantil e ensino médio. A criação de um Fundo que englobasse todos os níveis e modalidades da educação básica resolveria este problema e permitiria o cumprimento das metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação, aprovado pelo Congresso Nacional em 2001. Também são apresentadas razões relativas à possibilidade de elevação da participação da União no montante de recursos do novo Fundo e de melhoria do controle social sobre os recursos. Tendo como parâmetro a proposta de emenda constitucional que foi apresentada pelo MEC aos demais entes federados, no segundo semestre de 2004, o Fundeb manterá a lógica anterior e será constituído de 27 fundos estaduais e nesses estarão vinculados 20% da totalidade dos recursos vinculados à educação nos estados e municípios, 111 excetuando os impostos próprios dos municípios. A participação da União continuará com o caráter suplementar, mas estará vinculada a uma participação percentual no total de recursos projetados para o Fundo a cada ano, iniciando com 5% em 2005 e chegando, em 2008, a 10%. Os recursos que viabilizarão o crescimento da participação da União virão da devolução gradual dos recursos desvinculados atualmente pela DRU. O valor do custo-aluno nacional deixará de ser calculado pelos parâmetros atuais do Fundef (aliás, nunca cumpridos pela própria União) e estará vinculado ao montante de recursos alocados pela União para complementar os fundos estaduais deficitários. A diferenciação entre cada nível e modalidades obedecerá, como princípio, ao estabelecimento de intervalos máximos e à necessidade de equilíbrio financeiro dos entes federados. No debate realizado entre União, estados e municípios ficou nítida a concordância do MEC quanto ao estabelecimento de mecanismos inibidores de um crescimento acelerado das matrículas nos níveis e modalidades com menor cobertura, pois tal crescimento resultaria em desequilíbrio financeiro, sendo que o alvo principal das preocupações dos estados e do MEC era a possibilidade de uma explosão de matrículas em creches mantidas pelos municípios, o que provocaria migração mais acentuada de recursos estaduais. 112 Em todo o debate realizado e nos documentos elaborados, pelo menos duas questões essenciais do modelo de financiamento que orientou o Fundef não são rediscutidas claramente. A primeira diz respeito à revisão da política focalizada no ensino fundamental (nos mais pobres) e o retorno a uma política universalista, a qual deveria estar ancorada nas metas e diretrizes do Plano Nacional de Educação. Pelo contrário, o que tem presidido o debate em relação ao Fundeb é a ótica da governabilidade, ou seja, da necessidade de acordos possíveis com os estados, o que poderia viabilizar a aprovação de uma Emenda Constitucional no Congresso Nacional. Não é possível afirmar qual a visão do governo no que tange à primeira questão, mas os indícios são de que não existe uma disposição firme de rever a política focal. Caso sejam utilizadas como critério de julgamento as demais ações desenvolvidas pelo governo na área social, fica clara a permanência da visão focalista de políticas sociais. A benevolência do MEC, diante das pressões pela exclusão das crianças de zero a três anos do financiamento do futuro Fundo (ou a proposta que chegou a ser feita e depois retirada de contemplar apenas as crianças pobres), é sintomático da prevalência das teses vigentes em governos anteriores no atual governo. A segunda é quanto ao papel da União no novo modelo de financiamento. O ponto de partida não é a necessidade de um maior aporte financeiro para que as metas do Plano Nacional de Educação sejam cumpridas, o que exigiria esforço conjunto e combinado de todos os entes federados. O eixo do debate é quanto de recursos suplementares é possível retirar do montante destinado à política de ajuste fiscal em vigor e que pode ser disponibilizado para constituir o novo Fundo. O estabelecimento de percentuais fixos, aceito pelo MEC e sem garantias de sê-lo pelo restante do governo, só foi possível diante de muita pressão dos outros entes federados, que guardam muita desconfiança no cumprimento da palavra por parte da União. Em outras palavras, foi aceito por que fazia parte da governabilidade necessária para aprovação da proposta e não por uma mudança de postura governamental sobre o papel da União no financiamento educacional. 113 Um novo Fundo só se justifica se as questões acima forem devida e coerentemente enfrentadas. É preciso rever a visão de educação enquanto instrumento auxiliar da política de ajuste estrutural do Estado, recuperando seu papel de indutor de outro modelo de desenvolvimento do país. Para isso, o papel da União como principal viabilizadora deste novo modelo é fundamental, sendo necessário um novo patamar de participação no montante dos recursos envolvidos no novo Fundo, pois isso será um instrumento de diminuição das desigualdades regionais e de elevação do custo-aluno efetivamente disponibilizado pelo fundo público nacional para a educação básica dos seus habitantes. A presença de mecanismos inibidores da elevação das matrículas é contraditório com a própria motivação para a constituição do novo Fundo e com os compromissos assumidos por nosso país quando da aprovação do PNE. O novo Fundo, necessariamente, precisará dar maior atenção aos níveis e modalidades mais descobertos e a experiência anterior demonstrou que a melhor forma de realizar esta tarefa é remunerar de forma atrativa aqueles segmentos que o Estado pretende mais rapidamente, incluir na escolarização e não o inverso. Do contrário, existe o risco da montanha parir um rato, ou seja, a prevalência da governabilidade conseguirá aprovar um novo Fundo que pouco impacto provocará na educação do país. A constituição do novo Fundo possibilita o aprofundamento de instrumentos de controle social, os quais ajudarão a desprivatizar o Estado Brasileiro e a estabelecer uma cultura de democracia direta, tão necessária para a superação das características patrimoniais ainda persistentes em nosso país. Um caminho seria o fortalecimento dos Conselhos Municipais, unificando em torno destes, os conselhos setoriais atualmente existentes, aumentando o seu poder fiscalizador. Portanto, um novo Fundo é necessário. Este deve englobar toda a educação básica; deve representar um maior aporte de recursos e um novo papel da União no financiamento da educação básica; estabelecer uma diferenciação entre níveis e modalidades que induza à elevação 114 mais acelerada das matrículas dos que estão mais descobertos e nas regiões e segmentos sociais mais excluídos; estabelecer, também, um custo-aluno baseado em patamares desejáveis de qualidade educacional e de potencialidades econômicas de nosso país. Um novo Fundo que aprofunde a democratização da gestão pública por meio de um maior controle da sociedade sobre a gestão dos recursos do fundo público. Porém, o novo Fundo será insuficiente, caso a sua criação não seja acompanhada de uma profunda mudança nos rumos da política econômica conservadora do atual governo. O principal inibidor em vigor ao cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação é a persistência do ajuste estrutural do Estado Brasileiro, inclusive com suas políticas focais derivadas da concepção emanada dos organismos internacionais e, até agora, não revistas pelo novo governo. Um exemplo desta limitação é que os recursos estaduais e municipais vinculados ao novo Fundo permitiriam um custo-aluno nacional médio para 2005 de R$ 945, mas para isso, a União precisaria disponibilizar perto de R$ 7 bilhões. Esse valor é maior do que a devolução da DRU de maneira integral, mas muito pouco diante dos encargos pagos com a dívida externa e diante do valor economizado pela política de superávit fiscal. Contudo, os frutos de um investimento deste porte seriam mais significativos que os conseguidos com o sacrifício do crescimento econômico e da melhoria de vida dos brasileiros, para que nosso país possa honrar os compromissos assumidos com os grandes bancos internacionais. 115 CAPÍTULO 7 SOBRE A VIABILIDADE FINANCEIRA DO FUNDEB João Antonio Cabral de Monlevade Renato Friedmann* 1. Introdução Em 4 de novembro do corrente ano de 2002, por meio da STC 200203734, a senadora Marina Silva solicitou da Consultoria Legislativa um Estudo Técnico sobre os impactos financeiros para a União, decorrentes da possível aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 112/99, subscrita pelo Deputado Padre Roque e outros. Entendendo-se que o estudo comportava duas vertentes de análise – a da previsão das receitas públicas destinadas aos Fundos Estaduais de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e a da projeção de matrículas nas etapas e modalidades da educação básica * Consultores legislativos. 117 – o estudo foi confiado a dois consultores, para pesquisa e posterior compatibilização. No decorrer do trabalho, diante de sua complexidade crescente, foram necessários tanto um diálogo freqüente entre os dois consultores, para afinar seus instrumentos de análise e captar todas as formas de tributos vinculados à educação nos Estados e Municípios, como sucessivos contatos com o gabinete da senadora, para serem acertados os critérios para projeção das matrículas, que dependem não somente de dispositivos legais já estabelecidos, como também de decisões políticas que influenciam no ritmo dos impactos financeiros. Acertada a metodologia da pesquisa, reunimo-nos para planejar a estrutura do texto que relataria o estudo. Combinamos que cada um dos consultores ficaria responsável pela redação de sua parte e que, ao final, revisaríamos o texto no sentido de lhe dar a necessária unidade. 2. O que é o Fundeb, segundo a PEC 112, de 1999 Para compreendermos o Fundeb, é preciso atentar ao esquema de financiamento da educação básica pública estabelecido na Constituição Federal de 1988, modificado pela Emenda Constitucional nº 14, de 12 de setembro de 1996, e regulamentado pelas Leis nºs 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB) e 9.424, de 24 de dezembro de 1996. Conforme o art. 212 da Constituição Federal e o art. 69 da LDB, do montante arrecadado de impostos, incluídas as transferências, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem destinar no mínimo 25% para a “manutenção e desenvolvimento do ensino público”. Já o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em vigor desde 12 de setembro de 1996, dispõe que, durante dez anos, 60% destes 25% devem se destinar, obrigatoriamente, ao ensino fundamental. Além disto, a maior parte desses 60%, constituída da receita 118 oriunda do Fundo de Participação dos Estados (FPE), do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), do Imposto sobre Produtos Industrializados referente a produtos semi-elaborados destinados à exportação (IPI-Exportação), do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e dos recursos da Lei Complementar 87/ 96 (Lei Kandir) constitui, no âmbito de cada Estado, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef ), que é redistribuído para cada uma das redes, estadual e municipal, de acordo com o número de alunos nelas matriculados. Assim, nos Municípios, restam de sua receita de impostos, 40% dos 25% para um gasto adicional com ensino fundamental ou para a educação infantil, em creches e pré-escolas. Já nos Estados, os 40% restantes podem complementar as despesas com o ensino fundamental e educação infantil, ou serem investidos no ensino médio e superior. Este esquema está em funcionamento pleno desde 1º de janeiro de 1998. No agregado Brasil, aproximadamente metade dos recursos oriundos de impostos têm composto a cesta do Fundef e a outra metade integra os caixas do Distrito Federal, dos 26 Estados e 5.561 Municípios. Em 2001, o total de receita do Fundef em todos os Estados e Municípios atingiu R$ 19,6 bilhões. E os impostos vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) que não integraram o Fundef chegaram a aproximadamente R$ 20 bilhões. A Emenda Constitucional 14/96 previu também que os Estados onde o custo médio anual por aluno do Fundef estivesse abaixo de um valor mínimo definido nacionalmente teriam uma complementação da União, que garantiria este mínimo, o qual, por sua vez, se constituía em referência de um salário-médio digno para os professores. Embora o Fundef tenha obtido aprovação parlamentar e respaldo por grande parte dos educadores, ele criou dois efeitos colaterais indesejáveis: 119 a) desestimulou os prefeitos a investir na expansão das vagas em creches e pré-escolas públicas, uma vez que suas matrículas não geravam recursos correspondentes para o Município; b) obrigou os governadores a financiar suas redes de ensino médio e superior, pressionadas por uma crescente demanda, com menos recursos estaduais, uma vez que 60% dos 25% de seus impostos destinados à MDE tinham que ser gastos necessariamente com o ensino fundamental. Além disso, a União não cumpriu a sua parte, fixando o Valor Mínimo Anual por Aluno cada vez mais abaixo do que prescreve a Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, que regulamenta o Fundef. O resultado foi que, ano a ano, a diferença entre o custo médio anual por aluno dos Estados que mais arrecadam e o dos de menor receita, em vez de diminuir, como pretendia a lei, aumentou. Observem-se os extremos: no acumulado de janeiro a novembro de 2002, o de Roraima é de R$ 1.418,20 e o do Maranhão, R$ 379,40; o do Amapá, R$ 1.108,90 e o do Pará, R$ 382.60; o de São Paulo, R$ 1.063,90 e o da Bahia, R$ 390,70. A eqüidade nos serviços educacionais públicos, objetivo do Fundef, ficou comprometida. Mais grave: os Estados de pouca arrecadação, depois de seis anos da EC 14/96, não têm como sustentar os salários dos professores, valorizados pelo MEC em 1997 e 1998. Para superar essas e outras imperfeições e garantir uma qualidade crescente para a educação escolar básica pública, foi elaborada a PEC 112/99. (Consta do Anexo deste livro. Sua leitura facilita a compreensão da análise desenvolvida a seguir. O presente estudo quer, de um lado, levantar, Estado por Estado, incluindo o Distrito Federal, as receitas potenciais que compõem o Fundeb, de 2003 até 2007; de outro, quantificar as despesas, multiplicando as matrículas previstas em cada etapa e modalidade da educação básica pelos respectivos Custos-Aluno-Qualidade. Comparando a receita e a despesa potenciais em cada um deles, obteremos 120 os valores da respectiva complementação da União. Caso a receita do Estado, num determinado ano, ultrapasse a despesa, não haverá necessidade de complementação. Ora, é exatamente o valor total das complementações da União que centraliza o interesse da Senadora, pois irá indicar a viabilidade econômica e política da PEC 112/99 e do Fundeb. Esta complementação ou suplementação provirá dos 20% de impostos federais vinculados à MDE a que alude a PEC e de outras fontes, como contribuições sociais que atualmente já são destinadas a programas sócio-educativos e de desenvolvimento da educação, cujos valores forçosamente terão que se elevar por conta das metas de atendimento do Plano Nacional de Educação – Lei nº 10.172, de 10 de janeiro de 2001. 3. O que é o Custo-Aluno-Qualidade (CAQ) A Constituição Federal, do artigo 205 ao 214, se refere várias vezes à qualidade do ensino. A LDB, no art. 3º, coloca a “garantia de padrão de qualidade” como princípio do ensino e a define no art. 4º, IX : “variedade e quantidade mínimas por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”. Nos arts. 74 e 75, estabelece que a suplementação da União se fará de forma a suprir a capacidade de atendimento de cada ente federado, referente à oferta do ensino dentro de um padrão mínimo de qualidade definido nacionalmente. É mister, portanto, que a União estabeleça estes “Custos-AlunoQualidade” (CAQ), que supomos diferenciados por etapa e modalidade de ensino, uma vez que os insumos em cada processo são diferentes e de custos igualmente distintos. É óbvio, por exemplo, que o CAQ de uma creche onde a criança fica 10 horas por dia e a professora cuida de grupos menores, será maior que de uma escola fundamental onde um professor trabalha numa classe de 30 alunos, somente 4 horas diárias. 121 O valor de cada CAQ, em tese, deve derivar de um estudo dos componentes ou insumos que garantem a qualidade do ensino-aprendizagem, à luz dos preços médios vigentes no mercado. Entretanto, ele não pode estar desatrelado da potencialidade de financiamento de cada Estado. Daí a expressão padrão mínimo de qualidade. O presente estudo aproveitou o resultado de alguns ensaios realizados na UFMT, com alunos do Curso de Especialização em Gestão e Financiamento da Educação ali realizado em janeiro de 2002, registrados em suas monografias, e arbitrou os seguintes CAQ: 1. Creche = R$ 2.500 dos quais R$ 2.000 financiados pelo Fundeb e R$ 500 a cargo das funções saúde e ação social. 2. Pré-Escola = R$ 1.700 3. Ensino Fundamental = R$ 1.500 4. Educação Especial no E. Fundamental = R$ 3.000, dos quais R$ 2.000 do Fundeb e o restante das funções saúde e ação social. 5. Ensino Médio = R$ 1.700 6. Educação de Jovens e Adultos = R$ 1.500 dos quais R$ 800 do Fundeb e R$ 700 da educação profissional. Os resultados do presente estudo servirão como guias para testar a capacidade do País, como um todo, e do Governo Federal, como responsável último da garantia à educação básica de qualidade, de financiar a presente e as futuras demandas nos marcos dos Custos-AlunoQualidade propostos. Do mesmo estudo derivarão as decisões de calibrar o ritmo de universalização do atendimento nas etapas e modalidades da educação básica, e de propor medidas de progressividade na adoção dos valores dos custos-qualidade. Neste sentido apresenta-se também um conjunto de planilhas com uma proposta de gradatividade de implantação dos valores propostos de CAQ, conforme orientação do Gabinete da Senadora: em 2003, 70% dos CAQ; 2004, 75%; 2005, 80%; 2006, 90%; 2007, 100%. Esta segunda proposta considera que somente em 2007 os CAQ acima fixados estariam em vigor. Obedecer-se-ia, portanto, aos valores da Tabela 1: 122 Por último, vale lembrar que não consideramos custos diferenciados na oferta de educação básica rural e indígena, por entender-se que os fixados são compatíveis com as pequenas variações atualmente praticadas ou reivindicadas pelos movimentos sociais. 4. Critérios para projeção de matrículas para o Fundeb O primeiro trabalho deste estudo foi o de determinar os prováveis quadros de matrícula por Estado de 2003 a 2007. Os dados básicos foram os do Censo Escolar do INEP, publicados no Diário Oficial da União de 28 de novembro de 2002. Como existe uma correlação entre a população por grupos de idade e as matrículas, usaram-se também o Censo de 2000 como referência inicial e as projeções do sítio do IBGE na internet, obedecidas as mesmas proporções dos grupos de idade. Restava uma tarefa difícil – a de determinar as projeções de matrículas, fugindo do padrão da evolução histórica recente, uma vez que a Senadora e técnicos de seu gabinete acreditam que tanto as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) como a plataforma do candidato eleito à Presidência da República apontam para uma grande aceleração 123 nos percentuais de atendimento, principalmente na educação infantil e na de jovens e adultos. Chegou-se então aos seguintes critérios, que foram aplicados ao quadro de população e matrículas de 2002: Creche: Considerando-se a distribuição das matrículas de 2002 nos Estados entre as redes pública e particular, e que o PNE prevê para 2005 uma cobertura de 30% e em 2010 de 50% das crianças em todas as redes, inclusive na comunitária, propõe-se: a) Em 2003, 7% da população até 3 anos matriculada na rede pública; b) Em 2004 = 10% da população até 3 anos matriculada na rede pública; c) Em 2005 = 13% da população até 3 anos matriculada na rede pública; d) Em 2006 = 16% da população até 3 anos matriculada na rede pública; e) Em 2007 = 20% da população até 3 anos matriculada na rede pública. Quando o Estado estiver acima do percentual previsto para o respectivo ano, aplicam-se 5% de aumento sobre as matrículas para o ano subseqüente.Pré-escola: Considerando-se os índices e distribuição das matrículas de 2002 nos Estados e que o PNE prevê para 2005 uma cobertura de 60% e em 2010 de 80% das crianças de 4 a 6 anos em todas as redes, propõe-se: a) Em 2003, 30% da população de 4 a 6 anos matriculada na rede pública; b) Em 2004, 35% da população de 4 a 6 anos matriculada na rede pública; c) Em 2005, 40% da população de 4 a 6 anos matriculada na rede pública; 124 d) Em 2006, 45% da população de 4 a 6 anos matriculada na rede pública; e) Em 2007, 50% da população de 4 a 6 anos matriculada na rede pública; Quando o Estado estiver acima do percentual previsto para o respectivo ano, aplicam-se 5% de aumento sobre as matrículas para o ano subseqüente. Ensino Fundamental: Considerando-se que o PNE prevê a universalização da matrícula entre 7 e 14 anos, até 2010, sabendo-se que a média de cobertura nesta idade nos Estados está entre 94 e 98%, sendo de 8 a 12% o atendimento privado, e considerando-se que os alunos com 15 anos em diante terão progressivamente o financiamento do Fundeb pelo Custo-Aluno-Qualidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA), propõe-se : a) Em 2003, 87% da população de 7 a 14 anos matriculada na rede pública; b) Em 2004, 88% da população de 7 a 14 anos matriculada na rede pública; c) Em 2005, 89% da população de 7 a 14 anos matriculada na rede pública; d) Em 2006, 90% da população de 7 a 14 anos matriculada na rede pública; e) Em 2007, 91% da população de 7 a 14 anos matriculada na rede pública; Quando as matrículas do Estado estiverem acima do percentual do respectivo ano, aplicam-se 5% de decréscimo sobre as matrículas para o ano subseqüente. Educação Especial no Ensino Fundamental: considerando-se as matrículas de 2002 e que a meta do PNE é generalizar até 2010 o 125 atendimento à clientela de educação especial, e sabendo-se que o atual percentual de atendimento na rede pública é muito baixo, tanto pela concorrência de oferta de serviços privados e comunitários, como pelos problemas de financiamento, propõe-se: a) Em 2003, estabelecimento de um piso mínimo de atendimento igual ao da média nacional dos Estados em 2002, que é de 0,288%; b) De 2004 a 2007, um crescimento de 10% sobre o atendimento de 2003. Quando o Estado estiver acima do piso anual, aplica-se um aumento de 10% sobre as matrículas para o ano seguinte. Ensino Médio: Considerando-se que a LDB prevê a progressiva universalização e obrigatoriedade do ensino médio de três anos para os adolescentes de 15 a 17 anos, e que as atuais matrículas no ensino regular atingem de 40 a 60% desta clientela e muitos alunos com atraso de escolaridade (que serão considerados da EJA no financiamento do Fundeb), e sabendo-se que de 10 a 15% da demanda é atendida pelas escolas privadas, propõe-se: a) Em 2003, 50% da população de 15 a 17 anos na rede pública; b) Em 2004, 55% da população de 15 a 17 anos na rede pública; c) Em 2005, 60% da população de 15 a 17 anos na rede pública; d) Em 2006, 65% da população de 15 a 17 anos na rede pública; e) Em 2007, 70% da população de 15 a 17 anos na rede pública. Quando o Estado estiver acima do percentual, aplica-se 1% de aumento sobre as matrículas para o próximo ano. Educação Fundamental de Jovens e Adultos: Considerando-se que o PNE prevê a escolarização de 10 milhões de analfabetos com 126 mais de 15 anos até 2005 e de todo o restante, 7 milhões, até 2010; de 50% dos jovens e adultos com menos de 4 anos de estudo até 2005, e de 100% até 2010; de 50% dos jovens e adultos com mais de 4 e menos de 7 anos de escolaridade até 2005, e de 100% até 2010; sabendo-se das taxas de escolarização por Estado nestas faixas, inclusive no ensino regular com atraso de escolaridade, e que é residual a atuação da rede privada; considerando-se que dos 120 milhões de brasileiros com mais de 15 anos, a metade não concluiu o ensino fundamental; levando-se finalmente em conta que o percurso da EJA é mais rápido que o do ensino regular e que a médio prazo se espera uma redução dessa demanda, propõe-se: a) Em 2003, absorção na rede pública de 6% da população com mais de 15 anos; b) Em 2004, 9%; c) Em 2005, 12%; d) Em 2006 e 2007, 15%. Educação Média de Jovens e Adultos: considerando-se que o PNE prevê em cinco anos, ou seja, até 2005, que se dobre a capacidade de atendimento nos cursos de nível médio para jovens e adultos e que em dez anos se quadruplique este número e sabendo-se das taxas de escolarização por Estado, inclusive no ensino regular com atraso de escolaridade; considerando-se que a rede privada e os exames supletivos têm historicamente absorvido cerca de 30% dessa demanda, propõe-se: a) Em 2003, a escolarização na rede pública de 70% dos concluintes do ensino fundamental no ano anterior com mais de 17 anos, mais 10% dos remanescentes (residentes com mais de 18 anos e de 8 a 10 anos de escolaridade) – o que corresponde a 3% das matrículas de Ensino Fundamental (EF) do mesmo ano; 127 b) Em 2004, 75% dos concluintes do ensino fundamental mais 20% dos remanescentes – o que corresponde a 6% das matrículas de EF; c) Em 2005, 80% dos concluintes do ensino fundamental mais 30% dos remanescentes – o que corresponde a 9% das matrículas de EF; d) Em 2006, 85% dos concluintes do ensino fundamental mais 40% dos remanescentes – o que corresponde a 12% das matrículas de EF; e) Em 2007, 90% dos concluintes do ensino fundamental mais 50% dos remanescentes – o que corresponde a 15% das matrículas de EF. A Educação Profissional, embora esteja prevista como acoplada à EJA, não consta especificamente deste estudo. 5. Composição dos quadros de população, matrículas e custos Da aplicação desses critérios à tabela de população e matrícula referente ao ano de 2002, derivam as tabelas de 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007 que serão a base de dados para se obter os gastos previstos por cada estado e seus respectivos municípios na oferta de educação básica pública. A tabela de 2002 foi composta com as projeções de população do IBGE por estado, baseada no intervalo censitário de 1991-2000, e para os grupos de idade se aplicou a todos as seguintes percentagens, derivadas do Censo de 2000: a) b) c) d) De 0 a 3 anos, 7,7%. De 4 a 6 anos, 5,9%. De 7 a 14 anos, 16,2%. De 15-17 anos, 6,2%. 128 e) Acima de 18 anos, 64 %. Observa-se que tal procedimento ignora as diferenças de distribuição pelos grupos de idade entre os estados e as possíveis modificações ao longo dos seis anos considerados. Entretanto, como os Custos-Aluno-Qualidade não apresentam diferenças tão significativas e como se observa uma tendência de equalização da estrutura etária entre as diversas regiões do país pela preponderância do fenômeno da urbanização, crê-se que prováveis distorções não afetam a essência das previsões. Elaborados os quadros de população e matrícula de 2002 a 2007, passa-se a compor as tabelas de despesas por etapa e modalidade, discriminadas por estado, que resultam no gasto derivado do produto entre suas matrículas nas diferentes etapas e modalidades da educação básica e os respectivos CAQ. 6. Metodologia para quantificar os recursos do Fundeb de cada Estado Em cada estado, são reunidas as matrículas de cada etapa ou modalidade de 2003 a 2007 e seu respectivo custo – obtido pela multiplicação delas pelo respectivo CAQ, expresso em reais de 1º de janeiro de 2002. A soma das sete colunas (creche, pré-escola, ensino fundamental, educação especial, ensino médio, EJA-fundamental e EJA-médio) resulta na previsão do gasto total do Fundeb do respectivo estado. Esse gasto total previsto será então comparado com a arrecadação total prevista para o Fundeb estadual, derivada da segunda parte do presente estudo, que analisa as receitas de impostos vinculados à educação. Somente então haverá condições de se estabelecer o montante de suplementação necessária para cada estado por parte da União, que terá como fonte de recursos não somente a derivada dos 20% de impostos federais vinculados à MDE, como de outros tributos cuja indicação caberá à lei complementar prevista na Proposta de Emenda Constitucional 112/99. 129 Desnecessário dizer que o presente estudo, devidamente aperfeiçoado pelas contribuições que advirão da discussão parlamentar, será fonte de informações para a elaboração da lei complementar, que dará à PEC 112/99 a necessária operacionalidade. Observe-se que o ano de 2003 é um tempo de ajuste, com tentativa de certa equalização que prepara a implantação do Fundeb, prevista para 2004. 7. Metodologia empregada na previsão de receitas A previsão das receitas de impostos e transferências vinculados ao Fundeb seguiu a metodologia econométrica tradicional. Podemos resumir o procedimento em cinco etapas sucessivas. Relatamos a seguir o procedimento adotado em cada uma dessas etapas, bem como os resultados obtidos. 7.1. Coleta dos dados A primeira etapa consiste na coleta dos dados disponíveis, que, no caso presente, compreendem todos os impostos arrecadados (ICMS, ITCD e IPVA no caso dos estados; IPTU, ISS e ITBI, no caso dos municípios) e as transferências líquidas recebidas por estados e municípios (FPE, FPM, IPI-Exportação, ITR, IOF-Ouro, Lei Complementar 87/96 e IRRF de servidores estaduais e municipais). Coletamos os dados de sítios oficiais de órgãos públicos na internet. Do sítio da Secretaria do Tesouro Nacional obtivemos os dados relativos ao FPE, ao FPM, ao IPI-exportação, ao IOF-Ouro e aos repasses relativos à Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir). Como se trata de informações provenientes diretamente do órgão que repassa os recursos, há segurança a respeito dos valores. Certamente não há diferença de critérios nem há lacunas de dados por falta de cooperação dos entes. A única correção necessária era a reposição dos valores 130 descontados para o Fundef, que, em muitos casos, já haviam sido deduzidos dos dados brutos. O sítio da Secretaria do Tesouro Nacional também traz tabelas com o recolhimento de impostos municipais. No entanto, esses dados são muito mais problemáticos, como apontamos na seção 7.3 logo adiante. O sítio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), incluído no sítio do Ministério da Fazenda, traz os dados de ICMS, IPVA e ITCD para cada Estado da Federação e para o Distrito Federal. No entanto, buscamos os dados relativos aos impostos do Distrito Federal junto à Secretaria de Fazenda do Governo do Distrito Federal. As informações recolhidas foram relativas ao período compreendido entre janeiro de 1997 e junho de 2002. O critério utilizado para isso foi o da disponibilidade, em fonte segura, de dados sobre o conjunto de impostos e transferências em questão. O sítio do Confaz, por exemplo, não apresenta o recolhimento de impostos estaduais para anos anteriores a 1997. 7.2. Disposição dos dados A segunda etapa é a disposição dos dados em uma base organizada, para que se possa dispensar a eles o tratamento econométrico adequado. É a parte operacionalmente mais trabalhosa. Reunimos mais de 20 mil informações, que dispusemos em tabelas do Microsoft Excel. 7.3. Crítica dos dados A terceira etapa – a crítica dos dados – é um pouco mais exigente. Nela procuramos detectar lacunas de dados e informações suspeitas de incorreção. O objetivo é eliminar ou corrigir dados equivocados e completar os que faltam. Muitas vezes, um dado falho é passível de correção, bastando, para tanto, completá-lo ou corrigi-lo através do cotejamento das informações recebidas com outras fontes ou de adoção de critérios de aproximação. 131 No caso dos impostos estaduais, foi necessário corrigir os dados de recolhimento de IPVA para alguns estados (por exemplo, Roraima), processo que não criou grandes dificuldades, pois se tratava, em geral, de um erro de registro que inflou os dados. No entanto, as informações sobre impostos municipais representaram um obstáculo significativamente mais resistente. A inconsistência dos dados era facilmente identificável, mas sua correção não era óbvia, impondo a adoção de um procedimento de correção adequado. Ao nos debruçarmos mais detidamente sobre os impostos municipais, notamos que seu problema mais grave era a falta de dados de inúmeros municípios, que ora contribuíam com as informações, ora as omitiam. Por exemplo, o caso dos impostos municipais do estado do Rio de Janeiro era um dos mais graves, pois a cidade do Rio, responsável pelo recolhimento de mais de 80% dos impostos municipais no Estado, nada informava no biênio 1998-1999. Para contornar essa espécie de problema, foi necessário empregar um critério de recomposição das informações faltantes. A base de dados utilizada – FINBRA, disponível no sítio da Secretaria do Tesouro Nacional – contém as tabelas de recolhimento de impostos em duas versões. A primeira é a tabela resumida por Unidade da Federação. A segunda tem os mesmos dados, mas apresentados para cada um dos mais de 5.500 municípios do País. Como podemos perceber pela segunda tabela, uma proporção significativa dos municípios deixava lacunas na apresentação de dados, especialmente nos anos de 1998 e 1999. Em 2000, a lacuna era bem menor. A solução adotada consistiu nos passos a seguir. Selecionamos em cada estado da Federação, os municípios que dispunham de dados para os anos de 2000 e de 2001 e somamos suas receitas, obtendo um montante para o conjunto em cada ano. Esses montantes se referiam a um conjunto de municípios que disponibilizavam seus dados. Pela comparação do total de 2001 com o de 2000, obtivemos uma taxa de crescimento média para o conjunto de municípios, adotada então como válida para os que não apresentavam dados. Tomamos então, os dados desses municípios para o ano de 2001 e, a partir desses dados, inferimos os valores que faltavam em 2000 132 pela aplicação da mesma taxa de crescimento de receita que o agregado. Adotamos o mesmo procedimento para inferir, a partir das informações estimadas para 2000, os dados faltantes para 1999, e assim por diante, em ordem reversa no tempo. Os resultados obtidos por essa complementação das informações foram muito mais confiáveis do que os originais. Mesmo assim, apenas os dados anuais estavam disponíveis, e tivemos que adotar um critério para convertê-los em dados mensais. Para isso, simplesmente distribuímos os dados anuais igualmente entre os doze meses do ano. Finalmente, o último passo na correção dos dados consistiu na eliminação do efeito da inflação. O índice escolhido para esse fim foi o IGP-M, que é o índice utilizado em todos os trabalhos de natureza orçamentária. Uma vez obtida a série histórica dos dados de cada receita tributária ou transferência, calculamos o total para cada estado referente a cada mês, ao longo dos cinco anos e meio de observações utilizadas e os deflacionamos, de forma a trabalhar, a partir desse instante e inclusive nas etapas subseqüentes de estimação e previsão, exclusivamente com valores constantes de janeiro de 2002. É importante notar que todos os valores das tabelas em que constam os resultados da estimação e da previsão estão calibrados para coincidir com os níveis de preços vigentes no início do ano de 2002. 7.4. Emprego de técnicas de regressão para obter os parâmetros para a previsão O objetivo da etapa de estimação foi obter uma taxa de crescimento real (isto é, descontados os efeitos da inflação) para as receitas vinculadas ao Fundef em cada estado, no período entre janeiro de 1997 e junho de 2002. A análise dos dados revelou uma forte estacionalidade para o mês de janeiro de cada ano. Para estimar com maior precisão a taxa de crescimento das receitas e eliminar uma fonte de viés, inserimos uma variável indicadora para captar o efeito sazonal. O método empregado foi a estimação, através do método dos mínimos quadrados, da seguinte equação: Yt = a. exp{lt + bd}, 133 onde Yt são as receitas dos impostos vinculados, a é uma constante, l é a taxa de crescimento instantânea, t é o tempo, mensurado em meses, d é uma variável indicadora com valor unitário para o mês de janeiro de cada ano e nulo nos demais meses e b é o coeficiente de sensibilidade das receitas ao elemento sazonal. Os resultados obtidos para cada estado da Federação divergem entre si, mas a média de crescimento estimada para as receitas vinculadas ao Fundef no agregado nacional é de 2,33% ao ano, compatível com o desempenho recente da economia (ver Tabela 2). 134 7.5. Previsão e crítica dos resultados A etapa final foi a da previsão do desempenho futuro da arrecadação do Fundeb e a crítica dos resultados obtidos. Resumimos a previsão à aplicação dos parâmetros obtidos através da estimação da taxa de crescimento passada aos períodos futuros. Esse procedimento adota como hipótese que o futuro repetirá, aproximadamente, o ocorrido no passado recente. Apesar da mudança na condução da política econômica a partir de janeiro de 2003, não parece óbvio, nesse momento, que essa mudança será radical, a ponto de afastar os resultados futuros dos obtidos até o presente. 7.6. Resultados obtidos É necessário tomar os resultados de um experimento dessa natureza com certa reserva. A incerteza decorre, em parte, da baixa qualidade de alguns dados recolhidos (que são, muitas vezes, os únicos disponíveis). No entanto, os dados de menor qualidade utilizados são os impostos municipais, que respondem por cerca de 12% dos recursos vinculados ao Fundeb – nada que modifique significativamente os resultados. Além disso, as previsões são feitas a partir do comportamento passado da série. Nada garante que o futuro repetirá esse passado, embora não nos reste alternativa, senão usar os dados passados, que são os únicos de que dispomos. Uma advertência necessária é que a incerteza é tão maior quanto mais distante no tempo estiver a previsão feita. Isso por duas razões: À medida que nos distanciamos dos dados atuais e procuramos prever um futuro mais distante, estamos nos distanciando também da realidade que gerou esses dados e que pode ser diferente dentro de alguns anos. Foi este o caso do Plano Real, que, em sua inauguração, modificou consideravelmente a situação da economia brasileira. Iniciada uma nova etapa para a economia, os dados anteriores estarão refletindo uma economia que já não existe mais. Se, por exemplo, o novo Governo conseguir levar a cabo suas promessas de retomada do crescimento (supondo que não o faça através de isenções fiscais), as 135 receitas de impostos poderão ter uma ascensão mais acentuada, reduzindo a necessidade de complementação federal. Por outro lado, uma eventual deterioração das condições econômicas pode gerar o efeito oposto.Em segundo lugar, as previsões são baseadas em uma taxa de crescimento das receitas que é fruto do tratamento econométrico acima descrito – com suas virtudes e falhas. Uma avaliação mais alta ou mais baixa dessa taxa de crescimento tende a gerar pequenas distorções em períodos próximos à época da estimação, mas essas pequenas diferenças acumulam-se com o tempo, podendo gerar distorções mais elevadas no final da série. 8. Análise dos resultados A solicitação da Senadora refere-se a dois grupos de dados: a) Previsão das matrículas, custos, receitas e necessidade de complementação da União no âmbito do Fundeb em cada estado da Federação; b) Impacto financeiro total, resultante da implantação do Fundeb para a União, em virtude da obrigação legal de suplementar os estados cuja receita vinculada anual por aluno não atinja o Custo-Aluno-Qualidade. Quanto ao primeiro grupo de dados, que são os mais ricos e inéditos, não nos cabe analisá-los em pormenor, porque se trata de interesse das autoridades educacionais de cada estado. Para tanto, disponibilizamos, nas tabelas VII e VIII em anexo, as informações referentes às matrículas, às receitas, aos custos e ao déficit previstos para o qüinqüênio de 2003 a 2007. É um rico repositório para planejamento da educação nos estados. Por meio delas, descobrimos dados surpreendentes, como por exemplo, que os estados do Rio Grande do Norte e Ceará são campeões de cobertura nas matrículas em creches públicas, enquanto o Distrito Federal, muito mais urbanizado e com mais recursos, está em último lugar. Cumpre-nos também assinalar que existem substanciais diferenças na evolução tanto da matrícula, como das receitas das Unidades 136 Federadas. Um caso que salta aos olhos é o de São Paulo, onde o crescimento da receita vinculada ao Fundeb é discrepante da tendência dos outros estados, fazendo baixar sensivelmente a média nacional. Aparentemente, o fator determinante para esse resultado é o comportamento do ICMS, que representa quase 70% do total, e que praticamente não tem aumentado em termos reais nos últimos anos. Outra observação, que absorve parcialmente o que registramos acima sobre matrículas em creches, diz respeito às diferenças de percentuais de atendimento entre os estados quanto à educação infantil: em um primeiro grupo, a média desses percentuais é quase três vezes maior do que em um segundo grupo, o que levou à necessidade de um nivelamento inicial em 2003 para tornar eqüitativa a previsão nos anos seguintes. O segundo grupo de dados é o que mais interessa, segundo a solicitação da senadora, e diz respeito ao impacto do Fundeb nas finanças da União. Atentemos aos quatro conjuntos de informações – recursos do Fundeb, custos, e complementação da União em R$ e como percentual do custo. Escolhemos um estado de cada região do País para apresentar na tabela. No caso do Acre, por exemplo, em 2003 os impostos vinculados ao Fundeb importam em R$ 251 milhões. Já os seus custos, resultantes da multiplicação das matrículas pelo Custo-Aluno-Qualidade, montariam a R$ 307 milhões. Dessa diferença resulta a necessidade de complementação da União no montante de R$ 56 milhões, isto é, 18,5% do custo. Se somarmos estes quatro dados referentes aos vinte e sete entes federados, obteremos o agregado nacional: R$ 44,7 bilhões de impostos vinculados, R$ 75,2 bilhões de custos e R$ 30,5 bilhões de necessidade de complementação da União. Convém notar que a complementação da União pode ser obtida, para cada Estado, simplesmente verificando-se a diferença, se positiva, entre os custos e as receitas vinculadas. O mesmo no entanto, não é verdade para a União. Isso ocorre porque um excesso de receita sobre os custos em um estado da Federação não é compensado com uma 137 eventual insuficiência em outro. Portanto, a complementação da União será sempre menor ou igual à diferença entre o somatório dos custos e o somatório das receitas vinculadas. Com efeito, o resultado de R$ 30,5 bilhões de complementação da União, já em 2003, e que cresce até R$ 41,1 bilhões em 2007, pode parecer insuportável, dadas as atuais condições orçamentárias da União, bem como o histórico recente do financiamento da educação. 138 Por isso, pareceu-nos conveniente trabalhar com uma segunda hipótese, consoante a qual os resultados são computados a partir da utilização de um percentual, crescente no tempo, do Custo-Aluno-Qualidade. Foram convencionados os valores referidos amteriormente. De acordo com essa nova abordagem, obtemos os resultados que constam na tabela 5. 139 Pode-se perceber, por exemplo, que os custos do Fundeb do Acre serão de R$ 215,5 milhões em 2003, dispensando complementação por parte da União. O mesmo fenômeno acontece com outros estados – Amapá, São Paulo, Rio de Janeiro, Roraima, Espírito Santo e Distrito Federal. Já em 2004 os estados do Espírito Santo, do Rio de Janeiro, além do Distrito Federal, passarão a receber complementação federal, tendência que se confirma nos anos seguintes, até que, em 2006, somente Roraima não receberá a complementação. Examinemos agora os dados referentes ao total do País. Em 2003, os recursos do Fundeb importam em R$ 44,7 bilhões e seus custos, em R$ 52,6 bilhões, bem menores do que na alternativa do CustoAluno-Qualidade integral. A complementação da União, conseqüentemente, será menor: R$ 11,3 bilhões. A partir de 2004, os custos do Fundeb aumentam e, conseqüentemente, cresce o valor da complementação da União, tornando mais suportável o impacto financeiro do Fundeb. 140 141 Na seção das conclusões tentaremos adicionar algumas variáveis de interpretação que contextualizam o impacto do Fundeb não somente nas finanças da União, como no conjunto das políticas econômicas e sociais do País. 9. Conclusões 1. A primeira conclusão deste estudo é a revelação dos desafios em número de matrículas e em exigência de recursos derivados dos direitos da população à educação escolar básica. O maior deles é o provocado pela abertura das comportas às populações que não tiveram acesso à educação escolar: as crianças até 3 anos e os jovens e adultos que não completaram, no tempo adequado, o ensino fundamental. Pelas tabelas de projeção de matrículas, confirmamos que o ensino fundamental e o ensino médio públicos quase já esgotaram sua capacidade de crescimento. 2. A segunda conclusão é a verificação das desigualdades entre os estados quanto à educação básica. Existem significativas disparidades entre os índices de cobertura de matrículas nas creches, no ensino médio e na educação de jovens e adultos. Com exceção do ensino médio, cujos índices maiores refletem o grau de desenvolvimento de alguns estados, a diferença entre coeficientes deriva de outros fatores de natureza política e não econômica ou demográfica. Já no ensino fundamental e no pré-escolar a tendência é uma cobertura cada vez mais eqüitativa. A grande desigualdade se encontra na distribuição de recursos financeiros, motivada não somente por graus diferentes de desenvolvimento econômico (que se refletem, por exemplo, nas desiguais arrecadações de ICMS, responsável por 60% do financiamento da educação no país), como também pelos desequilíbrios de alocação dos fundos de participação. Assim, alguns estados, já em 2003, teriam uma disponibilidade-aluno-ano de somente R$ 300 enquanto outros atingiriam R$ 1.300 – o que reforça a necessidade de um mecanismo 142 de equalização semelhante ao Valor Mínimo do Fundef, que na PEC 112/96 é o Custo-Aluno-Qualidade. 3. A terceira conclusão é que o impacto financeiro da implantação do Fundeb para a União é muito alto em relação ao que ela tem destinado à sua função supletiva, e mesmo ao que teria disponível na cota de 20% de seus impostos líquidos. Na primeira hipótese, com a adoção dos CAQ plenos, a suplementação chegaria a R$ 30,5 bilhões em 2004, de um total de R$ 75,2 bilhões das despesas com educação básica pública. Na segunda hipótese, com a adoção de CAQ com valores gradativos correspondendo a 75% dos CAQ plenos em 2004, a suplementação chegaria a cerca de R$ 11,4 bilhões. Esta quantia de gasto da União, à primeira vista, parece inviável: 5% dos impostos federais líquidos hoje somariam cerca de R$ 3 bilhões. Mas a PEC prevê outras fontes de recursos, provavelmente oriundos de contribuições sociais. É bom lembrar que somente a CPMF, com alíquota de 0,38% sobre as movimentações financeiras, levanta quase R$ 20 bilhões anuais, em parte gastos com a saúde. E nós já temos a CSLL, a Cofins, o salário-educação e outras. Ademais, o cálculo das receitas do Fundeb neste estudo se baseia numa matriz tributária que tem apresentado um crescimento real inferior ao crescimento previsto dos custos da educação básica, pelo menos no horizonte desse estudo. 4. De qualquer forma, este estudo preliminar não aprofunda as hipóteses de alternativas de receita, sejam federais, estaduais ou municipais. A carga tributária é considerada pesada, mas muitas pessoas, físicas e jurídicas, dela se aliviam por meio de isenções e até mesmo pela sonegação. Por outro lado, há indícios de que vários impostos não atingem seu pleno potencial de arrecadação, como o Imposto Territorial Rural (ITR), o Imposto sobre a Transmissão de Bens e Direitos Causa Mortis (ITCD) e o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). 5. Além disso, as projeções de receita levaram em conta os últimos cinco anos, quando a média de crescimento do PIB foi ligeiramente superior à da população. Se o país entrar num período de maior desenvolvimento econômico, ele refletirá em maior crescimento real de 143 arrecadação, principalmente do IPI, do IR e do ICMS – que respondem por quase 80% dos recursos de impostos da cesta do Fundeb. Por outro lado, se ocorrer o contrário, e o País entrar em um período de estagnação, as dificuldades serão ainda maiores. 6. Finalmente, o presente estudo não fez a análise dos gastos que estariam embutidos nos CAQ, muitos dos quais já estão sendo efetuados com receitas de outra origem que não a dos impostos aqui citados. É urgente, portanto, criar outros cenários de políticas educacionais ou sócioeducativas que são afetadas pela criação do Fundeb: com efeito, hoje o gasto anual por aluno praticado na educação básica com recursos próprios de impostos varia, nos estados, de R$ 300 a R$ 1.300. Incluindo outros recursos, passa para R$ 500 a R$ 1.500. Seria útil analisar a natureza dos recursos e das despesas, no sentido de evoluir para patamares superiores de racionalidade, eficiência e eficácia. O Fundeb nos parece contribuir para que esta massa de informações se torne transparente, na medida em que trata a educação básica na perspectiva da totalidade e da eqüidade. 144 CAPÍTULO 8 DO FUNDEF AO FUNDEB: MUDANÇA E AVANÇO Francisco das Chagas Fernandes * A educação nacional, oferecida pelos estados, Distrito Federal e municípios, especialmente a Educação Básica, constitui um dos grandes desafios a ser enfrentado no contexto das políticas de inclusão social que norteiam as ações do atual governo. A ampliação do alcance do Fundef – o mais importante mecanismo de redistribuição de recursos vinculados à educação - é a principal medida a ser implementada no conjunto das prioridades educacionais presentes, por promover a imediata e efetiva redistribuição dos recursos da educação. A implantação do Fundef a partir de 1998 contribuiu para a ampliação do atendimento apenas no âmbito do ensino fundamental, deixando, porém, à margem do processo de inclusão as crianças em * Secretário de Educação Básica do Ministério da Educação 145 idade escolarizável na educação infantil e os jovens que anualmente batem às portas do ensino médio, numa escala crescente de demanda. O impulso que o Fundef promoveu no segmento do ensino fundamental público é uma das razões desse fenômeno. E desconsiderou a demanda de quase 50 milhões de jovens e adultos que não têm o ensino fundamental completo. Na Educação Infantil, apenas 18,5% da população de zero a seis anos são atendidas nas escolas públicas estaduais e municipais; no ensino fundamental 97% das crianças de 7 a 14 anos estão matriculadas e no ensino médio cerca de 40% dos jovens de 15 a 17 anos são atendidos. O descompasso existente no atendimento dos três níveis de ensino que compõem a educação básica decorre da ausência de uma política que concorra para a indistinta universalização do atendimento, sustentada por mecanismos que assegurem melhoria qualitativa do ensino oferecido, com valorização dos profissionais da educação. O Fundeb vem preencher essa lacuna como mecanismo que incentiva, democratiza e assegura o acesso à Educação Básica. Responsabilidade da União, dos estados e dos municípios A Constituição Federal atribui à União uma responsabilidade direta na garantia do ensino superior, ficando a cargo dos estados, Distrito Federal e municípios o oferecimento da Educação Básica, contudo, sob a ação normativa, supletiva e redistributiva da União, que assegura assistência técnica e financeira a esses entes federados, concorrendo, dessa forma, para a redução das acentuadas desigualdades existentes e para a universalização do ensino, com melhoria qualitativa. É urgente a promoção da eqüidade no tratamento dado a todos os segmentos do ensino que compõem a educação básica, assegurando aos governos estaduais e municipais, pela via da redistribuição dos recursos e pelo aporte de verbas federais suplementares, igualdade na capacidade financeira de promoção do atendimento em todos os níveis de ensino 146 que oferecem e, conseqüentemente, garantindo a todas as crianças e jovens brasileiros igualdade de oportunidades de acesso à educação, independentemente da localização geográfica de suas residências e do ente governamental a que se encontram vinculadas as escolas públicas que irão atendê-los. A atuação dos estados e municípios ocorre de forma diferenciada. Recai sobre os Municípios a quase totalidade do atendimento nas creches (98%), pré-escolas (92%) e 1ª a 4ª série do ensino fundamental (71%). A atuação dos estados concentra-se no ensino médio (97%), 5ª a 8ª série do ensino fundamental (64%) e educação especial (57%). Verifica-se um certo equilíbrio apenas na educação de jovens e adultos, em que municípios e estados atendem, respectivamente, a 48% e 52% dos alunos matriculados, conforme dados do Censo Escolar de 2002. Essa diferenciação de participação no atendimento decorre da divisão de responsabilidades dos entes federados, estabelecida pela Constituição Federal. A proposta de criação do Fundeb mantém essa diferenciação de responsabilidades, nos aspectos estruturais, organizacionais e de gestão dos respectivos sistemas de ensino, porém, promove uma ampla redistribuição dos recursos financeiros vinculados à educação básica, adotando como critério o número de alunos matriculados por nível de ensino no âmbito de cada rede (estadual ou municipal) e a garantia de um investimento mínimo por aluno/ ano, a ser fixado anualmente, que assegure efetivas condições de se alcançar um adequado padrão de qualidade do ensino. Aspectos físico-financeiros Atualmente são atendidos pelo Fundef 32 milhões de alunos. Com a criação do Fundeb, serão atendidos mais de 47 milhões de alunos na educação infantil, no ensino fundamental e médio das redes estaduais e municipais, em todas as modalidades de ensino, inclusive na 147 educação de jovens e adultos, não consideradas na redistribuição dos recursos do atual Fundef. Para viabilizar o atendimento desse contingente, no projeto de criação do Fundeb devem ser asseguradas: (a) a composição do Fundo com os recursos vinculados à educação no âmbito dos Estados, Distrito Federal e Municípios; (b) uma maior participação financeira da União na sua composição, como complementação; (c) a fixação, no âmbito de cada estado e do Distrito Federal, de um valor por aluno/ano diferenciado por nível e modalidade de ensino, associada à garantia de um valor nacional mínimo de investimento que assegure qualidade do ensino. A equalização financeira promovida pelo Fundo, em razão das diferenças, tanto nas participações no atendimento, quanto na composição de custos por nível de ensino, provocará diferenciados impactos financeiros junto aos estados e municípios, em função do grau de participação de cada ente governamental no atendimento do segmento do ensino em que atua de forma predominante. Entretanto, é importante destacar que serão beneficiados aqueles governos que, por um lado, contam com uma reduzida capacidade de financiamento da educação e, por outro, atuam com significativa participação no atendimento aos alunos da Educação Básica. Esse efeito financeiro que se verifica no atual Fundef, e que se propõe também para o Fundeb, decorre da aplicação do mecanismo redistributivo, baseado na transferência dos recursos pelo número de alunos atendidos. A equalização promovida em cada estado, pela redistribuição apenas dos recursos do Governo Estadual e dos seus municípios, entretanto, não é suficiente para promover a necessária redução das desigualdades existentes e a melhoria qualitativa do ensino. Por isso, é fundamental que a União participe financeiramente de forma significativa, em caráter complementar. Recursos adicionais 148 são necessários para alavancar a melhoria e a universalização do atendimento na Educação Básica e minimizar os efeitos da redução de receitas dos entes governamentais “transferidores” de recursos do Fundo. Fundeb – Instrumento de valorização dos trabalhadores em educação A educação é um setor intensivo em mão-de-obra, fazendo com que os custos com pagamento de pessoal representem cerca de 70% dos custos do ensino oferecido pelo poder público. Essa situação há de perdurar por muito tempo, em que pese a evolução tecnológica que, de forma célere, tem contribuído para a introdução de novos recursos didáticos e o aperfeiçoamento dos métodos e técnicas utilizadas no processo ensino-aprendizagem. A presença do professor na sala de aula não apenas continuará necessária, como exigirá dele uma atuação interativa, participativa e atualizada em relação aos avanços e conhecimentos tecnológicos. Além disso, um adequado nível de formação acadêmica, consoante dispõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, ao estabelecer como meta qualitativa para o docente a formação superior para todos aqueles que vierem a ingressar na carreira do magistério. De outro lado, a crescente complexidade das escolas exige outros profissionais habilitados para a educação alimentar, a administração escolar, a manutenção de infra-estruturas operacionais e o manuseio pedagógico de novos recursos tecnológicos. O Governo Federal não assume a responsabilidade de disciplinar a carreira, nem a remuneração dos profissionais da educação nos Estados e Municípios. Entretanto, estabelecer diretrizes é dever da União, em parte já contemplado pelo art. 67 da LDB. Mais ainda: criar condições e referenciais mínimos a serem observados contribuirá para a concretização das medidas que assegurarão a 149 necessária valorização do magistério, particularmente tornando condigna sua remuneração. A legislação do atual Fundef prevê que pelo menos 60% dos recursos do Fundo sejam aplicados na remuneração do magistério em efetivo exercício no ensino fundamental. Essa parcela de recursos permitiu que houvesse, sobretudo no âmbito dos municípios, uma real evolução dos aviltantes e inadmissíveis níveis salariais praticados no passado. Contudo, com a experiência desse Fundo, pode-se constatar que a questão salarial do magistério não logrou êxito com a simples garantia de um limite mínimo de recursos financeiros que assegure a cobertura e a melhoria da remuneração praticada pelos estados, Distrito Federal e municípios. É necessário que, além do limite mínimo de recursos, seja garantido um piso salarial para a categoria, assegurando importante componente da valorização do magistério. O Fundeb deverá prever que pelo menos 80% dos seus recursos sejam destinados à valorização dos professores e demais profissionais da educação, criando condições de propiciar a todos uma formação sólida de nível médio ou superior e uma efetiva elevação da remuneração, pela garantia de piso salarial nacional, a ser regulamentado em Lei específica. Medidas para criação do Fundeb Para criação e implantação do Fundeb faz-se necessário aprovação de Emenda Constitucional, seguida de regulamentação por meio de legislação infraconstitucional. O correspondente projeto de Emenda encontra-se em fase de análise e conclusão no âmbito do Governo, por um Grupo de Trabalho Interministerial criado por Decreto de 21/10/2003, formado por representantes dos Ministérios da Educação, da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão e Casa Civil. 150 PARTE 2 Anexos I – PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 112/1999 Autor: Deputado Padre Roque e outros Art. 1º - É dada nova redação ao inciso IV, do art. 208, da Constituição Federal: “Art. 208 . ....................................................................................................... IV – progressiva universalização da educação infantil, especialmente da pré-escola, com atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;” Art. 2º É dada nova redação ao art. 211 e seus parágrafos da Constituição Federal: “Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão o sistema de ensino em regime de colaboração. § 1º - A União organizará e financiará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, cabendo-lhe oferecer prioritariamente o ensino 153 superior e a educação profissional tecnológica, além de exercer função redistributiva e supletiva em relação aos demais entes da federação, de forma a garantir através de assistência técnica e transferência de recursos financeiros a equalização de oportunidades de acesso à educação e padrão mínimo de qualidade da educação. § 2º - Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. § 3º - Os Municípios atuarão prioritariamente na educação infantil e no ensino fundamental. § 4º - As disposições dos parágrafos 3º e 4º deste artigo se aplicam ao Distrito Federal. § 5º - O sistema de ensino da educação básica será organizado em colaboração entre os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, de modo a assegurar a universalização da educação básica e a garantia do ensino obrigatório. § 6º - A distribuição de responsabilidades e recursos financeiros em educação básica entre a União, os Estados e Municípios, na forma do disposto neste artigo, tomará por base a população de zero a dezessete anos de idade mais a população de jovens e adultos que não teve acesso à educação em idade própria, as matrículas iniciais, a permanência do aluno na escola e as receitas de impostos, nos termos a serem definidos em lei complementar e nos Planos Municipais, Estaduais e Nacional de Educação. § 7º - A assistência financeira da União referida no § 1º deste artigo será feita aos Estados e ao Distrito Federal de acordo com a necessidade de suplementação e equalização dos custos-aluno-qualidade de modo a garantir o padrão mínimo de qualidade. § 8º - As diretrizes para o padrão mínimo de qualidade e para os custos-aluno-qualidade serão definidas na forma da lei complementar prevista no § 6º deste artigo. § 9º - A totalidade dos recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prevista no caput do art. 212, assim como a suplementação destinada ao cumprimento das responsabilidades 154 previstas neste artigo, constituirão Fundos de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica Pública e de Valorização dos Profissionais da Educação, de natureza contábil. § 10º - Dos Fundos previstos no parágrafo anterior, oitenta por cento deverão ser aplicados na valorização dos profissionais da educação, de acordo com o que estabelece o inciso V do art. 206 da Constituição Federal. § 11º - Os Fundos previstos no § 9º deste artigo serão geridos por Conselhos Gestores formados por representação do poder executivo estadual e municipal e da sociedade civil, na forma da lei complementar a que se refere o § 6º deste artigo.” Art. 3º - É dada nova redação ao caput do art. 212 da Constituição Federal: “Art. 212 - A União aplicará, anualmente, nunca menos de vinte por cento, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, nunca menos de vinte e cinco por cento, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. ” Art. 4º - É dada nova redação ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: “Art. 60 - Nos dez primeiros anos da promulgação desta Emenda Constitucional, os Fundos previstos no § 9º do art. 211 da Constituição Federal, com o aporte de outras fontes além daquela estabelecida no caput do art. 212 da Constituição Federal, deverão garantir a eliminação do analfabetismo, a universalização da educação básica e do ensino obrigatório e a garantia da permanência na escola. § 1º - Em igual prazo, as universidades públicas descentralizarão e interiorizarão suas atividades, tendo em vista a expansão de suas vagas. § 2º - Os Estados e Municípios que mantiverem ensino superior, no prazo máximo de cinco anos, somente poderão financiar este nível de ensino com recursos que excederem o previsto no caput do artigo 212. ” 155 Justificação O Projeto de Emenda Constitucional que ora apresentamos cria os Fundos Estaduais de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica Pública e de Valorização dos Profissionais da Educação Básica (Fundeb) visando assegurar a todos os brasileiros o direito à cidadania, corrigindo uma grave distorção na atual política de financiamento da educação brasileira. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef ) criado pela Emenda Constitucional 14 financia apenas o ensino fundamental. distribuindo os recursos entre os estados e seus municípios, na proporção do número de matrículas oferecidas no ensino fundamental, nas respectivas rede de ensino. Inúmeros municípios vinham oferecendo crescentemente o ensino infantil e a educação de jovens e adultos. A partir da implantação do Fundef não tiveram outra opção, a não ser a oferta do ensino fundamental, em detrimento daqueles níveis de ensino, sob pena de perder recursos para o Fundo. Tem sido generalizada a grita por parte de estados e municípios por uma distribuição de recursos mais adequada, de forma a cobrir as necessidades de atendimento da educação infantil, de jovens e adultos e do ensino médio. Considerando a importância da educação infantil na formação e desenvolvimento da criança, possibilitando um melhor aproveitamento do ensino fundamental e seguramente evitando a evasão e a repetência, nossa proposta prevê a progressiva universalização deste nível da educação básica, em especial da educação pré-escolar. Para evitar a dispersão de esforços e garantir o fortalecimento do sistema educacional brasileiro, propomos a organização do sistema de ensino de forma solidária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Esta proposta implica na existência de um Sistema Nacional de Educação que contemple as diversidades 156 regionais e ao mesmo tempo garanta a integralidade de um projeto nacional para a educação brasileira. Nossa proposta prevê, também, a ampliação dos recursos federais para a educação, além de propiciar uma justa distribuição de recursos entre estados e municípios com gestão compartilhada entre estes entes da federação, de tal modo a atender as necessidades de toda a educação básica. Assim, torna-se possível o planejamento em função da realidade regional permitindo atender as diferentes necessidades existentes e eliminar as desigualdades presentes nos estados, além de evitar a competição entre os estados e seus municípios na disputa por recursos traduzidos na oferta de matrículas. A União ficará responsável pela suplementação financeira do Fundeb para garantir a equalização dos “custos-aluno-qualidade” de modo a garantir o padrão mínimo de qualidade a ser definido em lei complementar. A proposta se refere a “custos-aluno-qualidade”, no plural, na medida em que se faz necessário o atendimento das diferentes necessidades de financiamento segundo os diferentes níveis da educação básica. Com a criação do Fundef, ficaram excluídos os professores de educação infantil, do ensino especial e médio e da educação dos jovens e adultos, além dos servidores não docentes da área de educação, uma vez que tal fundo só prevê recursos para pagamento dos professores do ensino fundamental. Nossa proposta pretende resgatar a valorização de todos os professores da educação básica e dos profissionais não docentes, entendendo que sua exclusão é prejudicial à educação. Finalmente, a criação dos Fundos de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação vem resgatar o princípio constitucional da educação, que visa ao pleno desenvolvimento da pessoa. seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Essa Proposta de Emenda Constitucional contempla, também, a questão da ampliação das vagas nas universidades públicas federais e sua interiorização, no sentido de responder a necessidade premente 157 do ensino superior público e gratuito para que possa atender a crescente demanda. Acreditamos que com esta Proposta de Emenda Constitucional estaremos propiciando respostas aos grandes desafios que a educação brasileira enseja. Sala das Sessões, em 02 de setembro de 1999. Avenzoar Arruda Gilmar Machado Babá Maria do Carmo Bem-Hur Ferreira Padre Roque Esther Grossi Pedro Wilson Fernando Marroni Professor Luizinho Iara Bernardi 158 II – PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO PEC 415/2005 Dá nova redação ao § 5o do art. 212 da Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Art. 1º O § 5o do art. 212 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: “§ 5º A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas, na forma da lei.” (NR) Art. 2º O art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 60. Até 31 de dezembro de 2019, o Distrito Federal, os Estados e os seus Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal à manutenção e ao desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação, respeitadas as seguintes disposições: 159 I - a distribuição de responsabilidades e recursos entre o Distrito Federal, os Estados e os seus Municípios, a ser concretizada com parte dos recursos definidos neste artigo, na forma do disposto no art. 211 da Constituição Federal, é assegurada mediante a criação, no âmbito do Distrito Federal e de cada Estado, de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - Fundeb, de natureza contábil; II - os Fundos referidos no inciso I serão constituídos por vinte por cento dos recursos a que se referem os arts. 155, incisos I, II e III; 157, incisos I e II; 158, incisos I, II, III e IV; e 159, inciso I, alíneas “a” e “b”, e inciso II, da Constituição Federal, e distribuídos entre o Distrito Federal, cada Estado e seus Municípios, proporcionalmente ao número de alunos das diversas etapas e modalidades da educação básica, matriculados nas respectivas redes de educação básica; III - a lei disporá sobre a organização dos Fundos, a distribuição proporcional de seus recursos, as diferenças e ponderações quanto ao valor anual por aluno entre etapas e modalidades da educação básica e tipos de estabelecimento de ensino, a fiscalização e o controle dos Fundos, bem como quanto à forma de cálculo do valor anual mínimo por aluno, observadas as garantias estabelecidas nos incisos I, II e III do art. 208 da Constituição Federal e as metas de universalização para a educação básica estabelecidas no plano nacional de educação; IV - a União complementará os recursos dos Fundos a que se refere o inciso II, sempre que, no Distrito Federal e em cada Estado, o valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente; V - a complementação de que trata o inciso IV será de R$ 4.300.000.000,00 (quatro bilhões e trezentos milhões de reais), a partir do quarto ano de vigência dos Fundos, observados, nos três primeiros anos, os critérios estabelecidos na lei de que trata o inciso III; VI - a vinculação de recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino estabelecida no art. 212 da Constituição Federal suportará, no máximo, trinta por cento da complementação da União, considerando-se, para os fins deste inciso, o valor previsto no inciso V; e 160 VII - proporção não inferior a sessenta por cento dos recursos de cada Fundo referido no inciso I será destinada ao pagamento dos profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício. § 1º Para efeito da distribuição de recursos dos Fundos a que se refere o inciso II do caput, levar-se-á em conta a totalidade das matrículas no ensino fundamental e considerar-se-á, para a pré-escola, para o ensino médio e para a educação de jovens e adultos, um quarto das matrículas no primeiro ano de vigência dos Fundos, metade das matrículas no segundo ano, três quartos das matrículas no terceiro ano e a totalidade das matrículas a partir do quarto ano. § 2º A porcentagem dos recursos de constituição dos Fundos, conforme o inciso II do caput, será alcançada gradativamente nos primeiros quatro anos de vigência dos Fundos, da seguinte forma: I - no caso dos impostos e transferências constantes dos arts. 155, inciso II; 158, inciso IV; 159, inciso I, alíneas “a” e “b”, e inciso II, da Constituição Federal: a) dezesseis inteiros e vinte e cinco centésimos por cento, no primeiro ano; b) dezessete inteiros e cinco décimos por cento, no segundo ano; c) dezoito inteiros e setenta e cinco centésimos por cento, no terceiro ano; e d) vinte por cento, a partir do quarto ano; II - no caso dos impostos e transferências constantes dos arts. 155, incisos I e III; 157, incisos I e II; 158, incisos I, II e III, da Constituição Federal: a) cinco por cento, no primeiro ano; b) dez por cento, no segundo ano; c) quinze por cento, no terceiro ano; e d) vinte por cento, a partir do quarto ano. § 3º A complementação da União será realizada mediante redução permanente de outras despesas, inclusive redução de despesas de custeio, observadas as metas fiscais e os limites de despesas correntes fixados na lei de diretrizes orçamentárias. 161 § 4º Ato do Poder Executivo disporá sobre a correção anual do valor a que se refere o inciso V do caput, de forma a preservar o valor real da complementação da União.” (NR) Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua promulgação, mantidos os efeitos do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias conforme estabelecido pela Emenda Constitucional no 14, de 1996, até o início da vigência dos Fundos nos termos desta Emenda Constitucional. E.M. Nº 019/2005-MEC Brasília. 162 III – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO MINISTRO TARSO GENRO À PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL(PEC) 415 Brasília, 12 de maio de 2005. Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Temos a honra de submeter à elevada consideração de Vossa Excelência a anexa minuta de Proposta de Emenda à Constituição Federal de 1988 prevendo a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - Fundeb, em substituição ao atual Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - Fundef. I. Importância e Prioridade do Fundeb 1. A questão da educação nacional oferecida pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, especialmente a educação básica, 163 constitui um dos grandes desafios a ser enfrentado no contexto da política de inclusão social que norteia as ações do atual Governo. A ampliação do alcance do Fundeb - o mais importante mecanismo de redistribuição de recursos vinculados à educação - representa a principal medida a ser implementada no conjunto das prioridades educacionais presentes, por constituir-se em instrumento de imediata, efetiva e ampla redistribuição dos recursos disponíveis destinados ao financiamento da educação básica no País. 2. A implantação do Fundef a partir de 1998 visou apenas ao ensino fundamental, deixando à margem do processo de inclusão educacional os jovens e adultos que não tiveram acesso à escola na idade própria, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio, bem como as crianças em idade para a educação infantil e todos os jovens que anualmente batem às portas do ensino médio, em uma demanda de escala crescente nos últimos anos - como reflexo da política, positiva, porém segmentada e incompleta, representada pelo Fundef. II. Educação Básica: Diagnóstico Presente 3. Os indicadores educacionais do país revelam que muito se caminhou desde 1988, quando a Constituição Federal definiu a educação básica como um dever do Estado e um direito do cidadão. Verifica-se que, no período de 1988 a 2002, na rede pública de ensino, as matrículas cresceram 59% na pré-escola; 37% no ensino fundamental; 232% no ensino médio; e 80% na educação superior. Não obstante esses avanços, os desafios que se colocam são ainda maiores quando se pensa em assegurar aos brasileiros uma educação com padrões mínimos de qualidade, que ofereça condições igualitárias de acesso e permanência, independentemente da etnia e da classe social do cidadão, da vinculação administrativa da escola e da região, cidade ou bairro que tenha escolhido para morar. 4. No ano 2002, o país apresentava uma taxa de analfabetismo de 11,8% na faixa etária de jovens acima de 15 anos, quando esse índice é de 3,2% na Argentina; 4,2% no Chile e 8,8% no México. 164 Considerando os diferentes segmentos da população, as desigualdades se acentuam e verificamos que a taxa de analfabetismo entre negros e pardos é duas vezes superior à dos brancos; entre os que moram na zona rural é três vezes maior que a verificada na população urbana e, finalmente, entre os que ganham até um salário mínimo, a taxa é vinte vezes maior que entre os que ganham mais de dez salários mínimos. Além disso, constata-se que 35% dos analfabetos brasileiros já freqüentaram a escola e não puderam nela permanecer. 5. Outro grande problema da educação brasileira se refere ao acesso. Apenas 9,4% das crianças de até 3 anos de idade possuem atendimento escolar (quando o Plano Nacional de Educação - PNE, aprovado pela Lei no 10.172, de 9 de janeiro de 2001, aponta para um atendimento de 50% em 10 anos) e, na faixa de 4 a 6 anos, este índice é de 61,4%. Mesmo na faixa etária obrigatória (de 7 a 14 anos), temos ainda cerca de 1 milhão de crianças fora da escola. Na faixa de 15 a 17 anos, cuja meta é a universalização, a taxa de atendimento é de 83%. 6. Além do desafio do acesso, há o da permanência. De cada 100 alunos que ingressam no ensino fundamental a expectativa é que apenas 57 concluam este nível de ensino. Aqui, mais uma vez, verificam-se as disparidades existentes no sistema educacional, pois considerando a população ocupada, enquanto os brancos concluem em média 8 séries de estudo, este número é de apenas 5,7 séries concluídas por negros e pardos. 7. Quanto à infra-estrutura dos estabelecimentos de ensino, constata-se que nas escolas do ensino fundamental, em 2003, apenas 54% possuíam biblioteca, 16% laboratório de ciências, 26% laboratório de informática e 29% acesso à internet. Na rede privada estes índices são, respectivamente, 87%, 58%, 75% e 76%, mostrando, de um lado, a disparidade entre as duas redes e, de outro, que as escolas públicas deixam a desejar no que se refere às condições de infra-estrutura. 8. Nos aspectos qualitativos, a presença de professores habilitados e motivados é condição básica para um ensino de qualidade. Neste sentido o Brasil conseguiu avançar na redução do número de professores 165 sem a habilitação legal mínima para lecionar, porém ainda prevalece uma situação de difícil aceitação. O percentual de professores leigos, em 2002, foi de 5,7% para os que atuam entre a 1ª e a 4ª série da educação básica, e de 32% para os que lecionam de 5ª à 8ª série. Regionalmente são grandes as disparidades existentes, pois enquanto o índice de professores de 5ª à 8ª série com licenciatura é de 83% na região Sudeste, no Norte é a metade. 9. Relativamente aos salários, apesar dos recentes avanços, particularmente nas regiões mais carentes, pouco há que se comemorar. Pesquisa feita pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep, com base nos dados da PNAD do IBGE de 2001, mostra que um professor que atua no nível médio ganha, em média, R$ 866,00, valor que representa 57% da remuneração de um policial civil; 34% do que ganha um delegado, ou um advogado e 10% do que ganha em média um juiz de direito. Também nessa questão, ainda são grandes as disparidades regionais, visto que um professor de 1ª à 4ª série do Nordeste ganha, em média, R$ 293,00, a metade do que recebe seu colega do Sudeste. 10. Quanto às condições de trabalho, observa-se um dado agravante: na rede municipal, que hoje atende mais da metade dos alunos do ensino fundamental, a relação de alunos por turma saltou, entre 1994 e 2002, de 25,4 para 27,1. 11. Quando se observa o desempenho dos alunos, os números também são preocupantes, ante a constatação de que apenas 4,8% dos alunos da 4ª série obtiveram, no SAEB de 2003, estágio de proficiência considerado adequado; 18,7% obtiveram um desempenho considerado muito crítico (sem habilidade de leitura); e 37% crítico (lêem de forma truncada, apenas frases simples). Tem-se também que, em 2003, 33,9% dos alunos do ensino fundamental e 49,3%, do ensino médio estão fora da série considerada adequada para sua idade. 12. Diante desse quadro absolutamente alarmante, é preciso ir além do Fundef, buscando eliminar os problemas existentes e o descompasso verificado no atendimento dos três níveis de ensino que 166 compõem a educação básica. Tal descompasso decorre da ausência de uma política que promova a universalização indistinta do atendimento, sustentada por mecanismos que assegurem a melhoria qualitativa do ensino oferecido, com valorização dos profissionais da educação. O Fundeb vem preencher essa lacuna como mecanismo que incentiva, democratiza e assegura o acesso à educação básica. III. Responsabilidade da União, dos Estados e dos Municípios 13. A Constituição Federal atribui à União responsabilidade direta pela garantia do ensino superior, ficando a cargo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios assegurar a educação básica - sob, contudo, a ação normativa, supletiva e redistributiva da União, que assegura assistência técnica e financeira aos entes federados. Dessa forma, todas as unidades federadas concorrem para a universalização do ensino com melhoria qualitativa e para a redução das acentuadas desigualdades existentes. É urgente, pois, a promoção da eqüidade no tratamento dado a todos os segmentos do ensino que compõem a educação básica, assegurando aos Governos Estaduais e Municipais, pela via da redistribuição dos recursos e pelo incremento do aporte de recursos federais suplementares, igualdade na capacidade financeira de promoção do atendimento à educação básica e, conseqüentemente, garantindo a todas as crianças e jovens brasileiros, igualdade de oportunidades de acesso à educação, independentemente de localização geográfica e do ente governamental a que se vinculam as escolas públicas que irão atendê-los. 14. É importante destacar que a atuação dos Estados e Municípios, no âmbito da educação básica, ocorre de forma diferenciada, cabendo aos Municípios a predominância do atendimento nas creches (98%), pré-escolas (93%) e de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental (73%); enquanto a atuação dos Estados é concentrada no ensino médio (98%), de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental (61%) e educação especial (55%); ocorrendo um certo equilíbrio apenas na educação de jovens e adultos, em que Municípios e Estados atendem, 167 respectivamente, 47% e 53% dos alunos matriculados, conforme dados do Censo Escolar de 2003. 15. Essa diferenciação no atendimento decorre da própria divisão de responsabilidades dos entes federados imposta pela Constituição Federal. A proposta que ora encaminhamos não altera essa distribuição de responsabilidades precípuas, no que diz respeito aos aspectos organizacionais e de gestão dos respectivos sistemas de ensino, mas promove, porém, uma ampla redistribuição dos recursos financeiros vinculados à educação básica, adotando como critério, o número de alunos matriculados por nível de ensino no âmbito de cada rede (estadual ou municipal) e a garantia de um investimento mínimo por aluno/ano por parte da União, a ser fixado anualmente, que assegure condições de se alcançar um adequado padrão de qualidade do ensino. 16. É importante destacar que as receitas provenientes de impostos arrecadados, geridos e aplicados pelos Municípios, por não se constituírem receitas compartilhadas com os Estados, continuarão vinculados à educação, com aplicação em favor da educação básica oferecida pelos respectivos Municípios, porém sem trânsito pelo Fundeb. O montante das receitas dos impostos municipais (IPTU, ISS e ITBI) apresenta uma grande concentração da sua arrecadação nos Municípios de médio e grande porte, de sorte que dos R$19 bilhões arrecadados em 2003, cerca de R$9 bilhões (49%) foram arrecadados pelos Municípios das capitais e R$ 4 bilhões (21%) somente pelo Município de São Paulo. 17. Não é por outra razão que, de um lado, tais impostos não constituem fonte de recursos do Fundeb e, de outro lado, a distribuição dos recursos pretende contemplar apenas a pré-escola. Consoante os dados do Inep, 75% das matrículas em creches estão concentrados em apenas 25% dos Municípios - sua inclusão, sem contrapartida de financiamento municipal, acarretaria uma inevitável distorção na repartição de competências federativas. Não obstante, à medida em que os impostos municipais não integrarão o Fundeb, remanescendo, nessa medida, para aplicação exclusiva em âmbito local, os Municípios que mantêm creches sob sua gestão não terão prejuízo algum. 168 18. Com a excessiva concentração tributária, a inclusão das receitas municipais no Fundeb provocaria um indesejável movimento de recursos dos Municípios mais organizados e empenhados na geração dessas receitas, para os Municípios que, por razões variadas (inclusive por falta de iniciativas e de esforço), apresentam baixa ou nenhuma geração de recursos próprios. Ou seja, os entes governamentais que não se empenham em arrecadar, não apenas seriam incentivados a manterem tal postura como seriam financiados por aqueles que se esforçam e arrecadam os impostos que pela Constituição Federal lhes competem arrecadar. 19. Não obstante, a lei de regulamentação do Fundeb deverá prever, após os primeiros quatro anos de vigência do novo Fundo (um período de transição, como explicado logo mais), a realização de um Fórum Nacional da Educação Básica, pelo Ministério da Educação, com representantes de todas as esferas da federação, a fim de avaliar, dentre outros temas, a vinculação dos impostos municipais ao Fundo a fim de financiar o atendimento nas creches. 20. Nesse sentido, o Fundeb, na forma consubstanciada na anexa Proposta de Emenda Constitucional, será composto por 20% (vinte por cento) das receitas de impostos e transferências dos Estados e de Distrito Federal e por uma complementação por parte da União, assegurada quando, no âmbito de cada Estado, o valor mínimo por aluno/ano não alcançar o valor mínimo definido nacionalmente, cuja definição será objeto de oportuna regulamentação na legislação infraconstitucional e fixação com periodicidade anual. 21. Com essa participação dos entes governamentais na formação do Fundo, calcula-se que o montante da contribuição dos Estados e Distrito Federal alcançará cerca de R$ 38,5 bilhões em 2005 e a dos Municípios R$ 18,0 bilhões, totalizando R$ 56,5 bilhões. Para que a União, por sua vez, possa assegurar sua participação nos recursos necessários ao Fundo, sua complementação será definida constitucionalmente no montante de R$ 4,3 bilhões de reais, alcançados 169 gradualmente, em quatro anos. Com isso, inverte-se a atual lógica restritiva do Fundef conforme a qual se condiciona a complementação da União à definição do mínimo nacional - pressionada sempre para baixo. Assegurada a complementação da União, o valor mínimo nacional será então fixado - o que impulsionará o valor mínimo por aluno para um patamar superior. 22. Isso permitirá significativo aporte anual, pela União, no financiamento de programas e projetos educacionais e da assistência financeira a Estados, Distrito Federal e Municípios, a título de complementação ao Fundeb, aumentando tanto quantitativamente quanto qualitativamente o fluxo de recursos destinados à educação básica, atendendo a uma demanda histórica do País. IV. Efeitos Físico-Financeiros junto aos Estados e aos Municípios 23. Esse mecanismo de equalização financeira, em razão das diferenças - tanto nas participações no atendimento quanto na composição dos custos por nível de ensino - provoca diversificados impactos financeiros junto aos Estados e aos Municípios, em função do grau de participação de cada ente governamental no atendimento do segmento do ensino em que atua de forma predominante. Entretanto, é importante destacar que serão beneficiados aqueles Governos que, por um lado, contam com uma reduzida capacidade de financiamento da educação e, por outro, apresentam uma elevada participação no atendimento dos alunos da educação básica no âmbito do Estado a que pertencem. 24. Esse imediato e positivo efeito financeiro decorrerá da aplicação do mecanismo redistributivo baseado na transferência dos recursos em função do número efetivo de matrículas. A equalização promovida em cada Estado, pela redistribuição apenas dos recursos dos Governos Estaduais e de seus Municípios, entretanto, não é suficiente para promover a necessária redução das desigualdades regionais e a melhoria qualitativa da educação básica. Por isso é de fundamental importância a garantia de um investimento mínimo por aluno que 170 assegure padrão de qualidade do ensino, para o que é determinante a participação financeira da União em caráter complementar ao Fundo, impondo que sejam aportados recursos adicionais para alavancar a melhoria e a universalização do atendimento na educação básica, minimizando os efeitos da redução de receitas dos entes governamentais (principalmente estaduais) “transferidores” de recursos. 25. A criação do Fundeb, contemplando toda a educação básica, fará com que os efeitos negativos representados pelas reduções de receitas, sobretudo dos Governos Estaduais, sejam atenuados: (1) pela inclusão dos alunos da educação infantil e do ensino médio, com reflexo direto na redistribuição dos recursos; (2) pela inclusão, no Fundo, de 20% de impostos e transferências dos Estados; e (3) pela garantia de um investimento mínimo nacional por aluno/ano que assegure qualidade no ensino em conseqüência de significativa complementação dos recursos do Fundo com novos aportes da União. 26. Essa nova dimensão financeira alcançada pelo Fundeb será acompanhada de um crescimento de 53% do contingente de beneficiários, que passarão dos atuais 31 milhões de alunos do ensino fundamental para 48 milhões de matrículas na educação básica (dados de 2003). É importante destacar que esse novo universo do Fundeb desenha um cenário com favoráveis perspectivas em favor da melhoria do atendimento, com significativos avanços nas taxas de escolarização, a curto e médio prazo, principalmente no segmento da educação infantil e do ensino médio. Pelas projeções realizadas, tomando-se como referência o comportamento das matrículas nos últimos exercícios, associado às tendências e metas de evolução futuras, haverá um crescimento no número de alunos da educação básica, entre 2003 e 2007, da ordem de 16%, com evolução mais acentuada nas matrículas dos segmentos não alcançados pelo atual Fundef, com destaque para a creche e a educação de jovens e adultos - que têm perspectiva de crescimento acima de 100% no período. Na educação especial e no ensino médio, a previsão supera os 40% de crescimento nas matrículas. A seu turno, para o ensino fundamental, a perspectiva é de redução da 171 ordem de 25% no segmento da 1ª a 4ª série acompanhada de um crescimento aproximado de 15% entre a 5ª e a 8ª série. V. Aplicação dos Recursos do Fundeb 27. A educação é um setor intensivo em mão-de-obra, fazendo com que os custos com pagamento de pessoal representem mais da metade dos custos do ensino oferecido pelo poder público. Essa situação há de perdurar por muito tempo, em que pese a evolução tecnológica que, de forma célere, tem contribuído para a introdução de novos recursos didáticos e o aperfeiçoamento dos métodos e técnicas utilizadas no processo ensino-aprendizagem. 28. A presença do professor em sala de aula não apenas continuará a ser necessária, como exigirá desse profissional uma atuação tanto mais interativa e participativa quanto mais atualizada em relação aos avanços e conhecimentos tecnológicos, além de um adequado nível de formação acadêmica, consoante dispõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, ao estabelecer como meta qualitativa para o docente a formação superior para todos aqueles que vierem a ingressar na carreira do magistério. 29. O Governo Federal não assume a responsabilidade de disciplinar a carreira, nem a remuneração dos profissionais da educação nos Estados e Municípios. Entretanto, estabelecer diretrizes é dever da União, em parte já contemplado pelo art. 67 da LDB. Mais ainda: criar condições e referenciais mínimos a serem observados contribuirá para a concretização das medidas que assegurarão a necessária valorização do magistério, particularmente tornando condigna sua remuneração. 30. O restante dos recursos deverá ser aplicado pelos Estados e Municípios em ações variadas de manutenção e desenvolvimento da educação básica, de conformidade com as diretrizes, políticas e prioridades educacionais de cada ente governamental. Considerando, entretanto, que parte das despesas com educação são realizadas pelos Governos Estaduais na manutenção de instituições de ensino 172 superior, a proposta ora apresentada atrela a distribuição dos recursos do Fundeb ao número de alunos da educação básica, de forma compatível com a responsabilidade de atuação delineada para os Estados e Distrito Federal, na forma do disposto no art. 211, § 3o, da Constituição Federal. VI. Valor Mínimo por Aluno/Ano 31. O Fundeb promoverá um novo realinhamento nas finanças públicas dos Estados, Distrito Federal e Municípios, a partir de uma ampla redistribuição dos recursos vinculados à educação, permitindo a esses entes federados condições de assegurar universalização do atendimento em todos os segmentos da educação básica, mediante garantia de um investimento mínimo por aluno, por nível de ensino, que permita a necessária elevação do padrão de qualidade do ensino oferecido. 32. Os parâmetros a serem considerados para definição do valor mínimo nacional por aluno/ano serão estabelecidos em lei. Entretanto, obedecerão a um critério que estabeleça as necessárias diferenciações entre as etapas ou modalidades da educação básica, em função dos diferenciados custos existentes, constituindo-se num instrumento de incentivo e priorização de atendimento de um ou outro segmento desse nível de ensino, em função das metas e objetivos pretendidos. 33. É importante mencionar que para o primeiro ano de vigência desse novo Fundo, será fixado um valor mínimo nacional por aluno/ano, que assegure, em relação ao ensino fundamental, um ganho real significativo em relação ao valor mínimo praticado no atual Fundef. De forma idêntica, para os Estados onde o valor per capita seja superior ao valor mínimo, o mesmo tratamento será observado, fazendo com que o marco inicial do Fundeb tenha como referência os avanços e melhorias que foram asseguradas pelo atual Fundef, incorporando-os e dando início a um novo e importante passo, desta feita privilegiando todo o ensino básico. 173 34. Para os anos seguintes à implantação do Fundo, o valor mínimo nacional será objeto de definição a partir de estudos técnicos de custo aluno, a ser periodicamente realizado pelo MEC, com o objetivo de identificar e atualizar as reais diferenças de valores a serem consideradas na sua fixação. VII. Implantação Gradual do Fundeb 35. Em função da significativa mudança quantitativa e qualitativa na cesta de recursos que comporão o Fundeb, sua implementação é gradual, progressiva nos primeiros quatro anos de vigência do Fundo. É possível apontar três grandes mudanças do Fundeb em relação ao atual Fundef: (1) a primeira diz respeito ao repasse de recursos vinculados às matrículas, como já mencionado; (2) a segunda diz respeito ao incremento tanto da cesta de impostos que compõem o Fundeb quanto da porcentagem dessa cesta destinada ao Fundo (de 15% para 20% de uma cesta de impostos muito mais abrangente); e, finalmente, (3) a significativa mudança nos parâmetros de orientação da complementação dos recursos do Fundo pela União. 36. Justamente pelo impacto financeiro de tais medidas, a anexa minuta de Proposta de Emenda à Constituição traz “regras de implementação gradual”, por assim dizer. A primeira delas, prevista no § 1o do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, estabelece que, afora o ensino fundamental regular, todos os outros níveis de ensino da educação básica, inclusive a modalidade de educação de jovens e adultos, serão considerados gradualmente, à razão de um quarto das matrículas ao ano. 37. De outro lado, tanto o aumento dos impostos a serem vertidos ao Fundeb, bem como o aumento da porcentagem de composição do Fundo, sugerem uma implementação gradual, como previsto no § 2o desse mesmo artigo do (ADCT): a passagem dos 15% dos recursos do atual Fundef para os 20% do Fundeb (abrangendo mais impostos e transferências), é, outrossim, atingida em quatro anos: de um lado, com relação aos impostos e transferências que atualmente compõem 174 o Fundef, o incremento será alcançado com um aumento anual à razão de 1,25%; e, de outro lado, com relação aos impostos e transferências adicionais, o incremento será realizado à razão de 5% ao ano. Isso permite que Estados e Municípios tenham quatro anos para conciliar suas matrículas em educação básica com os recursos destinados ao Fundeb a fim de que um aumento na demanda seja acompanhado por um aumento no financiamento. 38. Por fim, o aumento de financiamento para a educação básica garantido pela complementação da União será igualmente atingido em quatro anos (ADCT, art. 60, V): a complementação da União será de R$ 4.300.000,00 (quatro bilhões e trezentos milhões de reais) a partir do quarto ano de vigência do Fundo. A lei prevista no inciso III definirá o escalonamento para a complementação da União, que será de R$ 1.900.000.000,00 (um bilhão e novecentos milhões de reais) no primeiro ano, R$ 2.700.000,00 (dois bilhões e setecentos milhões de reais) no segundo ano, R$ 3.500.000,00 (três bilhões e quinhentos milhões de reais) no terceiro ano, alcançando seu valor total a partir do quarto ano de vigência do Fundo. 39. Vale ressaltar, ainda, que no máximo 30% (trinta por cento) dessa complementação da União poderá ser suportado pela vinculação constitucional de recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino prevista no art. 212 da Constituição Federal. O compromisso de complementação pela União obrigará ainda a oportuna revisão de outras vinculações de receita ou obrigações de gasto de forma a abrir espaço fiscal para a parcela da complementação da União que não será suportada pela vinculação constitucional para a educação. 40. Com isso, pretende-se ampliar enormemente o número de matrículas a serem consideradas, bem como os recursos para o financiamento - quer por parte dos entes federados, quer por parte da União. As regras transitórias asseguram uma passagem controlada do Fundef ao Fundeb, de maneira a equalizar o sistema nacional de financiamento da educação básica no Brasil. 175 Estas, Senhor Presidente, são as razões que justificam o encaminhamento da presente minuta de Proposta de Emenda à Constituição, que ora submetemos à elevada consideração de Vossa Excelência. Respeitosamente, Tarso Fernando Herz Genro 176 IV– PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 40/95 A Assembléia Legislativa Decreta: Art. 1º - O Fundo Estadual de Educação - FEE -, instituído pelo Art. 260 da Constituição do Estado da Bahia, tem por finalidade prover recursos para o fortalecimento das ações do Estado na área de educação, abrangendo; I - manutenção e expansão do sistema público estadual de ensino; II - capacitação de recursos humanos para área de Educação; Art. 2º - Constituem recursos do FEE: I - Cota-parte da contribuição social do salário-educação destinada ao Estado da Bahia; II - 10% (dez por cento) dos recursos definidos pelo Art. 212 da Constituição Federal, receita resultante de impostos e transferências; III - O produto da alienação dos bens imóveis do Estado, que reverterá, como receita, ao FEE; IV - 40% (quarenta por cento) da receita oriunda da alienação dos bens imóveis do Estado; 177 V - Dotação orçamentária consignada, anualmente, no Orçamento do Estado, a título de integralização do FEE, em montante correspondente ao mínimo de 10% (dez por cento) da despesa orçada com Pessoal e Encargos Sociais da Secretaria de Educação; VI - Os recursos oriundos das agências do Governo Federal e de entidades internacionais ou estrangeiras com destinação à Educação; VII - Doações, subvenções, legados e contribuições ou quaisquer outras transferências de pessoas físicas ou jurídicas do direito público ou privado; VIII - receitas de valores mobiliários; IX - recursos de outras fontes. §1º - A Secretaria da Fazenda efetuará, mensalmente, o depósito das quantias correspondentes aos recursos previstos neste artigo em conta bancária especial sob a denominação " FUNDO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO ", no Baneb – Banco do Estado da Bahia S/A. §2º - Os recursos do FEE serão destinados, exclusivamente, para repasses às unidades executoras dos Projetos/Atividades da área de Educação, na forma definida pelo Art. 1o. §3º - Fica vedada a utilização de recursos oriundos do FEE para atender às despesas com Pessoal e Encargos Sociais da Secretaria de Educação e às destinadas à manutenção de suas unidades administrativas. Art. 3º - O FEE terá contabilidade própria. Art. 4º - O saldo positivo do FEE, apurado em balanço, em cada exercício financeiro, será transferido para o exercício seguinte a crédito do mesmo Fundo. Art. 5º - Da aplicação dos recursos do FEE, serão prestadas contas ao Tribunal de Contas do Estado, conforme dispõe a legislação específica. Art. 6º - O FEE será administrado por um Conselho Deliberativo e por um secretário executivo. Art. 7º - Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a criar o cargo de Secretário Executivo do FEE, Símbolo NH-3, integrante do quadro da Secretaria de Educação. 178 Art. 8º - O Poder Executivo regulamentará a presente lei, no prazo de 30 (trinta) dias. Art. 9º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Sala das Sessões, 20 de fevereiro de 1995. Deputada Maria José Rocha. Justificação A necessidade de regulamentação e funcionamento do FEE Fundo Estadual da Educação - tem sido objeto de discussão em todos os fóruns de reformas educacionais. Criado pela Constituição baiana de 1989, Art. 260, o FEE se encontra com letra morta, à espera de uma decisão do Poder Executivo no sentido de regulamentá-lo e, à falta dessa iniciativa, achamos por bem levar à frente, essa bandeira, não obstante sabermos dos argumentos contrários que podem ser articulados a cerca de inconstitucionalidades relativas ao impedimento do Parlamento de legislar sobre matéria financeira que sirva, pelo menos, de alerta ao Governo do Estado, que tem a obrigação de tomar para si o presente projeto e colocar a educação no lugar que merece: a prioridade número um de uma sociedade. O presente projeto é fruto do trabalho do grupo que elaborou Plandeba - Plano Decenal de Educação -, cujo objetivo é erradicar o analfabetismo em 10 anos, desenvolver o ensino de 1o e 2o graus e valorizar os profissionais de educação. Esse trabalho foi publicado pela Fundação João de Souza Góes, no número 11 do Caderno de Assuntos Municipais. O FEE tem por finalidade garantir o fortalecimento das ações educacionais, abrangendo a manutenção e expansão do Sistema Público Estadual de Ensino, e as ações de capacitação de recursos humanos. A regulamentação do FEE visa estabelecer, na Bahia, uma política própria de financiamento do investimento em 179 educação, tonando-o independente de repasses Federais e empréstimos bancários, como assinala a publicação da Fundação João de Souza Góes. Durante a elaboração da Constituição de 1989, retomamos as idéias do grande educador Anísio Teixeira, que dizia, em certo momento: "Essa nova escola pública - menina dos olhos de todas as verdadeiras democracias - não poderá existir no Brasil se não mudarmos a nossa orientação a respeito dos orçamentos do ensino público." E acrescenta: "Precisamos constituir fundos para a instrução pública que estejam não só ao abrigo das contingências orçamentárias normais, como também permitam acréscimos sucessivos, independentemente das oscilações de critério político de nossos administradores." Assim, o estabelecimento do Fundo Estadual visará à racionalização na aplicação dos recursos destinados à Educação, evitando os desvios de qualquer natureza. Além da proteção às verbas, o FEE possibilitará a redistribuição justa dos recursos aos municípios baianos, obedecendo a critérios de demanda de vagas, índice de analfabetismo, custoaluno etc. E atenderá a mais nova exigência do Governo Federal: o repasse criterioso e direto dos recursos educacionais às escolas, garantindo autonomia financeira às unidades de ensino e evitando desvios e perda de verbas na máquina burocrática. A regulamentação e o funcionamento do FEE contribuirão para a gestão democrática da educação, a partir da transparência na aplicação dos recursos e direção colegiada do mesmo. É necessário destacar que o FEE, tão almejado pelos educadores brasileiros, passa a ser uma imposição objetiva da atual política do Ministério da Educação e da nova LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que propõe a gestão democrática da educação. Sala das Sessões, 20 de fevereiro de 1995. Deputada Maria José Rocha.