REFLEXÕES DO COTIDIANO AUXILIADAS PELO PROGRAMA CHEMISTRY OF LIFE Carla Eliana Todero Ritter – [email protected] Faculdade de Tecnologia- FTEC Rua Gustavo Ramos Sehbe, 107 CEP 95012-669- Caxias do Sul - RS Resumo: Metodologias que primem pela reflexão, participação e associação de conceitos estimulam os estudantes a explorarem os saberes de forma mais ativa. O uso do programa de computador Chemistry of life na disciplina de Química na Engenharia trouxe significativo avanço na discussão reflexiva e explicação de fenômenos do cotidiano, bem como no comprometimento do estudante com a sua formação. Palavras-chave: Chemistry of life, Química, ensino reflexivo 1. INTRODUÇÃO Os estudantes egressos do Ensino Médio que chegam ao Ensino Superior apresentam lacunas conceituais em Química, não relacionando os fenômenos cotidianos aos conceitos teóricos. Uma das maneiras de estimular a observação, comparação e análise de situações pelos estudantes é através do uso de tecnologias na educação que visam aproximar o educando ao conhecimento que muitas vezes não pode ser reproduzido em laboratório. Os programas de computadores dentro da sala de aula aprimoram o ensino, pois atraem e motivam os estudantes a aprender, aumentam a produtividade e eficiência dentro de laboratórios, a exploração e experimentação são encorajadas, aumenta-se a capacidade de compreensão e memorização devido à rapidez de realimentação de informações, o aprendizado visual é identificado e os programas de computador permite aos estudantes a aprendizagem e o desenvolvimento autodidático (Vicinguera, 2002). Associada ao uso de programas, a aprendizagem eficaz se faz através de um ensino reflexivo que contempla o diálogo aberto entre professor e estudante e cria um ciclo sucessivo de instrução, ação, reflexão na ação e reflexão sobre a ação. Isso permite ao estudante evoluir de uma situação inicial de imitar e seguir os passos do professor e progressivamente modificar o seu comportamento até agir reflexivamente por conta própria. O professor, por outro lado, parte de uma atitude diretiva, passando em seguida para outra, orientativa (Shon, 1987). Hand e Choi (2010) acentuam a necessidade da prática de novas metodologias para que o aluno represente o entendimento de suas atividades práticas e não simplesmente aceitem o conhecimento pronto e estático. Corroborando com essa ideia, a discussão de problemas reais de engenharia na disciplina de Química possibilita a familiarização ao conhecimento científico, associando-os em mapas conceituais e a proposta de soluções a esses problemas pelos alunos demonstrou-se uma maneira significativa de ensinar e aprender (Ritter, 2011). Assim, este artigo tem como objetivo analisar como o uso do programa de computador Chemistry of life favoreceu a aprendizagem de conceitos químicos na disciplina de Química nos cursos de Engenharia. 2. DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE A atividade foi realizada em uma turma de estudantes que cursaram a disciplina de Química, ofertada no primeiro semestre dos cursos de Engenharia Civil, Mecânica e de Produção. A turma era composta por alunos com idade entre 19 e 40 anos, todos trabalhadores diurnos e que cursavam as disciplinas à noite e no sábado de manhã. Dos estudantes da turma, apenas 10% trabalhavam na área que estavam realizando o curso, sendo os demais trabalhadores de áreas distintas ao do curso de Engenharia. O programa de computador utilizado para a atividade reflexiva é um complemento anexo ao livro Chemistry of life de Robert M. Thornton publicado pela Benjamin/Cummings, New York, US (1998). Este programa estrutura-se em vários tópicos como, por exemplo, átomo, água, moléculas orgânicas, bioquímica, química inorgância e apresenta complementos relacionados à aplicação desses conceitos na prática cotidiana. Todo o programa tem narrativa oral em inglês, entretanto, durante a atividade, as descrições foram realizadas pela professora. Para a turma de Química foram trabalhados os tópicos referentes ao Átomo e a Água em dois momentos durante o primeiro mês de aula do semestre. A atividade baseou-se na discussão de conceitos que estão presentes em situações do cotidiano. Os questionamentos iniciais foram realizados através de perguntas diretas como as que seguem: Por que a descoberta de fósseis só pode ser datada através do uso de átomos específicos? Por que a água congela no congelador e a cerveja não? Por que o suor é um aliado na redução da febre? Por que podemos dissolver sal na água e não podemos diluir óleo com água? Por que a água evapora a 100oC e o etanol a 78oC? Por que ao aproximar uma caneta atritada em lã a um filete de água ocorre um desvio na trajetória do jato? Os critérios para a seleção das perguntas foram: pertencimento ao universo de conhecimento de todos os alunos, passível de resposta parcial sem o uso de bibliografia, questionáveis em relação ao conceito, possibilidade de reflexão e associação a outros fenômenos. Após este questionamento, os estudantes visualizaram, sem a explicação da professora, cada um dos tópicos do programa. A partir dessas observações e das intervenções da professora, os alunos explicaram química ou fisicamente cada uma das abordagens, citando os conceitos implícitos nas figuras. A discussão entre os estudantes foi estimulada pela professora quando alguma explicação não estava coerente. Após dois meses de realização da atividade foram realizados alguns questionamentos individuais e por escrito para os alunos com o objetivo de verificar se a interação entre o conhecimento discutido e apresentado de maneira interativa foi significativo. O questionamento escrito que serviu para coleta de dados para este artigo foi estruturado com perguntas diretas contendo figuras do programa, solicitando aos alunos a associação a conceitos físicos e químicos que estavam envolvidos com a estrutura atômica, ligações químicas interatômicas e interações intermoleculares. 3- RESULTADOS E DISCUSSÃO A partir do levantamento inicial do perfil da turma constatou-se que 30% dos estudantes concluíram o Ensino Médio há 10 anos e os jovens egressos do Ensino Médio apresentavam lacunas no aprendizado relacionado aos conceitos químicos. Assim, optou-se em discutir alguns conceitos com o auxílio do programa Chemistry of life, uma vez que esse apresenta animações, facilitando a observação dinâmica e deduções. Em relação à questão referente à datação de fósseis e a relação entre do número de nêutrons e a radioatividade, a maioria dos alunos entrevistados (70%) não respondeu a questão, demonstrando que o conceito não foi completamente associado e/ou não representou significância. Quando questionados sobre a solubilidade em água de algumas substâncias e observando algumas figuras do programa (Figura 1), os alunos conseguiram relacionar corretamente as mesmas com os conceitos discutidos. Os conceitos de polaridade foram associados às Figuras 1A e 1C, entretanto não houve relação com o título da figura, Eletronegatividade. Quando questionados quais os conceitos relacionados à Figura 1B, 80% dos alunos associaram corretamente, entretanto somente citaram o conceito, não as exemplificando ou explicando-as (Tabela 1). Sobre essa interação aluno-conteúdo, Kolb (1984) destaca quatro estágios da aprendizagem: experiência concreta onde os estudantes envolvem-se completa ou parcialmente com novas experiências; experiência reflexiva, onde os aprendizes examinam diferentes expectativas; a abstrata e a lógica, onde os estudantes resolvem problemas e tomam decisões. A B C Figura 1- Imagens do programa Chemistry of life, cujos conceitos foram discutidos em aula. Durante a reflexão realizada em aula sobre a Figura 1, a observação da animação da solubilidade das substâncias polares em água, os alunos destacaram o comportamento distinto das apolares e associaram a atividade prática realizada previamente em laboratório sobre solubilidade de sólidos e líquidos em água. Os modelos utilizados no programa estimularam a discussão entre as afirmações dos estudantes e à medida que as conclusões eram escritas no quadro pelo professor, novas interações orais eram realizadas. O objetivo da ciência é produzir viáveis explicações para os fenômenos e para isso a ciência utiliza uma grande variedade de modelos e teorias. Para isso, os professores desempenham um papel importante como explicadores de fenômenos científicos, fornecendo explicações que são significativa, ilustrativas, e adaptadas para os alunos (Mortimer & Scott, 2003). Tabela 1- Conceitos citados pelos alunos associados a Figura 1B Conceito relacionado a Figura 1B Percentual de respostas (%) Ligações químicas 30 Átomo 30 Interações intermoleculares 20 Não responderam 20 A observação da Figura 2A esteve relacionada com ligações intermoleculares para 30% dos estudantes e também à pergunta inicial referente ao fato da cerveja não congelar à temperatura do congelador. Dos estudantes que responderam o questionamento escrito, 50% associaram a geometria molecular à presença de elétrons livres no átomo central conforme Figura 2B. O questionamento realizado pela professora durante a atividade permitiu que os estudantes concluíssem acerca dos assuntos abordados. Algumas vezes foi necessário questionar de maneira mais intensa o grupo de estudantes para que conceitos como polaridade, geometria molecular e interações moleculares fossem revisitados. A educação, segundo Perrenoud, deve ter a construção de competências como objetivo. Entretanto, construir competências não significa desconsiderar os conhecimentos. Sem conhecimentos, não há competência (Perrenoud, 1998). Quando solicitados a explicar o fato de um filete de água ser atraído por um campo elétrico e apresentada a Figura 2B, as respostas foram classificadas em dois grupos. O primeiro grupo de respostas possuía simplesmente o conceito sem explicação posterior indicando restrita associação entre o conteúdo teórico e a aplicação prática, como por exemplo, o que foi escrito pelo estudante A e foi transcrito abaixo. “ A figura (Figura 2 B) refere-se a molécula de água” Já o segundo grupo possuía além das respostas, comentários referentes ao assunto, como transcrito do estudante B: “O figura (Figura 2 B) está relacionada a polaridade da água e o par de elétrons livres produz a atração da água com o campo elétrico”. A B Figura 2 Imagens do programa Chemistry of life, cujos conceitos foram discutidos em aula. Nesta etapa da atividade a participação oral e ativa dos estudantes foi um aspecto a ser destacado, uma vez que os questionamentos romperam a fronteira da sala de aula. Os estudantes questionaram sobre diversas outras situações do cotidiano e também enfrentadas no ambiente de trabalho. A participação dos estudantes foi maior do que a observada em outros momentos onde o estudante apenas tem ação passiva na sua formação, reforçando novamente que a metodologia baseada em problematização, associada ao uso do programa de computador, evidencia maior associação entre conteúdos teóricos e aplicação prática. A ênfase na interpretação e no julgamento das considerações dos colegas e da professora criou um ambiente favorável à participação e consequentemente, faz com que o estudante percebase responsável pela sua formação. Cabe salientar que o ensino não fragmentado da realidade proporciona maior eficácia. Stefani & Tsaparlis (2009) salientam que a fragmentação do conhecimento desempenha um papel na má compreensão. Ensinar pedaços do conhecimento sem focar nas interligações entre os mesmos pode ser uma das causas do baixo índice de aprendizagem. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O uso de programa de computador Chemistry of life nas aulas de Química mostrou-se um aliado na aprendizagem. A partir dos conceitos trabalhados em aula com o uso do programa, os estudantes responderam questões referentes aos assuntos: átomo, ligações químicas e interações intermoleculares de maneira reflexiva e ativa. O fazer pedagógico baseado na problematização, participação e comprometimento do estudante promove o desenvolvimento de habilidades essenciais para o engenheiro. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS HAND, B.; CHOI, A. Examining the Impact of Student Use of Multiple Modal Representations in Constructing Arguments in Organic Chemistry Laboratory Classes. Res Sci Educ, 40:29–44.DOI 10.1007/s11165-009-9155-8, 2010. KOLB, D. A. Experimental learning: experience as a source of learning and development. Prentice-Hall, New Jersey, 1984. MORTIMER, E.F.; SCOTT, P. Meaning making in secondary science classroom. Maidenhead: Open University Press, 2003. PERRENOUD, P. Contruire des comp¶etences, est-ce tourner le dos aux savoirs? Resonances. Mensuel de l école valaisanne, Vol. , No. 3, p. 3-7, 1998. RITTER, C.E.T. Problemas reais de Engenharia em Química Básica.XXXIX Congresso Brasileiro do Ensino de Engenharia. Blumenau.SC, 2011. SCHON, D. A. Educating the Reflective Practioner: Toward a New Design for Teaching and Learning in Professions. Jossey-Bass Inc., San Francisco, USA, 1 edição, 1987. STEFANI, C.; TSAPARLIS, G. Students’ Levels of Explanations, Models, and Misconceptions in Basic Quantum Chemistry: A Phenomenographic Study. Journal of Research in science teaching. Vol. 46, no. 5, p. 520–536, 2009. VICINGUERA, Maria Lúcia Fidel. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. O uso de computador auxiliando no ensino de Química. 2002. 132p.Dissertação de mestrado. REFLECTIONS DAILY STIMULATED BY THE SOFTWARE CHEMISTRY OF LIFE Abstract: Methodology that excel by reflection, participation and association of concepts encourage students to explore the knowledge more actively. The use of the computer program Chemistry of life in Chemistry in Engineering discipline brought significant advances in reflective discussion and explanation of phenomena of everyday. Key-words: Chemistry of Life, Chemistry, reflective teaching