EN DIRECTOR Pe. José Mario O. Mandía | ANO 68 | Nº 17 | 11 de SETEMBRO de 2015 | SEXTA-FEIRA PT EN CH EDIÇÃO TRILINGUE | TRILINGUAL EDITION | SEMANÁRIO CATÓLICO DE MACAU | PREÇO 12.00 Mop www.oclarim.com.mo DESTAQUE PÁGs. 2 Jogo: concessões inalteráveis LOCAL PÁG. 5 E 3 PROFESSOR JAVIER CUERVO DÁ RECEITA PARA O IMPACTO ECONÓMICO DA CHINA EM MACAU Integração a par da diversificação Fé Católica na “Macau 5.0” LOCAL PÁG. 5 Crise democrata OPINIÃO PÁG. 8 ENTREVISTA PÁG. 4 D E S TAQ U E O CLARIM | Semanário Católico de Macau | SEXTA-FEIRA | 11 de Setembro de 2015 2 PT REGRESSO ÀS AULAS CRIANÇAS Valores, Tolerância e Assertividade RITA BRUNO A transmissão de valores é uma das missões parentais. A partilha, o respeito para com o outro, a honestidade, a verdade são alguns dos valores que muitos pais procuram passar aos seus filhos com o objectivo de os verem tornar-se boas pessoas. E como se faz essa passagem? Como se ensina as crianças a serem boas para os outros e a exigir o mesmo para si? A ideia de os pais transmitirem valores aos filhos parece tão consensual que não se pensa neste acto educativo como passível de dúvidas e necessidade de estarmos conscientes. Até nos vermos confrontados com uma tensão entre os nossos valores e os de terceiros. Muito embora haja uma tendência para encarar os valores como universais, cada família tem a sua dinâmica e os pais não valorizam todos a mesma coisa da mesma maneira. Por vezes até há valores partilhados, mas que são passados de maneiras diferentes em cada família. Por isso, é provável que em algum momento nos vejamos perante uma situação de confronto de valores entre os nossos filhos e os filhos dos outros. Entre um “empresta o brinquedo” e um “o brinquedo é do menino”, entre um “não se bate” e um “ele bateu-me” é preciso tolerância, discernimento, coerência e assertividade. Uma atitude de rejeição imediata dos outros, por exemplo, não transmitirá respeito e tolerância. Uma atitude de alteração do procedimento que ensinamos trará confusão. Como manter o nosso ensinamento S E M A N Á R I O C C AT Ó L I C O D D E D M A C AU sem desrespeitar o dos outros? Como obedecer aos nossos valores fazendo valer os nossos direitos? Mais do que uma cartilha de frases bonitas e feitas que se vão debitando ao jeito de um ditado para decorar, os valores transmitem-se por observação do modelo. Inês Afonso Marques, psicóloga coordenadora da área infanto-juvenil da Oficina de Psicologia, explica via correio electrónico que «o modo como os pais se relacionam com as outras pessoas, como ajudam, manifestam desagrado, toleram, aceitam os outros e a realidade serve de exemplo à forma como a criança integrará os valores» e essa passagem de valores dependerá dos valores que os pais conheçam. Luís Félix Marques, também psicólogo e que exerce parte da sua actividade em contexto de creche e jardim de infância acrescenta que, para além de a «passagem dessa formação dever ser antes de mais pela própria postura e pela forma que pai e mãe têm de estar no mundo», os valores não podem ser passados DIRECTOR: Pe. José Mario O. Mandía I ADMINISTRADOR: Alberto Santos | ASSISTENTE DA ADMINISTRAÇÃO: Wong Sao Ieng I EDITOR: José Miguel Encarnação I EDITOR-ADJUNTO:Benedict Keith Ip | REDACÇÃO: Pedro Daniel Oliveira, Joaquim Magalhães de Castro (Grande Repórter) I SECRETARIADO DA REDACÇÃO E FOTOGRAFIA: Ana Marques I TRADUÇÃO: May Shiu-Ling Ho | COLABORAÇÃO: João Santos Gomes, Pe. João Eleutério, Carlos Frota, Luís Barreira, José Pinto Coelho, Vítor Teixeira, Manuel dos Santos, Oswald Vas, Padres Claretianos I DIRECÇÃO GRÁFICA: Miguel Augusto I PAGINAÇÃO: Lei Sui Kiang I PROPRIEDADE: Diocese de Macau MORADA: Rua do Campo, Edf. Ngan Fai, Nº 151, 1º G, Macau I TELEFONE: 28573860 - FAX: 28307867 I URL: www.oclarim.com.mo I E-MAIL: [email protected] I IMPRESSÃO: Tipografia Welfare Ltd. D E S TAQ U E O CLARIM | Semanário Católico de Macau | SEXTA-FEIRA | 11 de Setembro de 2015 3 PT TEXTOS: FAMÍLIA CRISTÃ por um modelo de “aula” ou cartilha, não só porque não surte efeito se não for acompanhada pelo exemplo, mas também porque os valores não são totalmente estanques e, entrando em confronto uns com os outros, poderá ser necessário fazer adaptações. «Isto do comunicar valores não é uma grelha, penso que é mais uma continuidade» e um avaliar das situações, defende Luís Félix Marques. «Os valores não se passam como uma aula. Os valores [passam-se] perante as situações. Se seguirmos uma cartilha, vamos errar, porque esta não tem a maleabilidade da realidade». A multiplicidade das situações do dia-a-dia exige dos pais coerência e tolerância. A primeira é importante para que as crianças se sintam seguras. A segunda ensina para o respeito pelos outros. Como se equilibra então esta coerência de valores com tolerância? A tolerância é um valor que as crianças poderão aprender sem que os pais sejam incoerentes. É possível aos pais fazer a criança entender que os valores transmitidos são os que eles consideram importantes, mas que existem diferenças entre as pessoas. «Desde que devidamente enquadrada a situação, estamos a contribuir para o treino da tolerância. Este tipo de “cedência” não é “conivência” ou acordo. Os meus valores mantêm-se, são é diferentes dos da outra pessoa...», exemplifica a psicóloga. Utilizando um exemplo prático, não é incoerente que um pai incite o seu filho a partilhar e que respeite um terceiro menino que não o quer fazer. Inês Afonso Marques defende que «assinalar que o brinquedo é de outra criança nada tem de negativo, desde que não haja uma proibição associada. Ou seja, um pai salientar que o brinquedo é de outro menino e que isso implica um pedido, para emprestar ou para brincar, é positivo e constitui uma forma de passagem de valores». Perante a situação descrita haveria incoerência se «a postura [fosse] do tipo “tu deves emprestar as tuas coisas, mas não podes brincar com as dos outros”», clarifica. Também Luís Félix Marques – que realçou a maleabilidade da realidade, em que por vezes até podemos ter de adaptar a “intensidade” de um valor mediante situações diferentes – considera que os pais podem manter a coerência e até reforçar o valor quando ensinam, por exemplo, os filhos a partilhar e depois, ao serem cobrados porque um terceiro menino não faz o mesmo, lhes explicam que mesmo tendo de respeitar a vontade do menino em não emprestar o brinquedo, os pais consideram que a partilha que lhe ensinaram continua a ser o que eles lhe querem transmitir. Diferente será se por existirem terceiros envolvidos os pais não mantiverem o seu ensinamento ou se os fizerem adoptar um comportamento contrário por se sentirem intimidados por esses mesmos terceiros. «Porque está ali o pai de outro menino anulo o que estou a explicar?», questiona Luís Félix Marques. Se fizer isso, «estou a ser inseguro, incoerente, medroso e estou a transmitir uma coisa que ele não me perdoa, a insegurança», afiança. E como ensinar à criança que ser boa não significa ser passiva? Luís Félix Marques explica que, no caso de crianças mais pequenas, ajuda-se a criança a perceber que os seus valores implicam respeito por si e pelos seus direitos, observando, sinalizando as situações e explicando que “isto não se faz”. Quando as situações vão sendo sinalizadas, as crianças, mesmo pequenas, vão tendo noção dos limites dos seus direitos e dos outros. «Os meninos, antes dos dois anos, vê-se na sala de um ano para os dois, têm a sua ética e a sua moral. Veem a educadora repreender um [deles] e têm noção de que há uma barreira que o amiguinho transgrediu», ilustra o psicólogo. Outros dois aspectos, interligados, são o desenvolvimento emocional e a assertividade, descrevem os dois psicólogos, apontando como exemplo prático a capacidade de as crianças entenderem e gerirem as suas frustrações e de as exprimirem. «Ajudar a criança no seu desenvolvimento emocional, explorando como se sente com a situação e ajudando-a a encontrar formas de gerir as emoções que surgem (por exemplo, a zanga ou tristeza porque o outro se recusa a emprestar um brinquedo)», explica a psicóloga, é uma maneira de as ajudar na aprendizagem de valores e na sua gestão. E com esses ensinamentos, os pais estão a contribuir para a assertividade, isto é, «ajudando a criança a perceber que é importante defender os seus direitos e expressar os seus pensamentos e sentimentos de forma clara, respeitando o ponto de vista do outro. É diferente quando uma criança a quem batem não faz nada, de uma criança a quem batem que consegue dizer “Pára. Não gosto quando me fazes isso”», exemplifica Inês Afonso Marques. Neste campo, Luís Félix Marques acrescenta ainda dois ensinamentos que considera serem úteis na interiorização de valores e direitos. O primeiro é a capacidade de dizer não. «É das primeiras palavras que as crianças aprendem», afirma, e os pais podem ajuda-las a utilizá-lo correctamente. Esta capacidade de dizer não será útil para que as crianças saibam respeitar não só o espaço e os valores dos outros, mas também respeitem os seus, impondo limites aos outros. «As crianças têm de ter essa aprendizagem de impor limites aos outros». Também neste aspecto, continua o psicólogo, ajudará se a postura dos pais servir de modelo. E também aqui o estar atento, o ver se a criança se consegue exprimir e ser equilibrada no que diz respeito à tolerância para com os outros e dos outros para consigo. Porque tal como os valores, entre os quais se encontram a tolerância e o respeito, a assertividade também se aprende. MUDAR DE ESCOLA Medo ou Oportunidade? ISABEL FIGUEIRAS (*) O seu filho vai mudar de escola. Escolheu uma área de estudos que só existe numa escola e os seus amigos vão todos para outra escola. Está a ser difícil? Saiba como o pode ajudar. Nos últimos tempos o seu filho tem andado mais irritado ou mais isolado, com um comportamento estranho. Tem evitado os amigos ou só quer estar com eles como se não houvesse amanhã. Gostaria de o ajudar, mas não sabe como. Em primeiro lugar, é útil reflectir sobre a sua forma de encarar a mudança. Fica com medo? Promove a mudança na sua vida? Evita-a o mais possível? Quando ela acontece sem ser decisão sua, como reage? Numa mudança, seja ela de que tipo for, deixamos para trás alguns hábitos, pessoas ou objectos e adquirimos novos hábitos, conhecemos novas pessoas ou obtemos novos objectos. A questão é que as nossas diferenças como seres humanos, as situações em questão ou a fase da vida em que nos encontramos podem proporcionar diferentes atitudes perante a mudança. Nestes momentos podem surgir muitas dúvidas e as incertezas fazem-nos hesitar. E chega o medo. Então, o nosso cérebro vai buscar todos os benefícios de manter as coisas como estão. Muitas vezes são só benefícios secundários. Esta mudança na vida do seu filho tem duas vertentes, duas áreas da vida que são muito importantes: os amigos (que acaba por ser uma realidade mais imediata) e o seu futuro profissional (que ainda está longe). Talvez não adiante dizer que a sua vida dá muitas voltas e que é natural o afastamento entre os amigos devido às opções de vida de cada um. Ajudemo-lo a pensar. Pode pedirlhe que descreva os dois cenários: um na escola com os amigos e no curso que não escolheu e outro na escola nova com novos colegas, vindos também de outras escolas, no curso de que gosta. Peça que ele seja o mais pormenorizado que consiga. Que benefícios ou malefícios poderão trazer ambos os cenários? O que de pior podia acontecer em cada um dos cenários? E de melhor? O que gostaria que acontecesse? Se alguém que o seu filho tem em grande consideração estivesse na situação dele, o que acha que essa pessoa faria? De que é que realmente tem medo? De ser rejeitado? De se sentir sozinho? Que oportunidades de mudança positiva se apresentam aos seus olhos? Se queremos mudar o que sentimos em relação a alguma coisa que estamos a vivenciar, temos de mudar o nosso foco. Em que está a focar? Nos medos ou nas oportunidades? Há sempre várias perspectivas perante a mesma situação. José Maria Fonseca, coach, no seu Curso Crescer para Ser Feliz, apresenta uma pequena história que considero interessante para reflectir sobre o medo. Havia dois cantores que antes de entrarem no palco sentiam um frenesim interno muito grande. Eles tinham reacções completamente diferentes e ninguém percebia muito bem porquê. Os dois cantores tinham o mesmo agente e este estava intrigado com a situação. Um dia resolveu tentar perceber melhor o que se passava, foi ter com um deles e perguntou: «– O que é que sentes imediatamente antes de entrar no palco?» Ele respondeu: «– Sinto-me tenso, sinto o coração a começar a acelerar, sinto a respiração a acelerar, começo a entrar em stresse, as minhas mãos começam a suar...» «– E depois? O que fazes?», perguntou o agente. «– Nessa altura eu sei que estou com a adrenalina no máximo e que estou no ponto certo para entrar no palco e dar o melhor de mim a todas as pessoas que lá estão à minha espera!» No outro dia, o agente foi falar com o outro cantor e fez exactamente as mesmas perguntas. «– O que é que sentes imediatamente antes de entrar no palco?» Ele respondeu: «– Sinto-me tenso, sinto o coração a começar a acelerar, sinto a respiração a acelerar, começo a entrar em stresse, as minhas mãos começam a suar...» «– E depois? O que fazes?», perguntou o agente. «– Nessa altura eu sei que estou a ter um ataque de pânico e vou-me embora!» (*) ex-professora do Ensino Secundário E N T R E V I S TA O CLARIM | Semanário Católico de Macau | SEXTA-FEIRA | 11 de Setembro de 2015 4 PT PROFESSOR JAVIER CUERVO DÁ RECEITA PARA O IMPACTO ECONÓMICO DA CHINA EM MACAU Integração a par da diversificação PEDRO DANIEL OLIVEIRA [email protected] Apesar da crise bolsita na China, Javier Cuervo está confiante num bom desempenho económico do gigante asiático. Ao invés dos Estados Unidos, os países que mais sofrem com a instabilidade são o Brasil, a Rússia, a Austrália e a Alemanha. Quanto a Macau, o professor-assistente de Gestão de Empresas na UMAC salienta que há o duplo desafio das operadoras de Jogo não dependerem de quem chega do outro lado das Portas do Cerco e de captarem turistas do Sul e do Sudeste Asiático. Sobre o Governo da RAEM, tem de criar condições e incentivos para fazer face à nova realidade, sendo «a diversificação» económica «e a integração» no continente chinês «duas respostas para a queda de receitas». O CLARIM – O mundo ocidental e os países asiáticos estão em alerta máximo por causa da crise do mercado bolsita na China. Há razão para as economias mais poderosas estarem preocupadas? JAVIER CUERVO – Havendo volatilidade, há incerteza. E onde há incerteza há adiamento de decisões que são tomadas por homens de negócios, investidores e multinacionais estrangeiras, sem esquecer os empresários do continente chinês. Não tomam decisões e preferem que o mercado estabilize, pois não conseguem medir o risco das suas decisões. É algo significativo ao nível do emprego e dos investimentos. CL – Que previsão para a economia chinesa? J.C. – A previsão do PIB para o corrente ano está num bom nível, a rondar o crescimento de 7%. Trata-se de um bom desempenho se compararmos com outras economias mundiais. O mais importante são as estatísticas das exportações chinesas, que decaíram. Os países mais afectados são os que mais dependem do crescimento económico da China, tais como o Brasil (exporta soja e outros bens alimentares), a Rússia (petróleo), a Austrália (minerais) e a Alemanha (equipamento especializado, sendo o país da União Europeia que mais investe na China). CL – E os Estados Unidos? J.C. – A economia americana é mais Ana Cecília Marques resiliente no sentido de estar mais diversificada e interligada com outros países à volta do mundo. Além disso, tem um grande apoio do sector empresarial no próprio país. Já algumas nações do Sudeste Asiático estão mais ligadas ao comércio e ao investimento com a RPC. Não tem sido, por exemplo, o caso das Filipinas, que é muito dependente de dois sectores não muito relacionados com a China: os “call centers” e as remessas dos filipinos no estrangeiro. CL – Que diferenças entre esta crise e a que resultou com a falência da instituição financeira norte-americana Lehman Brothers, em 2008? J.C. – A crise na China é mais um problema interno que se deve ao facto das exportações liderarem o crescimento económico. O “crash” bolsita norte-americano de 2008 esteve relacionado com o que considero ter sido a atribuição de créditos excessivos e de empréstimos imprudentes. Também havia a falta de regulação de alguns produtos financeiros de alto risco. Nos Estados Unidos há o espírito empresarial e uma economia de mercado. Ambas ajudam sempre à recu- peração económica quando o País está em crise, sendo esta uma forte característica dos Estados Unidos. Na China, a retoma económica tem um forte pendor governamental. Julgo que o Poder Central terá agora, mais do que nunca, que investir nos sectores dos transportes e tecnologia, entre outros. CL – O decréscimo de receitas brutas nos casinos de Macau é benéfica para a economia local? J.C. – Antes desta queda de receitas havia o problema da capacidade de Macau em acolher tantas pessoas, dos preços excessivamente altos no mercado imobiliário, da falta de infra-estruturas para servir tantos turistas, etc. Face à actual situação a economia de Macau é forçada a diversificar-se e integrar-se cada vez mais na China. São disso exemplo os projectos na Ilha da Montanha, entre outros lugares do continente chinês. Haverá cada vez mais empresários de Macau que terão necessidade de investir e fazer negócios noutras partes da China. A diversificação e a integração são duas respostas importantes para a queda de receitas. A situação deverá melhorar para as PME, em termos do mercado laboral. Espero que as rendas baixem porque nada justifica que os preços continuem altos. É algo crucial para as PME. CL – Quais os desafios? J.C. – Para quem opera na indústria do Jogo tem definitivamente pela frente o grande desafio de atrair potenciais clientes fora do mercado VIP. Não é ainda um problema, mas é certamente um desafio à gestão das operadoras, que não devem estar muito dependentes dos turistas do continente chinês porque há que encontrar formas de atrair cidadãos de outros países do Sul e do Sudeste Asiático. CL – A diversificação não foi ainda materializada na sua plenitude pelo Governo de Macau. Nem tudo pode depender do sector privado... J.C. – O Governo pode criar condições e incentivos. Julgo que agora se está a esforçar ainda mais porque a situação criou oportunidades para as pessoas serem criativas. Estou esperançado que Macau encontre soluções para a diversificação e seja solidária com os que mais sofrem com a crise. O CLARIM | Semanário Católico de Macau | SEXTA-FEIRA | 11 de Setembro de 2015 5 PT LOCAL REJEITADA NÃO REATRIBUIÇÃO DE LICENÇAS DO JOGO ÀS ACTUAIS OPERADORAS Especulação teórica O advogado Óscar Alberto Madureira e o assessor jurídico Fernando Vitória afirmaram a’O CLARIM que a hipotética não atribuição de uma licença a alguma operadora em actividade na indústria do Jogo não terá efeitos catastróficos para o Governo da RAEM. «Em última análise, nos termos da lei e dos contratos de concessão e subconcessão, as áreas e os equipamentos de Jogo revertem para o Governo de Macau. Em termos teóricos, a RAEM estará na disponibilidade de operar essas áreas de Jogo e respectivos equipamentos no dia imediatamente a seguir ao termo da concessão. Até ver, para além da própria operadora, que poderá ter um grande prejuízo se não lhe for atribuída uma nova licença, não vejo grandes problemas em termos práticos», disse Óscar Madureira. A ideia foi secundada por Fernando Vitória. «Em termos estritamente legais, o que se passa é como se nada tivesse acontecido, porque no dia seguinte ao termo da concessão estará tudo preparado para a nova operadora “pegar” no equipamento e espaço de Jogo e começar a explorar o casino. A ideia é que a Região não pode ficar sem as receitas do Jogo, porque são essenciais», referiu o assessor jurídico da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), descrevendo a situação «apenas como especulação teórica». Por enquanto, ainda reina muita indefinição quanto ao futuro. «Não sabemos o que poderá acontecer quando as licenças expirarem [entre 2020 e 2022]. Presentemente, a lei prevê uma prorrogação anual dos termos dos contratos até ao limite máximo de cinco anos. É esse o cenário próximo e expectável até essas datas. Se não houver alguma alteração da legislação, terá que haver um novo concurso público internacional para a atribuição das novas licenças de Jogo», frisou Óscar Madureira. As declarações de ambos foram proferidas a propósito do lançamento do livro em co-autoria, intitulado “Direito do Jogo em Macau. Evolução, História e Legislação”, que decorrerá na próxima terça-feira na Fundação Rui Cunha. A obra, com a chancela do CRED-DM, inclui um conjunto organizado de legislação e regulamentos sobre o Jogo em Macau, a sua História no território e um glossário com a principal terminologia usada no sector. «Não se trata de um manual eminentemente académico. A mais valia deste livro é permitir que um profissional possa levá-lo para uma reunião ou consultá-lo como instrumento útil de trabalho no seu escritório ou no dia-a-dia, pois além da legislação e de regulamentos, também inclui os contratos de concessão e as instruções da DICJ», explicou Óscar Madureira. «A obra também tem grande utilidade para o senhores juízes e advogados que não tenham formação de base no Direito do Jogo. Por força da especificidade desta actividade podem encontrar no glossário o significado de certos conceitos, palavras ou expressões, cuja terminologia tem muitas vezes um significado muito próprio», anotou ainda. «Neste âmbito, tentámos dar uma perspectiva do que há para além do que está legislado, havendo no glossário referência aos termos usados e como surgiram», concluiu Fernando Vitória. PEDRO DANIEL OLIVEIRA ORIENTE E OCIDENTE NO LIVRO FOTOGRÁFICO DE GONÇALO LOBO PINHEIRO Fé Católica na “Macau 5.0” A obra de Gonçalo Lobo Pinheiro intitulada “Macau 5.0” traça o percurso de cinco anos de vivências do fotojornalista no território, onde chegou a 9 de Setembro de 2010. A efeméride foi ontem assinalada com o lançamento do livro e inauguração da exposição de fotografia da sua autoria, na Chancelaria do Consulado Geral de Macau e Hong Kong. Entre as 314 fotografias a preto e branco que compõem a obra trilingue (Português, Chi- nês tradicional e Inglês), com edição limitada a mil exemplares, estão vários registos ligados a manifestações católicas tiradas pela objectiva de Lobo Pinheiro. «O fio condutor deste livro é Macau. Portanto, as fotos abrangem a cultura, as tradições, as pessoas, o património, a gastronomia e o desporto. Tenho festas chinesas e de cariz ocidental, incluindo no último caso alguns momentos de celebrações católicas, como as procissões de Nosso Senhor dos Passos e do 13 de Maio, além das igrejas de São Lázaro, de São Lourenço, da Penha, de São Domingos...», explicou. «A minha passagem por Macau não me deixa indiferente. Não quero que seja uma passagem efémera, porque gostaria de deixar um documento sobre a minha visão do território. Obviamente, estando cá há cinco anos, e sem saber quantos mais ficarei, seria de todo justo que pudesse oferecer a Macau este meu trabalho», esclareceu ainda o autor. P.D.O. ALENTO PARA QUEM MAIS PRECISA – As Missionárias da Caridade festejam o Dia da Madre Teresa de Calcutá da melhor forma que sabem fazer: junto dos mais desfavorecidos. Palavras de reconforto e esperança na celebração eucarística, e convívio à mesa para quem pouco tem nesta vida, marcaram a acção que decorreu nas instalações da congregação na Ilha Verde. LOCAL O CLARIM | Semanário Católico de Macau | SEXTA-FEIRA | 11 de Setembro de 2015 6 PT CONHECER AS LEIS DE MACAU Alteração ao regime de reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais (Primeira parte) A época de tufões em Macau começa todos os anos em Maio e acaba em Outubro. No entanto, quando é hasteado o sinal de tempestade tropical igual ou superior ao n.º 8, muitos trabalhadores em Macau ainda têm que se deslocar para o local de trabalho, para prestar serviço. Para oferecer maior protecção aos trabalhadores e aperfeiçoar e clarificar o mecanismo e procedimentos de reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, foi publicada em 29 de Agosto no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau a Lei n.º 6/2015 (Alteração ao regime de reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais), que entrará em vigor em 29 de Agosto. Nesta lei, foram aditadas algumas situações que podiam ser enquadradas no conceito de “acidentes de trabalho”, incluindo acidentes ocorridos com os trabalhadores no percurso de ida para ou regresso do local de trabalho durante o período em que está hasteado o sinal de tempestade tropical igual ou superior ao n.º 8, com vista a providenciar uma maior protecção aos trabalhadores. GARANTIAS NO PERÍODO DE TUFÕES Nos termos da lei vigente, caso for exigido ao trabalhador apresentar-se ao emprego durante o período em que está hasteado o sinal de tempestade tropical igual ou superior ao n.º 8 e ocorrer acidente no percurso de ida e volta entre a sua residência e o local de trabalho, o trabalhador não é coberto pelo regime de reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, a não ser que esteja a viajar em meio de transporte providenciado pela entidade patronal. Atendendo que o trabalhador se desloca para o local de trabalho a solicitação da entidade patronal, correndo um risco especial em tempo de tufões e considerando que muitos sectores de actividades em Macau precisam de assegurar a prestação de serviço sem interrupção 24 horas seguidas (por exemplo, casinos, hotéis e hospitais), e os trabalhadores são obrigados a prestar serviço quando está hasteado o sinal igual ou superior ao n.º 8, há que oferecer a estes profissionais maior protecção. Assim, nos termos da nova lei, no percurso directo de ida e volta entre a residência do trabalhador e o local de trabalho, quando ocorrer acidente durante o período em que estiver hasteado um sinal de tempestade tropical igual ou superior ao n.º 8, dentro de três horas antes do início ou depois do termo do seu tempo de trabalho, é também considerado “aciden- te de trabalho”. A norma que determina “dentro de três horas antes do início ou depois do termo do seu tempo de trabalho” tem em especial consideração que na véspera ou logo depois de hastear o sinal n.º 8, é possível ocorrer situações caóticas no trânsito (por exemplo, abrandamento na circulação de veículos, chuva forte ou encerramento das pontes, entre outras). A expressão “no percurso directo de ida e volta” significa que o trabalhador não se desviou do caminho no meio da viagem (por exemplo, decidiu interromper a viagem para frequentar uma loja) e se deslocou directamente entre a residência e o local do trabalho. Caso a entidade patronal precisar que o trabalhador preste serviço durante o período em que estiver hasteado um sinal de tempestade igual ou superior ao n.º 8, nos termos da Lei n.º 6/2015 (Alteração ao regime de reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais), é obrigada a adquirir seguro por acidente de trabalho para o trabalhador. Iremos na próxima semana continuar a divulgar nesta coluna o conteúdo da Lei n.º 6/2015 (Alteração do regime de reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais). Obs. Na elaboração do presente artigo teve-se como referência principal o disposto na Lei n.º 6/2015 (Alteração ao regime de reparação por danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais). Texto fornecido pela Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça O CLARIM | Semanário Católico de Macau | SEXTA-FEIRA | 11 de Setembro de 2015 7 PT ÁSIA 500 ANOS DA CHEGADA DOS PORTUGUESES A TIMOR O corte do cordão umbilical com Macau JOAQUIM MAGALHÃES DE CASTRO [email protected] Prosseguimos esta semana com a passagem em revista da história de Timor e a sua relação com Macau no último meio milénio. Em 1769 os holandeses ocuparam a metade ocidental de Timor e pressionaram os portugueses aquartelados em Lifau, no enclave de Ocussi, forçando o governador António José Teles de Meneses a transferir a capital para Díli. A situação de conflito permanente perdurou em Timor até 1912, embora o avanço dos holandeses tenha estancado em Atapupu, ocupada em 1818, hoje parte de Timor Oeste. Com o declínio do comércio de sândalo, a agricultura passou novamente a ser o suporte base da economia do território. O governador Alcoforado de Azevedo e Sousa (1815-1819) incentivou o cultivo do café, da cana-de-açúcar e do algodão. Duas décadas e meia depois, a partir de 1834, um outro governador, José Maria Marques, põe em marcha um bem delineado plano de urbanização e reorganização administrativa de Díli. Macau e Timor desvincularam-se definitivamente do Governo de Goa em 1844, passando Timor a constituir uma espécie de distrito de Macau. Situação que, à excepção do período compreendido entre 1865 e 1878, iria continuar até 1894, altura em que a ilha passou a ser considerada distrito autónomo. No que se refere ao período compreendido entre 1833 e 1911 abundam no Arquivo Histórico Ultramarino referências a Timor nos documentos produzidos pelas várias instituições governamentais que superintenderam a gestão do Império Colonial Português. Foi o caso do Conselho da Fazenda, do Conselho da Índia, e, em particular, do Conselho Ultramarino e do Secretaria de Estado da Marinha que produziram as mais diversas correspondências, cartas ao rei, consultas, pedidos e cartas ao Joaquim Magalhães de Castro secretário de Estado. Por essa razão contamos com um vasta manancial informativo que nos elucida sobre o estado da colónia quanto a uma imensidade de matérias: agricultura, assuntos aduaneiros, observações meteorológicas, nomeação de governadores, movimento das portos, direitos de importação de produtos como o óleo de coco, informações sobre os diversos reinos – Balibo Batugade, Bibiluto, Boibau, Cotubabá, Faturo, Liquiça, Lolotoi, Ocusse, Aileu, etc – a actividade dos artesãos chineses em Timor, a questão da autonomia da ilha, as nomeações de Francisco Rodrigues Batalha e Afonso de Castro, entre outros, como deputados para as cortes de Timor, o fabrico de peças de artilharia e preenchimento de vagas no Batalhão de Artilharia, a reorganização do Batalhão dos Defensores Leais de Díli, a construção da cadeia e do Cais Alfândega, também em Díli, a situação do ensino primário, a chegada de colonos chineses, o comércio de sândalo, o desenvolvimento do comér- cio e navegação, a construção de edifícios e estradas, o envio de condenados para Timor, os custos de estudantes, a criação de distritos, a eleição dos reis, a diáspora indiana, a abolição da escravatura, a construção de uma fábrica de tijolos e de várias igrejas, actividade dos missionários, a indemnização do Governo holandês a Timor, a circulação de moedas de cobre e as irregularidades em torno dessa actividade, a mortalidade indígena, as viagens do navio a vapor “Díli”, o observatório magnético de Díli, a ocupação de Atapupo, a cultura da pimenta, os contratos de venda, a regulamentação policial, a inauguração da ponte Hintze Ribeiro, as rebeliões, a vacinação contra a varíola, a lealdade dos chefes, e muitos, muitos outros diferentes assuntos. É de notar, no início da segunda metade do século XIX, o papel do governador Afonso de Castro (1859-1863), responsável pelo primeiro estudo histórico de Timor e do desenvolvimento da agricultura, do artesanato e das actividades comerciais em geral. Deve-se a ele a fundação de uma escola para os filhos dos chefes locais, os liurais. Em 1894 é o ano do definitivo corte do cordão umbilical que ligava Timor a Macau. Inicia funções governativas na pro- víncia agora independente José Celestino da Silva (1894-1908). A esta carismática figura – talvez a mais notável na história de Timor – se deve as campanhas de pacificação e a instalação de sistema governativo próprio. Podemos considerar que, desde meados do século XVII até à administração de Celestino da Silva, Timor era mais um protectorado português do que propriamente uma colónia. Aproveitando-se da instabilidade causada pela proclamação da República em 1910, os holandeses estimularam o último e maior levantamento contra a presença portuguesa na história de Timor, a denominada revolta de Manufahi (1911-1913), que, com pulso e determinação, foi debelada pelo governador da época, Filomeno da Câmara de Melo Cabral, que exerceria funções no território até 1934. A sua violenta, e por vezes cruel, actuação durante as campanhas de pacificação ficou manchada para sempre pelo massacre ocorrido nas montanhas de Leolaco, no qual perderam a vida cerca de três mil timorenses, grande parte dos quais não combatentes. O facto causou inclusive, na época, polémica e horror em Portugal. OPINIÃO O L H A N D O E M O CLARIM | Semanário Católico de Macau | SEXTA-FEIRA | 11 de Setembro de 2015 8 PT R E D O R Crise democrata PEDRO DANIEL OLIVEIRA Mesmo que chegue à praça e comece a tecer palavras de ordem, temo que num ápice sejam completamente abafadas pela intervenção dos militares que zelosamente guardam o local, não passando o momentâneo ruído de um pingo de água a cair no imenso oceano. O senhor Cheang tem depois de perceber que a gravidade dos actos a que se propõe cometer só irá dificultar um entendimento entre as partes. Se já é bastante difícil face à natureza do problema, com esta atitude ficará irremediavelmente sem qualquer solução à vista. [email protected] O assunto não é novo e vem à baila de tempos a tempos. O campo pró-democrata de Macau está dividido e as clivagens são difíceis de esconder. A fractura é evidente entre os históricos da Associação Novo Macau (ANM), Ng Kuok Cheong e Au Kam San, e a nova geração conduzida por Jason Chao e quejandos. O episódio mais recente tem a ver com a adesão dos deputados Ng e Au ao grupo cívico “Iniciativa para o Desenvolvimento Comunitário de Macau”, fundado recentemente por Tong Ka Io, que chegou a ser presidente da ANM, tendo saído em Setembro de 2014 após um conflito com o então presidente Sou Ka Hou (demitiu-se no mês passado para continuar os estudos em Taiwan). Quem tem acompanhado a vida política da RAEM sabe perfeitamente que o modus operandi de Ng Kuok Cheong e de Au Kam San é diferente de Jason Chao (vice-presidente da ANM), de Sou Ka Hou (quando integrava a Novo Macau) e de Scott Chiang (actual presidente). Por exemplo, o radicalismo de algumas posições tomadas por Jason Chao, seja na ANM, seja na “Macau Consciência” ou na “Juventude Dinâmica”, não só tem deixado constrangidos os dois históricos, como estes foram incapazes de travar a inconveniente bola de neve que cresceu na associação por eles fundada. A contribuir para o distan- O MAIOR CULPADO ciamento entre a velha guarda e a nova geração está também o resultado aquém do esperado nas legislativas de 2013, porque a divisão em três listas não obteve o resultado esperado, ao falhar a reeleição de Paul Chan Wai Chi e a não ser eleito o quarto elemento dos pró-democratas (Jason Chao entraria nas contas). Os erros de “casting” sucedem-se em catadupa, assim como a incerteza quanto às intenções dos mais jovens que integram a ANM, porque a sua actuação está por vezes desfasada da realidade chinesa de Macau, restando saber qual a sua verdadeira fonte de inspiração. O divórcio é inevitável, mas falta saber quando irá acontecer. É ponto assente que a facção de Jason Chao terá depois grande dificuldade em reunir um apoio maciço junto do eleitorado, porque os votantes mais tradicionais, tendo em conta os dois estilos, serão fieis ao conservadorismo de Ng Kuok Cheong e de Au Kam San. Para recuperarem do descalabro que se afigura nos índices de popularidade, Jason Chao e Scott Chiang poderão agitar ainda mais as águas em vários sectores da sociedade, por forma a cativarem alguma franja do eleitorado jovem ainda a descobrir essa “coisa” tão em voga no mundo ocidental chamada democracia. Seria útil que Jason Chao e Scott Chiang não deturpassem os valores democratas, com algo que lhes permita dizer e fazer o que bem lhes apetece, ao confundirem activismo com radicalismo e esquecerem que a liberdade de uma pessoa acaba quando começa a liberdade de outra. SEM IMPACTO A Associação para a Reunião Familiar pediu esta semana ao Governo de Macau para ESCOLHA SARDINHAS PORTUGUESAS atribuir o direito de residência aos filhos maiores de idade que vivem do outro lado das Portas do Cerco, ameaçando protestar na Praça de Tiananmen se as autoridades locais não aceitarem as suas exigências. «Temos à volta de 60 anos e não temos medo de ser detidos e de estar presos», assegurava o presidente daquela associação, Cheang Mao Fong, por altura da entrega de uma carta na sede do Governo local a solicitar uma reunião com o Chefe do Executivo. Segundo o Ponto Final, outra carta foi entregue no Gabinete de Ligação do Governo Central em Macau. Por muito que compreenda o sofrimento destas famílias, há um pormenor que deve ser explicado ao senhor Cheang: a intenção de protestar na Praça de Tiananmen será tarefa quase impossível, pois o grupo terá primeiramente que passar por um controlo de acessos, onde quaisquer artigos suspeitos serão apreendidos. ESCOLHA PORTHOS A crise dos refugiados na Europa é um assunto bastante delicado face a tudo o que está em jogo. Por um lado, são vidas humanas que merecem a nossa atenção. Por outro, é o dever dos Estados de se protegerem contra a ameaça dos infiltrados islamitas radicalizados. A senhora Merkel está aproveitar a situação para dotar a sua Alemanha de mãode-obra barata de que o País necessita para os trabalhos que o grosso dos alemães dispensa, sendo certo que a triagem serlhe-á sempre favorável. Daí a sua sensibilidade para o problema dos refugiados. Este será uma entre muitas conclusões a tirar, mas o cerne da questão ainda está por aflorar: por que razão os Estados Unidos, afinal, os principais causadores de toda esta vaga de refugiados, não se chegam à frente e acolhem a maior parte dos que fogem para a Europa em perigosas travessias pelo mar? O CLARIM | Semanário Católico de Macau | SEXTA-FEIRA | 11 de Setembro de 2015 9 PT OPINIÃO A indiferença e o medo também matam LUIS BARREIRA A s imagens televisivas do drama dos refugiados não ilustram todo o sofrimento de milhares e milhares de homens, mulheres e crianças, vindas de um inferno de guerras e miséria, arriscando tudo pelo futuro das suas famílias. Ninguém pode agora ficar indiferente quando esses desgraçados apelam directamente à nossa solidariedade. Durante anos assistimos passivamente ao massacre de populações, provocados aparentemente por ódios religiosos, sede de poder, violência de regimes ditatoriais ou pela directa interferência dos países ocidentais, numa região do mundo a viver permanentemente em equilíbrios instáveis, que não sabemos ou (supostamente) não queremos resolver. E digo que não queremos porque duvido que os cenários de guerra que afectam a Síria, o Afeganistão, o Iraque, a Somália, a Líbia, o Sudão e o Sudão do Sul, origem da quase totalidade dos refugiados que hoje nos batem à porta, não façam parte de uma estratégia geopolítica para manter a instabilidade naquela área do globo, assegurando a presença de tropas ocidentais no terreno, como precaução contra um eventual conflito com o Irão ou para teste e treino de novas técnicas de guerra, comércio de armas com todas as partes em oposição e outras vantagens económicas. Todos os horrores destas guerras nos entraram pela porta do nosso televisor mas, porque era longe e era “outra gente” que morria, a nossa indiferença acomodava-se no “sofá da nossa indiferença” e ninguém pedia responsabilidades aos nossos governantes ocidentais, antes tão motivados com o incremento da “Primavera Árabe”. Mas nem todos os “indiferentes” se têm situado no “cantão” desta (des) União Europeia. Bem mais perto da origem dos refugiados que hoje nos procuram estão países riquíssimos, como a Arábia Saudita, os Emiratos Árabes Unidos, o Qatar, o Kuwait, Omã ou o Bahrein, com culturas e religiões semelhantes às do refugiados, o que permitiria que a integração social destas populações se fizesse com mais facilidade, mas que, no entanto, resistem a recebê-los. Porque já ninguém consegue fechar os olhos a este drama social, começam agora a surgir sinais de uma certa fobia social en- tre os europeus, com receios de vária natureza para com a entrada dos refugiados nos seus respectivos países. Ou porque são islâmicos, na sua maior parte e esse facto leva alguns europeus a classificá-los como prováveis terroristas, esquecendo-se que os atentados na Europa foram cometidos por gente criada e educada na Europa. Ou porque (estranhamente até alguns portugueses) têm medo que estes novos imigrantes lhes “roubem” o trabalho ou lhes condicionem o acesso ao emprego, esquecendo-se que nesta Europa de livre circulação quantos milhões de pessoas beneficiaram da solidariedade dos países de acolhimento onde se encontram. Apesar de algumas boas vontades de alguns países europeus, a Europa não vai conseguir absorver os milhões de deslocados que, por razões humanitárias, solicitam a nossa solidariedade. Seremos capazes de atenuar o sofrimento dessas populações, que atravessam o Mediterrâneo sem se afogar ou que calcorreiam milhares de quilómetros em condições de enorme sofrimento, mas não conseguiremos ultrapassar a dimensão do problema sem colocar à escala global a sua resolução. O que passará, inevitavelmente, por uma efectiva pacificação dos seus países e por um investimento sério no seu desenvolvimento económico, beneficiando as suas populações. Só assim poderemos ver regressar todos estes expoliados às suas terras de origem, garantindo a paz e um futuro para toda esta gente e para nós próprios. Deixá-los no mar ou erguer muros à volta dos nossos países é matá-los! E isso não pode fazer parte da solução. A Europa e todos os países do mundo ditos civilizados, apesar dos egoísmos nacionais que tendem a aumentar nestas actuais circunstâncias, não podem pre- scindir dos valores cívicos e morais que nos devem caracterizar e distinguir. O nosso humanismo não deve ser visto como um sinal de fraqueza, mas como uma arma e uma referência no combate por um mundo melhor. C U LT U R A O CLARIM | Semanário Católico de Macau 10 PT MEMÓRIAS E FORTALEZAS NO LESTE DE ÁFRICA – PARTE O ouro de Monomotapa e o sonho JOAQUIM MAGALHÃES DE CASTRO [email protected] Foi a busca dos metais preciosos – não a prata de Cambebe da costa angolana, mas sim o ouro de Monomotapa – a razão pela qual nos estabelecemos nestas paragens. Havia, portanto, que ocupar os portos. E foi o que fizemos, fixando feitoria em Sofala, em 1505, seguida de um forte, pois era aí que os árabes traficavam o ouro. UM ano depois era construída a fortaleza de Quiloa, mil quilómetros a norte, numa metrópole já próspera, que abandonaríamos em 1512. Entre esse espaço temporal foi construída, em 1508, na Ilha de Moçambique, a primeira das fortalezas, a meio caminho da rota entre o cabo da Boa Esperança e a Índia. Muitas das embarcações enveredavam a partir daí em linha recta em direcção à Índia, passando acima das actuais Seychelles. A curiosidade dos lusos levou-os a contornar a grande ilha de Madagáscar (ainda estabelecemos, em 1515, feitoria em Matatana, mas os locais repeliram-nos) e a chegar às Maurícias e a uma infinidade de ilhas nas proximidades. De resto existem ainda topónimos que comprovam esse pioneirismo. O arquipélago das Mascarenhas, que compreende as ilhas Rodrigues e Reunião (hoje ainda colónia francesa), e o arquipélago dos Chagos, cuja ilha principal tem o nome do navegador luso Diego Garcia, são apenas dois exemplos. EXPEDICIONÁRIOS PIONEIROS Passo o último serão na ilha, após jantar um excelente arroz com feijão de soja verde num botequim local junto ao hospital, exactamente na fronteira entre a cidade de pedra e cal e a cidade de macuti, em frente a uma cerveja Manica, lendo acerca das terras de Manica, informação que me disponibiliza o mestre Jaime Cortesão. Em 1570 Francisco Barreto, recentemente nomeado governador de Moçambique, chega ao Índico, com três naus e mil homens. Um ano depois partiria em busca das minas Monomotapa, missão que lhe fora incumbido pela Coroa, socorrendo-se das bases que os portugueses já tinham em Tete e Sena. Barreto ostentava até o título de Conquistador das Minas de Ouro de Monomotapa, mas as doenças e a falta de alimentação apropriada fizeram os seus estragos, dizimando a expedição. De Sena, Barreto enviou um presente ao soba que detinha o título de Imperador de Mo- FOTOS | Joaquim Magalhães de Castro nomotapa, pedindo-lhe autorização para entrar nos seus domínios. O pedido seria concedido, só que as hostilidades encontradas pelo caminho e as muitas doenças fizeram-no desistir da ideia. Como resultado dessa expedição, os portugueses ficariam doravante autorizados a negociarem livremente na terra do poderoso soba e a obtenção do ouro das terras de Manica, embora a sua quantidade não justificasse tamanha despesa. Vasco Fernandes Homem ficaria para história como primeiro europeu a chegar às minas de Manica. Monomotapa, porém, continuava inacessível. Muitas seriam as peripécias em torno da procura destas minas. Figura incontornável ligada e esta região foi o conde da Feira D. Nuno Álvares Pereira (homónimo do de Aljubarrota), governador de Moçambique e vice-rei da Índia. Durante este processo de penetração – no decorrer do qual foram dadas a conhecer ao mundo maravilhas da natureza como as nascentes do Zambeze, séculos antes de aí terem chegado Livingstone e quejandos, que ficaram com os louros e deixaram o seu nome para a posteridade nas enciclopédias – houve sempre a intenção de ligar os dois territórios de costa a costa, como o viriam a fazer Serpa Pinto, Silva Porto e tantos outros de que nunca ninguém ouviu falar. Esse imenso império ultramarino, que incluía os actuais territórios da Namíbia, Zâmbia, Zimbabué e África do Sul, só não foi uma realidade devido às maquiavélicas, mas eficientes, movimentações de um fanático chamado Cecil Rhodes, que resultariam nas tristemente célebres questões do Ultimato Inglês e do Mapa Cor-de-Rosa, que tanto humilharam Portugal. DE COSTA A COSTA Data de 1798 uma das mais ousadas tentativas de ligar a costa oriental de Moçambique à contra costa de Angola, um sonho que tinha já sido alimentado, em 1592, por Abreu de Brito, um homem ao serviço de Paulo Dias Novais, um dos pioneiros em terras dos Ngola. Abreu de Brito apresentara um plano para conquista e alargamento do território angolano e tinha até efectuado algumas visitas de reconhecimento ao interior. Assegurava que não só «poderia terminar a conquista de Angola em quatro meses» como estender o domínio lusitano «às serras de Monomotapa, tão famosas pelas suas minas de ouro». Segundo ele, a distância que iria de Luanda à contra costa era de aproximadamente 405 léguas, assegurando que «os negros soassos» faziam repetidamente essa viagem «ao serviço dos brancos». Abreu não era o primeiro a pensar assim. Quatro anos antes, um tal Diogo Ferreira, homem que conhecia bem a região, propusera ao rei um plano de conquista que seguia exactamente o mesmo padrão e sustentava-se nas mesmas prerrogativas. O objectivo de unir os dois territórios seria o de reduzir para metade o tempo dispendido nas comunicações com a Índia. Dois séculos depois, partindo do Tete, Francisco José de Lacerda e Almeida percorre território inóspito durante três meses, e com grandes dificuldades, atinge o reino de Camzebe, visitado por negros de ambas as costas, acabando, porém, por sucumbir de febre, mas sem antes incumbir a continuidade da tarefa ao seu capelão, que nada pode fazer, já que aos régulos locais não interessava que os homens brancos concluíssem tal empreendimento. Ora, olhando no mapa, e tendo como ponto de partida o Tete, bem no interior do País, uma viagem de três meses, por mais lenta que fosse, implicaria percorrer uma parte considerável dos território do Zimbabué e da Zâmbia, que faz fronteira com Angola. Anos depois, em 1806, os pombeiros Pedro João Baptista e Amaro José falharam inicialmente o seu objectivo de ligar Angola a Moçambique, porque o rei de Cambeze prometeu-lhes guias para os conduzir a Tete e em vez disso reteve-os durante vários anos, impedindo-os de cumprir a tarefa na data que previam. Viriam a consegui-lo com a chegada, já em 1810, de compatriotas seus que residiam nos Rios de Sena, e que os levariam dali. Regressariam, ainda esse ano, pelo mesmo caminho, e mais uma vez ficariam retidos no Cazembe, mas já nada os impediria de chegar a Angola e fazer um feito nunca antes alcançado: o de ter ligado a costa de Angola à de Moçambique e regressado pelo mesmo caminho, tendo sobrevivido para u | SEXTA-FEIRA | 11 de Setembro de 2015 11 8 o dos pombeiros relatar a façanha. Infelizmente os nomes destes pombeiros, como tantos outros exploradores, continuam arredados do grande público, sendo conhecidos apenas por um determinado número de historiadores e curiosos. Pombeiros em África, tropeiros no Brasil, quanto deles não cometeram façanhas muito antes daqueles que agora a História lembra e honra. DECADÊNCIA À PORTUGUESA Aquando a Restauração, o domínio português estendia-se por toda costa, de Lourenço Marques a Melinde, e era relevante a ocupação interior feita através do rio Zambeze. Para isso concorria a agricultura e o comércio com os indígenas, o ouro e o marfim, que chegava às vilas de Tete e de Sena graças a um leque de feiras e pequenas feitorias fortificadas que tínhamos espalhado pelo interior. A instalação era tal que já nesse século XVII padecíamos do mal que atingiria Goa, Malaca e no Brasil e, mais tarde, outros locais, sendo o último Macau. Ou seja, a já velha e repugnante boçal opulência à portuguesa. O governador dos Rios de Sena, citado por Francisco Maria Bordalo, escreve nos “Ensaios sobre as Estatísticas de Possessões Portuguesas no Ultramar” que os portugueses da região de Sena «não saíam fora de casa sem ser na sua cadeirinha, e com dois grandes chapéus-de-sol de veludo com grandes maçanetas de prata de uma e de outra parte, para que os raios do sol perto do seu ocaso, os não molestassem; que viviam envolvidos em sedas e panos brancos finíssimos; que adoeciam de indigestão ou mordaxim, por causa da sua esplêndida e profusa mesa; e que, fielmente, gastavam o seu tempo a espalhar fato, e arrecadar ouro e marfim». Mais mordaz ainda, em 1806, falava de o «senhor indolente e inerte, que nem ao menos precisa de fazer a mínima combinação de ideias para o seu comércio, passa os dias ora dormindo ora fumando e tomando chá; e se alguma vez sai de casa, já quando o Sol entra no ocaso, é para dar ao público e fastidiosos espectáculo da sua indolente estupidez e grandeza quimérica, aparecendo deitado nu na machila e conduzido por quatro miseráveis escravos». Mas os sinais da nossa decadência tinham surgido muito antes. Já em 1670, quando os árabes de Mascate, depois de nos terem expulsado de Golfo Pérsico, tencionavam desalojar-nos de Moçambique também, eram já deste calibre os colonos que por lá andavam. C U LT U R A PT OPINIÃO O CLARIM | Semanário Católico de Macau | SEXTA-FEIRA | 11 de Setembro de 2015 12 PT Para quem ainda não percebeu no que está metido JOSÉ PACHECO PEREIRA H á uma parte da oposição a este Governo e à coligação que ainda não percebeu no que está metida. Nessa parte avulta o Partido Socialista, que acha que isto é um filme para 6 anos, ou, vá lá, 12 e está num filme para adultos, ou como se dizia antes, “para adultos com sérias reservas”. Não, não é o Bambi, é o Exorcista ou o Saw. Tenho um bom lugar de observação da linha da frente no combate político com a actual “situação”. Sei disso porque há muito tempo que conheço o vale-tudo, de artigos caluniosos a comentários encomendados em massa, até ao célebre cartaz anónimo, que não se sabe quem fez, nem quem pagou. Mas a mensagem é clara: não o ouçam porque é um radical violento. Tenho um processo instaurado pela “massa falida da Tecnoforma”. Não digo CARTOON “tenho sido vítima”, porque não sou vítima coisa nenhuma, estou onde quero e faço o que entendo dever fazer. Se chovem paus e pedras, são para mim como elogios. Mas vejo as coisas porque percebo do que, do lado da coligação, se é capaz de fazer quando se lhes toca nos interesses vitais, e estas eleições tocam em demasiadas coisas vitais para não serem travadas com todas as armas, e algumas são bem feias de se ver. Agressivos de um lado, frouxos do outro. E vejo os exércitos juntaremse, com armas e bagagens, muito ódio social, porque é um combate social e político que se vai travar e o ódio mobiliza as hostes, e muita agressividade. Do outro lado, salamaleques, um medo pânico de falar de “mudança”, a quase total ausência de críticas ao Governo, o emaranhar-se em explicações e desculpas. Sempre na defensiva, sempre ao lado, sempre a perder. Uma parte da oposição prefere objectivamente que tudo continue na mesma para manter o bastião da identidade, outra passa o tempo em actividades burocráticas e escolásticas, para o interior das suas contínuas divisões, enquanto o “maior partido da oposição” se entretém a mendigar “confiança” certamente porque não consegue lidar com os rabos de palha que vieram de 2011. A propaganda da coligação, assente num castelo de cartas que ruirá ao mais pequeno vento, como aliás o ex-amigo próximo, o FMI, diz, não é desmontada com clareza e frontalidade, porque os compromissos nacionais e europeus do PS são demasiados. A maioria muito expressiva dos portugueses que recusam este Governo, um dado sempre constante nas sondagens, não encontra no sistema político uma resposta. E, mesmo que existissem novos partidos que dessem corpo a esse descontentamento, a maioria dos partidos representados no Parlamento não quer competição e encarrega-se de os calar na Comunicação Social, com a colaboração da Comunicação Social. Por seu lado, os portugueses que sofreram, sofrem e sofrerão a crise estão cada vez mais invisíveis. Não desapareceram, o seu sofrimento social aumenta com a passagem do tempo, mas não conseguem ultrapassar o ecrã do “sucesso” que dez mil ministros e secretários de Estado fazem todos os dias. Num dia são as mulheres, noutro dia são as crianças, no terceiro dia são os velhinhos. É só caridade e bondade a rodos. Com a cumplicidade acrítica de muitos que na Comunicação Social andaram a louvar as virtudes do “ajustamento” e por isso selam o seu destino também com o destino da coligação. O PS, por sua vez, como andou estes anos todos a fugir da contestação social, continua a preferir os salões. In Abrupto (editado) OPINIÃO O CLARIM | Semanário Católico de Macau | SEXTA-FEIRA | 11 de Setembro de 2015 13 PT O negócio dos refugiados JOSÉ PINTO COELHO O Presidente da Câmara Municipal de Lisboa anunciou que a autarquia vai criar um fundo de dois milhões de euros, que será gerido em articulação com outras instituições, para apoiar os refugiados que venham para a cidade. «Criaremos um fundo de cerca de dois milhões de euros, que utilizaremos em articulação com instituições como a Santa Casa da Misericórdia, que é linha avançada na resposta a este problema, como o Conselho Português para os Refugiados e como a Cruz Vermelha, para que possamos dar as respostas básicas e fundamentais à crise humana», informou Fernando Medina. O autarca socialista, que falava no seu novo espaço de opinião na TVI24, no programa “21ª hora”, precisou que este apoio se centra na criação de «alojamentos temporários, alimentação, cuidados de saúde e cuidados de educação». Para além da Câmara Municipal de Lisboa, outras autarquias e instituições de solidariedade também já manifestaram a sua disponibilidade para recolher “refugiados”. Numa altura em que muito português passa fome, em que muito português vive na rua, sobretudo nas grandes cidades, em que Lisboa é o caso mais gritante (900), quem dirige a autarquia pretende ajudar quem vem de fora, continuando a esquecer os portugueses. Para cada “refugiado” o sistema pretende gastar cerca de mil e 200 euros por mês. Das duas, uma! Ou vamos ser todos nós a pagar esta despesa, esta soma que ultrapassa e muito o salário médio de um português e que é um insulto para quem ganha o miserável salário mínimo, ou vão ser os fundos comunitários a pagar a factura. Percebem, agora, a bondade destes “benfeitores”? Arrecadam mil e 200 euros por cabeça e depois vão gerir o orçamento de forma a tirarem daí o máximo lucro. Importa, também, informar que a esmagadora maioria dos refugiados (alguns números apontam para os 70%) até nem são oriundos de zonas em conflito e são quase todos homens, jovens e em perfeita saúde para lutar pelo seu país. Por outro lado, são cada vez mais os episódios de violência ligados a estes “refugiados”. Instalações saqueadas, agressões a forças de segurança, agressões a europeus, perturbação de missas e procissões católicas, reivindicações absurdas como telemóveis ou acesso à Internet, recusa de alimentação e insultos a quem faz as entregas. A Europa e Portugal não estão preparados para esta entrada anormal de pessoas, sobretudo de culturas muito diferentes da nossa, para as quais não temos resposta no mercado de trabalho. Não negamos a ajuda imediata a quem está em perigo de vida, mas defendemos que, uma vez alimentados e tratados, devem ser devolvidos aos países de origem. Em última análise, quem os deve acolher são os países ricos das suas regiões de origem, muitos dos quais colaboram com quem fomenta as guerras que assolam este continente. Numa altura em que os portugueses vão ser chamados a escolher os seus representantes no Parlamento, é bom que meditem sobre estes casos e que verifiquem quem está do lado dos portugueses e quem está do lado do negócio, que é a imigração descontrolada e, pelo visto, também os “refugiados”. OS “BENEFÍCIOS” DA IMIGRAÇÃO É a mundialização no seu melhor. Apesar dos graves indicadores de retrocesso económico, Portugal continua sendo um país civilizado. Nunca, em nenhum momento da nossa História, ocorreram neste país práticas sociais infames como a mutilação genital feminina. Pois bem, na Guiné-Bissau essa prática é recorrente entre as etnias que professam o Islamismo. Ora, graças em grande parte à comunidade guineense muçulmana cá instalada, Portugal passa a constar da vergonhosa lista de países onde se realiza esta prática. São situ- ações inadmissíveis em pleno século XXI, aqui ou em qualquer outro lugar. Soubemos também que Portugal é o país da União Europeia com maior número de congregações parareligiosas, vulgo seitas, por número de habitantes (a grande maioria oriunda do Brasil). São dois sinais alarmantes de obscurantismo, pior ainda, porque importado. A propósito da questão da mutilação genital feminina (e não só) lembramos que Portugal já não tem qualquer obrigação nem moral nem histórica para continuar de fronteiras abertas a imigrantes dos PALOP. Essa responsabilidade desapareceu com a independência desses países. Não podemos viver de costas voltadas, é certo, mas a relação com as ex-províncias ultramarinas, em muitos aspectos, transformou-se num fardo. Não podemos, por outro lado, continuar a permitir que gerações sucessivas de portugueses sejam forçadas a emigrar. Não esquecemos, por último, que em 2011, na véspera do resgate, com a dívida pública portuguesa cotada como “lixo”, Dilma Roussef foi a primeira a dizer que o Brasil só investia em dívida triplo A. É preciso pois haver mais ponderação, equilíbrio e respeito mútuo nestas relações bilaterais com o mundo lusófono. GARROTE FINANCEIRO O Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra revela de forma clara a situação precária em que vive um número crescente de famílias. Um estudo publicado por estes dias dá conta de famílias fragilizadas, sem margem para despesas extras, muitas delas dependentes dos parcos rendimentos de avós. A geração com mais formação académica de sempre vive na precariedade, explorada ou refugiada no estrangeiro. A cada eleição, a situação complicase: os gastos parlamentares da Assembleia da República e dos Ministérios aumentam a cada ano. Portugal é um dos países com mais baixos salários e onde se paga mais pela energia, pelos combustíveis, pelos bens essenciais, pela habitação, pelo crédito. O número de desempregados tem aumentado sempre, além de que se atingiu, em 2015, o valor mais baixo em termos de população activa. A Administração Pública, por seu turno, não respeita a própria Lei de Recrutamento, a qual impõe uma quota de 5% para cidadãos portadores de deficiência. Em 2000, a dívida pública correspondia a 50,5% do PIB; em 2015, esse valor ascende a 130%! Quase triplicou em apenas quinze anos! O poder de compra, entretanto, diminuiu drasticamente, sobretudo a partir de 2002 com a entrada em circulação da “moeda falsa”, o euro, imposta pela Alemanha, especialista nestes esquemas desde o tempo da Operação Bernhard em que pretendeu destruir a economia inglesa e norte-americana através da falsificação em larga escala de libras e dólares falsos. LITURGIA O CLARIM | Semanário Católico de Macau | SEXTA-FEIRA | 11 de Setembro de 2015 14 PT 24° DOMINGO COMUM – Ano B – 13 de Setembro HORÁRIO DAS MISSAS (DOMINGOS E DIAS SANTOS) 7:00 horas 7:30 horas 7:30 horas 8:15 horas 8:30 horas 9:00 horas 9:30 horas — — — — — — — — — 10:00 horas — — — 10:30 horas — 11:00 horas — 11:00 horas — — 11:00 horas — 11:15 horas — 12:00 horas — 16:30 horas — 17:30 horas — 18:00 horas — 20:30 horas — Fátima (C). Sé, S. Lourenço e St.º António (C). S. Lázaro (C). S. Francisco Xavier Mong-Há (C). St.º António. Sé, S. Lourenço, N.ª Sr.ª do Carmo Taipa (C); Fátima (C). S. Lázaro, S. Francisco Xavier (Mong-Há), S. José Operário (C). St.º António (P); S. Francisco Xavier Coloane (I, C); N.ª Srª do Carmo Taipa (I). Sto. Agostinho (Tagalog). Sé (P), Hospital de S. Januário (P); N.ª Srª do Carmo Taipa (P). S. Lázaro (I). Instituto Salesiano (I). Fátima (I). S. Agostinho (I); Fátima (vietnamita) S. José Operário (I). Sé (I); S. Fr. Xavier Mong-Há (C). S. Lázaro (P). S. José Operário (M). MISSAS ANTECIPADAS 17:00 horas 17:30 horas 18:00 horas 18:30 horas — — — — — 19:00 horas — 20:00 horas — S. Domingos (P). S. Fr. Xavier Mong-Há (I). Sé (P). N.ª S.ª do Carmo Taipa (I). S. Lázaro (C). Fátima (C). ABREVIATURAS C - Em Cantonense I - Em Inglês M - Em Mandarim P - Em Português Seguir Jesus, Servo e Messias INTRODUÇÃO ÀS LEITURAS Ouvimos hoje o apóstolo S. Pedro professar a sua fé e queixar-se, logo a seguir, do facto de o seu Senhor lhe falar da Sua próxima paixão e morte (EVANGELHO: Mc., 8, 27-35). A verdade, porém, é que Jesus é o «Servo do Senhor» e, por isso, torna-se necessário que Ele sofra, sem qualquer outra consolação que não seja a Sua confiança em Deus, tal como no-lo recorda o profeta Isaías (PRIMEIRA LEITURA: Is., 50, 5-9). O apóstolo S. Tiago recorda-nos que a fé do cristão se exprime com obras e, especialmente, no serviço prestado aos irmãos mais desfavorecidos (SEGUNDA LEITURA: Tg., 2, 14-18). Que aproveita a alguém... ... dizer que ama a Deus, se não pode ver “nem pintado” aquele tal sujeito, ou aquela tal fulana, que são, afinal, também filhos de Deus? ... dizer todos os dias “Perdoai-nos as nossas ofensas”, se não somos capazes de perdoar a alguém que nos ofendeu? ... receber a Cristo na eucaristia, se depois fechamos as portas a Cristo na pessoa do pobre, do explorado, do órfão, do desempregado? ... acreditar na outra vida, se nos preocuparmos apenas por gozar o mais possível nesta vida? ... trazer ao pescoço um fio com um crucifixo ou uma medalha com a imagem de Cristo, se tratamos mal o próprio cônjuge, os filhos, os empregados, que são também imagem de Deus? ... servir e honrar a Deus aos Domingos, se ao longo dos dias da semana andarmos sempre a injuriar o nosso próximo? ... dizer que é cristão, se afinal vive como se não fosse? PODERÁ ESSA FÉ, PORVENTURA, SALVÁ-LO?, pergunta o apóstolo S. Tiago na segunda leitura de hoje. PERSEGUIÇÃO AOS CRISTÃOS Papa acusa potências mundiais O Papa Francisco acusou, na passada segunda-feira, as potências mundiais de ignorarem as perseguições contra os cristãos em vários locais do mundo. «Hoje, diante deste facto que acontece no mundo, com o silêncio cúmplice de tantas potências que o poderiam travar, estamos perante este destino cristão: seguir o mesmo caminho de Jesus», disse, na homilia da missa a que presidiu na capela da Casa de Santa Marta. A celebração contou com a presença do novo Patriarca dos Arménios, Gregório Pedro XX Ghabroyan, a quem o Papa tinha concedido a comunhão eclesiástica com uma carta datada de 25 de Julho. Francisco sublinhou que as perseguições contra os cristãos são hoje «mais do que nos primeiros tempos», com muitos crentes «perseguidos, mortos, escorraçados, despojados, apenas por serem cristãos». Nesse sentido, o Papa pediu que os fiéis sintam «amor» pelos mártires e pela «vocação» ao martírio. «Nós não sabemos o que pode acontecer aqui, não sabemos! Mas que o Senhor nos dê a graça, se um dia acontecessem aqui essas perseguições, da coragem e do testemunho», pediu. Francisco sustentou que «não há Cristianismo sem perseguição», recordando o que aconteceu com o povo arménio, «a primeira nação que se converteu», que acabou «perseguido, expulso da sua pátria, sem ajuda, no deserto». «Nós hoje, nos jornais, sentimos horror pelo que fizeram alguns grupos terroristas, que degolam as pessoas só porque são cristãos. Pensemos nos mártires egípcios, na costa líbia, que foram degolados enquanto pronunciavam o nome de Jesus», observou. In ECCLESIA ECLESIAL O CLARIM | Semanário Católico de Macau | SEXTA-FEIRA | 11 de Setembro de 2015 PT 15 LENDO A CARTA QUE DEUS NOS ENVIOU – II Os sentidos para o entendimento da Bíblia PE. JOSÉ MARIO MANDÍA [email protected] Na semana passada falámos dos três princípios a ter em conta quando lemos a Bíblia. Para além disso a Sagrada Tradição e o Magistério da Igreja ensinam-nos que há dois níveis de significados na Bíblia: O Sentido Literal e o Sentido Espiritual. O Sentido Espiritual está ainda dividido em Sentido Alegórico, Sentido Moral e Sentido Anagógico. E o que são esses sentidos? Deixem-me referir o Catecismo da Igreja Católica. N. 116. O Sentido Literal: É o expresso pelas palavras da Escritura e descoberto pela exegese segundo as regras da interpretação correcta. “Omnes sensus (sc. Sacrae Scripturae) fundentur super litteralem” – “Todos os sentidos (da Sagrada Escritura) se fundamentam no literal” (90). N. 117. O Sentido Espiritual: Graças à unidade do desígnio de Deus, não só o texto da Escritura, mas também as realidades e acontecimentos de que fala, podem ser sinais. 1. O Sentido Alegórico. Podemos adquirir uma compreensão mais profunda dos acontecimentos, reconhecendo o seu significado em Cristo: por exemplo, a travessia do Mar Vermelho é um sinal da vitória de Cristo e, assim, do Baptismo. 2. O Sentido Moral. Os acontecimentos referidos na Escritura podem conduzir-nos a um comportamento justo. Foram escritos “para nossa instrução” (1 Cor 10, 11). 3. O Sentido Anagógico. Podemos ver realidades e acontecimentos no seu significado eterno, o qual nos conduz (em grego: anagoge) em direcção à nossa verdadeira Pátria. Assim, a Igreja terrestre é um sinal da Jerusalém celeste. No primeiro significado devemos procurar o seu sentido LITERAL. Sabemos que foi o Espírito Santo que inspirou a composição da Bíblia, mas Ele usou homens como seus instrumentos. No entanto, esses homens pertenciam a uma época e cultura específicos, com as suas línguas e tradições próprias. O trabalho dos estudiosos necessitou do conhecimento das línguas originais e do enquadramento cultural dos escritores/autores, mas a Sagrada Tradição ensina-nos como devemos interpretar o significado literal Por exemplo, a Tradição não nos diz que devemos considerar literalmente os seis dias da Criação, da forma como normalmente consideramos os nossos “dias”. Deus poderá ter gasto milhares de anos a finalizar a sua Criação. Ou ver a passagem (dos Evangelhos) em que Jesus diz que não devemos chamar ninguém de “mestre” ou “pai”(S. Mateus 23:8-9). Se considerarmos isto li- teralmente, então como deveríamos chamar aos nossos educadores? E como é que deveríamos chamar aos nossos pais? Por outro lado, quando a Bíblia nos diz que o Povo Escolhido atravessou o Mar Vermelho precisamos aceitar essa informação como facto consumado. Um dia um professor tentou desmistificar a “história” da Travessia do Mar Vermelho. Ele contou aos seus alunos que, na realidade, os israelitas teriam atravessado um pântano e nunca o Mar (Vermelho). Assim ele assumia que as águas na realidade não seriam tão profundas como afirmado, e que a Travessia não seria, afinal um milagre tão espectacular. Mas um dos seus estudantes levantou a mão e perguntou: «Se a passagem não era assim tão profunda... então como é que os Egípcios se afogaram?» Alguns outros exemplos de passagens (dos Evangelhos) em que a interpretação literal tem que ser levada em consideração incluem: Pedro (ou Chephas) como sendo a Rocha sobre a qual Cristo construíra a Sua Igreja (cf S. Mateus 16:18); As palavras de Jesus no Evangelho de S. João, 6, em que Ele falava em oferecer a Sua carne como alimento e o Seu sangue como bebida, e na Ressurreição de Jesus. Para nos facilitar a tarefa de determinarmos como devemos interpretar algumas das passagens da Bíblia, as versões católicas da Bíblia incluem notas de rodapé em muitas das páginas, que explicam as passagens mais difíceis de entender. A Bíblia nasceu da Igreja Católica, e a Igreja conhece a Bíblia suficientemente bem. Por isso, quando quiserem adquirir uma Bíblia, certifiquem-se de que é católica. Na próxima semana falaremos do Sentido Espiritual da Sagrada Escritura. ECLESIAL O CLARIM | Semanário Católico de Macau | SEXTA-FEIRA | 11 de Setembro de 2015 16 PT NA FORMAÇÃO DAS SAGRADAS ESCRITURAS A Vulgata Latina VÍTOR TEIXEIRA (*) [email protected] Hoje vamos até às origens da Bíblia enquanto livro. Muito se fala da Bíblia, nem sempre de Sagradas Escrituras, menos ainda da origem desta autêntica biblioteca que é aquele livro dos livros. Por Vulgata entenda-se a forma latina abreviada de vulgata editio (“edição”), ou vulgata versio (“versão”), senão até vulgata lectio (“leitura”). O termo em si significa “no vulgar”, na língua do vulgo, ou seja, do povo, popular. Língua essa que era o Latim. Daí designar-se como Vulgata, termo do Latim medieval. A Vulgata é a versão da Bíblia em Latim, a partir do Grego e do Hebraico (e Aramaico) composta por São Jerónimo de Estridão a partir de finais do séc. IV (c. 382) até aos inícios do séc. V, em cumprimento do encargo que lhe fora feito pelo Papa Dâmaso I em 382. A intenção era a de substituir a Vetus Latina (“Latim Antigo”, ou “Velho”), a Bíblia anterior, portanto, à Vulgata, um conjunto de textos bíblicos traduzidos para o Latim, obra desigual que não fora traduzida por uma única pessoa ou instituição, sem uma edição uniforme. Com uma qualidade variável, tal como o estilo heterogéneo dos livros, a Vetus Latina apresentava traduções do Antigo Testamento quase sempre a partir da Bíblia grega dos Setenta (ou “Septuaginta”), como os textos do Novo testamento provinham de traduções gregas. É importante referir que a Vetus Latina é uma designação colectiva dada aos textos bíblicos em Latim, traduzidos a partir do século II, a partir do Grego. Saliente-se também que não existe uma única Bíblia da “Vetus Latina”, mas sim uma grande colecção de textos bíblicos em forma de manuscritos que contêm testemunhos de traduções latinas de passagens bíblicas anteriores à Vulgata de São Jerónimo. Por exemplo, um estudioso da Vetus Latina, com base no evangelho de São Lucas, focando-se no excerto de Lc 24,4-5 em manuscritos da Vetus Latina, encontrou “pelo menos de 27 redacções diferentes”. Por isso, era imperativa uma compilação uniforme, com critério e com base numa tradução homogénea e coerente. Na rápida difusão do Cristianismo a partir do séc. IV, impunha-se uma Bíblia igual e clara, mais exacta que as anteriores, legível e de entendimento fácil por todos, ou por mais pessoas. Por isso foi escrita em Latim corrente, ou “vulgar” (daí vulgata), não em Latim clássico, “de Cícero”, como dizia São Jerónimo. O Antigo Testamento foi todo traduzido directamente do Hebraico (e Aramaico, língua proto-hebraica, falada por Jesus Cristo, por exemplo), enquanto o Novo não se sabe com segurança se foi directamente a partir dessas línguas semíticas ou, também, com base em revisões de antigas traduções latinas. Refira-se que as traduções de São Jerónimo não foram servis e literais, mas, para além de o fazer com elegância de estilo, esforçou-se por salientar a autenticidade e valor do pensamento expresso em Hebraico pelos autores sagrados. Muitas vezes apenas se retocou por uma questão de estilo, porém. Não existe nenhum manuscrito do original de São Jerónimo, apenas cerca de oito mil cópias, mais ou menos alteradas (St. Gallen, Fulda, Amiens...). A Vulgata foi sendo sujeita a alterações com o decurso dos tempos (substituição de vocábulos difíceis por fáceis, correcções, etc.), aumentando o número de versões, ou recensões, do pretenso texto original. No Concílio de Trento (1545-63) as versões eram em grande número, todas elas reivindicando a autenticidade e genuinidade do texto original, que já não existia claro, mais de mil anos depois. O Concílio declarou a Vulgata como “autêntica”, o que significava que o seu texto podia ser usado como referência, preferentemente a outras versões latinas, mas sem exclusão de recurso aos textos originais. Promoveu-se ainda uma edição oficial da Vulgata para uso comum. Mas que Vulgata? Para isso, foram nomeadas sucessivas comissões para a sua revisão, a partir da comparação, exegese, estudos, até se conseguir uma edição revista em 1590, iniciada com Sisto V, mas concluída apenas por Clemente VIII em 1592 (Vulgata Clementina). Esta Vulgata Sisto-Clementina, diríamos, passou a ser o texto oficial da Bíblia Católica, no século das Reformas e das traduções da Bíblia para línguas vulgares, a partir de Lutero. Mas era necessária uma versão totalmente correcta, ou o mais próximo possível da tradução de São Jerónimo. As diferenças continuavam, em estilo e sentido, as polémicas logo apareciam e suscitavam mais dúvidas e diferenças. Por isso em 1907 Pio X confiou aos Beneditinos a preparação de uma edição crítica, a ser apurada a partir de revisões, estudos, comparações, um trabalho ciclópico, a exigir uma “paciência beneditina”. O texto daí resultante (Biblia Sacra iuxta latinam vulgatam versionem) viria a ser a base oficial da Bíblia Católica e substituir a Vulgata Clementina, então ainda em uso. Após o Concílio Vaticano II, por determinação de Paulo VI, foi impulsionada a revisão da Vulgata, sobretudo para uso litúrgico, criando-se uma comissão pontifícia para o efeito, que continua, no fundo, o trabalho, iniciado em 1907, de acordo com os mais apurados preceitos e metodologias de crítica textual, tradução e revisão, a partir dos textos aramaicos, hebraicos e gregos, além de estudos comparativos das edições latinas, com apoio e intervenção de académicos e peritos. A revisão desta Comissão, iniciada em 1965, terminou em 1975, tendo sido promulgada pelo Papa João Paulo II, em 25 de Abril de 1979, denominando-se Nova Vulgata, ficando estabelecido que seria a nova Bíblia oficial da Igreja Católica, com um renovado aparato crítico e hermenêutico. A Nova Vulgata é a referência, desde a instrução pontifícia Liturgiam Authenticam, de 2001, para todas as traduções de textos e ofícios litúrgicos para as línguas vernaculares. (*) Universidade Católica Portuguesa O CLARIM | Semanário Católico de Macau | SEXTA-FEIRA | 11 de Setembro de 2015 PT 17 R OTA D O S 5 0 0 A N O S Um problema atrás do outro JOÃO SANTOS GOMES [email protected] E sta foi a semana do desespero com o frigorífico e com o novo bote. Dias depois de termos regressado de Carriacou e de nos termos instalado em St. George, o nosso frigorífico deixou de funcionar. A princípio pensava que fosse a caixa controladora que tivesse queimado, à semelhança do que já tinha acontecido no início desta aventura, na República Dominicana, e que se resolveu trocando por uma nova que custou algumas centenas de patacas. Depois de chamar um técnico a bordo, descobrimos que o problema era o compressor que tinha deixado de funcionar. Contas feitas, preferimos comprar o conjunto completo do compressor, caixa controladora e unidade de frio, pois o preço do compressor, só por si, é mais de metade do preço de um conjunto completo. Sendo que tínhamos uma máquina já com uns anitos, foi mais sensato adquirir uma nova, mantendo a antiga para peças ou para, mais tarde, a instalar com um novo compressor e um novo evaporador dentro da nossa arca frigorífica. Esta tem uma capacidade de 320 litros e precisa de muito frio. Equipála com duas unidades de frio será o ideal especialmente em climas quentes. Foram-nos colocadas várias opções, mas a contenção de custos fez-nos optar, inicialmente, por uma unidade mais barata e com a mesma potência. Acontece que devido a um problema técnico com o novo conjunto (estava a verter óleo) fomos obrigados a adquirir um modelo um pouco mais forte, por um preço também mais elevado. O ideal seria o problema ficar resolvido mas, como tem sido apanágio nesta viagem, um problema nunca vem só! Quando chegou o momento de instalar a unidade deparámos que as válvulas de ligação não eram compatíveis, sendo diferentes das originais. Como decidimos manter o evaporador (o mecanismo de frio) tivemos de cortar os tubos de cobre e proceder à sua soldadura. As novas válvulas iriam demorar mais de duas semanas a chegar, havendo sempre a necessidade de proceder a trabalhos de soldadura. Como o frigorífico é de extrema importância – ainda para mais quando há crianças a bordo – optámos por ligar directamente os tubos de cobre por onde circula o gás. Correu tudo bem até que surgiu um novo problema: a ligação do tubo de gás ao evaporador (no nosso caso é uma caixa de aço inox com capacidade para quatro litros de líquido refrigerante) quebrou. Foi tudo desmontado, soldado e colocado no local, rezando para que estivesse a funcionar. Após dois dias de intenso trabalho, o sistema ficou a trabalhar, aparentemente sem fugas ou outro tipo de problemas. Depois de vários dias sem frio e a funcionar sob calor abrasador de dia e de noite, a caixa frigorífica está com uma temperatura elevadíssima. Levá-la a valores de refrigeração e de congelação vai demorar alguns dias, ou mesmo semanas. O sistema no barco é, na essência, igual ao de uma casa, mas com ligeiras diferenças, a começar pelo facto de funcionar a 12 volts, o que o torna mais lento e mais susceptível a variações. Como já aqui tínhamos referido num artigo anterior, antes de termos rumado a Carriacou para retirar o veleiro da água, procedemos à encomenda de um pequeno bote rígido. Fizemos o pagamento de metade do montante, para que a encomenda fosse feita, ficando acordado que pagaríamos o remanescente assim que o bote chegasse, em finais de Agosto. Para minha surpresa, fui informado que o bote não tinha chegado no contentor de Agosto (recebem mensalmente da casa-mãe em St. Martin). Para agravar o desespero nem se dignaram a oferecer qualquer solução. «– Não veio, não veio, assunto arrumado!», foi esta a resposta. Dado que a pessoa que recebeu a encomenda, a gerente-assistente, se encontrava de férias, decidi não insistir mais e regressar quando ela voltasse ao serviço. Espero que se resolva mais este problema porque precisamos realmente do bote. O nosso insuflável está em muito mau estado e não me apetece gastar mais dinheiro a remendá-lo. Para terem uma ideia da gravidade do problema, o ar não se mantém por mais de duas horas. Temos de estar constantemente a bombeá-lo sempre que o colocamos na água. Este é nosso meio de transporte para nos deslocarmos de um lado para o outro. Com um bote rígido acabam os problemas com a perda de ar, para além de que oferece a vantagem de ser utilizado a remos e à vela. Aliás, irá servir como escola de vela para a Maria. Nos próximos dias, se não surgir mais algum imprevisto, iremos proceder à preparação do Dee. Não há muito a fazer mas queremos estar prontos para sair a qualquer momento. Uma pequena reparação que tinha de ser feita na vela do enrolador já foi executada por mim. Agora quero substituir um dos cabos que temos no mastro, que utilizamos, principalmente, para ajudar a içar o bote para o convés, mas que pode ser usado para levantar outra vela ou para substituir o cabo que segura a vela do enrolador. Depois disso e de colocarmos tudo o que se encontra no poço e no convés no seu devido local, estaremos prontos para levantar âncora. ENTREGUE ESTE CUPÃO NAS BILHETEIRAS DO CINETEATRO DE MACAU DATA DO SORTEIO: 17 DE SETEMBRO DE 2015 CADERNO DIÁRIO O CLARIM | Semanário Católico de Macau | SEXTA-FEIRA | 11 de Setembro de 2015 18 Segunda 7 Terça 8 Caos 1 Genética É provável que nenhum dirigente da União Europeia ou dos Estados membros tenha alguma vez ouvido falar da “teoria do caos”, lançada e burilada no pós-guerra pelo filósofo Leo Strauss, da elite política judia e do “establishment” dos Estados Unidos, continuada até hoje pelos seus discípulos – e financiada pelo Pentágono. Raros são também os jornalistas que a integram nas suas investigações e análises, sujeitando-se a ser imediatamente rotulados como seguidores lunáticos das chamadas teorias da conspiração. Em poucas palavras, a “teoria do caos” de Strauss estabelece que a melhor maneira de os Estados Unidos da América impedirem a criação de países ou blocos rivais e beneficiarem de matérias primas baratas e com acesso desregulado é através da instauração de situações de caos governamental e social em diferentes países e regiões, de maneira a que Washington delas possa tirar proveito praticamente exclusivo. Para ele, a criação de situações de caos favoráveis aos Estados Unidos deveria ser um fim, nunca um meio. O livro “O Património Genético Português: A História Humana preservada nos genes”, de Luísa Pereira e Filipa Ribeiro, fala da nossa história preservada nos genes. Quem somos, afinal? Combinando contributos de áreas tão diferentes como a genética, a arqueologia, a antropologia, a história e até a climatologia, este livro oferece uma visão multifacetada de uma memória que deixamos impressa neste mundo: seja pelos genes, pelas viagens, pelas relações interpessoais ou por um pouco de tudo isto. Cada homem, na sua especificidade genética, tem um significado evolutivo. E não se pode compreender a evolução sem compreender a variação. Fruto de um trabalho de investigação científica, a presente obra inova pela sua interdisciplinaridade, acessibilidade, complementaridade e pelo seu conteúdo de referência para quem trabalha em evolução humana. O leitor é acompanhado ao longo de uma aventura de múltiplas facetas, explorando muitas perspectivas dos recentes avanços no conhecimento quanto às origens e migrações humanas PT no passado, focando uma temática que nunca havia sido tratada em livro: o património genético português. Quarta 9 Magnetismo Caos 2 A “teoria do caos” de Leo Strauss teve desenvolvimentos no início dos anos noventa do século passado, quando Washington tratou de fazer vingar a unipolaridade disfarçada de multi-polaridade a seguir ao desmembramento da União Soviética. Por iniciativa de George Bush pai nasceu então a “teoria Wolfowitz”, que deve o nome a Paul Wolfowitz, discípulo de Strauss, igualmente membro da elite judia norte-americana, arquitecto da política externa de George Bush filho e da invasão do Iraque. Também foi presidente do Banco Mundial. Regressou à sombra depois de conhecidos os escândalos através dos quais rateava cargos públicos entre os amigos neo-conservadores, familiares e namoradas. Em poucas palavras, a teoria Wolfowitz – ainda secreta mas parcialmente revelada pelo New York Times e pelo Washington Post, em Março de 1992 – estabelece que a supremacia global norte-americana exige o controlo militar, político e económico sobre a União Europeia, para que esta não se torne uma potência capaz de rivalizar com os Estados Unidos. Aliada sim, mas nunca em plano igualitário. Leia O CLARIM na net A intensidade das linhas magnéticas que cruzam o planeta de Norte a Sul diminui, provocando a desorientação dos animais migratórios que se orientam pelos veios magnéticos da Terra. Por sua vez, os pólos magnéticos tornam-se instáveis, com repercussões nos instrumentos electrónicos de navegação aérea e marítima. Essa alteração do fluxo magnético planetário também tem uma influência notória sobre o comportamento humano. Quando submetido a forças magnéticas de menor intensidade, o homem tende a sintonizar-se com o inconsciente colectivo, abrindo caminho para a depressão, a insanidade, a intolerância e a incompreensão. Para sobreviver aos períodos de pulsos cósmicos, o homem deve sobrepor-se ao inconsciente colectivo através da meditação e da espiritualização, procurando um rumo para a sua vida que contemple acções comunitárias e filantrópicas e uma interiorização que o leve a ser dono e senhor dos seus pensamentos e actos e não arrastado pelas circunstâncias. Desta forma tornar-se-á um importante obreiro do Bem no combate à ignorância colecti- www.oclarim.com.mo va e às paixões inferiores da multidão. E, assim, contribuirá para inviabilizar o plano dos Senhores das Trevas de instaurarem a escravatura global num mundo de ateísmo e miséria. ENTRETENIMENTO O CLARIM | Semanário Católico de Macau | SEXTA-FEIRA | 11 de Setembro de 2015 19 PT TDM Canal 1 23:00 23:30 01:20 01:50 Sexta-feira TDM News (Repetição) Telejornal RTPi (Diferido) RTPi (Directo) Telenovela: Amor à Vida (Rastros de Mentiras – Repetição) TDM Talkshow (Repetição) Telenovela: Paixões Proibidas Telejornal Macau 360° Mudar de Vida Telenovela: Amor à Vida (Rastros de Mentiras) TDM News Cinema: Ribatejo Telejornal (Repetição) RTPi (Directo) 10:45 11:40 12:00 12:30 13:00 13:30 14:30 18:05 18:30 19:20 19:50 20:30 21:00 21:50 23:00 23:30 00:30 01:00 Sábado Os Ursos Boonie Espera Ki À Mesa com Capote Cozinha em Forma TDM News (Repetição) Telejornal RTPi (Diferido) Telenovela: Paixões Proibidas (Compacto) Sabia Que? Quem Quer Ser Milionário What’s Up: Olhar a Moda Macau 360° (Repetição) Telejornal Conta-me como foi Macau: As Duas Faces de Cláudia TDM News Pop Lusa Telejornal (Repetição) RTPi (Directo) 13:00 13:30 14:30 18:20 19:10 19:40 20:30 21:15 21:45 22:10 Domingo 10:30 Jardim da Celeste 23:00 23:30 23:45 00:40 01:15 13:00 13:30 14:30 17:50 18:40 19:40 20:30 21:00 22:10 23:00 23:30 00:05 00:40 Cinema: Ribatejo. Hoje, às 23:30 horas. 11:00 12:00 12:30 13:00 13:30 14:30 16:30 17:20 17:40 18:20 18:45 19:40 20:30 21:00 22:00 13:00 13:30 14:30 17:40 Missa Dominical A Hora de Baco Especial Saúde TDM News (Repetição) Telejornal RTPi (Diferido) Zig Zag Super Miúdos Photo Madeira AB Ciência Corpo Clínico Decisão Final Bem-Vindos a Beirais Telejornal Contraponto Caraíbas com Simon Reeve A PARTIR DE 11/9/2015 18:30 19:40 20:30 21:00 21:40 22:10 23:00 23:30 00:30 C TDM News Reportagem Magazine Liga Europa 2015/2016 Telejornal (Repetição) RTPi (Directo) Segunda-feira TDM News (Repetição) Telejornal RTPi (Diferido) RTPi (Directo) Telenovela: Amor à Vida (Rastros de Mentiras – Repetição) Contraponto (Repetição) Telenovela: Paixões Proibidas Telejornal TDM Desporto Telenovela: Amor à Vida (Rastros de Mentiras) TDM News Magazine Liga dos Campeões 2015/2016 Telejornal (Repetição) RTPi (Directo) Terça-feira TDM News (Repetição) Telejornal RTPi (Diferido) RTPi (Directo) Telenovela: Amor à Vida (Rastros de Mentiras – Repetição) TDM Desporto (Repetição) Telenovela: Paixões Proibidas Telejornal TDM Entrevista City Folk: Gente da Cidade Telenovela: Amor à Vida (Rastros de Mentiras) TDM News Portugal Aqui tão Perto Telejornal (Repetição) 01:00 RTPi (Directo) 13:00 13:30 14:30 18:20 19:00 19:40 20:30 21:00 21:40 22:10 23:00 23:30 23:45 01:30 02:00 13:00 13:30 14:30 18:20 19:10 19:40 20:30 21:00 21:40 22:10 23:00 23:30 23:45 00:20 00:50 Quarta-feira TDM News (Repetição) Telejornal RTPi (Diferido) RTPi (Directo) Telenovela: Amor à Vida (Rastros de Mentiras – Repetição) TDM Entrevista (Repetição) Telenovela: Paixões Proibidas Telejornal Montra do Lilau Literatura Agora Telenovela: Amor à Vida (Rastros de Mentiras) TDM News Resumo Liga dos Campeões A Minha Geração Telejornal (Repetição) RTPi (Directo) Quinta-feira TDM News (Repetição) Telejornal RTPi (Diferido) RTPi (Directo) Telenovela: Amor à Vida (Rastros de Mentiras – Repetição) Montra do Lilau (Repetição) Telenovela: Paixões Proibidas Telejornal TDM Talk Show Endereço Desconhecido Telenovela: Amor à Vida (Rastros de Mentiras) TDM News Resumo Liga dos Campeões Onda Curta Telejornal (Repetição) RTPi (Directo) A PARTIR DE 11/9/2015 SALA 1 SALA 2 MAZE RUNNER NO ESCAPE 14:30 | 16:45 | 19:15 | 21:30 14:30 | 16:30 | 19:30 | 21:30 THE SCORCH TRIALS Um filme de: Wes Ball Com: Dylan O’Brien, Ki Hong Lee, Kaya Scodelario A PARTIR DE 11/9/2015 C Um filme de: John Erick Dowdle Com: Owen Wilson, Pierce Brosnan, Lake Bell C A PARTIR DE 11/9/2015 SALA 3 SALA 3 LOVE DETECTIVE ALL YOU NEED IS 16:30 | 19:30 Um filme de: Wong Pak-Kei Língua: Falado em Cantonês, com legendas em Chinês e Inglês B LOVE 14:30 | 21:30 Um filme de: Richie Ren Com: Richie Ren, Shu Qi, Ti Lung Língua: Falado em Cantonês, com legendas em Chinês e Inglês TEMPO www.smg.gov.mo COM ABERTAS 26º Min. - 32º Máx. 20 | ÚLTIMA | SEXTA - FEIRA | 11 - 09 - 2015 Rua do Campo, Edf. Ngan Fai, Nº 151, 1º G, MACAU TEL. 28573860 FAX. 28307867 | www.oclarim.com.mo Céu pouco nublado intervalado de períodos de muito nublado. Vento na escala Beaufort 2 a 3 de Leste a Sueste. Humidade relativa entre 65% e 90%. O índice UV máximo previsto é de 9, classificado de Muito Alto. TAXAS DE CÂMBIO MOP USD EUR 1 1 GBP JPY AUD NZD RMB HKD 1 100 1 1 100 1 www.bcm.com.mo 7.9728 8.9167 12.2555 6.59 6.0309 5.0165 80.68 103.00 COSTA DA MEMÓRIA Rota para Tombuctu JOAQUIM MAGALHÃES DE CASTRO [email protected] Toda essa área, sobretudo a dita “rota dos cashbás”, de Errachidia a Ourzazate e daí até Marraquexe, tem sido utilizada como cenário de diversos filmes, alguns deles êxitos de cartaz. Ouviria Isabel dizer que existiriam em Ourzazate uns estúdios da Castello Lopes, possibilidade que ficou por confirmar. No que me diz respeito, e já que estamos no universo do cinema, posso afirmar que tive o privilégio de utilizar a casa de banho do luxuoso Muxuca, «o hotel onde ficou alojado Tom Cruise», como diziam as brochuras turísticas. Em Erfoud deparámos com mais expedições de veículos todo-o-terreno, alguns com matrícula portuguesa. Ali, pese toda essa modernidade transitando nas ruas bem asfaltadas, era ainda a hospitalidade dos nómadas que ditava as regras. Frente a uma pequena loja vi uma caixa de madeira repleta de tâmaras destinadas ao viandante que por ali passasse. «– É uma tradição antiga dos berberes do deserto. Só se tiram as tâmaras que se deseja comer», apressou-se a esclarecer Hassan. Er Rissani, mais a sul, é ainda mais pequena do que Erfoud. Nas suas proximidades repousam as ruínas de Sijilmassa, cidade lendária, capital de um principado islâmico, transformado posteriormente numa das mais importantes cidades da rota transariana. Tombuctu fica para o Sul, como indicava uma estranha placa. Da glória de outrora restavam dois portões e umas pedras amontoadas. Não consta que tenham andado por ali portugueses, pelo menos a nível oficial, no entanto havia quem atribuísse origem lusa a partes do complexo arqueológico. É assim um pouco por todo Marrocos, interior ou costeiro. Para o comum dos marroquinos Portugal esteve em todos os cantos e recantos do País. Em Er Rissani visitámos Ahmed, irmão de Hassan. Estivera casado com uma rapariga bastante mais nova escolhida pela família, mas o arranjo não funcionara e o divórcio foi uma inevitabilidade ao fim de um ano de união. «– As mulheres marroquinas não me interessam», confessava Ahmed, destacando logo de seguida os benefícios da Internet que lhe permitira conhecer Debora, Joaquim Magalhães de Castro uma carioca, também divorciada, «vizinha do Ronaldinho». Visitara-o no ano anterior e agora era a vez de Ahmed ir ao Rio de Janeiro. Não necessitava de visto. O problema era o custo e a morosidade da viagem, obrigando-o a umas horas em trânsito na Europa comunitária. Mas isso seria «só para o ano», quando conseguisse juntar alguns milhares de euros. No deserto, caso ignorássemos a passagem das expedições europeias, poderíamos dizer que a vida seguia ao ritmo dos dromedários, lentamente desfilando, em cáfilas, quebrando o efeito produzido pelas fatas morganas. Ultrapassadas as palmeiras do oásis, eis-nos em pleno deserto aberto rumo ao erg de Merzouga, as famosas e gigantescas dunas de areia amarela e por vezes cor de laranja que chegam a ter centenas de metros de altura. São a versão minúscula do que podemos encontrar no Sara argelino numa dimensão incomparavelmente maior. Passámos quatro noites e três dias em Merzouga, alojados no Nomad Palace, um desses hotéis cashbás, a uns bons quilómetros da povoação. Estavam ali hospedados uma excêntrica professora norte-americana de meia-idade e um numeroso grupo de espanhóis aficionados do motocrosse e da moto-a-quatro nas dunas do deserto, prova de que há gostos para tudo. Enfim, o local não fazia nada o meu género, mas ali fiquei por respeito aos meus companheiros de viagem, e, porque não, para viver outro tipo de experiência. Quanto mais não fosse para me certificar de que aquilo de que gosto mesmo é de me alojar no centro das povoações, onde existem possibilidades de escolha mesmo que nessa escolha haja muito pouco por onde escolher, como era o caso de Merzouga. Chegariam, entretanto, ao Nomad Palace um australiano descendente de chineses de Cantão, um casal inglês atípico e uma japonesa que deixou em alvoroço alguns dos rapazes que trabalhavam para o Ali, o dono do local. Todos estes novos hóspedes tinham agendado no seu programa de férias o ritual da marcha em dromedário até a um oásis situado na base das dunas, com dormida em tenda berbere e direito a assistir ao nascer do Sol, tudo pela módica quantia de trinta euros. O pessoal do Nomad Palace, talvez para criar alguma adrenalina, fazia questão de nos lembrar a proximidade da fronteira com a Argélia. Pelos vistos, minuciosamente patrulhada. «– Se te encontram fora do caminho não hesitam em arrumar contigo», avisara Hassan, passando com lentidão os dedos pelo pescoço, elucidativo sinal que tirava a vontade a quem pretendesse ir espiolhar para aquelas bandas. Do programa turístico constava também uma visita à aldeia dos “berberes negros”, antepassados dos nómadas vindos do Sudão, que na sociedade local continuavam a ter uma posição subalterna. Para sobreviver, tocavam música para os visitantes, mas não eram interesseiros como esses “nómadas” de turbante, túnica e sandálias só para turista ver, que nos falavam com frases feitas e adoravam estourar o dinheiro nos copos, noite após noite. Cerveja, vinho, uísque, todas as bebidas eram bem-vindas.