Nota Informativa
III/2014
abril
DSAJAL/DAJ
Município
Acesso a documentos
Ação Inspetiva
Quesito
Poderá um membro da Assembleia Municipal conhecer o projeto de relatório elaborado pela InspeçãoGeral de Finanças (IGF) numa ação de fiscalização ao Município, bem como de pronúncia sobre o
mesmo produzida?
Resposta
O regime jurídico da atividade de inspeção da administração direta e indireta do Estado (Dec.-Lei n.º
276/2007) que, designadamente, regula a atividade da IGF, não atribui aos procedimentos de inspeção
uma natureza secreta ou confidencial.
Nesta conformidade, os elementos que integram tal procedimento devem ser tidos como documentos
administrativos relativamente aos quais vale o princípio constitucional da liberdade de acesso aos
documentos administrativos, que decorre do direito à informação consagrado nos n.ºs 1 e 2 do art.
268.º da Constituição e que tem tradução nos art.s 61.º a 64.º do Código do Procedimento
Administrativo e na Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto).
Considerando que o direito à informação reveste uma natureza análoga aos direitos, liberdades e
garantias (cfr. art. 17.º da Constituição) o legislador terá considerado, atento o disposto no art. 18.º da
Lei Fundamental, que os procedimentos de inspeção não são em si mesmos conflituantes com outros
direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, pelo que entendeu que lhes deveria ser aplicado
o regime regra da “administração aberta”, o (livre) acesso aos documentos administrativos tal como se
encontra consagrado na nossa ordem jurídica.
De acordo com esse regime regra, contido atualmente na Lei n.º 46/2007, a que fizemos já menção, a
liberdade de acesso aos documentos administrativos (consagrada no art. 5.º) compreende as restrições
constantes do art. 6.º do mesmo diploma, o qual dispõe:
1 - Os documentos que contenham informações cujo conhecimento seja avaliado como podendo pôr em risco
ou causar dano à segurança interna e externa do Estado ficam sujeitos a interdição de acesso ou a acesso sob
autorização, durante o tempo estritamente necessário, através da classificação nos termos de legislação
específica.
2 - O acesso a documentos referentes a matérias em segredo de justiça é regulado por legislação própria.
3 - O acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não
concluídos pode ser diferido até à tomada de decisão, ao arquivamento do processo ou ao decurso de um ano
após a sua elaboração.
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4 - O acesso aos inquéritos e sindicâncias tem lugar após o decurso do prazo para eventual procedimento
disciplinar.
5 - Um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos se estiver munido de autorização escrita da
pessoa a quem os dados digam respeito ou demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente
relevante segundo o princípio da proporcionalidade.
6 - Um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais,
industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou
demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da
proporcionalidade.
7 - Os documentos administrativos sujeitos a restrições de acesso são objecto de comunicação parcial sempre
que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada.
As restrições ao direito de acesso aos documentos administrativos têm vindo a ser sistematizadas pela
doutrina desenvolvida pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) nos seus
pareceres da seguinte forma:
«- Quando se trate de documentos nominativos (n.º 5 do artigo 6.º);»
«- Quando contenham segredos de empresa (n.º 6 do artigo 6.º);»
«- Quando haja razões para deferir ou indeferir o acesso (n.ºs 1, 2,3 e 4).
«Nos termos do art. 6.º, n.º 3 “[o] acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou
constantes de processos não concluídos pode ser diferido até à tomada de decisão, ao arquivamento do
processo ou ao decurso de um ano após a sua elaboração”»
«O direito de acesso à informação está, ainda, sujeito a limites ou restrições, para salvaguarda de outros bens
juridicamente tutelados e de direitos que com ele entrem em colisão, nomeadamente referentes á dignidade da
pessoa humana, direitos das pessoas à integridade moral, ao bom nome e reputação, à palavra, à imagem, à
privacidade, restrições imposta pelo segredo de justiça ou pelo segredo de Estado.»2
Embora a matéria constante das ações inspetivas dificilmente possa ser enquadrável nas restrições que
decorrem diretamente do art. 6.º da Lei n.º 46/2007 – desde logo por se considerar que «não são
informação nominativa as apreciações, juízos de valor e informações funcionais, porque referentes ao
exercício de funções públicas e não à reserva da intimidade da vida privada»3 --, certo é também que
tem em si mesma a suscetibilidade de se relacionar com áreas em que vigora já o segredo ou a
confidencialidade dos respetivos procedimentos, como são, a mero título de exemplo, os casos dos
processos penal e contraordenacional (o segredo de justiça de que tratam os art.s 86.º a 90.º do
Código de Processo Penal). Note-se que, é o próprio regime jurídico da atividade da inspeção a prever
que no âmbito desta atividade possam ser colhidos indícios da prática de crimes e/ou de contraordenações -- e a estipular o momento em que a participação às autoridades competentes deve ser
efetuado (cfr. n.º 7 do art. 15.º do Dec.-Lei n.º 276/2007).
Tendo o procedimento inspetivo a suscetibilidade de conter matéria que pode estar sujeita a segredo,
como se exemplificou, cremos que o efeito útil desse segredo exige que o acesso aos documentos que
encerra (todos ou alguns) deva ser diferido até à tomada de decisão no respetivo procedimento, tal
como é permitido pelo n.º 3 do art. 6.º que atrás ficou transcrito.
Não obsta ao entendimento que deixámos exposto sobre a aplicabilidade do regime regra da liberdade
de acesso aos documentos que integram os procedimentos inspetivos a circunstância do Dec.-Lei n.º
276/2007, no n.º 1 do seu art. 21.º, impor o dever de sigilo aos dirigentes, ao pessoal de inspeção e a
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todos aqueles que com eles colaborem.
Fácil é entender que prestar informação a pedido de quem a ela tem direito nos termos da lei e
divulgar por motu próprio informação que foi obtida no desempenho de funções públicas ou por causa
delas, são realidades diversas. A ser lícita esta última hipótese de atuação, sobretudo quando levada a
cabo por entidade com particulares poderes de autoridade (v.g., art. 16.º do Dec.-Lei n.º 276/2007),
equivaleria a por em causa o direito ao respeito da vida privada e também a própria prossecução dos
interesses visados com o desempenho das funções públicas.
O dever de sigilo nos termos indicados é, assim, um pressuposto do adequado funcionamento da
Administração quando age com poderes que lhe permitem obter de forma privilegiada informação
sobre entidades e um pressuposto do respeito pela autonomia e liberdade destas.
Ao incumprimento do dever de sigilo faz a lei corresponder responsabilidade disciplinar, «sem prejuízo
da responsabilidade civil ou criminal» que igualmente possa envolver (cfr. n.º 2 do art. 21.º do Dec.-Lei
n.º 276/2007).
Aqui chegados, cremos ter já reunido fundamentação bastante para poder dar resposta às concretas
questões que nos foram colocadas:
i)
O projeto de relatório elaborado IGF no âmbito da ação inspetiva levada a efeito no município
não tem natureza secreta, sigilosa ou confidencial, constituindo um documento sujeito ao regime (geral)
da Lei de Acesso aos Documentos da Administração;
ii)
Atendendo a que no âmbito do procedimento inspetivo podem ser colhidos elementos que
indiciem a prática de ato sujeitos a regimes jurídicos que prescrevem o segredo ou a confidencialidade
de procedimento, o efeito útil da natureza secreta ou confidencial aponta para que o acesso a toda ou
alguma da informação obtida no procedimento só deva ser permitido uma vez este concluído, nos
termos da citada Lei – razão pela qual não cremos que o projeto de relatório tenha sido facultado pela
IGF a pedido de qualquer interessado;
iii)
Atento o efeito útil mencionado na conclusão anterior, julgamos que o projeto de relatório em
apreço não deva ser divulgado por qualquer membro de órgão autárquico;
iv) Uma vez que a divulgação do referido projeto bem como da pronúncia feita sobre o mesmo podem
ter ficado a dever-se a incumprimento do dever de sigilo consagrado no art. 21.º do Dec.-Lei n.º
276/2007, deve ser dado conhecimento da situação à IGF, para que apure sobre a eventual existência
de responsabilidade disciplinar.
Fundamentação
Decreto-Lei n.º 276/2007, de 31/07
Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto
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