Vozeiro de Primeira Linha
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Ano XII • Nº 43 • Segunda jeira • Janeiro, Fevereiro e Março de 2007
Os senhores da injustiça
Editorial
A democracia burguesa está indissoluvelmente ligada à economia de mercado. A propriedade privada dos meios de produçom
e a exploraçom da força de trabalho baseada no lucro que o Capital extrai em mais-valia necessitam umha legitimaçom políticaideológica que facilite a sua reproduçom e, por sua vez, contenha
o desenvolvimento da luita de classes. Deste jeito, a democracia
representativa que o capitalismo promove no Ocidente procura
reduzir ao mínimo e disciplinar ao máximo as forças políticas,
em base a um artificial eixo direita-esquerda, conservador-progressista, na procura do bipartidarismo mediante a construçom
de partidos interclassistas de massas que aparentem defender
interesses antagónicos e, portanto, gerem essa virtual realidade
da “democracia”. Os partidos Republicano e Conservador norteamericanos, ou os Laborista e o Conservador británicos som paradigmas do modelo perfeito que promove o Capital.
As modernas e desenvolvidas “democracias ocidentais” sempre tentárom evitar contar nos parlamentos com representaçom
de forças genuinamente operárias e populares e, naquelas formaçons sociais que padecem opressom nacional, impedir a presença
do independentismo ou soberanismo. Durante o processo de estabilizaçom e consolidaçom do regime pluripartidarista, contribuírom
para o acesso da esquerda reformista, com o intuito de facilitar a
legitimaçom entre os sectores mais conscientes da classe trabalhadora, e simultaneamente evitar o desenvolvimento de movimentos de massas que empregassem a rua como espaço de acçom e
a utilizaçom de formas de luita à margem do que o sistema permite, mas à medida que os eficazes mecanismos de alienaçom de
massas iam logrando os seus objectivos de anular a capacidade
de luita operária e popular, fragmentando a classe trabalhadora,
introduzindo os valores do individualismo, o exercício do consumismo compulsivo, o reformismo nas suas diversas variantes deixou
de ser útil e passou a ser, portanto, prescindível.
No Estado espanhol, o PCE foi determinante para atingir os
pactos que perpetuárom a reforma do franquismo nesta carica-
Sumário
3 A pobreza na Galiza
Raúl Asegurado Peres
4 Neoliberalismo contra serviços
públicos: o caso galego
Maurício Castro
5-6 Marxismo e geografia ou a
ilegalizaçom do mapa
Xosé Constenla Veiga
6 Livros
7 O Che, o degrau mais alto da
espécie humana
Justo de la Cueva
8 Che Guevara, presente ou
passado?
Nº 43. Janeiro, Fevereiro e Março de 2007
Editorial
tura democrática mediante a imposiçom da II Restauraçom bourbónica.
A partir de um determinado momento, a início da década de oitenta do
século passado o carrilhismo e as suas posteriores orientaçons já nom
eram necessárias, o que fijo com que promovessem a sua debacle até o
converterem no actual testemunhalismo de IU.
Na Galiza, o sistema, após ter fracassado na tentativa de evitar o
acesso da esquerda nacionalista ao parlamentinho autonómico em Outubro de 1981, promoveu umha modificaçom do regulamento interno com
carácter retroactivo que provocou a expulsom dos deputados eleitos do
soberanismo de esquerda, condenando ao ostracismo umha parte qualitativamente significativa do movimento popular que, coerentemente,
questionava e nom assumia a estrutura jurídico-política do regime. Esta
decisom, unida a umha forte campanha de pressons mediáticas e políticas, debilitou o movimento, quebrou a unidade interna, acelerou as contradiçons que mais tarde provocárom a ruptura e um novo processo de
recomposiçom organizativa sobre novas bases políticoideológicas que posteriormente fôrom determinantes
na deriva regionalista e social-democrata, junto à plena
integraçom no sistema, que caracteriza hoje o BNG.
Porém, o sistema pluripartidarista, um dos dogmas da “superioridade” da economia de mercado
ocidental sobre as experiências socialistas, pode ser
reduzido à mínima expressom e mesmo ser prescindível, sempre e quando os interesses do grande capital
industrial, comercial e financeiro estiverem em perigo
polo desenvolvimento da luita de classes promovida
polo proletariado organizado. Os fascismos no período
de entreguerras, o levantamento militar franquista de
1936, as mais próximas ditaduras do cone sul latinoamericano, ou a recente tentativa de golpe de Estado
na Venezuela, som exemplos indiscutíveis do carácter
meramente instrumental da democracia representativa
para a burguesia.
e a democracia burguesa, quem realmente incidiria na orientaçom das
políticas do governo? As pessoas que votárom em determinado partido
político seguindo as promessas de um programa eleitoral? O conjunto
d@s deputad@s do parlamento após a síntese atingida em debates
construtivos e sinceros? Obviamente nom. Aqui radica um dos cernes
da democracia real, da democracia socialista frente à pseudodemocracia
que nos imponhem.
As forças políticas, na democracia burguesa, salvo contadas excepçons, representam os interesses das diversas fracçons da burguesia, e
no seu interior contam com lobbies de poder que representam interesses
concretos das grandes empresas, bancos, companhias, e também de ámbito local, em muitas ocasions com contradiçons específicas. Mas nom só,
estes partidos som testas-de-ferro e garantes da estabilidade do regime,
dos inquestionáveis dogmas em que alicerça: economia de mercado, unidade indivisível da “pátria”, divisom social em classes disfarçada sob
É necessário e urgente reagir
Quem realmente manda hoje no País?
É umha pergunta que muitas vezes formulamos,
escuitamos em inumeráveis ocasions e da qual temos
obtido respostas díspares. Logicamente, numha naçom
como a Galiza, carente de um Estado próprio por nom
ser soberana, o poder político formalmente instituído apresenta uns evidentes défices que imposibilitam adoptar decisons numha boa parte das
competências naturais de um governo. Mas também a incorporaçom forçada da Galiza à Uniom Europeia por mor da nossa dependência do Estado espanhol merma umha considerável parte da soberania característica
de um povo livre e soberano.
Mas, se a Galiza contasse com Estado próprio e nom estivesse incorporada numha superestrutura imperialista como a que hoje representam
os 27 estados da Uniom, mantendo no entanto a economia de mercado
som mais do que simples fantoches dos grandes grupos económicos e
financeiros que contribuem implicita ou explicitamente para pagar as
suas campanhas eleitorais e, portanto, influem posteriormente nas suas
políticas para defenderem os seus interesses. O grande capital é quem
condiciona no capitalismo as políticas do conjunto das forças parlamentares, salvo que exista um amplo e sólido movimento popular com representaçom institucional cuja estratégia revolucionária de transformaçom
defenda a superaçom do sistema.
O capitalismo do tijolo e do cimento está a agir com absoluta impunidade e descaramento na hora de traçar as políticas urbanísticas da imensa maioria dos concelhos galegos: mudando planos gerais de ordenaçom
municipal; requalificando terrenos; promovendo a apresentaçom de moçons de censura perante as resistências ou divergências no momento de
concretizar o suborno; destruindo o património arquitéctónico, etnográfico, ambiental e paisagístico da Galiza. Mas isto é possível porque conta
com o activo consentimento ou a passsividade cúmplice
das forças políticas institucionais.
Alguém que responda com sinceridade e sem condicionantes é capaz de negar que Unión Fenosa, Pescanova ou Fadesa nom marcam o rumo da política de
ordenaçom do território, ambiental, urbanística do Governo bipartido?, que PSA-Citroën nom condicionam a
política urbanística de Vigo?; Que Amáncio Ortega ou
os magnatas de Caixanova e Caixa Galicia tenhem mais
peso nas decisons estratégicas em matéria energética,
de comunicaçons, na política económica da Junta que
tod@s @s conselheir@s junt@s?
“diferenças na renda da cidadania”, porque a prática totalidade dos seus
dirigentes, altos funcionários, cargos públicos com responsabilidades directas de gestom mantenhem por origem de classe umha inquestionável
adesom ao sistema, ou bem porque se desclassárom, fôrom cooptados
mediante elevadas retribuiçons e privilégios que corrompem os superficiais princípios político-ideológicos.
Na Comunidade Autónoma da Galiza, Tourinho e Quintana nom só
possuem umha reduzida margem de manobra para aplicarem políticas
de esquerda e soberanistas caso tivessem vontade de o fazerem, nom
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Cervantes, 5 baixo VIGO
A actual democracia burguesa é umha farsa. Os
partidos que a alimentam e legitimam (PSOE, PP, BNG,
IU) som responsáveis pola actual situaçom de caos que
o conjunto do País vive em todos os aspectos. As vindouras eleiçons municipias de 27 de Maio tam só vam
significar umha leve recomposiçom interna do mapa político das forças que, áctiva ou passivamente, permitem
a desfeita ambiental que padecemos, a destruiçom acelerada do nosso património e a cada vez maior sobreexploraçom e empobrecimento que padecem a classe
operária e a Naçom.
Perante a dispersom e dificuldades na hora de criar umha plataforma sócio-política eleitoral que incorpore no seu interior o conjunto das
forças e organizaçons de esquerda anticapitalista e soberanista e atinja representaçom nas Cámaras Municipais, salvo naquelas localidades
onde sim foi possível avançar nesta direcçom, –as candidaturas Ponte
Areas e Vigo de Esquerda, o comunismo galego chama a classe operária,
a juventude e as mulheres a nom apoiar nengumha das forças que com
um discursos aparentemente de esquerda se apresentam às eleiçons de
27 de Maio. Nom se deve votar nem no BNG, nem em IU, pois as suas
políticas som semelhantes às do PP-PSOE: privatizaçom de serviços públicos, desgaleguizaçom social e espanholizaçom das festas, restriçom
das liberdades e aumento do controlo social, urbanismo ao serviço das
promotoras, construtoras e imobiliárias, perpetuaçom das agressons
ambientais; ou seja, mais neoliberalismo e mais projecto espanhol.
Primeira Linha manifesta novamente a sua firme determinaçom de
avançar mediante passos firmes e sinceros na recomposiçom dumha
esquerda socialista e soberanista que, respeitando a pluralidade ideológica e a independência de classe, logre representar esse cada vez mais
amplo sector do povo trabalhador que já nom acredita nas promessas
das forças políticas tradicionais.
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Opiniom
O uso do termo Galiza corresponde, ao longo do presente texto,
com o território e populaçom da Comunidade Autónoma da Galiza,
ao ficar fora do estudo as comarcas galegas excluídas do actual
Estatuto de Autonomia.
28
21
Composiçom
da populaçom
pobre por idade
2004
25,5%
22,7%
19,4%
Composiçom da populaçom
pobre por sexo
2004
16,3% 16,1%
14
Mulher
53,8%
7
Homem
46,2%
65 ou mais
45-64
0
30-44
A pobreza nom é só umha questom
material, a premissa marxiana enunciada
na Ideologia alemá: “Nom é a consciência
a que determina a vida, mas a vida a que
determina a consciência”; quer dizer, é o
ser social, a pessoa em relaçom ao seu
meio, com a sua realidade, como ser de
realidades que é, que condiciona a sua
consciência, o seu ser individual.
Isto é fundamental para compreendermos a populaçom de que estamos a falar. Levo cinco anos de trabalho num lar de
acolhimento para menores e com contínuo
contacto com as famílias deles, com a envolvente social deles, etc...; só no contacto
directo com a pobreza, com a marginalidade, um pode compreender até que grau é
que a condiçom material já condicionou de
tal jeito as aspiraçons vitais da gente, que
já nom é o problema fundamental. Quer
dizer, há vários tipos de pobreza emanada
da injustiça.
Há populaçom pobre que tem umhas
aspiraçons vitais que vam além do mal-estar económico, da injustiça distributiva e,
portanto, participa, rebela-se, luita... Esta
populaçom que, sendo pobre, polos seus
baixos rendimentos, luita heroicamente
por chegar a fim de mês e que tem outras
aspiraçons na vida, e pertence a esta classe de obreiras –e menos obreiros-, com
as suas múltiplas contradiçons, em que
neste artigo nom havemos de reparar,
porque cumpre um monográfico à parte,
pola sua importáncia e complexidade de
análise, já que nos situaríamos no que se
conhece como o sujeito histórico impulsor
da mudança social. Como digo, sería impossível fazer aqui o que tal requer mas,
umha grande parte desses outros pobres
que vivem e se reproduzem dentro das
sociedades ocidentais estám sumamente
“separadas” das aspiraçons e assimilaçom de aquilo que entendemos por umha
“vida normalizada”.
Excepto umha pontualizaçom: só há
umha aspiraçom coincidente, o consumo
ilimitado, sem senso. A isto chamei há um
par de anos “ideal convergente”. Brevemente explicado, significaria que há um
mesmo ideal convergente a partir de realidades divergentes, inevitáveis e antagónicas. E isto apenas pode dar-se a partir
da manipulaçom das consciências, da manipulaçom da interpretaçom da realidade.
Um exemplo disto é a percepçom de que,
mediante o consumo de um produto (por
exemplo um refrigerante), se reduzem
as desigualdades, e este é o motivo polo
qual nos países do mal chamado Terceiro
Mundo, tal como nas nossas sociedades
ocidentais, entram com muitíssimo êxito
produtos que nom colmatam necessidades materiais, reais e primárias dessa populaçom. Um exemplo claro disto é a boa
imagem pública, o respeito e a admiraçom
que tenhem entre a populaçom pobre figuras como os “Ortegas”, os “Méndez”,
e demais gentalha açambarcadora desta
Galiza nossa, e responsáveis directos pola
exploraçom e injustiça social.
Esta populaçom que é a utilizadora
freqüente dos serviços socias básicos das
cámaras municipais, que recebem pensons nom contributivas, a risga –Renda
de Inserçom-, ou o que se conhece como
sistema de protecçom social, (questom
que merece o simples esclarecimento que
responde este sistema a ideia genuína do
Estado Providência quando foi configurado
para combater as contradiçons internas
do capitalismo, mas com o objectivo de o
fortalecer e impulsionar, nunca de o ultrapassar, e, portanto, sempre vai criar estas
bolsas de pobreza inevitavelmente), está,
segundo o informe, ligada ao desemprego
e à inactividade económica, especialmente
naquelas situaçons que suponhem priva-
16-29
... Mas é certo que o que nasce bem
parado em procurar aquilo que anela, nom
tem de investir saúde.
Tenho que dizer já nestas primeiras
linhas, que o tema que nos ocupa, o da pobreza, se torna para mim umha questom
constituinte da minha militáncia: a pobreza como desafío (dar cabo das desigualdades, as injustiças, etc...); como marco
moral (moral obreira de assumir a austeridade como forma de vida); como questom
alienante (a pobreza-marginalidade como
escravatura); como questom filosófica;
como praxe; como sociológica; como trabalho e intelectualidade (sou trabalhador
social) etc...; portanto, a pobreza constitui
tanto que sinto nom poder dar resposta a
todo o que de facto ela é e expressa.
Mas, neste artigo, o objecto se bem
nom seja só avaliar os resultados do recentemente apresentado informe sobre
“A pobreza e a exclusom social na Galiza”,
mas valer-nos destes para nos achegarmos à compreensom deste fenómeno e
da sua assimilaçom e convivência com um
sistema baseado no lucro, no consumo,
etc..., em definitivo, na assimilaçom de um
tipo de pobreza (e nom só dos pobres) por
parte do neoliberalismo, tomando como
quadro referencial a naçom galega, como
naçom integrante do núcleo (ainda que periférica) ocidental onde, centrifugamente,
se expande este sistema de dominaçom.
Por razons de operatividade e do objectivo que pretendo, nom vou explicar a
minha disconformidade com aspectos metodológicos na realizaçom deste trabalho,
mas sim assinalar e pontualizar a definiçom de pobreza deste informe; considera-se pobre aquela pessoa que vive num
lar onde os rendimentos disponíveis por
adulto/a equivalente se situam abaixo do
limiar de pobreza, fixado em 60 por cento dos rendimentos médios galegos, e na
pobreza extrema ou severa, o limiar baixa
até 40 por cento do rendimento médio.
É certo que a pobreza tem um carácter multidimensional mui amplo, e o informe, para tratar de atalhar estas dimensons, aborda outros aspectos além dos
rendimentos. Mas deixemos no ar umha
questom; se tomássemos como quadro
referencial, quer dizer, como universo,
umha populaçom pobre, e figéssemos este
estudo, também obteríamos umha percentagem de populaçom nom pobre, umha
percentagem de populaçom pobre e umha
outra percentagem de populaçom mui pobre; fai sentido isto? Nom fazer alusom algumha ao contexto internacional nem aos
números em dados relativos parece, polo
menos, “estranho”.
Os dados revelados por este informe
mostram-nos umha realidade segundo a
qual a incidência da pobreza na Galiza no
período de análise (2001-2004) se moveu
entre os 14 e os 15 por cento da populaçom, quer dizer, umhas 400.000 pessoas
que vivem na Galiza som consideradas pobres polos seus baixos rendimentos. Isto
em termos brutos, quer dizer, que para um
lar formado por um casal e dous nenos supom disporem de uns 1.000 euros (já que
os rendimentos médios som 1.600 euros).
Também deve assinalar-se que, na forma
mais extrema de pobreza, estaria umha
quarta parte desta populaçom, concretamente 104.000 pessoas. E, na sua expressom mais severa, aparece o dado de que
1.500 pessoas nom tenhem teito na Galiza.
Pois bem, perante este panorama, e
sem entrarmos muito a avaliar os dados
e a forma de obtençom dos mesmos, teríamos que pretender embrenhar um pouco
no conceito de pobreza que se transluz
daqui. Ei-lo:
A pobreza na Galiza
Menor de 15
“Ter nom é sinal de malvado / e nom
ter também nom é prova / de que
acompanhe a virtude / mas quem nasce
bem parado / em procurar aquilo que
anela / nom tem de investir saúde”
(Sílvio Rodríguez)
Raúl Asegurado
Nº 43. Janeiro, Fevereiro e Março de 2007
Tabela 1. A renda dos lares na Galiza
Rendimentos médios mensais (€)
Por lar
Galiza
2001
Pequenos
1.189 1.292 1.434 1.462
396
435
492
510
Médios
1.285 1.508 1.664 1.623
401
476
538
560
Grandes
1.422 1.629 1.747 1.799
492
570
616
636
Por tamanho do concelho
2002
2003
Por pessoa
çom de rendimentos monetários, como
no caso do trabalho doméstico, e onde a
quarta parte deste colectivo é pobre, ou
das pessoas incapacitadas
Podemos recorrer a estas gráficas
para ilustrar algumhas das conclusons do
informe: a maioria das pessoas pobres na
Galiza vive no rural, há mais mulheres do
que homens, quase metade tem mais de
45 anos, e vive fundamentalmente em lares formados por um casal com filhos, embora aumentem cada vez mais as pessoas
que vivem sozinhas ou com um casal, sem
filhos e onde a pessoa que contribui com
mais rendimentos tem mais de 65 anos.
Bem, estes dados e outros estám
todos recolhidos no informe e, portanto,
nom vou continuar a mostrá-los, para
além desta conclusom mencionada, que
vale como resumo do mesmo. Outro aspecto importante que emana deste informe é que foi apresentado como o diagnóstico que serve de “ponto de partida” para
orientar o II Plano Galego de Inclusom
Social; assim, quando se –segundo Europa Press- “explicárom o vice-presidente
da Junta, Anxo Quintana, e a secretaria
Geral do Bem-estar, Maria Xesús Lago,
com motivo da presentaçom do citado Plano que estará vigente entre 2007 e 2013,
com um orçamento global de 181 milhons
de euros. Neste ano, investirám-se já um
2004
2001
2002
2003
2004
total de 27,3 milhons”.
Com a simples operaçom matemática
da divisom, por curiosidade estabelecim
aquilo de que para estes seis anos a populaçom pobre poderá beneficiar-se; quer
dizer, dividir o orçamento total entre o
número de pobres determinado por este
plano. Assim o enunciado (para que nom
haja qualquer batota) e o resultado é:
181.000.000: 400.000 = 452,5 Euros per
cápita em seis anos..., suficiente? Vocês
podem julgar. Um pode dizer, é certo que
é insuficiente, mas a quantidade total de
181 milhons de euros é mui elevada, poderíamos olhar duas questons; umha, o
capital açambarcado polo cidadao galego
Amancio Ortega; e outra, os gastos públicos investidos em armamento, macroinfraestructuras de quinta ou sexta necessidade, etc...
Mas gostaria de fazer um ponto parágrafo com este informe e falar de umha
outra forma de entender a pobreza, com
a sua dupla face de sacrifício e humildade. A pobreza como honradez política,
pois é simplesmente assumir a situaçom
em que vive mais de 85% da humanidade,
como luita contra o neoliberalismo e a
sua pretensom de alimentar a tendência
a açambarcar e consumir ilimitadamente,
como austeridade e contra o apego material, como forma de ter pouco lastro para
o caminho...
Sacrifício: nengum governo do mundo
actualmente, e menos do Primeiro Mundo, quer eliminar a pobreza; o que fazer,
entom? Aguardar que mudem essa forma
de actuar ou promover mecanismos criativos que ajudem à libertaçom das sociedades empobrecidas?, a nossa coerência
de vida, a nossa praxe diária (filosofía da
praxe gramsciana) é a que forjará umha
forma de entender a vida além de vitórias
e derrotas: face ao pessimismo da razom,
o optimismo da vontade, ou em linguagem
mounieriana: o optimismo trágico. O mundo, a nossa sociedade, está necessitada,
urgentemente, nom de teorias da revoluçom, senom de vontades revolucionárias,
de militáncias encarnadas, de maos sujas.
As ideias que nom se experimentam morren, dizia Rovirosa. “Pola causa, nengum
esforço me parecia suficiente. Os dias, as
noites, os minutos, os segundos, todo foi
dado pola causa. Nem para os meus filhos
e minha companheira tinha um momento
de atençom nem de intimidade. Estava certo de que, trabalhando por todos, trabalhava por eles também. Que se o meu esforço
contribuía para o advento de um pouco
mais de justiça social, dela participariam
também os meus”. Ángel Pestanha
A humildade: Dizia Rosa Luxemburgo,
“a urgência da revoluçom nom nos deve
fazer espezinhar as flores de Berlim”,
porque o pequeno é fermoso. Porque som
tantas as frentes e tantas respostas, porque toda acçom do ser humano é imperfeita, porque erramos e aprendemos dos
erros, porque é umha disposiçom construtiva para o diálogo e a recepçom revolucionária, porque nunca se é mais, porque
ao pôr-nos maos à obra, as nossas maos
vam sujar-se, e entom os e as companheiras deverám corrigir-nos e nós aceitarmos
humildemente a sua ajuda.
O neoliberalismo invade até os espaços mais íntimos do ser humano, nom só a
esfera social, mas toda a vida, do berço à
cova; portanto, a vida converte-se em militáncia, em milícia contra a malícia de um
sistema perverso, encarnando os valores
da austeriadade, a humildade e o sacrifício como únicas molas de defesa da nossa
liberdade individual. Sartre dizia, (tal como
quase todo o existencialismo) que somos
inevitavelmente seres livres (eu e tu, meninha, somos feitos de nuvens, mas quem
nos amarra? mas quem nos amarra?).
Ora, esta liberdade, polo que ficou exposto anteriormente, está continuamente
ameaçada.
A luita social e a vida pessoal som
expressons naturais da própria vida do
ser humano, vida nom enquadrada, mas
umha e única, a fraternidade como conceito emancipador do ser humano chama
com as suas novas exigências a assumir o
protagonismo esquecido. Irmaos e irmás,
irmandinh@s tod@s (da nossa tradiçom
galega), em palavras do Zeca: é o povo
quem mais ordena, porque assim no-lo
ensinou a história. Levemos novos mecanismos de transformaçom, ponhamos
o nosso sacrifício e a nossa humildade a
disposiçom do novo amanhá, e só a vontade nos levará além das vitórias e das
derrotas, é mais, como dizia Luxemburgo,
só assim poderemos incluso amar as derrotas, porque som parte necessária para
esse amanhá que anelamos. E a pobreza?
A marginal, a que escraviza a que é imposta e nom livremente aceite, há que combatê-la, há que evidenciá-la, porque é um
ataque contra a dignidade do ser humano
e é produto da injustiça, esta pobreza nom
tem pátria nem raça; é internacional e assim deve ser combatida. A pobreza libertadora, a assimilaçom da austeridade, é
um desafío pessoal para o qual todo ser
humano inserido numha sociedade neoliberal e consumista tem de tender, para
a sua vida ser coerente e rica em valores
socialistas, humanos. Ánimo, saúde, e um
abraço fraternal na luita comum.
Raúl Asegurado Peres é trabalhador social e
sociólogo
A onda de desmantelamento dos serviços
públicos no ámbito europeu
O protagonismo dos estados e as suas instituiçons na
prestaçom de serviços públicos, segurança social e outros investimentos em políticas sociais, junto ao recurso aos impostos
como meio de financiamento estatal, caracterizou os modelos
compensatórios da lógica liberal, sendo os mais conhecidos e
ambiciosos os aplicados durante décadas no norte da Europa
(a referencial social-democracia sueca).
Sem chegarem ao grau escandinavo –que por sua vez ficava longe de um modelo alternativo ao capitalismo– os estados
da Europa ocidental praticárom políticas de compensaçom inspiradas no keynessianismo com que os EUA reagírom à crise de
29, originada polo extremismo liberal. Porém, o que podíamos
chamar “capitalismo de baixa intensidade” passou à história,
sem que podamos responsabilizar o BNG, nem sequer o PSOE,
pola teorizaçom ou inspiraçom originária do novo liberalismo
em vigor, pois responde antes a umha tendência global do
capitalismo como modo de produçom na fase actual, do que
às escolhas particulares de umha ou outra dirigência de umha
dada formaçom sócio-económica.
Se o tatcherismo se encarregou de espalhar a semente
nos anos 80, a própria Uniom Europeia foi o quadro institucional encarregado de estabelecer a estratégia a nível continental
nas décadas seguintes. Consoante os princípios da vaga globalizadora em curso, a pobreza tem alastrado nas duas últimas
décadas, alargando o abismo que separa a minoria rica das
grandes maiorias empobrecidas em todos os continentes, com
destaque para amplas áreas dos continentes africano, asiático
e americano. Eis a autêntica natureza devastadora desta nova
fase do capitalismo global.
Mas, a pesar dos claros precedentes acima referidos,
para localizarmos o início do assalto mundial e sistemático ao
chamado Estado-Providência e, sobretodo, aos serviços públicos, devemos remeter-nos para a fundaçom da Organizaçom
Mundial do Comércio (OMC), em 1995. A aprovaçom imediata
do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (AGCS) marcou
a aposta da OMC no sector serviços, em forte expansom a nível
mundial, com umha perspectiva de extremismo liberalizador.
Com a liberdade individual como princípio reitor, desprezando a colectividade e o bem comum, apelando à livre concorrência e ao mercado como único regulador da vida social,
a estratégia neoliberal tem tido já ocasiom de demonstrar os
seus efeitos um pouco por todo o mundo: deterioraçom dos
serviços, dificuldade para o acesso aos mesmos por parte de
crescentes sectores sociais, encarecimento generalizado e
maiores desigualdades na oferta em funçom do poder aquisitivo dos utentes.
A Argentina de Carlos Menem ou o Brasil de Henrique Cardoso, na década de 90, som dous exemplos claros em contextos
de países da periferia capitalista, enquanto a continuidade do
desmantelamento dos sistemas da saúde ou a educaçom estado-unidenses ou británicos na última década sob governos
democratas e republicanos (EUA), conservadores e trabalhistas (GB), constituem aríetes neoliberais no centro do sistema,
sobretodo a partir da fundaçom da OMC como cérebro cinzento
do comando central capitalista em matéria de serviços.
Maurício Castro
A orientaçom da política económica e social do novo Governo bipartido está a supor um sério questionamento da existência de um verdadeiro “turnismo” no tipo de políticas, nomeadamente económicas e sociais, aplicadas polo bipartidarismo
imperfeito em que se acha instalada a Galiza autonómica das
quatro províncias. No papel, é suposto cada força política –referimo-nos às ditas “responsáveis” e “de governo”– defender
umha orientaçom parcialmente diferente, sempre dentro da lógica capitalista correspondente a um país dependente da Europa
ocidental. A realidade questiona cada vez mais essa premissa.
Já sabemos que a crescente indistinçom entre as opçons
eleitoralmente maioritárias parte da progressiva extensom do
modelo neoliberal a partir da década de 80, quando Margaret
Tatcher importou à Europa a experiência pinochetista do Chile
pós-Allende. O apagamento dos traços definitórios do chamado
Estado-Providência seria mais marcado a partir da crise final
do modelo soviético na URSS, que encorajou umha universalizaçom do neoliberalismo mais selvagem, empapando já abertamente os programas e, sobretodo, as políticas concretas, dos
partidos social-democratas, progressivamente evoluídos para
social-liberais desde aquela altura e até hoje mesmo. Estamos
a pensar nos Felipe González, Tony Blair ou Gerhard Schröder,
para nos limitarmos ao ámbito europeu.
Nom é, portanto, no fundo, assim tam novidosa a cada vez
mais evidente confluência das políticas socioeconómicas do
bipartido em relaçom aos 16 anos de fraguismo. Foi já o PSOE
que aplicou a receita neoliberal das privatizaçons, das reconversons industriais e as sucessivas contra-reformas laborais
durante o chamado felipismo (1982-1996). Na altura, a esquerda mais conseqüente, de que fazia parte o movimento politicamente representado polo BNG, explicou o papel do PSOE como
a melhor opçom dos poderes económicos espanhóis para superar o marasmo resultante da crise do petróleo de 73. Esses
poderes soubérom ver que, recém saída de quatro décadas de
franquismo, a direita espanhola teria tido maiores dificuldades
para aplicar o programa que, nos mesmos anos, o republicano
Ronald Reagan marcava na principal potência do capitalismo
mundial, e começava a ser aplicado na Europa pola Gram-Bretanha de Tatcher. Daí parte a incorporaçom de facto do PSOE à
nascente onda neoliberal.
Assim as cousas, a verdadeira novidade situa-se hoje na
incorporaçom da terceira força com presença institucional na
Galiza, o BNG, ao mesmo esquema desse grande “centro político” que as três reivindicam. Historicamente comprometido
com o emprego e os serviços públicos, a sua evoluçom durante
polo menos a última década culminou, com o acesso ao poder
autonómico, na aberta convergência com o programa do PSOE
no que a política económica e social di respeito.
Análise
Neoliberalismo contra
serviços públicos:
o caso galego
Os planos da Organizaçom Mundial do Comércio concretizam-se, no nosso continente, no projecto de Constituiçom Europeia e, mais concretamente, na chamada Directiva Bolkestein,
orientadora estratégica do sector serviços. Em nome do livre
comércio, a estratégia em curso conduz para o desmantelamento dos aspectos mais sociais dos estados capitalistas e,
nesse objectivo, o total desaparecimento dos serviços públicos.
Educaçom, saúde, cultura, energia, água… nada escapa à planificada liquidaçom dos sistemas de parcial protecçom social
pré-existentes. Lembremos apenas como o Tratado constitucional para a UE suprimia, nesse caminho, na sua redacçom a
referência aos serviços públicos, substituídos no artigo II-96
polos eufemísticos “serviços de interesse económico geral”.
Até a linguagem é posta ao serviço da mudança de paradigma.
Hoje sabemos que o nock out nos referendos francês e holandês em 2005 nom impediu as grandes burguesias europeias
de manterem o rumo marcado, o que pode ser verificado já na
realidade concreta das políticas socioeconómicas aplicadas em
cada país… a Galiza incluída.
A Galiza na ofensiva global contra os serviços
públicos
Saindo de um regime ditatorial que durante décadas optou
por um modelo autárquico e só na última fase se abriu às correntes desenvolvimentistas, o Estado espanhol aderiu tarde ao
capitalismo avançado, representando a Galiza umha formaçom
social ainda mais atrasada quanto à implantaçom do capitalismo industrial, se comparada com outras áreas do Estado como
a catalá, a basca ou a historicamente construída em torno da
capital.
As pretensons dos poderes fácticos de incorporar-nos
ao Mercado Comum Europeu (mais tarde Uniom Europeia)
determinou para a Galiza a imposiçom de políticas de brutal
reconversom dos sectores estratégicos, com destaque para
a construçom naval, as pescas ou a económia agrária. Desde
a existência da autonomia administrativa representada pola
Junta da Galiza, que os sucessivos governos autonómicos e
estatais tenhem aplicado, sem nengumha excepçom, políticas
neoliberais com esse objectivo. O Partido Popular e o PSOE
revezárom-se na responsabilidade por umha estratégia substancialmente comum, correspondendo sobretodo à esquerda
nacionalista contestar nas ruas as medidas concretas e também a estratégia global oculta atrás de cada agressom a cada
sector social galego.
As décadas de oitenta e noventa fôrom palco de numerosos conflitos, com as reconversons, as privatizaçons e as
contra-reformas legislativas como pano de fundo. Sendo certo que o motor fundamental desse processo foi a estratégia
prevista polas oligarquias financeiras e industriais espanhola e
transnacional para a Galiza, nom menos certo é que a grande
burguesia galega participou de forma tam activa como subsidiária no processo. Junto à precarizaçom do mercado laboral e
a perda de peso das massas assalariadas na renda galega, o
enriquecimento das entidades financeiras (Caixa Galicia, Caixanova…) e o crescimento de grandes firmas industriais (Inditex, Pescanova, Fadesa…) constituem a mais clara pegada
do neoliberalismo na economia galega nestes anos, como mais
um tentáculo do grande capital internacional nesta naçom do
extremo ocidental europeu.
Sob esta óptica, conflitos como o actual entre as multinacionais alimentares Pescanova e Stolt Sea Farm, de umha
parte, e a Junta da Galiza de outra, pola ocupaçom de áreas
protegidas de Tourinhám e Baronha para a exploraçom piscícola, é apenas umha boa metáfora da farisaica atitude neoliberal
em relaçom às identidades e ao meio natural. Enquanto discutem sobre qual é “mais galega” como fundamento para a sua
exploraçom do nosso território, ambas firmas se empenham
em instalar indústrias agressivas com o meio em paragens na-
turais de referência histórica para a Galiza. A atitude pussilánime do Governo completa o quadro, mostrando-se rendida aos
interesses dos poderes mais predadores do capitalismo.
A contínua privatizaçom de empresas e serviços públicos
é, portanto, umha das manifestaçons dessa estratégia neoliberal em curso ao longo do planeta nas últimas décadas que
sumariamente vimos descrevendo. No caso da Galiza, podemos
dizer que o nosso país ficou enquadrado no esquema espanhol
sem qualquer capacidade de decidir, através de um poder autonómico limitado e, ainda por cima, comprometido nesse mesmo
programa concebido polo grande capital internacional.
Foi em meados da década de oitenta, com o PSOE no poder em Madrid e o PP à frente da Junta, que começárom as
privatizaçons parciais no sector industrial galego. A chegada do
Partido Popular ao Governo do Estado, em 1996, significou um
aprofundamento na mesma orientaçom, contando com o apoio
necessário da burguesia catalá politicamente representada
por CiU (protagonista estelar da política de alianças estatais
do BNG na actualidade).
Das grandes indústrias públicas, passa-se às de infraestruturas e do sector serviços (comunicaçons, sanidade, segurança social, estradas,...) chegando-se numha etapa ainda
mais avançada a serviços fundamentais como o energético, a
água ou os correios. É aí que nos achamos.
Alguns exemplos significativos na Galiza
actual
Como dixemos, achamo-nos na actualidade em plena ofensiva contra os serviços básicos, em cumprimento das directrizes marcadas pola OMC e a Uniom Europeia, e num contexto
especialmente grave por nom existir um grau suficiente de resistência entre as principais forças políticas tradicionalmente
reconhecidas como de esquerda, cooptadas polas instituiçons,
e inclusive entre as forças sindicais, cujas direcçons fôrom
também, em grande parte e com honrosas excepçons, directamente compradas.
Assim, temos vivido na última década, logo a seguir ao
desmantelamento e privatizaçom encoberta do sector naval, a
entrega a maos privadas da gestom da sanidade, através das
famosas fundaçons criadas polo PP; o crescimento do peso do
capital privado no sector eléctrico; a privatizaçom da telefonia
da mao da entrada do telemóvel, da televisom e a rádio com a
escusa da digitalizaçom; e das estradas, devido à disponibilidade do grande capital para assumir um investimento em asfalto
que as portagens fam render em pouco tempo.
Mas nom só. No nível municipal, todo o tipo de serviços
som cedidos ao que chamam “iniciativa privada”, vendendonos a falaz “maior eficácia” do capital privado e o ainda mais
falso efeito benéfico da concorrência para a melhoria da prestaçom de serviços. Desde a manutençom dos jardins à limpeza das ruas ou a recolha de lixo, passando polo fornecimento
e cobrança da água ou inclusive a programaçom cultural e a
contrataçom de pessoal para os empregos na Administraçom
pública. Em só duas décadas, o grande capital conseguiu fazer-nos ver todo como susceptível de ser privatizado e, de
maneira complementar, conseguiu que seja considerado fora
da realidade quem nom assumir a inevitabilidade da estratégia
privatizadora.
Ajuda a afirmar essa orientaçom a possiblidade de converter a Administraçom em agência de colocaçom irregular através
de empresas paralelas, dando grande poder de influência aos
políticos como cobradores de favores às empresas e entidades
financeiras, por seu turno convertidas em sustentadoras, com
juros mais do que favoráveis, das campanhas e actividades dos
grandes partidos de ordem.
A maquinaria mantém-se assim oleada por todo um fluxo de interesses e dependências que esbatem as diferenças
políticas, reduzidas a questons de pormenor e discursivas, nu-
Nº 43. Janeiro, Fevereiro e Março de 2007
mha concorrência por comprovar quem consegue vender fume
a melhor preço a umha populaçom desactivada, que assiste
passiva ao decadente espectáculo da política institucional e
mediática.
De facto, nom há diferenças substanciais entre os parámetros da política aplicada polo PP, o PSOE e o BNG, por
referirmos os três principais partidos actuantes na Galiza, em
relaçom ao papel que reservam aos serviços públicos.
Se o PSOE e o PP tenhem já longa trajectória privatizadora,
o BNG entregou-se às mesmas práticas, sobretodo a partir do
momento em que atingiu significativas quotas de poder municipal, nas eleiçons de 1999, mantendo as privatizaçons impostas
polo PP em Vigo, assinando novos contratos privatizadores em
Ferrol (por exemplo, o da água) e de todo o tipo, incluída a
exploraçom de espaços públicos, na capital galega. Políticas
explicitamente abençoadas polo novo porta-voz, Anxo Quintana, que se comprometeu a fomentar o emprego nos concelhos
através da sacrossanta “iniciativa privada”.
Apesar da surpresa de alguns, a ninguém devia estranhar
que a chegada ao Governo da Junta –e a Deputaçons como a
da Corunha– servisse ao BNG para acelerar a sua estratégia de
assimilaçom às políticas neoliberais no que toca aos serviços
públicos. O próprio Quintana encarrega-se pessoalmente de
dar continuidade à entrega às fundaçons privadas dos serviços sociais a pessoas idosas, através da recente assinatura
de acordos com Caixanova e Caixa Galicia para a construçom
e gestom de residências. Ou mediante a criaçom do chamado
Consórcio Galego de Serviços de Igualdade e Bem-Estar (SOGASERSO), em cuja cabeça foi situado, por eleiçom “digital”, o
ex-presidente da Cámara de Vigo, Lois Peres Castrilho.
As contrataçons arbitrárias e de elementos afins ficam
também garantidas na área de Meio Rural, onde o conselheiro
do BNG emula a “via Tragsa” do PP com a criaçom de empresas paralelas (Empresa Pública de Serviços Agrários Galegos
S.A) que evitem o acesso controlado e com direitos laborais do
pessoal contratado para apagar fogos.
A nova Lei de Emergências anunciada pola Conselharia
da Presidência é outro exemplo da liquidaçom dos serviços
públicos por parte do actual Governo bipartido, tendo provocado a resposta dos trabalhadores e trabalhadoras já antes
da sua aprovaçom, polas perspectivas privatizadoras que se
abrem num sector tam importante e até hoje indiscutivelmente
ligado ao sector público. A actual Junta, em colaboraçom com
as Deputaçons, dá assim continuidade à iniciativa privatizadora
do PP no ámbito dos parques de bombeiros, situando-se em
vanguarda a nível do Estado espanhol no que eufemisticamente
chamam “externalizaçom” de um serviço de primeira necessidade social.
Tampouco a Cultura fica à margem da febre privatizadora do bipartido. A situaçom criada na longa etapa de Fraga no
poder polo megalómano projecto da Cidade da Cultura foi a
escusa perfeita para PSOE e BNG lançarem umha nova fundaçom com participaçom de entidades financeiras e empresariais
encarregadas da gestom cultural. A Fundaçom Galega para a
Sociedade do Conhecimento, formada por banqueiros e empresários junto a políticos autonómicos, já foi apresentada como a
próxima gestora privada das políticas culturais que desenvolva
a instituiçom autonómica.
O mesmo pode ser dito em relaçom ao ensino, com os
bancos situados no centro de operaçons financeiras das universidades galegas, e os centros concertados tam subsidiados
com dinheiro público como durante o fraguismo, apesar de que
a rede de centros públicos nom abranja, nem de longe, a totalidade da oferta educativa a que a populaçom estudante galega
tem direito inclusive nos termos da actual legalidade capitalista
e espanhola.
Serviços municipais, sanidade, emergências, cultura,…
completam o programa de imersom da Galiza num neoliberalismo sem barreiras, sem esquecermos a mais avançada liberalizaçom de sectores industriais que ainda ameaça os restos
do sector naval que as sucessivas reconversons nom dérom
liquidado por completo. Lembremos que, novamente, é umha
Conselharia em maos do BNG (a da Indústria), com o apoio do
PP, que defende a soluçom privatizadora como saída à situaçom de Navantia na comarca de Trasancos (“privatizaçom fiável”, em palavras de Francisco Rodrigues), descobrindo, contra
a que tinha sido a sua posiçom histórica, que os problemas
do naval galego nascem da sua condiçom pública, e nom das
restriçons à construçom de buques paradoxalmente impostas
polas instáncias europeias mais comprometidas com o “livre
mercado”.
Diante de semelhante maré reaccionária, os discursos superficialmente favoráveis aos serviços públicos por parte das
forças ditas de esquerda, tipo PSOE ou BNG, longe de evitarem
a aplicaçom das mesmas políticas neoliberais que definem os
governos do PP, produzem o necessário efeito enganador de
que há diversidade de opçons na oferta eleitoral, o que supom
um grande serviço à manutençom do estado de cousas actuais.
Avança assim o desmantelamento de uns serviços sociais
públicos cuja conquista tanta luita custou a geraçons de trabalhadores e trabalhadoras, de luitadores e luitadoras que nos
precedêrom na mesma causa histórica. Umha causa que hoje
devemos manter com mais firmeza do que nunca, pois também
a ameaça é maior do que já foi no passado.
O combate ao neoliberalismo e às forças que o assumem
na sua prática política diária no nosso país, para além dos discursos genéricos, é umha obrigaçom para qualquer pessoa, colectivo ou organizaçom que ainda reclame para si a condiçom
do que sempre consideramos esquerda. A sua defesa é, sem
dúvida, causa suficiente para um amplo acordo das forças políticas, sindicais e sociais realmente comprometidas nos valores
do outro mundo possível.
Maurício Castro é membro do Comité Central de Primeira
Linha
opiniom
Imaginai, por um momento que seja, que nos achamos
num dos mais de umha dúzia de restaurantes turcos que hoje
existem em Compostela. Imaginai, concretamente, que vos
achades no mais próximo da catedral de Compostela. Através
da sua janela, pode ver-se a Berenguela. A catedral, centro
de peregrinaçom secular de milhares e milhares de católicos.
Hoje mercadoria da indústria cultural para o turismo de todas
as raças, etnias, religions e géneros. E também a Berenguela.
Símbolo da ocupaçom árabe no Reino da Galiza. Roubada com
sacrilégio polo seguidores mussulmanos de Alá, capitaneados polo Almançor, com o mesmo sacrilégio com que o modo
de produçom capitalista trata agora do conjunto arquitectónico e histórico da catedral, confundindo os ritos sagrados com
o ócio turístico e fútil. Continuamos no restaurante turco, e
entre bocado ao kebab e olhar à Berenguela, enxergamos na
televisom do estabelecimento as imagens do julgamento do
11-M através do sinal da CNN+. Tu, que vinhas passeando
pola rua, à espera de arranjar um lugar na paisagem urbana
para poderes ler um bocado, de repente reparas na contradiçom que supom este contexto. Todo agrandado polo segundo
tomo do Capital pousado sobre a mesa.
De outra parte, tratai de elaborar umha cartografia mundial tam rigorosa quanto possível, sabendo que Wall Street
continua a ser umha instituiçom central no sistema mundo e,
porém, em torno de 40 por cento das acçons e transacçons
que lá quotizam correspondem a estrangeiros, e metade da
dívida estado-unidense está em maos da China e do Japom.
O capital -os seus mecanismos, a súa lógica e o seu processo
de acumulaçom- nom tem pátria, mas supom o mais eficaz
dos factores que vertebram a configuraçom histórico-geográfica das nossas sociedades.
Se quigéssemos realizar com êxito umha geografia do
capitalismo ou, entom, analisar a economia espacial, teríamos de partir da base de que o processo de acumulaçom de
capital aparece como algo perpetuamente expansionista e,
portanto, permanente fugidio de qualquer género de equilíbrio. Por exemplo, o importante para compreendermos o
funcionamento do sistema é a possibilidade de mover de um
lugar a outro mercadorias, capacidade produtiva, pessoas e
dinheiro, para o que fôrom e som decisivas as condiçons que
prevalecem nas indústrias do transporte e das comunicaçons.
É sabido, que, durante toda a história do capitalismo, as inovaçons tecnológicas nesse campo alterárom espectacularmente as condiçons de espacialidade (a fricçom da distáncia,
de que Harvey fala), gerando todo o tipo de instabilidades
na economia espacial do capitalismo. O que Marx denominou
“a aniquilaçom do espaço mediante o tempo” (consoante o
registo histórico-geográfico do capitalismo), que poderia ser
hoje substituído pola “aniquilaçom do espaço mediante o capital” (com toda a responsabilidade dos anos 1980) —muito
em relaçom com a releitura elaborada tempo depois por Marshalh Bergmam, materializa-se no impulso para a reduçom ou
eliminaçom das barreiras espaciais, junto dos impulsos igualmente incessantes face à aceleraçom da rotaçom do capital.
Entom, dando isto por válido, a reduçom nos custos (excepto
no transporte de pessoas) e a duraçom do deslocamento demonstrárom-se como necessidades imperiosas do modo de
produçom capitalista. Logo, a sua espacialidade possui umha
tendência para a mundializaçom intrínseca e, em conclusom,
a evoluçom do panorama geográfico da economia neoliberal
está a ser impulsionada sem folga por umha quase contínua
compressom espaço-temporal.
Por outras palavras, a paisagem geográfica da actividade capitalista está a ser atravessada por contradiçons e
tensons que a convertem numha natureza perpetuamente
inestável. As tensons entre competência e monopólio, entre a
concentraçom e dispersom, entre dinamismo e inércia, entre
diversas escalas de actividade derivam todas elas dos denominados processos moleculares de acumulaçom de capital
no espaço e no tempo, e todos eles se inserem na lógica expansionista geral de um sistema económico em que domina
a acumulaçom incessante de capital e a procura interminável
de lucro. Isto dá lugar à pretensom de gerar umha envolvente geográfica favorável às actividades capitalistas num lugar
e momento determinados, tam só para ter que o destruir e
ter que edificar um contexto (também sociocultural, nom só
arquitectónico) totalmente diferente num momento posterior,
sem poder saciar nunca a sua perpétua sede de acumulaçom.
Deste jeito, vai-se escrevendo a história da destruiçom criativa na envolvente da geografia histórica real da acumulaçom
de capital.
Partindo destes imaginários instáveis e contraditórios
(geografia da contradiçom e dialéctica da dúvida), quereria
fazer neste artigo umha breve disseçom sobre as relaçons
que existem hoje entre o espaço, como categoria de análise social, e o capitalismo. Duas questons, polo menos, fam
referência à cartografia e à geografia nesta temática de actualidade.
Primeiro. A longa sobrevivência do capitalismo supom
um fenómeno largamente estudado pola literatura marxista nas últimas décadas. Porém, as explicaçons oferecidas
apresentam conflitos de engrenagem epistemológica e nom
deixam fechada por completo a problemática. Tanto Lenine
como R. Luxemburg -esta última com o seu fascinante trabalho sobre o processo de acumulaçom de capital- ainda por
distintas razons e empregando argumentaçons diferentes,
considerárom que o imperialismo (ou certo jeito de produçom e utilizaçom do espaço global) era a resposta ao enigma
da longa supremacia do capitalismo (ainda que em ambos os
casos parece que essa soluçom era finita e, portanto, carregada das suas próprias contradiçons terminais). A sociologia,
com o contributo de H. Lefevbre através da ideia de que o
capitalismo sobrevive graças à produçom de espaço, pensou
Xosé Constenla Veiga
Nº 43. Janeiro, Fevereiro e Março de 2007
Marxismo e geografia ou
a ilegalizaçom do mapa
que dera com a chave. No entanto, a geografia crítica ou radical tem repetido desde a década de 1960 que o espaço é
um produto social. O que significa isto realmente? Ou noutro
senso, o que é que pode proporcionar, que importáncia tem
a espacialidade, como categoria de análise, para o debate
social da emancipaçom das classes desfavorecidas do sistema?
No ano 1982, na obra The Limits to Capital, David Harvey propom a teoria de umha soluçom espacial (com maior
precisom, umha soluçom espaço-temporal) às contradiçons
internas da acumulaçom de capital e às crises que gera. O
núcleo dessa argumentaçom, derivada teoricamente da reformulaçom da teoria marxiana da queda tendencial da taxa
de lucro, refere-se a umha tendência crónica do capitalismo
para as crises de sobreacumulaçom. Estas crises manifestam-se tipicamente como excessos de capital (mercadorias,
dinheiro ou capacidade produtiva) e de força de trabalho,
sem que pareça existir nengum meio de os amoldar rendivelmente para levar a cabo tarefas socialmente úteis. Entom,
dado que o núcleo da dificuldade para assimilar o excesso de
capital reside na ausências de oportunidades rendíveis de investimento; o problema económico fundamental (a diferença
do social e político) tem que ver com o capital propriamente
dito. Portanto, que jeitos encontramos para evitarmos a desvalorizaçom, estabelecendo formas rendíveis de absorçom
de excesso de capital? A expansom geográfica e a reorganizaçom espacial oferecem essa possibilidade, que nom se
podem separar, porém, de dilaçons temporárias em que o
excesso de capital é investido em projectos a longo prazo que
Durante décadas, a geografia foi considerada a irmá pobre das ciências sociais. Em
ocasions, o ostracismo social e académico mesmo lhe outorgava um papel reduzido
ao campo estrito do campo das humanidades e do conhecimento geral, descritivo e
universalista em geral. Contodo, o território e a cartografia –como expressom visual/
material do mesmo- (apesar dos avanços nos campos do SIX ou da teledetecçom)
continua a ser considerado como um suporte das relaçons socieconómicas. O próprio X. M. Beiras, no seu Por unha Galiza liberada (1984), concretamente no trabalho
“Miséria da ciência económica regional” adverte que “via de regra, o pensamento
económico teorizava à margem das coordenadas espaciais da realidade objecto
da pesquisa” e continua, “na economia aplicada (...) rara vez se prestava atençom
ao facto de as fontes estatísticas subministrarem magnitudes relativas a fenómenos localizados, que quase sempre variam se muda o espaço a que se referem”.
Eis a questom chave. O espaço constitui umha categoria de análise em si mesma,
superadora das concepçons descritivas e corológicas, que confire pontos de apoio
concretos para compreender a lógica do capitalismo e enriquece a argumentaçom do
materialismo dialéctico, sendo histórico, mas também geográfico. A falsidade parcial
de muitas das teorias económicas que partiam da base desse jeito de determinismo,
radica precisamente na desterritorializaçom da sua proposta conceitual/epistemológica. O próprio Beiras refere aquela velha ideia da chaira isotrópica com certa ironia,
um lugar onde os condicionantes geográficos nom existem e, portanto, nom influem
no desenvolvimento do pensamento económico através de modelos, teorias e leis
infalíveis. “Deste jeito, cobrava certeira veracidade a afirmaçom de Henri Guittom de
que os economistas construíam um mundo pontiforme, ou, segundo a feliz expressom
de Walter Isard, a wonderland of no spatial dimensions, um país das maravilhas sem
dimensons espaciais” (Beiras, 1984).
O exemplo mais ilustrativo e óbvio que propom Harvey sucedeu durante a depressom
em escala mundial dos 1930, quando o emprego da capacidade existente caiu a um
mínimo histórico, as mercadorias existentes nom se podiam vender e o desemprego
atingiu quotas jamais igualadas. Aquilo conduziu à desvalorizaçom e, nalguns casos,
até a destruiçom de excesso de capital, ao tempo que os trabalhadores sobrantes
ficabam reduzidos a umha situaçom miserável.
tardam moitos anos a devolverem o seu valor à circulaçom
mediante a actividade produtiva que promovem. A expansom
geográfica supom com freqüência investimentos em infraestruturas materiais e sociais de longa duraçom (em redes de
transporte e comunicaçons ou no ensino e na investigaçom)
e, além disto, a produçom e a reconfiguraçom das relaçons
espaciais proporcionam umha potente alavanca para mitigar,
se nom resolver, a tendência ao surgimento de crises no capitalismo. “A lógica imperialista do capitalismo (à diferença
da territorial) deve ser entendida no contexto da procura de
soluçons espaço temporais para o conflito do excesso de capital” (Harvey, 2003). É por isso que é no excesso de capital,
mais do que no de força de trabalho, que deve centrar-se e
concentrar-se a atençom analítica.
Em todo o caso, a referência que quero oferecer para
compreender a relaçom entre a necessidade de implementar a concepçom diacrónica para perceber o funcionamento
do modo de produçom capitalista, centra-se no trabalho do
David Harvey. Provavelmente nengum teórico marxista sério
consideraria Harvey marxista no mais mínimo. O problema
está em que a maioria deles nom presta nengumha atençom
às questons espaciais e tam só centram os seus esforços na
análise e conhecimento da produçom. Assim e todo, pensar
no funcionamento do mundo a partir dos instrumentos de
ordenamento territorial: os processos através dos quais o
capital gera paisagens, as cidades como lugares em que se
dirimem conflitos sociopolíticos, a sua cidadania como arquitecta do futuro urbano.
A virtude de ligar geografia, história, economia e política, e face às versons espaciais da tese do gotejamento, do
contributo fundamental situa-se no conceito de “acumulaçom
por despossessom”: umha remoçada dinámica de cercamento da propriedade colectiva fundada em privatizaçons que
habilitam a acumulaçom de capital e deslocam, no desenvolvimento territorial, os dereitos colectivos por direitos individuais de propriedade e lucro.
Em conclusom, a relaçom entre geografia e marxismo
estabelece-se a partir da necessidade que existe por compreender as situaçons de conflito que se dam nos lugares
determinados –nesse contexto– aqui, em Nova Iorque ou
onde quer que seja. Depois há que tratar de compreender as
forças que criárom essa situaçom, quem estivo a cargo dessa
construçom, como a elaborou e quais som as conseqüências
de ter disposto esse ambiente tal como é. Para a geografia
Deste modo, durante a década dos 1930, o governo estado-unidense tratou de responder ao problema da sobreacumulaçom emprendendo obras públicas orientadas
para o futuro em lugares até entom subdesenvolvidos, com clara intençom de reduzir
o excesso de capital e força de trabalho entom existentes (Harvey, 1982 e 2003).
crítica, isto supom a peça chave e resulta o que vse ê que fai
Marx quando estuda O Capital. Parece duvidosa a opiniom
que defende que o agente da história (sujeito histórico) seja a
fábrica proletária. Talvez a mutaçom implique também umha
espacializaçom do conceito. Devemos pensar, antes, na
combinaçom e as alianças entre os bairros, os movimentos
sociais em matéria de habitaçom, saúde e educaçom, e os
movimentos da classe trabalhadora. O marxismo nunca fijo
geografia. Nunca entendeu os desenvolvimentos geográficos
nem as cidades. Quando os “marxistas” tivérom poder, nom
soubérom que fazer com o desenvolvimento geográfico desigual. Temos atravessado no último século –um período de
enormes transformaçons– de umha urbanizaçom que passou
de 7% para 50% da populaçom mundial, e os marxistas actuárom como se essa enorme mudança dinámica da populaçom
em toda a organizaçom da superfície da Terra nom marcasse
nengumha diferença. Assim e todo, seria falso dizer que o
marxismo e a geografia nom conjugam olhares atinados para
a análise e a diagnose da realidade.
E segundo. O espaço é um producto social. Pode-se
admitir que os comportamentos e os processos sociais -individuais e colectivos- influem directamente sobre a configuraçom e a lógica espacial dos territórios. Esta afirmaçom
responde ao domínio e à hegemonia exercida ao longo do
tempo, no contexto das ciências sociais, pola sociologia, mais
sobretodo, pola história. Deste jeito, o espaço constitui umha
construçom que responde a umha série de critérios de carácter social [estilo(s) de vida, percepçom ou educaçom].
No entanto, face a esta formulaçom, existe umha outra que
situa a importáncia sobre os elementos espaciais na configuraçom dos territórios e das sociedades. Neste senso, é doado
identificar que, face à metodologia sociologista que define ao
território como umha construçom social, existe umha outra
que entende a sociedade como umha construçom territorial.
Por outras palavras, através de umha construçom natural,
libertadora e consciente do espaço, poderemos configurar
marcos territoriais que tendam para o equilíbrio das relaçons
sociais e para o crescimento económico integral, equitativo e
convergente, assim como para a protecçom do facto diferencial das minorias nacionais.
Esta ideia toma corpo pragmático na vertebraçom espacial da Galiza. Na construçom social do mapa do País, deve influir de jeito notável umha condiçom similar de aquilo que supom o conceito de identidade territorial. Joam Nogué (1998)
entende que “a transferência do sentimento de identidade do
passa à página 6
Nº 43. Janeiro, Fevereiro e Março de 2007
opiniom
Marxismo e geografia ou a ilegalizaçom do mapa
Vem da página 5
grupo para o território” recolhe um fenómeno
histórico de humanizaçom do espaço. Em todo o
caso, até existir umha vocaçom institucional de
gerir os recursos do território, a lógica espacial
do noroeste atlántico ibérico, entendeu-se como
umha conseqüência directa do termo de identidade territorial, enquanto processo mediante
o qual umha comunidade social diferenciada
impinge carácter a um território através de um
jeito genuíno de ocupaçom e humanizaçom do
espaço vivido. Eis o vector fundamental que deveria servir para traçar os mapas das naçons.
Em todo o caso, se atendermos à história,
existem precedentes na historia recente de modificaçom dos limites político-administrativos
do território que dam para pensar. Nom é lugar
nem momento de os recordarmos aqui; porém,
lanço as seguintes hipóteses:
1. Se calhar, cumpre observar devagar dous
factos que tendem a homogeneizar os
comportamentos espaço-temporais no
modo de habitar o território na Galiza. Por
um lado, o território passou de ser aquilo
de que a populaçom tinha consciência global, a se converter em algo que se parece
desconhecer, objecto de inevitável e permanente degradaçom e, produzindo-se tal
cousa em companhia do desvanecimento
dos recursos. No nosso território, estamos
a sofrer o efeito combinado de mais de um
“desastre”: umha urbanizaçom anárquica e
irracional do litoral e do sistema de assentamentos; umha especializaçom productiva
exagerada e, as mais das vezes, pouco
meditada (exploraçons pecuárias de vacum
ou repovoaçons florestais generalizadas de
nula diversidade); um duro controlo dos recursos financeiros por parte de um sistema
alheio às necessidades reais do País; umha
miopia política por parte dos responsáveis
públicos, excessivamente preocupados por
contentarem Madrid, esquecendo-se de
exercerem as competências que lhes som
exclusivas a partir da divisom autonómica;
assim como umha cegueira permanente entre os profissionais da geografia, incapazes
(tanto estes como os anteriores) durante
décadas de combaterem os riscos negativos de um sistema doente e convalescente.
2. Talvez cumpra analisar, para compreendermos de vez a nossa identidade territorial homogénea, o jeito multissecular de
habitarmos o espaço, com independência
do poder político estabelecido, e que se vê
reflectido em construçons político-administrativas de condiçom histórico-geográfica.
Neste senso, ninguém pode negar a existência e importáncia da freguesia portuguesa
ou da comarca galega na vertebraçom das
realidades nacionais. De aqui tiramos que o
território nom é algo que nos vem dado ou
imposto, senom que se constrói, que se fai
e que se delimita em funçom dos comportamentos cívico-sociais diferenciados entre
eles, mas homogéneos em si mesmos. Este
segundo factor deve ser compreendido partindo do conceito de territorialidade humana. De novo Joam Nogué (1998) recorre a
Sack (1985) para apresentar umha noçom
precisa deste termo. Assim, a territorialidade humana seria umha forma de comportamento espacial, um acto de intencionalidade, umha estratégia com tendência
para afectar, influir ou controlar as pessoas
e os recursos de umha área, através do
seu controlo territorial. Face à situaçom de
controlo tributário, fiscal ou militar exercido
polos poderes políticos do Estado espanhol,
a territorialidade converteu-se no único facto diferencial, levado a cabo mediante umha
humanizaçom do território genuína. Deste
modo, o território elevou-se a um grau de
conhecimento popular, algo de que a populaçom tinha consciência global e local, e,
além do mais, era compreendido como um
elemento próprio e identitário.
No caso da Galiza, aliás, esta transformaçom supujo umha grave ameaça contra um dos
principais factos diferenciais. O território, a Terra –num sentido mais amplo, conforma um dos
principais elementos de contruçom identitária.
Para a doutrina nacionalista na Galiza, o espaço natural vivido guarda umha forte relaçom
com a ideia essencial da existência de umha
consciência de identidade colectiva diferenciada com vocaçom espontánea. Com a chegada
dos estados democráticos, a situaçom no mudou em profundidade. O território continua sob
um controlo e umha gestom desnaturalizadora,
principalmente porque nom se compreende a
identidade territorial homogénea no noroeste
atlántico ibérico, mais também porque as divisions administrativas do espaço, bem como a
construçom de infraestruturas viárias, tenhem
No Sempre em Galiza, Castelao recorre à concepçom stalinista do
termo de naçom. Neste senso, admite que nom há nacionalidade
sem território próprio, ou nas suas palavras, “Para nós, os galegos, a Terra (assim, com maúscula) é a Galiza. O que nos junta
numha comunidade espiritual é, principalmente, o amor à Terra. E
quando dizemos –a nossa Terra- queremos dizer –a nossa Naçom. A Terra é a Mátria” (Sempre em Galiza, 1943, páx. 40).
LIVROS
Aurora Marco
Dicionario de Mulleres Galegas, A Nosa
Terra, Março 2007,
566 páginas.
Perto de dous
milhares é o número
de mulheres a que
fai referência este
pioneiro dicionário:
trabalhadoras dos
mais diversos ofícios,
(impressoras, jornalistas, prateiras, merceeiras, cigarreiras,
curandeiras,
etc),
artistas, desportistas de muitas e variadas disciplinas (desde qualquer das
modalidades do atletismo até desportos aquáticos como
o caiaque ou a canoagem), milicianas, religiosas, vereadoras, bandoleiras, militantes de partidos e organizaçons
políticas de amplo espectro idológico, sindicalistas, soldadeiras medievais, escritoras, mulheres que destacárom
nas luitas labregas de início do século XX, e um longuíssimo etcétera. Estes nomes descobrem-nos umha outra realidade das nossas antecessoras, muito afastada da foto
fixa que representa as mulheres galegas de antano como
abnegadas maes e esposas que tinham no lar e na igreja
o seu suposto “habitat natural”. Nomes de mulheres tam
conhecidas como o de Rosalia de Castro, Maruxa Mallo ou
Maria Casares, acompanham muitíssimos outros completamente desconhecidos e sentenciados ao esquecimento
se nom fosse por esta e outras imprescindíveis iniciativas.
Resultará surpreendente para a leitora e o leitor descobrir que no anos 30 já havia mulheres camionistas, como
Maruja Martinez Cartamil, de Mugia; ou Chichona Patinho,
primeira mulher galega a obter o diploma de aviadora na
década de 10 do século passado.
O quadro cronológico estudado é extremamente amplo, desde as origens até o ano 1975, e nele recolhem-se
alguns dos dados disponíveis de centenas de mulheres
que, de umha maneira ou outra, conseguírom que a sua
pegada na sociedade galega sobrevivesse até os nossos
dias. Numerosas fotografias acompanham estas mulheres,
ajundando a pôr rostos a estes nomes.
Só um ingente e paciente trabalho investigador como
o cá desenvolvido por Aurora Marco, permite recuperarmos, embora seja às vezes com escassos dados, o nosso passado colectivo e como mulheres, enchendo o vazio
histórico a que séculos de dominaçom patriarcal nos tinha
condenado.
Do Abrente, queremos parabenizar este importante
contributo para a recuperaçom da nossa memória, como
galegas, e como mulheres. (Noa Rios Bergantinhos).
José Gómez Abad
Como o Che enganou a
CIA. Edições Avante, Lisboa
2006, 566 páginas.
No quarenta aniversário da morte do Che na Bolívia, fai-se necessário nom
só estudar e reivindicar o
seu exemplo de revolucionário integral, mas também
desmontar as falácias sobre
a sua trajectória e as reflexons teóricas promovidas
pola reacçom e a social-democracia, mas também polo
estalinismo.
O livro de Pepe Gómez
contribui para desvendar e esclarecer umha parte dos episódios
menos conhecidos da biografia de Ernesto Guevara: os preparativos da gesta internacionalista boliviana. Em 23 de Outubro de
1966, o Che partia, dando início a 11 intensos meses a tentar criar
um foco guerrilheiro, tam bem plasmados no seu Diário. Anteriormente, outros destacados quadros revolucionários cubanos tinham
saído para o país sul-americano como avançada para preparar a
logística, entre as quais destaca Tamara Bunke Bíder, mais conhecida como “Tánia”.
Em 1966-67, o daquela jovem José Gómez Abad –filho do
inesquecível dirigente comunista galego José Gómez Gaioso, assassinado no garrote vil polo fascismo na Corunha a 6 de Novembro de 1948– já era um destacado membro da Direcçom-Geral da
Informaçom do Ministério do Interior de Cuba, e posteriormente
converteu-se no Ajudante Executivo do também galego Manuel Pinheiro Lousada “Barbarroja”, chefe da DGI.
Foi enviado a Praga, onde estivo destinado muitos meses na
preparaçom política, ideológica e militar de Tánia e outros combatentes cubanos, e apoiando o Che –que se achava de passagem
após a fracassada experiência do Congo– antes da sua partida para
a Bolívia via Cuba. Pepe Gómez, tal como relata com mestria neste
livro, fazia parte do reduzido grupo de pessoas responsabilizadas
pola segurança e treino do Che, que conseguírom enganar a CIA e
os serviços de espionagem europeus e latino-americanos. Participou activamente na transformaçom física do Che, na elaboraçom
do disfarce empregado para penetrar na Bolívia sem levantar as
mais mínimas suspeitas rumo ao seu histórico objectivo.
Portanto, este livro, apoiado numha ingente documentaçom,
inédita até o momento, está escrito por alguém que viveu directa
e intensamente estes acontecimentos. Pepe Gómez Abad foi um
activo protagonista de umha das maiores gestas revolucionárias
de todos os tempos.
Novamente, pois tenho a honra de conhecê-lo, quero transmitir o que ele já sabe: muito obrigado, Pepe, por teres dedicado milhares de horas a realizar este livro. Aguardo poder acompanhar-te
no vindouro ano na homenagem do 70 aniversário de José Gómez
Gaioso no cemitério de Santo Amaro, na Corunha. (Carlos Morais)
um interesse centralizante, mas preocupante
para os territórios periféricos.
Ilegalizar um mapa, como plasmaçom
visual e gráfica de comportamentos sociais e
culturais legítimos de comunidades humanas
que temos comentado, supom, ao tempo, perseguir olhares diferentes sobre a lógica espaço-temporal, criminalizar distintos usos e jeitos
de ocupar o espaço, pôr em questom a organizaçom territorial multissecular de um povo e
lançar umha ofensiva/missiva contra umha das
linhas de flutuaçom do surgimento e apariçom
da consciência nacional espóntanea na Galiza: a
Terra, com maiúscula, que debulhara Castelao
no Sempre em Galiza. Além disto, a perseguiçom aberta volta a ser umha deturpaçom das
regras de jogo e umha explicitaçom das diferentes medidas que subsistem. Enquanto opinável,
a divisom territorial nom pode constituir umha
realidade imutável nem inamovível.
Assim sendo, na actualidade, na Galiza
existe umha divisom espacial nom vertebrada na
realidade do País, reflectida no mapa político administrativo da actual Comunidade Autónoma da
Galiza e, o que é pior, umha estrutura alienante
para o indivíduo e que combate directamente
a construçom da nossa identidade nacional. É
mester que a cidadania galega entenda que nom
se pode continuar com o esbanjamento do seu
mais estimado património: o território da naçom,
–elemento conformador essencial dos nossos
sinais de identidade como povo. Neste senso,
como cidadaos do comum, livres e conscientes
do nosso jeito genuíno de habitarmos e usarmos
o território, devemos saudar com agrado e agarimo aquelas propostas que tratarem de naturalizar as relaçons sociais sobre o espaço.
Bibliografia
BEIRAS, X.M. (1984): Por unha Galiza liberada.
Editorial Galaxia, Vigo.
CASTELAO, A.D.R. (1980): Sempre em Galiza.
Ediçons Akal, Madrid
HARVEY, D. (1982): The Limits to Capital. Blackwelh, Oxford.
HARVEY, D. (2003): El nuevo imperialismo. Ediciones Akal, Coleçom Cuestiones de
Antagonismo, Madrid.
Xosé Constenla Veiga é geógrafo
WEB
Carlos F. Velasco
Souto
1936. Represión e alzamento militar en Galiza. Edicións
A Nosa Terra. Vigo, 2006.
376 páginas.
A última obra do historiador e professor de
História Contemporánea
na Universidade da Corunha, Carlos Velasco, dá
continuidade à anterior
aproximaçom divulgativa
da Galiza da II República,
publicada na mesma editora e já comentada no seu
momento nestas páginas.
Tal como acontecia no seu Galiza na II República, este novo trabalho consegue conjugar o rigor histórico com o eminente teor
divulgativo, resultando um produto que, sem dúvida, supera polo
seu carácter abrangente os numerosos ensaios precedentres
dedicados à mesma temática.
Coincidindo com o chamado “Ano da Memória”, A Nosa Terra
publicou este novo título dentro da colecçom “Historia de Galicia”,
deixando, mais umha vez, em evidência o desleixo da editora ao
incluir, sem nengum rigor, na mesma capa os nomes espanhol e
galego do nosso país.
A intensa repressom sofrida polo nosso povo em 1936, cuja
verdadeira dimensom ainda nom pudo ser exactamente quantificada, acha nesta obra um altifalante que denuncia, depois de
ordenados os dados e apresentados sectores sociais e ámbitos
geográficos, o terror fascista que exterminou toda umha geraçom
de luitadores e luitadoras galegas, e de cujos efeitos ainda hoje
padecemos efeitos constatáveis em forma de amnésia histórica,
castraçom ideológica e alienaçom colectiva.
Velasco parte do estudo dos nom poucos ensaios de ámbito local e comarcal dedicados a estudar a repressom franquista,
publicados nas últimas décadas, compondo um olhar de conjunto
sobre a naçom galega, e acrescentando a imprescindível análise
histórica e política de uns factores que determinárom a maneira
como decorrêrom os acontecimentos no nosso país a partir do
golpe de Estado e nos meses que se seguírom: a rápida queda da
Galiza no campo fascista, as fugidas, a brutal caça ao vermelho,
o exílio, a luita antifascista no interior e no exterior, a repressom
comarca por comarca... o exaustivo estudo do professor pontevedrês constitui, em definitivo, um referente imprescindível para
quem quiger ter umha ideia global do que supujo o golpismo franquista e a guerra que se seguiu. Sendo aqueles anos determinantes na configuraçom da história da Galiza no século passado, os
seus efeitos continuam a dar chaves para a interpretaçom de nom
poucos mecanismos políticos vigentes nestes primeiros anos do
século XXI. Mais um motivo para recomendarmos entusiasticamente a leitura das quase 400 páginas que componhem este 1936.
Represión e alzamento militar en Galiza. (Maurício Castro)
www.agal-gz.org/blogues
Blogues AGAL-GZ: umha plataforma digital para a
expressom em galego
A Associaçom Galega da Língua vem fazendo
nos últimos anos um magnífico trabalho de divulgaçom das teses reintegracionistas na Internet, através do Portal Galego da Língua, do qual falamos já
nesta mesma secçom no número 30 do Abrente.
Se no seu dia foi pioneira no lançamento da informaçom sobre o conflito lingüístico na Galiza, neste
momento está a protagonizar a posta em comum do
boom informativo e comunicativo que nos últimos
tempos representam os blogues.
Para tal, a AGAL disponibiliza espaço às entidades que, utilizando a forma escrita tradicional e
de futuro, a reintegracionista, quigerem contar com
um meio de expressom próprio na rede, dando inclusive assessoramento técnico e de maneira gratuita, como forma de dinamizar a presença galega
e em galego na net.
Assim, no servidor de blogues do Portal Galego da Língua podemos já aceder aos sítios de
associaçons, entidades e iniciativas diversas que
coincidem no uso do galego-português. Centros
sociais como A Revira de Ponte Vedra, A Esmorga
de Ourense, Artábria de Ferrol, Aguilhoar de Ginzo, Henriqueta Outeiro e A Gentalha do Pichel de
Compostela ou a Baiuca Vermelha de Ponte Areas
contam já com blogues em que informam do desenvolvimento das suas actividades praticamente
a diário.
Também campanhas como a do Voluntariado
pola Língua mantenhem informados os sectores
mais interessados na defesa da língua num blogue
específico, e recentemente inclusive AGIR e BRIGA
se incorporárom ao servidor de blogues com um
dedicado monograficamente à Escola de Formaçom
que organizam anualmente desde 2004.
O Colectivo Gai de Compostela e o Viveiro e
Observatório de Galescolas (nom as da Junta, atençom!) tenhem blogue próprio.
Além da vertente colectiva, o servidor disponibilizado pola AGAL oferece blogues particulares
a pessoas interessadas em comunicar directa e
abertamente mediante essa via. Recomendamos
conhecer este espaço horizontal e participativo de
comunicaçom, que permite estar em dia de muita
cousa feita na base de umha parte do movimento
popular galego.
internacional
Num dos momentos mais difíceis da sua derradeira campanha guerrilheira, a boliviana em que o esperava a morte, o Che Guevara dixo aos
seus combatentes que “este tipo de luita dá-nos o ensejo de nos convertermos em revolucionários, o degrau mais alto da espécie humana”.
Falava assim, e com verdade, quem se achava já, alçado pola sua vida,
os seus factos e os seus contributos, nesse degrau mais alto. Porque já
tinha feito umha revoluçom, a cubana, que quase meio século depois da
sua primeira vitória em 1959 ilumina ainda hoje este planeta tenebroso,
conduzido para o desastre ecológico polos brutais derradeiros suspiros
de um capitalismo endoidecido que, agudizadas e levadas quase ao limite
as suas contradiçons genético-estruturais, demonstra de dia para dia a
validade da Lei geral da acumulaçom capitalista enunciada por Marx nos
capítulos finais do Livro Primeiro do Capital. De dia para dia, os dados evidenciam o aumento incessante da exploraçom, da miséria, das doenças,
do mal-estar vital, que som condiçom do também incessante aumento da
acumulaçom de mais e mais riquezas em cada vez menos maos e de mais
e mais destruiçons da ecologia do Planeta.
E de dia para dia, quando lemos na mentirosa imprensa capitalista,
as contas minimizadas de desastres que nos dim, por exemplo, que 4.000
crianças morrem por dia devido à diarreia provocada por beberem água
em mau estado, e 1.400 mulheres perdem a vida por dia durante a gravidez ou o parto por falta de assistência médica, sabemos que falta um
pormenor a essa notícia. Falta-lhe é acrescentar que “nengumha dessas
crianças é cubana”. Quando a UNICEF calcula que existam, no mínimo,
100 milhons de crianças sem serem escolarizadas, sabemos que a essa
notícia falta um pormenor. Falta-lhe acrescentar que “nengumha dessas
crianças é cubana”.
Sim, quando o Che chegou à Bolívia, já se tinha convertido em revolucionário, já tinha atingido “o degrau mais alto da espécie humana”.
Porque a sua entrega pessoal se tinha unido à das e os camaradas que
tinham posto em andamento a Revoluçom Cubana. Umha revoluçom que,
em Fevereiro deste ano 2007, pudo proclamar com orgulho que, até este
momento, mais de meio milhons de latino-americanos recuperárom a visom graças ao programa oftalmológico Operaçom Milagre, que desde
2004 desenvolvem conjuntamente Cuba e a Venezuela. Que nos últimos
sete anos de colaboraçom, as brigadas médicas cubanas realizárom mais
de 304 milhons de consultas médicas em 69 países e salvárom quase um
milhom e 600 mil vidas. Que médicos cubanos intervinhérom quirurgicamente um número superior aos dous milhons e 100 mil pacientes. E
que, desde 1963, mais de 270 mil colaboradores cubanos prestárom os
seus serviços em 154 países e Cuba contribuiu para a alfabetizaçom de
mais de dous milhons de pessoas em 16 países, enquanto mais de 28 mil
jovens de 120 estados estudam em universidades cubanas, a maioria a
especialidade de Medicina.
Nem a minha companheira Margari Ayestarán nem eu esquecemos o
agridoce sabor da noite, quase quarenta anos atrás, em que assistimos
na Embaixada cubana naquele Madrid franquista de 1967 à homenagem
ao Che, recém assassinado por ordem da CIA. Nom esquecemos que ali
nos foi dito que NOM ia haver um minuto de silêncio, porque um revolucionário nom pode ser homenageado com umha inacçom. Que ia haver
um minuto de aplauso. Que se prolongou durante o que parecêrom ser
horas, enquanto aplaudíamos verticalmente, porque os braços, já doloridos, eram incapazes de continuar a fazê-lo horizontalmente.
Os estreitos limites de um artigo como este nom me permitem nem
sequer gizar a importáncia que a figura e a vida do Che tivérom para
a luita de Euskal Herria contra os estados opressores espanhol e francês, e para a evoluçom da que é oficialmente denominada Organizaçom
Socialista Revolucionária Basca para a Libertaçom Nacional Euskadi Ta
Askatasuna. Vou limitar-me a lembrar que a ETA, que se proclamou solenemente comunista na sua VI Assembleia de 1973, foi umha das poucas
organizaçons políticas comunistas que nom se murchárom nem desaparecêrom abaixo do entulho da implosom da URSS em 1991. Sem dúvida,
porque o seu comunismo bebeu mais dos frescos mananciais da teoria e
a prática de revolucionários como o Che Guevara, do que das degeneraçons burocráticas do PCUS.
Sim. O Che tinha razom. Os revolucionários som o degrau mais alto
da espécie humana. Som os que luitam (e muitas vezes morrem nessa
luita) para que ninguém cuspa sangue para que outro viva melhor. E os
que quebram as grades dos cárceres que oprimem a humanidade.
A 29 de Setembro de 2001, na aula especial e pública sobre a guerra
imperialista da Universidade Popular das Maes de Praça de Maio, Hebe
de Bonafini leu um poema inédito do Che. Ei-lo:
Velha Maria
Velha Maria, vás morrer
quero falar-che a sério:
A tua vida foi um rosário completo de agonias,
nom houvo homem amado, nem saúde, nem dinheiro,
quase nem a fame para ser partilhada;
quero falar da tua esperança,
das três diferentes esperanças
que a tu filha fabricou sem saber como.
Segura esta mao que parece de criança
nas tuas polidas polo sabom amarelo.
Frega os teus calos duros e os nós dos dedos puros
na suave vergonha da minha mao de médico.
Escuita, avó proletária:
Acredita no homem que chega,
acredita no futuro que nunca verás.
Nem rezes ao deus inclemente
que toda umha vida mentiu a tua esperança;
nem pidas clemência à morte
para veres crescer as tuas carícias pardas;
os céus som moucos e em ti manda o obscuro,
sobretodo terás umha vermelha vingança
juro pola exacta dimensom dos meus ideais.
Justo de la Cueva
Nº 43. Janeiro, Fevereiro e Março de 2007
O
, o degrau mais
alto da espécie humana
Morre em paz, velha luitadora.
vás morrer, velha Maria;
trinta projectos de mortalha
dirám adeus com o olhar,
num destes dias em que irás embora.
Vás morrer, velha Maria,
ficarám mudas as paredes da sala
quando a morte se conjugar com a asma
e copularem o seu amor na tua garganta.
Essas três carícias construídas de bronze
(a única luz que alivia a tua noite)
esses três netos vestidos de fame,
terám saudades dos nós dos dedos velhos
onde sempre achavam um sorriso.
Era todo, velha Maria.
A tua vida foi um rosário de magras agonias
nom houvo homem amado, saúde, alegria,
quase nem a fame para ser partilhada,
a tua vida foi triste, velha Maria.
Quando o anúncio de descanso eterno
enturva a dor das tuas pupilas,
quando as tuas maos de perpétua esfregona
absorverem a derradeira ingénua carícia,
pensas neles... e choras,
pobre velha Maria.
Nom, nom fagas isso!
Nom ores ao deus indolente
que toda umha vida mentiu a tua esperança
nem pidas clemência à morte,
a tua vida foi horrivelmente vestida de fame,
acaba vestida de asma.
Mas quero anunciar-che
em voz baixa e viril das esperanças,
a mais vermelha e viril das vinganças
quero jurá-lo pola exacta
dimensom dos meus ideais.
Segura esta mao de homem que parece de criança
entre as tuas polidas polo sabom amarelo
frega os calos duros e os nós dos dedos puros
na suave vergonha das minhas maos de médico.
Descansa em paz, velha Maria,
eescansa em paz, velha luitadora,
os teus netos todos viverám o abrente,
EU JURO.
Assim é que o Che escrevia, assim é que sentia, assim é que vivia
e assim foi que morreu e venceu inclusive na sua derrota. O Che que
reivindicam e fam seu os revolucionários. Os que exercem a fecunda,
imprescindível e saudável, quirúrgica, cirurgiá violência dos oprimidos.
Que é sempre legítima. E é a esperança dos párias da Terra. A que mudará o mundo a partir da base e fará dessa Terra um paraíso. A Pátria
da Humanidade.
Justo de la Cueva é militante comunista basco
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