Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJ Processo: Nº Convencional: Relator: Descritores: Nº do Documento: Data do Acordão: Votação: Tribunal Recurso: Processo no Tribunal Recurso: Data: Texto Integral: Privacidade: Meio Processual: Sumário : Decisão Texto Integral: Page 1 of 2 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 03B1191 JSTJ000 QUIRINO SOARES AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE SJ200304300011912 04/30/2003 UNANIMIDADE T REL LISBOA 4610/02 11/14/2002 S 1 APELAÇÃO. 1. Não preenche o requisito da ligação efectiva à comunidade nacional, de que, nos termos da alínea a, do artº9º, da Lei 37/81, de 3/10, na redacção que lhe foi dada pela Lei 25/94, de 19/8, tem o ónus da prova, o cidadão argelino, que, pretendendo adquirir a nacionalidade portuguesa apenas provou que é casado com nacional portuguesa desde 13.01.96, vive em Lisboa em andar arrendado, trabalha a prazo numa empresa de limpezas, é titular de conta de depósito em banco português desde 31 de Maio de 2000, tem identificação fiscal, cartão de utente emitido pelo Ministério da Saúde, e de beneficiário da Segurança Social, estando ainda inscrito como sócio do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal, é possuidor do cartão de residência, válido até 24 de Abril de 2007, tendo intenção, juntamente com a mulher, de residir definitivamente em Portugal, aqui organizar a sua vida e vir a ter filhos, mostrando-se interessado em conhecer a cultura do povo português, expressando-se, nas suas relações, na língua portuguesa e apreciando a sua gastronomia, designadamente os pratos de bacalhau, conhecendo os principais titulares dos órgãos de soberania, nomeadamente o Presidente da República e o Primeiro-Ministro, e vivendo o dia - a - dia com os seus familiares e amigos portugueses, sendo que do seu certificado de registo criminal nada consta. 2. Tais factos demonstram uma ligação ainda embrionária, que o futuro haverá de consolidar, ou não. Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. A Relação de Lisboa julgou improcedente a oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de A, nacional argelino, residente em Portugal. O Ministério Público recorre, e fundamenta em que a matéria de facto apurada não consubstancia o requisito da ligação efectiva à comunidade nacional, tal como previsto nos artº9º, a, Lei 37/81, de 3/10, e 22º, 1, a, DL 322/82, de 12/8, na redacção que lhes foi dada, respectivamente, pela Lei 25/94, de 19/8, e DL 253/94, de 20/10. O recorrido alegou. 2. São os seguintes os factos apurados: 1. o requerido nasceu a 11 de Outubro de 1971, na República Democrática e Popular da Argélia; 2. é filho de B e de C; 3. contraiu, em 13 de Janeiro de 1996, casamento com D, natural de Montreal, Canadá, onde foi celebrado o casamento; 4. no dia 3 de Maio de 2001, na 9ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa, declarou que pretendia adquirir a nacionalidade portuguesa, por ser casado com a referida D, de nacionalidade portuguesa; 5. o requerido vive em Lisboa, tendo residência habitual na Rua Capitão Santiago de Carvalho, nº..., rés-do-chão direito frente, cujo prédio foi arrendado pelo casal, a partir de 1 de Janeiro de 2001, mediante a renda mensal de € 423,98 (85.000$00); 6. o requerido celebrou com E, em 15 de Março de 2001, um contrato de trabalho, com termo a 14 de Setembro do mesmo ano, para o desempenho da actividade de lavador de vidros, mediante a retribuição mensal de € 450,41 (90 000$00); 7. desde 31 de Maio de 2000, o Requerido é titular de conta de depósitos à ordem no F, e, em 11 de Outubro de 2000, era também titular de uma conta na G; 8. o requerido tem identificação fiscal, dispõe de cartão de utente emitido pelo Ministério da Saúde, e de beneficiário da Segurança Social, estando ainda inscrito como sócio do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal; mhtml:file://\\hsskhyber.hss.ed.ac.uk\law\HOME\lpilgrim\Case law\Portugal\2003-04... 31/05/2010 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Page 2 of 2 9. é possuidor do cartão de residência nº00263..., válido até 24 de Abril de 2007; 10. do certificado de registo criminal, emitido a 3 de Março de 2001, na Argélia, nada consta; 11. do certificado de registo criminal, emitido a 15 de Março de 2001, em Portugal, nada consta, também. 12. o requerido e a sua mulher têm intenção de residir definitivamente em Portugal, aqui organizar a sua vida e vir a ter filhos; 13. o requerido mostra-se interessado em conhecer a cultura do povo português; 14. o requerido expressa-se, nas suas relações, na língua portuguesa e aprecia a sua gastronomia, designadamente os pratos de bacalhau; 15. o requerido conhece os principais titulares dos órgãos de soberania, nomeadamente o Presidente da República e o Primeiro-Ministro; 16. o requerido vive o dia - a - dia com os seus familiares e amigos portugueses. 3. Interpretando a alteração que a Lei 25/94, de 19/8, introduziu na alínea a, do artº9º, da Lei Da Nacionalidade (1), como um sinal claro e peremptório, dirigido à comunidade jurídica, de que o princípio da unidade familiar deixou de justificar, por si só, o direito de aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito do casamento, o Ministério Público, como guardião da legalidade democrática, tem defendido a tese de que, após aquela alteração legislativa, a "ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa" passou a constituir um autêntico pressuposto de aquisição da nacionalidade, e, também, a de que, por ter passado a ser maior a exigência dos factos reveladores da aludida ligação, é suficiente, para o êxito da oposição, a falta de certeza sobre a "ligação efectiva", não sendo exigível a prova de que ela não existe. O Supremo Tribunal de Justiça tem sido sensível a esta preocupação do Ministério Público, e, assim, de maneira praticamente unânime, vem emitindo jurisprudência que se pode condensar nas seguintes proposições: - após a entrada em vigor da Lei 25/94, de 19/8, é sobre o requerente da aquisição de nacionalidade portuguesa por efeito da vontade que recai o ónus de provar a sua ligação efectiva à comunidade nacional; - a ligação é efectiva quando se mostra com carácter de permanência e produz efeitos, não bastando que o interessado queira ser português e que, para tanto, estabeleça amizades com portugueses, se associe a colectividades portuguesas, entenda língua e cultura portuguesas, pois é preciso, ainda, que comungue da cultura portuguesa como se fosse membro da nação portuguesa, do povo português; - em caso de dúvida sobre a efectividade da ligação do requerente à comunidade nacional, a questão deve ser resolvida contra o requerente (2) . Por outro lado, a demonstração dessa comunhão na cultura portuguesa, deve traduzir-se, segundo a mesma fonte jurisprudencial, com referência a factores de integração fortes, mas não necessariamente cumulativos, como sejam o domicílio, a língua, a família, a cultura, as relações sociais, a actividade sócio - económica e sócio - profissional. No caso dos autos, o que temos, de certo e seguro, é um projecto actual de integração definitiva na comunidade portuguesa, não mais do que isso. A relação com os valores portugueses ainda é incipiente, o propósito de exercício da cidadania portuguesa, numa relação permanente de direitos e deveres para como Estado Português, ainda se encontra mal definido. As manifestações objectivas de ligação à comunidade nacional não são, portanto, ainda bastantes. A dúvida sobre a ligação efectiva à comunidade nacional resolve-se, como se disse, contra o requerente. 4. Por todo o exposto, concedem a revista, julgando, pois, procedente a oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade portuguesa pelo cidadão argelino A. Sem custas. Lisboa, 30 de Abril de 2003 Quirino Soares Neves Ribeiro Araújo de Barros __________ (1) - Lei 37/81, de 3/10 (2) - É o sumário do acórdão deste Supremo Tribunal, de 03.12.98, na revista 945/97-2ª secção, publicado na internet, in http.// www.dgsi.pt/jstj mhtml:file://\\hsskhyber.hss.ed.ac.uk\law\HOME\lpilgrim\Case law\Portugal\2003-04... 31/05/2010