Estruturas de Suporte de Linhas Aéreas: Estudos Geotécnicos e Prova de Carga em Poste de Distribuição de Energia T. Loddi, COPEL; A. M. Kormann, UFPR e R. B. Boszczowski, LACTEC; P. R. Chamecki, LACTEC RESUMO Linhas aéreas de distribuição e transmissão de energia encontram ampla utilização no Brasil e em outros países. As fundações das estruturas de suporte de linhas aéreas podem apresentar problemas, relacionados a deficiências de projeto e execução, com conseqüente comportamento inadequado durante a operação. Além de transferir esforços não previstos aos elementos que compõem a linha aérea, o desempenho insatisfatório das fundações pode levar a inclinações, deformações e até ao colapso das estruturas. A presente pesquisa envolveu o estudo de metodologias para o projeto e execução de fundações de postes de distribuição de energia com o intuito de recomendar procedimentos que contribuam para evitar problemas geotécnicos nas fundações desses elementos. O estudo contempla investigações geotécnicas de campo e laboratório e um ensaio de tombamento, em escala real, de um poste de distribuição. Os ensaios foram realizados em um sítio experimental. PALAVRAS-CHAVE e da engenharia de fundações (Orlando, 1995). Pode-se dizer que a aplicação de esforços de tombamento provoca no poste engastado uma translação e rotação, função, dentre outros parâmetros, do reaterro e do solo natural do terreno (Rojas-Gonzales et al., 1991). Um dos objetivos do presente projeto é o estudo do desempenho de postes de distribuição sujeitos a esforços de tombamento. A pesquisa foi desenvolvida no Sítio Experimental de Geotecnia da UFPR, localizado no Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná, que apresenta solos característicos da região de Curitiba. A apresentação e informações preliminares dessa iniciativa podem ser encontradas no trabalho de Chamecki et al. (1998). O Sítio Experimental da UFPR é composto de três áreas, sendo que o presente estudo concentrou-se na Área 2, a qual possui aproximadamente 2300 m2. Fundações, postes, geotecnia, distribuição. II. CONTEXTO GEOLÓGICO-GEOTÉCNICO I. INTRODUÇÃO Um fato peculiar às fundações de torres e postes de distribuição é a alternância de esforços de compressão e arrancamento, o que requer um dimensionamento para ambas as condições (Paladino, 1975). Esse tipo de estrutura está sujeita constantemente a carregamentos que resultam nas cargas máximas. Em outras obras, solicitações críticas ocorrem apenas esporadicamente e durante curtos períodos de tempo. O problema do comportamento das fundações submetidas a significativos esforços de arrancamento e tombamento é de grande interesse. Entretanto, tal assunto ainda não foi suficientemente estudado no campo da geotecnia Este trabalho foi apoiado pela COPEL – Companhia Paranaense de Energia e desenvolvido pelo LACTEC – Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento. T. Loddi trabalha na Companhia Paranaense de Energia (e-mail: [email protected]). A.M. Kormann é professor da Universidade Federal do Paraná (e-mail: [email protected]). R.B. Boszczowski trabalha no Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento (e-mail: [email protected]). P.R. Chamecki trabalha no Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento (e-mail: [email protected]). A região metropolitana de Curitiba situa-se sobre uma bacia sedimentar, que é preenchida em sua maior parte pela Formação Guabirotuba. Os sedimentos dessa Formação repousam sobre rochas do Complexo Cristalino, constituindo-se principalmente em argilas siltosas ou siltes argilosos. Materiais granulares também se fazem presentes, fato que confere uma razoável diversidade aos solos. Esses solos tipicamente exibem altas pressões de préadensamento, que podem alcançar até 3000 kPa. Devido às suas características de consistência e plasticidade, as argilas da Formação Guabirotuba receberam a denominação popular de “sabão de caboclo”. Freqüentemente, números de golpes do SPT na faixa de 15 - 30 são encontrados logo nos primeiros metros de sondagem. Camadas muito alteradas possuem uma maior proporção de vazios e uma menor consistência. Os sedimentos argilosos da Formação Guabirotuba apresentam superfícies polidas (slickensides), que seguem um padrão de difícil identificação. Quando se manuseia o solo, essas feições constituem planos de fraqueza, que dividem o material em fragmentos centimétricos a decimétricos. Além das superfícies polidas, os solos da Bacia de Curitiba apresentam fraturamentos diversos, resultantes dos processos tectônicos que atuaram no Rift Continental do Sudeste do Brasil. II Congresso de Inovação Tecnológica em Energia Elétrica 145 Distribuição de Energia Elétrica Enquanto que o sobre-adensamento e ligações diagenéticas elevaram a consistência da matriz argilosa, as descontinuidades reduziram a resistência dos maciços como um todo. Apesar da baixa compressibilidade, as argilas rijas e duras de Curitiba possuem características que tornam freqüente a ocorrência de acidentes em obras. Comportamentos inesperados envolvem fundações, escavações e taludes (e.g. Massad et al., 1981). Devido aos fraturamentos, a resistência ao cisalhamento dos solos da Formação Guabirotuba é influenciada por efeitos de escala (Kormann, 2002). III. INVESTIGAÇÕES GEOTÉCNICAS como uma ferramenta de investigação geotécnica. São provavelmente os ensaios de solos mais antigos e simples. Consistem basicamente na cravação de uma ponteira metálica no solo, através de percussão, usando-se um peso de massa e altura de queda padronizados (Butcher et al.,1996). Durante o ensaio, conta-se o número de golpes necessários para cravar a ponteira, criando-se um registro de golpes / 10 cm (N10) ao longo da profundidade. Tendo-se em vista a simplicidade operacional do DPL, considerou-se oportuno incluir o ensaio na presente pesquisa, com vistas a uma possível utilização em investigações geotécnicas de linhas de distribuição. A Figura 2 resume os resultados da sondagem. O furo em questão está situado a 2,7 m do poste submetido à prova de carga. Diferentes ferramentas de investigação geotécnica se concentraram na Área 2 do Sítio Experimental de Geotecnia, buscando-se caracterizar adequadamente o terreno. Dentre outras sondagens, os estudos envolveram ensaios SPT, CPT e DPL. A. Sondagens SPT Foram executados 15 furos de sondagem a percussão de simples reconhecimento. A profundidade das perfurações variou entre 10,25 e 13,40 m. Em linhas gerais, a Área 2 do Sítio Experimental exibe um horizonte orgânico na superfície do terreno, que em alguns pontos, chega à profundidade aproximada de 1,5 m. Imediatamente abaixo do horizonte orgânico, pode-se identificar a presença de materiais argilosos e siltosos, com tons vermelhos, amarelos e marrons. Tais colorações estão usualmente associadas a processos de laterização. A profundidade até onde esse fenômeno pode ser observado se situa tipicamente entre 2 e 5 m. O número de golpes na região de solo alterado varia entre 2 e 18. Abaixo dos materiais alterados surgem argilas rijas a duras, com colorações cinza e marrom. O NSPT desses materiais é elevado, facilmente excedendo a 20 golpes. Além dos solos argilosos, o perfil da Área exibe lentes arenosas, característica típica da Formação Guabirotuba. B. Ensaios CPT Os dados de ensaios de cone realizados estão apresentados na Figura 1, através de um gráfico que mostra a variação da resistência de ponta ao longo da profundidade. Os dados de resistência de ponta mostram um crescimento contínuo da resistência com a profundidade. Em geral, os sedimentos mais superficiais que, conforme descrito anteriormente, exibem sinais de plintificação ou laterização, possuem resistências de ponta inferiores a 6,0 MPa. À medida que a profundidade aumenta, ocorre um incremento nas resistências, tendo-se alcançado 8 a 12 MPa nas prospecções mais profundas. C. Ensaio de DPL – Penetrômetro Dinâmico Leve Em diversos países, particularmente na Europa, sondagens dinâmicas vêm sendo utilizadas há bastante tempo 146 ANAIS DO II CITENEL / 2003 FIGURA 1 - Dados de resistência de ponta das sondagens CPT da Área 2. FIGURA 2 - Dados do ensaio DPL executado próximo ao poste de distribuição. IV. PROVA DE CARGA EM POSTE DE DISTRIBUIÇÃO A. Instalação do poste Para estudar o desempenho da fundação de uma estrutura de distribuição, foi selecionado um poste de concreto armado do tipo B-300. Esse elemento possui uma seção transversal em forma de duplo T e seu comprimento é igual a 10,5 m. A escolha do poste em questão deu-se em função de sua ampla utilização nas linhas de distribuição urbanas da COPEL. Para a instalação do poste no Sítio Experimental, foi aberta uma escavação com seção transversal quadrada (80 x 80 cm) e 165 cm de profundidade. Após o posicionamento do poste na cava, procedeu-se a um reaterro que, para efeito da pesquisa, envolveu um controle da energia de compactação. O solo natural foi compactado em camadas de 20 cm de material solto, mediante a aplicação de 50 golpes de um peso de 106 N (10,9 kgf). A altura de queda do soquete foi fixada em aproximadamente 40 cm. B. Instrumentação e aplicação da carga Após a instalação do poste de distribuição, procedeuse aos preparativos para a execução da prova de carga. O arranjo do ensaio pode ser observado na Figura 3. Para aplicar os esforços ao poste, posicionou-se um cabo de aço a 55 cm do topo do elemento. Na outra extremidade, o cabo foi solidarizado a um bloco de concreto armado, o qual serviu como reação. O ângulo formado entre o cabo de aço e a horizontal era de 22,1º. A aplicação de cargas de tração no cabo de aço se deu através de uma talha manual, com capacidade de 4,9 kN (500 kgf), a qual foi instalada junto ao bloco de reação. Os carregamentos foram controlados através de um dinamômetro aferido, com capacidade de 9,8 kN (1000 kgf), com resolução de 98 N (10 kgf). Para monitorar a evolução da translação e rotação do poste durante o ensaio, foram instalados dois pares de relógios comparadores, na direção de aplicação das cargas (faces “cavadas”). A altura dos pares de extensômetros, em relação ao nível do terreno, eram iguais a 40 e 90 cm. Além dos relógios comparadores, as rotações do poste foram medidas também com o auxílio de um inclinômetro. O inclinômetro foi posicionado verticalmente em uma das faces lisas do poste, situando-se seu plano médio a 65 cm do nível do terreno. Para a medição de deslocamentos verticais, dois relógios comparadores foram colocados nas faces lisas do poste, apoiados em vigas transversais horizontais, a 30 cm do terreno. C. Execução da prova de carga A prova de carga foi executada aplicando-se incrementos graduais de tração no cabo de aço, através do acionamento da talha. O ensaio compreendeu seis estágios de carregamento: 0,29, 0,59, 0,88, 1,18, 1,37 e 1,57 kN. Procurou-se manter cada incremento de carga durante um intervalo que favorecesse a estabilização das deformações do sistema. Após a aplicação de cada incremento, os deslo- camentos e a rotação do poste eram registrados. Para efeito da prova de carga em questão, considerou-se aceitável que a rotação no nível da instrumentação apresentasse uma variação, entre duas leituras consecutivas, igual ou inferior a 0,05º. O descarregamento foi realizado em três etapas (0,98, 0,49 e 0,00 kN), com uma duração de 15 minutos cada. D. Resultados da prova de carga Na Figura 4 são apresentados os deslocamentos horizontais, obtidos a partir das informações dos relógios comparadores a 40 cm do nível do terreno. No último estágio do carregamento, que correspondeu a uma força horizontal de 1,45 N, a translação do poste chegou a 58 e 77 mm, respectivamente a 40 e 90 cm do nível do terreno. Nessas duas posições, após o completo descarregamento, os deslocamentos permanentes resultaram em 55 e 71 mm. A Figura 5 apresenta a evolução da rotação do poste, no nível da instrumentação, em função dos momentos aplicados. Na figura, estão indicadas as rotações tanto na direção de aplicação da carga (“A”) como no plano perpendicular à mesma (“B”), obtidas com o inclinômetro. FIGURA 3 – Arranjo da prova de carga e detalhe da instrumentação. FIGURA 4 - Evolução dos deslocamentos horizontais a 40 cm do nível do terreno, em função da componente horizontal da força aplicada. II Congresso de Inovação Tecnológica em Energia Elétrica 147 Distribuição de Energia Elétrica Além da energia de compactação, outro aspecto interveniente na densidade do solo do reaterro refere-se à umidade. Uma vez que, por razões de ordem prática, o solo utilizado nas obras acaba sendo compactado sem controle de umidade – ou seja, no estado em que o material se encontra no momento da execução – reduções adicionais na densidade também podem ocorrer. VI. CONCLUSÕES FIGURA 5 - Evolução da rotação do poste no nível da instrumentação, em função do momento aplicado – dados do inclinômetro. V. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Os resultados da prova de carga no poste de distribuição evidenciam importantes aspectos, relacionados com o desempenho da fundação do elemento estrutural em estudo. As rotações e deslocamentos medidos na prova de carga mostraram-se elevados para a magnitude das forças horizontais e momentos aplicados. Com base nos dados disponíveis, podese estimar que o deslocamento horizontal no topo do poste chegou a exceder 70 cm durante a prova de carga. Deve-se observar que o poste em questão é dimensionado estruturalmente para receber cargas de 3 kN. Os resultados da prova de carga em questão indicam que esse carregamento produziria deformações significativas no solo de fundação, com um elevado “desaprumo” do elemento estrutural. A forma das curvas força x deslocamento ou momento x rotação não permite que se proceda a uma extrapolação para a identificação da solicitação associada à condição última. É interessante notar que, nos últimos estágios do carregamento, a rigidez da interação fundação – elemento estrutural (ou o gradiente das curvas) mantém-se aproximadamente constante. Esse comportamento possivelmente se deve à mobilização, nos primeiros incrementos de carga, sobretudo da resistência do material do reaterro. A partir de um certo nível de carregamento, ocorreria a plastificação plena do solo compactado, passando-se então a solicitar mais significativamente o terreno natural adjacente à fundação do poste. Os ensaios de compactação em laboratório mostram que a reduzida energia utilizada na execução do reaterro da cava (114 kNm/m3) conduz a densidades inferiores às correspondentes à condição ótima do Proctor normal (670 kNm/m3). Como conseqüência, o grau de compactação que o material pode alcançar no campo é reduzido. No presente estudo, considerando-se a umidade média do solo por ocasião do reaterro (39 %) e analisando-se as curvas de compactação do material, pode-se verificar que o grau de compactação médio dificilmente excederia 75 %. 148 ANAIS DO II CITENEL / 2003 As fundações de postes diretamente engastados muitas vezes envolvem a abertura de uma cava no terreno, com uma profundidade de 60 cm mais 10 % da altura do elemento estrutural. Embora essa regra seja largamente difundida, inclusive internacionalmente, a mesma não incorpora propriedades do solo, sendo questionável a sua aplicação irrestrita a todas as geologias. É importante um estudo geotécnico prévio, que permita dimensionar adequadamente o embutimento da estrutura. Além do controle de qualidade na fabricação dos elementos estruturais como peça de concreto armado, melhorias poderão advir intensificando-se a fiscalização das empreiteiras que instalam postes em linhas de distribuição. No caso de estruturas cuja fundação envolve a execução de reaterros, uma compactação eficiente do solo tenderá a melhorar a rigidez ao tombamento. Na instalação do poste de distribuição do presente estudo – em que se procurou simular condições de execução típicas – a energia de compactação mostrou-se em torno de 17 % do Proctor normal. Conseqüentemente, o grau de compactação alcançado no campo tendeu a ser reduzido. Na prática, a dificuldade de se conciliar o aproveitamento do solo retirado da cava com as condições ideais de umidade também contribui para reduzir a densidade do reaterro. VII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] BUTCHER, A. P., McElmeel, K., Powell, J. J. M. “Dynamic probing and its use in clay soils,” in Advances in site investigation practice, Londres: Thomas Telford, , pp. 383 – 395. [2] CHAMECKI, P.R., Kormann, A.C.M., Nascimento, N.A., Dyminski, A.S. “Sítio Experimental de Geotecnia da UFPR – Objetivos e Dados Preliminares”. In Anais 1998 ABMS XI Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica. [3] KORMANN, A.C.M. “Comportamento geomecânico da Formação Guabirotuba:estudos de campo e laboratório,” Tese de Doutorado, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 2002. [4] MASSAD, F.; Rocha, J.L.R.; Yassuda, A.J. “Algumas características geotécnicas de solos da Formação Guabirotuba”. In Anais 1981 Simpósio Brasileiro de Solos Tropicais em Engenharia, pp.706-723. [5] ORLANDO, C. “Fundações submetidas a esforços verticais axiais de tração. Análise de provas de carga de tubulões em areias porosas,” Dissertação de Mestrado, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 1985. [6] PALADINO, L. “Fundações para torres de linhas de transmissão”. In Anais 1975 Congresso Panamericano de Mecânica dos Solos e Engenharia de Fundações., pp. 437 – 449. [7] ROJAS-GONZALES, L. F., Digioia, A. M. Jr., Longo, V. J. “A new design approach for direct embedment foundations.” IEEE Transactions on Power Delivery, vol. 6, pp. 1336 – 1340, Apr. 1991.