Relações de confiança e o contexto organizacional contemporâneo Leila Nasajon1 “Em um mundo incerto qualquer ação e impossível sem alguma forma de confiança” DRUMMOND, 2007, p. 12 O ambiente de trabalho vem passando por mudanças significativas nas últimas décadas. As organizações estão atuando em um contexto mais competitivo e, com isso, vêm sendo estabelecidos novos tipos de vínculos entre os profissionais. Frente ao cenário globalizado e de mudanças velozes que vêm desencadeando tempos de instabilidade e insegurança, a confiança se torna uma questão fundamental, uma vez que é condição para a colaboração. Parece assim, ser um desafio para as organizações, a necessidade de estas propiciarem meios para que se estabeleçam relações pautadas pela confiança. Vive-se, não há dúvidas, um cenário de flexibilização e fragmentação dos vínculos laborais e, ao se quebrarem as barreiras protetoras, há uma necessidade de integração e de comprometimento intrínseco entre os atores dessa nova realidade. A confiança é fundamental para possibilitar tal alinhamento, o que reflete, no âmbito das organizações, em diversos benefícios como o aumento da satisfação e da produtividade. Sendo assim, pode-se dizer que a confiança representa uma questão nodal nas relações de trabalho por favorecer comportamentos colaborativos, capazes de potencializar resultados organizacionais, em virtude da grande insegurança face ao desconhecido (DRUMMOND, 2007). A confiança funciona como um mecanismo psicológico que reduz a enorme variabilidade de estímulos com que tem que se lidar. Pode-se dizer que existe uma associação direta entre o risco e a confiança. Isto é, quanto maior for o nível do risco, maior será o nível de confiança exigido. A confiança é um constructo que reflete pactos percebidos como legítimos com base em 1 Psicóloga, mestranda em Administração de empresas pela PUC-Rio, pesquisadora do projeto Ética e Realidade Atual. expectativas específicas e gerais, relacionado às dimensões emocional (afetiva) e cognitiva (racional). Diferenças individuais e fatores contextuais moldam a prontidão para confiar, uma vez que a confiança pode refletir também uma avaliação dos motivos e intenções de caráter, benevolência, integridade, senso de justificativa e confiabilidade; e, dessa forma está ligada aos conceitos de interpretação e percepção. Nessa linha, a confiança seria a disposição de se colocar vulnerável a outra pessoa com base na expectativa – e não na certeza – de que esta não agirá de maneira oportunista, portanto, pode ser considerada uma situação de risco em que se escolhe uma ação sem garantia real de que dela não resultarão desapontamento e frustração (DRUMMON, 2007). A confiança pode ser definida como a aceitação antecipada e voluntária de um investimento de risco através da abdicação de mecanismos contratuais explícitos de segurança e controle contra comportamentos oportunistas, na expectativa de que a outra parte, apesar da abdicação de tais garantias contratuais, não agirá de forma oportunista. Assim, como aponta Sako e Helper (1998), a existência de confiança, como capacidade de prever o comportamento cooperativo das pessoas, torna-se importante informação, principalmente em face da incerteza ambiental. Numa perspectiva psicossocial, como descreve Rousseau (1998), a confiança manifestase como elemento moderador de relacionamentos, seja entre pessoas, entre pessoas e organizações, ou entre organizações. A confiança, ainda para o autor, deriva de interações repetidas no tempo entre as partes ou de informações disponíveis ao confiante acerca dos outros. A confiança então reduziria a complexidade social, garantindo mais segurança na expectativa de comportamento. De um modo geral, os autores consideram que confiança se faz necessária em situações de risco ou incerteza, ou ainda quando interesses de um agente não podem ser alcançados sem que haja confiança de um em relação ao outro. A abordagem sociológica tende a atribuir à confiança significados como lealdade, expectativas mútuas, e reciprocidade. Há vários níveis de convergência em torno do conceito confiança que a consideram como um conjunto de expectativas compartilhadas por todos aqueles envolvidos em uma troca. A confiança está nas expectativas de uma pessoa, grupo ou firma, baseadas em comportamentos eticamente justificáveis pelos atores sociais. Em suma, confiança pode ser vista como um conjunto de expectativas compartilhadas por pessoas, grupos ou organizações, com base na reciprocidade e boa vontade. E estas expectativas podem ser influenciadas pelo contexto institucional (NEWELL & SWAN, 2000). Para Zaherr, Evily e Perrone (1998), a confiança é um principio que afeta profundamente a vida das organizações, ao ser possível que inferências positivas sejam feitas sobre os motivos e a intenção das pessoas viria como reflexo a economia no processamento de informações e em comportamentos de salvaguarda. Inferências positivas estariam relacionadas a percepções de como os outros irão agir de modo útil e não prejudicial aos interesses individuais. O processo de tomada de decisão seria então otimizado pela possibilidade de simplificação na aquisição e interpretação de informações. Dessa forma, a confiança reduz a necessidade de compensação instantânea, pois as partes acreditam que o comprometimento será honrado em algum momento futuro, enquanto que mecanismos de controle formal sinalizam determinado nível de suspeita e limitação a autonomia, o que desfavorece a percepção de confiabilidade. Os referidos autores concluem ainda que a confiança seja capaz de aumentar a capacidade de organização manter a sua estrutura básica necessária para navegar em tempos de incerteza. Em virtude do estabelecimento de sólidas relações de confiança, as pessoas tenderiam a continuar um relacionamento com um parceiro específico mesmo que estivessem disponíveis diversas alternativas. Assim, pode ser considerada como um componente-chave para o comprometimento e para a cooperação. Além disso, segundo Zaherr, Evily e Perrone (1998), o grau de flexibilidade e adaptabilidade da organização seria aumentado, o que é muito importante para a exploração das oportunidades no cenário competitivo globalizado. Sendo assim, gera vantagem competitiva como efeito para as empresas. Ainda fazendo referência à importância da confiança nos contextos organizacionais, Zand (2008) concluiu que o desenvolvimento da confiança seria um fator crucial para a continuidade dos relacionamentos. O autor apontou que esta estaria relacionada com o aumento da originalidade, da estabilidade emocional, do autocontrole e da motivação dos membros da organização. Seria responsável também por diminuir o grau de defensividade no clima dos grupos e as distorções das mensagens na comunicação. Tais efeitos seriam positivos para a efetividade nas tomadas de decisão e na resolução dos problemas dos grupos. Formação e desenvolvimento de vínculos de confiança Diversos testes empíricos sugerem que a percepção de confiabilidade constitui um importante antecedente cognitivo para a formação da confiança, pois a partir dessa percepção é que alguém considera o outro como uma pessoa confiável o suficiente ou não para permitir um engajamento em relações baseadas em confiança. É consenso entre diversos autores que as dimensões da percepção de confiabilidade, são agrupadas em três grupos: habilidade, integridade e benevolência. Habilidade significa competência ou atributos que permitem a influência positiva em determinada situação. É o conjunto de competências que permitem uma performance individual em determinada área. Quando os liderados percebem que seus líderes têm capacidade para fazer a diferença no trabalho e que estão dispostos a resolver problemas em situações que os liderados se encontrem impotentes vão tender a considerarem-nos como confiáveis. Benevolência é descrita na literatura como uma extensão da percepção de confiabilidade em uma relação a partir do momento em que o liderado perceberia que seu líder está preocupado com suas necessidades, que tem o desejo de protegê-lo e que este é flexível e considera suas opiniões importantes para as tomadas de decisão. Integridade envolveria as crenças do liderado de que o líder adere a uma gama de princípios considerados pelo liderado como aceitáveis ou congruentes com os seus. Envolveria fatores como honestidade e justiça. Assim, o conhecimento, habilidades e competências do líderes influenciaria positivamente a vida no trabalho dos liderados. James, Schoormam, Mayer e Tan (2000) defendem a hipótese de que a percepção de integridade, benevolência, e habilidades têm uma correlação positiva para o nível de confiança dos liderados em seus lideres. Ao testar sua hipótese, os autores concluíram que a efetividade para o desempenho da organização está positivamente condicionada por relações significativas de confiança entre líderes e liderados. Além disso, a confiança dos subordinados em seus superiores teria um impacto direto e positivo na rotatividade de uma empresa, reduzindo-a. Portanto, para esses autores, a atenção deve ser focada no sentido de incrementar a percepção de confiança nos componentes da força de trabalho. A perspectiva de Willians (2001) sobre o desenvolvimento da confiança baseia-se no processo de aprendizagem experimental individual sobre a confiabilidade de outros ao longo do tempo. Para a autora, a percepção de confiabilidade é a chave cognitiva para o desenvolvimento da confiança, e esta se desenvolveria a partir de repetidas interações sociais que permitiriam às pessoas processar as informações sobre a confiabilidade de outros. Uma das hipóteses da autora é que se a confiança é elevada, a cooperação também o será. O trabalho de Willians (2001) destacou muitas formas com que os membros similares de um grupo social podem influenciar o desenvolvimento da confiança. O fato de a interdependência ser cooperativa ou competitiva vai interferir na crença acerca da confiabilidade. Os afetos, por sua vez, vão influenciar o desenvolvimento da confiança interpessoal através de componentes cognitivos, motivacionais e comportamentais. Múltiplos componentes do contexto influem no processo de categorização. Por exemplo, situações ambíguas e fora da rotina envolvem tempo para serem percebidas e isso consome capacidade cognitiva e atenção para processar as informações. A cultura também influencia a motivação dos empregados para usar as informações. Algumas culturas fazem com que a atenção seja aumentada acerca de características individuais de outros e da motivação para fazer julgamentos mais acurados. O sistema de recompensas interfere no processo de categorização quando tem um alto nível de competição. Em contextos em que as pessoas usam inicialmente dados demográficos para categorizar os outros podem aumentar ou diminuir as categorias em que o processo irá ocorrer (WILLIANS, 2001). A disposição individual para confiar afeta por sua vez as crenças e consequentemente a intenção de confiar. Tal disposição seria apresentada por uma pessoa quando esta demonstra uma tendência consistente em se colocar na dependência de outros em um longo espectro de situações e quando esta possui uma postura geral de acreditar na humanidade. Essa disposição pessoal é bastante visível principalmente em situações ambíguas e desestruturadas. Um exemplo foi mencionado no autor para ilustrar essa premissa: quando se pergunta a um liderado se ele confia em seu líder que acabou de assumir o posto e ele responde que sim, é possível aferir que ele possui os elementos necessários à predisposição inicial para confiar. Se uma pessoa acredita que o outro é integro, honesto, competente e previsível, logicamente estará mais inclinada para confiar nele. As crenças de uma pessoa tendem a ser consistentes; portanto, a intenção inicial será formada em função da crença acerca de outro possuir estes fatores, uma vez que a pessoa o veria como confiável. A crença na confiabilidade geral da humildade é formada através da experiência de vida que cada tem ao longo de sua existência na interação com outros. Essas experiências vão contribuir para as expectativas futuras acerca do comportamento dos outros. O processo de categorização também influencia a intenção inicial de confiar. A partir das vivências as pessoas vão formando estereótipos acerca das características de determinado grupo de pessoas, o que vai determinar uma parte de sua intenção de confiar em membros pertencentes a determinadas categorias em interações futuras. Através de mecanismos sociais, ao interagir com outras as pessoas tendem sistematicamente a confirmação de suas crenças. O papel dos valores, atitudes, sentimentos e emoções Jones e George (1998) estudaram como o interjogo entre valores, atitudes e emoções determinariam a cooperação e o trabalho em equipe e delinearam as condições sob as quais pode ocorrer o estabelecimento de relações de confiança. Elementos emocionais, cognitivos e morais interagiriam para determinar expectativas e comportamentos. O sistema de valores de uma pessoa determina que tipo de comportamento, evento, situação ou pessoas são desejáveis ou indesejáveis e funciona como condicionante para a experiência de confiança. Para os autores, o compartilhamento de valores ajuda a criação de relacionamentos baseados em confiança mútua. Indivíduos que se consideram como confiáveis, tendem a ver os outros como confiáveis também, tal afirmação passa pela noção de que existe certa propensão a confiar, o que seria uma tendência pessoal a confiar ou não nos outros indivíduos. Atitudes podem ser descritas como estruturas de conhecimentos que contêm pensamentos e sentimentos específicos que determinadas pessoas têm acerca de outras, de grupos ou organizações. Atitudes também sugerem e o significado através do qual se definem e se estruturam as interações, pois incluem informações a respeito da confiabilidade das outras. Muitos aspectos das interações nas organizações são marcados pela incerteza, o que faz com que muitos benefícios sejam adquiridos através dos elementos da confiança. Ao formar suas atitudes para com os outros num contexto organizacional, as pessoas incluem inferências sobre a confiabilidade. As atitudes e os valores interagem e podem se influenciar ao longo do tempo. As atitudes são avaliativas por natureza e os valores são a chave que vão determinar como as pessoas vão julgar as outras. Os sentimentos e as emoções definem boa parte do modo como as pessoas se sentem e consequentemente como interagem com outras. Tais estados afetivos forcem informações relevantes sobre as experiências vividas e influenciam o estado de espírito das pessoas. As emoções são afetos intensos sobre eventos ou circunstâncias particulares enquanto que os sentimentos são menos intensos, mais gerais que os sentimentos não explicitamente associados a circunstancias particulares. Tanto essas quanto os sentimentos são aspectos fundamentais para a interpretação e para o estabelecimento das experiências de confiança, pois é através desses constructos que alguém decide se, em determinado momento, vai ou não confiar em outra pessoa. Além disso, são responsáveis por determinar a forma de se fazer julgamentos, formarem opiniões sobre o nível de confiabilidade de outrem. Portanto, a confiança é uma expectativa, em parte, emocional. Atitudes, valores, sentimentos e emoções flutuam ao longo do tempo para sinalizar mudanças na experiência de confiança. Valores compartilhados resultam em um intenso desejo de cooperação, uma vez que esta não seria proveniente de uma obrigação de cooperar, mas de uma vontade intrínseca e um sentimento de responsabilidade em agir de tal forma. Portanto a confiança faz emergir sinergia no relacionamento das equipes, o que leva um desempenho superior. Assim, uma fonte real de vantagens competitivas estaria na capacidade de as organizações criarem condições para que seus membros experimentem um nível incondicional de confiança. Willians (2001) afirma que as reações afetivas dos outros podem influenciar as cognições, as motivações e os comportamentos associados ao desenvolvimento da confiança. Em seu trabalho, a autora propõe que estados afetivos influenciam a forma como as pessoas avaliam a confiabilidade das outras, quão motivadas estas se encontram para se engajarem em relações de confiança e quão inclinadas estão para cooperar e ajudar os outros. Para a autora, sentimentos fortes estão associados ao momento de desenvolvimento de confiança enquanto que outros tipos se informações podem ser ignoradas nesta etapa do estabelecimento do relacionamento. A motivação para confiar é definida como o desejo de ver a outra pessoa como confiável o suficiente para possibilitar o engajamento em uma relação de confiança. Então, a motivação para ver o outro como confiável vai influenciar a sua percepção de confiabilidade. Se o que predomina são sentimentos de admiração para com os membros de um grupo, essa motivação vai aumentar, assim como o desejo de estabelecer conexões. Dessa forma, pode-se entender que a motivação influencia a predisposição a ver o outro como merecedor de confiança. Por outro lado sentimentos negativos de ansiedade e desgosto, por exemplo, diminui a motivação para confiar. Afetos positivos estão associados a comportamentos de ajuda generosidade e cooperação, portanto é um importante preditor para esse tipo de comportamento que pode ser observado através do compartilhamento de informações, o que requer considerável investimento de tempo e recursos cognitivos. Se o afeto positivo aumenta, também cresce o desejo de manter o relacionamento e aumenta o valor social das recompensas associadas à cooperação ao invés de recompensas individuais. Considerações Finais Os principais marcos de referência que orientavam a vida no trabalho foram abalados nas últimas décadas. Existe um sentimento de insegurança, pois não existe mais a certeza sobre o que acontecerá no futuro. A importância do constructo confiança está na possibilidade de esta preencher algumas lacunas e distorções e servir como um elemento que norteia a interpretação de uma realidade complexa, multifacetada e dinâmica, propiciando assim maior previsibilidade nas relações entre os atores da organização. Assim, a confiança pode ser vista como uma possibilidade de trazer grandes benefícios em ocasiões de crise ou situações de inovação, por possibilitar maior segurança no contexto de trabalho contemporâneo. Como visto nos tópicos anteriores a confiança pode influenciar atitudes, percepções comportamentos e performances. Alguns dos impactos positivos encontrados pode ser maior satisfação no trabalho, maior comprometimento com a organização e um melhor compartilhamento de informações. A confiança interpessoal pode atuar como variável moderadora, uma vez que oferece indicações para o indivíduo de que o seu parceiro também colaborará com ele. Assim, a confiança representa uma expectativa de cooperação. Segundo Drummond (2007), na presença de altos níveis de confiança a quebra de contrato psicológico pode ser minimizada ou relevada. Em suma, a ambiguidade e a incerteza criam um ambiente de vulnerabilidade no qual a confiança operaria para reduzi-la, oferecendo diretrizes para a auto-orientação das pessoas nas organizações. Bibliografia Donald, L; Dirks, F; Dirks, K. The Use of Rewards to Increase and Decrease Trust: Mediating Process and Differential Effects. Organization Science, Vol 14, Nº 1 (Jan–Fev, 2003), p. 18-31. Drummond, V. Confiança e Liderança nas Organizações. Ed. Thompson, 2007. São Paulo. Jones, G; George, J. The Experience and Evolution of Trust: Implications for Cooperation and Teamwork. Academy of Management Review, 1998, vol 23 nº 3, pp 531-546. Newell, N.; Swan, J. Trust and interorganizational networking. Human Relations, 2000, vol 53 pp. 1287-1328. Rousseau, D. M. (1998), Why workers still identify with organizations. Journal of Organizational Behavior,1998, vol 19, pp 217–233. Sako, M., Helper, S.,. Determinants of trust in supplier relations: evidence from the automotive industry in Japan and the United States. Journal of Economic Behavior and Organization, 1998, vol 34, pp. 387–41. Willians, M. In Whom We Trust: Group Membership as an Affective Context for Trust Development. The Academy of Management Review, vol 26, nº 3 (jul 2001). Zand, D. Trust and Managerial Problem Solving. Administrative Science Quarterly, Vol 17, nº2 (jun 1972), pp 229-239. Zaheer, A; Evily, B; Perrone, V. Does Trust Matter? Exploring the Effects of Interorganizational and Interpersonal Trut on Performance. Organization Sciencie/vol 9, nº 2, March-April 1998.