Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura
São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, 03 e 04 de maio de 2012.
ISSN: 2175-4128
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LITERATURA INFANTOJUVENIL E O LEITOR PROFICIENTE1
Samuel de Souza Matos (UFS)2
Thiago Gonçalves Cardoso (UFS)3
1 Introdução
É de conhecimento de muitos que a adoção de métodos de ensino ineficazes
está prejudicando o papel da escola e, sobretudo, o papel do professor ao propor a
seus alunos a leitura de textos literários. Além disso, muitas das abordagens
propostas ainda não conseguem despertar nos discentes a importância e a
necessidade da leitura em sala de aula, muito menos fora da escola. Em virtude
disso, este trabalho procura apresentar a riqueza da leitura de literatura
infantojuvenil (ZILBERMAN, 2009) a qual pode ser explorada no processo ensinoaprendizagem, sobretudo, quando se levam em consideração não só fatores sociais,
culturais, históricos e cognitivos (GOMES, 1986, 1988), mas também processos
psicanalíticos de identificação (NASIO, 1999).
Trabalhamos com a concepção de leitura (KOCH; ELIAS, 2007) adotada
atualmente pela Linguística de Texto (doravante LT), visceralmente relacionada com
a literatura infantojuvenil, que vê o texto como o lugar de interação social, ou seja,
uma proposta de múltiplos sentidos (KOCH, 2006). No interior dessa perspectiva, o
texto literário torna-se, assim, o espaço para a interação entre sujeitos sociais, no qual
produzem e/ou reativam conhecimentos.
1
Este trabalho faz parte de dois projetos de pesquisa: “Texto e ensino: um domínio multidisciplinar” e “A contribuição dos
estudos do texto no processo ensino-aprendizagem”.
2
Autor-graduando, vinculado ao Programa de Inclusão À Iniciação Científica (PIIC)
3
Coautor-graduando, vinculado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC)
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Espera-se, pois, apresentar uma alternativa eficaz para o processo ensinoaprendizagem, em que o professor possa fazer as devidas relações entre a literatura,
a leitura e os fatores históricos, políticos e socioculturais, dos quais os alunos estão
inseparáveis, fazendo com que esses leitores se tornem proficientes, quando em
contato com os caminhos da vida.
2 A leitura da literatura infantojuvenil
Para que nos seja possível traçar a importância da leitura de literatura
infantojuvenil no ambiente escolar, antes de tudo, é preciso que a definamos. No
campo dos estudos da LT, a leitura pode ser vista sob diversas concepções. Para
Koch e Elias (2007, p. 11), é definida como “uma atividade altamente complexa de
produção de sentidos”. Ou seja, um mesmo texto pode ser alvo de diferentes leituras.
Leitores diferentes realizam leituras distintas, pois cada leitor carrega peculiarmente
uma bagagem sociocognitiva construída em interações precedentes.
A bagagem sociocognitiva do leitor se expressa constantemente a cada
leitura que ele realiza. Neste estudo, à luz dessa perspectiva, propomo-nos, então,
desenvolver atividades de leitura, em sala de aula, a partir dos livros A Hora do Amor
e A Hora da Luta de Álvaro Cardoso Gomes, publicados, respectivamente, em 1986 e
1988. Portanto, para que tais atividades venham ser realizadas pelo aluno, torna-se
obrigação do professor estabelecer propostas de leitura, pois são os objetivos do
leitor que nortearão o modo de desenvolver tal prática (KOCH; ELIAS, 2007).
Geralmente, o leitor possui dois objetivos: ler por prazer e/ou ler por pedido do
mediador/professor.
Seja qual for o objetivo estabelecido, o aluno leitor põe em xeque um
conjunto de fatores que compõe sua bagagem sociocognitiva: conhecimentos
(linguístico, cognitivo, interacional) crenças, opiniões, valores sociais e políticos,
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estratégias, normas e convenções socioculturais, interagindo ativamente no texto,
possibilitando-lhe uma ampliação dessa bagagem.
2.1 O processo sociocultural e a identificação
Muito sabemos que o desejo de justiça e liberdade deu-se por revelar,
mediante, a insatisfação da humanidade durante anos. Como a literatura surge,
assim, na busca de representar a nossa realidade, ela relata, à sua maneira, o contexto
histórico, político e sociocultural do Brasil dos anos 60 no livro A Hora da Luta. Como
já sabemos, a juventude naquela época pensava e agia corajosamente a fim de mudar
a realidade brasileira quando em oposição ao regime militar. A esse respeito,
Cardoso (2009) nos diz que essa literatura serve para relatar os conflitos e a chama da
inquietação do ser humano com desejo de liberdade.
Beto, personagem-protagonista de A Hora da Luta, depara-se com as
injustiças do regime militar e procura mudar a realidade brasileira, ao mesmo tempo
em que o leitor se identifica com ele, visto que ambos possuem a chama de
inquietação. Inúmeros são os estudiosos que têm relacionado a teoria freudiana com
a literatura quanto ao processo de identificação. Cardoso (2009, p. 123) menciona
sobre a leitura feita pela criança que “na medida em que o herói da história tem de
encontrar soluções para seus problemas, a criança descobre possibilidades de
enfrentar o seu medo, naturalmente”.
Como se pode perceber, o aluno, ao envolver-se com a história e com alguma
das personagens, pode encontrar soluções para a personagem com que se identifica,
como se o outro fosse o seu eu. Isso ocorre porque o jovem ou a criança passa a viver
as mesmas emoções, os mesmos conflitos pelos quais passam as personagens. Debus
(2008) diz que
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Na identificação com a personagem é a representação do Outro, que
não é o leitor, mas apresenta comportamentos próximos aos seus, que
lhe permite interagir com o lido e o vivido, provocando uma
rearticulação na realidade extratextual. A identificação se processa
não pela norma transmitida pela personagem – prática das narrativas
tradicionais –, mas por seu comportamento frente aos obstáculos. (p.
96)
Conforme Nasio (1999), quando nos apresentam as teorias de Sigmund
Freud, esse processo de identificação ocorre em virtude do amor que o leitor tem pela
personagem.
A título de exemplificação, um dos alunos do curso de Letras PortuguêsEspanhol da Universidade Federal de Sergipe comenta que quis ler os livros A Hora
do Amor e A Hora da Luta porque pessoas o aconselharam. Em A Hora do Amor, ele diz
que se identificou profundamente com o personagem Beto quando este perde sua
mãe, porque uma vez no passado, passara pela mesma situação, e, assim como o
personagem, ele se viu perdido novamente, tentando encontrar soluções, e os seus
conhecimentos prévios sobre a ditadura militar contribuíram em parte para a
compreensão da história.
2.2 Estratégias de leitura: o leitor proficiente
Diante do exposto, queremos dizer que qualquer leitor, para ativar sua
bagagem sociocognitiva e, consequentemente, para poder compreender o texto que
lê, precisa se utilizar de algumas estratégias de leitura no curso do processamento
textual: hipóteses, antecipações, inferências, seleção, verificação, entre tantas outras.
Essas estratégias mobilizam instantaneamente os sistemas de conhecimento que o
leitor tem armazenados em sua memória (KOCH, 2008). Esta linguista e Cunha-Lima
(2005, p. 295) nos dizem que naturalmente “nenhum texto é ou poderia ser
completamente explícito”, pois
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o próprio texto expõe uma estrutura lacunar em que os não-ditos
assumem significações; essas, por sua vez, também variam e se
expandem em função da atividade do leitor, o que dá à leitura do
texto literário um caráter mutável e transitório [...] A idéia de
pluralidade de leituras explica-se, assim, por um lado, pela natureza
do texto, por outro, pela singularidade do leitor, que, entretanto, é
influenciado socialmente, pois se situa em determinado tempo e
espaço (SARAIVA, 2005, p. 215-216 apud SOUZA, 2008, p. 42).
Na atividade de leitura, o texto se apresenta ao leitor com implícitos em
algumas partes, e esse leitor vê-se como um coparticipante, atribuído de
responsabilidade para preencher os vazios à sua maneira, diante das idas e vindas no
processamento textual.
A atuação do leitor, portanto, é de coparticipante ao ler o texto literário, num
processo em que tanto o autor e o texto, quanto o leitor, estão interagindo,
compartilhando seus conhecimentos, com vistas à produção de um sentido para o
leitor. Isso se explica porque o texto literário
nunca se dá de maneira completa e fechada; [...] sua estrutura,
marcada pelos vazios e pelo inacabamento das situações e das figuras
propostas, reclama a intervenção de um leitor, o qual preenche essas
lacunas, dando vida ao mundo formulado pelo escritor. Desse modo,
à tarefa de deciframento, implanta-se outra: a de preenchimento,
executada particularmente por cada leitor, imiscuindo suas vivências
e imaginação (ZILBERMAN, 2009, p. 33).
Portanto, em consonância, Kleiman (2011), a estratégia de inferenciação
revela-se como promotora da proficiência no leitor, visto que o leitor (re)constrói o
caminho percorrido pelo autor do texto.
3 Considerações finais
Portanto, o professor, na função de mediador/estimulador, deverá mostrar a
seus alunos que, através de uma leitura prazerosa, poderão adquirir mais
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conhecimentos sobre a história, a política e a cultura do seu povo, entender como e
quais caminhos deverão percorrer a fim de alcançarem os seus objetivos e os seus
sonhos. Além disso, o professor deve incitar os alunos à habilidade de ler textos,
utilizando-se conscientemente de fatores sociocognitivos e de estratégias de leitura,
para que passem a ver o mundo sob outros pontos de vista, ampliando,
gradativamente, suas competências crítica e imaginativa, bem como passem a
compreender melhor as suas posições no mundo.
O aluno, então, com essa relação entre o personagem com que se identifica
diante de seus conflitos, torna-se não só um sujeito que lê, mas também um cidadão,
ao ver-se livre para tomar soluções capazes de mudar com proficiência a sua
realidade. Visto que o ser humano é aquele que não deixa jamais de possuir a chama
da inquietação para a conquista de novos horizontes.
REFERÊNCIAS
CARDOSO, Ana Leal. O conto de fadas como metáfora do grande tear da vida. In:
GOMES, Carlos Magno (Org.). Língua e literatura: propostas de ensino. São
Cristóvão: Editora UFS, 2009. p. 114-125.
DEBUS, Eliane S. D.; Maria de Lourdes Krieger e o diálogo com os leitores. In:
DEBUS, Eliane S. D. (Org.). A literatura infantil e juvenil de língua portuguesa:
leituras do Brasil e d’além-mar. Blumenau: Nova Letra, 2008. p. 89-99.
GOMES, Álvaro Cardoso. A hora do amor. São Paulo: FTD, 1986.
______. A hora da luta. São Paulo: FTD, 1988.
KLEIMAN, Ângela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 14. ed. Campinas,
SP: Pontes Editores, 2011.
KOCH, Ingedore G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2006.
______; ELIAS, Vanda M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo:
Contexto, 2007.
______. O texto e a construção dos sentidos. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2008.
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______; CUNHA-LIMA, M. L. Do cognitivismo ao sociocognitivismo. In:
MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Org.). Introdução à linguística: fundamentados
epistemológicos. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 251-300.
NASIO, Juan-David. O prazer de ler Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999
SOUZA, Maria S. D. Literatura e ensino: o que pode essa relação. In: DEBUS, Eliane
S. D.(Org.). A literatura infantil e juvenil de língua portuguesa: leituras do Brasil e
d’além-mar. Blumenau: Nova Letra, 2008. p. 39-45.
ZILBERMAN, Regina. A escola e a leitura da literatura. In: ZILBERMAN, Regina;
RÖSING, Tânia M. K. (Org.). Escola e leitura: velha crise, novas alternativas. São
Paulo: Global, 2009. p. 29-36.
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