José Eduardo Agualusa ✦Alguns de seus trabalhos: A conjuntura, 1988 ✦Coração dos bosques, 1991 ✦A Feira dos Assombrados, 1992 ✦Lisboa africana, 1993 ✦Estação das chuvas, 1996 ✦Nação crioula, 1998 ✦Fronteiras Perdidas, 1999 ✦A Substância do Amor e Outras Crónicas, 2000 ✦Estranhões e Bizarrocos, 2000 ✦Um estranho em Goa, 2000 ✦O Homem que Parecia um Domingo, 2002 ✦O Ano em que Zumbi Tomou o Rio, 2002 ✦Catálogo de Sombras, 2003 ✦O Vendedor de passados, 2004 ✦A Girafa que Comia Estrelas, 2005 ✦Manual prático de levitação, 2005 ✦Passageiros em Trânsito, 2006 ✦As Mulheres do Meu Pai, 2007 ✦Na Rota das Especiarias, 2008 Manual prático de levitação José Eduardo Agualusa Não gosto de festas. Aborrece-me a conversa fiada, o fumo, a alegria fátua dos bêbados. Irritam-me ainda mais os pratos de plástico. Os talheres de plástico. Os copos de plástico. Servem-me coelho assado num prato de plástico, forçam-me a comer com talheres de plástico, o prato nos joelhos, porque não há mais lugares à mesa, e inevitavelmente o garfo quebra-se. A carne salta e cai-me nas calças. Derramo o vinho. Além disso odeio coelho. Faço um esforço enorme para que ninguém repare em mim, mas há sempre uma mulher que, a dada altura, me puxa pelo braço, vamos dançar?, e lá vou eu, de rastos, atordoado pelo estrídulo dissonante dos perfumes e o volume da música. Terminado o número, um tanto humilhado porque, confesso, tenho o pé pesado, sirvo-me de um uísque, com muito gelo, mas logo alguém me sacode, o que foi, meu velho, estás chateado?, e eu, que não, esforçando-me por sorrir, esforçando-me por rir às gargalhadas, como o resto da chusma, chateado? por que havia de estar chateado?, o dever da alegria chama-me, grito, lá vou, lá vou, e regresso à pista, e finjo que danço, finjo que estou feliz, pulando para a direita, pulando para a esquerda, até que se esqueçam de mim. Naquela noite estava quase a ser esquecido quando reparei num sujeito alto, todo vestido de branco, como um lírio, alva cabeleira à solta pelos ombros, a rondar sombriamente os pastéis de bacalhau. O homem parecia estar ali por engano. Achei-o de repente tão desamparado quanto eu. Podia ser eu, excepto pela roupa, pois evito o branco. O branco não é muito apropriado para o meu negócio. Menos ainda as cores garridas. Obedeço ao lugar-comum — visto-me de negro. Aproximei-me do homem, numa solidariedade de náufrago, e estendi-lhe a mão.