A SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA COMO ELEMENTO
REESTRUTURADOR DO SISTEMA FERROVIÁRIO DE CARGA NO BRASIL
José Eduardo Saboia Castello Branco
TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS
PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS
NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM CIÊNCIAS EM
ENGENHARIA DE TRANSPORTES.
Aprovada por:
________________________________________________
Prof. Rômulo Dante Orrico Filho, Dr. Ing.
________________________________________________
Prof. Hostilio Xavier Ratton Neto, Dr.
________________________________________________
Prof. Raul de Bonis Almeida Simões, D. Sc.
________________________________________________
Prof. Enilson Medeiros dos Santos, D. Sc.
________________________________________________
Prof. Newton Rabello de Castro Júnior, Ph.D.
RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL
SETEMBRO DE 2008
Castello Branco, José Eduardo Saboia
A
Segregação
da
Infra-Estrutura
como
Elemento
Reestruturador do Sistema Ferroviário Brasileiro. – Rio de
Janeiro: UFRJ/COPPE, 2008.
XIII, 209 p.: il.; 29,7 cm.
Orientador: Rômulo Dante Orrico Filho
Tese
(doutorado)
–
UFRJ/COPPE/Programa
de
Engenharia de Transportes, 2008.
Referencias Bibliográficas: p. 194-209.
1. Transporte Ferroviário. 2. Exploração. 3. Segregação da
Infra-Estrutura.
I.
Orrico
Filho,
Rômulo
Dante.
II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE, Programa de
Engenharia de Transportes. III. Título.
ii
AGRADECIMENTOS
Aos professores do Programa de Engenharia de Transportes da COPPE/UFRJ, pela
oportunidade que tive de assimilar novos conhecimentos, parte dos quais permitiram o
desenvolvimento deste trabalho acadêmico.
Ao meu orientador, Rômulo Dante Orrico Filho, por ter aceitado o desafio de trabalhar
cooperativamente em algo novo, complexo e desafiador.
À minha família, pelas horas de convívio trocadas pelas despendidas neste trabalho
acadêmico.
iii
Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários para
a obtenção do grau de Doutor em Ciências (D.Sc.)
A SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA COMO ELEMENTO
REESTRUTURADOR DO SISTEMA FERROVIÁRIO DE CARGA NO BRASIL
José Eduardo Saboia Castello Branco
Setembro/2008
Orientador: Rômulo Dante Orrico Filho
Programa: Engenharia de Transportes
Este trabalho desenvolve um novo modelo de exploração ferroviária, aplicável ao
sistema de transporte de cargas por esse modo no Brasil, baseado na segregação da infraestrutura, aqui considerada como caso especial de desagregação de estrutura verticalizada
(unbundling), gerando uma situação em que a via férrea, de maneira semelhante a uma
rodovia, é franqueada, sob certas condições, a novos operadores, estimulando a
competição intra-trilhos e conferindo maior eficácia a ativos ferroviários subutilizados. Um
detalhado estudo de caso corrobora a viabilidade do modelo proposto, e um novo
conjunto de diretrizes institucionais e operacionais é proposto, já que o sistema ferroviário
nacional possui peculiaridades que não permitem a simples transposição de práticas
similares adotadas em outros países do mundo, em especial as da Comunidade Européia.
iv
Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements
for the degree of Doctor of Science (D.Sc.)
THE INFRASTRUCTURE SEGREGATION AS A REESTRUCTURING ELEMENT
FOR THE RAILWAY FREIGHT SYSTEM IN BRAZIL
José Eduardo Saboia Castello Branco
September/2008
Advisor: Rômulo Dante Orrico Filho
Department: Transportation Engineering
This work develops a new model of railway operation, applicable to freight
transportation through this mode in Brazil, based on the segregation of the infrastructure,
here considered as special case of a verticalized structure breakdown (unbundling), creating
a situation where a railway, in similar way of a highway, is franchised, under certain
conditions, to new operators, stimulating competition intra-rails and giving greater
efficiency to underutilized railway assets. A comprehensive case study confirms the
feasibility of the proposed model, and new institutional and operational guidelines are
proposed, as the national rail freight system has peculiarities that do not allow the simple
transposition of similar practices adopted by other countries in the world, particularly those
in the European Community.
v
ÍNDICE DO TEXTO
1 INTRODUÇÃO
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1
1.2 O PROBLEMA
3
1.3 RELEVÂNCIA DO ASSUNTO
5
1.4 OBJETIVO DO ESTUDO
6
1.5 JUSTIFICATIVA
7
1.6 METODOLOGIA DE TRABALHO
7
2 DESENVOLVIMENTO FERROVIÁRIO NO BRASIL E NO
EXTERIOR
2.1 DIFERENTES FASES
9
2.2 DETALHAMENTO DA EVOLUÇÃO
11
2.2.1 América do Norte
11
2.2.2 Europa
23
2.2.3. Ásia e Oceania
29
2.2.4 América do Sul
34
2.3 RESUMO
60
3 PROCESSOS DE REESTRUTURAÇÃO
3.1 PRELIMINARES
62
3.2 OLIGOPOLIZAÇÃO E PULVERIZAÇÃO
65
3.2.1 Oligopolização (Fusões e Cisões)
65
3.2.2 Cisões sem Segregação da Infra-Estrutura
68
3.3 PRIVATIZAÇÕES
71
3.4 SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA
77
4 ANÁLISE DA POSSÍVEL SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA
NO BRASIL
4.1 PRELIMINARES
84
4.2 FUNDAMENTOS ECONÔMICOS GERAIS
85
4.3 FUNDAMENTOS ECONÔMICOS ESPECÍFICOS
90
4.3.1 Preliminares
90
vi
4.3.2 O Setor de Telecomunicações
91
4.3.3 Os Setores de Eletricidade e de Gás Natural
93
4.3.4 O Setor de Saneamento
96
4.3.5 O Setor Aéreo
97
4.3.6 Resumo
98
4.4 PESQUISA AMPLA
99
4.5 ENTREVISTAS
100
4.5.1 Justificativa e Metodologia
100
4.5.2 Resultados Obtidos
101
4.5.3 Análise dos Resultados
104
4.5.4 Resumo das Entrevistas
105
5 ESTUDO DE CASO
5.1 CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE DO SEGMENTO FERROVIÁRIO A
ESTUDAR
106
5.2 SEGMENTOS FERROVIÁRIOS ELEGÍVEIS PARA ESTUDO
111
5.3 SELEÇÃO DO SEGMENTO A ESTUDAR
116
5.4 NOTAS ADICIONAIS SOBRE O CORREDOR CORUMBÁ – SANTOS
121
5.5 FLUXOS RODOVIÁRIOS E FERROVIÁRIOS NA ÁREA DE
ABRANGÊNCIA DO CORREDOR ESCOLHIDO
123
5.6 ESTIMATIVA DOS NOVOS FLUXOS FERROVIÁRIOS PASSÍVEIS DE
CAPTAÇÃO PELOS NOVOS OPERADORES FERROVIÁRIOS
124
5.7 ESTIMATIVA DOS CUSTOS DA OPERAÇÃO FERROVIÁRIA
SEGREGADA
126
5.7.1 Premissas Básicas
126
5.7.2 Aquisição de Material Rodante
128
5.7.3 Manutenção do Material Rodante
131
5.7.4 Combustível e Lubrificantes
132
5.7.5 Pessoal Operativo
132
5.7.6 Administração
133
5.7.7 Trackright
133
5.8 ESTIMATIVA DAS RECEITAS
134
5.8.1 Receitas de Fretes
134
vii
5.8.2 Deduções da Receita
134
5.8.3 Depreciação
135
5.8.4 Contribuição Social sobre o Lucro
136
5.8.5 Imposto de Renda
136
5.8.6 Lucro Líquido
137
5.9 AVALIAÇÃO FINANCEIRA
137
5.9.1 Questões Básicas
137
5.9.2 Figuras de Mérito - Caso Básico
139
5.9.3 Figuras de Mérito – Análise de Sensibilidade
139
5.9.4 Conclusões da Avaliação Financeira do Estudo de Caso
141
5.10 AVALIAÇÃO ECONÔMICA
141
5.10.1 Preliminares
141
5.10.2 Fluxo de Caixa e Figuras de Mérito
143
5.10.3 Conclusões da Avaliação Financeira do Estudo de Caso
143
6. SUGESTÕES PARA IMPLANTAÇÃO DA SEGREGAÇÃO DA
INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
6.1 ASPECTOS LEGAIS A CONSIDERAR
144
6.1.1 Preliminares
144
6.1.2 Embasamento Legal Segregação da Infra-Estrutura do Ponto
de Vista do Poder Concedente
145
6.1.3 Embasamento Legal Segregação da Infra-Estrutura do Ponto
de Vista do Concessionário
149
6.1.4 Nota sobre as Parcerias Público-Privadas
151
6.2 ARRANJOS INSTITUCIONAIS SUGERIDOS
152
6.2.1 Linhas Existentes e Concedidas
153
6.2.2 Contornos e Variantes em Linhas Existentes e Concedidas
155
6.2.3 Novas Linhas
159
6.3 SUGESTÕES PARA TARIFAÇÃO DE VIAS SEGREGADAS
162
6.3.1 Preliminares
162
6.3.2 Aspectos Conceituais
163
6.3.3 Práticas de Tarifação da Infra-Estrutura
168
6.3.4 Proposta para Piso Tarifário no Brasil
170
viii
6.3.5 Proposta para Teto Tarifário no Brasil
172
6.3.6 Sugestão para Tarifas Intermediárias no Brasil
175
6.4 SUGESTÕES DE CONDICIONANTES DE ACESSO
177
6.4.1 Preliminares
177
6.4.2 Licença do Gestor e do Operador
178
6.4.3 Certificação em Segurança Operacional
178
6.4.4 Certificação de Compatibilidade
179
6.4.5 Acordos Operacionais
179
6.4.6 Práticas Não-Discriminatórias
179
6.4.7 Apuração e Responsabilização de Acidentes
180
7 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
7.1 CONCLUSÕES
185
7.2 RECOMENDAÇÕES
189
7.3 SUGESTÕES PARA FUTUROS TRABALHOS
191
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
192
ix
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1: Distribuição da malha ferroviária mundial
Figura 2: Evolução da rede ferroviária canadense
Figura 3: Mapa das concessões de terras a ferrovias nos EUA
Figura 4: Evolução da malha ferroviária norte-americana
Figura 5: Distribuição modal nos EUA ao longo do tempo
Figura 6: Distribuição modal na Suécia ao longo do tempo
Figura 7: Evolução da quilometragem e do lançamento de trilhos na Grã-Bretanha
Figura 8: Participação da ferrovia na matriz dos transportes no Japão
Figura 9: Malha ferroviária australiana
Figura 10: Evolução da taxa de cobertura (%)
Figura 11: Investimentos federais 1960 – 1990
Figura 12: Coeficiente de exploração da RFFSA
Figura 13: Proprietários das ferrovias locais e regionais nos EUA
Figura 14: Espectro crescente da participação privada no setor ferroviário
Figura 15: Evolução da produção de transporte na América Latina (tonelada útil x km)
Figura 16: Arranjo institucional resultante da segregação da infra-estrutura ferroviária
Figura 17: Índice de liberalização ferroviário
Figura 18: Excedentes do produtor e do consumidor
Figura 19: Eficiência alocativa
Figura 20: Ineficiência alocativa do monopólio
Figura 21: Modelo de comprador único no setor elétrico
Figura 22: Modelo de competição do atacado no setor elétrico
Figura 23: Arranjo institucional do sistema de gás natural
Figura 24: Arranjo institucional no sistema saneamento
Figura 25: Resultados da enquete no sítio da Revista Ferroviária
Figura 26: Evolução da distância média de transporte
Figura 27: Delimitação das áreas de abrangência do corredor ferroviário
Figura 28: Diagrama unifilar da demanda ferroviária
Figura 29: Exemplo de vagão hopper fechado para cargas a granel
Figura 30: Exemplo de vagão plataforma para contêineres
Figura 31: Exemplo de vagão tanque para óleo de soja
x
Figura 32: Locomotivas estocadas para venda nos EUA
Figura 33: Arranjo de segregação no caso de vias já concedidas
Figura 34: Arranjo de segregação no caso variantes e contornos da malha concedida
Figura 35: Divisão dos investimentos em Carajás
Figura 36: Arranjo de segregação no caso novas linhas
Figura 37: Arranjo para apuração de acidentes
Figura 38: Arranjo para responsabilização por acidentes
xi
ÍNDICE DAS TABELAS
Tabela 1: Quadro-resumo das concessões de terra a ferrovias nos EUA em 1872
Tabela 2: Avaliação financeira dos empreendimentos ferroviários (ex post)
Tabela 3: Avaliação econômica dos empreendimentos ferroviários (ex post)
Tabela 4: Tarifação da infra-estrutura ferroviária sueca
Tabela 5: Arranjo institucional australiano em 1992
Tabela 6: Arranjo institucional australiano em 2005
Tabela 7: Quadro concessional das ferrovias de carga argentinas
Tabela 8: Critérios de pontagem no processo de concessionamento argentino
Tabela 9: Fases do desenvolvimento ferroviário brasileiro
Tabela 10: Direitos e deveres dos concessionários pela Lei 641
Tabela 11: Principais avanços introduzidos pelas legislações de 1873/74
Tabela 12: Titularidade e gestão operacional das ferrovias no período 1889 – 1930
Tabela 13: Empréstimos externos do Brasil em 1928
Tabela 14: Situação institucional e empresarial das ferrovias brasileiras em 1926
Tabela 15: Expansão física do modo rodoviário
Tabela 16: Quadro-resumo do processo concessional brasileiro
Tabela 17: Causas básicas do declínio ferroviário
Tabela 18: Arranjos institucionais dos operadores ferroviários
Tabela 19: Fusões e aquisições ferroviárias recentes na área do NAFTA
Tabela 20: Panorama das ferrovias locais e regionais nos EUA
Tabela 21: Privatizações ferroviárias na América Latina
Tabela 22: Evolução da produção de transporte no Brasil (tonelada útil x km)
Tabela 23: Privatizações ferroviárias na África
Tabela 24: Privatizações ferroviárias na Ásia
Tabela 25: Custos incidentes sobre uma infra-estrutura de transporte
Tabela 26: Gestores da infra-estrutura ferroviária na CE
Tabela 27: Modelagem prevista para o unbundling no Brasil
Tabela 28: Estimativa da capacidade operativa de ferrovias
Tabela 29: Elegibilidade de segmento ferroviário para estudo de caso
Tabela 30: Momento bruto de transporte anual (tkb)
Tabela 31: Fluxo de caixa do estudo - caso básico
Tabela 32: Análise de sensibilidade
xii
Tabela 33: Ativos da infra-estrutura ferroviária
xiii
1 INTRODUÇÃO
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O transporte sobre trilhos, iniciado no século XVII em minas de carvão
subterrâneas da Inglaterra, expandiu-se para a superfície no início do século XIX,
amparado tecnologicamente na Revolução Industrial inglesa, por sua vez alavancada pelas
grandes reservas de carvão mineral, minério de ferro, abundância de mão-de-obra barata e
expressivo mercado consumidor desse país.
No final do século XIX e início do século XX a ferrovia exerceu o monopólio
absoluto sobre os transportes terrestres, fato que pode ser ilustrado pelo sentido
etimológico do termo via permanente ferroviária, até hoje empregado para designar o conjunto
dos elementos que constituem a estrada por onde circularão os veículos ferroviários
(trilhos, dormentes, lastro, sublastro, obras de terra, obras-de-arte especiais e obras-de-arte
correntes). Nesse contexto, a ferrovia era um meio de transporte permanentemente aberto ao
tráfego, enquanto que as rodovias, ou mais apropriadamente caminhos carroçáveis àquela
época, eram freqüentemente intransitáveis em períodos de chuvas, neves, degelo etc., o que
portanto reforça o caráter monopolista antes citado.
Com o advento do transporte rodoviário, e sobretudo após a Primeira Grande
Guerra, o transporte ferroviário observou um lento porém constante processo de declínio,
em quase todo o mundo, com a exceção dos países ditos socialistas, onde as forças de
mercado eram contidas por rígidas e autocráticas políticas públicas, tendo como agentes
empresas do Estado. Com a derrocada da opção socialista, no final do século XX, também
nesses países observam-se perdas dos mercados ferroviários para seus competidores.
De uma maneira geral, a maioria das ferrovias teve sua origem privada. Sua crise,
gerada pelas perdas de mercado no século XX, obrigou a intervenções governamentais
diversas, num primeiro momento traduzidas pela estatização de empresas, que
posteriormente foram agrupadas em malhas regionais ou mesmo numa única empresa
nacional estatal. Outros movimentos regulatórios e de reestruturação organizacional e
institucional foram postos em prática para fortalecer a ferrovia, como adiante explicitado.
Alguns resultados dessas medidas já podem ser mensurados, como a desregulamentação do
transporte ferroviário nos EUA, através do Stagger´s Act de 1980, que propiciou seu
revigoramento, enquanto que outros ainda dependem de um período de maturação.
1
No caso brasileiro, todos os cerca de 9.500 km de ferrovias legados pelo Segundo
Império à República foram empreendimentos que começaram privados, estimulados
grandemente pelos institutos da garantia de juros e da subvenção quilométrica. Na
República Velha, as ferrovias foram pouco a pouco foram sendo absorvidas pela União e
pelo Estado de São Paulo, em função de déficits financeiros crescentes. Em 1957, as
ferrovias federais foram consolidadas numa única empresa: a Rede Ferroviária Federal S.A.
– RFFSA; o mesmo ocorrendo com as ferrovias paulistas em 1972, aglutinadas na empresa
Ferrovia Paulista S.A. – Fepasa. Em 1996, exaurida a capacidade do poder público de
financiar tanto o gasto de custeio como o de capital dessas empresas, iniciou-se o processo
de concessionamento à iniciativa privada, concluído em 1999 com a federalização seguida
de privatização da Fepasa.
Decorridos cerca de dez anos do início do processo de concessionamento das
ferrovias ao setor privado, observa-se que o modelo ferroviário brasileiro, hoje sob a
égide da iniciativa privada, inclusive com algumas concentrações acionárias perigosas,
tem apresentado alguns impasses de difícil solução. Como salienta Resende (2005), o
principal deles recai sobre a expectativa de investimentos na direção de equipamentos e
redes capazes de transportar produtos de maior valor agregado e peso bruto menor,
submetidos a processos de beneficiamento ou industrialização. As operações atuais
estão excessivamente concentradas em granéis sólidos, com forte ênfase no minério de
ferro. E tais operações não garantem alternativas ferroviárias para quem precisa reduzir
o custo do transporte ou acessar mercados e portos de interesse.
Cálculos feitos pelo autor mostram que a produção do transporte ferroviário
brasileiro, no período 1998 – 2006, expressa em momentos de transporte (toneladas x
km úteis – tku), cresceu de maneira expressiva, com acréscimo de cerca de 45% no
período em questão. Contudo, 80% desse acréscimo derivam do incremento do
transporte do complexo minério de ferro (minério bruto e pelotas – 70%) e do complexo
soja (grãos e farelo – 10%), onde a ferrovia já era monopolista ou detentora de
expressiva fatia desse mercado de transporte na fase pré-privatização.
Isso significa que no período pós-privatização o transporte ferroviário, com
algumas exceções como no caso da operadora ALL (Garrido, 2006), concentrou suas ações
nos denominados corredores de exportação, por onde fluem os grandes volumes de
minério de ferro e soja, em detrimento de outras rotas e mercadorias, fazendo com que a
participação das ferrovias na matriz de transporte continue muito baixa, da ordem de 21%
(CNT, 2005), considerada como unidade de medição o momento de transporte (tonelada
útil x quilômetro).
2
1.2 O PROBLEMA
A excessiva concentração do transporte ferroviário brasileiro em um reduzido
leque de produtos e rotas, embora reforce o típico papel de uma ferrovia – grandes
volumes a grandes distâncias – traz consigo pelo menos dois relevantes aspectos negativos
para a sociedade, quais sejam:
•
a ausência de oferta de transporte ferroviário para expressivo contingente de
mercadorias, que dessa maneira praticamente só podem ser escoadas pelo modo
rodoviário, cujos custos logísticos, para um amplo conjunto de produtos (excluído o
minério de ferro dado o caráter do monopolista da ferrovia em relação ao transporte
do mesmo), são em média 25% superiores aos do modo ferroviário (Banco Mundial,
1997);
•
o abandono e a subtilização de parte da malha ferroviária brasileira, sendo que no
primeiro caso Toller-Gomes (2003) afirma que cerca de 30% das linhas já não teriam
mais tráfego, algo corroborado por Pereira (2006), que atesta estarem inoperantes
atualmente 10.000 km de ferrovias.
Esse panorama, por seu turno, deriva de um conjunto de situações endógenas e
exógenas, a seguir exemplificado.
Em primeiro lugar, o transporte ferroviário brasileiro, nas últimas décadas, esteve
atrelado em grande medida ao setor siderúrgico, como mostrado no Capítulo 2, adiante
mostrado. Portanto, a expansão do transporte ferroviário, nesse segmento, segue uma
tendência histórica, acelerada ainda pela desvalorização do real e pelo aumento do consumo
de minério de ferro pela China, no período pós-privatização.
Em segundo lugar, a evidente necessidade de pronto retorno do investimento por
parte das concessionárias privadas. Nesse sentido, a operação com trens unitários de
granéis, de menor complexidade e passível de substanciais economias de escala, é a que
produz resultados mais rápidos.
Em terceiro lugar, o sistema ferroviário brasileiro é marcado por graves
impedâncias estruturais, como a ilha de bitola larga no Sudeste rodeada de sistemas de bitola
métrica ao Norte e ao Sul, além do concessionamento à iniciativa privada segundo regiões
geográficas, fatos que estimulam o transporte intramuros e diminuem a distância média de
transporte, tornando a ferrovia menos competitiva ante o caminhão. A título comparativo
3
apenas, verifica-se que no Brasil a distância média de transporte é atualmente de 550 km
(sem variação no período de pós-privatização), contra 1.250 km nos EUA (AAR, 2005).
Isso tudo mostra que o sistema ferroviário brasileiro, embora revigorado pelo
processo de reestruturação via privatização, tem como problemas básicos a concentração
de fluxos em poucas commodities e rotas, acarretando a significativa inexistência de oferta de
transporte mais barato para produtos que não o minério de ferro e soja, e a conseqüente
subtilização ou abandono de vários segmentos da malha.
O que está em jogo é, portanto, conferir-se um uso mais eficiente ao sistema
ferroviário, que aliás não é uma questão única do Brasil.
Nos EUA, a despeito da pujança das suas ferrovias, diversas medidas
reestruturadoras foram implementadas para aumentar sua eficiência na segunda metade
século XX, variando desde a intervenção estatal no setor privado na década de 70,
passando pela total eliminação do transporte de passageiros de média e longa distâncias a
cargo setor privado, pela desregulamentação na década de 80 e chegando às mega-fusões da
década de 90. Isso porque se estava diante de num cenário onde não se construía um único
segmento de ferrovias há décadas e mais de 150.000 km de linhas tinham sido erradicadas
desde o pico de 1916 (AAR, 2005).
Na Europa Ocidental, a necessidade de se conferir maior eficiência às ferrovias
passou a ser uma questão de sobrevivência desse modo de transporte. De fato, a
participação modal das ferrovias no transporte de passageiros (média e longa distâncias)
passou de 10,9% para 6,2%, no período 1970 -1994 (CE, 1996). No caso das ferrovias de
carga, a situação ainda é mais dramática, com a participação da ferrovia despencando de
21,1% para 8,4%, no período 1970 - 1998 (CE, 2001).
A situação européia, em especial a das ferrovias de carga, chegou a tal ponto que
no Livro Branco sobre Transportes na Comunidade Européia é dito que:
O declínio da participação modal da ferrovia, no período 1970-1994, se deu
num cenário onde a expansão do transporte de passageiros foi de 40% e a do
transporte de cargas de 30%. Dessa maneira, não se exclui a possibilidade de
novas quedas nessa participação, significando a real possibilidade do transporte
ferroviário vir a desaparecer de vários e expressivos segmentos do transporte de
mercadorias (CE, 1996).
Como parte do processo de soerguimento de suas ferrovias, as autoridades
governamentais européias tornaram compulsória, para os países-membro da CE, a
segregação da infra-estrutura ferroviária, como adiante detalhado.
4
Verifica-se, dessa maneira, que em diversos países do mundo a problemática
ferroviária tem gerado uma incessante busca pela maior eficiência desse modo de
transporte. O caso brasileiro, dadas suas peculiaridades, apresenta, como já dito, como
ineficiência básica o abandono de significativa parte da malha ferroviária existente e a
concentração do tráfego em algumas mercadorias e rotas preferenciais, com a ausência de
oferta de opção de transporte mais barata a inúmeros segmentos do mercado de fretes.
Será esse o problema a tratar neste trabalho acadêmico, à luz das experiências
reestruturadoras implantadas em outros países.
1.3 RELEVÂNCIA DO ASSUNTO
No subitem anterior definiu-se como problema a tratar a limitação da oferta de
transporte ferroviário de carga no Brasil, e, portanto a impossibilidade de se ter fretes mais
baratos para a carga geral, fruto da concentração dos esforços das operadoras em poucos
fluxos e rotas e do abandono de 30% da malha existente.
A relevância do assunto está, portanto, intimamente, de um lado, ao denominado
“custo Brasil”, que majora o custo final das mercadorias, dadas as ineficiências diversas em
seus custos logísticos.
Em termos financeiros, pode-se estimar, de um lado, o uso ineficaz de ativos no
valor de U$ 10 bilhões, representados pela porção da malha ferroviária não mais utilizada
pelos atuais concessionários, considerando-se um total de linhas inoperantes de 10.000 km,
valoradas à razão de U$ 1 milhão por quilômetro.
De outro lado, uma maior participação da ferrovia no mercado de fretes poderia
propiciar reduções no valor dos fretes. Para cada ponto porcentual de aumento das
ferrovias na matriz de transportes de carga, capturado ao modo rodoviário, ter-se-ia uma
economia de R$ 100 milhões anuais em fretes, cálculo esse que teve como base:
valor anual de produção de transporte de 795 bilhões de tku (CNT, 2005);
produto médio ferroviário de R$ 36,4 por mil tku (CEL, 2005);
valor médio da redução do frete ferroviário em relação ao rodoviário de 25% (Banco
Mundial, 1997).
Evidentemente, ao valor de economia em fretes poderiam ser adicionadas as
externalidades positivas do modo ferroviário frente ao modo rodoviário, tais como redução
de acidentes, redução do consumo de combustível e redução do custo operacional de
5
manutenção de rodovias (menor desgaste do pavimento), o que realça a relevância do uso
mais eficiente das ferrovias, e, por conseguinte, deste trabalho.
1.4 OBJETIVO DO ESTUDO
Nos subitens anteriores foram caracterizados, em essência, alguns aspectos
relevantes da problemática ferroviária brasileira e a relevância de medidas que visem sua
mitigação.
Dessa forma o presente trabalho tem como objetivo o estudo de medidas
reestruturadoras capazes de potencializar o uso da malha ferroviária existente, como forma
de ampliar a oferta de transporte ferroviário, na solução do problema de melhor utilização
ao patrimônio público e redução do denominado custo Brasil através de fretes mais baratos.
O escopo do trabalho trata exclusivamente do transporte ferroviário de carga, de
grande interesse ao desenvolvimento nacional, tendo em vista o caráter marginal do
transporte ferroviário de passageiros de média e longa distâncias no Brasil.
Nesse sentido, este trabalho visa estudar a aplicabilidade de uma das mais
promissoras e revolucionárias medidas reestruturadoras do setor ferroviário: o livre acesso
à infra-estrutura ferroviária, tornado compulsório na Europa Ocidental, Austrália e Nova
Zelândia, ao final do século XX, denominado na literatura estrangeira por unbundling.
Por esse mecanismo, implanta-se a competição intratrilhos, estabelecem-se
competências de operadores em certos nichos de mercado e cria-se maior dinâmica
operacional, o que deve ser confrontado com a perda de coordenação e de eventuais
economias de escala, típicas de empresas ferroviárias verticalizadas.
Dados os condicionantes jurídicos que regem as atuais concessões ferroviárias,
pretende-se verificar as possibilidades da segregação da infra-estrutura em situações
específicas, de forma voluntária, pelo convencimento técnico e econômico de suas
vantagens junto às operadoras, procurando-se reduzir conflitos que certamente adviriam de
reformulações abruptas nos contratos de concessão.
6
1.5 JUSTIFICATIVA
Muito embora alguns aspectos que justificam o estudo estejam disseminados nos
tópicos anteriores, faz-se necessário frisar que o estudo do unbundling em segmentos
selecionados da malha ferroviária brasileira tem como fato gerador a necessidade de se
conferir maior eficiência, eficácia e efetividade a esse modo de transporte, algo que o
processo de privatização, de per si, não mostra evidências de poder superar quando não
estão em jogo grandes fluxos de granéis para a exportação.
Mais ainda, deve-se destacar o fato que diversos serviços públicos, operando sob a
forma de redes, já adotam o princípio do unbundling, como telecomunicações e energia,
onde a infra-estrutura física, em muitos casos, é partilhada por diversos operadores.
Portanto a extensão desse conceito à área ferroviária segue uma tendência mundial, não
sendo portanto fruto de nenhum modismo ou atividade prospectiva ou exploratória
apenas.
Destarte, espera-se que esse trabalho, caracterizada sua positividade, possa
motivar ferrovias, órgãos reguladores, transportadores de carga em geral e outros atores a
aumentar o transporte de carga sobre trilhos no País, em fluxos e corredores que não
necessariamente os de exportação, reduzindo as chances de apagões logísticos e minorando
o custo Brasil.
Ademais, é importante observar que o tema da segregação da infra-estrutura
ferroviária é novidade no meio acadêmico nacional, de sorte que as contribuições aportadas
por este trabalho certamente estarão grafadas com a marca da originalidade e poderão
embasar futuras teses e dissertações na área do transporte de carga sobre trilhos.
1.6 METODOLOGIA DE TRABALHO
A metodologia de trabalho desenvolvida envolve:
•
uma retrospectiva do processo de declínio da ferrovia ante os modos de transporte
competidores;
•
uma revisão das principais medidas reestruturadoras adotadas mundialmente para
reversão ou minoração do declínio antes citado, em especial o unbundling;
•
elaboração de pesquisa de opinião sobre o unbundling;
7
•
entrevistas qualificadas sobre a adequação dessa medida reestruturadora com
autoridades, especialistas e clientes da área de transporte de carga, em especial o
ferroviário;
•
estudo e simulação de caso de segmento ferroviário com livre acesso;
•
modelagem do setor ferroviário para segregação da infra-estrutura.
8
2 DESENVOLVIMENTO FERROVIÁRIO NO BRASIL E NO EXTERIOR
2.1 DIFERENTES FASES
O transporte guiado em superfície, que originou o modo ferroviário, vem do
tempo dos romanos, tendo sido encontrados vestígios de sulcos em blocos de calcário,
formando trilhas para as rodas de carroças com tração animal, usadas na exploração de
jazidas de material rochoso (Setti, 2000).
O uso de trilhos de madeira como superfície de rolamento, associado a vagonetes
com rodas flangeadas, remonta ao século XVI, na Alemanha, como facilitador da
movimentação de carvão extraído de minas subterrâneas a curtas distâncias, em geral rumo
a canais ou rios navegáveis, fazendo-se uso da tração animal. Essa prática foi rapidamente
assimilada pela Grã-Bretanha, que não só a implementou em suas vastas províncias
carboníferas, como a estendeu, no início do século XVII, ao transporte de produtos em
geral, como foi o caso, por exemplo, da ligação entre Strelley e Wollanton, na região de
Nottingham.
Ainda com base em Setti (2000), tem-se que em 1776, em minas de carvão de
Shropshire, na Inglaterra, os trilhos de madeira são substituídos por trilhos de ferro, de
maior durabilidade, cunhando-se então o termo ferrovia. Já no século XIX, em 1801, o
governo inglês autoriza o início da operação na Surrey Iron Railway, ligando Wandsworth a
Croyden, com tração animal. Essa tração é substituída pela mecânica quando da abertura ao
tráfego em 1825 da Stockton e Darlington Railway, Inglaterra, onde foi empregada uma
locomotiva a vapor com razoáveis condições de tração e aderência, projetada por George
Stephenson, um engenheiro de minas, especialidade precursora de engenharia ferroviária.
Após as primeiras experiências na Inglaterra, a ferrovia se expande de forma
notável pelos quatro continentes, sobretudo na segunda metade do século XIX e no início
do século XX. Segundo Encyclopaedia Britannica (2006), o auge da expansão ferroviária,
em termos de extensão, ocorre em 1917, com a existência de cerca de 1.600.000 km de
linhas implantadas em todo o mundo, das quais 30% situadas na América do Norte.
Observe-se, por oportuno, que esse pico é fortemente influenciado pelo ápice da
implantação ferroviária nos EUA, ocorrido em 1916, ocasião em que esse país dispunha de
uma malha de 254.000 milhas (406.400 km), conforme levantamento de Hallberg (2004).
9
Atualmente, segundo UIC (2004), a extensão das ferrovias é pouco superior a um
milhão de quilômetros, abrangendo cerca de 120 países. Como mostrado na figura 1, as
cinco grandes malhas de EUA, Canadá, Comunidade de Estados Independentes – CIS
(antiga União Soviética), Índia e China respondem por 53% da extensão total. Essas
mesmas malhas, contudo, representam 90% da produção de transporte (tku). A América
Latina ocupa uma modesta posição nesse contexto, com 10% da extensão e pouco mais de
1% da produção de transporte.
Comparada ao pico do início do século XIX, a rede ferroviária mundial apresenta
uma retração de algo no entorno de 30%, mostrando que a redução das vias férreas não é,
em absoluto, um problema de uns poucos países como o Brasil, por exemplo, mas algo de
caráter abrangente.
Fontes: UIC (2004) e Banco Mundial (1993).
Figura 1: Distribuição da malha ferroviária mundial
Há certo consenso na delimitação das fases do desenvolvimento ferroviário, a
saber: expansão, declínio e reestruturação. Essas fases, muito embora existam diferenças
temporais em suas ocorrências, são verificadas na maioria dos países, e estão diretamente
relacionadas à expansão do rodoviarismo.
Nos itens que se seguem será detalhada a evolução do desenvolvimento
ferroviário em países e regiões selecionados de cinco dos seis continentes do globo
terrestre, já que a Antártica não possui sistema ferroviário.
10
Julga-se que o conhecimento dessa evolução, em especial os processos de
reestruturação, seja de fundamental importância para o embasamento e proposituras deste
trabalho acadêmico.
2.2 DETALHAMENTO DA EVOLUÇÃO
2.2.1 América do Norte
2.2.1.1 Canadá
A origem das ferrovias canadenses se dá com a abertura ao tráfego da Champlain
and St. Lawrence Railroad em 1836. Outros empreendimentos se sucedem, alguns
alavancados pelo instituto da garantia de juros, como relatado por Benévolo (1953), que,
além do Canadá, informa da existência desse mecanismo de financiamento na implantação
de diversos sistemas ferroviários, em países como Índia, Suécia, Itália (Lucca – Pistóia),
EUA, Peru, França, Rússia, Holanda e Dinamarca, com os juros sobre o capital variando
de 4% a 6%. No Brasil, como será adiante visto, a garantia de juros foi largamente utilizada
no Segundo Império com elemento indutor da expansão ferroviária.
No entanto, a expansão das vias férreas canadenses, no seu início, contou com
outro e mais importante estímulo: a concessão de terras, de modo que estas (Crownest,
2004):
•
servissem de lastro para empréstimos a serem contraídos pelas ferrovias privadas no
mercado financeiro;
•
propiciassem receita para as ferrovias, através da venda de lotes a futuros fazendeiros;
•
induzissem tráfego às ferrovias, pela geração de atividade econômica nas terras lindeiras
ao traçado;
•
suprissem as ferrovias de madeira para pontes e dormentação.
Curiosamente, o processo de concessão de terras às ferrovias no Canadá teve
origem em 1871, ano em que essa prática foi encerrada nos EUA. Esse fato, no entanto,
tem por detrás de si uma importante constatação: a de que, mesmo sabedor da resistência a
esse mecanismo de financiamento nos EUA, o Canadá optou pela sua implementação,
mostrando a relatividade das óticas de avaliação.
De fato, a formação do Canadá, como país, tem como um de seus marcos a união,
sob forma confederativa, das províncias daquela colônia britânica em 1867 (Quebec,
11
Ontario, New Brunswick, Nova Scotia e Northwest Territories, com a adesão de Manitoba
em 1870). Nessa união inicial, no entanto, não figurou a importante província da Colúmbia
Britânica, que só veio a fazê-lo em 1871, porém com um condicionante: a construção, pelo
governo confederativo, de uma ferrovia transcontinental interligando as províncias do
Leste ao Oeste canadenses num prazo de 10 anos, atravessando as montanhas Rochosas e
a cordilheira de Cascade, um formidável desafio para uma nação de apenas quatro milhões
de habitantes àquela época. Essa ferrovia, a Canadian Pacific Railway, se tornaria mais tarde
numa das mais importantes ferrovias do continente americano, situação que prevalece até
os dias de hoje.
Além da Canadian Pacific, a política de concessão de terras, pelos governos
confederativo e provinciais do Canadá, se estendeu a diversos outros empreendimentos
ferroviários, ditos colonizadores, totalizando cerca de 16 milhões de hectares ou 160.000
km2, equivalendo, por exemplo, à extensão territorial dos estados do Amapá (153.000 km2)
ou Ceará (149.000 km2).
A política de concessão de terras canadense, embora baseada nos procedimentos
empregados nos EUA, difere destes em dois pontos fundamentais: a elasticidade e legalidade
(Hedges, 1934). Em termos elasticidade pode-se dizer que a distribuição de terras nos EUA
obedeceu a critérios mais inelásticos, com a distribuição de terras para ferrovias
obedecendo a rígidos critérios geométricos (determinada extensão ao longo do eixo das
vias), enquanto no Canadá a legislação introduziu o conceito de fit for settlement, no sentido
de que as terras concedidas deveriam ser propícias à colonização. Em termos de legalidade
nota-se que, enquanto no congresso dos EUA se discutiu amplamente a questão se o
congresso possuía ou não atribuição para conceder terras a ferrovias privadas, no Canadá
essa questão mostrou-se de certa forma consensual, muito embora os processos de
concessionamento de terras nesse último país tenham sido marcados por fortes embates
políticos, porém sob o enfoque da oportunidade do tema e não de sua legalidade.
Tendo atingido seu principal objetivo, que foi a construção de algumas ferrovias
pioneiras, essa política canadense foi descontinuada cerca de duas décadas e meia após seu
início. Isso porque a colonização das terras lindeiras não estava acontecendo no ritmo
esperado, não havia mercado para aquisição de terras em novos empreendimentos
ferroviários após a construção da Canadian Pacific Railway e também porque a opinião
pública considerava que as ferrovias (então monopolistas) estavam sendo demasiadamente
privilegiadas.
12
As ambições capitalistas e a necessidade de colonização do país, combinadas com
crença de que as ferrovias eram eficazes agentes deste último processo, fizeram com que os
governos geral e provincial concedessem terras a diversas ferrovias, ditas colonizadoras.
Espelhadas no sucesso ferroviário norte-americano e no exemplo da CPR, uma febre de
organização de ferrovias colonizadoras se instalou no Canadá, existindo estimativas da
organização de 500 empresas, das quais menos de 100 realmente operaram. Contudo, a
falta de planejamento, o excesso de otimismo, a preferência dos imigrantes europeus pelos
EUA e interesses comerciais dos empreendedores apenas na aquisição de terras a preços
subsidiados foram alguns dos principais motivos que levaram muitas dessas ferrovias à
bancarrota.
Ainda segundo Hedges (1934), essas ferrovias, diferentemente do caso da CPR,
considerado um empreendimento de integração nacional, foram freqüentemente exemplos
de quebra de contrato e de abusos na política de concessão de terras. Muitas dessas
ferrovias, tal como no Brasil, foram concebidas mais para usufruir das benesses
governamentais do que da exploração ferroviária propriamente dita, a ponto da imprensa
canadense da época considerar que as concessões feitas à CPR representaram o melhor
dessa política, e as concessões feitas às ferrovias colonizadoras o seu pior.
Seja como for, as pequenas ferrovias foram sendo absorvidas pelas maiores, e
parte delas, em absoluta insolvência, foram incorporadas à Canadian National, uma
empresa estatal criada em 1918, que mais tarde se tornaria a maior empresa ferroviária do
país.
A malha ferroviária canadense estava consolidada por volta de 1920 (Goodmans,
2001), época em que a infra-estrutura rodoviária era extremamente limitada e as ferrovias
eram
o
modo
de
transporte
dominante,
compreendendo
uma
extensão
de
aproximadamente 39.000 km.
Dessa data até a década de 80 (século XX), houve um pequeno decréscimo nessa
quilometragem, chegando-se a 36.500km em 1989. Enfrentando intensa competição com
outros modos de transporte e amparadas em novas bases regulatórias, em especial o
Canadian Transportation Act, de 1987, as ferrovias canadenses puseram em prática
inúmeras iniciativas objetivando tornar seu transporte mais competitivo, dentre as quais a
venda ou o abandono de segmentos antieconômicos, algo não permitido pela legislação
anterior. No período 1989-2004, isso significou a redução de 6.000 km na rede ferroviária
desse país, como ilustrado na figura 2.
13
40.000
35.000
Extensão (km)
30.000
25.000
20.000
15.000
10.000
5.000
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
0
Fontes: US Census Bureau (2006) e Statistics Canadá (2006).
Figura 2: Evolução recente da malha ferroviária canadense
O final do século XX também é marcado pela privatização da maior ferrovia
canadense: a Canadian National - CN, ocorrida em 1995. Em paralelo, acontece também
nesse período a aquisição de ferrovias norte-americanas pelas duas grandes ferrovias
canadenses:
•
aquisição da Illinois Central pela Canadian National;
•
compra da Soo Line Railroad Company e da Delaware and Hudson Railway Company
pela Canadian Pacific.
Atualmente o Canadá dispõe de duas grandes ferrovias e mais de 50 ferrovias
regionais e linhas curtas (shortlines), que transportam 290 milhões de toneladas anualmente,
90% das quais através das grandes ferrovias. A participação das ferrovias na matriz de
transportes domésticos de carga é mostrada na figura 3, podendo-se observar o predomínio
do modo rodoviário, mesmo tendo como concorrentes duas das ferrovias tidas como as
mais eficientes do mundo (Apedaile, 2003).
Fonte: Apedaile (2003).
14
Figura 3: Distribuição modal do transporte de carga doméstico no Canadá
2.2.1.2 Estados Unidos
A primeira ferrovia a operar sob bases comerciais nos EUA pertencia à empresa
de navegação Delaware and Hudson Canal Company’s, em 1829, através da circulação da
locomotiva a vapor Stourbridge Lion e alguns vagões de madeira importados da Inglaterra,
logo após, portanto, o início do desenvolvimento ferroviário nesse país (1825).
O setor ferroviário norte-americano experimentou um notável crescimento desde
então, algo que pode ser facilmente entendido pelo fato de que, em 1850, esse país possuía
cerca de 15.000 km de linhas, o equivalente à soma das extensões das estradas de ferro de
todo o resto do mundo (Hallberg, 2004).
Outro fato que demonstra o poder das ferrovias norte-americanas foi o
estabelecimento, em 1883, de cinco fusos horários naquele país, objetivando sistematizar os
horários dos trens, prática que se manteve até os dias de hoje (Stover, 1970).
A malha ferroviária norte-americana, tal como a canadense, teve grande impulso
com a política de concessão de terras, motivada pela abundância de terras naquele país. Em
1790, passados 14 anos da proclamação da independência, a jovem nação norte-americana
já possuía 2,3 milhões de km2, valor que posteriormente passou para 9,3 milhões de km2,
como resultado, entre outras, das aquisições da Louisiana , Alasca e Havaí, e da conquista
de territórios antes controlados pelo México.
A disponibilidade de grande extensão de terras despovoadas e a possibilidade de
sua cessão foram, desde a época colonial, vistas como para atrativo para vinda de
imigrantes. No início, as terras eram cedidas aqueles que por conta própria chegassem à
América. Com a independência, os EUA realizaram um extraordinário levantamento
topográfico das terras, pelo Land Ordinance Act de 1785. Por essa lei, iniciou-se o
processo de subdivisão do território em grandes quadrados, denominados townships,
contendo cada um uma área de 36 milhas quadradas, isto é, 93,2 km2. Cada township, por
seu turno, era subdivido em 36 seções, de uma milha quadrada cada - 2,6 km2 (Houghton
Mifflin, 2004).
Em 1830, o governo americano passou a conceder terras como mecanismo de
financiamento para obras públicas, sendo certas quantidades de terras repassadas
gratuitamente para posterior revenda por parte de empreendedores de canais e de rodovias
15
(pedagiadas ou não). Estimativas de Stover (1970) dão conta que, por volta de 1850, cerca
de 30.000 km2 haviam sido cedidos aos empreendedores antes citados.
Era natural, portanto, que as ferrovias também se habilitassem a esse benefício.
Assim, em 1848 houve a aprovação pelo congresso da cessão não-onerosa de terras para as
ferrovias do Grupo Granger: Illinois Central e a Mobile & Ohio Railroad, com a
intermediação de um advogado que posteriormente se tornaria presidente dos EUA:
Abraham Lincoln.
Nessa primeira concessão de terras, configurou-se uma importante política de
governo: como num tabuleiro de xadrez, as ferrovias beneficiadas ficariam com os
quadrados negros (seções de uma milha quadrada cada) dos townships situados numa faixa
de 6 milhas para cada lado do eixo ferroviário, enquanto que os quadrados brancos
(também seções de uma milha quadrada cada) seguiam pertencendo ao governo, que
esperava que a valorização dos seus lotes, pela existência de uma ferrovia, compensasse a
entrega de terras gratuitamente aos empreendedores.
Em 1862, é promulgada uma lei federal (College Land Grant Act) doando terras
aos estados que se dispusessem construir escolas técnicas, ginásios e universidades voltadas
para a agricultura, engenharia e outros temas acadêmicos. Cada estado receberia um
número de acres equivalente ao número de seus representantes no congresso vezes 30.000.
Com isso, cerca de 69.000 km2 de terras foram entregues aos estados, que, através de sua
venda, arrecadaram 7 milhões de dólares, empregados nos estabelecimentos de ensino
antes citados (Houghton Mifflin, 2004).
Nesse mesmo ano, já com Lincoln na presidência, foi assinado o First Railway
Pacific Act, concedendo vastas extensões territoriais a duas ferrovias transcontinentais que
interligariam o Leste do país ao Pacífico: a Central Pacific e a Union Pacific. Diante das
dificuldades técnicas e financeiras no desbravamento do oeste norte-americano, uma nova
lei, o Second Pacific Railway Act, promulgada também por Lincoln em 1864, ampliou os
subsídios agrários permitindo a conclusão desses empreendimentos. Outras ferrovias foram
beneficiadas pela política de concessão de terras federais e estaduais, gerando um
panorama, para 1872, como mostrado na tabela 1 (Decker, 1964).
16
Ferrovia
Área
(km2)
1. Chicago, Burlington & Quincy
11.331
2. Union Pacific
48.562
3. Kansas Pacific
24.281
4. Denver Pacific
4.452
5. Central Pacific
32.375
6. Southern Pacific
27.316
7. Northern Pacific
190.202
8. Atlantic and Pacific
161.874
9. Central Branch (Union Pacific)
992
10. Sioux City and Pacific
243
10. Burlington & Montana River
9.894
11. Oregon & California
14.164
Soma
525.686
Fonte: Decker (1964).
Tabela 1: Quadro-resumo das concessões de terra a ferrovias nos EUA em 1872
A figura 3 (LOC, 2004) mostra o contorno final das concessões de terras feitas a
diversas ferrovias norte-americanas, podendo ser vista a parcela territorial que tal política
ensejou, sobretudo nas partes central e oeste do país.
Fonte: LOC (2004).
Figura 3: Mapa das concessões de terras a ferrovias nos EUA
17
A política de concessão de terras a ferrovias foi saudada pelos norte-americanos
como algo necessário ao desenvolvimento do país. Cerca de 530.000 km2 foram cedidos às
ferrovias, dos quais 75% diretamente cedidos pelo governo federal aos empreendedores e
25% dados aos estados, para que estes impulsionassem esse modo de transporte entre suas
divisas (Morris, 1994).
Contudo, segundo esse último autor, esse clima amistoso entre a sociedade e as
ferrovias termina por volta de 1870, quando as empresas ferroviárias tornaram-se
verdadeiros impérios econômicos, monopolistas, em contraste com as modestas condições
de vida dos pioneiros da colonização daquele país. Em 1872, tanto os republicanos, como
os democratas, incluíram em suas plataformas políticas o fim desse tipo de subsídio às
ferrovias. A depressão econômica (período 1870 – 1890) e um escândalo financeiro
envolvendo a empresa de crédito mobiliário da Union Pacific (Credit Mobilier), em 1873,
selaram a sorte da política de concessão de terras, descontinuada desde então. Em 1890, é
aprovada uma lei estabelecendo a retomada, pelo governo, das terras cedidas às ferrovias
que ainda não houvessem sido colonizadas, o que demandou intensas batalhas judiciais.
A avaliação financeira (privada) e econômica da política de concessão de terras foi
feita por Mercer (1984), que analisou sete grandes ferrovias que foram beneficiadas por
esse tipo de subsídio: Central Pacific, Union Pacific, Texas and Pacific, Santa Fe, Northern
Pacific, Great Northern e Canadian Pacific. Todas essas ferrovias cruzavam o território
norte-americano, à exceção da última, que era canadense.
Em termos financeiros (privados) duas hipóteses foram construídas: o
desempenho empresarial das ferrovias citadas com e sem o subsídio das terras e sua
comparação com os custos de oportunidade então vigentes para cada empresa. A tabela 3
ilustra as avaliações feitas.
18
Ferrovia
Taxa interna de retorno
Custo de
financeiro – TIRF (%)
oportunidade do
Sem subsídio
Com subsídio
capital (%)
Central Pacific
10,6
11,6
9,0
Union Pacific
11,6
13,1
9,0
Texas and Pacific
2,2
4,3
7,7
Santa Fe
6,1
7,1
7,9
Northern Pacific
6,3
9,2
7,9
Great Northern
8,7
10,0
6,3
Canadian Pacific
3,9
8,4
6,8
Fonte: Mercer (1984).
Tabela 2: Avaliação financeira dos empreendimentos ferroviários (ex post)
Os dados da tabela 2 revelam que quatro das sete ferrovias (Texas and Pacific,
Santa Fe, Northern Pacific e Canadian Pacific) apresentavam taxas de retorno financeiro –
TIRF inferiores ao custo de capital, e portanto seriam inviáveis sem a ajuda fundiária. Já as
três outras ferrovias (Central Pacific, Union Pacific e Great Northern) seriam viáveis
mesmo sem os subsídios, os quais apenas ampliaram suas lucratividades.
Mais ainda, verifica-se que a intervenção governamental através da cessão de
terras não foi ótima em nenhuma das sete ferrovias estudadas por Mercer (1984), tendo
sido insuficiente em dois casos (Texas and Pacific e Santa Fe) e excessiva nos demais,
quando comparadas as TIRFs com subsídio e os custos de oportunidade de capital.
A avaliação econômica (social) efetuada pelo autor já citado envolveu também
duas situações: uma contendo benefícios intra-regionais e inter-regionais (ampla) e outra,
mais desfavorável, abrangendo apenas os benefícios inter-regionais (restrita), como
indicado na tabela 3.
19
Ferrovia
Taxa interna de retorno
Custo de
econômico – TIRE (%)
oportunidade do
Ampla
Restrita
capital (%)
Central Pacific
23,9
14,0
9,0
Union Pacific
19,8
14,6
9,0
8,3
5,7
7,7
Santa Fe
19,0
12,1
7,9
Northern Pacific
12,5
9,4
7,9
Great Northern
26,8
15,3
6,3
Canadian Pacific
13,1
7,0
6,8
Texas and Pacific
Fonte: Mercer (1984).
Tabela 3: Avaliação econômica dos empreendimentos ferroviários (ex post)
Os resultados da avaliação econômica mostram que, do ponto de vista social,
todos os sete os empreendimentos ferroviários mostraram-se viáveis quando considerada a
TIRE ampla. No caso da TIRE restrita, apenas uma ferrovia (Texas and Pacific) revelou-se
inadequada.
Deduz-se, agora de forma generalizada, que a política de concessão de terras
trouxe uma notável contribuição ao desenvolvimento econômico dos EUA e Canadá na
segunda metade do século XIX, que de outra forma teria sido postergado pelo também
adiamento de inúmeros projetos ferroviários que sem sombra de dúvida não teriam sido
implementados pela ausência desse importante estímulo.
Após a Guerra Civil (1860-1865) as ferrovias norte-americanas eram um próspero
negócio, a ponto de um de seus principais executivos, o comodoro Cornelius Vanderbilt ter
se tornado o norte-americano mais rico em sua época.
A extensão das ferrovias desse país atingiu seu pico em 1916, com a existência de
406.500 km de linhas, contra 156.300 km atuais, o que representa eliminação de cerca de
250.000 km ou de 60% do pico antes citado (figura 4).
20
Fonte: Cálculos do autor com base em AAR (2005) e Stover (1970).
Figura 4: Evolução da malha ferroviária norte-americana
A distribuição modal no transporte de carga dos EUA tem uma correlação direta
com a diminuição da extensão da malha ferroviária, mostrando o decréscimo da
participação das ferrovias na matriz de transportes, como ilustrado na figura 5.
Fonte: Cálculos do autor, com base em AAR (2005).
Figura 5: Distribuição modal nos EUA ao longo do tempo
Com o transporte ferroviário fortemente regulado desde o século XIX e as fortes
concorrências impostas pelos outros modos de transporte, as estradas de ferro norteamericanas, principalmente após a Segunda Grande Guerra, foram sendo não só obrigadas
a operar apenas os segmentos mais rentáveis (e abandonar os demais), como suprimir o
tráfego de passageiros. Duas observações a respeito desse último tópico, obtidas de Stover
(1970) são bastante ilustrativas:
21
•
primeiramente a afirmativa de Howard Hosmer, de 1958, agente regulador da Interstate
Commerce Comission – ICC, no sentido de que os carros de passageiros das ferrovias em
breve fariam parte de museus de transporte, juntamente com a carruagem e a
locomotiva a vapor;
•
em segundo lugar, os cálculos de Robert Jochner, responsável pelo tráfego de
passageiros da Union Pacific, que davam conta que, em 1968, um trem de passageiros
entre São Francisco e Los Angeles requeria uma equipagem de 21 pessoas,
transportando o equivalente à metade da lotação de uma aeronave ou de dois ônibus.
Esse quadro teve um desfecho adverso às ferrovias na década de 70 (século XX),
com a concordata de nove grandes ferrovias, representando 25% da malha ferroviária
existente nesse momento. O governo norte-americano foi então obrigado a intervir no
setor, através de diversas medidas envolvendo:
•
fusão de empresas, mantida a gestão privada, caso da Burlington Northern Railroad
(fruto da aglutinação da Great Northern Railroad; Northern Pacific Railroad; Chicago,
Burlington and Quincy Railroad; Pacific Coast Railroad; e Spokane, Portland and
Seattle Railroad) e da Illinois Central Gulf Railroad (união da Illinois Central Railroad e
da Gulf, Mobile and Ohio Railroad);
•
fusão de empresas, sob gestão estatal, com a criação da Consolidated Rail Corporation
– Conrail, incorporando seis ferrovias do Nordeste dos EUA em estado falimentar .
•
criação da Amtrak, empresa estatal, para operação de trens de passageiros de média e
longa distâncias nas vias férreas privadas.
Em 1976 e em 1980 são promulgadas leis de liberalização do setor ferroviário,
tornando as ferrovias mais aptas para o enfrentamento da competição pelo mercado de
fretes.
O final do século XX é ainda marcado pelo prosseguimento da oligopolização do
setor, com novas fusões e aquisições de empresas, inclusive com a participação das duas
grandes empresas canadenses (Canadian Pacific e Canadian National).
22
2.2.2 Europa
2.2.2.1 Suécia
Após o insucesso de alguns empreendimentos a cargo de empreendedores
privados, o parlamento sueco tomou a decisão, em 1845, de que a construção das linhas
férreas troncais ficaria a cargo do estado, cabendo a terceiros as vias de menor importância.
Em decorrência, a primeira ferrovia sueca a operar, sob controle estatal, foi a que margeou
o lago Fryken, na região de Värmland, inaugurada em 1849, ainda com tração animal, já que
a primeira locomotiva a vapor só iria operar a partir de 1855.
A exemplo dos demais países envolvidos com o desenvolvimento ferroviário, a
expansão da malha ganhou impulso no final do século XIX e nas primeiras décadas do
século XX, tendo o pico ocorrido em 1939, com a rede ferroviária tendo atingido
17.400km, em várias bitolas (figura 6).
Em função das crescentes dificuldades financeiras enfrentadas pelas operadoras
privadas, no início do período da Segunda Grande Guerra foi efetuada a privatização de
65% da malha, uma vez que os restantes 35% já pertenciam ao estado.
Fonte: Banverket (2005).
Figura 6: Distribuição modal na Suécia ao longo do tempo
O decréscimo na extensão da malha ferroviária sueca é fruto dos efeitos da
concorrência impostos pelos outros modos de transporte, sobretudo na segunda metade do
século XX, que resultaram em crescentes déficits e no abandono de ramais antieconômicos.
Em função disso, em 1988 o parlamento sueco aprovou o Transport Policy Act – TPA
23
para sustar os prejuízos advindos da Swedish State Railways – SJ. Um dos vetores dessa
legislação foi a separação da SJ em dois organismos públicos (Hansson e Nilsson, 1991):
•
a National Rail Administration – Banverket (BV), responsável pelo investimento e
manutenção da infra-estrutura ferroviária;
•
a nova SJ, unicamente operadora ferroviária, que pagaria pedágio nas vias administradas
pela BV.
Esse foi o primeiro movimento de segregação da infra-estrutura ferroviária que se
tem notícia, e influenciou, de maneira decisiva, sua adoção pela Comunidade Européia
alguns anos depois. O TPA estabeleceu, portanto, como diretrizes básicas as seguintes
(Hylen, 2001):
•
a BV agiria da mesma forma que a National Railroad Administration – Vtiggverker
(VV), com os investimentos na via implementados com base em relações benefíciocusto:
•
os usuários da malha administrada pela BV pagarão pedágios ou trackage rights de forma
análoga aos usuários da VV;
•
as externalidades negativas, tanto do transporte ferroviário, como do rodoviário, serão
incorporadas aos valores do pedágio;
•
a rede ferroviária sueca será subdividida em dois subsistemas: um de caráter nacional ,
com as linhas-tronco, onde a SJ deverá ser lucrativa; outro de caráter regional, em que
as autoridades locais poderão contratar a SJ ou qualquer outra empresa para realização
do transporte de passageiros de média distância, em bases estritamente comerciais;
•
o Swedish Board of Transport estará autorizado a “comprar” serviço de transporte que
não seja comercialmente viável, nas situações em que haja claro comprometimento do
desenvolvimento regional .
Esse novo arcabouço regulatório gerou, em 1988, a criação da gestora de infra-
estrutura Banverkert. Em 2001 a SJ foi subdividida em inúmeras empresas, a saber: SJ AB,
uma operadora de passageiros de média e longa distâncias, de capital aberto; a Green Cargo
AB, operadora de carga, de capital aberto; quatro outras empresas ferroviárias atuando nas
áreas de manutenção, patrimônio, operação de terminais e tecnologia da informação; e dez
outras empresas de pequeno porte atuando em setores de turismo, entretenimento, locação
de trens etc.
24
Cerca de três dezenas de operadores privados atuam no sistema ferroviário sueco,
em âmbito nacional e regional, tais como Connex Sverige AB, Citypendeln Sverige AB,
DSB Sverige AB (dinamarquesa), Inlandsbanan AB, Roslagståg AB e Svenska
Tågkompaniet AB (tendo a sigla AB significado semelhante ao termo S.A. no Brasil).
A tabela 4, mostrada a seguir, apresenta os critérios e valores básicos na tarifação
da infra-estrutura ferroviária sueca, dado seu pioneirismo no cenário ferroviário mundial.
Tarifa por classe de via
(R$ por 1000 tkb)
Item
Classe I**
Classe II**
Locomotiva (v < 105 km/h)
1,269
3,24
Locomotiva (105 km/h < v > 135 km/h
1,539
3,834
Locomotiva (v > 135 km/h)
1,836
---
Vagão de minério carregado
0,783
---
Vagão de minério vazio
0,081
---
Vagão em geral carregado
0,54
1,296
Vagão em geral vazio
0,108
0,351
Carro de passageiro com truque radial
0,513
0,864
Carro de passageiro sem truque radial
0,729
1,836
Trem de alta velocidade (>160km/h)
0,837
---
Energia de tração
0,054
0,054
(*) Conversão cambial feita pelo autor em outubro de 2008.
(**) Classe I tem qualidade superior à Classe II.
Fonte: Hansson e Nilsson (1991).
Tabela 4: Tarifação da infra-estrutura ferroviária sueca
2.2.2.2 Grã-Bretanha
Berço do desenvolvimento ferroviário mundial, a partir da inauguração, em 1825,
da Stockton e Darlington Railway, a Grã-Bretanha promoveu um intenso trabalho de
implantação de estradas de ferro no século XIX e início do século XX. O sistema
ferroviário britânico, contudo, tal como o brasileiro, constituía-se de um enorme
emaranhado de linhas, sem a necessária conectividade entre si, exploradas por
empreendedores privados. Ao longo do período anteriormente citado, houve diversas
aquisições de ferrovias, que, em 1923, deram origem a quatro grandes grupos empresariais:
Great Western Railway; London and North Eastern Railway; London, Midland and Scotish
Railways; e Southern Railway (Nash, 1997).
25
Nas décadas de 20 e 30, século XX, a rentabilidade das ferrovias diminui
consideravelmente, com as empresas ferroviárias acusando o governo de privilegiar o
modo rodoviário. Esse fato, aliado à falta de investimento que se seguiu e à difícil situação
financeira enfrentada pelo país após a Segunda Grande Guerra, levou à estatização do setor
em 1948, com o surgimento da British Railways, posteriormente denominada British Rail –
BR.
Inicialmente a BR, embora fosse uma entidade única, para efeitos operacionais foi
subdividida em seis superintendências regionais. Nos anos 60 (século XX) os crescentes
déficits financeiros da BR levaram à eliminação de ramais antieconômicos, resultando na
supressão de cerca de 10.000 km de linhas, ou 30% da malha então existente (Thompson,
2004).
Em 1982, ainda na tentativa de diminuir os prejuízos operacionais da BR, esta foi
então seccionada em unidades de negócios: passageiro - média e longa distâncias,
passageiro local/regional, carga nacional e carga internacional/intermodal.
Na década de 80, o governo britânico, sob a liderança da conservadora Margaret
Thatcher, empreendeu um vasto programa de privatizações em vários setores da economia,
envolvendo telecomunicações, saneamento, aeroportos, rodovias etc. A área ferroviária,
naquela oportunidade, era considerada não elegível para a privatização em função de sua
complexidade operacional. Em 1992, o livro branco New Opportunities for Railways,
certamente com base na experiência sueca, estabeleceu as bases da reestruturação da BR
(Mathieu, 2003):
•
separação da infra-estrutura ferroviária da atividade operacional;
•
criação da figura do gestor da infra-estrutura;
•
divisão da BR em vinte operadores;
•
adoção do princípio da concessão para seleção de operadores.
John Major, que sucedeu a Thatcher, foi quem fez aprovar pelo parlamento o
Railways Act, de 1993, que objetivava a reestruturação da BR nos moldes antes descritos,
tendo com estratégias:
•
redução do nível de subsídios ao transporte ferroviário no longo prazo;
•
abertura do setor de transporte à competição, com melhoria da produtividade e
qualidade;
26
•
introdução de novo dinamismo no setor ferroviário, com melhores respostas às
demandas do mercado.
O processo de reestruturação da BR está ilustrado na tabela 5 (Thompson, 2004),
onde são correlacionadas funcionalidades do processo de exploração ferroviária com
diversos escopos desse tipo de serviço.
Funcionalidade
operacional
Tipo de transporte
Carga
Passageiro -
Passageiro -
Passageiro -
longa distância
regional
subúrbio
Posse da infra-estrutura
Melhoria da infra-estrutura
RAILTRACK
Manutenção da infra-
(privada)
estrutura
Controle do tráfego
Operação dos trens
25 OPERADORES DE TRENS DE PASSAGEIROS –
TOCs (privados)
Material rodante
Receitas do transporte
EW&S RAIL
3 EMPRESAS DE LEASING DE MATERIAL
(FOC)*
RODANTE DE PASSAGEIROS - ROSCOs (privadas)
(privada)
TOCs**
TOCs + SUBSÍDIO
(governos geral e/ou regional)
Obs.: FOC – Freight Operator Company; TOC – Train Operator Company; ROSCO – Rolling Stock Company.
Fonte: Thompson (2004).
Tabela 5: Arranjo básico da reestruturação da British Rail
A privatização da British Rail ocorreu no período 1994 – 1997, sendo a gestão
privada da infra-estrutura conturbada por uma série de graves acidentes ferroviários no
final do século XX e início do século XXI (Southall, Ladbroke Grove, Hatfield e Potters
Bar), em parte atribuídos a deficiências na manutenção da via.
O de Hatfield teve uma forte reação política, tendo em vista o fato da
mantenedora (Railtrack) ter distribuído dividendos a seus acionistas enquanto que
substancial quantidade de trilhos apresentava defeitos internos (HSC, 2001).
Após o acidente de Hatfield os limites de velocidade na malha ferroviária britânica
foram drasticamente reduzidas e a Railtrack obrigada a realizar pesados investimentos,
27
causando sua falência. Em 2002, é criada uma empresa para-estatal, Network Rail, para
gerir a infra-estrutura ferroviária britânica.
Voltando a 1994, início do processo de privatização, é preciso ressaltar que nessa
data o débito da BR atingia a 10,8 bilhões de euros, equivalendo a 1,2% do PNB britânico
ou a 54% do total da dívida pública daquele país (CE, 1996).
As TOCs são grandemente controladas por três grupos empresariais (FirstGroup,
National Express e Stagecoach), os quais convivem com um limitado número de pequenos
operadores (Heathrow Express, Hull Trains etc.). Essas empresas em geral não são
concorrentes entre si, com as franquias sendo licitadas segundo o conceito de concorrência
pelo mercado e não pelo de concorrência no mercado. As três empresas de leasing de material
rodante (ROSCOs) são ligadas a bancos comerciais: Angel Trains, HSBC Rail e
Porterbrook.
A principal operadora do transporte ferroviário de carga é a English, Welsh &
Scotish Railway, existindo ainda menos de uma dezena de outros operadores de menor
porte.
A figura 7 ilustra o processo de declínio da ferrovia inglesa, em termos de
extensão da malha e do lançamento de trilhos na via permanente, conforme Thompson
(2004). Outro fato, de caráter mais simbólico, que porém denota o declínio citado, é a
supressão do tráfego do correio por trens, transferido totalmente para outros modos em
2004, rompendo uma longa tradição de cerca de 170 anos .
Toneladas
250.000
35.000
30.000
25.000
20.000
15.000
10.000
5.000
0
200.000
150.000
100.000
50.000
0
km
1953 1963 1973 1983 1993 2003
Lançamento de trilhos
Extensão da malha
Fonte: Thompson (2004).
Figura 7: Evolução da quilometragem e do lançamento de
trilhos na Grã-Bretanha
28
2.2.3 Ásia e Oceania
2.2.3.1 Japão
A política isolacionista do Japão, em relação ao mundo ocidental (Shogunate), que
vigorou por dois séculos e meio, teve seu fim o governo Meiji, em 1868, em virtude da
ameaça militar feita pela Grã-Bretanha. Com a abertura, as novas autoridades japonesas
trouxeram da mesma Grã-Bretanha enorme número de especialistas, materiais e
equipamentos para construção do segmento entre a capital Tóquio e o porto de
Yokohama, um dos poucos abertos ao comércio exterior. Em 1871, um ano após o início
das obras, foi inaugurado esse trecho, com 29 km de extensão e bitola de 1,067 m (Aoki,
1994a).
Em 1890, a malha ferroviária japonesa tinha 2.250 km, dos quais 60%
pertencentes a empresas privadas. A guerra sino-soviética de 1894-1895 e os problemas do
mercado acionário de 1896 levaram militares e financistas a considerar a possibilidade de
estatização das ferrovias, fato que ocorreu em 1906, quando 2.413 km de vias do estado se
somaram a 5.213 km de vias privadas, formando uma rede estatal de 7.626 km, em bitola
métrica (1,067 m), conforme Aoki (1994b).
A malha japonesa prosseguiu com sua expansão, chegando ao final da década de
50 (século XX) com cerca de 26.000 km, dos quais 78% pertencentes à empresa estatal
Japan National Railways - JNR, e os 12% restantes distribuídos em sistemas regionais ou
urbanos, destinados ao transporte de passageiros e operados em sua maioria por quase duas
centenas de empresas privadas (Terada, 2001).
Nos anos 50 e 60 (século XX) a JNR mantinha-se lucrativa, ao contrário das
ferrovias européias que já mostravam grandes déficits. A explicação para esse fato deve-se à
defasagem de dez anos entre a consolidação do rodoviarismo no Japão e na Europa
Ocidental Embora notáveis avanços tecnológicos tenham sido verificados no Japão, como
o lançamento do trem-bala em 1964, a JNR começou a apresentar prejuízos crescentes nas
décadas de 70 e 80 (século XX), sendo que em 1985 esse déficit chegou a 230 bilhões de
dólares (25 trilhões de ienes), equivalente à soma de dívidas externas de vários países em
desenvolvimento (Iamashiro, 1997).
Essa situação levou à privatização da JNR em 1987, com a criação de seis
operadoras de passageiros (JRs), distribuídas geograficamente, e uma operadora de carga
29
(JR Freight), sendo que essa última não possui linhas próprias e circula pelas vias de
passageiros, numa situação exatamente oposta à dos EUA, onde existem numerosas
empresas de carga e uma operadora de passageiros de média e longa distâncias (Amtrak),
que, a exceção do corredor nordeste (Nova York – Washington), não possui vias próprias.
. Atualmente, a malha japonesa possui cerca de 27.000 km, dos quais 20.000 km
operados pelas JRs. Os 7.000 km restantes estão sob a tutela de 40 ferrovias privadas,
transportadoras de passageiros nos níveis regional e local.
A evolução da participação modal da ferrovia no Japão é mostrada na figura 8,
segundo dados de Isashiki (2004), evidenciando claramente seu declínio, não só no
transporte de passageiros de média e longa distância (mesmo com os trens de alta
velocidade), como também no setor de carga, onde a ferrovia JR Freight tem participação
ínfima no mercado de fretes, tendendo, inclusive, a desaparecer.
Fonte: Isashiki (2004).
Figura 8: Participação da ferrovia na matriz dos transportes no Japão
2.2.3.2 Austrália
O desenvolvimento ferroviário na Austrália guarda enormes semelhanças com o
brasileiro, em termos de extensão de malha, pluralidade de bitolas e ferrovias dedicadas à
exportação de minério de ferro de alta eficiência.
As ferrovias australianas começaram a ser construídas na segunda metade do
século XIX, quando esse país ainda era constituído por colônias distintas, uma vez que a
federação de estados só foi implementada em 1901 (ARTC, 2006). A primeira estrada de
ferro começou a operar em 1854, mesmo ano da ligação Praia de Mauá – Guia de
30
Pacobaíba, pioneira no Brasil. A expansão da malha ocorreu inicialmente através da
iniciativa privada, em diversas bitolas:
•
a larga ou irlandesa (1.600 mm) nos estados de Victoria e South Australia;
•
a padrão (1.435 mm) nos estados de New South Wales e South Australia;
•
a bitola métrica ou do Cabo (1.067 mm) nos estados de Queensland, Western Australia,
South Australia e Tasmania
No início do século XX o insucesso financeiro das ferrovias tinha se tornado
insustentável obrigando aos estados assumirem seu controle. Entre os anos 30 e 90 (século
XX) o governo federal implementou alguns segmentos em bitola padrão, em trechos e
virgens e convertendo trechos existentes, objetivando melhorar a conectividade ferroviária.
Nos anos 60 e 70 (século XX), mineradoras privadas instalaram-se no Nordeste
do país, na região de Pilbara, implantando, de maneira semelhante à Cia. Vale do Rio Doce,
ligações mina-porto, todas na bitola padrão, desconectadas do restante da malha e
transportando apenas minério de ferro. Nesse mesmo período, as demais ferrovias
começam a apresentar déficits, fazendo com que o governo federal se propusesse a
administrar o transporte de cargas interestadual, através da National Rail Corporation,
gerando o arranjo institucional da figura 9 (Williams et alli, 2005).
Estado
Operador
Área de
N. South
atuação
Wales
Victoria
South
Western
Australia
Australia
Operador de
Interestadual
carga
Intraestadual
State Rail
Public
South
Operador da
Intraestadual
Authority
Transport
Australia
Corporation
Rail
infra-estrutura
Operador de
Interestadual e
passageiro
Intraestadual
Queensland
Tasmania
Queensland
TasRail
National Rail Corporation
WestRail
Rail
Fonte: Elaboração do autor, com base em Williams et alli (2005).
Tabela 5: Arranjo institucional australiano em 1992
Nesse arranjo, onde a participação estatal é dominante, não estão incluídas as
denominadas “linhas das mineradoras”, em especial as da região de Pilbara, que sempre
foram privadas e verticalmente integradas.
Ainda em 1992, o Conselho dos Governos Australianos estabeleceu as diretrizes
para uma nova política de competição, em âmbito nacional, onde era destacado que:
31
A separação estrutural de monopólios públicos verticalmente integrados e a
remoção de restrições legais promoverão competição e melhoria da eficiência
do serviço oferecido à sociedade (Commonwealth of Austrália, 2003).
Em 1995, o governo federal, estados e territórios aderem à National Competition
Policy (Política Nacional de Competição) com o estabelecimento de normas para um
National Access Regime (Regime Nacional de Acesso) e das bases para privatização de
empresas públicas. Disso resultou um novo e complexo arranjo institucional mostrado na
tabela 6 (Williams et alli, 2005).
Diferentemente da situação de 1992, quando as empresas eram geridas pelos
poderes públicos confederativo e estadual, em 2005 há um grande avanço da
desestatização, com a presença de várias empresas privadas, tais como:
•
Pacific National - PN;
•
Australian Railway Group – ARG;
•
Great Southern Railway;
•
Conrex.
Contudo, a gestão da infra-estrutura, nos casos onde esta foi segregada,
permanece fortemente estatizada, seja em nível confederativo pela Australian Rail Track
Corporation – ARTC, seja em nível estadual em Queensland.
Outro fator importante foi o surgimento de novos e pequenos operadores
ferroviários de carga e de passageiro, como Southern Shorthaul Railroad, South Spur Rail
Services, Patrick Rail Operations, Specialised Container Transport, FreightLink, Silverton
Rail etc. A exemplo da Grã-Bretanha esse movimento reestruturador também deu origem a
empresas de leasing de material rodante, como a Chicago Rail Freight Leasing Australia, na
área de locomotivas e vagões.
32
Australian Rail
Track - ARTC
Gestor da infra
- estrutura
(intraestadual)
ARTC
(interestadual)
Corporation RIC
Pacific National
Infrastructure
Rail
National -
Rail
PN
Conrex
Pacific
South Australia
Corporation
Pass.
Victoria
Carga
Pass.
Railway
Group - ARG
(interestadual)
ARTC
(intraestadual)
ARG
Southern
Great
Pass.
Railroad
Australian
Carga
South Australia
Tabela 6: Arranjo institucional australiano em 2005
Fonte: Elaboração pelo autor com base em Williams et alli (2005).
Pacific National
Carga
New South Wales
Operador
Agente
Estados
Group - ARG
Australian Railway
Carga
WAR
Railway -
Australia
Western
Pass.
Western Australia
Pass.
Rail
33
Queeesland
Carga
Queensland
A malha ferroviária australiana compreende cerca de 37.000 km de linhas, em três
bitolas (figura 9), respondendo por 25% do mercado de transporte de carga em toneladas
transportadas, valor que passa para 38% quando considerado o momento de transporte,
com predomínio quase absoluto de carvão e minério de ferro nos fluxos ferroviários.
Fonte: ARTC (2006).
Figura 9: Malha ferroviária australiana
2.2.4 América do Sul
2.2.4.1 Argentina
A primeira ferrovia argentina foi inaugurada em 1870, interligando a cidade de
Córdoba ao rio Paraná, num extensão de cerca de 400km em bitola larga (1.676 mm). A
excepcional topografia do país, aliada à intensa exportação de produtos primários deram
rápido impulso à construção de novas linhas (ARAR, 2006).
Entre 1870 e 1914 foi construída a maior parte da malha ferroviária Argentina,
que chegou a possuir 47.000km, a maior já implantada na América Latina e décima do
mundo às vésperas da Primeira Grande Guerra, em sua quase totalidade privada, com
capitais externos no controle acionário.
O período que segue, entre as duas Grandes Guerras, é marcado pela decadência
do setor ferroviário, ante o novo dinamismo imposto pelo rodoviarismo, com a assunção,
pelo Estado, de algumas ferrovias privadas, com a criação do ente Administración de los
Ferrocarriles del Estado. Em 1947, com a persistência da crise ferroviária, em parte
34
derivada da insuficiência de investimentos dos acionistas do exterior, o governo Perón
nacionaliza as ferrovias de capital francês, o mesmo ocorrendo no ano seguinte com as de
capital inglês.
Em 1949, com o setor ferroviário nacionalizado, o sistema ferroviário foi
reagrupado em sistemas regionais, que ganharam o nome de vultos da história militar
argentina: Ferrocarril Nacional General Bartolomé Mitre, Ferrocarril Nacional General
Belgrano, Ferrocarril Nacional General Roca, Ferrocarril Nacional General San Martín e
Ferrocarril Nacional General Sarmiento. Esses sistemas eram da Empresa Nacional de
Transportes (ENT), que em 1958 mudou seu nome para Empresa de Ferrocarriles del
Estado Argentino (EFEA), para posteriormente denominar-se Empresa de Ferrocarriles
Argentinos (EFA) e finalmente Ferrocarriles Argentinos - FA.
Em 1980, cerca de 13.000 km de linhas da FA já haviam sido erradicadas, com a
rede ferroviária passando a ter 34.000 km de extensão. Entre 1989 e 1992 a empresa
Ferrocarriles Argentinos é privatizada, juntamente com os sistemas de trens urbanos de
Buenos Aires. A tabela 7, mostra o quadro concessional daí derivado para o transporte de
carga (Ferrocamara, 2002).
Tópico
Sistema
Denominação
Sarmiento /
original
Roca
Data da posse
Nov/91
Mitre
Roca
San Martín
Urquiza
Mitre
Dez/92
Mar/93
Ago/93
Out/93
Não
da concessão
concedido*
Concessionário
Ferroexpresso
Nuevo
Ferrosur -
Buenos
Mesopotámico
original
Pampeano -
Central
FSR
Aires al
General
Fepsa
Argentino -
Pacífico -
Urquiza -
NCA
BAP
MGU
Am. Latina
Am. Latina
Logística
Logística
Central -
Mesopotámica
ALL
- ALL
5.254 km
2.739 km
Concessionário
Idem
Idem
Idem
atual
Extensão da
4.953 km
4.512 km
3.343 km
N.A.
N.A.
10.841 km
malha
(*) Por ausência de interesse privado.
Fonte: Ferrocamara (2002).
Tabela 7: Quadro concessional das ferrovias de carga argentinas
35
O processo de concessionamento do setor ferroviário à iniciativa privada, na
atualidade, teve a Argentina como elemento precursor, com as principais características
desse importante processo ilustradas na tabela 8 (Thompson et alli, 2001).
Fator
Pontagem
Critério
máxima
Experiência do proponente
23
Melhor apresentação
33
Maior valor e melhor qualidade
5
Maior valor
5
Menor pedágio
15
Maior oferta
9
Maior participação
(currículos da equipe técnica e
plano de negócios)
Plano de investimentos básico
(quantidade de recursos e
qualidade da inversão)
Plano de investimentos adicional
Valor da outorga
Valor do pedágio a ser cobrado
aos operadores ferroviários de
passageiros
Número de empregados da
operadora estatal que serão
contratados
Participação acionária da capitais
argentinos
Somatório máximo de pontos
100
Fonte: Thompson et alli (2001).
Tabela 8: Critérios de pontagem no processo de concessionamento argentino
A malha argentina atual é de aproximadamente 34.000 km, em três bitolas (larga 1.676 mm, padrão - 1.435mm e métrica - 1.067 mm), aí incluídas algumas linhas
provinciais, a maioria a espera da difícil reativação do transporte regional de passageiros. O
volume de transporte é de cerca de 20 milhões de toneladas anuais, liderado pela Nuevo
Central Argentino – NCA.
2.2.4.2 Brasil
O desenvolvimento ferroviário no Brasil ocorreu, a exemplo dos outros países,
através de diversas fases evolutivas, como a seguir detalhado.
36
Pinto (1903), embora restrito à Província (e depois Estado) de São Paulo, divide o
desenvolvimento ferroviário, até o período de elaboração de sua obra, em quatro fases:
•
primeira fase (1835 – 1852): a dos empreendimentos malogrados, que não saíram do
papel, muito embora as primeiras legislações estimulando a implantação de ferrovias, de
caráter geral ou provincial, já tivessem sido promulgadas no período;
•
segunda fase (1852 – 1880): de notáveis avanços na implantação de novas ferrovias, em
sua maioria estimuladas pelos favores de garantia de juros e de zona privilegiada;
•
terceira fase (1880 – 1902): ainda marcada pela construção de novas vias férreas com
privilégio de zona, porém com muitas empresas já dispensando a garantia de juros em
função da pujança da economia cafeeira;
•
quarta fase (1902 em diante): com a criação do Estado de São Paulo, a ferrovia
emancipando-se da proteção do Estado, tornando-se livre a construção de novas vias,
com única restrição de respeitarem-se os direitos adquiridos.
Convém assinalar que as competências das diversas instâncias de poder, na
autorização para realização de obras públicas por empresários, foram estabelecidas na Lei
José Clemente, de 29 de agosto de 1828, cabendo:
•
ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império os empreendimentos na
província da capital e interprovinciais;
•
ao Presidente do Conselho da Província as obras sob jurisdição da respectiva província
(posteriormente essa competência foi repassada às Assembléias Legislativas Provinciais
que ainda não existiam nessa data);
•
às Câmaras Municipais as implementações em cidades ou vilas.
Essa legislação foi incorporada pela República e perdura até os dias de hoje.
Coimbra (1974) divide os ciclos evolutivos de maneira convencional, isto é,
conforme períodos históricos bem definidos: Segundo Reinado, República, Revolução de
30, Pós-Guerra e Revolução de 1964.
Barat (1978) estabelece uma densa correlação entre etapas de desenvolvimento
econômico e a evolução do sistema de transporte, para cada modo, com especial ênfase
para o setor de carga.
Dourado (1981), seguindo de perto as conceituações de Barat (1978), correlaciona
o desenvolvimento ferroviário e a industrialização brasileira, dividindo o primeiro em duas
fases:
37
•
expansão (1854 – 1930): abrangendo a inauguração da primeira estrada de ferro (Praia
de Mauá – Guia de Pacobaíba, situada no atual município de Magé, ao fundo da baía da
Guanabara – RJ) e o início da industrialização do país;
•
decadência (1930 em diante): período em que a industrialização fez cair sobremaneira a
participação modal da ferrovia, tornando-a, pelas circunstâncias em que foi concebida,
obsoleta ante os novos conceitos e requisitos do transporte terrestre.
Embora não sejam suficientemente claros os motivos para delimitação de
algumas das fases desenvolvimentistas apontadas, em especial a última delas, David (1985),
referindo-se à E. F. D. Pedro II (no império), depois E. F. Central do Brasil (na República),
divide o desenvolvimento ferroviário em oito fases:
•
pré-natal: antes de 1858;
•
nascimento (1858): inauguração do trecho Estação do Campo – Queimados (na hoje
baixada fluminense);
•
infância (1858 – 1879);
•
juventude (1879 – 1910);
•
maturidade (1910 – 1930);
•
velhice (1930 - 1957): período que culmina com a criação da RFFSA, que incorpora a
E. F. Central de Brasil e 17 outras estradas de ferro;
•
morte e renascimento (1957 – 1985);
•
nova fase (1985 em diante).
Firmino e Wright (2001), analisando a evolução dos mecanismos de
financiamento não apenas para as ferrovias, mas para o setor de transporte como um todo,
desconsiderando porém o ocorrido no Segundo Reinado e na República Velha,
estabelecem os seguintes marcos temporais:
•
fase I (1930 - 1974): criação de tributos seletivos (Imposto Único sobre Lubrificantes e
Combustíveis Líquidos e Gasosos - IULCLG, Taxa Rodoviária Única - TRU, Imposto
sobre Serviços de Transporte Rodoviário Interestadual e Internacional - ISTR, etc.),
além de alguns pedágios rodoviários, com a vinculação de grande parte desses tributos
a fundos de desenvolvimento setorial;
•
fase II (1974 – 1988): gradual desvinculação setorial dos recursos gerados por tributos
seletivos, atingindo negativa e fortemente o setor de transportes;
38
•
fase III (1988 em diante): promulgação da Constituição de 1988, marcada por decisões
como a do artigo 167 que estabelece a desvinculação de receita de tributos a órgão,
fundo ou despesa (com algumas exceções como destinações compulsórias para
educação e saúde, taxas, tarifas, pedágios, contribuições de melhoria, empréstimos
compulsórios e contribuições sociais); e a extinção formal dos impostos específicos,
muito embora deixe seus sucedâneos tributários com outra denominação, na forma
jurídica de impostos gerais (TRU e IPVA, por exemplo).
Também Acioli (2005) apresenta um detalhado quadro da evolução do sistema
ferroviário brasileiro, com especial destaque para sua correlação com planos de
desenvolvimento.
Os estudos relatados anteriormente fornecem uma interessante visão do processo
evolutivo das ferrovias, porém, para o autor, existe espaço para uma nova correlação, com
ênfase à questão do financiamento e abrangendo alguns outros atributos, como ritmo de
evolução da malha, empresariedade, responsabilidade financiadora e tipo de financiamento,
conforme mostrado na tabela 9.
Alguns comentários à tabela 9 são necessários. Em primeiro lugar, é importante
ressaltar que os marcos temporais não podem evidentemente ser considerados de maneira
fixa, existindo interpenetração entre os mesmos. E mesmo sob a abrangência de um
determinado marco, há fatos que se iniciam em diferentes períodos de tempo. Contudo, em
prol da didática, optou-se por uma classificação temporal de mais fácil assimilação.
Quanto ao caráter empresarial, é importante ressaltar que por empresas públicas
estão consideradas as ferrovias sob administração direta e sob administração indireta
(estatais). Ferrovias privadas abrangem as concedidas e também as arrendatárias.
Finalmente, com relação ao financiamento dos investimentos, foi feita uma divisão entre
aqueles diretamente despendidos pelo poder público e os obtidos pela iniciativa privada,
ainda que em bancos de fomento públicos.
Nos tópicos seguintes são mais bem detalhadas as fases da tabela 9.
39
Expansão
acelerada e
generalizada
Evolução da
Caráter das empresas
malha
Expansão lenta e Essencialmente privado.
generalizada
Empresas pulverizadas e
insulares.
Empréstimos externos,
fundos setoriais e recursos
fiscais.
Empréstimos externos e
assunção de dívidas.
Garantia de juros restrita,
empréstimos externos,
emissão de obrigações e
recursos fiscais
Fundos setoriais e recursos
fiscais.
Garantia de juros e
subvenção quilométrica.
Garantia de juros.
Financiamento público
Tabela 9: Fases do desenvolvimento ferroviário brasileiro
Essencialmente privado.
Maior grau de integração pela
aquisição de pequenas
empresas pelas maiores.
República
Expansão
Público e privado (este último
Velha
acelerada e
inclui as arrendatárias). Início
generalizada
da formação de redes
regionais.
Era Vargas
Expansão lenta e Essencialmente público.
generalizada
Consolidação de redes
regionais.
Pós-Guerra e
Retração
Público. Uma rede nacional e
Regime Militar generalizada e
outra regional.
expansão seletiva
Nova
Retração
Privado. Oligopolista, porém
República
generalizada
sem concorrência entre as
empresas.
Marcos
temporais
Regência e
Início do
Segundo
Reinado
Segundo
Reinado
Fonte: Elaboração do autor.
VI
V
IV
III
II
I
Fase
40
Limitadas aquisições de
material rodante e de
certificados de frete futuro.
Emissão de obrigações e
empréstimos.
Emissão de ações e
obrigações diversas.
Capitais britânicos e norteamericanos.
Não-aplicável.
Emissão de ações e
obrigações diversas.
Capitais britânicos.
Emissão de ações e
obrigações diversas.
Capitais britânicos.
Financiamento privado
2.2.4.2.1 Detalhamento da fase I (1835 – 1873/74)
De acordo com pesquisa feita pelo autor na obra de Coruja Jr. (1886), essa fase
inicia-se, na Regência Una, com a Lei Feijó (assim denominada por ter sido assinada pelo
Regente Diogo Antônio Feijó), de 31 de outubro de 1835, que autoriza a concessão de
ferrovias unindo a capital do Império (Rio de Janeiro) às capitais das províncias de Minas
Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul, por um prazo de 40 anos. Alguns incentivos dessa lei
são a cessão de terras devolutas ou pertencentes ao governo, direito de desapropriação de
terras particulares e isenção de impostos de importação de bens e equipamentos. Tetos
tarifários de 20 réis por arroba-légua (precursora da tonelada x quilômetro útil – tku) e de
90 réis por passageiro são fixados nessa lei; sendo ainda limitado o prazo de início das
obras após a assinatura do contrato de concessão e também seu ritmo: mínimo de 5 léguas
(33km) por ano. Essa lei ainda previa multas diversas no caso do descumprimento do
pactuado.
Em função do formidável obstáculo natural representado pela Serra do Mar na
interiorização do desenvolvimento econômico, da natural opção do capital estrangeiro
(sobretudo o britânico) pela América do Norte e da pouca atratividade a investimentos
conferida pela Lei Feijó, foi promulgada, no Segundo Reinado, a Lei 641, de 26 de junho
de 1852. Esse talvez seja o mais importante diploma legal dessa fase, na medida em que
estabelecem novas e mais atrativas bases para financiamento das primeiras estradas de ferro
do País.
Destaca-se na Lei 641 a instituição da denominada garantia de juros, paga pelo
governo ao concessionário para ressarcimento do capital empregado na construção das
ferrovias. Os principais direitos e deveres dos futuros concessionários contidos nessa lei
eram os mostrados na tabela 10.
41
Direitos
a) Obtenção não-onerosa de terras governamentais e
competência para desapropriação da faixa de
domínio.
b) Uso de madeiras e outros materiais ao longo da
futura via.
c) Isenção de impostos sobre a importação de bens e
equipamentos ferroviários.
d) Isenção de impostos sobre a importação de carvão
mineral (combustível das locomotivas).
e) Exclusividade de exploração do serviço ferroviário
por 90 anos, em uma área de 5 léguas (33km) para
cada lado do eixo da via.
f) Recebimento dos cofres públicos de juros de 5%
sobre o capital empregado na construção da ferrovia.
Fonte: Coruja Jr. (1886).
Deveres
a) Fixação das tarifas de comum acordo com o
governo.
b) Redução das tarifas tão logo seja atingido um
patamar de rentabilidade a ser fixado de comum
acordo com o governo.
c) Não-emprego de escravos.
d) Prazo para início da implantação do trecho
concedido.
e) Prazo para conclusão da implantação e início da
operação do trecho concedido.
f) Pagamento de multas no caso de inadimplência
contratual.
Tabela 10: Direitos e deveres dos concessionários pela Lei 641
A tabela 10 merece as seguintes considerações adicionais:
•
os juros, além de incidirem unicamente sobre o capital empregado na construção da via
férrea, seriam pagos pelo governo quando os dividendos da empresa ferroviária
atingissem um patamar de 8%, segundo uma escala de pagamentos em função da
evolução dos referidos dividendos;
•
o impedimento de contratação de escravos deriva talvez do temor de que as ferrovias,
no seu começo, fossem capazes, de um lado, de liberar escravos que trabalhavam no
transporte de mercadorias através de um sem-número de tropas de mulas, e, de outro,
apropriar-se dessa mão-de-obra excedente. Essa situação poderia, sem sombra de
dúvida, inibir a vinda de capitais ingleses para o Brasil, especialmente depois da
humilhante decretação do Bill Aberdeen, em agosto de 1845, que, diante da insistência
brasileira em manter o escravagismo, concedia ao Almirantado inglês o direito de
aprisionar navios negreiros, mesmo em águas territoriais brasileiras, e de julgar seus
comandantes;
•
o governo imperial se reservava o direito de resgatar a concessão, mediante o devido
ressarcimento ao concessionário, e também de fiscalizar e garantir a segurança do
tráfego.
Sob o manto da Lei 641 inicia-se o processo de construção de ferrovias. Os
empreendimentos são essencialmente privados, com exceção por conta da E. F. D. Pedro
II (posteriormente E. F. Central do Brasil), onde as desavenças do governo com o os
42
responsáveis pela empreitada tornaram-se incontornáveis, forçando a extinção da
concessão.
Logo no início desta fase, em 1854, os juros de 5% garantidos por essa lei são, em
algumas províncias como Bahia (caso da E. F. Bahia ao São Francisco) e Pernambuco (caso
da E. F. Recife ao São Francisco), elevados em 2%, com o respectivo pagamento a cargo
desses entes. Essas ferrovias têm as províncias como poder concedente (Benévolo, 1953).
Essa fase dura cerca de 40 anos, indo do ano de promulgação da Lei Feijó, de
1835, até a promulgação de legislação mais liberal em 1873/74. Considerado apenas o
período que vai da inauguração da primeira ferrovia brasileira, em 1854, até a ampla
liberalização do setor (1873/74), foram construídos cerca de 1.500km de vias,
caracterizando assim uma expansão lenta do sistema ferroviário, com avanço de pouco
menos de 80km/ano.
Os investimentos externos no período 1860 – 1875 estão razoavelmente
concentrados em ferrovias (34% do total), com predominância absoluta de capitais
britânicos (94%), segundo dados de Castro (1974), citada em Dourado (1981).
2.2.4.2.2 Detalhamento da fase II (1873/74 – 1889)
Essa fase começa com a promulgação da Lei 2450, de 24 de setembro de 1873,
complementada pelo Decreto 5564, de 28 de fevereiro de 1874, que amplia e aperfeiçoa a
Lei 641 antes dissecada. Pelos novos diplomas legais são introduzidas as seguintes
modificações (tabela 11):
43
Tópico
Concorrência pública
Intermodalidade
Lei 641
Não prevista (qualquer
empreendedor poderia se candidatar
e obter uma concessão ferroviária).
Não prevista.
Garantia de juros
5% sobre o capital empregado na
construção, segundo uma escala de
pagamentos e prazo definidos caso a
caso.
Capital máximo garantido Não previsto.
Ressarcimento ao
governo de juros ou
subvenções pagos
Fiança do Império a
garantias provinciais
Subvenção quilométrica
Não previsto.
Zona de privilégio
Em zona com largura de 33km para
cada lado do eixo da via, por 90
anos.
Não prevista.
Lavra de minas
Não prevista.
Não prevista.
Participação acionária do
governo
Não prevista.
Reversibilidade de bens
Domicílio legal da
empresa
Gratuidades e descontos
tarifários
Modicidade tarifária.
Não prevista.
Livre.
Não previstas.
Não prevista.
Lei 2450 / Decreto 5564
Instituído o princípio da concorrência pública no
processo de concessionamento.
Privilegia as concessões ferroviárias que se interliguem
a hidrovias.
7% sobre o capital bona fide empregado na construção,
pelo prazo máximo de 30 anos, a empresas que
comprovassem receita líquida anual de 4% sobre o
capital empregado.
Fixado caso a caso para as concessões interprovinciais.
Fixado em cem mil contos para a soma das concessões
em cada província de que o império fosse avalista.
Quando os dividendos superarem 8%, o Tesouro
Nacional receberia um porcentual da receita líquida,
crescente com o nível de dividendos.
Até o limite de 7% para juros e até 20% para a
subvenção quilométrica.
Não excedente a 20% do capital empregado na
construção da estrada, a ser pago à medida que a esta
avance, alternativamente à garantia de juros.
Mantida.
Preferência, em igualdade de condições, para lavra de
minas, na zona de privilégio.
De até 20% do capital orçado para a construção, com
o recebimento de dividendos somente quando a
receita líquida tiver atingido 12%.
Ao término do prazo contratual.
No Império.
Para deslocamentos de tropas militares, funcionários
públicos, colonos, etc.
Redução das tarifas quando os dividendos excederem
a 12% em dois anos consecutivos.
Fontes: Coruja JR. (1886) e Benévolo (1953)
Tabela 11: Principais avanços introduzidos pelas legislações de 1873/74
Note-se, por oportuno, que a Lei Geral 2450 é na realidade uma repetição dos
preceitos da Lei 2397, de 10 de setembro de 1873 (datada de alguns dias antes portanto),
que tratava especificamente do concessionamento de uma ferrovia na província de São
Pedro do Rio Grande do Sul (atual estado do Rio Grande do Sul).
Essa legislação é complementada e atualizada pelo Decreto 6995, de 10 de agosto
de 1878, que, dentre outras coisas, explicita alguns deveres e direitos do governo e do
concessionário, restringe as subvenções e garantias no caso de alterações do projeto
original, estabelece condições de caducidade, reduz de 30km para 20km a largura da zona
de privilégio (para cada lado do eixo), fixa normas operacionais diversas, impõe as
condições de resgate da concessão pelo governo, aumenta a participação do governo nos
eventuais lucros da ferrovia (que cessa tão logo tenham sido embolsados os juros ou
subvenções pagos), fixa a taxa de câmbio para o capital externo, etc.
44
Outro ponto notável deste último decreto é a instituição da arbitragem para
solução de conflitos (algo recentemente reincorporado à ordem jurídica brasileira), da
seguinte forma:
•
dirimição de dúvidas ou conflitos contratuais: três árbitros, sendo um de cada parte e
um terceiro escolhido de comum acordo;
•
dirimição de dúvidas ou conflitos técnicos: quatro árbitros, dois de cada parte;
•
dirimição de direitos e deveres em geral: o mais antigo membro do Conselho de
Estado.
Essa fase vai de 1873 a 1889, ano da proclamação da República, quando há uma
forte resistência governamental à continuação das garantias e subvenções, sobretudo da
parte do novo ministro da Fazenda, Rui Barbosa. Além disso, como será visto no
detalhamento da fase III, algumas ferrovias paulistas desistem da garantia de juros para não
terem que partilhar lucros com os governos imperial e provincial.
Contudo é inegável o crescimento da malha nesse período, que passa dos
1.500km da fase anterior para 9.900km, com empreendimentos essencialmente privados,
perfazendo um avanço de mais de 500km/ano (contra cerca de 80km/ano da fase
anterior), algo notável ainda hoje em dia, sobretudo diante dos padrões tecnológicos
empregados na construção das ferrovias da época.
Nessa fase inúmeras ferrovias destacam-se por sua rentabilidade, em especial as
ligadas à cafeicultura, que proporcionam enorme lucratividade a seus acionistas.
Os investimentos externos no período 1875 – 1885 estão fortemente
concentrados em ferrovias (59% do total), com predominância absoluta de capitais
britânicos (88%), segundo dados de Castro (1974), citado em Dourado (1981).
Destaca-se, ainda, nesta fase II, o indiscutível papel que a cultura cafeeira trouxe
ao desenvolvimento ferroviário, com a malha ferroviária paulista tendo alcançado 2.300km
(23% do total) em 1889. Se a esse valor for acrescida quilometragem de muitas ferrovias em
solo fluminense (o vale do Paraíba, na região de Vassouras era também importante pólo
cafeicultor), muito provavelmente se chegaria a um valor de 40% da malha ferroviária
brasileira gravitando ao redor desse produto agrícola, na passagem do Império para a
República.
45
2.2.4.2.3 Detalhamento da fase III (1889 – 1930)
Essa fase tem início com a proclamação da República, em 1889. A partir daí,
vários fatos marcam o setor ferroviário de forma indelével, tornando esse período muito
diferente dos anteriores.
Diversos fatores contribuíram para esse novo cenário. Supersafras de café,
ocorridas em 1896, 1901 e 1906, produziram um desastre. Em 1901, o Brasil produziu 16
milhões de sacas, quando o consumo mundial era de 15 milhões, tendo como resultado a
queda nos preços do produto e a falência de muitos fazendeiros. Ademais, recursos do
Tesouro Nacional foram utilizados para aquisição dos estoques de café a preços superiores
aos de mercado, com claros reflexos nas finanças públicas (Bueno, 2003).
Outro fator produtor de reflexos negativos na economia foi o fenômeno
conhecido como encilhamento, tido por Bueno (2003) como um dos mais desastrosos
deslizes da política econômica do Brasil em todos os tempos, fato que tem origem na
equivocada atuação do primeiro ministro da Fazenda, Rui Barbosa. Em 1891, a especulação
financeira atingiu níveis estratosféricos e redundou na falência de inúmeras empresas,
desvalorização cambial e inflação. Ainda segundo aquele jornalista e historiador, a dívida
externa, fruto dos eventos antes relatados, disparou e foi outro fator desestabilizador da
economia, passando de 30 milhões de libras em 1890, para 44 milhões em 1900 e para 144
milhões em 1913.
É claro que as ferrovias não poderiam atravessar essa crise incólumes, sobretudo
diante do fato de que muitas estradas de ferro foram mal projetadas e mal construídas,
desconectadas entre si, com bitolas diferentes, gerando um custeio elevado e apresentando
déficit financeiro crônico, fruto principalmente de estudos de viabilidade econômica
incorretos ou mesmo inexistentes (Telles, 1994). Segundo o jornal britânico The
Economist, em sua edição de 25 de junho de 1898, apenas duas das cerca de doze empresas
ferroviárias britânicas operando no Brasil apresentaram lucros e mesmo assim modestos
(Topik, 1992). Esse mesmo autor sustenta que, em 1912, o working ratio (despesa sobre
receita) das ferrovias era de 82%, passando para 98% em 1919.
Portanto, como elemento marcante desta fase, já em termos ferroviários, tem-se,
em primeiro lugar, a intervenção direta do governo no sistema ferroviário, com o resgate de
ferrovias, antes privadas, que vinham obtendo maus resultados operacionais. Esse processo
inicia-se com E. F. São Paulo e Rio de Janeiro, em 1890, prosseguindo com o resgate da E.
46
F. Dona Tereza Cristina (Santa Catarina) e E. F. Santa Maria ao Uruguai (Rio Grande do
Sul), em 1903. Em seqüência, novas estatizações ocorrem, algumas delas mediante a
aglutinação de pequenas ferrovias sob a forma de malha. Em 1911, pertenciam ao governo
federal a E. F. Central do Brasil, a E. F. Oeste de Minas (MG), a E. F. Cruz Alta ao Ijuhy
(RS), e a Rede Sul Mineira. O processo de estatização prossegue com a criação da Rede de
Viação Cearense (1913) e da Rede de Viação Férrea da Bahia (1918).
Essa aglutinação visou, de um lado, integrar pequenas ferrovias regionalmente
procurando-se ganhos de escala, e, de outro, permitir o subsídio cruzado entre trechos mais
rentáveis e menos rentáveis. Assim, várias ferrovias resgatadas passam então a ser
administradas pelo governo e outras de maior potencial financeiro são arrendadas a
empresas privadas. A situação da titularidade das ferrovias, nesta Fase III , é mostrada na
tabela 12 (Topik, 1992).
Ente
Governo federal
Governos estaduais
Iniciativa privada
Propriedade (%)
1889
1914
1930
34
53
59
08
09
66
39
32
Gestão operacional (%)
1889
1914
1930
34
18
29
2
23
66
80
48
Fonte: Topik (1992).
Tabela 12: Titularidade e gestão operacional das ferrovias no período 1889 - 1930
Observa-se na tabela 12 um curioso fenômeno: embora a propriedade das
ferrovias tenha sido paulatinamente assumida principalmente pelo governo federal através
de resgates, esse fato não se verificou plenamente na gestão operacional. A explicação para
tal fato advém dos arrendamentos de ferrovias encampadas a empresas privadas, que em
geral envolviam redes regionais.
A importância e as origens desse processo de arrendamento, que em 1914
abrangia mais de 40% de toda a malha ferroviária, não ficam contudo suficientemente
claras sem que se recorra à questão da garantia de juros. Essas garantias alcançavam
enormes somas, chegando a representar 30% do orçamento federal de 1898. As razões para
o decréscimo das garantias de juros, em abrangência da malha e volume de recursos
públicos a elas alocados, devem-se não somente às restrições de sua cessão a novas
ferrovias, como principalmente ao fato de que em muitos casos era mais barato contrair
um empréstimo externo para encampar uma ferrovia e em seguida arrendá-la à iniciativa
privada, do que seguir pagando as referidas garantias. Como exemplo, tem-se que em 1906
47
o presidente Rodrigues Alves resgatou 2.135km de ferrovias privadas, com empréstimo
inglês, cujos juros eram inferiores aos das garantias (7% em média), economizando 380.000
libras por ano (Topik, 1992).
Note-se, porém, que nesta fase não foram eliminados subsídios a novas ferrovias.
O Decreto 8.532, de 25 de janeiro de 1911, permite a concessão de subvenções
quilométricas fixas (em função da bitola) para ferrovias ditas coloniais, destinadas a
interligar pólos de imigração.
Assim, como fato marcante desse período, tem-se a prática generalizada de
emissão de apólices da dívida pública e a contração de empréstimos externos para resgate e
financiamento dos orçamentos de capital e custeio das empresas ferroviárias do governo. A
tabela 13 mostra a situação dos juros pagos por empréstimos feitos pelo Brasil para
investimentos em ferrovias, fornecidos pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em 1928.
Nessa mesma época, obrigações ferroviárias do governo pagavam aos investidores cerca de
7% a.a. (BFC, 1928).
Data do empréstimo
1883
1895
1908-1909
1922
Discriminação
Juros anuais (%)
Vias férreas
4,5
E. F. Oeste de Minas
5,0
E. F. Itapura - Corumbá
5,0
E. F. Vitória a Minas
5,0
Fonte: BFC (1928).
Tabela 13: Empréstimos externos do Brasil em 1928
Ainda com relação à garantia de juros, e em termos de fatos ferroviários
marcantes da Fase III, tem-se um interessante movimento reverso de fluxo monetário, com
o governo recebendo de volta os juros pagos a ferrovias muito rentáveis, como as de São
Paulo. Por esse viés, algumas ferrovias paulistas, como a Santos a Jundiaí, a Paulista e a
Mogiana desistem da garantia de juros, uma vez que suas altas rentabilidades as obrigavam
a partilhar os lucros com o governo, a título de ressarcimento de garantias de juros já pagas.
O caso da E. F. Santos a Jundiaí é exemplar nesse aspecto: inaugurada em 1867,
necessitou de garantias até 1889, período a partir do qual a repartição de lucros com o
governo, dos lucros excedentes a 8% como regia o contrato, tornou-se desinteressante. Até
1874, essa ferrovia recebeu dos cofres públicos o equivalente a 518.433 libras esterlinas;
entretanto, de 1874 a 1889, pagou ao governo o equivalente a 934.457 libras esterlinas,
gerando um saldo para as finanças públicas equivalente a 416.014 libras esterlinas. Esse
48
saldo foi rateado entre os governos provincial e imperial, na proporção de 5/7 e 2/7,
respectivamente, tendo em vista que 5% da garantia de juros eram pagos pelo governo
provincial e 2% dessa mesma garantia eram pagos pelo governo central (Benévolo, 1953).
Outro mecanismo de financiamento interessante posto em prática nesta fase foi o
derivado do Decreto 1.126, de 15 de dezembro de 1903, que permitia que o pagamento aos
empreiteiros de ferrovias fosse feito através de títulos da dívida pública, remunerados a
taxas de 5% a.a. em moeda corrente ou a 4% a.a. em ouro, com amortizações de 0,5% a.a.,
caso da E. F. Madeira – Mamoré, da E. F. Noroeste, etc. (Coimbra, 1974).
Embora situados mais no campo político, porém intimamente relacionados à
questão ferroviária, dois outros fatos são característicos desta Fase III: o nacionalismo e o
sindicalismo.
O nacionalismo, iniciado muitos anos antes, com os movimentos liberatórios do
julgo português e depois com a independência, e consolidado nas campanhas militares para
manutenção da unidade nacional, sobretudo com Caxias, e ainda animado pela Primeira
Grande Guerra, volta-se contra a formação de oligopólios ferroviários, como os da
Brazilian Railway (BR), Leopoldina Railway e Great Western, que no início do século XX
chegaram a operar 60% da malha ferroviária brasileira, através de sucessivas fusões,
aquisições e arrendamentos. O temor das práticas oligopolistas dessa empresas, juntamente
com o começo dos investimentos estrangeiros em setores mais rentáveis da economia
brasileira, como indústria e serviços públicos, tiveram papel importante no resgate de
empresas no pós-guerra.
O movimento sindical brasileiro, por sua vez, teve talvez sua primeira grande
mobilização quando da recusa em se permitir que a E. F. Central do Brasil fosse arrendada
à iniciativa privada, como queria o Marechal Deodoro. Esse movimento contagiou o
congresso, constituído de cafeicultores que temiam a elevação das tarifas e postaram-se
também contra a medida. O presidente, diante desse fato, fechou essa casa legislativa,
tendo no entanto que enfrentar um movimento grevista de 14.000 ferroviários (que
equivalia a cerca de 2/3 do efetivo das forças armadas), que acabou vencedor.
Os investimentos externos no período 1886 – 1913 deixam de estar fortemente
concentrados em ferrovias (variando entre 16 e 37% no período), com a predominância
absoluta de capitais britânicos deixando de existir, fruto da entrada do capitalismo norteamericano em cena, segundo dados de Castro (1974), citada em Dourado (1981).
49
No período de 1889 a 1930 a malha ferroviária brasileira passa de 9.900km para
32.500km, num avanço de cerca de 450km/ano, semelhante portanto ao também notável
ciclo evolutivo da Fase II (500km/ano). Um detalhado panorama das ferrovias em 1926 é
mostrado na tabela 14 (Brazil Ferro-Carril, 1928). A Fase III encerra-se com a
industrialização, sobretudo com um dos seus principais vetores: o rodoviarismo.
Titularidade da União
23.474km
(75%)
Propriedade do governo federal
18.686km
(60%)
Administração
Arrendadas
direta ou indireta
Estados
Particulares
9.160km
(29%)
4.244km
(14%)
5.280km
(17%)
Titularidade dos Estados
Concedidas
7.858km
(25%)
Administração
Concedidas
direta ou indireta
4.787km
(15%)
Com
garantia de
juros
2.335km
(7%)
Sem
garantia de
juros
2.451km
(8%)
1.947km
(6%)
5.910km
(19%)
Obs.:
a) todos os percentuais referem-se ao total geral.
b) n.d.: não disponível.
Fonte: BFC(1928).
Tabela 14: Situação institucional e empresarial das ferrovias brasileiras em 1926
2.2.4.2.4 Detalhamento da fase IV (1930 – 1960)
Essa fase, na realidade, não começa exatamente com a Revolução de 30, mas um
pouco antes, ainda no governo de Washington Luís, cuja lema era: “governar é abrir
estradas”, de rodagem, porém. De qualquer modo, o ano de 1930 é tido por muitos autores
(Barat, 1978; Dourado, 1981; David, 1985; e novamente Barat, 1991) como um marco
temporal no declínio ferroviário nacional.
Nessa fase, que vai desde 1930 a 1960, abrangendo a era Vargas e um breve
período do pós-guerra, a malha ferroviária passa de 32.500km para um máximo de
38.340km, atingido no início dos anos 60 (Barat, 1991). Isso significou um avanço de
apenas 170km/ano, contra os cerca de 500km/ano verificados nas Fases II e III,
configurando o caráter de expansão lenta (relativamente às fases de maior expansão)
explicitado na tabela 2, retro.
Nesta Fase IV, praticamente todas as ferrovias que ainda restavam sob controle
privado, seja sob a forma de concessão integral, seja pela de arrendamento, vão sendo
absorvidas ou retomadas pelos governos federal e dos estados, em função de seus
desempenhos financeiros inadequados. Está definitivamente estabelecida a competição
50
com o modo rodoviário, fruto não só de importantes e novos mecanismos de
financiamento para expansão da malha viária, como também da importação de veículos em
larga escala e da implantação da indústria automobilística (Geipot, 1980; p. 15). A tabela 15
ilustra o desenvolvimento desse sistema, em termos de expansão física (Ferreira Neto,
1974).
Extensão da malha rodoviária
Não-pavimentada
Pavimentada
800
0
120.000
300
275.000
1.000
341.000
3.000
500.000
15.000
Ano
1922
1932
1942
1952
1962
Número de
veículos
42.000
135.000
197.000
630.000
1.340.000
Fonte: Ferreira Neto (1974).
Tabela 15: Expansão física do modo rodoviário
As ferrovias não estavam preparadas para este tipo de competição, sobretudo
com o caminhão, cujo número pula de 1.500 em 1930 para 400.000 em 1965. Os maus
resultados financeiros vieram em seguida. A evolução das taxas de cobertura (receitas totais
sobre despesas totais) nesta Fase IV está mostrada na figura 10, onde pode ser claramente
vista a deterioração de suas finanças.
Fonte: Elaboração do autor com base em IBGE (2003).
Figura 10: Evolução da taxa de cobertura (%)
É importante ressaltar que o decréscimo das taxas de cobertura financeiras se deu
mesmo com o aumento da carga transportada, que variou de 19 milhões de toneladas em
1930 para 54 milhões de toneladas em 1964 (IBGE, 2003). Isso demonstra que, embora
51
transportassem mais, o caminhão transportava muito mais ainda (tabela 16), com grande
avanço na carga geral, tradicionalmente de maior rentabilidade que as que permaneceram
sendo tipicamente ferroviárias (granéis, produtos siderúrgicos, etc.), pelo seu maior valor
agregado e pelo correspondente afretamento ad valorem.
Ano
Rodoviário
53,1
56,5
57,2
58,6
61,6
65,3
1953
1955
1957
1959
1961
1963
Ferroviário
21,7
18,4
18,2
19,1
17,5
16,5
Aeroviário
0,2
0,2
0,2
0,2
0,1
0,1
Hidroviário
25,0
25,6
24,4
22,1
21,1
15,2
Fonte: IBGE (2003).
Tabela 16: Distribuição modal no período 1953 – 1963 (%)
Em que pese, contudo, o novo ambiente concorrencial, as ferrovias conseguiram
ampliar, ainda que de forma modesta, sua produção e extensão, em especial através de
ligações estratégicas, destinadas à interligação norte-sul da malha. Essas novas vias, em
especial o Tronco Principal Sul, conectando São Paulo ao Rio Grande do Sul, tinha por
objetivo possibilitar a eventual movimentação de tropas rumo à fronteira com a Argentina,
e também possibilitar uma alternativa à navegação de cabotagem, que teve diversos navios
torpedeados por submarinos alemães durante a Segunda Guerra. Em paralelo, começaram
os trabalhos de capacitação da E. F. Vitória a Minas, cuja construção teve início em 1903, e
que passou a ganhar extraordinária importância para o escoamento de minério de ferro
com a criação da Cia. Vale do Rio Doce, fruto dos acordos de Washington em 1942.
Em 1957 é criada a Rede Ferroviária Federal S. A., fruto da absorção de 17
estradas de ferro de propriedade do governo federal, às quais se somariam, alguns anos
depois, duas outras ferrovias sob controle do Estado do Rio Grande do Sul. O poder
acionário dessa empresa é divido entre governo federal (87%), governos estaduais (10,2%)
e municípios (2,6%), conforme Ferreira Neto (1974). Essa reorganização do setor, em
busca de maior eficiência, foi fruto de estudos iniciados pela Comissão Brasil EstadosUnidos para o Desenvolvimento Econômico, de 1950.
A RFFSA conseguiu imprimir padronizações técnicas e operacionais à sua malha,
estabelecendo práticas que até hoje são utilizadas pelas concessionária que a sucederam. Do
momento de sua criação (1957), quando passou a contar com em efetivo da ordem de
150.000 empregados, até o período de sua privatização (1996/1998), a RFFSA conseguiu
52
triplicar o volume de carga transportada e reduzir seu efetivo em um terço, denotando
grande incremento de produtividade.
Cabe ressaltar que foi na década de 50 que começaram as operações de crédito do
então BNDE (criado em 1952 e hoje com a letra S em sua sigla) às ferrovias do governo
federal, tendo esse processo se beneficiado inicialmente malhas regionais ou estradas
importantes como a Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, Viação Férrea Federal Leste
Brasileiro, Rede de Viação Cearense, E. F. Central do Brasil e E. F. Leopoldina. Parte dos
recursos foram aplicados já sob gestão da também recém-criada RFFSA.
O descompasso entre receitas e despesas ferroviárias, contudo, prossegue,
levando a um quadro de reorganização, tema da próxima fase.
2.2.4.2.5 Detalhamento da fase V (1960 – 1990)
Na Fase V é posto em prática um audacioso plano de eliminação de ramais
antieconômicos, iniciado com Jânio Quadros em 1960 e prosseguido pelo Regime Militar
até a década de 80, que encolhe a malha da RFFSA em cerca de 8.000km, caracterizando
assim uma retração generalizada (IBGE, 2003).
No início desta Fase, entretanto, um ambicioso esquema de fortalecimento
ferroviário chegou a ser concebido, com a Lei 4102, de 20 de julho de 1962, criando o
Fundo Nacional de Investimentos Ferroviários – FNIF, composto por uma alíquota de 3%
da receita tributária da União e das taxas de melhoramentos, estas últimas fruto do DL
7.632, de 1945, ratificado pelo Decreto 55.651, de 29 de janeiro de 1965.
O Regime Militar, no entanto, modificou esse mecanismo (que não chegou a
sequer a vigorar) com o DL 615, de 09 de setembro de 1969, que estabeleceu o Fundo
Federal de Desenvolvimento Ferroviário, essencialmente composto pela participação da
RFFSA no IUCLG (8%) e por 5% do imposto de importação, sendo que a primeira das
fontes de recursos já havia sido prevista no DL 343, de 28 de dezembro de 1967, porém a
título de aumento de capital da RFFSA.
Essa situação mais uma vez seria alterada, em 1974, com a criação do Fundo
Nacional de Desenvolvimento, canalizador de recursos anteriormente vinculados a
aplicações setoriais (Barat, 1991). Posteriormente, em 1984, o DL 2178 transfere as dívidas
da RFFSA para o tesouro nacional, juntamente com a transferência dos sistemas de trens
53
de subúrbio para a recém-criada Cia. Brasileira de Trens Urbanos – CBTU, lançando assim
as bases para uma empresa auto-sustentável (Castro, 1999).
Alguns vultosos empreendimentos de caráter seletivo são implantados, em
especial aqueles ligados à exportação de minério de ferro ou ao Plano Siderúrgico Nacional,
tais como a E. F. Carajás, a Ferrovia do Aço e a capacitação da E. F. Vitória a Minas. Para
esta última, os investimentos iniciais incluíam não só uma capacitação para transporte de 20
milhões de toneladas, como modernização das minas do Quadrilátero Ferrífero e a
construção do porto de Tubarão (Coelho e Setti, 2000).
O Banco Mundial inicia sua participação no setor ferroviário de carga em 1970,
ao apoiar o projeto de capacitação da RFFSA no transporte de minério de ferro da
mineradora MBR, em Minas Gerais, atualmente feito pela MRS Logística (Cellier, 2002).
Essa participação foi ampliada nas obras dos corredores de exportação do Paraná e de
Minas Gerais, da mesma RFFSA, nos anos 80.
Segundo Lacerda (2002), também o BNDES teve um ativo papel no fomento da
atividade ferroviária. No final da década de 60, assinou-se acordo entre o BNDES e a
RFFSA para realização de um programa de investimentos no triênio 1968-70, envolvendo
R$ 400 milhões. O acordo foi renovado para o triênio 1971-73, com desembolsos de R$
390 milhões. Ele possibilitou adquirir duzentos vagões para transporte de minério e 147
vagões graneleiros; esses últimos se destinavam a escoar safras agrícolas pela Viação Férrea
do Rio Grande do Sul e pela Rede de Viação Paraná–Santa Catarina, mediante recursos
próprios do BNDES e recursos do Fundo Especial de Desenvolvimento Agrícola
(Fundag). A partir do final da década de 70, o BNDES passou a apoiar um extenso
programa da RFFSA para recuperar e modernizar a malha ferroviária, com contrapartidas
aos investimentos do BIRD nos corredores de exportação citados no parágrafo anterior e
nas obras de conclusão da Ferrovia do Aço.
Ainda segundo Lacerda (2002) também a Fepasa, criada em 1971 com a fusão de
cinco ferrovias estaduais (Paulista, Sorocabana, Mogiana, Araraquara e São Paulo–Minas),
recebeu financiamentos do BIRD e do BNDES para recuperação e modernização de sua
malha. A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) obteve o primeiro financiamento do
BNDES para obras ferroviárias em 1961, visando a adquirir trilhos e demais materiais para
a E. F. Vitória a Minas. Nos anos 80, o BNDES financiou parcialmente a construção da
Estrada de Ferro Carajás.
54
Em 1979, o DL 1.691, de 02 de agosto, destina todos os recursos do IUCLG (e
também a arrecadação da taxa rodoviária única) a programas energéticos destinados a
tornar o país menos vulnerável a crises de petróleo ocorridas alguns anos antes, como o
Pró-Álcool, Programa de Desenvolvimento de Carvão, etc., enfraquecendo ainda mais a
RFFSA.
No final da década de 80, tanto a Fepasa quanto a RFFSA ficaram inadimplentes
com o BNDES, em parte porque seus controladores (governo federal e estado de São
Paulo), diante de crises financeiras, não puderam manter os pagamentos de normalização
contábil (ressarcimento pelos cofres públicos de atividades não-lucrativas exercidas pelas
ferrovias) previstos. Como conseqüência, o Banco interrompeu seus desembolsos, o que
levou aquelas duas empresas a não mais terem capacidade de investimento.
Destaca-se o fato de que nesta Fase V, a substituição de ramais antieconômicos
por ferrovias transportadoras de minério de ferro susta o processo de declínio da
participação modal da ferrovia, que obtém razoável acréscimo no período 1960 – 1990, ao
variar de 18% para 23%, isto é, de 44 milhões para 215 milhões de toneladas,
respectivamente (IBGE, 2003). O minério de ferro, sobretudo o de exportação, passa a ser
o carro-chefe do transporte ferroviário, sendo responsável por quase 70% do total de
cargas transportadas (Marques, 1996).
Um resumo dos investimentos federais em rodovias e ferrovias, durante a Fase
IV, a partir de detalhado levantamento de Ferreira e Malliagros (1999) é mostrado na figura
11.
Fonte: Ferreira e Malliagros (1999).
Figura 11: Investimentos federais 1960 - 1990
55
Os dados da figura 11 mostram que não seria correta a tese, comumente
divulgada aliás, de que o governo federal teria preterido, de maneira desproporcional, as
ferrovias em favor das rodovias. A soma de todos os investimentos rodoviários entre 1960
e 1990 (Fase IV) perfaz R$39,5 bilhões (base 1995), enquanto que o corresponde valor na
área ferroviária monta a R$34,8 bilhões de reais (base 1995), implicando numa diferença
inferior a apenas 14% em favor das rodovias.
2.2.4.2.6. Detalhamento da fase VI (1990 - ?)
Esta fase, que se inicia em 1990, tem relação direta com o quadro econômico do
de algumas décadas anteriores, da qual é expoente a de 1980 a 1990, tida por muitos
economistas como a década perdida. Nos anos que antecedem esta Fase VI são observados
inúmeros problemas econômicos estruturais, tais como o desequilíbrio das finanças
públicas, a incapacidade privada de levar adiante projetos relevantes, crises de petróleo (a
de 1973, elevando o barril de petróleo de U$ 2,5 para U$ 14; e a de 1979, quando o barril
atinge US$ 35), moratória da dívida externa mexicana (em 1982, gerando aversão do capital
externo ao risco de países emergentes), sucessivos planos econômicos (Plano Bresser,
jun/87; Plano Verão, jan/89; Plano Collor I, abr/90; Plano Collor II, fev/91), altas taxas
inflacionárias, etc. Esses problemas econômicos iriam influir de forma decisiva na
reestruturação da maior parte dos serviços de infra-estrutura no Brasil.
Na RFFSA, os explosivos déficits financeiros, crescentes a cada ano até o pico de
1985, decorreram da estrutura de sua estrutura de financiamento dos investimentos: em
1980, as operações de crédito participavam com 67% das aplicações; em 1984, estas
ascenderam a 71%. Ainda no contexto das políticas monetárias do governo federal no
combate à inflação, o controle dos níveis tarifários provocou verdadeira erosão dos preços
praticados pelas ferrovias. A partir de 1982, isso ocasionou perdas reais nas receitas das
empresas e, na RFFSA, ônus adicionais para o Tesouro. Nessa empresa, no transporte de
cargas, recuperações dos preços médios por TKU havidas em 1984 e 1985 foram anuladas
em 1986. Desde então os preços médios decresceram (Marques, 1996).
Com base em dados desse último autor, mostra-se, através da figura 12, que as
finanças da RFFSA eram críticas, como também as da Fepasa, esta última dificultada pela
diminuição do transporte (7,3 bilhões de tku em 1985 para 6,4 bilhões de tku em 1994),
enquanto que na RFFSA houve um ligeiro acréscimo da produção de transporte (37,2
56
bilhões de tku em 1985 para 39,5 bilhões de tku em 1994); demonstrando, neste último
caso, que o aumento da produção, por si só, não foi capaz de reverter um grave quadro de
degradação operacional.
Fonte: Marques (1996).
Figura 12: Coeficiente de exploração da RFFSA
De acordo com Estachi et alli (2001), as obrigações de universalidade na
prestação de serviços, quase sempre de motivação política enfraqueceram essas duas
ferrovias, impedindo que nesses casos os fretes se situassem acima dos custos variáveis. O
baixo nível de investimento e manutenção de vias e materiais rodantes tornaram-se sérios
obstáculos à auto-sustentablidade. Em 1994, RFFSA e Fepasa obtiveram receitas de fretes
bastante altas em termos continentais (4.7 e 6.7 centavos de dólar por tku, contra, por
exemplo, 2,7 centavos de dólar por tku obtidos pela Conrail, norte-americana), refletindo
fraca competição intramodal. Esses altos fretes, contudo, não estavam associados a uma
posição financeira sólida, demandando no caso da RFFSA subsídios de mais de US$ 250
milhões/ano, e uma dívida (inclusive com fundos de pensão) de US$ 3 bilhões ao final de
1995.
Ainda segundo Marques (1996), menção específica deve ser feita ao pesado
endividamento da Fepasa, gerado pela tomada de recursos nas mais diversas modalidades
de operações financeiras, nacionais e internacionais, para a implementação de projetos e
aquisições de material rodante. A partir de 1982, entrou a Fepasa no ciclo infernal da
rolagem da dívida, o qual exigiu desembolsos superiores a US$ 300 milhões anuais. Em
dezembro de 1986, a dívida total apurada (principal, juros e encargos financeiros) atingiu
US$ 1,8 bilhões, passando para US$ 2,7 bilhões em 1994. Essa dívida da Fepasa tinha uma
configuração que, certamente, estava muito além da capacidade financeira da empresa para
honrá-la.
57
Diante desse quadro, o governo Collor, buscando a maior participação do capital
privado no financiamento e na gestão dos serviços de transporte, incluiu, pelo Decreto no
473/92, a RFFSA no Programa Nacional de Desestatização (PND), instituído pela Lei no 8
031/90, algo que em 1997 foi estendido à Fepasa, após sua federalização, porém já no
governo Fernando Henrique Cardoso.
O BNDES, como gestor do PND, contratou uma associação de consultores para
estudar e formular o modelo de concessão. A RFFSA se viu dividida em seis malhas
regionais: Malha Sudeste, Malha Centro-Leste, Malha Sul, Malha Oeste, Malha Nordeste e
Ferrovia Tereza Cristina. O processo de transferência para a administração e operação
privada teve início em 1996, com a concessão das malhas do sistema RFFSA, e terminou
em 1999, com a concessão da Fepasa. No caso da CVRD, quando esta foi privatizada,
transferiram-se também as concessões da malha da Vitória–Minas e da Carajás (Lacerda,
2002).
Um resumo do processo de privatização é mostrado na tabela 16, a partir de
dados de Estachi et alli (2001).
Item
Oeste
Centro Leste
Sudeste
Tereza
Cristina
20/09/96
01/12/96
3
MRS Logística
(MRS)
22/11/96
01/02/97
1
Fer. Teresa
Cristina (FTC)
CSN, MBR e
Usiminas
Banco
Interfinance,
MGE e Sta.
Lúcia
888,9
Leilão
Transferência
Proponentes
Concessionária
05/03/1996
01/07/96
n.d.
Fer. Novoeste
(FNV)
Principais
acionistas
Noel Group
Preço mínimo
(R$)
Proposta
vencedora (R$)
Ágio (%)
Pagamento a vista
(% preço mínimo)
Carência sobre o
restante (anos)
Parcelas restantes
(trimestres)
60,2
14/06/96
01/09/96
2
Fer. Centro –
Atlântica
(FCA)
Mineração
Tacumã,
Ralph
Partners e
Judori
316,9
62,4
316,9
3,5
10%
Sul
Nordeste
Paulista
13/12/96
01/03/97
4
Ferrovia SulAtlântica
(FSA)
Ralph
Partners e
Judori
18/07/97
01/01/98
4
Cia. Fer. do
Nordeste
(CFN)
CSN, ABS,
Taquari e
CVRD
10/11/98
01/01/99
2
Ferrovia
Bandeirantes
(Ferroban)
CVRD
16,6
158,0
11,5
233,4
888,9
18,5
216,6
15,7
245,0
0
20%
0
30%
11,3
10%
37,1
20%
37,9
20%
4,9
20%
2
2
1
2
2
3
2
112
112
116
112
112
108
112
Fonte: Estachi et alli (2001).
Tabela 16: Quadro-resumo do processo concessional brasileiro
Esse quadro institucional sofreu substanciais alterações ao longo dos últimos
anos, como por exemplo:
58
•
a Ferrovia Novoeste - FNV, juntamente com parte mais central da Ferroban (antigas
malhas da Paulista e da Araraquarense) e com a Ferronorte formaram o conglomerado
Brasil Ferrovias, recentemente adquirido pela América Latina Logística - ALL;
•
a Ferrovia Centro – Leste, através de descruzamento de ações entre CSN e CVRD, e
alteração no limite da participação acionária (20% originalmente), passou a ter esta
última empresa como acionista majoritário;
•
a MRS Logística, em função da aquisição da MBR e da Ferteco pela CVRD, também
passou a ter esta última como acionista majoritário;
•
a Ferrovia Sul-Atlântica passou a se denominar América Latina Logística – ALL, em
função de aquisição de duas ferrovias argentinas (Ferrocarril Mesopotamico – FMGU e
Buenos Aires al Pacífico – BAP; posteriormente, após associação com o transportador
rodoviário Delara, do Paraná, teve sua denominação mudada para All-Delara;
•
a Cia. Ferroviária do Nordeste, através de descruzamento de ações entre CSN e CVRD,
determinado pelo órgão regulador (ANTT), passou a ter a primeira dessas empresas
como acionista majoritário;
•
a Ferroban cedeu boa parte de sua malha original, através de acordos operacionais, à
ALL-Delara (antiga malha da Sorocabana) e à FCA (antiga malha da Mogiana), tendo
sido incorporada à Brasil Ferrovias, e esta à ALL.
O quadro atual mostra, portanto, uma forte participação da CVRD no setor
ferroviário, controlando direta ou indiretamente a E. F. Carajás - EFC, a E. F. Vitória a
Minas - EFVM, a Ferrovia Centro-Atlântica – FCA e a MRS Logística, que, juntas,
respondem por 87% da produção nacional de transporte ferroviário de cargas (momento
de transporte), de acordo com cálculos do autor com base em dados do SIADE (Sistema
de Acompanhamento do Desempenho das Concessionárias), mantido pelo ministério dos
Transportes. Com a forte demanda sobre o minério de ferro e as expressivas encomendas
de vagões da CVRD nos mercados interno e externo, de 2.782 vagões e 105 locomotivas
em 2002 e de 2.370 vagões em 2003 (RF, 2003), a tendência é que a participação dessa
empresa rapidamente ultrapasse o patamar de 90% do transporte ferroviário no país.
Com esse processo de fusões e aquisições, espera-se a redução da inadimplência
de algumas ferrovias, em termos de produção de transporte ou de redução de acidentes,
itens de controle de desempenho contratuais, como a Ferrovia Novoeste, a Ferrovia
Centro-Atlântica, a Cia. Ferroviária do Nordeste e as Ferrovias Paraná (Ferroeste).
59
A essa questão da inadimplência deve se somar ainda outro problema igualmente
agudo, o do abandono ou supressão do tráfego em trechos de baixa densidade de tráfego,
que segundo Toller-Gomes (2003) atingia 7.000km de linhas, ou cerca de 30% da malha
concedida, extensão que equivale a da supressão de ramais antieconômicos da Fase V.
O principal agente de financiamento do setor ferroviário privado vem sendo o
BNDES, existindo porém restrições desse banco à liberação de mais recursos pela falta de
garantias dos concessionários, uma vez que a quase totalidade dos bens operacionais dessas
empresas são reversíveis à União findo o prazo concessional.
2.3 RESUMO
Forjadas na revolução industrial do século XIX, as ferrovias de uma forma geral e
as de carga de maneira específica, assim como inúmeros produtos fabris, apresentam um
ciclo vital formado por nascimento (introdução), crescimento, estagnação e declínio.
Seu vigoroso crescimento, que propiciou a existência de uma malha de cerca de
1.600.000 km em 1917, teve como pilar central a existência de tração mecânica (locomotiva
a vapor) para o transporte terrestre, em substituição à tração animal.
A estagnação e o declínio das ferrovias de carga, dentre outros motivos, foram
grandemente abaladas por dois fatores básicos:
•
o surgimento dos veículos rodoviários no século XX, que revolucionou a mobilidade
de cargas e pessoas, tal qual a ferrovia o fizera no século XIX;
•
os maus resultados financeiros da gestão ferroviária, fruto do processo anárquico com
que as ferrovias foram implantadas, muitas vezes fomentado pelo único objetivo de
ganho capitalista com a implantação e não com a exploração do serviço ferroviário
propriamente dito (Santos, 2008).
Na América do Norte, o desenvolvimento ferroviário foi fortemente
impulsionado pelo capital privado, muito embora o setor público tenha tido relevante
participação através do instituto da concessão de terras. No final do século XX,
observaram-se nos EUA, Canadá e México fortes movimentos empresariais de
privatizações (FNM – México e Canadian National – Canadá), fusões, aquisições e criação
de regional e shortlines. Esse continente permanece como possuidor dos mais importantes
sistemas ferroviários, seja em volume de transporte, seja na partição modal, seja ainda no
desenvolvimento tecnológico a tais sistemas incorporado.
60
Na Comunidade Européia, berço do desenvolvimento ferroviário, as operadoras
de carga registram decrescente participação no mercado, existindo até mesmo o temor de
venham a desaparecer. Nesse sentido, um amplo programa de reestruturação vem sendo
posto em prática, envolvendo a privatização (Grã-Bretanha, Leste Europeu), a
interoperalidade (bitolas, voltagem da energia de tração etc.), a intermodalidade e a
segregação da infra-estrutura.
Na Ásia e Oceania, o intenso desenvolvimento ferroviário dos século XIX e da
primeira metade do século XX deu também lugar a um quadro geral de declínio, observamse atualmente apenas expansões na malha chinesa. Outros países, como Austrália, Nova
Zelândia e Japão, deram grande ênfase à privatização e à segregação da infra-estrutura, esta
sobretudo nos países anglófilos.
Na América do Sul, Brasil e Argentina, como as duas maiores economias, foram
os que obtiveram maior adesão do capital externo aos projetos de expansão e suas malhas
no século XIX e início do século XX. No caso brasileiro, os mecanismos da garantia de
juros e da subvenção quilométrica alavancaram fortemente a construção de novas linhas,
tendo o Império construído cerca de 9.500 km de trilhos em menos de duas décadas.
Esses dois países, possuidores das maiores malhas do continente, estatizaram suas
ferrovias nas primeiras seis décadas do século XX, e deram curso a um amplo programa de
privatização no final desse mesmo século, contemplando a existência de malhas regionais
verticalizadas. Nesses países observam-se atualmente fortes movimentos de consolidação
acionária das concessionárias.
Em todo o levantamento bibliográfico feito neste capítulo fica patente a
necessidade de medidas reestruturadoras por parte de governos e também das operadoras
ferroviárias, de sorte a permitir, às ferrovias de carga, melhores condições de competição
no mercado e pelo mercado.
61
3 OS PROCESSOS DE REESTRUTURAÇÃO
3.1 PRELIMINARES
No capítulo 2, os processos de reestruturação ferroviária foram citados, de
maneira superficial e segmentada, já que o objetivo era a descrição da evolução da ferrovia
através dos tempos. Nesse capítulo, ao contrário, é feita uma análise mais profunda e
consolidada desses processos.
A competição gerada pela industrialização levou à necessidade de serviços de
transporte mais confiáveis, rápidos e flexíveis, este último requisito envolvendo
principalmente rotas e oferta. Dessa maneira, o acréscimo de demanda e as novas
necessidades logísticas impuseram enorme pressão no sistema de transportes, redundando
numa natural ascensão do rodoviarismo, e de um correspondente declínio da ferrovia,
sobretudo o de carga, tema básico deste trabalho. As razões desse declínio, para o caso da
carga, vistas de modo sintético por Pietrantonio e Pelkmans (2004) para a Europa
Ocidental, são mostradas na tabela 17.
Tipicidade
Justificativas
•
Razões exógenas
Transformação da indústria:
o
de grandes estoques para processos just-in-time;
o
de grandes volumes com baixo valor agregado para pequenos
volumes de alto valor agregado.
Razões endógenas
•
Desenvolvimento do rodoviarismo.
•
Limitada atenção às necessidades dos clientes.
•
Baixa confiabilidade do serviço de transporte.
•
Flexibilidade limitada na intermodalidade.
•
Fragmentação do serviço de transporte nas fronteiras dos países;
•
Ausência de cabotagem* além das fronteiras dos países.
•
Falta de transitários de carga (freight forwarders) para otimização da cadeia
logística.
•
Prioridades de tráfego alocadas ao transporte de passageiro sem
justificativa econômica.
•
Falta de informações sobre a carga em trânsito.
•
Estrutura de custos não transparente, dificultando as análises de
rentabilidade dos fluxos de transporte.
Fonte: Pietrantonio e Pelkmans (2004).
Tabela 17: Causas básicas do declínio ferroviário
62
O declínio ferroviário ou mesmo a sua estagnação afetou sobretudo o
crescimento de países em vias de desenvolvimento, sendo claro demonstrativo disso o nível
de estoques nesses países ser, em média, de duas a três vezes superior ao dos países
industrializados (Guasch e Kogan, 2001).
O peso dos déficits públicos gerados pelas ferrovias administradas pelos estados e
a competição imposta pelos outros modos de transporte, aliados a uma forte tendência
liberalizante na economia, redundaram, no final do século XX e início do século XXI, em
diversas medidas reestruturadoras, que por seu turno geraram um novo arcabouço
institucional condensado na tabela 18.
Nessa tabela despontam os seguintes conceitos:
•
geometria verticalizada: concentra as funções de operação e gestão da infra-estrutura
em que opera, numa estrutura monolítica;
•
geometria semi-verticalizada: onde os operadores não possuem infra-estrutura e
circulam nas vias de terceiros. O acesso a essas vias é mandatório, via regulação, muito
embora essas continuem a ser geridas por um operador dominante. Na terminologia
inglesa essa situação é denominada de third part access regime ou competitive access. Há uma
diferença fundamental em relação ao denominado direito de passagem no Brasil, que na
maior parte dos caso é fruto de acordo voluntário entre empresas, e também frente ao
open access, a seguir descrito;
•
geometria horizontalizada: em que a infra-estrutura é segregada da operação, e o acesso
é em princípio liberado a qualquer operador, desde que cumpridas exigências técnicas e
financeiras. Essa situação é conhecida na língua inglesa como unblunding ou open access.
63
Envolvimento do
setor privado
Departamento
governamental
•
•
Empresa pública
•
Empresa privada
monopolista ou
oligopolista
•
Empresa privada
pulverizada
•
Geometria organizacional dos operadores
Verticalizada
Semi-verticalizada
Horizontalizada
Índia, Rússia e
China
(ministérios)
Hungria,
Tailândia e
Macedônia
Europa Oriental, • Amtrack
• Europa
Chile (EFE) e
(EUA),Via Rail
Ocidental
Austrália*
(Canadá) e
(exceto GrãConcor (Índia)
Bretanha)
EUA (Classe I), • Japão (carga)
• Grã-Bretanha
Canadá (CN e
(EW&S), Chile
CP), Brasil,
(Fepasa),
Argentina,
Austrália* e
México, Peru,
Nova Zelândia
Guatemala,
Bolívia, Chile
(Ferronor e
FCAB), Panamá,
Japão
(passageiro),
Austrália* e
África**
EUA e Canadá
• Grã-Bretanha
(linhas curtas)
(passageiro)
Obs.:
a) Como o caso australiano comporta inúmeras situações, recomenda-se consultar a tabela 6 do capítulo 2.
b) Os países africanos que recentemente privatizaram suas ferrovias são: Camarões, Gabão, Costa do Marfim,
Madagascar, Malawi, Máli, Moçambique, Quênia, Senegal, Togo, Uganda, Zâmbia. Dezenas de processos
privacionistas planejados ou em curso.
Fonte: Pesquisa do autor, com base em Kessides (2004).
Tabela 18: Arranjos institucionais dos operadores ferroviários
Não constam da tabela 18 o arranjo institucional dos gestores da infra-estrutura,
caso do acesso livre (open access), posto que esses são atualmente empresas públicas, após as
malogradas experiências com gestores privados na Grã-Bretanha (Railtrack) e da Nova
Zelândia (New Zealand Rail Limited).
Da tabela 18 resultam três macroprocessos reestruturadores principais:
•
oligopolização/pulverização;
•
privatização;
64
•
segregação da infra-estrutura: acesso mandatório em linha gerida por operador
dominante (competitive access) e acesso livre (open access) em linha gerida por empresa de
propósito específico.
Cada um desses macroprocessos reestruturadores será detalhado em seguida,
acompanhado da descrição dos mecanismos regulatórios que possibilitaram sua
implementação.
3.2 OLIGOPOLIZAÇÃO E PULVERIZAÇÃO
3.2.1 Oligopolização (Fusões e Aquisições)
No final do século XX e início do século XXI, presenciou-se uma onda de fusões
e aquisições ferroviárias em vários países do continente americano. Embora essa questão
não seja nova no transporte sobre trilhos, as consolidações ocorridas impressionaram pelo
vulto e pela celeridade: num curto espaço de tempo o controle acionário milhares de
quilômetros de vias férreas trocou de mãos.
As fusões e aquisições são em geral do tipo end-to-end, que envolvem dois
transportadores ferroviários atuando em regiões distintas, conectando-se em alguns poucos
pontos, sem, portanto, significativo paralelismo de linhas.
Os motivos econômicos que levam a esse processo de fusões e aquisições são
diretamente ligados à economia de escala, quando:
•
o custo total de uma firma em produzir um determinado produto/serviço é menor do
que o somatório do custo total de duas ou mais firmas em produzirem este mesmo
produto/serviço; ou, alternativamente,
•
a expansão da capacidade de produção de uma firma ou indústria causa um aumento
dos custos totais de produção menor que, proporcionalmente, os do produto. Como
resultado, os custos médios de produção caem, a longo prazo.
Na região do NAFTA (North American Free Trade Agreement) esse processo de
aquisições e fusões compreendeu os arranjos comerciais mostrados na tabela 19.
65
Ano
1976
1982
1982
1982
1985
1987
1988
1988
1992
1995
1995
1996
1997
1998
1998
1998
2001
2001
2003
2003
Ferrovias intervenientes
Central Railroad of New Jersey (EUA), Erie Lackawanna
Railroad (EUA), Lehigh and Hudson River Railway
(EUA), Lehigh Valley Railroad (EUA), Penn Central
(EUA) e Reading Railroad (EUA)
Louisville and Nashville Railroad (EUA) e Seaboard
Coast Line Railroad (EUA)
Norfolk and Western Railroad e Southern Railway
(EUA)
Western Pacific Railroad e Missouri Pacific Railroad
(EUA)
Milwaukee Road e Soo Line Railroad (EUA)
Baltimore and Ohio Railroad (EUA), Chesapeake and
Ohio Railway (EUA) e Seaboard System Railroad (EUA)
Denver and Rio Grande Western Railroad (EUA) e
Southern Pacific Railroad (EUA)
Missouri-Kansas-Texas Railroad (EUA) e Union Pacific
Railroad (EUA)
Soo Line Railroad (EUA) e
Chicago and North Western Railway (EUA) e Union
Pacific Railroad (EUA)
Atchison, Topeka and Santa Fe Railway e Burlington
Northern Railroad (EUA)
Southern Pacific Railroad e Union Pacific Railroad
Ferrocarriles Nacionales de Mexico - parte privatizada
(MX) e Kansas City Southern Railroad (EUA)
a) Conrail (42%) (EUA) e CSX Transportation (EUA)
b) Conrail (58%) (EUA) e Norfolk Southern Railroad
(EUA)
Illinois Central Railroad e Canadian National Railway
Ferrocarriles Nacionales de Mexico - parte privatizada
(MX) e Union Pacific Railroad (EUA)
Illinois Central Railroad (EUA) e Canadian National
Railway (CA)
Wisconsin Central Railroad (EUA), Algona Central
Railway (CA) e Canadian National Railway (CA)
British Columbia Rail (CA) e Canadian National Railway
(CA)
Great Lakes Transportation (EUA/CA) e Canadian
National Railway (CA)
Ferrovia
resultante/dominante
Conrail (EUA)
Seaboard System Railroad
(EUA)
Norfolk Southern Railroad
(EUA)
Union Pacific Railroad
(EUA)
Soo Line Railroad (EUA)
CSX Transportation (EUA)
Southern Pacific Railroad
(EUA)
Union Pacific Railroad
(EUA)
Canadian Pacific Railway
(CA)
Union Pacific Railroad
(EUA)
Burlington Northern and
Santa Fe Railway (EUA)
Union Pacific Railroad
(EUA)
Kansas City Southern de
Mexico (MX/EUA)
a) CSX Transportation
(EUA)
b) Norfolk Southern
Railroad (EUA)
Canadian National Railway
Ferrocarril Mexicano
(MX/EUA)
Canadian National Railway
(CA)
Canadian National Railway
(CA)
Canadian National Railway
(CA)
Canadian National Railway
(CA)
Fonte: Dados compilados pelo autor nos sítios das ferrovias.
Tabela 19: Fusões e aquisições ferroviárias recentes na área do NAFTA
Nos EUA, o processo de concentração do setor ferroviário foi acelerado por uma
série de medidas de desregulamentação do setor, consolidadas através do Railroad
Revitalization and Regulatory Reform Act, de 1976, e do Stagger´s Rail Act, de 1980.
66
No Canadá, a oligopolização do setor não é fato novo, existindo desde o século
XIX. Contudo, as relativamente recentes aquisições de ferrovias norte-americanas pelas
canadenses foram facilitadas pelos atos regulatórios citados no parágrafo anterior.
Na região do Mercosul esse processo de aquisições e fusões também prosperou.
No caos brasileiro, após a desestatização do setor ferroviário de cargas, fruto do Programa
Nacional de Desestatização - PND, a maioria das concessões ferroviárias brasileiras, por
conta desse processo, acabou ficando basicamente sob o controle de três grandes grupos
empresariais.
O primeiro grupo, e de longe o mais importante em termos de produção de
transporte, é a Cia. Vale do Rio Doce - CVRD, maior produtora e exportadora mundial de
minério em Pelotas, e uma das principais produtoras mundiais de manganês e ligas de ferro.
A CVRD controla a Estrada e Ferro Carajás e a Estada de Ferro Vitória-Minas, que ligam
as regiões produtoras de minério de Carajás e Minas Gerais aos portos de São Luís e
Tubarão, respectivamente. Essa empresa também adquiriu o controle da Ferrovia CentroAtlântica - FCA, na região centro-leste do país e tornou-se indiretamente acionista
majoritária da MRS Logística, no triângulo econômico Minas Gerais – Rio de Janeiro – São
Paulo.
O segundo grupo é formado por Taquari Participações e Cia. Siderúrgica
Nacional, com o grupo Vicunha sendo o virtual mandatário dessas últimas. Esse grupo
controla a Cia. Ferroviária do Nordeste – CFN, que passará por um profundo processo de
rearranjo de fluxos de transporte com a construção da Ferrovia Nova Transnordestina.
O terceiro grupo é constituído por diversos acionistas, sendo o de maior peso o
grupo Garantia. Este grupo detém as seguintes concessões:
•
malha sul da antiga Rede Ferroviária Federal, inicialmente denominada de Ferrovia Sul
Atlântico – FSA e depois América Latina Logística – ALL;
•
malhas centro-oeste e paulista, da antiga Rede Ferroviária Federal, posteriormente
denominadas de Ferrovia Novoeste e Ferrovia Bandeirantes (Ferroban);
•
Ferrovia Norte Brasil (Ferronorte), nos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso;
•
Ferrocarril Buenos Aires al Pacífico, da antiga Ferrocarriles Argentinos;
•
Ferrocarril Mesopotâmico General Urquiza, da antiga Ferrocarriles Argentinos.
Os processos de fusões e aquisições envolvem, em sua totalidade, empresas
verticalmente integradas, isto é, ferrovias que operam e mantém suas vias permanentes.
67
3.2.2 Cisões sem Segregação da Infra-Estrutura
Em movimento em sentido contrário ao das fusões e aquisições, porém
diretamente correlacionado a este, tem-se as cisões sem segregação da infra-estrutura,
situação que tem gerado o surgimento de pequenas ferrovias, também denominadas de short
lines ou linhas curtas, de caráter arterial, que, portanto, alimentam e são alimentadas pelas
ferrovias de maior porte.
Esse processo reestruturador é também formado por empresas verticalmente
integradas, muito embora seja intenso o processo de terceirização de serviços, em especial a
manutenção do material rodante, já que as linhas curtas não possuem volume de serviços
que justifique a existência de oficinas de locomotivas, por exemplo.
O processo de formação das linhas curtas é mais intenso nos EUA e Canadá,
sendo em grande parte derivado da assunção, por pequenas empresas, de segmentos
ferroviários considerados pouco rentáveis pelas grandes ferrovias.
Nos EUA, o processo de surgimento das linhas curtas foi acelerado por uma série
de medidas de desregulamentação do setor, consolidadas através do Railroad Revitalization
and Regulatory Reform Act, de 1976, e do Stagger´s Rail Act, de 1980. Note-se que essa
desregulamentação visou, primariamente, o fortalecimento das grandes ferrovias, muitas
delas falidas ou em situação pré-falimentar na década de 70 (século XX), sendo a criação
das short lines um subproduto de uma ação maior: o abandono de ramais antieconômicos
pelas grandes ferrovias.
Observe-se que como resultado de uma ação reguladora tida como
demasiadamente rígida e da concorrência imposta principalmente pelo modo rodoviário,
após a segunda guerra mundial, as ferrovias norte-americanas enfrentaram sérias
dificuldades financeiras, algumas delas tornando-se insolventes e indo à bancarrota. O
processo de desregulamentação, citado no parágrafo precedente, foi a alternativa
encontrada pelos EUA para evitar a estatização e a existência de subsídios ao setor
ferroviário, privado desde sua origem. Os princípios básicos dessa desregulamentação são
bastante simples: as ferrovias podem agir como qualquer outra empresa privada,
gerenciando seus ativos da forma que melhor lhes convier e estabelecer livremente as
tarifas para seus serviços.
Segundo ASLRRA (2004), o panorama do setor de linhas curtas e regionais nos
EUA é o mostrado na tabela 20 e figura 13, para as quais é pertinente o seguinte glossário:
68
•
ferrovia local (classe III): possui menos de 350 milhas de linhas férreas e tem receita
anual inferior a US$ 40 milhões;
•
ferrovia regional (classe II): possui ao menos 350 milhas de linhas férreas e tem receita
anual inferior entre US$ 40 milhões e US$ 270 milhões (este último limite a partir do
qual a ferrovia é considerada classe I);
•
operador de pátio e terminal ferroviário: atua na recepção, triagem, decomposição,
carga, descarga e recomposição de trens em pátios e terminais ferroviários pertencentes
a terceiros.
Tipo de operador
Local
Quantidade
309
Regional
Milhas operadas
21.855
Empregados
5.102
31
17.073
7.807
Pátio e terminal
205
7.546
6.779
Total
545
46.474
19.688
Fonte: ASLRRA (2004).
Tabela 20: Panorama das ferrovias locais e regionais nos EUA
Fonte: ASRRLA (2004).
Figura 13: Proprietários das ferrovias locais e regionais nos EUA
69
Já no caso canadense, o Canadian Transportation Act, de 1996, fortemente
influenciado pelo Stagger´s Act norte-americano, contém diversas medidas liberalizantes,
que permitem as consolidações e desconsolidações empresariais, além de disposições para
facilitar a resolução de disputas entre clientes e transportadores, ou para proteção de
determinado segmento contra práticas abusivas por parte das ferrovias.
Além do estímulo oriundo da possibilidade de abandono de trecho pelas grandes
ferrovias, a existência de pequenas ferrovias no Canadá é também facilitada por um
mecanismo regulatório de proteção ao cliente ferroviário, denominado Tarifas de Linha
Competitiva (Competitive Line Rates - CLR), aplicável quando (Castello Branco e Orrico
Filho, 2005):
•
um cliente tem acesso apenas a uma ferrovia, na origem ou no destino de seu fluxo; e
•
o transporte entre origem e destino é feito de modo integrado por dois ou mais
transportadores.
Nessas circunstâncias, o cliente pode solicitar à ferrovia que forneça uma tarifa
competitiva para transporte, conforme o caso:
•
entre a origem e o ponto de intercâmbio (entre duas ferrovias) ou transbordo (entre
dois modos) mais próximo; ou
•
ponto de intercâmbio/transbordo mais próximo ao destino e este.
A ferrovia deverá fornecer a tarifa para execução do trecho inicial ou final da
cadeia de transporte, mesmo que seja capaz de operar todo o trajeto entre origem e destino,
não estando incluídos no mecanismo CLR o transporte ferroviário de contêineres, semireboques rodoviários e de vagões sem lotação total. A máxima extensão para aplicação da
CLR é de 50% do total da quilometragem ferroviária entre a origem e o destino ou
1.200km, a que for maior.
Caso solicitado pelo cliente, o órgão regulador (CTA) deverá, num prazo máximo
de 45 dias, emitir parecer acerca dos seguintes tópicos:
•
valor da tarifa apresentada pela ferrovia para operação do segmento inicial ou final da
cadeia de transporte em discussão, que não poderá ser inferior a seus custos variáveis;
•
percurso do transporte entre origem e destino;
•
designação dos pontos de intercâmbio;
•
modus operandi da ferrovia.
70
Segundo Transport Canada (2005), atualmente o Canadá possui cerca 48 ferrovias
locais e regionais, 36 das quais surgidas após o Canadian Transportation Act, de 1996. Essas
ferrovias operam 12.871 km de linhas férreas, devendo a esse total serem adicionados 835
km, geridos por operadores de pátios e terminais.
3.3 PRIVATIZAÇÕES
No século XIX, começo do desenvolvimento ferroviário, significativa parcela dos
empreendimentos foi implementada com capitais privados. Com o decorrer do tempo, já
sob a influência da industrialização e do rodoviarismo, ocorreu uma grande estatização do
setor, sobretudo após a Primeira Grande Guerra, com a notável exceção das ferrovias
norte-americanas.
No final do século XX, ocorre um retorno às origens, com o processo de
privatização constituindo-se num poderoso instrumento reestruturador, rompendo muitas
das amarras burocráticas que engessavam as ferrovias estatais.
São muitas as formas de participação do setor privado na área ferroviária, sob
diferentes denominações: terceirização, contrato de gestão, arrendamento, franquia,
concessão etc. A figura 14 ilustra o espectro crescente de participação privada, segundo
Shaw et alli (1996).
Empresa ou
ente público
Terceirização
Contrato de gestão
Concessões
Build, own and operate
- BOO
Transferência
de incumbência
através de
licença
Leasing /
affermage
Franquia
Concessão
(inclui Build,
operate and
transfer - BOT
Transferência
de incumbência
através venda
Fonte: Shaw et alli (1996).
Figura 14: Espectro crescente da participação privada no setor ferroviário
71
Segundo aqueles autores, o termo "concessões" abrange três formas de
participação privada: affermage, franquia e concessão propriamente dita.
Nesses casos
existem os seguintes aspectos em comum:
•
o governo define e garante direitos exclusivos a uma empresa privada;
•
o prazo concessional é fixo (variando entre 5 e 50 anos);
•
o espaço geográfico de atuação da empresa privada é delimitado;
•
o risco do negócio é, implicita ou explicitamente, definido no contrato de concessão.
As distinções entre os diversos tipos de concessão são as seguintes:
•
affermage ou leasing: o operador privado aluga o equipamento e a infra-estrutura,
assumindo algum risco comercial e tomando as principais decisões e marketing;
•
franquia: o operador privado oferta o serviço ferroviário da forma prescrita pelo
governo, assumindo parte do risco comercial e arcando com o custo do investimento.
A autoridade franqueadora retém o poder de decisão em muitos aspectos operacionais,
como marketing;
•
concessão propriamente dita: o operador privado arca com o investimento e com o
risco comercial. Os acordos relativos a obras e serviços envolvem a construção ou
reabilitação de itens diversos e a operação do sistema ferroviário por um dado período.
A seguir é apresentado um panorama das privatizações em todo o mundo,
notando-se que a América Latina é, sem sombra de dúvida, a região onde esse processo
reestruturador mais prosperou, seja pelo número de países e ferrovias envolvidos, seja pela
pujança dos sistemas privatizados.
Ressalte-se que Ratton Neto (2000) sustenta que o processo de privatização foi
adotado, de forma pragmática pelos diversos governos, em virtude da falência do modelo
de exploração estatal, fruto, em primeiro lugar, da incapacidade dos governos de
constituírem políticas empresariais para suas ferrovias, e, em segundo lugar, pelo não
cumprimento de suas obrigações financeiras com as empresas ferroviárias
É importante notar que nesse panorama só estão consideradas as privatizações
envolvendo empresas verticalmente integradas, já que a privatização com segregação da
infra-estrutura está sendo abordada no subitem que se segue. Em adição, só estão sendo
aqui consideradas as ferrovias de carga e as de passageiros de média e longa distâncias,
estando excluído o transporte urbano sobre trilhos.
72
No caso brasileiro, o processo de concessionamento ao setor privado foi
alavancado pela lei n.º 8.031/90, de 12/04/90, e suas alterações posteriores, que instituiu o
Programa Nacional de Desestatização - PND. O processo de desestatização do setor
ferroviário foi iniciado em 10/03/92, a partir da inclusão da Rede Ferroviária Federal S.A. RFFSA no PND, pelo Decreto n.º 473/92.
Os resultados da privatização na América Latina são alentadores, como bem
demonstram os resultados dos momentos de transporte (t x km) da figura 15. Observa-se
nesse gráfico a permanente evolução da produção de transporte no período pósprivatização, superior à do período pré-privatização, com exceção do Peru e da Colômbia,
sendo que este último se encontra em guerra civil. Ainda assim, nesses últimos paises, foi
recuperado o patamar de transporte do ano-base (1985). O rol das privatizações nesse
continente é mostrado na tabela 21.
Observações:
a) ano-base: 1985 (índice 100).
b) números entre parênteses na legenda significam o ano do início do processo de privatização.
Fonte: Sharp (2005)
Figura 15: Evolução da produção de transporte na América Latina (t útil x km)
73
País
Argentina
Sistema, malha ou
segmento ferroviário
Rosario-Bahia Blanca
Mitre
Roca
San Martin
Urquiza
Subtotal Argentina
Bolívia
Andina
Oriental
Subtotal Bolívia
Oeste
Centro-Leste
Sudeste
Teresa Cristina
Brasil
Sul
Paulista
Vitória a Minas
Carajás
Nordeste
Subtotal Brasil
Central
Chile
Setentrional
Arica-La Paz
Subtotal Chile
Colômbia
Red Ferrea del Atlantico
Red Ferrea del Pacifico
México
Panamá
Nordeste
Terminal da Cidade do
México
Pacífico Norte
Ojinanga-Topolobango
Coahila-Durango
Sudeste
Chiapas-Mayab
Sudeste - Linha Curta
Nacozari
Ferrocarril de Panamá
Concessionário
Data da
concessão
Ferroexpresso Pampeano
Nuevo Central Argentino
Ferrosur Roca
Buenos Aires al Pacifico1
Ferrocarril Mesopotamico1
1991
1992
1993
1993
1993
Ferroviaria Andina
Ferroviaria Oriental
1996
1996
Ferrovia Novoeste1
Ferrovia Centro-Atlântico
MRS Logística
Tereza Cristina
Ferrovia Sul Atlântico1
Ferrovias Bandeirantes1
Cia. Vale do Rio Doce
Cia. Vale do Rio Doce
Cia. Ferroviária do Nordeste
1996
1996
1996
1997
1997
1997
1997
1997
1998
Empresa Ferrocarril del Pacifico
Ferrocarril del Norte
Ferrocarril de Arica a La Paz
1995
1996
1997
Ferrocarril Carriles del Norte de
Colombia
Tren do Occidente
Subtotal Colômbia
Transportacion Ferroviaria Mexicana
1996
Terminal Ferroviaria del Valle de
1996
México
Ferrocarril Mexicano
1997
Ferrocarril Mexicano
1997
GAN/Peñoles
1997
Ferrocarril del Sureste
1998
Unidad Ferroviaria Chiapas-Mayab
1999
Ferrocarril Mexicano
1999
Ferrovias Nordeste2
2000
Subtotal México
Panama Canal Railway Company
Subtotal Panamá
Subtotal América Latina
Extensão
das linhas
(km)
5.163
4.520
4.791
5.493
2.751
22.718
2.274
1.424
3.698
1.621
7.080
1.674
164
6.586
4.236
898
892
4.534
27.685
2.379
2.229
206
4.184
1.493
121
1.302
4.283
297
7.164
943
974
1.479
1.550
320
71
17.081
75
75
60.903
(1) Atualmente América Latina Logística.
(2) Concessão a estado.
Fontes: Castro (1999), Castro (2002) e Sharp (2005).
Tabela 21: Privatizações ferroviárias na América Latina
No caso brasileiro, existem dois parâmetros básicos que controlam o
desempenho das concessionárias: um, de caráter qualitativo (e inconsistente, pois trens
mais longos ao invés de curtos tendem a afetar seu valor), refletido pelo número relativo de
acidentes (acidentes por milhão de trens x km), e, outro, de caráter quantitativo,
caracterizado pelo momento de transporte (toneladas úteis x km, erroneamente
denominado de tku, quando o correto seria tuk). Em que pesem essas inconsistências,
conceitual e terminológica, a evolução desses indicadores ao longo tempo mostra, com
74
exceções de alguns trechos de menor significado econômico, um quadro altamente
favorável à privatização, como indicado na tabela 21. Quanto aos acidentes, o indicador
antes citado passou de 89 para 30 acidentes por ano por milhão de trens x km.
Concessionária
1992
Novoeste
Ferrovia Centro-Atlântica
MRS Logística
Tereza Cristina
Ferropar
ALL
Vitória a Minas
Carajás
Cia. Ferroviária do NE
Ferroban
Ferronorte
Soma
1,9
6,4
20,1
0,1
7,7
42,7
29,9
0,8
6,5
118,1
Produção de transporte (bilhões de tku)
2001
2002
2003
2004
1,5
1,5
1,7
1,2
1,2
5,3
8,1
8,6
7,5
9,5
20,6
27,4
29,4
34,5
39,4
0,1
0,2
0,2
0,2
0,2
0,1
0,4
0,4
0,4
0,3
6,8
12,0
12,8
13,9
14,2
56,6
54,4
57,0
60,5
64,8
41,8
48,0
49,0
52,4
63,6
0,5
0,7
0,8
0,8
0,8
5,0
8,3
8,3
9,2
9,5
1,3
1,9
2,1
2,3
138,3
182,3
170,1
182,6
205,8
1997
2005
1,3
10,7
44,4
0,2
0,3
15,4
68,7
69,5
0,8
2,3
8,0
221,8
Fonte: ANTT (2006).
Tabela 22: Evolução da produção de transporte no Brasil (tonelada útil x km)
Embora a privatização de sistemas de transporte urbano sobre trilhos não faça
parte do escopo deste trabalho, é preciso destacar que Buenos Aires e Rio de Janeiro são,
até o presente momento, as duas únicas grandes metrópoles que privatizaram seus sistemas
de trens de subúrbio e de metrô. O caso brasileiro é minuciosamente abordado por
Rodrigues e Contreras-Montoya (2005), enquanto que as privatizações na América Latina,
incluídas as metrópoles antes citadas, são pormenorizadas em Sharp (2005).
Na continente africano, o processo de privatização também se encontra em
adiantado estado de implementação, como mostrado na tabela 23.
País
Sistema, malha ou
Concessionário
Data da
Extensão
75
segmento ferroviário
Camarões
Costa do Marfim
/ Burkina Faso
Gabão
Madagascar
Malawi
Moçambique
Moçambique
Moçambique
República do
Congo
Senegal / Máli
Togo
Zâmbia
Zimbábue
concessão
Regifercam
Abidjan - Ouagadogou
Camrail
Sitarail
1998
1995
das linhas
(km)
1.100
1.180
Owendo - Franceville
Malha Norte
Malawi Railway
Nacala
Beira
Ressano Garcia - Marsala
SNCZ
Transgabonais
Madarail
Central East Africa Railways
CDN
Beria Rail
NLPI / Spoornet
Sizarail1
1999
2003
1999
1999
2000
2002
1995
684
732
787
872
1.022
78
3.641
Dakar - Bamako
Taligbo - Lomé
Zambia Railways
Beltbrigge - Bulawayo
Transrail
West Africa Cement Company
Railway Systems of Zambia
Beltbrige Bulawayo Railway
2003
2002
2003
1997
Subtotal África
1.230
19
1.273
345
12.963
(1) Reestatizada em 1997.
Fonte: Bullock (2005).
Tabela 23: Privatizações ferroviárias na África
É interessante observar que o processo de privatização africano se concentra em
países menos desenvolvidos, estando ausente nas porções norte e sul desse continente, de
países como Argélia, Egito e África do Sul portanto, onde o desenvolvimento ferroviário é
economicamente mais importante. Isso talvez explique, em parte, os modestos resultados
obtidos com a privatização.
É inegável, entretanto, que os trechos concedidos operem de maneira mais
eficiente e sejam mais competitivos ante o modo rodoviário (Bullock, 2005). Os
investimentos em reabilitação e expansão da malha concedida têm sido grandemente
financiados por empréstimos ou doações de organismos internacionais (Banco Mundial,
Indian Eximbank, West African Development Bank etc.). Existem, no entanto, sérias
dúvidas se esses concessionários poderão, no futuro, sobreviver sem posteriores injeções
de recursos públicos (Borgo, 2005; Giros, 205).
Na Ásia e Oceania, o processo de privatização foi bastante intenso no Japão, com
a subdivisão da Japan National Railways em seis operadores de passageiros regionais e um
operador de carga. Este último, curiosamente, não possui linhas próprias, circulando
mediante pedágio em vias de terceiros, numa situação análoga à da Amtrak, nos EUA,
excetuado o fato de que esta é operadora de trens de passageiros de média e longa
distâncias.
Decorrida uma década da privatização japonesa, Austrália e Nova Zelândia
também se utilizaram dessa medida reestruturadora, como mostrado na tabela 24. Cabe
76
lembrar que o processo australiano envolve uma extensa privatização combinada com
segregação da infra-estrutura, a ser adiante tratada.
País
Sistema, malha ou
segmento ferroviário
Concessionário
Data da
concessão
Extensão
das linhas
(km)
Austrália
West Rail Freight
Australian Railway Group
2000
5.300
Subtotal Austrália1
5.300
East Japan Railway Company
7.538
Central Japan Railway Company
1.978
West Japan Railway Company
5.078
1987
Japão
Japan National Railways Hokkaido Railway Company
3.176
Shikoku Railway Company
855
Kyushu Railway Company
2.122
0
Japan Railway Freight Company2
Subtotal Japão
20.747
Nova Zelândia
NZ Rail
Tranz Rail3
1993
4.000
Subtotal Nova Zelândia
4.000
Subtotal Ásia
30.047
(1) Outras empresas foram privatizadas, porém envolvendo a segregação da infra-estrutura, que será adiante tratada.
(2) Não possui vias próprias.
(3) Reprivatizada em 2003.
Fontes: Terada (2001) e Wiiliams et alli (2005).
Tabela 24: Privatizações ferroviárias na Ásia e Oceania
Os resultados da privatização no Japão são considerados bons, não só pela
eliminação do crônico déficit orçamentário da antiga Japan National Railways, como pela
sustentabilidade financeira adquirida pelos novos concessionários (Aoki, 1994a; Terada,
2001). Já no caso neozelandês a privatização não se mostrou eficiente, tendo a malha desse
país retornado ao poder público, que agora pensa em segregar a infra-estrutura, com a
gestão da mesma a cargo do Estado e a operação através da iniciativa privada. Por fim, a
experiência de privatização na Austrália é muito mais marcante com o instituto da
segregação, do que com a verticalização, algo a ser adiante comentado.
3.4 SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA
Durante quase todo o século XX, a estrutura organizacional do sistema
ferroviário de carga e de passageiros de média e longa distâncias, nos países mais
desenvolvidos, estava essencialmente composta por malhas nacionais, via de regra sob
controle do estado, com a exceção dos EUA e Canadá, este último parcialmente, já que a
Canadian National era estatal. Eram empresas verticalmente integradas, subdivididas em
gerências regionais, por vezes com as áreas de carga e passageiros individualizadas.
Do ponto de vista teórico, essas entidades monolíticas estavam assim
estruturadas em virtude das economias de escala e de densidade desse modelo derivadas.
77
Na prática, contudo, essa estrutura não permitia transparência nos resultados operacionais
de seus diversos fluxos, sendo na maior parte dos casos orientada para a produção de
transporte e não para resultados financeiros. Além disso, a cadeia de comando era sempre
muito extensa, vertical e horizontalmente, com mínimo foco no cliente. Aos gestores eram
sempre confiadas metas de aumento da produção de transporte, sem o correspondente
atingimento de metas financeiras.
A esse modelo se contrapôs a segregação da infra-estrutura, com a configuração
de situações operacionais “acima do trilho” e “abaixo do trilho”. De forma mais rigorosa
tecnicamente, já que essa situação espacial pouco significado tem, essas definições
compreendem:
•
“abaixo do trilho”: manutenção da via permanente ferroviária, controle do tráfego
(sinalização e telecomunicação), fornecimento de energia elétrica via rede aérea (quando
for o caso);
•
“acima do trilho”: manutenção e operação de veículos ferroviários (carga, descarga e
deslocamento).
Diferentemente do caso das rodovias, onde o acesso é franco, as ferrovias
necessitam de cuidadoso preparo das grades de circulação, uma vez que as condições de
ocupação da via são bastante restritas. De uma forma geral, as condições de acesso à infraestrutura ferroviária são objeto de extenso rol de medidas regulatórias.
É importante observar que o processo de segregação da infra-estrutura não é um
fenômeno isolado nas denominadas public utilities. Ao contrário, trata-se de uma ampliação
do que ocorreu nas áreas de telecomunicação e de energia, que, em muitos países também
foram reestruturadas, de sorte a partilhar o uso de suas infra-estruturas.
Nesse sentido, serviços em rede não são mais vistos como monopólios naturais
monolíticos, mas sim algo que engloba atividades distintas com características econômicas
inteiramente diferentes. Muitos economistas acreditam atualmente que os serviços em rede
devem ser segregados (unbundled), horizontal e verticalmente, com segmentos
potencialmente competitivos sob gestão individualizada, nos seguintes componentes dos
monopólios (Kessides, 2004):
•
energia elétrica: transmissão e distribuição segregadas da geração;
•
telecomunicações: serviços locais segregados dos de longa distância e dos da telefonia
celular;
78
•
gás: distribuição local sob alta pressurização segregada da produção, transmissão e
grande armazenamento;
•
ferrovia: infra-estrutura ferroviária (via e facilidades afins).
Ainda segundo esse mesmo autor, nos segmentos competitivos e contestáveis dos
serviços ou infra-estruturas em rede as barreiras de entrada devem ser removidas com a sua
segregação, com as estruturas verticalmente integradas só assim permanecendo se
insuperável a questão dos custos afundados (sunk costs), e, por conseguinte, a questão da
manutenção das condições de monopólio natural.
A segregação da infra-estrutura, como visto na tabela 18, anteriormente mostrada,
pode envolver dois tipos de arranjos organizacionais: competitive access e open access.
No acesso competitivo (competitive access), a via pertence a um operador
dominante, que é obrigado, por meio de ato regulatório, a abrigar fluxos de terceiros. Essa
situação ocorre, ainda que de maneira incipiente, no Brasil, com as concessionárias de carga
sendo obrigadas, por contrato, a permitir a circulação de até dois pares de trens de
passageiros por dia.
O acesso competitivo difere do “tráfego mútuo” e do “direito de passagem”,
práticas habituais no meio ferroviário. No “tráfego mútuo”, uma ferrovia transporta os
vagões de outra ferrovia em seu território, ocorrendo em função disso uma partilha de frete
entre ambas. Já o “direito de passagem” é uma situação em os trens (e não apenas os
vagões) de uma ferrovia circulam no território da outra (run trhrough), mediante o
pagamento de pedágio (track right ou trackage right). Em qualquer desses casos o acordo é
sempre voluntário, diferenciado, portanto, do acesso competitivo, que tem caráter
mandatório.
A outra modalidade de segregação da infra-estrutura é do open access ou acesso
livre, situação em que a via e facilidades associadas (terminais, rede aérea, sinalização,
centro de controle operacional etc.) são separadas da operação ferroviária propriamente
dita, ficando sob controle de uma sociedade de propósito específico, governamental ou
privada. O acesso à via é matéria não só de atos regulatórios do poder público, como das
leis de mercado, em que, por exemplo, slots ou faixas de tráfego são objeto de leilão
público.
Assim, no caso da segregação tem-se vários operadores ferroviários atuando em
diferentes mercados ou regiões geográficas, com seus veículos percorrendo a mesma infraestrutura e pagando, ao proprietário (competitive access) ou ao gestor da infra-estrutura (open
79
access), taxas que levam em consideração, no caso mais completo, os elementos da tabela 25
(CE, 1998).
Custos fixos
Custos internos
Custos externos
Capital:
Barreiras econômicas de
entrada e saída do
• serviço da dívida
negócio
• retorno sobre
patrimônio
Deterioração do aspecto
(intrusão visual)
Exploração:
•
manutenção da
infra-estrutura
(desgaste temporal,
vigilância)
• controle da
operação
• administração
Fonte: CE (1998)
Custos variáveis
Custos internos
Custos externos
Exploração:
Poluição:
• controle do tráfego
• do meio ambiente,
(adicional ao custo
em termos locais
fixo)
(partículas),
regionais (óxidos de
• manutenção (devido
nitrogênio) e globais
ao uso da infra(gás carbônico)
estrutura)
• sonora
Acidentes
Congestionamento
Tabela 25: Custos incidentes sobre uma infra-estrutura de transporte
O processo de segregação da infra-estrutura ferroviária, em seu formato mais
amplo, teve início na Suécia, em 1988 (Hansson e Nilsson, 1991), com a criação do gestor
da infra-estrutura Banverkert. Na década seguinte, esse processo de reestruturação foi
adotado na Grã-Bretanha e vem sendo paulatinamente implementado, de maneira
compulsória, nos demais países da Comunidade Européia. Como reflexo da reestruturação
britânica, os governos regionais e central da Austrália também recentemente
implementaram a segregação das suas infra-estruturas ferroviárias. Nas Américas esse
modelo não tem sido empregado, com exceção de algumas ferrovias no Chile e no Peru.
Deve ser ressaltado o fato de que, numa modesta escala, os operadores de trens
de passageiros de média e longa distância nos Eua (Amtrak) e Canadá (Via Rail) utilizam as
infra-estruturas das ferrovias de carga naqueles dois países, antes mesmo da Suécia. Igual se
deu na ferrovia de carga no Japão, após a privatização da década de 80 (século XX), que, ao
contrário do caso da América do Norte, circula nas linhas de passageiros. Essas
experiências, contudo, não têm a mesma amplitude dos processos europeu ocidental e
australiano.
Em termos gerais, o arranjo institucional resultante do processo de segregação da
infra-estrutura é o mostrado na figura 16 (Profillidis, 2001).
80
GOVERNO
•
•
•
Ministérios
Governos locais
Órgãos reguladores
Operadores
• Ferrovias
estatais
• Novos
operadores
privados
Gestor da
infra-estrutura
•
•
Acionistas
• Ferrovias
estatais
• SPE pública
• SPE privada
Mantenedores
Ferrovias estatais
Empresas privadas
Fonte: Profillidis (2001).
Figura 16: Arranjo institucional resultante da segregação da infra-estrutura ferroviária
Na Comunidade Européia, o arcabouço legal que deu respaldo à segregação da
infra-estrutura ferroviária foi o seguinte:
•
diretriz 91/440, emendada pela diretriz 2001/12: determinando a separação contábil
carga – passageiro e o início do processo de segregação;
•
diretriz 95/18, emendada pela diretriz 2001/13: sobre as condições de acesso à infraestrutura;
•
diretriz 96/48: concernente à interoperabilidade das malhas ferroviárias para trens de
alta velocidade (compatibilidade de sistemas fixos e de procedimentos de condução de
trens);
•
diretriz 2001/14: atinente aos critérios de tarifação do uso da infra-estrutura;
•
diretriz 2001/16: complementa a diretriz 96/48, no que respeita aos trens
convencionais.
A atual situação européia, em termos de gestores da infra-estrutura é a mostrada
na tabela 26 (RailNetEurope, 2004).
81
País
Gestor
Malha (km)
Áustria
ÖBB Infrastruktur Betrieb
5.672
França
Réseau Ferre de France
França – Inglaterra
Eurotunnel
Bélgica
Infrabel
3.521
Alemanha
DB Netz
35.593
Bulgária
National Railway Infrastructure Co.
7.349
República Tcheca
Ceské Dráhy
9.499
Dinamarca
Banedanmark
2.300
Finlândia
Ratahallintokeskus
5.741
Grã-Bretanha
Network Rail
30.000
Itália
Rete Ferroviaria Italiana
22.000
Hungria
Vasúti Pályakapacitás-elosztó
7.885
Eslovênia
SZ Infrastructure
1.226
Holanda
ProRail
2.800
Espanha
Administrador de Infraestructuras Ferroviarias
Noruega
Jernbanverket
Suécia
Banverket
12.000
Polônia
Polske Linie Kolejowe
19.435
Portugal
Rede Ferroviária Nacional
29.000
100
13.118
4.077
2.603
Fonte: RailNetEurope (2004) e pesquisa do autor.
Tabela 26: Gestores da infra-estrutura ferroviária na CE
Existem diversos estudos sobre a atual situação da Europa Ocidental quanto à
segregação da infra-estrutura ferroviária. Um dos mais importantes, constante inclusive de
vários relatórios anuais das administrações ferroviárias daquele continente, é o que
estabelece um indicador, denominado Rail Liberalization Index – LIB, formulado e calculado
por IBM (2005), que, por seu turno, é dependente de três outros indicadores:
•
Índice Legal (Lex Index): relativo às bases legais para entrada no mercado de novos
operadores;
•
Índice de Acesso (Access Index): concernente às oportunidades e barreiras de entrada na
prática (questões operacionais, tarifárias etc.);
•
Índice de Competitividade (Com Index): que trata da dinâmica da competição no
mercado ferroviário.
Para 2004, o Rail Liberalization Index – LIB, segundo IBM (2005), para países da
CE selecionados, é mostrado na figura 17.
82
Fonte: IBM (2005)
Figura 17: Índice de liberalização ferroviário
Dados os diferentes estágios de implementação da segregação da infra-estrutura
na Europa, sob o regime do open access, não é possível fazer-se um apanhado
pormenorizado de seus avanços, muito embora seja inconteste a liderança da Grã-Bretanha
nesse processo.
Observe-se, ainda, por oportuno, que os processos de cisões de grandes malhas e
a criação de regional lines, shortlines e de switching operators (empresas manobradoras em
grandes pátios ferroviários), comentados em 3.2.2, retro, são uma modalidade da
desverticalização ou unbundling que deu certo, demonstrando, de certa maneira, a viabilidade
dessa alternativa reestruturadora.
4 ANÁLISE DA POSSÍVEL SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA NO
BRASIL
4.1 PRELIMINARES
83
Nesse item serão abordados os elementos de convicção, isto é, os fundamentos
que justifiquem uma eventual aplicação da segregação da infra-estrutura no Brasil, a saber:
•
fundamentos econômicos gerais e específicos;
•
pesquisa elaborada pelo autor em parceria com o periódico Revista Ferroviária
(pesquisa ampla); e
•
entrevistas feitas pelo autor com autoridades e personalidades de notório saber do
meio ferroviário (pesquisa restrita).
Procurar-se-á, através dos fundamentos citados, corroborar a tese de que a
segregação da infra-estrutura ferroviária apresenta os seguintes benefícios potenciais (não
necessariamente em ordem de prioridade):
•
melhorar a eficiência do sistema ferroviário nacional, com claros resultados positivos na
redução do denominado “custo Brasil”;
•
promover a competição intramodal, eliminando, ainda que parcialmente, “o peso
morto dos monopólios” e oferecendo aos clientes cativos alternativas de transporte;
•
dinamizar a indústria ferroviária nacional, tanto no aspecto de produção de bens, como
no de prestar serviços de modernização, reabilitação e manutenção de bens e
equipamentos;
•
fortalecer focos de negócio, com os gestores da infra-estrutura especializando-se cada
vez mais nos processos de manutenção da via e do controle de tráfego, e os operadores
ferroviários procurando conhecer e atender plenamente as demandas de seus clientes;
•
atrair novos investidores privados para o negócio ferroviário.
É importante observar que os fundamentos citados são, também, referendados
pelo trabalho de CNT (2006) junto a 211 clientes ferroviários, em 13 corredores de
transporte sobre trilhos em todo o país, que, após cálculos efetuados pelo autor, revelam
os seguintes percentuais médios de insatisfação:
●
24% com o alto valor dos fretes praticados;
●
23% com a confiabilidade nos prazos de entrega das mercadorias;
●
26% com a limpeza e estado de conservação de vagões;
●
38% com a oferta de transporte;
●
52% com o tempo da mercadoria em trânsito (transit time).
Em adição, essa pesquisa revelou que em oito dos treze corredores pesquisados
os clientes possuem, em média, 30% dos vagões em tráfego, e que muitos clientes
gostariam de possuir vagões próprios (percentuais de até 43%). Tudo isso não motivado
84
necessariamente por custo, mas por aumento da autonomia e da disponibilidade de
transporte ferroviário.
No que respeitas as locomotivas próprias de clientes, estas estão presentes em
cinco dos treze corredores, em percentagens variando de 5% a 17%. Desejam possuir
locomotivas, novamente motivados pela autonomia e disponibilidade, clientes de seis
corredores, em percentuais que variam de 7% a 13%.
Portanto, o que CNT (2006) deixa claro é que apenas no universo dos clientes
ferroviários parece existir em alguns deles o desejo de possuir locomotivas e vagões em
troca de maior autonomia e disponibilidade de transporte, algo em que a segregação da
infra-estrutura é exatamente o fio condutor.
4.2 FUNDAMENTOS ECONÔMICOS GERAIS
Os fundamentos econômicos serão abordados à luz da microeconomia, com
destaque para a eficiência afetativa ou alocativa (condição de mercado segundo a qual os
recursos são alocados de sorte a maximizar os benefícios derivados de sua utilização, ou,
de forma simplificada, o esforço produtivo mais benéfico para a sociedade).
Em primeiro lugar, é preciso caracterizar, para uma melhor interpretação da
eficiência alocativa, o que sejam excedentes do consumidor e do produtor.
O excedente do consumidor é a diferença entre valor que os que os
consumidores atribuem às unidades consumidas de algum produto e o preço efetivamente
pago pelas mesmas.
O excedente do produtor, de forma análoga, ocorre porque todas as unidades da
firma são vendidas a preço de mercado, enquanto que seu custo de produção é dado pelo
custo marginal, que, exceto para última unidade, é inferior ao valor de mercado.
Conforme ilustrado no gráfico da figura 18, para uma situação de concorrência
perfeita, o preço e a quantidade de equilíbrio são p0 e q0, respectivamente. O valor que os
consumidores atribuem a um determinado produto é dado pela soma das áreas , , e
. A quantidade de dinheiro paga é p0 x q0, equivalente às áreas + . Assim, a
diferença entre o valor atribuído e o valor efetivamente pago é o excedente do
consumidor, dado pela área .
85
1
2
3
Figura 18: Excedentes do produtor e do consumidor
As receitas das vendas são também fornecidas por p0 x q0. A área sob a curva de
oferta é o custo variável total da firma, valor mínimo pelo qual esta se dispõe a produzir,
soma das áreas e . A diferença entre o valor requerido pelos produtos, área , e o
valor obtido dá o excedente do consumidor, isto é, a área .
O equilíbrio de um mercado competitivo é eficiente na medida em que os
excedentes do produtor e do consumidor são maximizados. Isso porque para volumes de
produção, aquém de q0, a soma dos dois excedentes é menor que em q0. Como mostrado
na figura 19, para um nível de produção q1, mantido o preço p0, o excedente do
consumidor é reduzido da área , enquanto que o excedente do produtor é diminuído da
área .
Fazendo ainda uso da figura 19, vê-se que para produções além de q0, num nível
q2 a um preço p0, por exemplo, o excedente do produtor será reduzido da área , uma
vez que a firma estará vendendo seus produtos a um preço inferior ao custo variável. De
maneira semelhante, o excedente do consumidor diminuirá da área , pois o preço a ser
pago estará acima do valor atribuído (acima da curva da demanda).
86
Figura 19: Eficiência alocativa
Assim, verifica-se que a eficiência alocativa ocorre num nível de produção de
equilíbrio de oferta e demanda, em que a soma dos excedentes do consumidor e do
produtor são maximizados.
Já num monopólio, o equilíbrio não se dá entre oferta e consumo, já que o
monopolista impõe sua vontade no mercado, em virtude de seu poder sobre o mesmo.
Uma empresa é um monopólio se é a única vendedora de seu produto e se este não tem
substitutos próximos. A causa principal da existência de monopólio são as denominadas
“barreiras de entrada”, isto é, custos de produção que têm que ser suportados pela empresa
“entrante” num determinado mercado, não incidentes sobre a(s) empresa(s) que nele já
atuam.
As barreiras de entrada ou de acesso, por sua vez, têm como principal origem os
seguintes fatos (Mankiew, 2006):
• um recurso-chave é exclusivo de uma única empresa;
•
uma empresa tem uma concessão do governo, com direito exclusivo de produzir um
determinado bem ou serviço.
Além disso, as barreiras de acesso podem ocorrer devido à alta escala de
produção requerida, exigindo um elevado montante de investimento, enquanto a empresa
monopolista já está estabelecida em grandes dimensões e tem condições de operar com
baixos custos. Torna-se então muito difícil alguma empresa conseguir oferecer a um preço
87
equivalente à firma monopolista existente. Essa situação torna-se ainda mais difícil para a
firma entrante quando parte dos investimentos são caracterizados por custos afundados,
ou seja, custos irrecuperáveis caso se queira sair do mercado, tipificados, estes últimos, no
caso de ferrovias, por obras de engenharia diversas (túneis, pontes, viadutos, muros de
arrimo, sublastro etc.).
Devido à existência de empresas dominantes, estas têm o poder de fixar os
preços de venda em seus termos, defrontando-se normalmente com demandas
relativamente inelásticas, em que os consumidores têm baixo poder de reação a alterações
de preços.
Conforme indicado na figura 20, num mercado competitivo, o preço seria p0 e a
produção q0, com os excedentes do consumidor sendo dado pelas áreas , e . Com a
indústria sendo monopolizada, esta opta por uma quantidade de produção (qm) no ponto
onde o custo marginal intercepta a receita marginal, com o preço de venda se elevando de
p0 para pm. Com isto o excedente do consumidor reduz-se para a área apenas.
Os consumidores perdem a área porque a quantidade produzida recuou de q0
para qm. Perdem também área , desta feita para o monopolista, tendo em vista o
aumento de preço de p0 para pm.
No caso dos produtores, no caso de um mercado competitivo, estes teriam como
excedente a soma das áreas e . Contudo, como a produção do monopolista passa de
q0 para qm, a área é perdida, algo que é compensado, com sobras, pelo ganho da área aos consumidores, já que pm maximiza o lucro do monopolista.
Com isso, além de perda de excedente por parte do consumidor em favor do
monopolista produtor, há também, para a economia, perda das áreas e . Essa segunda
perda é denominada de peso morto do monopólio, e deriva, em essência, de sua ineficiência
alocativa.
88
Figura 20: Ineficiência alocativa do monopólio
A respeito, ainda, da ineficiência dos monopólios, convém lembrar as palavras de
Adam Smith, no clássico “A Riqueza das Nações”, editado em 1776:
Um monopólio conferido a uma empresa ou a uma trading tem o mesmo efeito
de uma acordo secreto entre comerciantes ou fabricantes. O monopolista, ao
manter o mercado subabastecido nunca suprirá as necessidades plenas da
demanda, vendendo suas mercadorias muito acima do seu preço natural, e
fazendo crescer seus emolumentos, sejam eles benefícios indiretos ou lucro,
muito acima do necessário.
O preço do monopolista será sempre o mais alto em qualquer circunstância. O
preço natural, ou o preço da livre competição, ao contrário, será sempre o
menor, não todo o tempo, mas durante um considerável prazo.
No caso das ferrovias de carga, para muitos fluxos um monopólio natural em
virtude do fato das economias de escala serem de tal modo importantes que existe apenas
espaço para uma empresa operar num dado corredor de transporte, as soluções
encontradas pelos governos para lidar com a ineficiência alocativa dos monopólios foram
substancialmente as seguintes:
●
assumir controle acionário das empresas, promovendo sua estatização, algo que no
Brasil ocorreu de maneira pronunciada na República Velha (ver Capítulo 2);
●
permitir que as empresas sigam sendo privadas (ou sejam privatizadas, revertendo o
movimento do subitem anterior), porém com o seu funcionamento sujeito a algum
tipo de controle, em especial o de preços.
89
Sob esse último aspecto ressalte-se o fato de que no Brasil a regulação das
ferrovias de carga se dá essencialmente em dois planos: quantitativo e qualitativo. No
quantitativo, são estabelecidas metas de produção de transporte; no qualitativo, a redução
de acidentes.
A segregação da infra-estrutura aparece então como uma solução diferenciada,
envolvendo é claro aspectos regulatórios, porém no sentido de que a introdução de novos
operadores tende a diminuir os aspectos da ineficiência alocativa antes apontados, uma vez
que nesse modelo procura-se passar da situação de monopólio para a situação de mercado
competitivo.
Em outras palavras, a segregação da infra-estrutura, do ponto de vista
microeconômico, é uma das ferramentas que dispõe os reguladores para instauração do
ambiente competitivo num ambiente monopolista, tendendo, portanto, a maximizar os
excedentes de produtores e consumidores, algo benéfico a toda a sociedade.
4.3 FUNDAMENTOS ECONÔMICOS ESPECÍFICOS
4.3.1 Preliminares
Em todo o mundo, os principais setores da infra-estrutura vinham sendo
organizados através de monopólios naturais, estatais ou privados, sem espaço para atuação
das forças de mercado. Esse tipo de organização tem como doutrina o fato de que uma
empresa verticalizada apresenta menores custos de exploração do que o de várias empresas
atuado no mesmo setor. Em outras palavras, as economias de escala, de densidade e de
escopo do monopólio, isoladas ou conjuntamente, estimulavam a atividade monopolista.
Nos anos 80 (século XX) um novo conceito emergiu, no sentido de questionar a
eficiência dos monopólios naturais em setores da infra-estrutura. O fim dos monopólios
estatais, através da privatização e do unbundling (aqui entendido como a desagregação de
funções tradicionalmente integradas em serviços de utilidade pública), deram início a uma
nova ordem econômica.
Muito embora o marco inicial seja considerado por muitos o desmembramento
das dutovias da Standar Oil nos EUA, em 1911, por força do Sherman Act de 1890 (ANP,
90
2000), o livre acesso à infra-estruturas ganhou força com a teoria dos mercados constáveis
na década de 80 do século XX, em especial com a contribuição de Baumol et alli (1983).
Ainda que isentas de enormes inovações, as duas últimas décadas de século XX
incrementaram o interesse pelo unbundling, no rastro da utilização crescente das forças
concorrenciais, na regulação do controle dos setores da infra-estrutura, muitos deles
estruturados em torno de monopólios / oligopólios de jure ou de facto, sendo que em
determinados casos a regulação do acesso (ou a remoção das barreiras de entrada ou saída)
ganhou mais importância que a regulação da tarifação (ANP, 2000).
Reconheceu-se, dentre outras coisas, que os monopólios naturais abrangiam
atividades distintas, dotadas de diferentes características econômicas, que permitiam um
mix de competição e de monopólio na oferta de serviços públicos (Kessides, 2004).
O unbundling resultou, em primeiro lugar, da possibilidade da introdução da
competição, se não no todo, ao menos em alguns andares de monopólios verticalizados,
com a função regulatória do Estado passando de um estado passivo (regulação ex post) para
um estado de promoção da concorrência (regulação ex ante). Estudos de ordem econômica
vislumbraram a obtenção de economias de escala com várias empresas atuando em nichos
de mesmo setor, e, também a redução dos custos de transação derivados do
desenvolvimento tecnológico, que minimizariam ou até mesmo suplantariam os efeitos das
economia de escala, escopo e densidade presentes em setores monopolistas.
O unbundling variou conforme o setor e o país, indo desde a criação de um novo
negócio ou empresa, à separação contábil das atividades de cada função, passando pela
criação de subsidiárias ou coligadas.
4.3.2 O Setor de Telecomunicações
Tal como ocorrido em diversos outros países, como EUA, Grã-Bretanha e Nova
Zelândia, foram introduzidas no Brasil diversas alterações regulatórias no setor de
telecomunicações. A modelagem prevista para o unbundling desse setor no Brasil está
mostrada na tabela 27.
91
Serviço
Modalidade
Concessionária
atual
Entrante
REDE PRÓPRIA
Qualquer
Utilização de rede Rede própria adquirida Enormes barreira de
própria
da estatal privatizada
entrada, em especial a
duplicação da rede
existente
UNBUNDLING DE LINHA
Banda larga
Desagregação
plena ou full
unbundling
Aluga a infra-estrutura
de acesso até a casa do
cliente, menos a
eletrônica
Fornece a eletrônica do
acesso e aluga a infraestrutura
Compartilhamento Retém a faixa baixa do Fornece a eletrônica do
de linha ou line
serviço e aluga a faixa acesso e contrata a faixa
alta do serviço
alta da concessionária
sharing
telefônico
Fluxo de bits ou
bits stream
Aluga infra-estrutura de
acesso, exceto broad
brand remote access BBRAS
Contrata sinal até a porta
do BBRAS, por ela
fornecido, e opera nas
dependências da
concessionária
REVENDA
Revenda ou resale Aluga infra-estrutura,
inclusive BBRAS
Recebe o sinal após
BBRAS e opera nas
dependências da
concessionária
UNBUNDLING DE PLATAFORMA
Faixa estreita de Desagregação de
telefonia
plataforma
Fornecimento infraestrutura de acesso,
facilidade de
comutação local e
serviço operacional de
telefonia
Contrata infra-estrutura
de acesso, com a
concessionária alterando
sua base de dados
Fonte: Fonseca (2003).
Tabela 27: Modelagem prevista para o unbundling das telecomunicações no Brasil
A Lei Geral de Telecomunicações – LGT brasileira define diretrizes bem
genéricas para a interconexão, deixando regras mais detalhadas para o Regulamento de
Interconexão e os contratos de concessão e autorização (Mattos, 2006). Os principais
dispositivos legais referentes à interconexão no Brasil são: a) obrigação de se interconectar
para todos os operadores; b) não-discriminação em relação aos rivais; e c) livre negociação
92
com a possibilidade de intervenção da ANATEL se requerido por pelo menos uma das
partes.
Nesse sentido, a ANATEL publicou o Despacho 172/2004 determinando a
obrigação de unbundling dos operadores regionais, prevendo dois tipos:
•
line sharing (compartilhamento de linha) no qual o incumbente é obrigado a ofertar o
elemento de rede “fio de cobre” do seu “local loop” para fins da oferta de serviços não
associados a voz pelo entrante. O incumbente proprietário do “local loop” permanece
provendo serviços de voz através do mesmo fio de cobre, enquanto que o demandante
do aluguel entrante poderá ofertar outros serviços, em especial acesso à internet
ADSL;
•
full unbundling (desagregação de rede plena), no qual o incumbente é obrigado a
oferecer o fio de cobre de seu “local loop” para a oferta de todos os serviços (inclusive
e especialmente voz) e não apenas ADSL.
O unbundling no Brasil cria uma obrigação das incumbentes de alugar, para as
entrantes, elementos de redes de forma desagregada. Ou seja, além de ser obrigado a alugar
determinados elementos de rede, o incumbente não pode fazer um aluguel casado desses
elementos. Isso desobriga a entrante de alugar elementos que considera desnecessários,
além de evitar ineficientes duplicações de infra-estrutura, ao mesmo tempo em que
propicia a introdução da competição de forma gradual.
4.3.3 Os Setores de Eletricidade e de Gás Natural
As reformas no setor elétrico começaram no Reino Unido em 1989, com a
privatização e unbundling do monopólio estatal verticalizado, com o surgimento de
empresas especializadas e reguladas pelo poder público. Outros países também adotaram
essa postura reformadora, tais como Nova Zelândia (1993), Colômbia (1994) e o Estado
da Califórnia (EUA, 1996), este último após sofrer grave crise energética (Beato e Fuente,
2000). No Brasil o primeiro marco legal de unbundling do setor ocorre em 1995, com a Lei
Federal 9075, que prevê o livre acesso às redes de transmissão e distribuição, logo seguida
do Decreto Federal 2003/1996, que regulamentou o conceito de produtor independente
de energia elétrica.
A Comunidade Européia – CE, ao final do século XX e início do XXI,
pressionou seus estados-membros a fazerem o mesmo, através de diversas Diretivas, em
93
especial as de números 2003/54/EC (eletricidade, atualizando a de número 96/92/EC) e
2003/55/EC (gás, atualizando a de número 98/30/EC).
Resumidamente, os modelos adotados para o unbundling do setor elétrico são os
single buyer (comprador individual) e wholesale competition (competição do atacado), conforme
Lovei (2000).
No modelo de comprador individual, que pode envolver outras possibilidades de
arranjos além do mostrado na figura 21, as atividades de geração, transmissão e
distribuição, via de regra exercidas anteriormente por monopólio estatal verticalizado, são
desagregadas e operadas por diversas empresas privadas, geralmente com a infra-estrutura
de transmissão permanecendo sob controle público, com as entrantes na área de
transmissão comprando energia das geradoras e revendendo às distribuidoras sob tarifas
reguladas pelo poder público. Em casos especiais existe a possibilidade de o consumidor
adquirir energia diretamente da geradora.
Geração
Transmissão
Distribuição
Consumo
Fonte: Lovei (2000).
Figura 21: Modelo de comprador único no setor elétrico
No modelo de competição do atacado, figura 22, as distribuidoras locais retêm a
exclusividade de seus serviços em suas áreas de concessão e adquirem energia de geradores
que competem entre si para tal fornecimento. Os consumidores não podem escolher seus
fornecedores, excetuados os grandes usuários, que podem contratar diretamente com as
geradoras. Embora os grandes consumidores sejam poucos, eles representam uma grande
percentagem do consumo. Ao se permitir que os mesmos adquiram energia de geradoras
independentes, ocorre uma maior competição no mercado, fazendo com que os preços
praticados diminuam, o que acarreta reflexos positivos em toda a cadeia produtiva.
94
Geração
Transmissão
Distribuição
Consumo
Fonte: Lovei (2000).
Figura 22: Modelo de competição do atacado no setor elétrico
No Brasil o setor elétrico está estruturado da seguinte forma (Aneel, 2003):
•
sistema interligado nacional, que reúne diversas empresas de geração e transmissão de
energia, sob gestão do Operador Nacional do Sistema – ONS, que coexiste com
alguns sistemas isolados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste;
•
geradoras e co-geradoras, estas últimas termelétricas que produzem calor residual,
aproveitável para outros fins energéticos;
•
transmissoras;
•
distribuidoras, subdivididas entre concessionárias e permissionárias e autorizadas, com
as duas últimas atinentes à atividade rural;
•
agentes comercializadores de energia elétrica, que não possuem sistemas elétricos e,
sob autorização de agência reguladora, atuam no mercado de compra e venda de
energia elétrica para concessionários, autorizadas ou consumidores que tenham livre
escolha de fornecedor (consumidor livre);
•
agência reguladora federal (ANEEL) e agências estaduais que atuam por delegação da
primeira;
•
câmara de comercialização de energia elétrica, sucedânea do mercado atacadista de
energia, que, como o próprio nome indica, atua na comercialização desse importante
insumo.
No caso do gás natural, o panorama do unbundling é semelhante ao da energia
elétrica em termos de temporalidade e das influência externas que o viabilizaram. Contudo,
algumas peculiaridades, como a importação do insumo e a existência de duas instâncias de
95
regulação, fazem do unbundling do sistema de gás natural diferenciado do de eletricidade,
como ilustrado na figura 23.
Fonte: RG & Strat (2004).
Figura 23: Arranjo institucional do sistema de gás natural
4.3.4 Setor de Saneamento
Diferentemente dos demais setores de infra-estrutura, o setor de saneamento,
inclusive no Brasil, não apresenta grande evolução em termos de unbundling, com exceções
ocorrendo por conta de países como Grã-Bretanha, Chile e Austrália.
Nesse setor ainda são dominantes as empresas verticalizadas, estatais ou
concessionárias privadas. As razões que poderiam para explicar esse diferencial de
unbundling seriam:
• o caráter de absoluta essencialidade do serviço, que o torna mais sensível a pressões da
população no sentido de modicidade tarifária;
• o freqüente uso do subsídio cruzado para subsídio às classes menos favorecidas;
96
• as dificuldades de corte do fornecimento do serviço no caso de inadimplência.
Contudo, a crescente pressão populacional sobre as cidades, associada à escassez
de fontes de abastecimento e à limitada capacidade de investimento de empresas estatais
ou órgãos públicos encarregados desse serviço vêm introduzindo a necessidade de
mudanças nos arranjos institucionais vigentes, sendo bom exemplo o modelo sugerido
pelo Asia Development Bank (1998) aos países em desenvolvimento daquele continente
(figura 24).
Mercado dos
direitos de água
Fossas
Fonte: Asia Development Bank (1998).
Figura 24: Arranjo institucional no sistema saneamento
4.3.5 Setor Aéreo
O setor aéreo é na verdade um dos que a questão do unbundling encontra-se em
evidência praticamente desde seu início, na medida em que a infra-estrutura aeroportuária é
partilhada por diversos operadores.
No setor aéreo a introdução da competição difere grandemente de monopólios ou
oligopólios verticalizados, caso dos setores anteriormente discutidos e onde o desagregação
é fator vital de análise.
97
A competitividade do setor aéreo, segundo Bosh e García-Montalvo (2003),
depende de três fatores básicos: i) competição entre empresas aéreas; ii) estruturação dos
serviços dos aeroportos; e iii) controle de tráfego aéreo.
A participação no mercado de empresas aéreas está quase sempre condicionada à
forte regulamentação e medidas protecionistas para empresas nacionais, que limitam a
competição em muitas rotas.
O controle do tráfego aéreo, muita vezes de baixa confiabilidade, também limita o
aumento do tráfego ou inibe a presença de mais operadores ainda que lhes fosse permitido
o acesso.
A proibição de cabotagem, taxas aeroportuárias e tarifas de combustível
discriminatórias e a alocação de slots (faixas de tráfego) contribuem também para a
diminuição da competição.
Sobre esse último tópico é que surge agora um movimento de unbundling no que
respeita à infra-estrutura aeroportuária, no sentido de que as taxas sejam cobradas pelos
serviços realmente requisitados pelos operadores e não pelos serviços genericamente
disponibilizados.
Segundo Tretheway (2007) muitos empresas aéreas low cost – low fare almejam
utilizar a infra-estrutura aeroportuária nos horários de vale ou ainda dispensar o uso de
pontes rolantes de embarque ou desembarque, fazendo jus, portanto, a menores taxas.
Nesse caso está em jogo outro tipo de unbundling: o das taxas aeroportuárias.
4.3.6 Resumo
O item 4.3 não tem por objetivo discutir os processos de unbundling de setores da
infra-estrutura internacional e nacional, no sentido de sua eficácia ou efetividade. O que se
procurou fazer foi simplesmente constatar que todos os setores da infra-estrutura, em uma
razoável quantidade de países, inclusive o Brasil, passaram por reformas onde a
desagregação de estruturas verticalizadas foi elemento central.
Dessa forma, o objetivo deste item foi demonstrar que a segregação da infraestrutura ferroviária está perfeitamente alinhada a processos de unbundling semelhantes ou
até mesmo mais complexos, constituindo-se, pois, num dos elementos de convicção de
que trata o capítulo 4 desta tese.
98
4.4 PESQUISA AMPLA
Em agosto de 2005, foi firmada uma parceria entre o autor e a Revista
Ferroviária, o mais antigo periódico do Brasil, no sentido de ser feita uma enquete sobre a
segregação da infra-estrutura ferroviária através do sítio daquela revista.
Foi formulada ao público que acessava o referido sítio a seguinte questão: “A
segregação da infra-estrutura ferroviária, através da qual uma via férrea é disponibilizada
para outros operadores além do concessionário, é hoje compulsória na Europa Ocidental.
Essa política, deve ser implementada no Brasil?”
Para facilitar o trabalho de recolhimento de opiniões, foram destacadas três
possibilidades de respostas:
•
sim, em toda a malha ferroviária;
•
sim, em segmentos selecionados da malha ferroviária;
•
não, em nenhum segmento da malha ferroviária.
Decorridos seis meses da inserção do questionário, obteve-se a significativa
marca de 850 opiniões emitidas pelos visitantes do sítio, que de certa forma pode ser
considerado como tendo alguma intimidade com assuntos ferroviários, dada a óbvia
segmentação dos assuntos do sítio.
Os resultados da aplicação do questionário são
mostrados na figura 25.
Figura 25: Resultados da enquete no sítio da Revista Ferroviária
99
Como pode ser observada na figura 25, a maior parte dos entrevistados entende
que a infra-estrutura pode ser segregada em toda a malha ferroviária brasileira, percepção
que obteve grande vantagem porcentual sobre as demais hipóteses.
É interessante observar que o posicionamento majoritário pela segregação
manteve ao longo do tempo uma tendência de leve ascendência, ao contrário dos que
entendem não ser a segregação necessária em nenhum local da malha, cujo
comportamento foi sempre descendente.
Esse comportamento sugere que o processo de segregação, uma vez melhor
conhecido, passou a ser considerado interessante pelo público, posto que no período da
pesquisa forma realizados dois eventos pela Revista Ferroviária (seminários “O Cliente e as
Ferrovias” e “Negócios nos Trilhos”) onde esse tema foi de alguma maneira explicitado.
Os resultados da enquete, em que as opções favoráveis à segregação totalizam
quase 90% das respostas, sugerem, portanto, que esse tema deve constar da agenda de
discussões sobre eventuais processos de reestruturação do sistema ferroviário nacional, da
qual se pretende que este trabalho acadêmico faça evidentemente parte.
4.5 ENTREVISTAS
4.5.1 Justificativa e Metodologia
Os resultados da pesquisa no sítio da Revista Ferroviária, embora altamente
favoráveis à segregação da infra-estrutura, devem ser analisados com cautela, pois
envolveram um universo de pessoas que não podem ser consideradas como especialistas
em transportes.
Objetivando contornar essa dificuldade, foram efetuadas entrevistas sobre a
questão da segregação com personalidades direta ou indiretamente ligadas meio
ferroviário,
como
operadores,
reguladores,
industriais,
consultores,
professores,
representantes de entidades patronais e agentes de fomento econômico.
As entrevistas tiveram como elemento estruturador um questionário, que, por
seu turno, teve como base a técnica SWOT (Strenght, Weakness, Opportunities and Treats –
Pontos fortes, Pontos fracos, Oportunidades e Ameaças), através da resposta a quatro
perguntas básicas:
100
Em relação a uma possível segregação da infra-estrutura ferroviária no Brasil:
Admitindo-se que você seja um observador neutro:
a) Quais os possíveis pontos fortes dessa medida?
b) Quais os possíveis pontos fracos dessa medida?
Deixando a neutralidade de lado:
c) Quais as possíveis oportunidades que essa medida traria ao seu negócio atual
ou ao setor que você representa?
d) Quais as possíveis ameaças que essa medida traria ao seu negócio atual ou
ao setor que você representa?
Ressalte-se que um observador neutro é aquele que procura responder aos
questionamentos analisando-os sob uma ótica mais pluralista, enquanto que o observador
não neutro procura as respostas tendo como foco exclusivo o seu negócio.
Esse trabalho revelou-se uma árdua tarefa, na medida em que muitos potenciais
entrevistados declinaram de expor suas idéias, sob o argumento básico de que se tratava de
algo novo e polêmico, ainda não discutido no âmbito de suas organizações; outros
responderam sob a condição de anonimato. Por esse motivo não será possível listar neste
trabalho os nomes dos respondentes.
Foram efetuadas dezoito entrevistas, contemplando os seguintes campos de
atuação profissional:
•
consultoria de transportes (4);
•
academia – engenharia de transportes (4);
•
indústria ferroviária (2);
•
jornalismo especializado em ferrovia (1);
•
banco de fomento econômico (1);
•
regulação de transporte (2);
•
indústria de mineração – usuária da ferrovia (1);
•
indústria moageira de grãos – usuária da ferrovia (1);
•
concessionária de carga (2).
4.5.2 Resultados Obtidos
As cerca de duas dezenas de entrevistas permitiram traçar o seguinte panorama
opinativo:
101
a) Pontos Fortes (observador neutro):
•
acidentes: provável redução ante a necessidade de uma maior qualidade da via
permanente para atração de novos operadores; maior atenção às condições de
material rodante e à condução de trens, tendo em vista as eventuais multas
impostas aos operadores, pelos gestores da infra-estrutura, especialmente no caso
de acidentes imputáveis ao estado dos veículos ferroviários ou à sua equipagem;
•
atendimento: melhoria pelo aumento da concorrência intratrilhos;
•
financiamento: universalização das parcerias público-privadas na área ferroviária, já
que a construção de uma grande variante do traçado, por exemplo, teria como
beneficiários vários operadores e não apenas um único como ocorre atualmente,
ficando mais bem caracterizado o interesse público de que tratam as Leis Federais
8.987/95 (Lei das Concessões) e 11.079/04 (Lei das PPPs); possibilidade de
investimentos públicos diretos, sem caracterização de subsídio ao concessionário
privado, em princípio vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, nos casos
de open access, posto que nesse caso as ferrovias se assemelhariam a rodovias
públicas;
•
indústria nacional: aumento das encomendas de novos equipamentos de tração e de
transporte pela entrada de novos operadores, assim como o correspondente
incremento dos serviços de manutenção e reabilitação; aumento do volume de
encomendas de bens e serviços na área de via permanente, em função da
necessidade de sua maior qualidade;
•
intermodalidade: maior indução a esse tipo de tráfego, pela possível presença de
novos operadores oriundos dos modos rodoviário e hidroviário;
•
monopólio: desmonte parcial de situação monopolista e de suas naturais
impedâncias, com a introdução da concorrência intra-trilhos;
•
oferta: ampliação pelo ingresso de novos operadores; alternativa para os clientes
cativos que se sintam prejudicados pelas atuais condições de transporte (valor do
frete, freqüência de trens, tempo de viagem etc.);
•
produtividade do setor: incremento pela possibilidade da entrada de novos
operadores em segmentos ferroviários de baixa densidade de tráfego;
•
regulação: existência de maior número de benchmarks para balizamento da ação
regulatória;
102
•
tarifas: diminuição em virtude do incremento da densidade de tráfego, sobretudo
no que respeita ao rateio dos custos fixos entre os embarcadores.
b) Pontos fracos (observador neutro):
•
acidentes: dificuldades de apuração; possível tendência do gestor em culpar o operador
e vice-versa; ausência de profissionais experimentados para arbitragem;
•
crédito: razoável para aquisição de vagões (120 meses pelo Finame / BNDES) porém
curto quando se trata de locomotivas (60 meses pelo Finame / BNDES);
•
custo: do aumento dos custos de transação;
•
foco: perda de foco no negócio, no caso de empresas não operadoras atualmente;
•
material rodante: caro e escasso para os pequenos operadores;
•
operação: ausência de experiência dos entrantes, agravada pela inexistência de
profissionais de bom nível no mercado; dificuldades na política de treinamento de
pessoal pela baixa oferta de cursos e instalações de ensino específicas (simuladores de
condução, bancadas de testes de frenagem etc.);
•
regulação: ampliação de conflitos intra-trilhos; despreparo do órgão regulador em lidar
com esse tipo de assunto; morosidade da burocracia brasileira na resolução de
conflitos.
c) Oportunidades (observador não neutro):
●
cliente cativo: possibilidade de deixar de sê-lo;
●
financiamento: dinamização do mercado, com diversificação do risco e possível
redução de taxas e spreads;
●
nicho de mercado: abertura de novas oportunidades no setor de transporte, sobretudo
para transportadores rodoviários que enfrentam concorrência desleal dos autônomos,
no que respeita a condições do veículo (inexistência de fiscalização), pesos por eixo
(ausência de balanças nas rodovias), jornada de trabalho (ausência de leis trabalhistas),
exclusão da depreciação no custo do frete etc.;
●
oferta: aumento do leque de produtos a serem transportados pelas ferrovias, pela
provável especialização dos entrantes;
103
●
serviços: aumento das atividades do setor (consultoria, seguros, manutenção e leasing
de material rodante etc.) pela ampliação do universo de clientes.
d) Ameaças (observador não-neutro):
●
acidentes: possibilidade de aumento pela obsolescência de material rodante dos novos
operadores, que não terão condições de adquirir ou alugar equipamentos novos;
●
custo: possível aumento nos trechos onde for eliminada a possibilidade de uma real
economia de escala;
●
corporativismo: natural reação de empregados das concessionárias, alicerçados em
estruturas verticalizadas, temerosos de perderem seus empregos;
●
regulação: possibilidade das concessionárias valerem-se de firmas pequenas para
descumprimento de obrigações patronais acordadas com sindicatos de classe ou
desfrutarem de situações fiscais mais favoráveis; possibilidade de recurso à justiça nas
solução de pendências de maior vulto; possibilidade de incremento de uma maior
ingerência do poder público nas concessionárias atuais, tendo como leit motiv a
segregação da infra-estrutura;
●
risco de crédito: aumento para empréstimos já concedidos às concessionárias, em
virtude da incerteza do sucesso da segregação (caso essa ocorra de maneira intensa).
4.5.3 Análise dos Resultados
Como pontos positivos, merecem atenção, além da quebra do monopólio, os
potenciais aumentos da oferta e da intermodalidade, eventuais diminuições dos valores dos
fretes e a maior possibilidade de aporte de recursos públicos a parcerias público-privadas na
solução de gargalos operacionais e de contornos urbanos.
Como pontos de convergência, positivistas, as possibilidades do incremento da
intermodalidade e do aporte de recursos a PPPs na solução de impedâncias operacionais.
Dos pontos negativos relatados emergem como destaques as dificuldades
regulatória, creditícia (entrantes) e o aumento dos custos de transação. Esses tópicos são
convergentes para a maioria dos entrevistados.
Das oportunidades apontadas, surge como pontos principais a possibilidade de
remissão do status de cliente cativo, o incremento de um amplo leque de atividades no
104
setor de serviços e a existência de um novo nicho de mercado para transportadores
rodoviários.
As oportunidades antes citadas não encontram consenso no conjunto de
entrevistados, refletindo pontos de vista de atores que não detém concessões de transporte.
Das ameaças apontadas, são pontos principais a possibilidade de incremento da
ingerência pública nos negócios privados e o corporativismo dos empregados das
operadoras hoje verticalizadas.
Tal como no caso das oportunidades, as ameaças são fruto de análises de
entrevistados ligados às operadoras de carga, não traduzindo, portanto, espírito consensual.
4.5.4 Resumo do Processo de Entrevistas
Como balanço final, verifica-se que os resultados das entrevistas mostram que,
para uma observação neutra, os pontos positivos superam amplamente os pontos
negativos, o que sem dúvida mostra a potencialidade da segregação da infra-estrutura sob
essa ótica. Para uma observação não-neutra, com cada entrevistado olhando o seu negócio,
as ameaças são equivalentes às oportunidades, demonstrando certo equilíbrio em as duas
posições.
Olhadas, portanto, no conjunto, as entrevistas tendem a considerar
favoravelmente a possibilidade segregação da infra-estrutura, muito embora considerem
isso como tarefa não trivial.
Como elementos de consenso da segregação da infra-estrutura aparecem a
intermodalidade e o estímulo às parcerias público-privadas na solução de problemas
operacionais, sobretudo aqueles onde a participação de poder público seja financeiramente
ou politicamente indispensável.
Pontos fortes e fracos, oportunidades e ameaças, em seus aspectos mais
abrangentes e consensuais, serão levados em consideração quando da elaboração dos
modelos de implementação da segregação da infra-estrutura ferroviária, de que trata o
Capítulo 6.
105
5 ESTUDO DE CASO
5.1 CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE DO SEGMENTO FERROVIÁRIO A
ESTUDAR
Como corolário ao trabalho desenvolvido no capítulo anterior, elaborou-se um
estudo de caso, onde um determinado segmento da malha ferroviária brasileira foi
imaginado como tendo sua infra-estrutura segregada. Para tanto, inicialmente foi feita uma
avaliação dos possíveis trechos a serem estudados para a implantação da nova proposta, à
luz de alguns critérios básicos, que, de um lado, refletiram os acertos de experiências no
Exterior, e, de outro, consideraram o atual cenário institucional do sistema ferroviário
brasileiro de cargas.
Os critérios básicos para seleção do segmento ferroviário a estudar, que, ao ver do
autor, são absolutamente inovadores, foram os seguintes:
a) Baixa densidade de tráfego
A prioridade para a implantação da operação segregada deve considerar as linhas
com baixa densidade de tráfego, onde exista folga para a passagem de trens adicionais, sem
prejuízo, portanto, à circulação dos trens atuais. De fato, não se vislumbra qualquer
factibilidade técnica ou institucional de segregação de vias como as da E. F. Vitória a
Minas, pertencente à Cia. Vale do Rio Doce, por exemplo, que com seus 905 km de
extensão transporta atualmente cerca de 140 milhões de toneladas, cerca de 40% do total
da tonelagem brasileira.
As capacidades de vazão de uma via singela evidentemente dependerão, dentre
outros fatores, do comprimento dos trens, das condições geométricas do traçado (que por
seu turno delimitarão as velocidades dos trens), do sistema de sinalização adotado e do
número e disposição dos postos de cruzamento. Uma estimativa feita por Hay (1971), para
as ferrovias norte-americanas, mostra os seguintes valores práticos (tabela 28):
106
Tipo de via
permanente
Via singela
Via dupla
Sinalização manual
25 a 30
Número de trens / dia
Sinalização com circuito de
via
40 a 50
90 a 100
Sinalização com CTC
(centralized traffic control)
60 a 75
200
Fonte: Hay (1971)
Tabela 28: Estimativa da capacidade operativa de ferrovias
No caso das ferrovias brasileiras, para efeito deste trabalho, pode ser considerado
como de baixa densidade de tráfego o trecho que tem um movimento máximo diário de 20
a 30% do volume teórico máximo de uma via singela com sinalização manual. Em outras
palavras, cerca de seis de trens/dia, somados os dois sentidos, considerada uma formação
típica contemplando 30 vagões e uma locomotiva em cada trem (podendo haver
eventualmente acoplamento de composições). Essa formação deriva da divisão do número
médio de vagões pelo de locomotivas, para as ferrovias ditas não mineradoras (onde essa
relação é distorcida, para mais), com base em ANTT (2007), cujos resultados são os
seguintes:
●
ALL: 30 vagões/loco;
●
Novoeste: 32 vagões/loco;
●
FCA: 24 vagões/loco.
b) Boa capacidade de vazão
O trecho considerado não deve necessitar de investimentos vultosos para
apresentar uma boa capacidade de vazão, pois os recursos iniciais a serem aplicados na
ampliação da citada capacidade (duplicação de vias, implantação de postos de cruzamento,
sinalização por ATC, etc.) costumam ser elevados, e de certo dificultariam a proposta da
segregação.
Para aplicação desse critério, considerar-se-á que possuam boa capacidade de
vazão os trechos recentemente remodelados ou reabilitados, ou aqueles recentemente
implantados ou em vias de implantação. Isso porque os demais trechos, sejam tanto da
malha da antiga RFFSA como da antiga FEPASA, que não passaram por uma
remodelação, são em geral constituídos por trilhos de baixa inércia (TR-37 ou inferiores),
alta taxa de dormentes em mau estado, fixações rígidas, inexistência de placas de apoio,
107
pontes e viadutos com restrição de velocidade etc., conforme experiência vivida pelo autor
em seus trabalhos de recuperação de infra-estruturas ferroviárias em quase todo o Brasil.
c) Longa distância de transporte
Sabe-se, de há muito, que os custos fixos e as operações de ponta (terminais) são
bastante elevados no transporte ferroviário. Por outro lado, a baixa resistência ao
rolamento e possibilidade de acoplagem de inúmeros veículos rebocados a uma única fonte
de tração, torna o transporte ferroviário muito atraente quando em marcha. A título de
exemplificação apenas, um vagão GDT (gôndola, bitola larga), pesando 120 tf, se deixado
correr livremente, no plano, a partir de uma velocidade de 65 km/h, percorrerá 13 km até
parar. Já uma carreta, pesando apenas um terço do vagão (40 tf), nas mesmas condições,
em rodovia pavimentada, circulará por somente 1 km antes de cessar seu movimento
(Rosa, 2000).
Em outras palavras, isso significa que uma ferrovia é, em tese, tanto mais
competitiva quanto maior for a distância de transporte envolvida, de sorte que a diluição
dos custos fixos e das operações em terminais na quilometragem seja compensada pela
maior eficiência energética e pela economia de escala resultante da agregação de várias
unidades de transporte num comboio.
Portanto, para se tornarem mais competitivas frente ao transporte rodoviário, a
operação ferroviária, de uma forma geral, e a proposta de segregação, de forma específica,
devem se fixar em longas distâncias de transporte.
Para aplicação desse critério, considerar-se-á que a distância de transporte
adequada para aplicação da segregação seja maior ou igual à média da distância média de
transporte no Brasil, que atualmente é de cerca de 570 km, conforme se depreende da
figura 26. Esse valor, inclusive, está coerente com as observações de Hay (1971),
relativamente às ferrovias norte-americanas, que considera o patamar de 350 km como o
ponto de partida para a competitividade ferroviária frente ao caminhão.
108
Fonte: cálculos do autor com base em ANTT (2007)
Figura 26: Evolução da distância média de transporte
d) Fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado
A experiência européia tem mostrado que os novos operadores de uma via
ferroviária segregada capturam parte da demanda do modo rodoviário. No Brasil, a geração
de novas cargas para o transporte terrestre tem sido caracterizada pela expansão das
fronteiras agrícolas ou da intensificação da atividade mineradora.
Portanto, é lícito supor que a viabilização da operação ferroviária numa via férrea
existente, de baixa densidade de tráfego (ver critério a), não estaria necessariamente ligada a
uma intensificação de atividade mineradora ou ao expansionismo agrícola (já que isso teria
sido normalmente apropriado pelo operador atual), mas sim à captura de cargas ao modo
rodoviário.
Destarte, há necessidade de que o segmento escolhido possua razoável demanda
de cargas rodoviárias na sua área de influência, capaz de ser parcialmente captada pela
ferrovia através do novo modelo de operação segregada.
Para aplicação desse critério, considerar-se-ão como fluxos rodoviários passíveis
de captura aqueles que:
●
sejam concorrentes aos fluxos ferroviários;
●
apresentem uma demanda muito superior ao que se espera capturar no modo
ferroviário.
Sobre esse último condicionante, estimou-se um percentual máximo inicial de
captura de 30% (ver maiores detalhes no item 5.6), com os restantes 70% permanecendo
no modo rodoviário. Ademais, estipulou-se que o fluxo mínimo a ser transportado pelo
109
operador entrante corresponderia ao emprego de pelo menos três composições tipicamente
formadas por uma locomotiva e 30 (trinta) vagões cada, podendo eventualmente ser ou não
acopladas, tomando-se por base a média dos trens usualmente operados em trechos de
bitola métrica das ferrovias brasileiras, com uma lotação média dos vagões de 60 toneladas,
totalizando 1.800 toneladas de carga (útil) máxima por composição.
Isso porque os custos de maquinista, maquinista auxiliar, inspetor de tração,
inspetores de estado de material rodante em pátios de carga e descarga (verificação de
frisos, calos e trincas de roda, aparelhos de choque e tração, sistema de freio etc.), inspetor
de reparo de vagões, inspetor de reparo de locomotivas (ou mestres de oficina, caso esta
seja própria) e uma série de outros profissionais que um operador ferroviário deve
minimamente possuir precisam ter seus custos diluídos num número razoável de veículos.
Considerando-se, numa estimativa inicial, que cada uma das três composições
execute, anualmente, 50 viagens carregadas, num regime de ciclo de rotação média entre
carga, viagem de ida e volta ao ponto inicial de 7 (sete) dias, ter-se-ia um volume de
transporte anual de 90 mil toneladas por composição ao ano, totalizando no conjunto 270
mil toneladas. Isso significa, portanto, que os fluxos rodoviários existentes devem ser pelo
menos o triplo disso.
Os números do parágrafo anterior foram estimados com base em CNT (2006),
onde se observa uma velocidade média de 15 km/hora, típica da malha de bitola métrica
brasileira, e um percurso médio de 545 km. Com isso, em termos de viagem (ciclo
completo) ter-se-iam três dias de percurso. Adicionando-se um dia para que um trem
servindo a um cliente se desloque de forma a poder atender a outro cliente, em outro
terminal, e outros três dias para carga, descarga e revista dos trens em pátios, chega-se aos
sete dias antes mencionados. Observe-se que esse cálculo não é aplicável a trens de minério
de ferro, por exemplo, onde os ciclos de tempo são substancialmente inferiores.
e) Trecho com unicidade de gestão
A prioridade para a implantação da operação segregada deve considerar as linhas
administradas por um único operador dominante ao longo de toda a sua extensão, evitando
os conflitos entre administrações diferentes, que tendem a provocar eventuais prejuízos à
circulação dos trens.
110
Sobre esse aspecto é importante frisar que atualmente boa parte das ferrovias
opera com os sistemas de licenciamento via satélite, nos trechos sem sinalização, onde
anteriormente a licença de circulação era conferida através de documento escrito (pode)
conferido pelo despachador de cada estação. Nesse novo sistema, que não é fail safe, há
necessidade de perfeita ambientação dos maquinistas ao trecho físico e à estrita observância
das regras eletrônicas de circulação. Dessa maneira, a presença de um novo operador
circulando em diferentes linhas, com também diferentes procedimentos operacionais,
certamente constituir-se-ia num óbice à tese da segregação.
5.2 SEGMENTOS FERROVIÁRIOS ELEGÍVEIS PARA ESTUDO
Com base nos critérios antes elencados, foram eliminados, em primeiro lugar, os
corredores de exportação, de alta densidade de tráfego e razoável extensão, responsáveis
por grande parte dos fluxos ferroviários brasileiros, quais sejam:
●
Estada de Ferro Carajás, da Cia. Vale do Rio Doce, interligando Carajás (PA) ao porto
da Madeira (MA);
●
Estrada de Ferro Vitória a Minas, da Cia. Vale do Rio Doce, interligando o
Quadrilátero Ferrífero (MG) ao porto de Tubarão (ES);
●
Ferrovia do Aço/Linha do Centro, da MRS Logística, interligando o Quadrilátero
Ferrífero (MG) ao porto de Guaíba (RJ);
●
Ferrovias Norte Brasil/Ferrovias Bandeirantes, atualmente pertencentes à da América
Latina Logística, interligando Alto Araguaia (MT) ao porto de Santos (SP);
●
Corredor Londrina – Paranaguá (PR), da América Latina Logística; e
●
Corredor Santa Rosa/Cruz Alta – porto do Rio Grande (RS), da América Latina
Logística.
Após uma nova análise dos segmentos restantes, foram considerados elegíveis
para a implantação da nova proposta os trechos ferroviários a seguir descritos.
a) Corredor Corumbá (MS) – Santos (SP)
Trata-se de trecho de 1.758 km em bitola métrica, formado pela linha-tronco da
antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, desde a fronteira do Brasil com a Bolívia, nas
cercanias de Corumbá (MS), até Bauru (SP), e daí a Santos (SP) pela linha da antiga Estrada
111
de Ferro Sorocabana, atualmente em toda a sua extensão operado pela concessionária
América Latina Logística S. A. – ALL.
A Estrada de Ferro Noroeste do Brasil teve a construção iniciada em 1905, a
partir de Bauru em direção à fronteira com a Bolívia, somente ficando concluída a obra em
1952. Em 1957 foi incorporada à RFFSA e privatizada em 1996 como Ferrovia Novoeste,
depois incorporada à holding Brasil Ferrovias e finalmente adquirida a concessão pela ALL
em 2006.
De Bauru a Santos a linha era parte da antiga Estrada de Ferro Sorocabana - EFS,
cuja obra iniciou-se em 1872 nas imediações de Sorocaba em direção a São Paulo. Em
contínua expansão e incorporação de outras estradas, a EFS a partir de 1971 passou a fazer
parte da FEPASA – Ferrovia Paulista S. A., estadual, sendo privatizada em 1999 como
Ferroban - Ferrovias Bandeirantes S. A., depois incorporada à holding Brasil Ferrovias e
finalmente adquirida a concessão pela ALL em maio de 2006.
Esse Corredor tem como concorrentes transportadores rodoviários na BR-262 e
SP-150, SP-160, SP-280 e SP-300, que em conjunto apresentam fluxos de 9.340.000
toneladas anuais nos dois sentidos, conforme cálculos do autor baseados em Geipot (1999).
b) Corredor São Paulo (SP) – Uruguaiana (RS)
Trata-se do trecho de 2.160 km em bitola métrica entre Tatuí, nas proximidades
de Sorocaba (SP), e Uruguaiana, na fronteira entre o Rio Grande do Sul e a Argentina, sob
a operação da ALL. A partir desse ponto existem mais 754 km em bitola padrão (1.435
mm), de Paso de los Libres a Buenos Aires, também operados pela ALL.
A ALL foi a nova denominação dada à Ferrovia Sul Atlântico, que venceu o
processo de privatização da malha sul da Rede Ferroviária Federal em 1997, e passou a
operar a malha no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Essa nova denominação foi
derivada da aquisição, pelo mesmo grupo empresarial, das concessões das ferrovias
argentinas Ferrocarril Mesopotamico / General Urquiza (bitola 1.435 mm) e Ferrocarril
Buenos Aires al Pacifico / General San Martin (bitola 1.676 mm), em 1999.
Em 1998, por meio de contrato operacional, a companhia assumiu as operações
da malha sul paulista pertencente à Ferrovias Bandeirantes - Ferroban.
112
Em julho de 2001, a ALL integrou a Delara Ltda, uma das maiores empresas de
logística rodoviária do País, e assumiu as operações e contratos comerciais da empresa no
Brasil, Chile, Argentina e Uruguai.
Com a aquisição da Brasil Ferrovias e da Novoeste, em maio de 2006, a ALL
brasileira consolidou sua posição de maior empresa ferroviária da América do Sul,
passando a operar desde o Rio Grande do Sul ao Mato Grosso, num total 11.700 km.
O Corredor em análise tem como concorrentes transportadores nas rodovias BR101/116/290, que em conjunto apresentam fluxos de 4.569.000 toneladas anuais nos dois
sentidos, conforme cálculos do autor baseados em Geipot (1999).
c) Corredor Araguari (MG) – Santos (SP)
Trata-se do trecho de 650 km em bitola métrica operado pela Ferrovia CentroAtlântica – FCA, formado pela linha tronco da antiga Companhia Mogiana de Estradas de
Ferro, desde Araguari (MG) até Boa Vista, próximo a Campinas (SP), e daí a Santos pelo
regime de direito de passagem, por mais 200 km sobre a linha operada pela concessionária
ALL.
A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro iniciou a construção de sua linha de
bitola métrica a partir de Campinas em dezembro de 1872, em direção à cidade de Mogi
Mirim, inaugurando o primeiro trecho em 1875. A Mogiana, como era mais conhecida,
continuou a crescer sempre em busca das regiões de cultura cafeeira, construindo vários
ramais que passariam a ser conhecidos como "ramais cata-café". Em sua expansão chegou
a Ribeirão Preto em 1883.
Em 1971 foi incorporada à Fepasa e privatizada em 1999 como Ferroban, sendo
em 2001 autorizada pelo Ministério dos Transportes a transferência do trecho para a FCA,
como parte de um processo de reestruturação acionária e operacional da Ferroban,
constituindo a atual “Malha Paulista”.
Esse Corredor tem como concorrentes transportadores nas rodovias BR-050 e
SP-150/160/348/330, que em conjunto apresentam fluxos de 6.585.000 toneladas anuais
nos dois sentidos, conforme cálculos do autor baseados em Geipot (1999).
d) Nova Transnordestina
113
Trata-se de um projeto novo prevendo a ligação ferroviária em bitola larga (1.600
mm) entre a fronteira agrícola no sul do Piauí e os portos de Pecém, no Ceará, e Suape, em
Pernambuco, com a construção de 646 km e a recuperação de 1.150 km de via da CFN –
Companhia Ferroviária do Nordeste.
Atualmente estão em andamento apenas as obras do trecho de Missão Velha (CE)
a Salgueiro (PE), com 110 km, iniciadas em julho de 2006.
Esse Corredor tem como concorrentes transportadores nas rodovias BR020/230/232/316, que em conjunto apresentam fluxos de 372.000 toneladas anuais nos
dois sentidos, conforme cálculos do autor baseados em Geipot (1999).
e) Ferrovia Norte-Sul
A Ferrovia Norte-Sul, em bitola larga (1.600 mm), idealizada por Paulo de Frontin
no início do século XX, como extensão da E. F. Central do Brasil (que em seu projeto
inicial previa a interligação do Rio de Janeiro a Belém do Pará), foi iniciada em 1987, em
Açailândia, no Maranhão, somente chegando a Aguiarnópolis, em Tocantins, em 2002.
Essa ferrovia, que interligará Goiás, Tocantins, Maranhão e Pará, terá, quando
concluída, 1.980 km de extensão. A Ferrovia Norte-Sul está sendo implantada pela VALEC
- Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., empresa pública, do Ministério dos
Transportes, que detém a concessão para sua construção e operação.
O trecho inicial da Ferrovia Norte-Sul, de Açailândia a Aguiarnóplis, com 215 km,
está em operação comercial pela Estrada de Ferro Carajás, permitindo o acesso ao porto de
Itaqui, em São Luis (MA), distante 513 km de Açailândia pela E. F. Carajás.
O expressivo volume de investimento necessário à total implantação da Ferrovia
Norte-Sul - cerca de R$ 2,5 bilhões – levou a VALEC a buscar um novo modelo de
captação de recursos que viabilize a construção dos demais trechos do projeto.
Os trabalhos de modelagem apontaram para a adoção do modelo de
subconcessão, tendo como objeto inicial a construção do trecho ferroviário Araguaína
(TO) – Palmas (TO), com 359 km de extensão, e a operação comercial do trecho com 720
quilômetros entre Açailândia (MA) e Palmas (TO).
Em 27 junho de 2006, a VALEC iniciou o processo de licitação, na modalidade
leilão, para contratar a subconcessão para exploração comercial deste trecho, cabendo ao
114
licitante vencedor a operação, conservação, manutenção, monitoração, melhoramentos e
adequação do trecho ferroviário durante trinta anos.
Em setembro de 2007 essa subconcessão foi ganha pela CVRD, com lance de R$
1,478 bilhão. Os recursos provenientes desta outorga serão utilizados pela VALEC para a
construção dos demais trechos da Ferrovia Norte-Sul, entre os quais, o trecho
compreendido entre as cidades de Araguaína e Palmas, no Tocantins, com extensão de 359
quilômetros.
Esse Corredor tem como concorrentes transportadores nas rodovias BR010/135/222, que em conjunto apresentam fluxos de 1.740.000 toneladas anuais nos dois
sentidos, conforme cálculos do autor baseados em Geipot (1999).
f) Ferroanel Norte em São Paulo
Trata-se do futuro trecho norte do Ferroanel em São Paulo, SP, com cerca de 65
km de extensão, destinado a desviar o tráfego de trens diretos de carga da MRS Logística
em bitola larga do centro da cidade, liberando as linhas da CPTM - Companhia Paulista de
Trens Metropolitanos, e facilitando a interligação ferroviária de bitola larga entre o Vale do
Paraíba e o interior do estado de São Paulo.
O projeto encontra-se ainda em fase de discussão entre os diversos setores de
governo federal e do Estado de São Paulo, sem previsão de data de implantação, prevendose a possibilidades de aplicação da PPP, tendo como principal beneficiária a MRS Logística.
Há intenso fluxo rodoviário, de difícil mensuração, em rotas paralelas ao
Ferroanel, posto que este circunda a região metropolitana de São Paulo.
g) Ferroanel Sul em São Paulo
Também se encontra em início de discussão a construção do trecho sul do
Ferroanel, com cerca de 35 km de extensão, interligando a MRS com a ALL na região de
Embu Guaçú. Da mesma forma que o trecho norte, prevê-se a possibilidade de aplicação
da PPP, e também neste caso seria principal beneficiária a MRS Logística.
Há intenso fluxo rodoviário em rotas paralelas ao Ferroanel, também de difícil
mensuração, posto que este circunda a região metropolitana de São Paulo.
115
5.3 SELEÇÃO DO SEGMENTO A ESTUDAR
A tabela 29 mostra a análise dos trechos-candidatos em relação aos critérios de
elegibilidade que definirão, no seu conjunto, a viabilidade ou não da operação no regime de
segregação da infra-estrutura.
Critério
Capacidade de Distância de
vazão
transporte
1 – Corumbá - Santos
Atende
Atende
Atende
Fluxo
rodoviário
significativo
Atende
2 – São Paulo - Uruguaiana
Atende
Atende
Atende
Atende
Atende
3 – Araguari - Santos
Atende
Atende
Atende
Atende
Não atende
4 – Nova Transnordestina
Atende
Atende
Atende
Não atende
Atende
5 – Ferrovia Norte-Sul
Atende
Atende
Atende
Não atende
Atende
6 – Ferroanel Norte em SP
Não atende
Atende
Não atende
Atende
Atende
7 – Ferroanel Sul em SP
Não atende
Atende
Não atende
Atende
Não atende
Trecho
Densidade
de tráfego
Unicidade de
gestão
Atende
Tabela 29: Elegibilidade de segmento ferroviário para estudo de caso
Com relação à tabela 29, cabem as seguintes notas explicativas sobre o
atendimento ou não a cada critério:
Corredor Corumbá – Santos
a) Trecho com baixa densidade de tráfego (atende à condição): especialmente no segmento
entre Corumbá e Bauru (antiga EFNOB) a linha apresenta grande ociosidade. De Bauru a
Mairinque (SP), via Botucatu (SP) e Sorocaba (SP), existe algum movimento. Somente
entre Mairinque e Santos há maior tráfego, porém a linha é dupla na Serra do Mar.
b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): os segmentos nas antigas
EFNOB e EFS passaram por diversas obras de melhoria da capacidade de transporte nas
décadas de 1970 e 1980, e a linha na Serra do Mar foi totalmente remodelada na mesma
época.
c) Trecho com boa quilometragem (atende à condição): trecho com extensão total de 1.758
km em bitola métrica (sendo mista na Serra do Mar).
d) Trecho com fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (atende à
condição): na região, especialmente no segmento de Campo Grande a Santos pelas diversas
116
rodovias passa uma grande tonelagem de carga nos dois sentidos, especialmente no de
exportação.
e) Trecho com unicidade de gestão (atende à condição): desde a aquisição da holding Brasil
Ferrovias pela ALL em maio de 2006 todo o trecho é operado por uma única
administração ferroviária.
Corredor São Paulo – Uruguaiana
a) Trecho com baixa densidade de tráfego (atende à condição): com exceção do segmento
entre Uvaranas (Ponta Grossa) e Engenheiro Bley, no Estado do Paraná, com tráfego
médio, todo o restante do trecho de Tatuí (nas proximidades de Sorocaba) a Porto alegre, e
de lá a Uruguaiana, tem um tráfego leve. O mesmo ocorre na linha de bitola 1.435 mm na
Argentina entre Paso de los Libres e Buenos Aires.
b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): os segmentos entre Tatuí
e Porto Alegre fazem parte do Tronco Sul, construído por etapas em condições técnicas
modernas ao longo do século XX, inclusive com previsão na plataforma e no gabarito para
bitola larga. Entre Porto Alegre e Uruguaiana foram construídas diversas variantes para
retificação do traçado nas décadas de 1970 e 1980. No segmento argentino, mesmo não
tendo passado por obras de vulto nas últimas décadas, o baixo nível de tráfego e as
condições geométricas de um relevo plano garantem uma capacidade de transporte
razoável.
c) Trecho com boa quilometragem (atende à condição): trecho com extensão total de 2.160
km em bitola métrica e com 754 km em bitola 1.435 mm na Argentina.
d) Trecho com fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (atende à
condição): na região do Tronco Sul segue paralelo às rodovias BR-101 e BR-116, ambas
com forte tráfego de cargas entre o Sul e o Sudeste do Brasil, em boa parte também se
integrando com a fronteira argentina em Uruguaiana e Paso de los Libres e daí a Buenos
Aires.
e) Trecho com unicidade de gestão (atende à condição): desde a aquisição das concessões
das ferrovias argentinas em 1999 e da aquisição da Brasil Ferrovias pela ALL em maio de
2006 todo o trecho é operado por uma única administração ferroviária.
Corredor Araguari – Santos
117
a) Trecho com baixa densidade de tráfego (atende à condição): o segmento entre Araguari
(MG) e Boa Vista (SP) tem baixa densidade de tráfego, e entre Boa Vista e Santos, na ALL,
o tráfego é maior, porém a linha é dupla na Serra do Mar.
b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): os segmentos entre
Araguari e Boa Vista e daí a Mairinque fazem parte do Tronco Sul, construído por etapas
em condições técnicas modernas na década de 1970, inclusive com previsão na plataforma
e no gabarito para bitola larga. E a linha da ALL na Serra do Mar foi totalmente
remodelada na mesma época.
c) Trecho com boa quilometragem (atende à condição): trecho com extensão total de 850
km em bitola métrica (sendo mista na Serra do Mar).
d) Trecho com fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (atende à
condição): na região segue paralelo às rodovias SP 330 e SP 348, ambas com forte tráfego
de cargas entre o Triângulo Mineiro e o Planalto Central e o litoral paulista.
e) Trecho sem unicidade de gestão (não atende à condição): o segmento entre Araguari e
Boa Vista é operado pela Ferrovia Centro-Atlântica, e o segmento entre Boa Vista e Santos
pela ALL, desde a aquisição da Brasil Ferrovias em maio de 2006.
Corredor da Nova Transnordestina
a) Trecho com baixa densidade de tráfego (atende à condição): considerando-se como
ainda em construção, estima-se que tão logo entre em operação a densidade de tráfego seja
baixa, pelo menos nos primeiros anos.
b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): sendo uma obra nova,
com modernas condições técnicas, terá boa capacidade de transporte.
c) Trecho com boa quilometragem (atende à condição): interligando o sul do Piauí com os
portos de Pecém, em Fortaleza, e Suape, no Recife, terá a extensão total de 1.796 km de
linhas novas e recuperadas.
d) Trecho sem fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (não atende à
condição): na região ao longo da Nova Transnordestina não são comuns as rodovias com
demanda expressiva de transporte.
e) Trecho com unicidade de gestão (atende à condição): é prevista a operação de todo o
trecho considerado pela CFN – Companhia Ferroviária do Nordeste.
Corredor da Ferrovia Norte-Sul
118
a) Trecho com baixa densidade de tráfego (atende à condição): considerando-se como
ainda em construção, com apenas os primeiros segmentos em operação, é natural que a
densidade de tráfego seja baixa, pelo menos nos primeiros anos.
b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): sendo uma obra nova,
com modernas condições técnicas, tem boa capacidade de transporte. No entanto o trecho
da EFC de Açailândia (MA) a São Luis (MA) já se apresenta parcialmente congestionado.
c) Trecho com boa quilometragem (atende à condição): já contando com 215 km em
operação entre Açailândia a Aguiarnóplis (TO), mais 513 km da EFC até São Luis, a
ferrovia terá, quando concluída, 1.980 km de extensão.
d) Trecho sem fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (não atende à
condição): na região ao longo da Ferrovia Norte-Sul não são comuns as rodovias com
demanda expressiva de transporte.
e) Trecho com unicidade de gestão (atende à condição): tendo em vista o processo de
subconcessionamento ganho pela CVRD em 2007.
Corredor do Ferroanel Norte em São Paulo
a) Trecho com baixa densidade de tráfego (não atende à condição): mesmo considerandose na ocasião como um trecho de construção recente, já no início de operação deverá
apresentar uma alta densidade de tráfego, em virtude da demanda reprimida de transporte
ferroviário na região da grande São Paulo, especialmente na travessia entre o Ramal de São
Paulo da MRS e a linha da ALL em direção ao interior do estado.
b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): sendo uma obra nova,
com modernas condições técnicas, terá boa capacidade de transporte.
c) Trecho com pequena quilometragem (não atende à condição): contando com apenas 65
km entre as imediações das estações de Pinheirinho (no Ramal de São Paulo) e Campo
Limpo (próximo a Jundiaí).
d) Trecho com fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (atende à
condição): na região da grande São Paulo se concentra o principal nó rodoviário brasileiro,
com forte tráfego de cargas entre as diversas regiões do Brasil.
e) Trecho com unicidade de gestão (atende à condição): por se localizar na região de
concessão da MRS Logística S. A., interligando duas de suas linhas (Ramal de São Paulo e
linha de Santos a Jundiaí), prevê-se que o trecho seja operado unicamente pela MRS.
119
Corredor do Ferroanel Sul em São Paulo
a) Trecho com baixa densidade de tráfego (não atende à condição): mesmo considerandose na ocasião como um trecho de construção recente, já no início de operação deverá
apresentar uma alta densidade de tráfego, em virtude da demanda reprimida de transporte
ferroviário na região da grande São Paulo, especialmente na travessia entre o Ramal de São
Paulo da MRS e a linha da ALL em direção ao porto de Santos.
b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): sendo uma obra nova,
com modernas condições técnicas, terá boa capacidade de transporte.
c) Trecho com pequena quilometragem (não atende à condição): contando com apenas 35
km entre as imediações das estações de Rio Grande da Serra (na linha entre Paranapiacaba
e São Paulo) e Evangelista de Souza (na linha de Mairinque para a Baixada Santista).
d) Trecho com fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (atende à
condição): na região da grande São Paulo se concentra o principal nó rodoviário brasileiro,
com forte tráfego de cargas entre as diversas regiões do Brasil e o porto de Santos.
e) Trecho sem unicidade de gestão (não atende à condição): por se localizar na região limite
entre duas concessões, interligando as linhas da MRS e da ALL (antiga Ferroban), existem
dúvidas sobre qual a operadora final, e de qualquer forma em pelo menos numa das
extremidades existirá uma estação limite de uma operadora para outra.
Dos trechos analisados, somente os Corredores Corumbá – Santos e São Paulo –
Uruguaiana atendem a todos os critérios de elegibilidade.
Dentre os dois trechos previamente selecionados, será desenvolvido o estudo no
Corredor Corumbá – Santos, tendo em vista seu maior potencial de atração de novos
operadores ferroviários, caso a segregação da infra-estrutura prospere, tendo em vista:
•
o incremento da produção de grãos no Centro-Oeste;
•
a perspectiva de transporte do minério de ferro de Urucum (MS), estimulada pelo forte
incremento de preços FOB (Brasil) do minério ferro, que variou de US$ 12 em 1980
para US$ 36 nos dias atuais;
•
a possibilidade de operador turístico ferroviário no Pantanal Mato-Grossense.
Ademais, esse trecho é de alguma forma concorrente com outro trecho da ALL: a
ligação entre Alto Araguaia (MT) e Santos, em bitola larga, que possui parque de material
rodante e condição de via muito superiores ao do trecho Corumbá – Santos. Em virtude
dos recursos aplicados pela ALL na aquisição de novas ferrovias, e consideradas as maiores
120
atratividades do trecho de bitola larga sobre o de estreita, parece lógico que a
concessionária prefira investir onde os resultados sejam mais pronunciados e mais rápidos,
ou seja, na linha de bitola larga. Isso evidentemente abre espaço para que novos operadores
se insiram na linha de bitola estreita, com a ALL se remunerando por fretes próprios e
também pelo trackright.
O trecho a estudar possui a extensão total de 1.758 km, dos quais 1.299 km de
Corumbá a Bauru e 459 km de Bauru a Santos.
5.4 NOTAS ADICIONAIS SOBRE O CORREDOR CORUMBÁ – SANTOS
Em 2004, o Porto de Santos movimentou 67 milhões de toneladas, sendo 58
milhões no comércio exterior e 9,6 milhões na cabotagem. O Estado de São Paulo foi
responsável por 71% da tonelagem exportada e 80% da tonelagem importada por Santos,
em 2004 (Lacerda, 2002).
O porto respondeu também por valores expressivos das exportações de Mato
Grosso do Sul. Entre os produtos com grande movimentação em Santos, três destacam-se
como tipicamente ferroviários: soja, açúcar e álcool.
O corredor Corumbá – Santos, atendendo à Bolívia, Mato Grosso do Sul e
interior de São Paulo poderá vir a desempenhar um papel mais relevante que o atual,
sobretudo no escoamento de produtos de importação e exportação de Bolívia e do Mato
Grosso do Sul, visto que as opções de transporte para essas regiões são limitadas, posto
que se encontram a grande distância de portos marítimos alternativos e que a hidrovia do
rio Paraguai apresenta limites ambientais e físicos (calado em períodos de vazante) ao
transporte em grande escala.
A baixa utilização do transporte hidroviário torna o Mato Grosso do Sul
dependente dos portos das Regiões Sul e Sudeste para as suas trocas com o exterior. Em
2004, 79% do valor das exportações de Mato Grosso do Sul foi movimentado pelos portos
de Santos (39%), Paranaguá (22%) e Itajaí (18%). Os portos fluviais de Corumbá e de
Porto Murtinho responderam por apenas 11% do valor das exportações do estado. As
importações de Mato Grosso do Sul são realizadas em sua maior parte por via aérea, pelo
aeroporto de Corumbá, por onde entraram 69% do valor das importações do estado, em
2006. Os portos fluviais do estado praticamente não operaram na importação nesse ano.
121
Não obstante as suas limitações, a hidrovia do Rio Paraguai é importante via de
integração regional, utilizada para escoar soja da Bolívia e do Centro-Oeste brasileiro, além
do minério de ferro produzido na região de Corumbá. Em 2004, o Mato Grosso do Sul
exportou 1,7 milhão de toneladas de minério de ferro e 345 mil toneladas de soja pelo rio
Paraguai. As exportações de soja da Bolívia, pela hidrovia do Rio Paraguai, são da ordem de
1 milhão de toneladas anuais.
O maior potencial para alavancar investimentos no transporte ferroviário do
Estado de Mato Grosso do Sul e da Bolívia são as reservas de minério de ferro das regiões
de Corumbá e de Mutún, consideradas entre as maiores da América do Sul. No entanto, as
restrições ao escoamento do minério pelo rio Paraguai e a precariedade da logística
ferroviária têm inibido os investimentos nas atividades de mineração e siderurgia no Mato
Grosso e na Bolívia.
A exportação de minério de ferro do Mato Grosso do Sul e da Bolívia por Santos
é dificultada pela falta de terminais adequados para o embarque de minério de ferro no
porto santista. A utilização da ALL para o transporte de grandes volumes de minério de
ferro e de produtos siderúrgicos poderia tornar a ferrovia rentável e viabilizar os
investimentos necessários na sua infra-estrutura e em equipamentos de transporte.
Na Baixada Santista o trecho ferroviário na margem direita do porto de Santos é
operado, desde 2000, por um consórcio formado por MRS e ALL, a Portofer, como
resultado de um contrato de arrendamento de instalações, equipamentos e vias férreas
assinado com a Companhia Docas de São Paulo (Codesp), visando racionalizar o tráfego
das composições ferroviárias.
Levantamentos do autor junto à Portofer mostram que o tempo de permanência
dos vagões no porto passou de 120 horas, em 1998, para 29 horas, em 2004. A Portofer
também estima que a capacidade ferroviária do porto, se superados os entraves à
movimentação ferroviária, seja de mais de 40 milhões de toneladas anuais.
A margem direita é responsável por quase 60% da movimentação do porto. Sua
capacidade de transporte de cargas ferroviárias é de 18 milhões de toneladas anuais, mas os
terminais só têm capacidade de movimentação ferroviária de 8 milhões, atualmente, e de 14
milhões se superados os entraves atuais. A margem esquerda movimenta atualmente quase
20 milhões de toneladas. A capacidade atual de transporte de cargas ferroviárias na margem
esquerda é de 17 milhões de toneladas anuais, entretanto os terminais só podem
movimentar 8 milhões de cargas ferroviárias.
122
A capacidade de transporte ferroviário na margem esquerda poderia ser
aumentada para até 25 milhões de toneladas anuais, se os terminais tivessem capacidade
para movimentar toda essa carga ferroviária.
Para incrementar a capacidade de movimentação de cargas ferroviárias nos
terminais do porto são necessários investimentos tanto por parte dos arrendatários dos
terminais quanto pela administração portuária. Está em andamento a implantação da bitola
mista pela MRS em cerca de 16 km, entre os pátios de Perequê e Valongo, com o objetivo
de permitir o acesso à margem direita do porto aos trens em bitola métrica, sem que eles
tenham que percorrer as áreas urbanas de São Vicente e Santos.
Esse investimento teve origem numa resolução da ANTT autorizando
inicialmente a Ferroban (antes de sua aquisição pela ALL) a construir uma segunda via, em
bitola mista, na faixa de domínio da MRS, entre os pátios de Perequê e Valongo. Como a
Ferroban não executou a obra no prazo acordado, a MRS ficou autorizada a implantar um
terceiro trilho na via atual. A resolução também autorizou a circulação de trens da MRS em
vias da Ferroban no acesso aos pátios e terminais de Pederneiras e Campinas, no interior
de São Paulo.
Além de investimentos em infra-estrutura, são necessárias definições regulatórias
sobre o compartilhamento de malhas entre as concessionárias. A resolução ANTT 945, de
4 de maio de 2005, determinou a implantação do regime de direito de passagem para a
circulação de cargas da ALL (na época ainda como Brasil Ferrovias) na malha da MRS nos
trechos Perequê a Conceiçãozinha (25 km) e Perequê a Valongo (16 km). Anteriormente a
essa resolução, os vagões da Brasil Ferrovias, para alcançar os terminais do Porto, eram
tracionados pelas locomotivas da MRS, o que acarretava aumento do tempo necessário
para realizar o transporte.
5.5 FLUXOS RODOVIÁRIOS E FERROVIÁRIOS NA ÁREA DE ABRANGÊNCIA
DO CORREDOR ESCOLHIDO
Inicialmente foram definidas as áreas de abrangência das rodovias e ferrovias
integrantes do corredor Corumbá – Santos com base na lógica da concorrência entre os
vários eixos de circulação no Estado de São Paulo, e por extensão no Mato Grosso do Sul.
Como as principais rodovias e ferrovias adentrando o território dos dois Estados
historicamente sempre exerceram forte influência nas regiões que as margeiam, atraindo as
123
demandas de cargas até uma certa distância transversal, foram traçadas linhas de contorno
dividindo estas áreas de abrangência localizadas entre cada um dos dois importantes eixos
rodoviários e ferroviários vizinhos e concorrentes.
Desta forma foi considerado ao norte o eixo concorrente das ferrovias de bitola
larga (antigas Estrada de Ferro Santos a Jundiaí, Companhia Paulista, Estrada de Ferro
Araraquara e Ferronorte) e das rodovias Anhangüera (SP-330), dos Bandeirantes (SP-348) e
Washington Luiz (SP-310). Ao sul foi considerado o eixo concorrente dos ramais
ferroviários da Estrada de Ferro Sorocabana no litoral sul e em direção a Ourinhos e
Presidente Epitácio, e da rodovia Regis Bittencourt (BR-116). A forma geográfica ilustrada
das linhas de contorno, incorporando as rodovias concorrentes, para ambos os casos está
ilustrada na figura 27.
Eixo
ferroviário
Figura 27: Delimitação das áreas de abrangência do corredor ferroviário
Com relação aos fluxos rodoviários, na área de influência do Corredor Ferroviário,
foi considerado o somatório dos fluxos existentes entre os nós ao longo das principais
rodovias e mais as secundárias paralelas, que pela lógica representam um conjunto único de
escoamento das cargas a ser captado. No caso ferroviário, pela inexistência de linhas
paralelas na mesma região de influência, foram considerados os fluxos medidos
diretamente em cada trecho entre as principais cidades e entroncamentos.
124
5.6 ESTIMATIVA DOS NOVOS FLUXOS FERROVIÁRIOS PASSÍVEIS DE
CAPTAÇÃO PELOS NOVOS OPERADORES FERROVIÁRIOS
No Corredor em estudo, as variações futuras do fluxo de cargas ferroviárias não
devem ter como base de cálculo unicamente o desempenho passado. Isso porque as
ocorreram constantes mudanças de administração na Ferrovia Novoeste (Bauru –
Corumbá) desde sua constituição em 1996, e também pela concentração das prioridades de
ação comercial e geração de transporte na linha de bitola larga do corredor da Ferronorte,
através das antigas ferrovias Araraquarense e Paulista, adotadas pelos novos gestores da
holding Brasil Ferrovias, de 2002 a 2006, em detrimento do corredor de bitola métrica das
antigas ferrovias Novoeste e Sorocabana.
No entanto, a análise dos resultados gerais de desempenho das ferrovias
brasileiras demonstra que no período pós-privatização, de 1998 a 2005, o transporte
ferroviário em toneladas úteis no Brasil cresceu em 51,58 % (Revista Ferroviária, 2000 e
2006), se consideradas todas as cargas menos minério de ferro e soja, contra um
crescimento no Produto Interno Bruto nacional de apenas 19,76 %, (Ipeadata, 2007),
podendo-se inferir que ocorreu transferência de cargas da rodovia para a ferrovia.
Foi desconsiderado o minério de ferro (bruto e em pelotas), por não ser ainda
uma carga expressiva no corredor (muito embora existam possibilidades de aproveitamento
de Urucum, no MS) e também não ser considerado como uma carga captável à rodovia, e
nem o complexo de soja (em grãos, farelo e óleo), tendo em vista a enorme expansão dos
cultivares em todo o país e também devido ao fato de que expressiva parte dessa produção
foi captada pela Ferronorte, em bitola larga, que saltou de zero em 1998 para 8 milhões de
toneladas úteis transportadas em 2005.
Portanto conclui-se que o processo de privatização, mesmo não contemplando
acréscimos na malha existente, mas apenas através de melhor gestão e reequipamento, foi
capaz de captar novas cargas numa proporção muito maior que a variação do PIB.
Nesse sentido, pode-se inferir que em torno de 30% do acréscimo de transporte
na ferrovia, em toneladas úteis, foram resultado de captação à rodovia.
Com base nestes fatos foi elaborado um novo diagrama unifilar ferroviário (figura
28) considerando a nova captação de mais 30 % de transporte, para ser adotado como base
para futuros cálculos.
125
Figura 28: Diagrama unifilar da demanda ferroviária
5.7 ESTIMATIVA DOS CUSTOS DA OPERAÇÃO FERROVIÁRIA SEGREGADA
A segregação da infra-estrutura ferroviária pressupõe a execução de diversas
funções pelo operador entrante, não apenas por razões de economia como também para
atingir um maior grau de eficiência, ao manter sob um gerenciamento único todas as etapas
vitais do processo, desde a operação direta até a manutenção corrente do material rodante,
ficando a cargo do gestor da infra-estrutura ferrovia apenas o compromisso de coordenar e
dar condições de tráfego na linha aos trens de terceiros.
Desta forma caberão ao operador entrante todos os custos diretos de
administração, operação e manutenção dos trens, mais os custos de direito de passagem ou
trackright sobre a via segregada.
5.7.1 Premissas Básicas
Do trecho total com a extensão de 1.758 km, sendo 1.299 km de Corumbá a
Bauru e 459 km de Bauru a Santos, será excluído num primeiro cenário o trecho de
Corumbá a Campo Grande, com 428 km, devido à baixa demanda rodoviária atual a ser
126
captada pela ferrovia, resultando numa extensão a estudar de 1.330 km entre Campo
Gande e Santos.
Com uma velocidade média de 18 km/h, a viagem total será de 74 horas, sendo o
ideal considerar quatro dias para cada sentido, mais um dia de carga e descarga em cada
extremidade, totalizando uma rotação de 10 dias. Portanto num ano ter-se-á com segurança
35 viagens completas para cada trem, admitida para fins de simplificação a ausência de
sazonalidade.
Pelo quadro de demanda ferroviária (figura 28) é a seguinte a estimativa de
parcela de captação de cargas da rodovia para a ferrovia, em cada segmento (em milhares
de toneladas úteis anuais):
•
Santos – Mairinque: 163 (import.) e 846 (export.);
•
Mairinque – Bauru: 193 (import.) e 558 (export.);
•
Bauru – Três Lagoas: 196 (import.) e 275 (export.);
•
Três Lagoas – Campo Grande: 190 (import.) e 315 (export.);
•
Campo Grande – Corumbá: 23 (import.) e 56 (export.).
Neste caso poderá ser considerada como demanda no trecho de Campo Grande a
Santos, para importação 163.000 t/ano, e para exportação 275.000 t/ano.
Considerando-se a utilização dos vagões no transporte em ambos os sentidos, o
material rodante poderá ser dimensionado para sentido de maior tonelagem: exportação de
275.000 t/ano.
As cargas a serem consideradas no trecho de Campo Grande a Santos, neste
primeiro cenário poderão ser, dentre outras:
a) no sentido de exportação: soja, farelo de soja, óleo de soja.
b) no sentido de importação: calcário para agricultura, fertilizantes, contêineres com carga
geral.
Num segundo momento poderá ser o projeto estendido a Corumbá, para o
transporte no sentido de exportação para a região do Estado de São Paulo (consumo
doméstico e exportação por Santos), envolvendo ferro gusa e vergalhões de aço a serem
produzidos pela siderúrgica da MMX em Corumbá.
127
5.7.2 Aquisição de Material Rodante
Para fins de dimensionamento dos vagões, com a utilização típica no trecho de
vagões com 20 t/eixo, portanto com 80 t de peso bruto, pode ser considerada a lotação
média de 60 t / vagão, tanto no caso de vagões hopper fechados (para soja, farelo de soja,
calcário para agricultura, fertilizantes etc.), quanto vagões tanques (para óleo de soja) ou
vagões pranchas (para contêineres com carga geral), ilustrados como exemplos nas figuras
29, 30 e 31.
Figura 29: Exemplo de vagão hopper fechado para cargas a
granel
(Daniel Trevisan, via Internet)
128
Figura 30: Exemplo de vagão plataforma para contêineres
(Daniel Trevisan, via Internet)
Figura 31: Exemplo de vagão tanque para óleo de soja
(Daniel Trevisan, via Internet)
Para uma rotação de 10 dias, em um ano, serão 35 viagens completas, e cada
vagão transportará no período 2.100 t.
Sendo considerada a utilização em ambos os sentidos, e portanto o material
rodante dimensionado para sentido de exportação, como de maior tonelagem, com 275.000
t/ano, serão necessários 131 vagões efetivamente em operação, formando-se uma frota
total de 146 vagões, já com a previsão de 10 % de imobilização média para manutenção.
129
Utilizando-se trens com uma formação típica de 24 vagões tracionados por uma
locomotiva (podendo haver acoplamento de composições, neste caso mais de um bloco de
vagões e locomotivas na mesma proporção), como habitualmente operado ao longo do
trecho estudado (ANTT, 2007), serão necessárias 6 locomotivas de linha e pelo menos
duas de manobra (na origem, já que no destino a Portofer executa esse papel), perfazendo
uma frota total de 10 locomotivas (sendo oito de linha e duas de manobra), já com a
previsão de 20 % de imobilização média para manutenção (uma vez que se imagina o uso
de locomotivas de segunda-mão).
O custo unitário dos vagões, levantado pelo autor junto a fornecedores de
material rodante, está na faixa de R$ 250.000,00 para tanque, de R$ 180.000,00 para hopper
fechado, e de R$ 150.000,00 para plataforma, sendo que para fins deste estudo será
considerado o valor de R$ 180.000,00 como médio, também por ser predominante na frota
atual da Novoeste o hopper fechado.
Quanto às locomotivas diesel-elétricas, de segunda-mão e em bom estado de
conservação, com potência da ordem de 3.000 hp (superiores às GE U20C comumente
encontradas no Brasil), podem ser encontradas unidades nos EUA e no México na faixa de
custo unitário de aproximadamente R$ 1.000.000,00 (incluindo reforma, adaptação e
rebitolagem no Brasil), especialmente nos modelos GE C40-8, C40-8W (ambas “Dash 8”),
C30-S7N, C30-S7R (ambas “Super Seven”). A rebitolagem justifica-se pelas diferenças entre a
bitola na área do NAFTA (1.435 mm) e a bitola métrica do corredor em estudo.
Esse valor foi apurado com base em Valor Econômico (2007), que ao fazer um retrospecto
dos investimentos da ALL em 2007, informou ter sido R$ 105 milhões o gasto com 104
locomotivas importadas modelo GE C30. Observe-se que o custo de R$ 1.000.000,00
aplica-se a locomotivas de linha (potências de 3.000hp). Para as locomotivas de manobra
(potências da ordem de 1200 hp), a estimativa é que custem 60% do valor das de linha.
Considerando-se que o estoque de locomotivas C30-7 e C36-7 (“Dash 7”), como as
que as Ferrovias brasileiras importaram até agora, já esteja esgotado, outra opção poderá
ser a dos modelos GM SD40, SD40-2, SD40T-2, SD45, SD45-2, SD45T-2 e SD50, como
ilustrado na figura 5.9.
130
Figura 32: Locomotivas estocadas para venda nos EUA
(Paul Duda, via Internet)
No caso de locomotivas novas de 3.000 HP o custo unitário está na faixa de R$
4.000.000,00 a 4.500.000,00.
5.7.3 Manutenção do Material Rodante
Para manutenção das locomotivas de linha o custo médio anual é de R$
150.000,00 por unidade, correspondendo a aproximadamente 15% do custo de aquisição
de uma locomotiva usada, segundo informações colhidas com técnicos vinculados à
indústria de locomotivas. Para locos de manobra será considerado um valor anual de R$
90.000,00.
Para manutenção dos vagões, pode ser considerado o custo médio anual de R$
9.000,00 por unidade, correspondendo a aproximadamente 5% do custo de aquisição de
um vagão novo segundo informações colhidas com técnicos vinculados à indústria de
vagões.
131
5.7.4 Combustível e Lubrificantes
Conforme exposto no item 5.7.2, serão realizadas 35 viagens completas por ano.
Considerando-se o percurso total de e 1.330 km entre Campo Grande e Santos, ou 2.660
km de ida e volta, chega-se a 93.100 km percorridos por cada locomotiva por ano.
Ajustando-se esse valor para percursos não comerciais (ida a oficinas, depósitos, postos de
abastecimento etc.) chega-se a 100.000 km/ano/locomotiva.
Para um consumo de cerca de 5 litros por km e uma frota de 6 locomotivas de
linha, chega-se a um consumo anual de óleo diesel de 3 milhões de litros. Adicionando-se a
esse valor 10% para as manobras e o equivalente em lubrificantes, tem-se um valor final de
3.300.000 litros/ano. A um custo médio de R$ 1,665 o litro, aplicado um redutor de 10%,
típico de grandes clientes, para o valor médio de revenda praticado no Sudeste, de R$ 1,85
o litro, segundo dados da ANP (2007), o gasto final nessa rubrica seria de R$ 5,5
milhões/ano.
5.7.5 Pessoal Operativo
Estima-se que as locomotivas atuem no regime de monocondução, com uma
média de quatro maquinistas por máquina, por período de 24 h. Para um parque operativo
de oito máquinas, ter-se-ia aproximadamente 32 maquinistas. Com isso a equipe operativa
seria composta por:
●
trinta e dois maquinistas (salário médio de R$ 1.800,00 com encargos sociais)
●
dois fiscais de tração (salário médio de R$ 2.700,00 com encargos sociais);
●
dois engenheiros de operação e manutenção (salário médio de R$ 8.100,00 com encargos
sociais);
●
dois técnicos em manutenção, para acompanhar reparos em oficinas de terceiros (salário
médio de R$ 1.800,00 com encargos sociais);
●
seis artífices de mecânica para inspeção de trens em pátios (salário médio de R$ 1.080,00
com encargos sociais).
A folha anual seria de portanto R$ 1.100.000,00, considerados os encargos sociais
incidentes sobre os salários.
132
5.7.6 Administração
Para custeio da administração e das atividades comerciais podem ser considerados
15 % dos custos totais intrínsecos, isto é, internos ao processo de produção de transporte
(itens 5.7.3, 5.7.4 e 5.7.5).
5.7.7 Trackright
O “trackright” é o pagamento pelo direito de passagem que um operador faz à
ferrovia dominante do trecho considerado, para fins de remuneração pelos custos de
manutenção e operação da via e dos sistemas de sinalização e controle, não considerados
os custos de operação e manutenção do material rodante e de tração.
A título de exemplo, a Ferrovia Centro-Atlântica pagava à Central Logística o
valor R$ 14,00/mil tkb para passagem nos subúrbios do Rio de Janeiro até meados do ano
de 2007. Esse valor foi objeto de muita discussão, uma vez que era baseado em custos
médios e não em custos marginais.
Considerando-se que a segregação do trecho em estudo, por ser na modalidade do
“third part access”, em que há um operador dominante, a quem interessa a partilha dos custos
de manutenção da via, pode-se imaginar como válida uma redução de 20% no valor antes
apresentado, isto é, R$ 11,2/mil tkb.
De acordo com as premissas básicas indicadas no item 5.7.1, tem-se que a
tonelagem líquida em exportação é estimada em 275.000 t/ano; e a tonelagem líquida de
importação estimada em 163.000 t /ano;
No caso dos vagões, para um transporte de 275.000 t / ano num sentido, serão
4.583 vagões em tráfego, totalizando uma tara de 91.660 t / ano em cada sentido;
No caso das locomotivas, para um transporte de 275.000 t / ano num sentido,
serão 191 locomotivas em tráfego (24 vagões por loco), pesando em média 120 t cada
unidade, totalizando uma tara de 22.920 t / ano em cada sentido.
A tabela 30 explicita os cálculos do momento bruto de transporte anual.
133
Tonelagem líquida de exportação (tu)
275.000
Tonelagem líquida de importação (tu)
163.000
Tara dos vagões nos dois sentidos
183.320
Tara das locomotivas nos dois sentidos
Tonelagem bruta total (tb)
Tonelagem-quilômetro bruta em 1.330 km (tkb)
45.840
667.160
887.322.800
Tabela 30: Momento bruto de transporte anual (tkb)
A tonelagem bruta total anual será de 924.031 tkb, que, a um custo de R$
11.20/mil tkb, totaliza R$ 9,940 milhões/ano em pagamento de direito de passagem ao
operador dominante.
5.8 ESTIMATIVA DAS RECEITAS
5.8.1 Receitas de Fretes
Para fins de cálculo da tarifa e da receita obtida com o transporte, em 2006 a
Ferrovia Novoeste S. A., operadora de parte do trecho considerado (de Campo Grande a
Bauru) apresentou um produto médio de R$ 68,05/mil tku (ANTT, 2006b). É oportuno
lembrar que está ocorrendo um realinhamento de preços nesse corredor, uma vez que o
produto médio era de apenas R$ 29,26/mil tku em 2002.
Considerando-se a tonelagem útil transportada em ambos os sentidos, de
438.000t, na extensão total de 1.330 km, chega-se a 582.540.000 tku, e aplicando-se a tarifa
média de R$ 68,05/mil tku, antes descrita, obtém-se a receita anual total de R$
39.641.847,00.
5.8.2 Deduções da Receita
Do valor arrecadado devem ser deduzidos os chamados tributos diretos.
Primeiramente, tem-se a contribuição para o PIS/PASEP, que, além das duas regras gerais
de apuração (incidência não-cumulativa e incidência cumulativa), possui ainda diversos
regimes especiais de apuração. No regime de incidência cumulativa a base de cálculo é o
total das receitas da pessoa jurídica, sem deduções em relação a custos, despesas e encargos.
134
Nesse regime, a alíquota da Contribuição para o PIS/PASEP é de 0,65%. No regime de
incidência não-cumulativa é permitido o desconto de créditos apurados com base em
custos, despesas e encargos da pessoa jurídica. Nesse regime, a alíquota da Contribuição
para o PIS/PASEP é de 1,65%. Existem ainda regimes especiais, cuja característica comum
é alguma diferenciação em relação à apuração da base de cálculo e/ou alíquota, com a
maioria dos regimes especiais se referindo a incidência especial em relação ao tipo de
receita e não a pessoas jurídicas. No presente estudo adotar-se-á o valor de 0,65% incidente
sobre a receita.
Em segundo lugar, tem-se a COFINS. Trata-se de um tributo cobrado pela União
sobre o faturamento bruto das pessoas jurídicas, destinado a atender programas sociais do
Governo Federal. Sua alíquota, que era de 2%, foi aumentada para 3% em fevereiro de
1999.
São contribuintes da COFINS as pessoas jurídicas de direito privado em geral,
inclusive as pessoas a elas equiparadas pela legislação do Imposto de Renda, exceto as
microempresas e as empresas de pequeno porte submetidas ao regime do SIMPLES (Lei
9.317/96). A partir de 01.02.1999, com a edição da Lei 9.718/98, a base de cálculo da
contribuição é a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevante o
tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas. No
presente estudo adotar-se-á o valor de 3% incidente sobre a receita.
Resta ainda o ICMS, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestações de
Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, de
competência dos Estados e do Distrito Federal. Sua regulamentação constitucional está
prevista na Lei Complementar 87/1996 (a chamada “Lei Kandir”), alterada posteriormente
pelas Leis Complementares 92/97, 99/99 e 102/2000. No presente estudo será adotada a
alíquota média de 9%.
Com isso, as deduções da receita atingem a 12,65% (PIS/PASEP + COFINS +
ICMS), o que representa cerca de R$ 5 milhões/ano, fazendo com que a receita líquida seja
de R$ 34,6 milhões.
5.8.3 Depreciação
O valor da depreciação será calculado em 5% a.a., suposta, dessa forma, valor de
salvamento de 25% ao final do 150 ano do projeto. Observe-se que a depreciação só consta
135
do fluxo para efeito do cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro,
não interferindo nos demais cálculos.
5.8.4 Contribuição Social sobre o Lucro
A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL foi instituída pela Lei nº
7.689, de 1988 e posteriormente alterada pela Lei nº 8.034, de 12 de abril de 1990, Lei nº
8.212, de 24 de julho de 1991, Lei nº 8.541, de 23 de dezembro de 1992, Lei nº 8.981, de 20
de janeiro de 1995, Lei nº 9.065, de 20 de junho de 1995, de Lei nº 9.249, de 26 de
dezembro de 1995).
A CSLL é destinada ao financiamento da seguridade social, é devida por todas as
pessoas jurídicas domiciliadas no País e as que lhe são equiparadas pela legislação do
imposto de renda e tem como base de cálculo o lucro líquido do período de apuração antes
da provisão para o imposto de renda, ajustado com as adições determinadas e exclusões
admitidas, conforme legislação de regência e alíquota de 9% (nove por cento), valor
adotado neste estudo.
5.8.5 Imposto de Renda
As disposições tributárias do IRPJ aplicam-se a todas as firmas e sociedades,
registradas ou não. As empresas públicas e as sociedades de economia mista, bem como
suas subsidiárias, são contribuintes nas mesmas condições das demais pessoas jurídicas
(Constituição Federal, art. 173 § 1º).
As pessoas jurídicas, por opção ou por determinação legal, são tributadas por uma
das seguintes formas: simples, lucro presumido e lucro real, que será a forma simplificadora
adotada no presente estudo.
A base de cálculo do imposto, determinada segundo a lei vigente na data de
ocorrência do fato gerador, é o lucro real, presumido ou arbitrado, correspondente ao
período de apuração. Como regra geral, integram a base de cálculo todos os ganhos e
rendimentos de capital, qualquer que seja a denominação que lhes seja dada,
independentemente da natureza, da espécie ou da existência de título ou contrato escrito,
bastando que decorram de ato ou negócio que, pela sua finalidade, tenha os mesmos efeitos
do previsto na norma específica de incidência do imposto. A alíquota aplicável a pessoa
136
jurídica, seja comercial ou civil o seu objeto, é de 15% (quinze por cento) sobre o lucro
real, apurado de conformidade com o Regulamento.
5.8.6 Lucro Líquido
Para se obter o lucro líquido foi observada a seguinte marcha de cálculo (com
base no art. 187 da Lei nº 6.04, de 1976, e alterações):
= receita bruta das vendas e serviços;
(-) deduções das vendas, os abatimentos e os impostos;
= receita líquida das vendas e serviços;
(-) custo das mercadorias e serviços vendidos
= lucro bruto;
(-) as despesas com as vendas;
(-) despesas financeiras, deduzidas das receitas;
(-) despesas gerais e administrativas;
(-) outras despesas operacionais;
= lucro ou prejuízo operacional;
(+) receitas não operacionais;
(-) despesas não operacionais;
= lucro líquido do exercício antes da provisão para o Imposto de Renda;
(-) contribuição social sobre o lucro;
(-) provisão para o Imposto de Renda;
= lucro líquido do exercício.
5.9 AVALIAÇÃO FINANCEIRA
5.9.1 Questões Básicas
O fluxo de caixa do estudo de caso foi construído com base nas informações
constantes dos itens 5.7 e 5.8.
Além disso foram supostos os seguintes parâmetros:
●
prazo do projeto: 15 anos;
●
taxa de desconto (para cálculo do valor presente líquido): 10% a.a.;
137
●
crescimento de receitas e despesas: 5% a.a., após o terceiro ano.
Com relação ao prazo do projeto, o mesmo foi estabelecido com base em várias
considerações. Em primeiro lugar, as concessões metroferroviárias brasileiras envolvem
prazos de 20 anos (metrô RJ), 25 anos (trens de subúrbio RJ) e 30 anos (ferrovias de carga).
Esses prazos foram estabelecidos, fundamentalmente, com base no período de tempo
necessário à amortização dos investimentos pelo concessionário, aliado ao fato de que são
elevadas as barreiras de saída do negócio, em virtude dos custos afundados existentes.
Como no presente estudo de caso os volumes de investimento são
significativamente menores, sobretudo pelo fato de não estar em jogo a recuperação da via
permanente, e além disso as barreiras de saída são também menores, pois bastaria vender
ou alugar o material rodante a outros operadores, julga-se que um período de 15 nos seja
suficiente para o horizonte do projeto.
Além disso, o prazo de 15 anos é também compatível com a vida útil das
locomotivas que estarão sendo adquiridas (supostas de segunda-mão) e com os horizontes
de projeto de empreendedores privados que atuam na Grã-Bretanha, por exemplo, que
resistem a trabalhar com prazos de retorno maiores diante da possibilidade de turbulências
políticas e econômicas.
Uma taxa de desconto de 12% é usualmente utilizada em avaliações econômicas
de projetos no âmbito de bancos de fomento como BID, BIRD e BNDES. Em avaliações
financeiras, o valor dessa taxa no Brasil era, no passado, substancialmente maior, diante da
comparação com a remuneração oferecida pelos títulos públicos federais. Atualmente, essa
remuneração oscila ao redor de 10% a 12%. Deduzindo-se desse valor 20% do imposto de
renda e uma inflação anual de 5%, a remuneração líquida oferecida pelos títulos públicos
seria de cerca de 4% a.a. Dessa maneira, uma taxa de desconto de 10%, que evidentemente
incorpora riscos do negócio, seria duas vezes e meia superior a de alternativas de baixo
risco, como os títulos públicos, o que determina sua razoabilidade.
O crescimento de receitas e despesas foi estimado em 5% a.a., decorridos três
anos de início da operação. O crescimento das despesas está evidentemente ligado à
inerente obsolescência do material rodante com o decorrer do tempo. Já o aumento das
receitas baseia-se na correlação direta entre PIB e transporte, com o percentual de aumento
compatível com o crescimento do PIB em 2007.
138
5.9.2 Figuras de Mérito - Caso Básico
O caso básico da avaliação deste estudo, do ponto de vista financeiro, está
mostrado na tabela 31, com a sua construção obedecendo ao prescrito nos itens 5.6, 5.7 e
5.8.
As figuras de mérito do caso básico são as seguintes:
●
taxa interna de retorno financeiro – TIRF: 18,8%
●
valor presente líquido: R$ 22,3 milhões
5.9.3 Figuras de Mérito – Análise de Sensibilidade
O caso básico foi submetido a uma análise de sensibilidade, segundo os seguintes
critérios:
•
situação A: aumento de 15% dos valores de aquisição do material rodante;
•
situação B: aumento de 10% nos valores do custo ajustado;
•
situação C: diminuição de 10% nos valores do lucro líquido ajustado;
•
situação D: aumento de 20% no trackright;
•
situação E: aumentos de 10% nos valores de aquisição do material rodante e de 5% no
valores do custo ajustado;
•
situação F: aumento de 10% no trackright e de diminuição de 5% nos valores do lucro
líquido ajustado.
139
9.940.000 9.940.000
1.394.100 1.394.100
35.480.000 20.628.100 20.628.100
35.480.000 20.628.100 20.628.100
39.642.000
5.014.713
34.627.287
2.483.600
2.892.932
4.821.553
26.912.802
26.912.802
6.284.702
-35.480.000
18,83%
22.567.234
II – Receitas
1. Fretes
2. Deduções da receita bruta
3. Receita líquida
4. Depreciação
5. Contribuição social sobre o lucro
6.Imposto de renda
7. Lucro líquido
8. Lucro líquido ajustado
III – Fluxo de caixa
TIR
VPL
6.284.702
39.642.000
5.014.713
34.627.287
2.483.600
2.892.932
4.821.553
26.912.802
26.912.802
1.200.000
180.000
1.314.000
5.500.000
1.100.000
2
8. Track right
9. Administração e comercialização
10. Custo total
11. Custo total ajustado
1
1.200.000
180.000
1.314.000
5.500.000
1.100.000
8.000.000
1.200.000
26.280.000
0
ITEM
I – Custos
1. Aquisição de locos de linha
2. Aquisição de locos de manobra
3. Aquisição de vagões
4. M anutenção de locos de linha
4. M anutenção de locos de manobra
5. M anutenção de vagões
6. Combustível e lubrificantes
7. Pessoal operativo
1.200.000
180.000
1.314.000
5.500.000
1.100.000
4
6.598.937
39.642.000
5.014.713
34.627.287
2.483.600
2.892.932
4.821.553
26.912.802
28.258.442
1.200.000
180.000
1.314.000
5.500.000
1.100.000
6
1.200.000
180.000
1.314.000
5.500.000
1.100.000
7
6.928.884
39.642.000
5.014.713
34.627.287
2.483.600
2.892.932
4.821.553
26.912.802
29.671.364
7.275.328
39.642.000
5.014.713
34.627.287
2.483.600
2.892.932
4.821.553
26.912.802
31.154.933
7.639.095
39.642.000
5.014.713
34.627.287
2.483.600
2.892.932
4.821.553
26.912.802
32.712.679
9.940.000 9.940.000 9.940.000
1.394.100 1.394.100 1.394.100
20.628.100 20.628.100 20.628.100
22.742.480 23.879.604 25.073.584
1.200.000
180.000
1.314.000
5.500.000
1.100.000
5
1.200.000
180.000
1.314.000
5.500.000
1.100.000
9
1.200.000
180.000
1.314.000
5.500.000
1.100.000
10
8.021.049
39.642.000
5.014.713
34.627.287
2.483.600
2.892.932
4.821.553
26.912.802
34.348.313
8.422.102
39.642.000
5.014.713
34.627.287
2.483.600
2.892.932
4.821.553
26.912.802
36.065.729
8.843.207
39.642.000
5.014.713
34.627.287
2.483.600
2.892.932
4.821.553
26.912.802
37.869.015
9.940.000 9.940.000 9.940.000
1.394.100 1.394.100 1.394.100
20.628.100 20.628.100 20.628.100
26.327.264 27.643.627 29.025.808
1.200.000
180.000
1.314.000
5.500.000
1.100.000
8
Tabela 31: Fluxo de caixa do estudo - caso básico
6.284.702
39.642.000
5.014.713
34.627.287
2.483.600
2.892.932
4.821.553
26.912.802
26.912.802
9.940.000 9.940.000
1.394.100 1.394.100
20.628.100 20.628.100
20.628.100 21.659.505
1.200.000
180.000
1.314.000
5.500.000
1.100.000
3
1.200.000
180.000
1.314.000
5.500.000
1.100.000
12
9.285.367
39.642.000
5.014.713
34.627.287
2.483.600
2.892.932
4.821.553
26.912.802
39.762.466
9.749.636
39.642.000
5.014.713
34.627.287
2.483.600
2.892.932
4.821.553
26.912.802
41.750.589
9.940.000 9.940.000
1.394.100 1.394.100
20.628.100 20.628.100
30.477.099 32.000.954
1.200.000
180.000
1.314.000
5.500.000
1.100.000
11
1.200.000
180.000
1.314.000
5.500.000
1.100.000
14
1.200.000
180.000
1.314.000
5.500.000
1.100.000
15
39.642.000
5.014.713
34.627.287
2.483.600
2.892.932
4.821.553
26.912.802
46.030.025
39.642.000
5.014.713
34.627.287
2.483.600
2.892.932
4.821.553
26.912.802
48.331.526
140
10.237.118 10.748.973 11.286.422
39.642.000
5.014.713
34.627.287
2.483.600
2.892.932
4.821.553
26.912.802
43.838.119
9.940.000 9.940.000 9.940.000
1.394.100 1.394.100 1.394.100
20.628.100 20.628.100 20.628.100
33.601.001 35.281.051 37.045.104
1.200.000
180.000
1.314.000
5.500.000
1.100.000
13
A tabela 32 mostra o quadro-resumo das análises de sensibilidade, do ponto de
vista financeiro. Os resultados de cinco das seis situações testadas (A, B, D, E e F)
mostraram taxas internas de retorno superiores à taxa de desconto, e portanto valores
presentes líquidos positivos, variando de R$ 0,95 milhão a R$ 17,2 milhões. A situação mais
crítica fica por conta da redução mais contundente do lucro líquido ajustado (C), mas que
ainda assim produz uma taxa interna de retorno da ordem de duas vezes a rentabilidade
real de títulos públicos.
Figuras de
Mérito
TIRF (%)
VPL (R$)
A
16,06%
17.245.234
B
Análise de Sensibilidade - Casos
C
D
11,51%
3.514.555
8,98%
-2.290.169
11,80%
4.205.520
E
13,79%
10.043.436
F
10,42%
957.676
Tabela 32: Análise de sensibilidade
5.9.4 Conclusão da Avaliação Financeira do Estudo de Caso
O estudo de caso mostrou que, numa primeira aproximação, o projeto de
segregação da infra-estrutura no Corredor Campo Grande (MT) – Santos (SP) é viável do
ponto de vista financeiro, tendo em vista a obtenção de taxas internas de retorno atraentes
quando comparadas a alternativas de investimento.
Observe-se, por oportuno que este Corredor é possuidor de uma grande potencial,
quando da exploração em larga escala das jazidas de minério de ferro da região de Corumbá
(MS), o que torna ainda mais interessante a questão da segregação, pois neste caso as
mineradoras poderiam, a exemplo da Vale do Rio Doce (atualmente denominada apenas de
Vale), possuir e conduzir trens dedicados.
O estudo de caso ratifica, portanto, as observações do Capítulo 4, no sentido da
viabilidade da implantação da segregação da infra-estrutura ferroviária no Brasil.
5.10 AVALIAÇÃO ECONÔMICA
5.10.1 Preliminares
Nesse trabalho acadêmico, o conceito de avaliação econômica está ligado ao
modo como a sociedade avalia um projeto. Isso a difere da avaliação financeira, que é uma
141
visão do ponto de vista de caixa ou tesouraria dos atores intervenientes (empreendedor,
financiador etc.), e também da avaliação social, aqui entendida como a visão de um projeto
pelos estratos menos favorecidos de uma sociedade.
Uma avaliação econômica, no seu formato mais trivial, parte do caso básico
estudado na avaliação financeira, transformando receitas e despesas baseadas em valores de
mercado em benefícios e deseconomias lastrados em preços-sombra (shadow prices).
Aos elementos antes citados agregam-se as externalidades, positivas ou negativas,
ligadas a duas grandes vertentes:
•
ambiental (poluição sonora, poluição visual, degradação de áreas de conservação etc.); e
•
operacional (tempo de viagem, gasto com combustível, gasto com conservação de vias,
custo de acidentes etc.).
Para o presente estudo de caso, considerou–se que os preços-sombra equivalham
a 75% dos valores de mercado, fruto da desconsideração, nos primeiros, de tributos
(julgada uma transferência entre membros de uma mesma sociedade) e da depreciação.
Esse percentual foi adotado pelo autor em avaliações dos projetos financiados pelo Banco
Mundial, para a expansão dos metrôs de Belo Horizonte e Recife, ao final da década de 90
(século XX).
Como o estudo de caso em pauta é essencialmente desenvolvido no meio rural,
entendeu-se serem pouco relevantes as questões de poluição sonora e visual. Além disso,
como o que está em jogo é essencialmente a transferência de cargas do modo rodoviário
para o ferroviário, a partir de infra-estruturas consolidadas, não faz sentido pensar-se em
áreas de conservação degradadas.
A questão do tempo de viagem também não será objeto de maiores
considerações, uma vez que uma eventual maior velocidade média do caminhão em relação
ao trem, quando em marcha, seria compensada pelo maior gasto de tempo pelos veículos
rodoviários nas operações nos terminais intermodais, relativamente aos veículos
ferroviários, em conferências de documentação, inspeção sanitária e pesagem.
O custo dos acidentes, por seu turno, também será posto de lado, uma vez que
esse assunto tem muito mais relevância quando se comparam alternativas de transporte de
passageiros nos modos rodoviário e ferroviário.
Dessa maneira, restam, para inclusão no fluxo de caixa da avaliação econômica, os
gastos com combustível, com conservação de vias e de veículos e com a operação destes
últimos, que poderiam ser caracterizados como diminuição dos custos operacionais.
142
Essa diminuição, favorável à ferrovia, pode ser calculada com base num
diferencial de 30% do valor do frete em favor desta, a preços de mercado, ou de 22,5% em
preços-sombra (75% de 30%). Considerando-se o momento de transporte do item 5.8.1
(582.540.000 tku) e uma redução de custos de operacionais de 22,5% sobre os fretes de
anuais de R$ 39.641.847,00, chega-se a uma externalidade positiva anual de R$
8.919.416,00.
Essa externalidade, no entanto, deve, a favor da segurança, ser reduzida em 50%,
uma vez que parte dos fluxos a serem captados não têm origem e destino em terminais
intermodais, mas sim em instalações comerciais ou industriais de maior porte, acarretando
a necessidade de uma “ponta” rodoviária adicional no caso do transporte ferroviário. Dessa
maneira, a externalidade positiva (a favor da ferrovia) a ser considerada no fluxo de caixa
será de R$ 4.459.708,00 anuais.
Para o cálculo do valor presente líquido será adotada uma taxa de desconto de
12% a.a., tendo com referência a taxa cobrada no cálculo do pagamento de dívida pública
interna, aqui considerada com um dos melhores usos alternativos dos recursos públicos.
5.10.2 Fluxo de Caixa e Figuras de Mérito
Aplicando-se as premissas do item anterior ao caso básico da avaliação financeira,
foram obtidos os seguintes resultados:
•
Taxa interna de retorno econômico (TIRE): 34,05%
•
Valor presente líquido (taxa de desconto de 12% a.a): R$ 43.162.481,00
5.10.3 Conclusão da Avaliação Econômica do Estudo de Caso
Os resultados mostram que o projeto de segregação do estudo de caso é, do
ponto de vista econômico, ainda mais viável que do ponto de vista financeiro, chegando-se
a uma TIRE de 34,05%, contra uma TIRF de 16,6%, para casos básicos.
Esse resultado não só embasa os necessários esforços do poder concedente para
viabilização da segregação da infra-estrutura ferroviária ora proposta para o segmento
estudado, com também sugere a necessidade da realização de novos estudos de segregação
para outros corredores.
143
6 SUGESTÕES PARA IMPLANTAÇÃO DA SEGREGAÇÃO DA INFRAESTRUTURA NO BRASIL
6.1 ASPECTOS LEGAIS A CONSIDERAR
6.1.1 Preliminares
Como discutido no Capítulo 4, os monopólios apresentam uma ineficiência
alocativa, ao produzirem abaixo da quantidade ótima, gerando aquilo que os economistas
denominam de “peso morto”. Concomitantemente, pode ocorrer, em trechos ferroviários
subutilizados por exemplo, uma ineficiência produtiva. Outros aspectos negativos
poderiam se somar, como o tratamento discriminatório contra clientes cativos e a ausência
de oferta de transporte para determinados fluxos de mercadorias.
Seria natural, portanto, que o poder concedente enxergasse na segregação da
infra-estrutura uma ação regulatória mitigadora dos problemas apontados. Isso dentro do
conceito de regulamentação, que, segundo Anuatti Neto (2004), representa “o conjunto de
regras particulares ou de ações específicas implementadas por agências administrativas para
interferir diretamente no mecanismo de alocação do mercado, ou, indiretamente, alterando
as decisões de oferta e de demanda de consumidores e produtores.
Nesse sentido a segregação poderia ser vista como uma ferramenta de correção
de rumo, posto que o regime de concessões ferroviárias brasileiras assemelha-se, para
muitos fluxos (reais e potenciais), a monopólio natural, caracterizado economicamente
como falha de mercado, algo que ocorreu historicamente porque as tecnologias de
produção do transporte apresentavam fortes economias de escala para os tamanhos de
mercado relevantes.
Essa correção encontra respaldo no fato de que só em situações especiais se
justificam direitos de exclusividade, pelo que a Comunidade Européia, por exemplo, tenta
implementar certa concorrência na operação.
No Brasil, espera-se que a questão da segregação venha a ser discutida pelo Poder
Concedente e não necessariamente só pela Agência Reguladora (ANTT), pois governar não
deve ser confundido com o ato de regular, da mesma forma que política pública não deve
ser confundida com política regulatória, embora em alguns setores a regulação seja
144
responsável pela implementação das políticas públicas, ou seja, pode existir uma relação de
complementaridade.
Governar é indicar rumos e perseguir objetivos. Regular é equilibrar meios,
interesses, necessidades e possibilidades num dado segmento da vida econômica e social,
de modo a imprimir, a cada momento, as marcas de uma política pública democraticamente
construída (Marques Neto, 2002).
As políticas públicas são as metas ou princípios da ação governamental definidos
para atingir interesses públicos relevantes. É o próprio ato de governar, cabendo à política
regulatória a execução de tais metas ou princípios. Essa execução se dá através da
ponderação a respeito da necessidade e da intensidade da intervenção, escolhendo meios e
instrumentos para atingir de forma eficiente seu fim, que é a realização da política pública
setorial.
Com o intuito de embasar sugestões para o projeto de segregação da infraestrutura ferroviária são destacados a seguir os principais aspectos legais envolvidos, sob a
ótica do concedente e do concedido.
6.1.2 Embasamento Legal da Segregação da Infra-Estrutura do Ponto de Vista do
Poder Concedente
Os serviços públicos no Brasil são regidos por um vasto sistema de atribuições
de direitos, no qual procurar-se-á situar a questão da segregação da infra-estrutura, sob o
ponto de vista do poder concedente.
a) Constituição Federal
A Constituição Federal, em seu artigo 21, diz ser competência da União explorar,
diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os serviços de transporte
ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham
os limites de Estado ou Território.
Ressalte-se que quando o transporte se realiza apenas no território de um estado
e a malha não integra as linhas federais – aquelas previstas nas Leis nº 5.917/73 e 9.060/95
- a competência administrativa e regulamentadora passará a ser realizada pelos governos
estaduais, os quais figurarão como poder concedente nas concessões, permissões e
145
autorizações de exploração do serviço.
O texto constitucional prescreve ainda, no artigo 175, que a prestação de serviços
públicos (onde se inclui o setor ferroviário de cargas) é incumbência do Poder Público,
diretamente, ou sob regime de permissão ou concessão.
Embora seja regida por um contrato, a concessão envolve a prestação de um
serviço público, sendo função do Poder Público regulamentar os objetivos, a forma de
execução do serviço, a fiscalização e os direitos e deveres das partes, entre outros aspectos.
Inerente ao texto constitucional aparece o princípio do interesse público. Devido
à imprecisão de sua definição, o interesse público precisa ser concebido através de uma
decisão válida da Administração Pública, através da observância dos princípios
constitucionais e administrativos, pois são a única justificativa plausível para os atos do
Estado.
Cabe lembrar que o interesse da Administração Pública não é público, pois o
interesse público não pode ser confundido com seu titular. O Estado é apenas o
instrumento de realização dos interesses públicos. Logo, o interesse é público não porque é
atribuído ao Estado, mas é atribuído ao Estado por ser público, conforme observa
Medauar (1992).
O interesse público identifica-se com o bem comum, que é o fundamento e
limitação do poder político; fundamento, porque o poder se constitui para atingir o bem
comum; e limitação, porque, sendo seu objetivo o bem da pessoa humana, o Estado só
deve intervir na esfera da liberdade individual, atendendo ao princípio da subsidiariedade,
respeitando o equilíbrio entre a liberdade do indivíduo e a autoridade do Estado. Sempre
que o indivíduo ou o grupo sozinho possa agir, o Estado não deve intervir; o bem como se
exprime através da lei, não uma lei puramente formal, mas sim uma lei que atenda ao bem
comum.
Dos parágrafos precedentes emergem portanto dois pontos principais:
•
a caracterização do serviço ferroviário como serviço público, de competência do
Estado para seu provimento;
• a noção do interesse público, diretamente ligado ao bem comum.
Caso a segregação da infra-estrutura venha a ser considerada, num determinado
momento e para um determinado trecho, algo ligado ao bem comum, e em se tratando de
um serviço público, não há dúvida de a implantação dessa medida reestruturadora pelo
Estado teria respaldo constitucional.
146
b) Defesa da Concorrência
Embora o artigo 170 da Constituição estabeleça alguns princípios da ordem
econômica, é na Lei 8.884, de 11 de junho de 1994, que é tratada a prevenção e repressão
de infrações à ordem citada, tendo como base os princípios de liberdade de iniciativa, da
livre concorrência, da função social da propriedade, da defesa do consumidor e repressão
ao abuso econômico.
De fato, o artigo 20 da referida lei aponta como infrações os atos, mesmo
aqueles que não surtem o efeito pretendido, direcionados a:
●
limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre
iniciativa;
●
dominar mercado relevante de bens e serviços;
●
aumentar arbitrariamente os lucros;
●
exercer de forma abusiva posição dominante.
Atualmente dois grandes grupos empresariais controlam a porção mais dinâmica
malha ferroviária brasileira, fruto de um intenso processo de realinhamentos acionários,
contrário aos princípios esgrimidos nos editais de licitação, que estipulavam em 20% a
parcela acionária máxima de um determinado grupo privado numa ferrovia.
Isso provavelmente constitui-se numa dominação de mercado, que tende a ser
maior à medida que as ferrovias superam a natural fase inicial de rearranjo e ajustes e
partem para a expansão de seus negócios. Nesse contexto, a segregação da infra-estrutura
poderia ser vista como medida atenuadora dessa dominação.
c) Defesa do Consumidor
O papel do Estado na promoção da defesa do consumidor está presente no
artigo 5 da Constituição Federal. No entanto é na Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990,
que as disposições constitucionais são mais bem definidas, algo complementado pelo
Decreto 1.306, de 9 de novembro de 1994, e pelo Decreto 2.181, de 20 de março de 1997.
Primeiramente é importante caracterizar o fato de que os clientes ferroviários são
consumidores desse modo de transporte. Isso posto, verifica-se que algumas práticas das
operadoras ferroviárias brasileiras envolvendo, por exemplo, elevações tarifárias para
147
clientes cativos e privilegiamento de clientes na oferta de transporte (com alguns clientes
sendo obrigados a adquirir vagões para escamento de seus produtos), são facilmente
enquadráveis no arcabouço legal em apreciação, razão pela qual a segregação da infraestrutura poderia ser enquadrada como uma medida em defesa do consumidor.
d) Princípio da Eficiência
Em relação à busca da eficiência administrativa, cabe destacar a definição do
princípio da eficiência previsto na Constituição Federal, que para Meirelles (2002) é "o mais
moderno princípio da função administrativa", garantindo a presteza, perfeição e
rendimento funcional da atividade desempenhada.
A eficiência no trato das coisas públicas significa a obrigação do agente público
agir com eficácia real e concreta, isto é, do administrador aplicar, sempre, no desempenho
de suas atividades públicas, as medidas ou soluções, dentre as previstas em abstrato no
ordenamento jurídico, mais positivas (operativas, razoáveis, racionais e de maior eficácia)
para a realização satisfatória das finalidades públicas almejadas pela sociedade.
Ainda, adequada se faz a conceituação de eficiência, trazida de forma plena por
Costodio (1999):
Do exposto até aqui, identifica-se no princípio constitucional da eficiência três
idéias: prestabilidade, presteza e economicidade. Prestabilidade, pois o
atendimento prestado pela Administração Pública deve ser útil ao cidadão.
Presteza porque os agentes públicos devem atender o cidadão com rapidez.
Economicidade porquanto a satisfação do cidadão deve ser alcançada do modo
menos oneroso possível ao Erário público. Tais características dizem respeito
quer aos procedimentos (presteza, economicidade), quer aos resultados
(prestabilidade), centrados na relação Administração Pública/cidadão.
Como explanado no Capítulo 4, a ineficiência dos monopólios poderia ensejar
uma contramedida, como a segregação da infra-estrutura, embasada no princípio da
eficiência.
148
6.1.3 Embasamento Legal Segregação da Infra-Estrutura do Ponto de Vista do
Concessionário
A seu favor, e contra a segregação involuntária da infra-estrutura, os
concessionários dispõem de alguns importantes balizamentos jurídicos a seguir descritos.
a) Princípio da Proporcionalidade
Meirelles (2002) se refere a esse princípio, implícito na Constituição, como o da
proibição do excesso, algo que irá aferir a compatibilidade entre os meios e os fins
adotados, evitando abusos ou restrições excessivas pela Administração Pública, capazes de
causar lesões aos direitos fundamentais.
A proporcionalidade seria a relação custo-benefício da medida tomada pela
administração e a doutrina determina três requisitos para identificar este princípio:
●
adequação das medidas da Administração Pública para alcançar o fim pretendido;
●
necessidade de se verificar se não existe um meio menos gravoso de se obter o mesmo
fim;
●
ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido.
É, portanto, não só um limite à discricionariedade do Administrador Público, mas
significa que este não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente, na
consecução de seus objetivos, ainda que decorrentes do interesse público.
Assim, do mesmo modo que quando a Administração aplica uma sanção
exacerbada a um concessionário ou quando incorre em deixa de dar licença ambiental em
tempo razoável, também causando prejuízos a um empreendedor privado, incorre em
descomedimento.
A Lei Federal 9784/99, que regula o processo administrativo da administração
pública federal, determina a observância do critério de adequação entre meios e fins e veda
a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente
necessárias ao interesse público. A razoabilidade evita a incongruência na aplicação das
normas jurídicas. Deve haver um padrão lógico para a elaboração dos atos.
Sundfeld (2000) prescreve que a proporcionalidade é a expressão quantitativa da
razoabilidade, sendo inválido o ato desproporcional em relação à situação que o gerou ou à
finalidade que pretende atingir.
149
Ao Administrador Público, portanto, não caberá, com base em seus conceitos
pessoais, valorar situações concretas. Deve fazê-lo utilizando os valores do homem médio,
às necessidades da coletividade, à legitimidade, à economicidade, a relação de custos e
benefícios, ou seja de proporcionalidade.
Dessa maneira, o princípio da proporcionalidade poderia ser esgrimido pelos
concessionários ante um processo de segregação involuntário.
b) Princípio da Segurança Jurídica
Cabe ao Administrador Público zelar pela estabilidade e pela ordem nas relações
jurídicas como condição para que se cumpram as finalidades do ajuste contratual que
condiciona o processo concessional.
É dessa estabilidade que se fará, por exemplo, a convalidação de atos irregulares
na origem, bem como o oferecimento de prazos para o saneamento de falhas, tendo em
vista a relação a respeitabilidade mútua entre concedente e concedido.
O princípio da segurança jurídica está espelhado na Constituição Federal em seu
art. 5º, inciso XXXVI, sob o enunciado de que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o
ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
A segurança jurídica consiste no conjunto de condições que torna possível às
pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e de
seus fatos à luz da liberdade reconhecida, encontrando ainda respaldo expresso no art. 2º,
inciso IV, parágrafo único, da Lei 9.784/99, que exige a “atuação segundo padrões éticos
de probidade, decoro e boa-fé”.
Em adição, Di Pietro (2002) sustenta, em relação ao princípio da segurança
jurídica, que:
A segurança Jurídica tem muita relação com a idéia de respeito à boa-fé. Se a
Administração adotou determinada interpretação como a correta e a aplicou a
casos concretos, não pode depois vir anular atos anteriores, sob o pretexto de
que os mesmos foram praticados com base em errônea interpretação. Se o
administrado teve reconhecido determinado direito é evidente que a sua boa-fé
deve ser respeitada. Se a Lei deve respeitar o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada, por respeito ao princípio da segurança jurídica, não é
admissível que o administrado tenha seus direitos flutuando ao sabor de
interpretações jurídicas variáveis no tempo.
150
É um dos alicerces do Estado de Direito e é a boa-fé dos administrados ou da
proteção da confiança, que visa a estabilidade das relações jurídicas. No Direito de
Concessões, a instabilidade jurídica pode ser identificada nos seguintes casos, conforme
lição de Junqueira (2004):
A instabilidade jurídica e regulatória pode se traduzir, por exemplo, na quebra
de contratos, na captura dos reguladores por interesses que contrários aos
marcos regulatórios, demora nas decisões regulatórias e judiciais, na tentativa do
regulador se arvorar em legislador, por decisões regulatórias que não observem
os princípios básicos que regem a Administração Pública ou que revoguem atos
jurídicos perfeitos, por decisões judiciais divorciadas da realidade econômica,
legal e jurídica, por processos regulatórios em que não seja observado o pleno
exercício do direito de defesa dos envolvidos, falta de motivação das decisões
etc.
Destarte, é também no princípio da segurança jurídica que poderão encontrar
abrigo os concessionários em favor da manutenção do status quo.
6.1.4 Nota sobre as Parcerias Público-Privadas
Por estar a quase totalidade da malha ferroviária brasileira já concedida, é
importante, para o raciocínio aqui desenvolvido, caracterizar, desde já, que as parcerias
público-privadas, de que trata a Lei Federal 11.079/2004, são também modalidades de
concessão, sob as formas administrativa ou patrocinada, não devendo ser confundidas
com a privatização, que é a venda de ativos públicos ao setor privado; nem com a
concessão comum, assim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas
de que trata a Lei nº 8.987/1995, posto que esta não envolve contraprestação pecuniária
paga pelo parceiro público ao privado.
Complementando, a concessão patrocinada é uma modalidade da concessão de
serviço público, em que o aporte de recursos públicos pode chegar a 70% da remuneração
total do parceiro privado (podendo superar esse montante se houver autorização
legislativa), com o restante sendo obtido através de receitas próprias do concessionário, em
especial a tarifa cobrada do usuário. Já na concessão administrativa, toda a remuneração
fica a cargo do parceiro público.
Além disso, ao contrário dos demais contratos administrativos, em que a garantia
é sempre assumida pelo particular, na PPP são previstas pesadas garantias a cargo do poder
151
público, em benefício do parceiro privado, através de um instrumento denominado fundo
garantidor. A tudo isso soma-se a idéia de compartilhamento de riscos entre os parceiros
público e privado no caso de ocorrência de áleas extraordinárias.
Assim, a principal diferença entre a concessão patrocinada, concessão
administrativa e a concessão comum está na forma de remuneração: na concessão comum
ou tradicional, a forma básica de remuneração é a tarifa, podendo constituir-se de receitas
alternativas, complementares ou acessórias ou decorrentes de projetos associados; na
concessão patrocinada, soma-se à tarifa paga pelo usuário uma contraprestação do parceiro
público; e na concessão administrativa toda a remuneração do parceiro privado advém do
setor público.
Note-se que a concessão administrativa é de mais difícil conceituação devido à
redação ambígua do art. 2º, § 2º, da Lei 11.079, que a descreve como “a prestação de
serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva
execução de obra ou fornecimento e instalação de bens”. Embora o dispositivo fale em
prestação de serviços (aproximando-se do contrato de empreitada), na realidade o contrato
pode também ter por objeto a execução de serviços públicos que não admitam a cobrança
de tarifa. Chega-se a essa conclusão pela redação do artigo 4º, inciso III, da Lei, que só
proíbe a delegação das funções de regulação, jurisdicional, poder de polícia e de outras
atividades exclusivas do Estado; em conseqüência, como a concessão patrocinada depende,
parcialmente, de remuneração do usuário, os serviços públicos que não comportam essa
remuneração, terão que ser objeto de concessão administrativa, que é inteiramente
remunerada pelo parceiro público.
6.2 ARRANJOS INSTITUCIONAIS SUGERIDOS
O sistema ferroviário brasileiro, para fins de análise dos aspectos legais relativos a
uma eventual segregação de sua infra-estrutura, pode ser dividido nos seguintes
agrupamentos:
•
linhas existentes e já concedidas;
•
contornos e variantes em linhas existentes já concedidas;
•
linhas em construção e a construir, ainda não concedidas.
Nos subitens que se seguem serão sugeridos arranjos institucionais da segregação
da infra-estrutura com base nos agrupamentos antes citados.
152
6.2.1 Linhas Existentes e Concedidas
Os contratos de concessão em vigor, foram, em sua esmagadora maioria,
firmados entre a União e as operadoras privadas. As exceções importantes ficam por conta
da Ferrovia Paraná Oeste – Ferroeste, que tem com poder concedente o governo do
Paraná, e a Ferrovia Norte-Sul, que tem como concessionária uma empresa estatal: a Valec.
Esta, por seu turno, através de uma subconcessão, cedeu os direitos exploratórios à CVRD.
Por sua relevância só serão aqui tratados os primeiros.
A operação ferroviária, nos trechos concedidos, é conferida com exclusividade ao
operador ferroviário vencedor do leilão de desestatização, excetuadas as seguintes
situações:
trens de passageiros: obrigatoriedade de assegurar, a qualquer operador ferroviário, durante
a vigência do contrato, a passagem de até 2 (dois) pares de trens por dia, em trechos com
densidade de tráfego mínima de 1,5 milhões de TKU/km de linha/ano;
trens cargueiros: obrigatoriedade de garantir tráfego mútuo ou direito de passagem a outros
operadores, mediante celebração de contrato.
Saliente-se que no tráfego mútuo os vagões da ferrovia A são tracionados por
locomotivas da ferrovia B, quando em território desta, com a remuneração de B sendo em
geral feita através de partilha de frete. Já o direito de passagem (run-trough) assegura que os
trens completos da ferrovia A adentrem as linhas da ferrovia B, pagando a esta uma espécie
de pedágio (track rights).
Os contratos de concessão permitem ainda que possam ser terceirizadas
atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido.
A inserção da segregação da infra-estrutura nas linhas existentes e concedidas de
maneira impositiva pelo poder concedente, ainda que plenamente justificável dos pontos de
vista técnico, financeiro e econômico ensejaria as discussões legais elencadas nos subitens
6.1.1 a 6.1.3.
As possibilidades de segregação, como dito anteriormente, se subdividem em
dois grupos: open access e third part access. Para linhas já concedidas, objetivando-se evitar
disputas jurídicas, o melhor modelo seria o third part access, onde o concessionário atual
manteria o status de operador dominante, e permitiria, a seu exclusivo juízo, o acesso de
outros operadores privados à sua malha.
153
Esse posicionamento, contudo, dificilmente ocorrerá sem que, paralelamente, o
Poder Concedente estimule essa prática. As entrevistas com gestores qualificados descritas
no Capítulo 4 dão conta de que há certo temor, dos concessionários, em que a segregação
represente uma maior ingerência do poder público em seus negócios.
Portanto, a incentivação mencionada, acrescida de garantias jurídicas adequadas,
tenderia a compensar os riscos apontados.
Nessa linha, sugere-se que os concessionários que venham a adotar a segregação
em algumas de suas linhas, no regime de third part access, tenham a oportunidade de praticar
o que poderia ser denominado de “diferimento da outorga”.
Por esse mecanismo, os concessionários poderiam investir os valores de
outorga/arrendamento devidos por um determinado período de tempo, retornando esses
pagamentos findo o período citado, acrescidos de juros e correção monetária. O valor
presente (ou futuro) do fluxo de encaixes do governo federal permaneceria inalterado.
Essa lógica vem sendo usada por muitos estados na atração de novas indústrias,
caso típico do Estado do Rio de Janeiro, onde foi implantado o Fundo de
Desenvolvimento Social - FUNDES, em que o ICMS adicional gerado por novos
empreendimentos é retido pelo investidor na fase inicial de operação e posteriormente
pago aos cofres públicos.
Os recursos da outorga diferidos seriam necessariamente aplicados em
investimentos. O governo federal, tendo em vista a unicidade do valor presente do fluxo de
pagamentos da outorga, não ganharia nem perderia nada num primeiro momento. Ocorre,
no entanto, que essa proposta contém uma série de vantagens intrínsecas, quais sejam:
●
os investimentos da concessionária aumentariam seu fluxo de transportes lucros e
portanto maior recolhimento do imposto de renda;
●
a entrada de novos operadores ferroviários dinamizaria a indústria ferroviária, que ainda
se ressente de um fluxo de encomendas variável (e por isso pratica preços ainda
considerados elevados), o que seria benéfico para todas as operadoras ferroviárias;
●
aumento dos fluxos ferroviários e redução do custo Brasil.
Assim, fica caracterizada a primeira proposta de segregação: adoção do third part
access em linhas concedidas, em especial as que observem os critérios de seleção do Capítulo
5, com a concomitante adoção de incentivo aos concessionários através do diferimento da
outorga.
154
O arranjo institucional para esse caso é o mostrado na figura 33. Por esse arranjo,
o órgão regulador manifesta (ou recebe manifestação) de interesse na segregação da via
férrea num determinado trecho, analisa a viabilidade do projeto e, em caso positivo,
estabelece regras gerais de acesso e de diferimento da outorga. Concomitantemente, novos
entrantes e operador dominante firmam acordo de trackright.
Manifestação de interesse
Potenciais
novos operadores
ANTT
Acordo
Concessionário
(operador dominante)
Solicitação de diferimento de
outorga para um certo projeto
Avaliação do projeto
(S)
Viável?
Regras de acesso e de
diferimento de outorga
Figura 33: Arranjo de segregação no caso de vias já concedidas
6.2.2 Contornos e Variantes em Linhas Existentes e Concedidas
A malha ferroviária brasileira, de caráter centenário em muitos casos, tem hoje
uma série de conflitos urbanos com as cidades, em especial as que se desenvolveram no
entorno da via férrea. Esses conflitos são caracterizados basicamente pela presença de
passagens em nível, sem contar com a partição física da urbe, quando a via férrea é
segregada.
Em termos de passagens em nível, tem-se catalogadas (existem muitas PNs
clandestinas) 12.400 unidades no Brasil, o que representa a impressionante cifra de uma PN
a cada 2,3 km de linha férrea.
155
Esses entraves urbanos deram origem a uma extensa lista de reivindicações das
prefeituras, no sentido de serem construídos contornos ferroviários, retirando os trilhos do
seio das cidades. Claros exemplos disso, são os projetos do Plano de Aceleração do
Crescimento, lançados pelo Governo Federal em 2007, em que se prevê a construção de
contornos em:
●
Cachoeira / São Félix (BA);
●
Barra Mansa (RJ);
●
São Paulo (tramo norte do Ferroanel) e Araraquara (SP);
●
Guarapuava (PR);
●
São Francisco do Sul e Joinville (SC).
Além dos contornos, Governo Federal tenta solucionar alguns importantes
gargalos operacionais, como, por exemplo, Camaçari – Aratu (BA) e Serra do Tigre (MG),
na malha da Ferrovia Centro-Atlântica. Assim, para contornos e variantes, considerada a
problemática legal antes discutida, e nos casos onde comprovadamente seja inviável
financeiramente seu equacionamento pelo concessionário, poder-se-ia utilizar o arranjo
institucional indicado na figura 34.
PPP
patrocinada
Construção e manutenção
DNIT
SPE
(parceiro privado)
Contorno ou
variante
(infra-estrutura)
Uso
Concessionário
da malha
Pagamento de
trackright (take
or pay) ampliado
ANTT
Acordo de third part access em outro trecho
julgado viável
Figura 34: Arranjo de segregação no caso variantes e contornos da malha concedida
156
Por esse modelo, seria celebrado um contrato de concessão, na modalidade de
parceria público-privada patrocinada, em que o parceiro privado construiria e faria a
manutenção do contorno ou variante, assegurando uma determinada capacidade de vazão
ao concessionário.
O concessionário, por seu turno, pagaria um direito de passagem ampliado ao
parceiro privado da PPP, cujo valor seria função de pelo menos três fatores:
●
do desgaste físico que seus trens trariam à via férrea, inclusive a depreciação;
●
uma parcela da redução de custos operacionais dos fluxos existentes à data da
construção do contorno ou variante, para estes desviado;
●
uma parcela da rentabilidade dos novos fluxos que venham a transitar pelo contorno
ou variante.
Para o primeiro fator, o valor a ser pago pelo concessionário à SPE (sociedade de
propósito específico, exigência da Lei Federal 11.079/2004) poderia ser estipulado com
base na TKB (tonelada x quilômetro bruta, considerando tara e carga dos veículos
ferroviários) transitada, assegurado à SPE um valor ou patamar mínimo, haja ou não fluxo
(take or pay), caracterizado esse fato como elemento de atração da iniciativa privada ao
negócio, além de redutor do gasto público.
A partir do patamar mínimo de tráfego, a cobrança seria feita com base na TKB
adicional trafegada até se atingir a capacidade de vazão pactuada no contrato de PPP.
Para o segundo fator, seriam calculadas as economias resultantes da operação
ferroviária, com fluxos existentes, nas situações com e sem projeto, tais como redução de
acidentes, consumo de combustível, transit time etc., sendo 50% do resultado líquido
apurado apropriado pela SPE, como forma indireta de redução do aporte de recursos
públicos à mesma. Significaria, portanto, que o poder concedente estaria participando dos
resultados do negócio, pressuposto básico de uma PPP.
Para o terceiro fator, seriam aplicados os mesmos conceitos do segundo fator,
com o aporte de recursos públicos à SPE diminuindo à medida que os fluxos transitados
aumentem acima do valor existente à época da construção da variante ou contorno.
É preciso lembrar que aporte de recursos públicos à SPE seria feito para
compensar os investimentos do parceiro privado que não pudessem ser remunerados via
pagamento do direito de passagem ampliado pelo concessionário.
Note-se, por oportuno, que, por esse mecanismo, os aportes de recursos ao
parceiro privado (SPE) tendem a ser decrescentes no tempo, sendo tanto menores quanto
157
maior for o desempenho da concessionária, razão pela qual a escolha do contorno ou
variante deve levar em conta não só aspectos urbanísticos, mas também o potencial de
crescimento de tráfego ferroviário.
Por fim, é preciso destacar que o cálculo da capacidade de vazão do contorno ou
variante deve levar em conta as necessárias janelas de manutenção da SPE, uma vez que
nesse tipo de arranjo a qualidade da via tem um significado especialíssimo.
Destaque-se ainda o fato de no arranjo em questão constam o Departamento
Nacional de Infra-Estrutura de Transportes – DNIT, a quem cabe a implantação de novas
ferrovias, a Agência Nacional de Transportes Terrestres, cuja missão principal, nesse caso,
seria a de negociar, com o concessionário, a segregação da infra-estrutura em outro ponto
de sua malha, porém de acordo com a situação descrita no item 6.2.1.
Essa negociação tem sua razão de ser. Segundo o artigo 10 da Lei Federal
11.079/2004, a contratação de parceria público-privada será precedida de licitação na
modalidade de concorrência. Isso significa a dizer que o aporte de recursos públicos ao
parceiro privado estará vinculado, diretamente, à disputa entre os proponentes pelo
negócio; em outras palavras, será o mercado que ditará o valor a ser recebido pelo parceiro
privado.
No modelo em discussão, o mercado certamente ditará o valor dos serviços de
implantação e conservação da variante ou contorno urbano, mas o que a concessionária
pagará como direito de passagem será uma decisão unilateral. E o que o governo pagará ao
parceiro privado será exatamente a diferença entre os valores antes citados. Dessa maneira,
o aporte de recursos públicos estará vinculado não integralmente a uma decisão de
mercado, decorrente de uma licitação, mas estará atrelado, em parte, a uma decisão
arbitrária da concessionária.
É evidente que o valor a ser pago por uma concessionária, assim como o valor de
qualquer concessão, pode ser estimado com auxílio de consultoras. Mas, diferentemente de
uma licitação pura, onde o valor estimado é submetido às forças do mercado, no modelo
proposto essas forças só atuarão em parte do processo.
Dessa maneira, estaria ocorrendo algo que o autor denomina de falta licitabilidade
plena, ante a ausência das forças de mercado na definição do valor do trackright. Seria então
para compensar esse fato que o Poder Público obrigaria o concessionário a aderir ao
esquema de third part access, como forma compensatória.
158
Destarte, o Poder Público estaria abrindo mão de algo, porém em troca da
ampliação do processo de segregação, sobretudo nos segmentos de baixa densidade de
tráfego e de alta demanda rodoviária em rotas concorrentes, sob o manto do denominado
princípio da razoabilidade, que segundo Meirelles (2002) é:
... é uma diretriz de senso comum, ou mais exatamente, de bom-senso, aplicada
ao Direito. Esse bom-senso jurídico se faz necessário à medida que as exigências
formais que decorrem do princípio da legalidade tendem a reforçar mais o texto
das normas, a palavra da lei, que o seu espírito.
Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de
discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em
sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das
finalidades que presidiram a outorga da competência exercida.
6.2.3 Novas Linhas
Nos novos segmentos ferroviários, existe a necessidade de se distinguir aqueles
que resultem de uma ampliação de um corredor existente, como por exemplo Alto
Araguaia Rondonópolis – Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, que faz parte da
concessão da Ferronorte, dos que não tem nenhuma relação direta com a s concessões
atuais. Para os primeiros, valem os conceitos discutidos em 6.2.1, retro, enquanto que os
últimos serão a seguir tratados.
A construção de novos segmentos ferroviários dificilmente ocorre sem o aporte
de recursos públicos. Exemplos recentes disso são:
•
a Ferronorte, em que a ponte rodoferroviária sobre o rio Paraná, de 3.770m, na divisa
de S. Paulo com o Mato Grosso do Sul, foi construída com recursos da União e do
Estado de São Paulo;
•
a Nova Transnordestina, em que o poder público concede empréstimos a juros
subsidiados (FNDE e FINOR), além de responsabilizar-se pelas desapropriações da
faixa de domínio.
O caso do Projeto Grande Carajás é emblemático a esse respeito. Trata-se um
complexo mina – ferrovia – porto, implantado entre 1979 e 1984, nos estados do Pará e
Maranhão, destinado ao escoamento para exportação de matéria prima da província
159
mineral da Serra dos Carajás (PA). Seu custo foi da ordem de US$ 3 bilhões, distribuído
conforme a figura 35.
Outros 10,00%
Porto 14,00%
Ferrovia 56,00%
Mina 20,00%
Fonte: ICEE (1998)
Figura 35: Divisão dos investimentos em Carajás
A amortização desses investimentos, calculada de forma bastante simplificada,
pode ser dada pela expressão:
P = [I x (1+i)n] / [(1+i)n – 1]
sendo:
p: a anuidade do empréstimo;
I: o investimento (US$ 3 bilhões);
i: a taxa de juros (estimada em 5% a.a., de acordo com Batista, 2004);
n: o período de amortização (adotado o valor de 20 anos).
Com esses valores, o valor da anuidade é de US$ 240 milhões por ano. O autor
tendo trabalhado como consultor da CVRD teve acesso à estrutura clássica de custos
daquela empresa nos anos 80/90, que era de: US$ 2 – mina, US$ 8 – ferrovia; e US$ 2
porto, para um preço FOB (Tubarão – ES) de US$ 15.
Assim, considerando-se que apenas US$ 2 estariam liberados para pagamento
dos investimentos, haveria necessidade da produção anual de 120 milhões de toneladas de
minério, apenas para o serviço da dívida. E a Estrada de Ferro de Carajás em toda sua
história jamais atingiu esse patamar de transporte (muito embora isso possa vir a ocorrer
nos próximos anos em função do consumo chinês), tendo durante muitos anos se situado
160
na casa do 40 a 50 milhões de toneladas anuais. Daí se infere uma importante conclusão,
que corrobora a tese da necessidade da quase sempre necessidade de aporte de recursos
públicos a empreendimentos ferroviários de porte, a de que o pagamento da dívida de
Carajás se deu pela não concessão de dividendos ao acionista majoritário (União).
Retomando a questão das novas linhas, sempre que houver o aporte de recursos
públicos a segregação seria compulsória. Nesse caso o modelo proposto é o mostrado na
figura 36.
PPP
patrocinada
Construção e manutenção
DNIT
SPE
(parceiro privado)
Nova ligação
ferroviária
Uso
Operadores
(novos e atuais)
Pagamento de
trackright (take
or pay)
ANTT
Rodovias
concorrentes
Ações de apoio à eqüidade
concorrencial
Figura 36: Arranjo de segregação no caso novas linhas
A proposta de segregação compulsória, através de PPP patrocinada, aduz uma
série de vantagens, quais sejam:
161
•
viabilização de novos segmentos ferroviários num menor espaço de tempo, dado o
aporte de recursos públicos;
•
implantação da concorrência intra-trilhos, com reflexos positivos no valor dos fretes;
•
partilha com o parceiro privado de lucros crescentes, que poderão, inclusive, anular os
aportes de recursos públicos ao projeto;
•
estimular a eqüidade na concorrência trem - caminhão.
Sobre esse último aspecto, convém frisar que, sendo parceiro do negócio
ferroviário, o governo tenderá a tratar a disputa concorrencial entre modos de modo mais
equânime. Pelo modelo apresentado, o parceiro privado do negócio ferroviário, com o
apoio do DNIT e da ANTT, implantaria sistemas de pedágio, controle de peso, controle
do estado de manutenção de veículos, jornada de trabalho etc., nas rodovias concorrentes
ao trecho ferroviário segregado, de sorte a que a eqüidade concorrencial esteja presente.
Essa, portanto, a diferença entre uma PPP convencional e uma PPP otimizada,
ora proposta, em que regras de isonomia concorrencial são estabelecidas, intra e extramodos.
6.3 SUGESTÕES PARA TARIFAÇÃO DE VIAS SEGREGADAS
6.3.1 Preliminares
Segundo Orrico Filho e Pereira (1997), tarifa de serviço público é um caso
particular do estabelecimento do preço, pela autoridade pública, do valor de troca de um
bem ou serviço aplicado aos produtos ou serviços que dependem de delegação específica
da autoridade para sua produção.
Fica evidente que essa definição aplica-se à cobrança de trackright, numa via
segregada, posto que é parte integrante da estrutura de prestação de serviço público, no
caso o ferroviário.
O presente item trata da tarifação da via permanente, em regime de trackright,
estando o texto que se segue subdivido em cinco partes:
aspectos conceituais da tarifação da infra-estrutura;
práticas de tarifação da infra-estrutura;
proposta para piso tarifário do trackright no Brasil;
proposta para teto tarifário do trackright no Brasil;
162
proposta para valores intermediários de trackright no Brasil.
Essa subdivisão tem como fator motivador o fato da tarifação da infra-estrutura
ser algo polêmico e complexo, que impossibilita a recomendação de critério universal,
ainda que isso estivesse embasado solidamente em conceitos matemáticos econômicos. A
proposta acadêmica, nesse caso, é a de estabelecer diretrizes básicas para o ordenamento da
tarifação da via.
6.3.2 Aspectos Conceituais
A tarifação do uso infra-estrutura deve, em primeiro lugar, levar em os gastos
com os ativos ali alocados, como mostrado na tabela 33.
Ativo
Componentes
Gastos de
capital*
Gastos de
manutenção
Gastos de
operação**
1. Infra-estrutura da
via permanente
Cortes, aterros, obras- Construção
de-arte correntes e
especiais
Controle de
vegetação, limpeza
dos dispositivos de
drenagem, reforço de
estruturas etc.
n.a.
2. Superestrutura da
via permanente
Trilhos e acessórios,
dormentes, lastro,
sublastro, aparelhos
de mudança de via
etc.
Construção e as
grandes renovações
Correção da
n.a.
geometria,
substituição de
componentes gastos,
ajustes e lubrificações
de peças e
equipamentos etc.
3. Sistemas de
sinalização,
eletrificação e
telecomunicação
Circuito de via, rede
aérea, terceiro trilho,
fibra ótica,
equipamentos do
centro de comando e
controle, gps etc.
Implantação e
modernizações
Correção de mau
funcionamento,
retensionamento de
rede aérea,
substituição de peças
e componentes
desgastados etc.
4. Pátios e terminais
Edificações e
facilidades diversas
Construção
Manutenção predial e Vigilância e operação
de equipamentos
de facilidades,
diversos
fornecimento de
energia etc.
Fornecimento de
energia e alocação de
pessoal às áreas de
planejamento
operacional e de
comando e controle
(*) Inclui depreciação.
(**) Nesses gastos deve estar considerado o relativo à atividade de socorro a trens acidentados, cuja envergadura tende a
ser maior do que em empresas verticalizadas, sobretudo no caso de múltiplos entrantes, que não admitirão ver seus fluxos
interrompidos por problemas causados por terceiros.
Tabela 33: Ativos da infra-estrutura ferroviária e seus gastos típicos
163
A Diretiva 2001/14 da União Européia estabeleceu os seguintes princípios
básicos de tarifação da infra-estrutura ferroviária:
●
as tarifas devem estar correlacionadas aos custos diretamente incorridos na oferta da
infra-estrutura ao tráfego ferroviário;
●
a inclusão nas tarifas de custos relacionados à escassez de oferta em períodos de
congestionamento é permitida;
●
as tarifas podem incluir a cobertura de custos ambientais, desde que algo semelhante
esteja sendo imposto aos modos competidores da ferrovia;
●
mark-ups (sistema de preços que aumenta percentualmente o valor do preço final da
mercadoria ou serviço por meio de uma percentagem) ou sobretarifas baseadas em
princípios da eficiência, transparência e não-discriminação podem ser aplicadas para
recuperação de custos totais, se as condições e mercado o permitirem. Caso isso não
seja possível, as tarifas deverão cobrir apenas os custos diretamente relacionados à
passagem do trem;
●
tarifas elevadas podem ser cobradas para cobertura de gastos de investimentos com
base nos custos de longo prazo, desde que incrementada a eficiência das condições da
oferta da infra-estrutura;
●
para prevenir discriminação, tarifas para usos equivalentes da infra-estrutura têm que
guardar semelhança entre si;
●
descontos são somente permitidos na medida em que economicidades de custos
administrativos são repassadas aos operadores ferroviários, ou para encorajar o uso de
segmentos com baixa densidade de tráfego, devendo, neste último caso, ser extensivos a
todos os usuários desse segmento.
Em resumo, a tarifação da infra-estrutura comumente adotada leva em
consideração os aspectos da tabela 33 e das diretrizes da Comunidade européia,
redundando em abrigar custos:
●
operacionais relativos ao planejamento, acompanhamento e controle da operação do
tráfego ferroviário;
●
de manutenção e renovação da via permanente ferroviária e dos sistemas fixos conexos
(sinalização, eletrificação e telecomunicação);
●
de fornecimento de energia elétrica, algo que no Brasil está restrito ao transporte
urbano sobre trilhos e à cremalheira do segmento Santos - Jundiaí (SP), ou óleo diesel;
●
de administração.
164
A esses custos podem ser adicionados os relativos ao congestionamento e à
escassez da oferta da infra-estrutura (Nash e Fowkes, 2003), este último entendido como o
custo de oportunidade do operador B, que não pode circular com seus trens, na medida em
que a janela de tráfego foi sido alocada ao operador A.
Com base nesses custos, foram desenvolvidas pelos diversos gestores da infraestrutura, quatro metodologias principais de tarifação, quais sejam :
•
custos marginais;
•
precificação de Ramsey;
•
custos (médios) plenamente distribuídos (fully distributed costs – FDC);
•
tarifação multiparte.
Metodologia do Custo Marginal
A metodologia do custo marginal implica em determinar como os custos de
manutenção da infra-estrutura variam com a densidade de tráfego e também podem
incorporar os efeitos do aumento da carga por eixo. Esta última situação é típica das malha
de trens de subúrbio de São Paulo, operada pela CPTM, em que o custo marginal envolve
não só a passagem de trens cargueiros adicionais da MRS, como também os efeitos do
aumento de 21,5 tf (passageiro – carro motor) para 30tf (carga – loco ou vagão) na carga
por eixo.
O custo marginal de um serviço é o custo adicional incorrido para produzir uma
unidade adicional. O custo marginal é, também, a redução de custo possível ao se produzir
uma unidade a menos do serviço. Portanto, o custo marginal representa o custo de
oportunidade para o transportador daquela produção adicional, ou seja, o valor dos
recursos adicionais empregados, se estes vierem a ser utilizados numa atividade alternativa.
O custo marginal pode envolver duas situações: a de curto prazo e a de longo
prazo. Quando se está tomando uma decisão a respeito do custo incremental de um serviço
específico, dada a capacidade existente, o custo variável de curto prazo incluirá somente os
custos adicionais de produção impostos por aquele serviço. Isso raramente implicará na
inclusão de custos fixos substanciais. Em contraste, quando se está tomando uma decisão
de longo prazo referente à recuperação ou ampliação de uma parte de sua malha, o custo
variável relevante (de longo prazo) incluirá todos os custos fixos, mesmo aqueles que
venham a se tornar irrecuperáveis ou afundados uma vez incorridos (BPL, 1997).
165
O custo marginal de longo prazo representa, portanto, o custo adicional da
passagem de um trem adicional quando do ajuste das condições da infra-estrutura para que
isso possa ocorrer. O custo marginal de longo prazo, para uma unidade extra de tráfego,
pode ser igual ao custo marginal de curto prazo se existir folga na capacidade de oferta de
infra-estrutura a um custo mínimo, em particular a de slots.
A expansão ou a adequação da infra-estrutura, esta última através de novos
sistemas de sinalização, por exemplo, que permitam acomodar mais tráfego sem acréscimo
das linhas físicas, implicará na necessidade de inclusão nas tarifas dos custos dessas
expansões ou readequações, levando ao conceito de custo marginal de longo prazo.
Precificação de Ramsey
O gestor da infra-estrutura pode diferenciar as taxas de oferta de slots segundo a
região, o horário e o cliente. Essa ótica engloba os denominados preços de Ramsey, em que
as margens sobre custos unitários em cada segmento são inversamente proporcionais à
respectiva elasticidade- preço da demanda.
Os preços de Ramsey tentam cobrir eventuais déficits financeiros derivados da
aplicação de custos marginais de curto prazo. Por essa metodologia, os custos marginais
são majorados para determinados clientes que não têm outra opção que não utilizar a
ferrovia para escoar seus produtos (clientes cativos) e minorados para aqueles que possuem
outra opção modal.
A precificação de Ramsey, contudo, não é fácil de ser implementada,
especialmente devido à ação de órgãos reguladores. Esse implementação requer
conhecimento sobre a elasticidade-preço de cada fluxo, numa grande gama de mercados.
Além disso, os clientes (entrantes) costumam relutar em revelar sua disposição em arcar
com tarifas elevadas, prevalecendo, em muitos casos, a filosofia de “tarifar aquilo que o
mercado estiver disposto a pagar”, através de negociações marcadas pelo processo de
tentativa e erro.
Os preços de Ramsey costuma ser considerados apropriados nos casos em que a
ferrovia pretende avançar no market share do serviço de transporte, em especial nos casos
onde existam clientes cativos e se deseje captar cargas ao modo rodoviário.
166
Custos Plenamente Distribuídos
Os custos plenamente distribuídos têm como ponto de partida o custo marginal
de curto prazo, com os custos eventualmente não cobertos por este último distribuídos
segundo parâmetros selecionados, tais como quilômetros de via, tonelada x quilômetro útil,
tonelada x quilômetro bruta etc.
Isso tem feito desta metodologia algo simples e fácil de implantar, pois não leva
em consideração a elasticidade-preço da demanda ou qualquer outra forma de
diferenciação da demanda em virtude do produto transportado, região ou período do dia.
Contudo, os custos plenamente distribuídos têm contra si o fato de penalizarem
clientes que permaneçam no sistema após a saída de outros, além de tornarem
excessivamente elevados os custos de entrantes, o que dificulta sobremaneira a captura de
cargas ao modo rodoviário, por exemplo.
Tarifação Multiparte
Esse tipo de tarifação, superior em valor a dos custos marginais e diferentemente
dos critérios anteriores, procura taxar cada slot com seu custo marginal e cobrir eventuais
déficits (sobretudo os derivados de investimentos na ampliação da oferta) com uma taxa
fixa, que o operador tem de pagar durante um determinado período de tempo (entrance fee).
Existe um grande número de combinações nesse tipo de tarifação, existindo a do
tipo linear (não varia com a demanda) e a do tipo não-linear (varia com a demanda).
A mais simples envolve uma taxa fixa (sem diferenciação entre operadores) e uma
taxa variável, associada ao custo marginal. Uma das dificuldades dessa metodologia reside
na determinação desse valor fixo, de modo que isso, de um lado, não influencie a demanda
dos operadores, e, de outro, não configure discriminação contra algum entrante de menor
pujança econômica que não possa arcar com esse valor.
Esse tipo de tarifação é por outro lado interessante quando se deseja alocar o
risco de capital aplicado em investimentos aos clientes, através de uma taxa fixa, o que tem
levado à sua adoção nos casos onde elevados custos fixos necessitam ser gerenciados.
167
6.3.3 Práticas de Tarifação da Infra-Estrutura
Há uma grande diversidade nas metodologias aplicadas à tarifação da infraestrutura, existindo grande número de casos em que os custos de manutenção e expansão
da infra-estrutura ferroviária são subsidiados.
ECMT (1998) resume os seguintes princípios básicos a serem adotados na
tarifação da infra-estrutura:
a tarifação e investimento devem estar correlacionados, especialmente onde o
congestionamento esteja presente, com os valores tarifários preferivelmente baseados
no na demanda;
os custos fixos devem ser cobertos, e quaisquer subsídios sociais que resultem em
majoração tarifária devem ser direcionados ao usuário final;
o uso de sistema tarifário multiparte representa uma ótima oportunidade de excluir os
fluxos que não podem arcar com custos fixos elevados, com a tarifa mínima
correspondendo aos custos marginais de curto prazo;
a precificação deve ser transparente, simples e lastrada num bom sistema de
informações.
Peter (2003) e Thompson (2001) evidenciam diversos modelos praticados na
Europa, mostrando que os mesmos, ainda que dentro de uma mesma metodologia, variam
grandemente, com sofisticadas abordagens econométricas presentes.
Nash et alli (2006) analisam a estrutura de tarifação da infra-estrutura na GrãBretanha e concluem que sua principal deficiência reside na ausência de uma taxa que
reflita a escassez de capacidade. Destacam que uma maneira de alocar a referida escassez
aos diferentes tipos de trem seria através da identificação dos respectivos custos de
oportunidade, embora considerem isso como algo complexo.
Na tabela 34 (Nash, 2005; Nash e Matthews, 2006) são apresentados os tipo de
taxas cobrados pelo uso da infra-estrutura ferroviária, podendo ser observado o tratamento
especial que alguns gestores conferem ao uso de obras-de-arte especiais (pontes e viadutos).
É importante ressaltar que no Brasil existem vários segmentos ferroviários com
restrição de velocidade justamente no caso de pontes e viadutos muito antigos, com
componentes estruturais próximos da fadiga. A diminuição da velocidade dos veículos
ferroviários se faz necessária posto que a carga dinâmica é função desse parâmetro.
168
Taxas
País
Metodologia
Fixas
Toneladas Trensxkm Rotas ou
brutasxkm
rotasxkm
Outras
Alemanha
FC–
Áustria
MC+
Bélgica
FDC–
Bulgária
MC+
Dinamarca
MC+
Finlândia
MC+
França
MC+
Grã-Bretanha MC+
Congestionamento e
pontes
Eslovênia
FC
Hungria
FC
Itália
FC–
Letônia
FC
Holanda
MC
Noruega
MC+
Portugal
MC
Romênia
FC
Suécia
MC+
Suíça
MC+
Tipo de
veículo
Nós de
tráfego
Ponte
Oresund
Nós de
tráfego
Obs.:
Fontes: Nash (2005); Nash e Matthews (2006).
Tabela 33: Estruturas de precificação da infra-estrutura na Europa
Com relação à tabela 33 cabem ainda as seguintes observações (Impastato e
Vivaldi, 2005):
169
•
FC é o custo médio plenamente distribuído, como discutido no subitem anterior;
•
MC é o custo marginal;
•
o sinal (+) representa mark-up, onde a tarifação pelo custo marginal é aumentada para
reduzir ou eliminar eventuais subsídios do poder público;
•
o sinal (–) significa que a tarifação é pelo custo médio, reduzida de compensação feita
pelo poder público.
Segundo Nash e Matthews (2006), a tarifação por trem x km de carga varia entre 1
a 8 euros, com a moda ao próxima a 3 euros. De vinte e três países pesquisados, Impastato
e Vivaldi (2005) informam existir recuperação total dos gastos da operação e manutenção
da infra-estrutura em apenas três (Estônia, Letônia e Lituânia). Na França, Alemanha e
Grã-Bretanha, onde o ferroviarismo é mais expressivo, o porcentual de recuperação desse
gasto se situa ao redor de 70%.
6.3.4 Proposta para Piso Tarifário no Brasil
Os atuais contratos de concessão das ferrovias de carga prevêem que o piso
tarifário, para o transporte de mercadorias, não seja inferior aos custos variáveis de longo
prazo.
Em princípio não se imagina que a tarifação da via permanente, pelo seu uso,
possa seguir curso diferente. Contudo, é preciso observar essa questão sob dois ângulos: o
do curto prazo e o do longo prazo.
Antes disso, é oportuno fazer uma analogia entre, por exemplo, a oferta de uma
indústria e a oferta de infra-estrutura ferroviária. No primeiro caso, a oferta é claramente
identificada pelo quantidade de produtos fabricados. Já no segundo caso, poder-se-ia
conceber a oferta de uma rede de slots (janelas de tempo em segmentos físicos da via
permanente), que evidentemente possuem um custo derivado de investimentos e de
atividades de operação (controle do tráfego) e de manutenção a cargo de seu operador.
Para simplicidade do raciocínio será entendida como unidade de produção, no
caso da segregação da infra-estrutura, uma janela de tempo num dado segmento da via
permanente. Além disso, em prol da simplicidade da análise, é preciso que se considere,
também, a existência de trens-tipo circulando nesse segmento. Assim, uma unidade de
produção corresponderia a uma janela de tráfego ofertada para um dado trem-tipo, duas
unidades de produção a duas janelas de tráfego ofertadas para um trem-tipo, e assim
170
sucessivamente. Tal qual uma fábrica, o número de janelas ofertadas (seria limitado às
instalações físicas disponíveis (sistemas de sinalização, pátios de cruzamento, número de
vias etc.).
O número de janelas de tráfego ou slots deverá considerar, no caso de operador
dominante (third part access), trens próprios e de entrantes. No caso de open access, apenas os
entrantes.
No curto prazo, o ponto de igualamento, isto é, o melhor ponto de produção, é
dado no ponto onde a curva do custo marginal intercepta a do custo médio, que define a
tarifa mínima e a quantidade de janelas de tráfego a serem praticadas pelo gestor da infraestrutura. Nesse ponto o custo médio é mínimo e é igual à tarifa, e o gestor estará apenas
igualando receitas e despesas.
Contudo, devido ao fato de que receitas e despesas estão igualadas, o gestor da
infra-estrutura poderá continuar a operar. O ponto de saída ou limite mínimo tarifário será
dado, no curto prazo, no ponto onde a curva custo variável interceptar a do custo marginal.
Para tarifas compreendidas entre o ponto de igualamento e o ponto de saída, o gestor
cobre seus custos variáveis e parte dos fixos, algo que pode perdurar por em certo espaço
de tempo, dependendo de sua saúde financeira. Contudo, abaixo para tarifas aquém da do
ponto de saída, sequer os custos variáveis são cobertos. Assim o limite tarifário mínimo (e a
correspondente oferta de slots), no curto prazo, seria aquele onde o custo variável médio de
curto prazo se iguala ao custo marginal de curto prazo.
Para o longo prazo, o porte das instalações fixas na via permanente pode variar,
podendo ser expandido com a duplicação de trechos, a construção de variantes em trechos
de rampas íngremes ou de raios de curva apertados, implantação de novos postos de
cruzamento, introdução de sistemas de sinalização mais eficazes etc. Da mesma forma,
essas instalações podem ser retraídas, com a eliminação de facilidades não mais necessárias
à acomodação dos fluxos de transporte. Com isso, os custos fixos do curto prazo
transformam-se em variáveis no longo prazo.
No longo prazo, a tarifa mínima, que permite o funcionamento do gestor da
infra-estrutura, é dada pelo ponto de igualamento, interseção da curva do custo marginal de
longo prazo com a do custo médio (só formado por custos variáveis) de longo prazo.
Diferentemente do curto prazo, quando a produção, ainda com alguma perda, pode
ocorrer porque não há outra saída, no longo prazo, a tarifação de slots tem alternativas,
como a redução dos mesmos, a readequação das instalações fixas etc.
171
Assim o limite tarifário mínimo (e a correspondente oferta de slots), no longo
prazo, seria aquele onde o custo variável médio de longo prazo se iguala ao custo marginal
de longo prazo.
A duração do acordo de trackright e o nível de investimento a cargo do gestor da
infra-estrutura, dente outros fatores, deverão determinar a adoção de regras de curto ou de
longo prazo.
Como se está tratando de piso tarifário, portanto, a proposta aqui formulada é a
de que este equivalha ao custo marginal de curto prazo. Observe-se, por oportuno, que em
caso de ociosidade e não necessidade de grandes investimentos na via férrea (uma das
premissas do presente trabalho para o sucesso da segregação da infra-estrutura) os custo
marginais de longo prazo são equivalentes aos de curto prazo.
6.3.5 Proposta para Teto Tarifário no Brasil
Os atuais contratos de concessão das ferrovias de carga estabelecem tetos
tarifários, fixados essencialmente em função dos valores praticados pela RFFSA, à época de
sua privatização, os quais periodicamente são reajustados para fazer frente à inflação do
período.
A experiência canadense, em especial a prescrita no Canadian Transportation Act,
de 1996, prevê, para um teto de receita no transporte de grãos (revenue cap). Esse teto é
calculado levando-se em conta inflação, a tonelagem transportada e a distância média de
transporte. Nem todos os movimentos de grãos do Oeste canadense são elegíveis para
aplicação do teto das receitas ferroviárias, existindo limitações em certas rotas. Mais de 50
tipos de grãos podem usufruir desse mecanismo protecionista (CTA, 2000).
Na composição do teto tarifário, objeto de cálculo pelo órgão regulador, são
computados, dentre outros, os seguintes itens:
●
receitas de fretes;
●
quantias recebidas pela ferrovia para assegurar suprimento de vagão na safra;
●
receitas acessórias da ferrovia.
Por outro lado, são excluídos do cômputo do teto de receita no caso canadense:
•
incentivos ou descontos dados pelas ferrovias aos clientes;
•
penalidades ou multas impostas pelas ferrovias aos clientes;
•
taxa de sobreestadia (demurrage) para vagões da ferrovia retidos pelo cliente.
172
Nos EUA, as ferrovias sofreram um agudo processo de desregulamentação
aportado pelos Railroad Revitalization and Regulatory Reform Act, de 1976, e do Stagger´s
Rail Act, de 1980, cujos princípios são bastante simples: as ferrovias podem agir como
qualquer outra empresa privada, gerenciando seus ativos da forma que melhor lhes convier
e estabelecer livremente as tarifas para seus serviços.
Nesse país, as tarifas são fixadas livremente, com a introdução do conceito de valor
do serviço, que significa que a tarifa pode ser fixada de acordo com o que o cliente esteja
disposto a pagar, não estando necessariamente lastrada no custo do serviço de transporte
propriamente dito, dentro de uma concepção semelhante à da tarifação ad valorem, em que o
frete tem por base o valor da mercadoria a transportar. Há, no entanto, uma exceção com
relação aos níveis tarifários, nos casos em que a ferrovia exerça uma dominação do mercado,
definida na legislação norte-americana como ausência de competição com outros transportadores ou
modos de transporte, para determinado deslocamento de mercadoria e correspondente nível tarifário.
Isso porque as ferrovias norte-americanas praticam a denominada da precificação de
Ramsey, situação em que os clientes são tarifados na razão inversa da elasticidade da
demanda até que uma razoável lucratividade seja obtida, isto é, há uma sobretarifa para os
clientes cativos, de sorte a compensar a inabilidade das estradas de ferro em aumentar os
fretes de clientes que facilmente possam optar pelo caminhão ou por qualquer outro tipo
de transporte alternativo. Nesse sentido, e visando a razoabilidade tarifária, o Surface
Transportation Board - STB, adotou alguns critérios para tetos tarifários. Dentre eles, e
com possível aplicabilidade ao presente estudo, despontam os seguintes (STB, 2006):
R/VC180 (revenue-to-variable cost percentage above 180)
Situação em que se mede relação entre a receita do frete e o custo variável do
transporte de um determinado fluxo, verificando se este valor supera 180%. Caso isso
ocorra, fica o cliente elegível para contestar o valor tarifário ante o STB;
173
Benchmark
Elaborado através de uma análise de cima para baixo, ou seja, da tarifa para os
fatores de produção, em que o órgão regulador verifica se o cliente da ferrovia não está
pagando tarifas diferenciadas e superiores às pagas por outros clientes em fluxos similares;
Patamar Mínimo de Rentabilidade
Calculado anualmente pelo STB para todo o setor ferroviário, cujo valor anual é
da ordem de 10%. Esse parâmetro corresponde à taxa de retorno sobre o investimento
(return on investment – ROI), relação entre a receita líquida e o ativo diminuído dos passivos
de funcionamento (fornecedores, impostos, salários, dividendos, contas a pagar, etc.), no
período de apuração.
Pelo STB, uma ferrovia é considerada como tendo receitas adequadas quando
apresenta um ROI pelo menos igual ao custo de capital da empresa, considerados capitais
próprios e de terceiros.
Stand Alone Cost Test Method - SAC
O SAC, o mais popular dos critérios citados, é uma análise de baixo para cima, isto
é, dos fatores de produção para a tarifa, onde é calculada a receita que uma nova e
hipotética ferrovia teria que obter no transporte do fluxo em discussão, ausentes, portanto,
as barreiras de entrada e de saída, que são exatamente a origem dos denominados
monopólios naturais.
Para o cálculo da tarifa virtual, essa ferrovia não só operaria sob condições ótimas
(sem ineficiências), como também não forneceria subsídios cruzados a outros fluxos. A
tarifa real não poderá, por conseguinte, ser superior à tarifa virtual obtida pelo método
SAC. Normalmente, cabe ao cliente apresentar ao STB, para análise, o projeto e os custos
operacionais da ferrovia virtual, assumindo-se a hipótese que os investimentos feitos serão
recuperados pela ferrovia durante a vida útil dos ativos necessários ao transporte do fluxo
em discussão (em geral 20 anos).
174
O uso do SAC, contudo, em face de seu elevado custo e do tempo requerido à
sua apuração, é considerado inapropriado para solução de problemas envolvendo pequenos
clientes, como também fluxos sazonais ou dispersos.
Proposta
Nas experiências européia e australiana não foram encontrados elementos
definidores de tetos tarifários.
Assumindo-se que a tarifação geral de um frete ferroviário engloba os custos da
via permanente e dos sistemas fixos a ela associados, e que seus princípios gerais podem ser
aplicáveis ao trackright, verifica-se que os critérios elencados no arcabouço regulatório
norte-americano poderiam servir de guia preliminar para o estabelecimento de um teto
tarifário para o uso da infra-estrutura ferroviária por terceiros no Brasil.
O autor não endossa a prática canadense, em que o órgão regulador arbitra tarifas,
na medida em que isso significaria uma indesejada intromissão do setor público no setor
privado. Essa arbitragem deveria ocorrer apenas nos casos de intermediação de conflito, e
mesmo assim através de órgão ou pessoa física de notório saber, escolhido de maneira
consensual entre as partes, como previsto na Lei Federal 9.307/96.
6.3.6 Sugestão para Tarifas Intermediárias no Brasil
A idéia central é a de que as tarifas para uso da infra-estrutura sejam livremente
negociadas entre entrantes e gestores, tendo em vista a dispersão de resultados e
metodologias aplicáveis ao tema. Exceção deverá ser feita ao caso de eventuais parcerias
público-privadas, onde o poder público poderá fixar, previamente à outorga de um
determinado segmento ao parceiro privado, regras ou valores para o trackright.
Essa livre negociação ocorreria dentro dos patamares mínimos e máximos
descritos nos subitens 6.3.4 e 6.3.5. Sugere-se que a resolução de um eventual impasse
tarifário deva se dar através de arbitragem, num período de 30 ou 60 dias, dependendo da
complexidade e do valor do trackright em disputa, cabendo ao órgão regulador fixar regras
para isso.
175
Sugere-se que, nos casos mais complexos, sejam usados até três árbitros, e que a
decisão final dos mesmos seja considerada como também sendo o ponto de vista do órgão
regulador.
O rito processual sugerido, para os casos em que não haja acordo prévio entre as
partes, poderia se dar essencialmente da seguinte forma:
• notificação, pelo operador gestor da infra-estrutura, de que o primeiro pretende
submeter determinada tarifa à arbitragem;
• entrega à ANTT da oferta final de pagamento de trackright, pelo operador;
• entrega à ANTT da contraproposta do gestor da infra-estrutura, no prazo máximo de
10 (dez) dias, contados do evento anterior;
• envio, pela ANTT, das duas propostas de preços ao(s) árbitro(s), num prazo máximo
de 5 (cinco) dias contados do evento anterior;
• decisão, pela arbitragem, do valor de trackright considerada adequado, que deverá, em
princípio, valer pelo período mínimo de um ano, podendo, conforme acordo prévio
entre as partes, ser retroativo a determinada data;
• divisão do pagamento das custas da arbitragem pelo operador e gestor da infraestrutura em partes iguais.
Sugere-se, contudo, que a livre negociação, além de obedecer aos requisitos de
piso e teto tarifário antes formulados, compreenda um sistema multiparte composto por
um valor variável e parcelas fixas.
Para as parcelas fixas, recomenda-se que estas levem em conta, além da
remuneração de investimentos necessários a eventuais expansões e melhorias, dois
problemas inerentes à malha ferroviária brasileira clássica: sinalização e eliminação de
passagens em nível; manutenção preventiva de pontes e viadutos com considerável parcela
de vida útil já consumida; e remoção de invasões da faixa de domínio por populações
lindeiras.
Essas parcelas fixas serão, inclusive, ao ver do autor, um estímulo a que
operadores dominantes venham se interessar pelo tema segregação.
As parcelas variáveis deverão estar ligadas ao custo marginal de curto prazo. Sob
esse aspecto será necessário que desgastes e outros gastos de manutenção estejam
consolidados numa mesma base referencial, através de correlações com:
176
•
tonelagem (bruta ou útil) equivalente ou virtual, função do tipo de veículo circulante,
que leve em conta as cargas estáticas e dinâmicas, e também outros parâmetros, como o
comprimento da base rígida, a capacidade de inserção do truque em curva, o tipo de
suspensão (primária, secundária etc.), estado de conservação (calos em rodas etc.);
•
quilometragem equivalente ou virtual, onde o comprimento real de uma via é acrescido
por meio de coeficientes que levam em consideração o número de curvas, o número de
aparelhos de mudança e transposição de vias etc.;
•
momento de transporte equivalente ou virtual, produto dos dois parâmetros antes
relatados.
6.4 SUGESTÕES DE CONDICIONANTES DE ACESSO
6.4.1 Preliminares
A operação ferroviária em vias segregadas deverá, sem dúvida alguma, obedecer
a um conjunto de regras mais amplas e rigorosas que num ambiente operacional
verticalizado.
O gestor da infra-estrutura, seja ele operador o dominante ou não, terá que obter
um alto padrão de segurança naquilo que lhe compete: controle do tráfego e qualidade da
via permanente.
Já os operadores, por seu turno, terão que ter esmero no padrão de manutenção
do seu material rodante e na condução dos trens.
Afora a segurança, serão intervenientes no acesso as questões de discriminação e
financeira, já que a existência da segregação pressupõe um ambiente francamente
concorrencial.
Nos itens seguintes esse assunto será abordado de forma mais específica, com
várias sugestões para sua implementação, ressaltado o fato de que gestor e operador
deverão estar habilitados junto à ANTT, para plena execução de suas atividades.
177
6.4.2 Licença do Gestor e do Operador
Tanto o gestor da infra-estrutura (caso não seja o operador dominante) como o
operador entrante deverão demonstrar, junto à ANTT, sua habilidade em executar suas
missões, apresentando relatório que contenha, no mínimo, os seguintes indicativos de
compatibilidade com os serviços a serem prestados:
•
objeto social da empresa;
•
experiência prévia de membros-chave de sua equipe de trabalho;
•
capital social;
•
situação financeira estável.
Outros requisitos financeiros, em especial os relativos a adimplências com
obrigações trabalhistas, sociais e com o fisco federal deverão também ser considerados,
podendo-se nesse caso recorrer ao prescrito na Lei Federal 8.666 e suas alterações.
Caberá à ANTT conceder a licença para operador e gestor ferroviário (caso este
não seja, obviamente, operador dominante).
6.4.3 Certificação em Segurança Operacional
Gestor de infra-estrutura (caso não seja operador dominante) e operador
entrante deverão ser certificados, por organismo acreditado junto ao Sistema Brasileiro de
Certificação – SBC, no que respeita aos seguintes tópicos:
•
gestor e operador: existência e uso de normas operacionais (regulamento geral de
operação, inspeção de via, inspeção de veículos ferroviários, inspeção de trens em
pátios etc.);
•
gestor e operador: existência de treinamento em controle de emergências (transporte
de material perigoso, socorro a ocorrências ferroviárias em geral etc.)
•
gestor: segurança do sistema de controle operacional (falha segura, redundância etc.);
•
operador: segurança do material rodante (freios, faróis, buzina, aparelho de choque e
tração, rodas etc.).
Os certificados deverão fazer parte da documentação de habilitação de gestor e
de operador junto à ANTT. Para maiores detalhes sobre essas práticas recomenda-se
consulta ao trabalho de Castello Branco e Ferreira (2002).
178
6.4.4 Certificação de Compatibilidade
Da mesma forma que no item anterior, o organismo certificador deverá atestar os
seguintes quesitos do operador, como elemento de sua habilitação junto à ANTT:
•
compatibilidade do material rodante com o segmento físico ferroviário, em termo de
bitola, gabarito dinâmico, rampa máxima, raio mínimo, tamanho máximo de
composição para inserção em postos de cruzamento etc.;
•
conhecimento das equipagens de trens acerca das condições geométricas da via, dos
sistemas de sinalização física e de controle de tráfego utilizados etc.
6.4.5 Acordos Operacionais
O órgão regulador deverá também ser informado dos seguintes arranjos
operacionais firmados entre operador e gestor (estejam os mesmos delineados ou não em
eventuais editais de licitação para seleção de gestor da infra-estrutura):
•
condições de acesso do operador a postos de abastecimento, pátios, terminais e
centros de manutenção de material rodante eventualmente acessáveis a parti do trecho
segregado;
•
condições de acesso a “slots” (faixas de tráfego), em termos de horários, freqüências,
atrasos permissíveis, tarifas praticadas, multas e penalidades diversas.
As tarifas de acesso, especialmente nos casos de postos de abastecimento,
poderão se subdivididas em taxa de ocupação de via e litro de combustível fornecido. Essa
providência se revela importante nos casos onde não haja desacoplamento de locomotivas
e os trens em abastecimento ocupem razoáveis extensões de via.
6.4.6 Práticas Não-Discriminatórias
Será necessário que as tarifas pelo uso da infra-estrutura, assim como as
condições de acesso a slots ou faixas da grade horária, sejam estabelecidas:
•
de modo não discriminatório pelo gestor da infra-estrutura (open access ou third part access);
•
não configurem subsídio indireto ou cruzado aos fluxos do operador dominante(third
part access).
179
Nesse sentido, será fundamental a participação da ANTT como interveniente no
processo, para assegurar a não discricionaridade citada.
Nos casos do open access ou do third part access será importante que o acesso às
faixas da grade horária seja feito através de leilão ou instrumento licitatório análogo, sob
responsabilidade do gestor da infra-estrutura, de modo claro e transparente, com regras
claras e precisas, sob supervisão da ANTT.
As tarifas praticadas deverão ser homologadas pela ANTT, podendo as partes
recorrer (operador e gestor) em casos especiais ao sistema de arbitramento, tal como
estabelecido pela Lei Federal 9.307, de 23 de setembro de 1996.
6.4.7 Apuração e Responsabilização de Acidentes
Numa via segregada, a questão da apuração e responsabilização por acidentes,
sobretudo os de maior gravidade, é de crucial importância.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT considera acidente
ferroviário grave aquele que envolve o transporte ferroviário de passageiros, de produtos
perigosos, conforme Decreto nº 98.973/90 e Resolução ANTT nº 420/04, ou acarrete uma
das seguintes conseqüências:
I - morte ou lesão corporal grave que cause incapacidade temporária ou permanente à
ocupação habitual de qualquer pessoa;
II - interrupção do tráfego ferroviário:
a) por mais de 2 (duas) horas em linhas compartilhadas com o serviço de transporte
ferroviário urbano de passageiros;
b) por mais de 6 (seis) horas no serviço de transporte ferroviário de passageiros de longo
percurso ou turístico;
c) por mais de 24 (vinte e quatro) horas em linhas exclusivas para o transporte de cargas;
III - prejuízo igual ou superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais);
IV - dano ambiental; e
V - outros danos de impacto à população atingida.
A apuração dos acidentes em empresas verticalizadas é normalmente feita pelas
mesmas.
180
Nos EUA, os acidentes de maior gravidade são apurados também pela Federal
Railway Administration e os casos que resultem em morte ou grandes perdas materiais
contam também com a participação do National Transportation Safety Board.
Na Grã-Bretanha, os acidentes mais importantes são objeto de investigação por
parte do Her Majesty Railway Inspectorate – HMRI, subordinado ao órgão regulador
(Office of Rail Regulation – ORR). São objeto de imediata informação ocorrências
semelhantes às solicitadas pela ANTT, acrescidas de outras peculiaridades (HMRI, 2008).
Num cenário de segregação da infra-estrutura no Brasil, um modelo para apuração
de acidentes precisaria considerar, de um lado, a questão institucional, e, de outro, a
questão operacional.
Do ponto de vista institucional, verifica-se que a o órgão regulador necessitaria
constituir um corpo de especialistas em investigação de acidentes ferroviários, o que não
seria tarefa fácil, diante do grau de especialização requerido aos profissionais desse corpo.
Também o DNIT carece de profissionais ferroviários com esse perfil. Dessa forma, o
instituto da arbitragem, previsto pela Lei Federal 9.307/96, seria o mais adequado à
apuração das responsabilidades da ocorrência ferroviária, sempre que não houvesse acordo
entre o gestor da infra-estrutura e o operador.
Além da apuração da responsabilidade, seria necessário estabelecer os encargos
financeiros do responsável, seja pela reparação de instalações fixas, seja pelo atraso causado
ao tráfego ferroviário de outros operadores.
O destacado no parágrafo precedente será vital para a viabilidade do processo de
segregação. A hipótese de um operador vir a ser responsabilizado pelos encargos
financeiros mencionados anteriormente é extremamente desestimulante, tendo em vista,
inclusive, os elevados prêmios para cobertura de seguros que certamente iriam viger no
cenário de segregação.
O modelo proposto neste trabalho acadêmico, para apuração e responsabilização
de acidentes é o mostrado nas figuras 37 e 38.
181
Figura 37: Arranjo para apuração de acidentes
182
Figura 38: Arranjo para responsabilização por acidentes
No modelo proposto para apuração e responsabilização de acidentes existiriam as
seguintes figuras:
Comissão Mista de Apuração de Acidentes: formada por igual número de
representantes do gestor da infra-estrutura e do(s) operador(es) envolvido(s) na
ocorrência;
183
Árbitro (para apuração de acidentes): sorteado, na presença das partes, a partir de
uma lista que contenha todos os árbitros listados nos contratos de operação
firmados entre o gesto e cada operador, e pago por aquele que for considerado
responsável;
Árbitro (para fixação dos montantes a serem pagos pelo indenizante): escolhido por
votação do Comitê Gestor de Acidentes, através de maioria simples, a partir de
uma lista tríplice apresentada pelo órgão regulador (ANTT), e pago pelo
indenizante;
Comitê Gestor de Acidentes: formado um representante de cada um dos seguintes
órgão
e
entidades:
concessionárias
ferroviárias,
operadores
ferroviários
independentes, usuários das ferrovias, e presidido por representante do órgão
regulador.
Fundo de Resseguro: a ser criado com recursos da outorga das concessões
ferroviárias, existentes e futuras, gerido pelo Comitê Gestor de Acidentes,
destinado a prover cobertura para ocorrências danosas de grandes proporções,
provenientes da acumulação de sinistros conseqüentes de um mesmo evento ou de
uma série de eventos com o mesmo nexo causal.
Sobre o Fundo antes citado, este seria um elemento de extraordinário estímulo às
vias segregadas, atuando como uma espécie de resseguro para as seguradoras da exploração
ferroviária, ajustando com as mesmas um limite de perdas, denominado Limite de
Catástrofe, a partir do qual seriam recuperados os prejuízos excedentes.
Essa
recuperação
seria
feita
através
de
recursos
não-reembolsáveis
disponibilizados pelo Fundo, para os casos de casos de força maior, situações imprevisíveis e
geralmente resultantes de convulsões da natureza, como inundações, avalanches etc.
Já para os casos fortuitos, situação que decorre de fato alheio à vontade da parte,
mas proveniente de fatos humanos, o Fundo poderia prover recursos reembolsáveis ao
responsável pelo acidente, nos montantes que excedessem certo limite de perdas, desde que
o responsável pelo acidente demonstre, junto ao Comitê Gestor de Acidentes, ter tido
comportamento exemplar em termos de ações destinadas à prevenção de acidentes.
184
7 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
7.1 CONCLUSÕES
Este trabalho acadêmico teve como ponto de partida a busca de soluções para a
baixa eficiência existente em parte da malha ferroviária brasileira, de transporte de carga,
tipificada, dentre outros fatores, por:
• ausência de oferta de transporte ferroviário para significativo leque de produtos e rotas;
• abandono ou desativação de cerca de 30% da rede ferroviária nacional.
Destacou-se o fato de que muitos fatores colaboraram para que o problema
citado, dentre eles: a excessiva concentração dos fluxos ferroviários em uma pequena gama
de granéis; a necessidade de rápido encaixe financeiro por parte das concessionárias, para
fazer frente ao pagamento de outorgas e aos financiamentos para recuperação de suas
malhas e equipamentos de transporte, bastante deteriorados do ponto de vista físico, no
período pré-concessão; a orientação geográfica (interior - litoral) e a pluralidade de bitolas,
que inibe a intramodalidade e o aumento das distância média de transporte.
Pôde ser mostrado, portanto, que o sistema ferroviário brasileiro, embora
revigorado pelo processo de reestruturação via privatização, tem como problemas básicos a
concentração de fluxos em poucas commodities e rotas, acarretando a significativa
inexistência de oferta de transporte mais barato para produtos que não o minério de ferro e
soja, e a conseqüente subtilização ou abandono de vários segmentos da malha.
Como uma das possibilidades de atenuação da problemática antes citada, estudouse a segregação da infra-estrutura ferroviária, através da seguinte metodologia de trabalho:
•
retrospectiva do processo de declínio da ferrovia ante os modos de transporte
competidores;
•
revisão das principais medidas reestruturadoras adotadas mundialmente para reversão
ou minoração do declínio antes citado, em especial o unbundling;
•
elaboração de pesquisa de opinião sobre o unbundling;
•
entrevistas qualificadas sobre a adequação dessa medida reestruturadora com
autoridades, especialistas e clientes da área de transporte de carga, em especial o
ferroviário;
•
estudo e simulação de caso de segmento ferroviário com livre acesso;
185
•
modelagem do setor ferroviário para segregação da infra-estrutura.
Através de uma ampla revisão bibliográfica, mostrou-se que as ferrovias de carga
de todo o mundo vêm experimentando um contínuo processo de declínio, com o
desaparecimento de uma extensão de mais de 600.000 km, numa redução de 30% desde o
pico de 1917.
Nos Estados Unidos e Canadá, onde proporcionalmente ocorreu o maior recuo
da extensão das linhas ferroviárias, o processo de perda de carga sobretudo para o
caminhão foi em parte revertido pelas mega fusões nos EUA e aquisições de ferrovias
norte-americanas pelas canadenses. Um outro importante fenômeno institucional ocorreu
nesses dois países: a criação de ferrovias curtas (shortlines) e de ferrovias regionais (regional
lines), que alimentam e são alimentadas pelas operadoras de maior porte.
Na Europa Ocidental, os processos de reestruturação das ferrovias, objetivando
dar-lhes maior eficiência e competitividade, teve como linha-mestra o unbundling ou
segregação da infra-estrutura, situação na qual a operação nesse modo de transporte tende
a assemelhar à de uma rodovia, com vários operadores servindo-se de uma mesma via
permanente. Inicialmente posta em prática na Suécia na década de 80 (Século XX), a
segregação foi amplamente adotada na Grã-Bretanha alguns anos depois, e tornada
compulsória para todos os membros da União Européia. Os resultados europeus mostram
que essa medida reestruturadora ainda enfrenta forte oposição das ferrovias estatais,
verticalizadas, sendo que seu avanço mais expressivo na Alemanha, dentre os países que
compulsoriamente foram obrigados a implementá-la.
Na Ásia e Oceania, a privatização da ferrovia estatal japonesa foi a maneira
encontrada para o desenvolvimento ferroviário, enquanto que Austrália e Nova Zelândia
foram mais além, combinando privatização e segregação da infra-estrutura.
Na América do Sul, as duas maiores economias, Brasil e Argentina, privatizaram
suas malhas, adotando o critério da regionalização e mantendo a verticalização. Em ambos
os casos, foram verificados importantes resultados operacionais e financeiros positivos,
comparativamente ao período pré-concessional.
Dessa maneira, a partir desse panorama ferroviário mundial, procurou-se estudar
a possibilidade de se implantar no Brasil a segregação da infra-estrutura ferroviária,
objetivando-se:
•
melhorar a eficiência do sistema ferroviário nacional, com claros resultados positivos na
redução do denominado “custo Brasil”;
186
•
promover a competição intramodal, eliminando, ainda que parcialmente, “o peso
morto dos monopólios” e oferecendo aos clientes cativos alternativas de transporte;
•
dinamizar a indústria ferroviária nacional, tanto no aspecto de produção de bens, como
no de prestar serviços de modernização, reabilitação e manutenção de bens e
equipamentos;
•
fortalecer focos de negócio, com os gestores da infra-estrutura especializando-se cada
vez mais nos processos de manutenção da via e do controle de tráfego, e os operadores
ferroviários procurando conhecer e atender plenamente as demandas de seus clientes;
•
atrair novos investidores privados para o negócio ferroviário.
A viabilidade da segregação da infra-estrutura ferroviária no Brasil foi analisada
através dos seguintes elementos:
●
fundamentos econômicos gerais e específicos;
●
pesquisa elaborada pelo autor em parceria com o periódico Revista Ferroviária
(pesquisa ampla);
●
entrevistas feitas pelo autor com autoridades e personalidades de notório saber do
meio ferroviário (pesquisa restrita); e
●
estudo de caso.
No que respeita aos fundamentos econômicos gerais, demonstrou-se que a
manutenção do monopólio de ferrovias verticalizadas sobre algumas mercadorias e rotas é
indesejável para a sociedade, tendo em vista a existência do “peso morto do monopólio”,
em que parte do excedente do consumidor é apropriado pelo excedente do produtor.
No que tange aos fundamentos econômicos específicos, evidenciou-se a presença
do unbundling em diversos setores da infra-estrutura que atuam sob a forma de rede, tais
como os setores de telecomunicações, energia, saneamento e aeroportuário.
A pesquisa ampla, com aplicação de questionário via internet, no sítio da Revista
Ferroviária, obteve a marca de 850 respondentes, com sua quase totalidade (90%)
aprovando a segregação. Obviamente, esses resultados devem ser vistos com cautela, tendo
em vista não só a tipologia dos respondentes, com também a inexistência de rigor na
apuração das respostas.
Um balanço final das entrevistas com público-alvo qualificado, envolvendo cerca
de duas dezenas de pessoas e a técnica SWOT (strenghts, weaknesses, opportunities and treats),
mostraram que os pontos positivos (fortes) da segregação superaram amplamente os
pontos negativos (fracos), o que sem dúvida mostra a potencialidade da segregação da
187
infra-estrutura. As ameaças são equivalentes às oportunidades, demonstrando certo
equilíbrio em as duas posições.
Olhadas, portanto, no conjunto, as entrevistas tendem a considerar
favoravelmente a possibilidade segregação da infra-estrutura, muito embora considerem
isso como tarefa não trivial.
Como elementos de consenso da segregação da infra-estrutura aparecem a
intermodalidade e o estímulo às parcerias público-privadas na solução de problemas
operacionais, sobretudo aqueles onde a participação de poder público seja financeiramente
ou politicamente indispensável.
Pontos fortes e fracos, oportunidades e ameaças, em seus aspectos mais
abrangentes e consensuais, foram levados em consideração quando da elaboração dos
modelos de implementação da segregação da infra-estrutura ferroviária.
Como complemento aos argumentos pró-segregação, foi elaborado um detalhado
estudo de caso, envolvendo o Corredor Campo Grande (MT) – Santos (SP).
Esse segmento foi escolhido após o estabelecimento de critérios de elegibilidade,
que se acredita ser uma contribuição inédita deste trabalho acadêmico à discussão da
segregação da infra-estrutura ferroviária, quais sejam:
•
baixa densidade de tráfego;
•
boa capacidade de vazão;
•
longa distância de transporte;
•
fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado;
•
trecho com unicidade de gestão.
No segmento em pauta simulou-se uma operação ferroviária em via segregada, e
verificou-se que, numa primeira aproximação, o projeto de segregação da infra-estrutura
obteve taxas internas de retorno financeiro atraentes quando comparadas a alternativas de
investimento. De maneira análoga, a avaliação econômica do projeto mostrou taxa interna
de retorno econômico bastante robusta, mostrando, assim, sua viabilidade tanto do ponto
de vista privado (financeiro), como do ponto de vista da sociedade (econômico).
Observe-se, por oportuno, que este Corredor é possuidor de uma grande potencial,
quando da exploração em larga escala das jazidas de minério de ferro da região de Corumbá
(MS), o que torna ainda mais interessante a questão da segregação, pois neste caso as
mineradoras (MMX e Vale) poderiam possuir e conduzir trens dedicados.
188
O estudo de caso ratificou, portanto, as observações do Capítulo 4, no sentido da
viabilidade da implantação da segregação da infra-estrutura ferroviária no Brasil.
Como consolidação do trabalho acadêmico, foi feito um exaustivo esforço para
elaborar um novo modelo de exploração ferroviária, evocando aspectos jurídicos e
operacionais, contendo propostas para segregação em:
•
linhas existentes e concedidas, envolvendo a modalidade de segregação conhecida
como third part access;
•
contornos ferroviários e variantes do traçado geométrico em linhas existentes e
concedidas, contemplando o third part access e a parceria público-privada patrocinada (tal
com definida na Lei Federal 11079/2004);
•
novas linhas, abrangendo, dentre outros elementos a parceria público-privada
patrocinada e a modalidade de segregação conhecida como open access.
Em adição foram estabelecidas diretrizes básicas para tarifação de vias segregadas,
com estabelecimento de critérios para piso tarifário, teto tarifário e situações intermediárias.
Complementarmente, formam estabelecidos condicionantes legais e operacionais
de acesso, envolvendo tópicos como:
●
licença do gestor e do operador;
●
certificação em segurança operacional;
●
certificação de compatibilidade;
●
acordos operacionais;
●
práticas não-discriminatórias;
●
acidentes – marcha de apuração;
●
acidentes – marcha de responsabilização.
7.2 RECOMENDAÇÕES
O aprimoramento do setor ferroviário brasileiro, ao ver do presidente da
Associação Nacional dos Transportadores Ferrroviários – ANTF (Fontana, 2008), implica
em suplantar dez fatores que considera críticos, a saber: a) eliminação de gargalos
operacionais (trechos ferroviários com excessivas rampas ou com ocupação da faixa de
domínio por habitações subnormais); b) expansão da malha; c) fornecedores
(desenvolvimento da indústria nacional e desoneração das importações); d) fomento à
intermodalidade; e) necessidade de formação acelerada de recursos humanos; f) revisão da
189
regulamentação (contratos de concessão e aparato regulatório); g) solução dos passivos
ambientais, trabalhistas e cíveis da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA; h)
segurança (em especial no que respeita às passagens em nível); i) tecnologia
(desenvolvimento de pesquisas e normalização técnica); e j) tributação (vinculação da
CIDE às suas origens e redução da taxa de juros de financiamentos).
Já para o governo federal (Valor Econômico, 2008), existe uma preocupação com
o custo dos fretes ferroviários e foi desenhado um plano para aumentar a competição no
setor. Não se pensa tomar nenhuma medida de impacto no curto prazo, mas acelerar os
estudos para a concessão de 4.100 quilômetros de trilhos em bitola larga que devem acirrar
a concorrência entre as operadoras de ferrovias. Consideram ainda as autoridades de
transporte federais que o setor ferroviário de carga é dominado por três empresas - ALL,
Vale e CSN - cujas malhas não competem entre si. Por isso, avaliam que os valores do
frete ferroviário acabam tomando como referência os preços cobrados pelos
transportadores rodoviários - bem mais altos. Como não há concorrência, o governo
acredita que as concessionárias cobram preços acima do que poderiam, apenas um pouco
mais baixos do que aqueles cobrados para o transporte rodoviário.
Tem-se então que a problemática brasileira no setor ferroviário de cargas, afora
questões menores envolvendo tributação, solução de passivos, formação de mão-de-obra
etc., envolve essencialmente a aplicação de recursos públicos para expansão da malha ou
solução de gargalos da infra-estrutura, sem que se questione a eficiência com que o atual
sistema ferroviário nacional opera.
É exatamente no sentido inverso ao do simples incremento dos investimento
públicos no setor que se insere o presente trabalho acadêmico, ao propor a segregação da
infra-estrutura ferroviária, de maneira seletiva e casuística, ao sistema ferroviário nacional,
tendo como elemento motor o aumento de sua eficiência alocativa.
Não se trata aqui de contestar a necessidade de mais recursos públicos para o
setor, mas sim de propor que isso seja feito concomitantemente com o aumento da
eficiência da malha existente, onde, à luz da argumentação aqui apresentada, a segregação
da infra-estrutura sem dúvida poderá ter lugar de destaque.
190
7.3 SUGESTÕES PARA TRABALHOS FUTUROS
Como sugestão de ordem geral, sugere-se que o estudo de possibilidades da
operação ferroviária em vias segregadas seja abordado pelo Plano Nacional de Logística e
Transportes, recentemente elaborado pelo governo federal, que se encontra ainda em
numa versão preliminar. Como esse documento se reveste de plano diretor, seria a
oportunidade do debate da segregação vir a ser aprofundado.
Como sugestão de caráter específico, sugere-se o desenvolvimento de teses e
dissertações tratando da complexa questão que é a tarifação de infra-estruturas. Resultados
desses trabalhos acadêmicos seriam particularmente úteis na revisão qüinqüenal de
rodovias pedagiadas e nas discussões sobre trackright, estas últimas no âmbito ferrovia –
ferrovia, em que o órgão regulador seja instado a atuar.
191
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A segregação da infra-estrutura como elemento reestruturado do