A SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA COMO ELEMENTO REESTRUTURADOR DO SISTEMA FERROVIÁRIO DE CARGA NO BRASIL José Eduardo Saboia Castello Branco TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA DE TRANSPORTES. Aprovada por: ________________________________________________ Prof. Rômulo Dante Orrico Filho, Dr. Ing. ________________________________________________ Prof. Hostilio Xavier Ratton Neto, Dr. ________________________________________________ Prof. Raul de Bonis Almeida Simões, D. Sc. ________________________________________________ Prof. Enilson Medeiros dos Santos, D. Sc. ________________________________________________ Prof. Newton Rabello de Castro Júnior, Ph.D. RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL SETEMBRO DE 2008 Castello Branco, José Eduardo Saboia A Segregação da Infra-Estrutura como Elemento Reestruturador do Sistema Ferroviário Brasileiro. – Rio de Janeiro: UFRJ/COPPE, 2008. XIII, 209 p.: il.; 29,7 cm. Orientador: Rômulo Dante Orrico Filho Tese (doutorado) – UFRJ/COPPE/Programa de Engenharia de Transportes, 2008. Referencias Bibliográficas: p. 194-209. 1. Transporte Ferroviário. 2. Exploração. 3. Segregação da Infra-Estrutura. I. Orrico Filho, Rômulo Dante. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE, Programa de Engenharia de Transportes. III. Título. ii AGRADECIMENTOS Aos professores do Programa de Engenharia de Transportes da COPPE/UFRJ, pela oportunidade que tive de assimilar novos conhecimentos, parte dos quais permitiram o desenvolvimento deste trabalho acadêmico. Ao meu orientador, Rômulo Dante Orrico Filho, por ter aceitado o desafio de trabalhar cooperativamente em algo novo, complexo e desafiador. À minha família, pelas horas de convívio trocadas pelas despendidas neste trabalho acadêmico. iii Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Doutor em Ciências (D.Sc.) A SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA COMO ELEMENTO REESTRUTURADOR DO SISTEMA FERROVIÁRIO DE CARGA NO BRASIL José Eduardo Saboia Castello Branco Setembro/2008 Orientador: Rômulo Dante Orrico Filho Programa: Engenharia de Transportes Este trabalho desenvolve um novo modelo de exploração ferroviária, aplicável ao sistema de transporte de cargas por esse modo no Brasil, baseado na segregação da infraestrutura, aqui considerada como caso especial de desagregação de estrutura verticalizada (unbundling), gerando uma situação em que a via férrea, de maneira semelhante a uma rodovia, é franqueada, sob certas condições, a novos operadores, estimulando a competição intra-trilhos e conferindo maior eficácia a ativos ferroviários subutilizados. Um detalhado estudo de caso corrobora a viabilidade do modelo proposto, e um novo conjunto de diretrizes institucionais e operacionais é proposto, já que o sistema ferroviário nacional possui peculiaridades que não permitem a simples transposição de práticas similares adotadas em outros países do mundo, em especial as da Comunidade Européia. iv Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements for the degree of Doctor of Science (D.Sc.) THE INFRASTRUCTURE SEGREGATION AS A REESTRUCTURING ELEMENT FOR THE RAILWAY FREIGHT SYSTEM IN BRAZIL José Eduardo Saboia Castello Branco September/2008 Advisor: Rômulo Dante Orrico Filho Department: Transportation Engineering This work develops a new model of railway operation, applicable to freight transportation through this mode in Brazil, based on the segregation of the infrastructure, here considered as special case of a verticalized structure breakdown (unbundling), creating a situation where a railway, in similar way of a highway, is franchised, under certain conditions, to new operators, stimulating competition intra-rails and giving greater efficiency to underutilized railway assets. A comprehensive case study confirms the feasibility of the proposed model, and new institutional and operational guidelines are proposed, as the national rail freight system has peculiarities that do not allow the simple transposition of similar practices adopted by other countries in the world, particularly those in the European Community. v ÍNDICE DO TEXTO 1 INTRODUÇÃO 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 1 1.2 O PROBLEMA 3 1.3 RELEVÂNCIA DO ASSUNTO 5 1.4 OBJETIVO DO ESTUDO 6 1.5 JUSTIFICATIVA 7 1.6 METODOLOGIA DE TRABALHO 7 2 DESENVOLVIMENTO FERROVIÁRIO NO BRASIL E NO EXTERIOR 2.1 DIFERENTES FASES 9 2.2 DETALHAMENTO DA EVOLUÇÃO 11 2.2.1 América do Norte 11 2.2.2 Europa 23 2.2.3. Ásia e Oceania 29 2.2.4 América do Sul 34 2.3 RESUMO 60 3 PROCESSOS DE REESTRUTURAÇÃO 3.1 PRELIMINARES 62 3.2 OLIGOPOLIZAÇÃO E PULVERIZAÇÃO 65 3.2.1 Oligopolização (Fusões e Cisões) 65 3.2.2 Cisões sem Segregação da Infra-Estrutura 68 3.3 PRIVATIZAÇÕES 71 3.4 SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA 77 4 ANÁLISE DA POSSÍVEL SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL 4.1 PRELIMINARES 84 4.2 FUNDAMENTOS ECONÔMICOS GERAIS 85 4.3 FUNDAMENTOS ECONÔMICOS ESPECÍFICOS 90 4.3.1 Preliminares 90 vi 4.3.2 O Setor de Telecomunicações 91 4.3.3 Os Setores de Eletricidade e de Gás Natural 93 4.3.4 O Setor de Saneamento 96 4.3.5 O Setor Aéreo 97 4.3.6 Resumo 98 4.4 PESQUISA AMPLA 99 4.5 ENTREVISTAS 100 4.5.1 Justificativa e Metodologia 100 4.5.2 Resultados Obtidos 101 4.5.3 Análise dos Resultados 104 4.5.4 Resumo das Entrevistas 105 5 ESTUDO DE CASO 5.1 CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE DO SEGMENTO FERROVIÁRIO A ESTUDAR 106 5.2 SEGMENTOS FERROVIÁRIOS ELEGÍVEIS PARA ESTUDO 111 5.3 SELEÇÃO DO SEGMENTO A ESTUDAR 116 5.4 NOTAS ADICIONAIS SOBRE O CORREDOR CORUMBÁ – SANTOS 121 5.5 FLUXOS RODOVIÁRIOS E FERROVIÁRIOS NA ÁREA DE ABRANGÊNCIA DO CORREDOR ESCOLHIDO 123 5.6 ESTIMATIVA DOS NOVOS FLUXOS FERROVIÁRIOS PASSÍVEIS DE CAPTAÇÃO PELOS NOVOS OPERADORES FERROVIÁRIOS 124 5.7 ESTIMATIVA DOS CUSTOS DA OPERAÇÃO FERROVIÁRIA SEGREGADA 126 5.7.1 Premissas Básicas 126 5.7.2 Aquisição de Material Rodante 128 5.7.3 Manutenção do Material Rodante 131 5.7.4 Combustível e Lubrificantes 132 5.7.5 Pessoal Operativo 132 5.7.6 Administração 133 5.7.7 Trackright 133 5.8 ESTIMATIVA DAS RECEITAS 134 5.8.1 Receitas de Fretes 134 vii 5.8.2 Deduções da Receita 134 5.8.3 Depreciação 135 5.8.4 Contribuição Social sobre o Lucro 136 5.8.5 Imposto de Renda 136 5.8.6 Lucro Líquido 137 5.9 AVALIAÇÃO FINANCEIRA 137 5.9.1 Questões Básicas 137 5.9.2 Figuras de Mérito - Caso Básico 139 5.9.3 Figuras de Mérito – Análise de Sensibilidade 139 5.9.4 Conclusões da Avaliação Financeira do Estudo de Caso 141 5.10 AVALIAÇÃO ECONÔMICA 141 5.10.1 Preliminares 141 5.10.2 Fluxo de Caixa e Figuras de Mérito 143 5.10.3 Conclusões da Avaliação Financeira do Estudo de Caso 143 6. SUGESTÕES PARA IMPLANTAÇÃO DA SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL 6.1 ASPECTOS LEGAIS A CONSIDERAR 144 6.1.1 Preliminares 144 6.1.2 Embasamento Legal Segregação da Infra-Estrutura do Ponto de Vista do Poder Concedente 145 6.1.3 Embasamento Legal Segregação da Infra-Estrutura do Ponto de Vista do Concessionário 149 6.1.4 Nota sobre as Parcerias Público-Privadas 151 6.2 ARRANJOS INSTITUCIONAIS SUGERIDOS 152 6.2.1 Linhas Existentes e Concedidas 153 6.2.2 Contornos e Variantes em Linhas Existentes e Concedidas 155 6.2.3 Novas Linhas 159 6.3 SUGESTÕES PARA TARIFAÇÃO DE VIAS SEGREGADAS 162 6.3.1 Preliminares 162 6.3.2 Aspectos Conceituais 163 6.3.3 Práticas de Tarifação da Infra-Estrutura 168 6.3.4 Proposta para Piso Tarifário no Brasil 170 viii 6.3.5 Proposta para Teto Tarifário no Brasil 172 6.3.6 Sugestão para Tarifas Intermediárias no Brasil 175 6.4 SUGESTÕES DE CONDICIONANTES DE ACESSO 177 6.4.1 Preliminares 177 6.4.2 Licença do Gestor e do Operador 178 6.4.3 Certificação em Segurança Operacional 178 6.4.4 Certificação de Compatibilidade 179 6.4.5 Acordos Operacionais 179 6.4.6 Práticas Não-Discriminatórias 179 6.4.7 Apuração e Responsabilização de Acidentes 180 7 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES 7.1 CONCLUSÕES 185 7.2 RECOMENDAÇÕES 189 7.3 SUGESTÕES PARA FUTUROS TRABALHOS 191 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 192 ix ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1: Distribuição da malha ferroviária mundial Figura 2: Evolução da rede ferroviária canadense Figura 3: Mapa das concessões de terras a ferrovias nos EUA Figura 4: Evolução da malha ferroviária norte-americana Figura 5: Distribuição modal nos EUA ao longo do tempo Figura 6: Distribuição modal na Suécia ao longo do tempo Figura 7: Evolução da quilometragem e do lançamento de trilhos na Grã-Bretanha Figura 8: Participação da ferrovia na matriz dos transportes no Japão Figura 9: Malha ferroviária australiana Figura 10: Evolução da taxa de cobertura (%) Figura 11: Investimentos federais 1960 – 1990 Figura 12: Coeficiente de exploração da RFFSA Figura 13: Proprietários das ferrovias locais e regionais nos EUA Figura 14: Espectro crescente da participação privada no setor ferroviário Figura 15: Evolução da produção de transporte na América Latina (tonelada útil x km) Figura 16: Arranjo institucional resultante da segregação da infra-estrutura ferroviária Figura 17: Índice de liberalização ferroviário Figura 18: Excedentes do produtor e do consumidor Figura 19: Eficiência alocativa Figura 20: Ineficiência alocativa do monopólio Figura 21: Modelo de comprador único no setor elétrico Figura 22: Modelo de competição do atacado no setor elétrico Figura 23: Arranjo institucional do sistema de gás natural Figura 24: Arranjo institucional no sistema saneamento Figura 25: Resultados da enquete no sítio da Revista Ferroviária Figura 26: Evolução da distância média de transporte Figura 27: Delimitação das áreas de abrangência do corredor ferroviário Figura 28: Diagrama unifilar da demanda ferroviária Figura 29: Exemplo de vagão hopper fechado para cargas a granel Figura 30: Exemplo de vagão plataforma para contêineres Figura 31: Exemplo de vagão tanque para óleo de soja x Figura 32: Locomotivas estocadas para venda nos EUA Figura 33: Arranjo de segregação no caso de vias já concedidas Figura 34: Arranjo de segregação no caso variantes e contornos da malha concedida Figura 35: Divisão dos investimentos em Carajás Figura 36: Arranjo de segregação no caso novas linhas Figura 37: Arranjo para apuração de acidentes Figura 38: Arranjo para responsabilização por acidentes xi ÍNDICE DAS TABELAS Tabela 1: Quadro-resumo das concessões de terra a ferrovias nos EUA em 1872 Tabela 2: Avaliação financeira dos empreendimentos ferroviários (ex post) Tabela 3: Avaliação econômica dos empreendimentos ferroviários (ex post) Tabela 4: Tarifação da infra-estrutura ferroviária sueca Tabela 5: Arranjo institucional australiano em 1992 Tabela 6: Arranjo institucional australiano em 2005 Tabela 7: Quadro concessional das ferrovias de carga argentinas Tabela 8: Critérios de pontagem no processo de concessionamento argentino Tabela 9: Fases do desenvolvimento ferroviário brasileiro Tabela 10: Direitos e deveres dos concessionários pela Lei 641 Tabela 11: Principais avanços introduzidos pelas legislações de 1873/74 Tabela 12: Titularidade e gestão operacional das ferrovias no período 1889 – 1930 Tabela 13: Empréstimos externos do Brasil em 1928 Tabela 14: Situação institucional e empresarial das ferrovias brasileiras em 1926 Tabela 15: Expansão física do modo rodoviário Tabela 16: Quadro-resumo do processo concessional brasileiro Tabela 17: Causas básicas do declínio ferroviário Tabela 18: Arranjos institucionais dos operadores ferroviários Tabela 19: Fusões e aquisições ferroviárias recentes na área do NAFTA Tabela 20: Panorama das ferrovias locais e regionais nos EUA Tabela 21: Privatizações ferroviárias na América Latina Tabela 22: Evolução da produção de transporte no Brasil (tonelada útil x km) Tabela 23: Privatizações ferroviárias na África Tabela 24: Privatizações ferroviárias na Ásia Tabela 25: Custos incidentes sobre uma infra-estrutura de transporte Tabela 26: Gestores da infra-estrutura ferroviária na CE Tabela 27: Modelagem prevista para o unbundling no Brasil Tabela 28: Estimativa da capacidade operativa de ferrovias Tabela 29: Elegibilidade de segmento ferroviário para estudo de caso Tabela 30: Momento bruto de transporte anual (tkb) Tabela 31: Fluxo de caixa do estudo - caso básico Tabela 32: Análise de sensibilidade xii Tabela 33: Ativos da infra-estrutura ferroviária xiii 1 INTRODUÇÃO 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS O transporte sobre trilhos, iniciado no século XVII em minas de carvão subterrâneas da Inglaterra, expandiu-se para a superfície no início do século XIX, amparado tecnologicamente na Revolução Industrial inglesa, por sua vez alavancada pelas grandes reservas de carvão mineral, minério de ferro, abundância de mão-de-obra barata e expressivo mercado consumidor desse país. No final do século XIX e início do século XX a ferrovia exerceu o monopólio absoluto sobre os transportes terrestres, fato que pode ser ilustrado pelo sentido etimológico do termo via permanente ferroviária, até hoje empregado para designar o conjunto dos elementos que constituem a estrada por onde circularão os veículos ferroviários (trilhos, dormentes, lastro, sublastro, obras de terra, obras-de-arte especiais e obras-de-arte correntes). Nesse contexto, a ferrovia era um meio de transporte permanentemente aberto ao tráfego, enquanto que as rodovias, ou mais apropriadamente caminhos carroçáveis àquela época, eram freqüentemente intransitáveis em períodos de chuvas, neves, degelo etc., o que portanto reforça o caráter monopolista antes citado. Com o advento do transporte rodoviário, e sobretudo após a Primeira Grande Guerra, o transporte ferroviário observou um lento porém constante processo de declínio, em quase todo o mundo, com a exceção dos países ditos socialistas, onde as forças de mercado eram contidas por rígidas e autocráticas políticas públicas, tendo como agentes empresas do Estado. Com a derrocada da opção socialista, no final do século XX, também nesses países observam-se perdas dos mercados ferroviários para seus competidores. De uma maneira geral, a maioria das ferrovias teve sua origem privada. Sua crise, gerada pelas perdas de mercado no século XX, obrigou a intervenções governamentais diversas, num primeiro momento traduzidas pela estatização de empresas, que posteriormente foram agrupadas em malhas regionais ou mesmo numa única empresa nacional estatal. Outros movimentos regulatórios e de reestruturação organizacional e institucional foram postos em prática para fortalecer a ferrovia, como adiante explicitado. Alguns resultados dessas medidas já podem ser mensurados, como a desregulamentação do transporte ferroviário nos EUA, através do Stagger´s Act de 1980, que propiciou seu revigoramento, enquanto que outros ainda dependem de um período de maturação. 1 No caso brasileiro, todos os cerca de 9.500 km de ferrovias legados pelo Segundo Império à República foram empreendimentos que começaram privados, estimulados grandemente pelos institutos da garantia de juros e da subvenção quilométrica. Na República Velha, as ferrovias foram pouco a pouco foram sendo absorvidas pela União e pelo Estado de São Paulo, em função de déficits financeiros crescentes. Em 1957, as ferrovias federais foram consolidadas numa única empresa: a Rede Ferroviária Federal S.A. – RFFSA; o mesmo ocorrendo com as ferrovias paulistas em 1972, aglutinadas na empresa Ferrovia Paulista S.A. – Fepasa. Em 1996, exaurida a capacidade do poder público de financiar tanto o gasto de custeio como o de capital dessas empresas, iniciou-se o processo de concessionamento à iniciativa privada, concluído em 1999 com a federalização seguida de privatização da Fepasa. Decorridos cerca de dez anos do início do processo de concessionamento das ferrovias ao setor privado, observa-se que o modelo ferroviário brasileiro, hoje sob a égide da iniciativa privada, inclusive com algumas concentrações acionárias perigosas, tem apresentado alguns impasses de difícil solução. Como salienta Resende (2005), o principal deles recai sobre a expectativa de investimentos na direção de equipamentos e redes capazes de transportar produtos de maior valor agregado e peso bruto menor, submetidos a processos de beneficiamento ou industrialização. As operações atuais estão excessivamente concentradas em granéis sólidos, com forte ênfase no minério de ferro. E tais operações não garantem alternativas ferroviárias para quem precisa reduzir o custo do transporte ou acessar mercados e portos de interesse. Cálculos feitos pelo autor mostram que a produção do transporte ferroviário brasileiro, no período 1998 – 2006, expressa em momentos de transporte (toneladas x km úteis – tku), cresceu de maneira expressiva, com acréscimo de cerca de 45% no período em questão. Contudo, 80% desse acréscimo derivam do incremento do transporte do complexo minério de ferro (minério bruto e pelotas – 70%) e do complexo soja (grãos e farelo – 10%), onde a ferrovia já era monopolista ou detentora de expressiva fatia desse mercado de transporte na fase pré-privatização. Isso significa que no período pós-privatização o transporte ferroviário, com algumas exceções como no caso da operadora ALL (Garrido, 2006), concentrou suas ações nos denominados corredores de exportação, por onde fluem os grandes volumes de minério de ferro e soja, em detrimento de outras rotas e mercadorias, fazendo com que a participação das ferrovias na matriz de transporte continue muito baixa, da ordem de 21% (CNT, 2005), considerada como unidade de medição o momento de transporte (tonelada útil x quilômetro). 2 1.2 O PROBLEMA A excessiva concentração do transporte ferroviário brasileiro em um reduzido leque de produtos e rotas, embora reforce o típico papel de uma ferrovia – grandes volumes a grandes distâncias – traz consigo pelo menos dois relevantes aspectos negativos para a sociedade, quais sejam: • a ausência de oferta de transporte ferroviário para expressivo contingente de mercadorias, que dessa maneira praticamente só podem ser escoadas pelo modo rodoviário, cujos custos logísticos, para um amplo conjunto de produtos (excluído o minério de ferro dado o caráter do monopolista da ferrovia em relação ao transporte do mesmo), são em média 25% superiores aos do modo ferroviário (Banco Mundial, 1997); • o abandono e a subtilização de parte da malha ferroviária brasileira, sendo que no primeiro caso Toller-Gomes (2003) afirma que cerca de 30% das linhas já não teriam mais tráfego, algo corroborado por Pereira (2006), que atesta estarem inoperantes atualmente 10.000 km de ferrovias. Esse panorama, por seu turno, deriva de um conjunto de situações endógenas e exógenas, a seguir exemplificado. Em primeiro lugar, o transporte ferroviário brasileiro, nas últimas décadas, esteve atrelado em grande medida ao setor siderúrgico, como mostrado no Capítulo 2, adiante mostrado. Portanto, a expansão do transporte ferroviário, nesse segmento, segue uma tendência histórica, acelerada ainda pela desvalorização do real e pelo aumento do consumo de minério de ferro pela China, no período pós-privatização. Em segundo lugar, a evidente necessidade de pronto retorno do investimento por parte das concessionárias privadas. Nesse sentido, a operação com trens unitários de granéis, de menor complexidade e passível de substanciais economias de escala, é a que produz resultados mais rápidos. Em terceiro lugar, o sistema ferroviário brasileiro é marcado por graves impedâncias estruturais, como a ilha de bitola larga no Sudeste rodeada de sistemas de bitola métrica ao Norte e ao Sul, além do concessionamento à iniciativa privada segundo regiões geográficas, fatos que estimulam o transporte intramuros e diminuem a distância média de transporte, tornando a ferrovia menos competitiva ante o caminhão. A título comparativo 3 apenas, verifica-se que no Brasil a distância média de transporte é atualmente de 550 km (sem variação no período de pós-privatização), contra 1.250 km nos EUA (AAR, 2005). Isso tudo mostra que o sistema ferroviário brasileiro, embora revigorado pelo processo de reestruturação via privatização, tem como problemas básicos a concentração de fluxos em poucas commodities e rotas, acarretando a significativa inexistência de oferta de transporte mais barato para produtos que não o minério de ferro e soja, e a conseqüente subtilização ou abandono de vários segmentos da malha. O que está em jogo é, portanto, conferir-se um uso mais eficiente ao sistema ferroviário, que aliás não é uma questão única do Brasil. Nos EUA, a despeito da pujança das suas ferrovias, diversas medidas reestruturadoras foram implementadas para aumentar sua eficiência na segunda metade século XX, variando desde a intervenção estatal no setor privado na década de 70, passando pela total eliminação do transporte de passageiros de média e longa distâncias a cargo setor privado, pela desregulamentação na década de 80 e chegando às mega-fusões da década de 90. Isso porque se estava diante de num cenário onde não se construía um único segmento de ferrovias há décadas e mais de 150.000 km de linhas tinham sido erradicadas desde o pico de 1916 (AAR, 2005). Na Europa Ocidental, a necessidade de se conferir maior eficiência às ferrovias passou a ser uma questão de sobrevivência desse modo de transporte. De fato, a participação modal das ferrovias no transporte de passageiros (média e longa distâncias) passou de 10,9% para 6,2%, no período 1970 -1994 (CE, 1996). No caso das ferrovias de carga, a situação ainda é mais dramática, com a participação da ferrovia despencando de 21,1% para 8,4%, no período 1970 - 1998 (CE, 2001). A situação européia, em especial a das ferrovias de carga, chegou a tal ponto que no Livro Branco sobre Transportes na Comunidade Européia é dito que: O declínio da participação modal da ferrovia, no período 1970-1994, se deu num cenário onde a expansão do transporte de passageiros foi de 40% e a do transporte de cargas de 30%. Dessa maneira, não se exclui a possibilidade de novas quedas nessa participação, significando a real possibilidade do transporte ferroviário vir a desaparecer de vários e expressivos segmentos do transporte de mercadorias (CE, 1996). Como parte do processo de soerguimento de suas ferrovias, as autoridades governamentais européias tornaram compulsória, para os países-membro da CE, a segregação da infra-estrutura ferroviária, como adiante detalhado. 4 Verifica-se, dessa maneira, que em diversos países do mundo a problemática ferroviária tem gerado uma incessante busca pela maior eficiência desse modo de transporte. O caso brasileiro, dadas suas peculiaridades, apresenta, como já dito, como ineficiência básica o abandono de significativa parte da malha ferroviária existente e a concentração do tráfego em algumas mercadorias e rotas preferenciais, com a ausência de oferta de opção de transporte mais barata a inúmeros segmentos do mercado de fretes. Será esse o problema a tratar neste trabalho acadêmico, à luz das experiências reestruturadoras implantadas em outros países. 1.3 RELEVÂNCIA DO ASSUNTO No subitem anterior definiu-se como problema a tratar a limitação da oferta de transporte ferroviário de carga no Brasil, e, portanto a impossibilidade de se ter fretes mais baratos para a carga geral, fruto da concentração dos esforços das operadoras em poucos fluxos e rotas e do abandono de 30% da malha existente. A relevância do assunto está, portanto, intimamente, de um lado, ao denominado “custo Brasil”, que majora o custo final das mercadorias, dadas as ineficiências diversas em seus custos logísticos. Em termos financeiros, pode-se estimar, de um lado, o uso ineficaz de ativos no valor de U$ 10 bilhões, representados pela porção da malha ferroviária não mais utilizada pelos atuais concessionários, considerando-se um total de linhas inoperantes de 10.000 km, valoradas à razão de U$ 1 milhão por quilômetro. De outro lado, uma maior participação da ferrovia no mercado de fretes poderia propiciar reduções no valor dos fretes. Para cada ponto porcentual de aumento das ferrovias na matriz de transportes de carga, capturado ao modo rodoviário, ter-se-ia uma economia de R$ 100 milhões anuais em fretes, cálculo esse que teve como base: valor anual de produção de transporte de 795 bilhões de tku (CNT, 2005); produto médio ferroviário de R$ 36,4 por mil tku (CEL, 2005); valor médio da redução do frete ferroviário em relação ao rodoviário de 25% (Banco Mundial, 1997). Evidentemente, ao valor de economia em fretes poderiam ser adicionadas as externalidades positivas do modo ferroviário frente ao modo rodoviário, tais como redução de acidentes, redução do consumo de combustível e redução do custo operacional de 5 manutenção de rodovias (menor desgaste do pavimento), o que realça a relevância do uso mais eficiente das ferrovias, e, por conseguinte, deste trabalho. 1.4 OBJETIVO DO ESTUDO Nos subitens anteriores foram caracterizados, em essência, alguns aspectos relevantes da problemática ferroviária brasileira e a relevância de medidas que visem sua mitigação. Dessa forma o presente trabalho tem como objetivo o estudo de medidas reestruturadoras capazes de potencializar o uso da malha ferroviária existente, como forma de ampliar a oferta de transporte ferroviário, na solução do problema de melhor utilização ao patrimônio público e redução do denominado custo Brasil através de fretes mais baratos. O escopo do trabalho trata exclusivamente do transporte ferroviário de carga, de grande interesse ao desenvolvimento nacional, tendo em vista o caráter marginal do transporte ferroviário de passageiros de média e longa distâncias no Brasil. Nesse sentido, este trabalho visa estudar a aplicabilidade de uma das mais promissoras e revolucionárias medidas reestruturadoras do setor ferroviário: o livre acesso à infra-estrutura ferroviária, tornado compulsório na Europa Ocidental, Austrália e Nova Zelândia, ao final do século XX, denominado na literatura estrangeira por unbundling. Por esse mecanismo, implanta-se a competição intratrilhos, estabelecem-se competências de operadores em certos nichos de mercado e cria-se maior dinâmica operacional, o que deve ser confrontado com a perda de coordenação e de eventuais economias de escala, típicas de empresas ferroviárias verticalizadas. Dados os condicionantes jurídicos que regem as atuais concessões ferroviárias, pretende-se verificar as possibilidades da segregação da infra-estrutura em situações específicas, de forma voluntária, pelo convencimento técnico e econômico de suas vantagens junto às operadoras, procurando-se reduzir conflitos que certamente adviriam de reformulações abruptas nos contratos de concessão. 6 1.5 JUSTIFICATIVA Muito embora alguns aspectos que justificam o estudo estejam disseminados nos tópicos anteriores, faz-se necessário frisar que o estudo do unbundling em segmentos selecionados da malha ferroviária brasileira tem como fato gerador a necessidade de se conferir maior eficiência, eficácia e efetividade a esse modo de transporte, algo que o processo de privatização, de per si, não mostra evidências de poder superar quando não estão em jogo grandes fluxos de granéis para a exportação. Mais ainda, deve-se destacar o fato que diversos serviços públicos, operando sob a forma de redes, já adotam o princípio do unbundling, como telecomunicações e energia, onde a infra-estrutura física, em muitos casos, é partilhada por diversos operadores. Portanto a extensão desse conceito à área ferroviária segue uma tendência mundial, não sendo portanto fruto de nenhum modismo ou atividade prospectiva ou exploratória apenas. Destarte, espera-se que esse trabalho, caracterizada sua positividade, possa motivar ferrovias, órgãos reguladores, transportadores de carga em geral e outros atores a aumentar o transporte de carga sobre trilhos no País, em fluxos e corredores que não necessariamente os de exportação, reduzindo as chances de apagões logísticos e minorando o custo Brasil. Ademais, é importante observar que o tema da segregação da infra-estrutura ferroviária é novidade no meio acadêmico nacional, de sorte que as contribuições aportadas por este trabalho certamente estarão grafadas com a marca da originalidade e poderão embasar futuras teses e dissertações na área do transporte de carga sobre trilhos. 1.6 METODOLOGIA DE TRABALHO A metodologia de trabalho desenvolvida envolve: • uma retrospectiva do processo de declínio da ferrovia ante os modos de transporte competidores; • uma revisão das principais medidas reestruturadoras adotadas mundialmente para reversão ou minoração do declínio antes citado, em especial o unbundling; • elaboração de pesquisa de opinião sobre o unbundling; 7 • entrevistas qualificadas sobre a adequação dessa medida reestruturadora com autoridades, especialistas e clientes da área de transporte de carga, em especial o ferroviário; • estudo e simulação de caso de segmento ferroviário com livre acesso; • modelagem do setor ferroviário para segregação da infra-estrutura. 8 2 DESENVOLVIMENTO FERROVIÁRIO NO BRASIL E NO EXTERIOR 2.1 DIFERENTES FASES O transporte guiado em superfície, que originou o modo ferroviário, vem do tempo dos romanos, tendo sido encontrados vestígios de sulcos em blocos de calcário, formando trilhas para as rodas de carroças com tração animal, usadas na exploração de jazidas de material rochoso (Setti, 2000). O uso de trilhos de madeira como superfície de rolamento, associado a vagonetes com rodas flangeadas, remonta ao século XVI, na Alemanha, como facilitador da movimentação de carvão extraído de minas subterrâneas a curtas distâncias, em geral rumo a canais ou rios navegáveis, fazendo-se uso da tração animal. Essa prática foi rapidamente assimilada pela Grã-Bretanha, que não só a implementou em suas vastas províncias carboníferas, como a estendeu, no início do século XVII, ao transporte de produtos em geral, como foi o caso, por exemplo, da ligação entre Strelley e Wollanton, na região de Nottingham. Ainda com base em Setti (2000), tem-se que em 1776, em minas de carvão de Shropshire, na Inglaterra, os trilhos de madeira são substituídos por trilhos de ferro, de maior durabilidade, cunhando-se então o termo ferrovia. Já no século XIX, em 1801, o governo inglês autoriza o início da operação na Surrey Iron Railway, ligando Wandsworth a Croyden, com tração animal. Essa tração é substituída pela mecânica quando da abertura ao tráfego em 1825 da Stockton e Darlington Railway, Inglaterra, onde foi empregada uma locomotiva a vapor com razoáveis condições de tração e aderência, projetada por George Stephenson, um engenheiro de minas, especialidade precursora de engenharia ferroviária. Após as primeiras experiências na Inglaterra, a ferrovia se expande de forma notável pelos quatro continentes, sobretudo na segunda metade do século XIX e no início do século XX. Segundo Encyclopaedia Britannica (2006), o auge da expansão ferroviária, em termos de extensão, ocorre em 1917, com a existência de cerca de 1.600.000 km de linhas implantadas em todo o mundo, das quais 30% situadas na América do Norte. Observe-se, por oportuno, que esse pico é fortemente influenciado pelo ápice da implantação ferroviária nos EUA, ocorrido em 1916, ocasião em que esse país dispunha de uma malha de 254.000 milhas (406.400 km), conforme levantamento de Hallberg (2004). 9 Atualmente, segundo UIC (2004), a extensão das ferrovias é pouco superior a um milhão de quilômetros, abrangendo cerca de 120 países. Como mostrado na figura 1, as cinco grandes malhas de EUA, Canadá, Comunidade de Estados Independentes – CIS (antiga União Soviética), Índia e China respondem por 53% da extensão total. Essas mesmas malhas, contudo, representam 90% da produção de transporte (tku). A América Latina ocupa uma modesta posição nesse contexto, com 10% da extensão e pouco mais de 1% da produção de transporte. Comparada ao pico do início do século XIX, a rede ferroviária mundial apresenta uma retração de algo no entorno de 30%, mostrando que a redução das vias férreas não é, em absoluto, um problema de uns poucos países como o Brasil, por exemplo, mas algo de caráter abrangente. Fontes: UIC (2004) e Banco Mundial (1993). Figura 1: Distribuição da malha ferroviária mundial Há certo consenso na delimitação das fases do desenvolvimento ferroviário, a saber: expansão, declínio e reestruturação. Essas fases, muito embora existam diferenças temporais em suas ocorrências, são verificadas na maioria dos países, e estão diretamente relacionadas à expansão do rodoviarismo. Nos itens que se seguem será detalhada a evolução do desenvolvimento ferroviário em países e regiões selecionados de cinco dos seis continentes do globo terrestre, já que a Antártica não possui sistema ferroviário. 10 Julga-se que o conhecimento dessa evolução, em especial os processos de reestruturação, seja de fundamental importância para o embasamento e proposituras deste trabalho acadêmico. 2.2 DETALHAMENTO DA EVOLUÇÃO 2.2.1 América do Norte 2.2.1.1 Canadá A origem das ferrovias canadenses se dá com a abertura ao tráfego da Champlain and St. Lawrence Railroad em 1836. Outros empreendimentos se sucedem, alguns alavancados pelo instituto da garantia de juros, como relatado por Benévolo (1953), que, além do Canadá, informa da existência desse mecanismo de financiamento na implantação de diversos sistemas ferroviários, em países como Índia, Suécia, Itália (Lucca – Pistóia), EUA, Peru, França, Rússia, Holanda e Dinamarca, com os juros sobre o capital variando de 4% a 6%. No Brasil, como será adiante visto, a garantia de juros foi largamente utilizada no Segundo Império com elemento indutor da expansão ferroviária. No entanto, a expansão das vias férreas canadenses, no seu início, contou com outro e mais importante estímulo: a concessão de terras, de modo que estas (Crownest, 2004): • servissem de lastro para empréstimos a serem contraídos pelas ferrovias privadas no mercado financeiro; • propiciassem receita para as ferrovias, através da venda de lotes a futuros fazendeiros; • induzissem tráfego às ferrovias, pela geração de atividade econômica nas terras lindeiras ao traçado; • suprissem as ferrovias de madeira para pontes e dormentação. Curiosamente, o processo de concessão de terras às ferrovias no Canadá teve origem em 1871, ano em que essa prática foi encerrada nos EUA. Esse fato, no entanto, tem por detrás de si uma importante constatação: a de que, mesmo sabedor da resistência a esse mecanismo de financiamento nos EUA, o Canadá optou pela sua implementação, mostrando a relatividade das óticas de avaliação. De fato, a formação do Canadá, como país, tem como um de seus marcos a união, sob forma confederativa, das províncias daquela colônia britânica em 1867 (Quebec, 11 Ontario, New Brunswick, Nova Scotia e Northwest Territories, com a adesão de Manitoba em 1870). Nessa união inicial, no entanto, não figurou a importante província da Colúmbia Britânica, que só veio a fazê-lo em 1871, porém com um condicionante: a construção, pelo governo confederativo, de uma ferrovia transcontinental interligando as províncias do Leste ao Oeste canadenses num prazo de 10 anos, atravessando as montanhas Rochosas e a cordilheira de Cascade, um formidável desafio para uma nação de apenas quatro milhões de habitantes àquela época. Essa ferrovia, a Canadian Pacific Railway, se tornaria mais tarde numa das mais importantes ferrovias do continente americano, situação que prevalece até os dias de hoje. Além da Canadian Pacific, a política de concessão de terras, pelos governos confederativo e provinciais do Canadá, se estendeu a diversos outros empreendimentos ferroviários, ditos colonizadores, totalizando cerca de 16 milhões de hectares ou 160.000 km2, equivalendo, por exemplo, à extensão territorial dos estados do Amapá (153.000 km2) ou Ceará (149.000 km2). A política de concessão de terras canadense, embora baseada nos procedimentos empregados nos EUA, difere destes em dois pontos fundamentais: a elasticidade e legalidade (Hedges, 1934). Em termos elasticidade pode-se dizer que a distribuição de terras nos EUA obedeceu a critérios mais inelásticos, com a distribuição de terras para ferrovias obedecendo a rígidos critérios geométricos (determinada extensão ao longo do eixo das vias), enquanto no Canadá a legislação introduziu o conceito de fit for settlement, no sentido de que as terras concedidas deveriam ser propícias à colonização. Em termos de legalidade nota-se que, enquanto no congresso dos EUA se discutiu amplamente a questão se o congresso possuía ou não atribuição para conceder terras a ferrovias privadas, no Canadá essa questão mostrou-se de certa forma consensual, muito embora os processos de concessionamento de terras nesse último país tenham sido marcados por fortes embates políticos, porém sob o enfoque da oportunidade do tema e não de sua legalidade. Tendo atingido seu principal objetivo, que foi a construção de algumas ferrovias pioneiras, essa política canadense foi descontinuada cerca de duas décadas e meia após seu início. Isso porque a colonização das terras lindeiras não estava acontecendo no ritmo esperado, não havia mercado para aquisição de terras em novos empreendimentos ferroviários após a construção da Canadian Pacific Railway e também porque a opinião pública considerava que as ferrovias (então monopolistas) estavam sendo demasiadamente privilegiadas. 12 As ambições capitalistas e a necessidade de colonização do país, combinadas com crença de que as ferrovias eram eficazes agentes deste último processo, fizeram com que os governos geral e provincial concedessem terras a diversas ferrovias, ditas colonizadoras. Espelhadas no sucesso ferroviário norte-americano e no exemplo da CPR, uma febre de organização de ferrovias colonizadoras se instalou no Canadá, existindo estimativas da organização de 500 empresas, das quais menos de 100 realmente operaram. Contudo, a falta de planejamento, o excesso de otimismo, a preferência dos imigrantes europeus pelos EUA e interesses comerciais dos empreendedores apenas na aquisição de terras a preços subsidiados foram alguns dos principais motivos que levaram muitas dessas ferrovias à bancarrota. Ainda segundo Hedges (1934), essas ferrovias, diferentemente do caso da CPR, considerado um empreendimento de integração nacional, foram freqüentemente exemplos de quebra de contrato e de abusos na política de concessão de terras. Muitas dessas ferrovias, tal como no Brasil, foram concebidas mais para usufruir das benesses governamentais do que da exploração ferroviária propriamente dita, a ponto da imprensa canadense da época considerar que as concessões feitas à CPR representaram o melhor dessa política, e as concessões feitas às ferrovias colonizadoras o seu pior. Seja como for, as pequenas ferrovias foram sendo absorvidas pelas maiores, e parte delas, em absoluta insolvência, foram incorporadas à Canadian National, uma empresa estatal criada em 1918, que mais tarde se tornaria a maior empresa ferroviária do país. A malha ferroviária canadense estava consolidada por volta de 1920 (Goodmans, 2001), época em que a infra-estrutura rodoviária era extremamente limitada e as ferrovias eram o modo de transporte dominante, compreendendo uma extensão de aproximadamente 39.000 km. Dessa data até a década de 80 (século XX), houve um pequeno decréscimo nessa quilometragem, chegando-se a 36.500km em 1989. Enfrentando intensa competição com outros modos de transporte e amparadas em novas bases regulatórias, em especial o Canadian Transportation Act, de 1987, as ferrovias canadenses puseram em prática inúmeras iniciativas objetivando tornar seu transporte mais competitivo, dentre as quais a venda ou o abandono de segmentos antieconômicos, algo não permitido pela legislação anterior. No período 1989-2004, isso significou a redução de 6.000 km na rede ferroviária desse país, como ilustrado na figura 2. 13 40.000 35.000 Extensão (km) 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 0 Fontes: US Census Bureau (2006) e Statistics Canadá (2006). Figura 2: Evolução recente da malha ferroviária canadense O final do século XX também é marcado pela privatização da maior ferrovia canadense: a Canadian National - CN, ocorrida em 1995. Em paralelo, acontece também nesse período a aquisição de ferrovias norte-americanas pelas duas grandes ferrovias canadenses: • aquisição da Illinois Central pela Canadian National; • compra da Soo Line Railroad Company e da Delaware and Hudson Railway Company pela Canadian Pacific. Atualmente o Canadá dispõe de duas grandes ferrovias e mais de 50 ferrovias regionais e linhas curtas (shortlines), que transportam 290 milhões de toneladas anualmente, 90% das quais através das grandes ferrovias. A participação das ferrovias na matriz de transportes domésticos de carga é mostrada na figura 3, podendo-se observar o predomínio do modo rodoviário, mesmo tendo como concorrentes duas das ferrovias tidas como as mais eficientes do mundo (Apedaile, 2003). Fonte: Apedaile (2003). 14 Figura 3: Distribuição modal do transporte de carga doméstico no Canadá 2.2.1.2 Estados Unidos A primeira ferrovia a operar sob bases comerciais nos EUA pertencia à empresa de navegação Delaware and Hudson Canal Company’s, em 1829, através da circulação da locomotiva a vapor Stourbridge Lion e alguns vagões de madeira importados da Inglaterra, logo após, portanto, o início do desenvolvimento ferroviário nesse país (1825). O setor ferroviário norte-americano experimentou um notável crescimento desde então, algo que pode ser facilmente entendido pelo fato de que, em 1850, esse país possuía cerca de 15.000 km de linhas, o equivalente à soma das extensões das estradas de ferro de todo o resto do mundo (Hallberg, 2004). Outro fato que demonstra o poder das ferrovias norte-americanas foi o estabelecimento, em 1883, de cinco fusos horários naquele país, objetivando sistematizar os horários dos trens, prática que se manteve até os dias de hoje (Stover, 1970). A malha ferroviária norte-americana, tal como a canadense, teve grande impulso com a política de concessão de terras, motivada pela abundância de terras naquele país. Em 1790, passados 14 anos da proclamação da independência, a jovem nação norte-americana já possuía 2,3 milhões de km2, valor que posteriormente passou para 9,3 milhões de km2, como resultado, entre outras, das aquisições da Louisiana , Alasca e Havaí, e da conquista de territórios antes controlados pelo México. A disponibilidade de grande extensão de terras despovoadas e a possibilidade de sua cessão foram, desde a época colonial, vistas como para atrativo para vinda de imigrantes. No início, as terras eram cedidas aqueles que por conta própria chegassem à América. Com a independência, os EUA realizaram um extraordinário levantamento topográfico das terras, pelo Land Ordinance Act de 1785. Por essa lei, iniciou-se o processo de subdivisão do território em grandes quadrados, denominados townships, contendo cada um uma área de 36 milhas quadradas, isto é, 93,2 km2. Cada township, por seu turno, era subdivido em 36 seções, de uma milha quadrada cada - 2,6 km2 (Houghton Mifflin, 2004). Em 1830, o governo americano passou a conceder terras como mecanismo de financiamento para obras públicas, sendo certas quantidades de terras repassadas gratuitamente para posterior revenda por parte de empreendedores de canais e de rodovias 15 (pedagiadas ou não). Estimativas de Stover (1970) dão conta que, por volta de 1850, cerca de 30.000 km2 haviam sido cedidos aos empreendedores antes citados. Era natural, portanto, que as ferrovias também se habilitassem a esse benefício. Assim, em 1848 houve a aprovação pelo congresso da cessão não-onerosa de terras para as ferrovias do Grupo Granger: Illinois Central e a Mobile & Ohio Railroad, com a intermediação de um advogado que posteriormente se tornaria presidente dos EUA: Abraham Lincoln. Nessa primeira concessão de terras, configurou-se uma importante política de governo: como num tabuleiro de xadrez, as ferrovias beneficiadas ficariam com os quadrados negros (seções de uma milha quadrada cada) dos townships situados numa faixa de 6 milhas para cada lado do eixo ferroviário, enquanto que os quadrados brancos (também seções de uma milha quadrada cada) seguiam pertencendo ao governo, que esperava que a valorização dos seus lotes, pela existência de uma ferrovia, compensasse a entrega de terras gratuitamente aos empreendedores. Em 1862, é promulgada uma lei federal (College Land Grant Act) doando terras aos estados que se dispusessem construir escolas técnicas, ginásios e universidades voltadas para a agricultura, engenharia e outros temas acadêmicos. Cada estado receberia um número de acres equivalente ao número de seus representantes no congresso vezes 30.000. Com isso, cerca de 69.000 km2 de terras foram entregues aos estados, que, através de sua venda, arrecadaram 7 milhões de dólares, empregados nos estabelecimentos de ensino antes citados (Houghton Mifflin, 2004). Nesse mesmo ano, já com Lincoln na presidência, foi assinado o First Railway Pacific Act, concedendo vastas extensões territoriais a duas ferrovias transcontinentais que interligariam o Leste do país ao Pacífico: a Central Pacific e a Union Pacific. Diante das dificuldades técnicas e financeiras no desbravamento do oeste norte-americano, uma nova lei, o Second Pacific Railway Act, promulgada também por Lincoln em 1864, ampliou os subsídios agrários permitindo a conclusão desses empreendimentos. Outras ferrovias foram beneficiadas pela política de concessão de terras federais e estaduais, gerando um panorama, para 1872, como mostrado na tabela 1 (Decker, 1964). 16 Ferrovia Área (km2) 1. Chicago, Burlington & Quincy 11.331 2. Union Pacific 48.562 3. Kansas Pacific 24.281 4. Denver Pacific 4.452 5. Central Pacific 32.375 6. Southern Pacific 27.316 7. Northern Pacific 190.202 8. Atlantic and Pacific 161.874 9. Central Branch (Union Pacific) 992 10. Sioux City and Pacific 243 10. Burlington & Montana River 9.894 11. Oregon & California 14.164 Soma 525.686 Fonte: Decker (1964). Tabela 1: Quadro-resumo das concessões de terra a ferrovias nos EUA em 1872 A figura 3 (LOC, 2004) mostra o contorno final das concessões de terras feitas a diversas ferrovias norte-americanas, podendo ser vista a parcela territorial que tal política ensejou, sobretudo nas partes central e oeste do país. Fonte: LOC (2004). Figura 3: Mapa das concessões de terras a ferrovias nos EUA 17 A política de concessão de terras a ferrovias foi saudada pelos norte-americanos como algo necessário ao desenvolvimento do país. Cerca de 530.000 km2 foram cedidos às ferrovias, dos quais 75% diretamente cedidos pelo governo federal aos empreendedores e 25% dados aos estados, para que estes impulsionassem esse modo de transporte entre suas divisas (Morris, 1994). Contudo, segundo esse último autor, esse clima amistoso entre a sociedade e as ferrovias termina por volta de 1870, quando as empresas ferroviárias tornaram-se verdadeiros impérios econômicos, monopolistas, em contraste com as modestas condições de vida dos pioneiros da colonização daquele país. Em 1872, tanto os republicanos, como os democratas, incluíram em suas plataformas políticas o fim desse tipo de subsídio às ferrovias. A depressão econômica (período 1870 – 1890) e um escândalo financeiro envolvendo a empresa de crédito mobiliário da Union Pacific (Credit Mobilier), em 1873, selaram a sorte da política de concessão de terras, descontinuada desde então. Em 1890, é aprovada uma lei estabelecendo a retomada, pelo governo, das terras cedidas às ferrovias que ainda não houvessem sido colonizadas, o que demandou intensas batalhas judiciais. A avaliação financeira (privada) e econômica da política de concessão de terras foi feita por Mercer (1984), que analisou sete grandes ferrovias que foram beneficiadas por esse tipo de subsídio: Central Pacific, Union Pacific, Texas and Pacific, Santa Fe, Northern Pacific, Great Northern e Canadian Pacific. Todas essas ferrovias cruzavam o território norte-americano, à exceção da última, que era canadense. Em termos financeiros (privados) duas hipóteses foram construídas: o desempenho empresarial das ferrovias citadas com e sem o subsídio das terras e sua comparação com os custos de oportunidade então vigentes para cada empresa. A tabela 3 ilustra as avaliações feitas. 18 Ferrovia Taxa interna de retorno Custo de financeiro – TIRF (%) oportunidade do Sem subsídio Com subsídio capital (%) Central Pacific 10,6 11,6 9,0 Union Pacific 11,6 13,1 9,0 Texas and Pacific 2,2 4,3 7,7 Santa Fe 6,1 7,1 7,9 Northern Pacific 6,3 9,2 7,9 Great Northern 8,7 10,0 6,3 Canadian Pacific 3,9 8,4 6,8 Fonte: Mercer (1984). Tabela 2: Avaliação financeira dos empreendimentos ferroviários (ex post) Os dados da tabela 2 revelam que quatro das sete ferrovias (Texas and Pacific, Santa Fe, Northern Pacific e Canadian Pacific) apresentavam taxas de retorno financeiro – TIRF inferiores ao custo de capital, e portanto seriam inviáveis sem a ajuda fundiária. Já as três outras ferrovias (Central Pacific, Union Pacific e Great Northern) seriam viáveis mesmo sem os subsídios, os quais apenas ampliaram suas lucratividades. Mais ainda, verifica-se que a intervenção governamental através da cessão de terras não foi ótima em nenhuma das sete ferrovias estudadas por Mercer (1984), tendo sido insuficiente em dois casos (Texas and Pacific e Santa Fe) e excessiva nos demais, quando comparadas as TIRFs com subsídio e os custos de oportunidade de capital. A avaliação econômica (social) efetuada pelo autor já citado envolveu também duas situações: uma contendo benefícios intra-regionais e inter-regionais (ampla) e outra, mais desfavorável, abrangendo apenas os benefícios inter-regionais (restrita), como indicado na tabela 3. 19 Ferrovia Taxa interna de retorno Custo de econômico – TIRE (%) oportunidade do Ampla Restrita capital (%) Central Pacific 23,9 14,0 9,0 Union Pacific 19,8 14,6 9,0 8,3 5,7 7,7 Santa Fe 19,0 12,1 7,9 Northern Pacific 12,5 9,4 7,9 Great Northern 26,8 15,3 6,3 Canadian Pacific 13,1 7,0 6,8 Texas and Pacific Fonte: Mercer (1984). Tabela 3: Avaliação econômica dos empreendimentos ferroviários (ex post) Os resultados da avaliação econômica mostram que, do ponto de vista social, todos os sete os empreendimentos ferroviários mostraram-se viáveis quando considerada a TIRE ampla. No caso da TIRE restrita, apenas uma ferrovia (Texas and Pacific) revelou-se inadequada. Deduz-se, agora de forma generalizada, que a política de concessão de terras trouxe uma notável contribuição ao desenvolvimento econômico dos EUA e Canadá na segunda metade do século XIX, que de outra forma teria sido postergado pelo também adiamento de inúmeros projetos ferroviários que sem sombra de dúvida não teriam sido implementados pela ausência desse importante estímulo. Após a Guerra Civil (1860-1865) as ferrovias norte-americanas eram um próspero negócio, a ponto de um de seus principais executivos, o comodoro Cornelius Vanderbilt ter se tornado o norte-americano mais rico em sua época. A extensão das ferrovias desse país atingiu seu pico em 1916, com a existência de 406.500 km de linhas, contra 156.300 km atuais, o que representa eliminação de cerca de 250.000 km ou de 60% do pico antes citado (figura 4). 20 Fonte: Cálculos do autor com base em AAR (2005) e Stover (1970). Figura 4: Evolução da malha ferroviária norte-americana A distribuição modal no transporte de carga dos EUA tem uma correlação direta com a diminuição da extensão da malha ferroviária, mostrando o decréscimo da participação das ferrovias na matriz de transportes, como ilustrado na figura 5. Fonte: Cálculos do autor, com base em AAR (2005). Figura 5: Distribuição modal nos EUA ao longo do tempo Com o transporte ferroviário fortemente regulado desde o século XIX e as fortes concorrências impostas pelos outros modos de transporte, as estradas de ferro norteamericanas, principalmente após a Segunda Grande Guerra, foram sendo não só obrigadas a operar apenas os segmentos mais rentáveis (e abandonar os demais), como suprimir o tráfego de passageiros. Duas observações a respeito desse último tópico, obtidas de Stover (1970) são bastante ilustrativas: 21 • primeiramente a afirmativa de Howard Hosmer, de 1958, agente regulador da Interstate Commerce Comission – ICC, no sentido de que os carros de passageiros das ferrovias em breve fariam parte de museus de transporte, juntamente com a carruagem e a locomotiva a vapor; • em segundo lugar, os cálculos de Robert Jochner, responsável pelo tráfego de passageiros da Union Pacific, que davam conta que, em 1968, um trem de passageiros entre São Francisco e Los Angeles requeria uma equipagem de 21 pessoas, transportando o equivalente à metade da lotação de uma aeronave ou de dois ônibus. Esse quadro teve um desfecho adverso às ferrovias na década de 70 (século XX), com a concordata de nove grandes ferrovias, representando 25% da malha ferroviária existente nesse momento. O governo norte-americano foi então obrigado a intervir no setor, através de diversas medidas envolvendo: • fusão de empresas, mantida a gestão privada, caso da Burlington Northern Railroad (fruto da aglutinação da Great Northern Railroad; Northern Pacific Railroad; Chicago, Burlington and Quincy Railroad; Pacific Coast Railroad; e Spokane, Portland and Seattle Railroad) e da Illinois Central Gulf Railroad (união da Illinois Central Railroad e da Gulf, Mobile and Ohio Railroad); • fusão de empresas, sob gestão estatal, com a criação da Consolidated Rail Corporation – Conrail, incorporando seis ferrovias do Nordeste dos EUA em estado falimentar . • criação da Amtrak, empresa estatal, para operação de trens de passageiros de média e longa distâncias nas vias férreas privadas. Em 1976 e em 1980 são promulgadas leis de liberalização do setor ferroviário, tornando as ferrovias mais aptas para o enfrentamento da competição pelo mercado de fretes. O final do século XX é ainda marcado pelo prosseguimento da oligopolização do setor, com novas fusões e aquisições de empresas, inclusive com a participação das duas grandes empresas canadenses (Canadian Pacific e Canadian National). 22 2.2.2 Europa 2.2.2.1 Suécia Após o insucesso de alguns empreendimentos a cargo de empreendedores privados, o parlamento sueco tomou a decisão, em 1845, de que a construção das linhas férreas troncais ficaria a cargo do estado, cabendo a terceiros as vias de menor importância. Em decorrência, a primeira ferrovia sueca a operar, sob controle estatal, foi a que margeou o lago Fryken, na região de Värmland, inaugurada em 1849, ainda com tração animal, já que a primeira locomotiva a vapor só iria operar a partir de 1855. A exemplo dos demais países envolvidos com o desenvolvimento ferroviário, a expansão da malha ganhou impulso no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, tendo o pico ocorrido em 1939, com a rede ferroviária tendo atingido 17.400km, em várias bitolas (figura 6). Em função das crescentes dificuldades financeiras enfrentadas pelas operadoras privadas, no início do período da Segunda Grande Guerra foi efetuada a privatização de 65% da malha, uma vez que os restantes 35% já pertenciam ao estado. Fonte: Banverket (2005). Figura 6: Distribuição modal na Suécia ao longo do tempo O decréscimo na extensão da malha ferroviária sueca é fruto dos efeitos da concorrência impostos pelos outros modos de transporte, sobretudo na segunda metade do século XX, que resultaram em crescentes déficits e no abandono de ramais antieconômicos. Em função disso, em 1988 o parlamento sueco aprovou o Transport Policy Act – TPA 23 para sustar os prejuízos advindos da Swedish State Railways – SJ. Um dos vetores dessa legislação foi a separação da SJ em dois organismos públicos (Hansson e Nilsson, 1991): • a National Rail Administration – Banverket (BV), responsável pelo investimento e manutenção da infra-estrutura ferroviária; • a nova SJ, unicamente operadora ferroviária, que pagaria pedágio nas vias administradas pela BV. Esse foi o primeiro movimento de segregação da infra-estrutura ferroviária que se tem notícia, e influenciou, de maneira decisiva, sua adoção pela Comunidade Européia alguns anos depois. O TPA estabeleceu, portanto, como diretrizes básicas as seguintes (Hylen, 2001): • a BV agiria da mesma forma que a National Railroad Administration – Vtiggverker (VV), com os investimentos na via implementados com base em relações benefíciocusto: • os usuários da malha administrada pela BV pagarão pedágios ou trackage rights de forma análoga aos usuários da VV; • as externalidades negativas, tanto do transporte ferroviário, como do rodoviário, serão incorporadas aos valores do pedágio; • a rede ferroviária sueca será subdividida em dois subsistemas: um de caráter nacional , com as linhas-tronco, onde a SJ deverá ser lucrativa; outro de caráter regional, em que as autoridades locais poderão contratar a SJ ou qualquer outra empresa para realização do transporte de passageiros de média distância, em bases estritamente comerciais; • o Swedish Board of Transport estará autorizado a “comprar” serviço de transporte que não seja comercialmente viável, nas situações em que haja claro comprometimento do desenvolvimento regional . Esse novo arcabouço regulatório gerou, em 1988, a criação da gestora de infra- estrutura Banverkert. Em 2001 a SJ foi subdividida em inúmeras empresas, a saber: SJ AB, uma operadora de passageiros de média e longa distâncias, de capital aberto; a Green Cargo AB, operadora de carga, de capital aberto; quatro outras empresas ferroviárias atuando nas áreas de manutenção, patrimônio, operação de terminais e tecnologia da informação; e dez outras empresas de pequeno porte atuando em setores de turismo, entretenimento, locação de trens etc. 24 Cerca de três dezenas de operadores privados atuam no sistema ferroviário sueco, em âmbito nacional e regional, tais como Connex Sverige AB, Citypendeln Sverige AB, DSB Sverige AB (dinamarquesa), Inlandsbanan AB, Roslagståg AB e Svenska Tågkompaniet AB (tendo a sigla AB significado semelhante ao termo S.A. no Brasil). A tabela 4, mostrada a seguir, apresenta os critérios e valores básicos na tarifação da infra-estrutura ferroviária sueca, dado seu pioneirismo no cenário ferroviário mundial. Tarifa por classe de via (R$ por 1000 tkb) Item Classe I** Classe II** Locomotiva (v < 105 km/h) 1,269 3,24 Locomotiva (105 km/h < v > 135 km/h 1,539 3,834 Locomotiva (v > 135 km/h) 1,836 --- Vagão de minério carregado 0,783 --- Vagão de minério vazio 0,081 --- Vagão em geral carregado 0,54 1,296 Vagão em geral vazio 0,108 0,351 Carro de passageiro com truque radial 0,513 0,864 Carro de passageiro sem truque radial 0,729 1,836 Trem de alta velocidade (>160km/h) 0,837 --- Energia de tração 0,054 0,054 (*) Conversão cambial feita pelo autor em outubro de 2008. (**) Classe I tem qualidade superior à Classe II. Fonte: Hansson e Nilsson (1991). Tabela 4: Tarifação da infra-estrutura ferroviária sueca 2.2.2.2 Grã-Bretanha Berço do desenvolvimento ferroviário mundial, a partir da inauguração, em 1825, da Stockton e Darlington Railway, a Grã-Bretanha promoveu um intenso trabalho de implantação de estradas de ferro no século XIX e início do século XX. O sistema ferroviário britânico, contudo, tal como o brasileiro, constituía-se de um enorme emaranhado de linhas, sem a necessária conectividade entre si, exploradas por empreendedores privados. Ao longo do período anteriormente citado, houve diversas aquisições de ferrovias, que, em 1923, deram origem a quatro grandes grupos empresariais: Great Western Railway; London and North Eastern Railway; London, Midland and Scotish Railways; e Southern Railway (Nash, 1997). 25 Nas décadas de 20 e 30, século XX, a rentabilidade das ferrovias diminui consideravelmente, com as empresas ferroviárias acusando o governo de privilegiar o modo rodoviário. Esse fato, aliado à falta de investimento que se seguiu e à difícil situação financeira enfrentada pelo país após a Segunda Grande Guerra, levou à estatização do setor em 1948, com o surgimento da British Railways, posteriormente denominada British Rail – BR. Inicialmente a BR, embora fosse uma entidade única, para efeitos operacionais foi subdividida em seis superintendências regionais. Nos anos 60 (século XX) os crescentes déficits financeiros da BR levaram à eliminação de ramais antieconômicos, resultando na supressão de cerca de 10.000 km de linhas, ou 30% da malha então existente (Thompson, 2004). Em 1982, ainda na tentativa de diminuir os prejuízos operacionais da BR, esta foi então seccionada em unidades de negócios: passageiro - média e longa distâncias, passageiro local/regional, carga nacional e carga internacional/intermodal. Na década de 80, o governo britânico, sob a liderança da conservadora Margaret Thatcher, empreendeu um vasto programa de privatizações em vários setores da economia, envolvendo telecomunicações, saneamento, aeroportos, rodovias etc. A área ferroviária, naquela oportunidade, era considerada não elegível para a privatização em função de sua complexidade operacional. Em 1992, o livro branco New Opportunities for Railways, certamente com base na experiência sueca, estabeleceu as bases da reestruturação da BR (Mathieu, 2003): • separação da infra-estrutura ferroviária da atividade operacional; • criação da figura do gestor da infra-estrutura; • divisão da BR em vinte operadores; • adoção do princípio da concessão para seleção de operadores. John Major, que sucedeu a Thatcher, foi quem fez aprovar pelo parlamento o Railways Act, de 1993, que objetivava a reestruturação da BR nos moldes antes descritos, tendo com estratégias: • redução do nível de subsídios ao transporte ferroviário no longo prazo; • abertura do setor de transporte à competição, com melhoria da produtividade e qualidade; 26 • introdução de novo dinamismo no setor ferroviário, com melhores respostas às demandas do mercado. O processo de reestruturação da BR está ilustrado na tabela 5 (Thompson, 2004), onde são correlacionadas funcionalidades do processo de exploração ferroviária com diversos escopos desse tipo de serviço. Funcionalidade operacional Tipo de transporte Carga Passageiro - Passageiro - Passageiro - longa distância regional subúrbio Posse da infra-estrutura Melhoria da infra-estrutura RAILTRACK Manutenção da infra- (privada) estrutura Controle do tráfego Operação dos trens 25 OPERADORES DE TRENS DE PASSAGEIROS – TOCs (privados) Material rodante Receitas do transporte EW&S RAIL 3 EMPRESAS DE LEASING DE MATERIAL (FOC)* RODANTE DE PASSAGEIROS - ROSCOs (privadas) (privada) TOCs** TOCs + SUBSÍDIO (governos geral e/ou regional) Obs.: FOC – Freight Operator Company; TOC – Train Operator Company; ROSCO – Rolling Stock Company. Fonte: Thompson (2004). Tabela 5: Arranjo básico da reestruturação da British Rail A privatização da British Rail ocorreu no período 1994 – 1997, sendo a gestão privada da infra-estrutura conturbada por uma série de graves acidentes ferroviários no final do século XX e início do século XXI (Southall, Ladbroke Grove, Hatfield e Potters Bar), em parte atribuídos a deficiências na manutenção da via. O de Hatfield teve uma forte reação política, tendo em vista o fato da mantenedora (Railtrack) ter distribuído dividendos a seus acionistas enquanto que substancial quantidade de trilhos apresentava defeitos internos (HSC, 2001). Após o acidente de Hatfield os limites de velocidade na malha ferroviária britânica foram drasticamente reduzidas e a Railtrack obrigada a realizar pesados investimentos, 27 causando sua falência. Em 2002, é criada uma empresa para-estatal, Network Rail, para gerir a infra-estrutura ferroviária britânica. Voltando a 1994, início do processo de privatização, é preciso ressaltar que nessa data o débito da BR atingia a 10,8 bilhões de euros, equivalendo a 1,2% do PNB britânico ou a 54% do total da dívida pública daquele país (CE, 1996). As TOCs são grandemente controladas por três grupos empresariais (FirstGroup, National Express e Stagecoach), os quais convivem com um limitado número de pequenos operadores (Heathrow Express, Hull Trains etc.). Essas empresas em geral não são concorrentes entre si, com as franquias sendo licitadas segundo o conceito de concorrência pelo mercado e não pelo de concorrência no mercado. As três empresas de leasing de material rodante (ROSCOs) são ligadas a bancos comerciais: Angel Trains, HSBC Rail e Porterbrook. A principal operadora do transporte ferroviário de carga é a English, Welsh & Scotish Railway, existindo ainda menos de uma dezena de outros operadores de menor porte. A figura 7 ilustra o processo de declínio da ferrovia inglesa, em termos de extensão da malha e do lançamento de trilhos na via permanente, conforme Thompson (2004). Outro fato, de caráter mais simbólico, que porém denota o declínio citado, é a supressão do tráfego do correio por trens, transferido totalmente para outros modos em 2004, rompendo uma longa tradição de cerca de 170 anos . Toneladas 250.000 35.000 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 0 200.000 150.000 100.000 50.000 0 km 1953 1963 1973 1983 1993 2003 Lançamento de trilhos Extensão da malha Fonte: Thompson (2004). Figura 7: Evolução da quilometragem e do lançamento de trilhos na Grã-Bretanha 28 2.2.3 Ásia e Oceania 2.2.3.1 Japão A política isolacionista do Japão, em relação ao mundo ocidental (Shogunate), que vigorou por dois séculos e meio, teve seu fim o governo Meiji, em 1868, em virtude da ameaça militar feita pela Grã-Bretanha. Com a abertura, as novas autoridades japonesas trouxeram da mesma Grã-Bretanha enorme número de especialistas, materiais e equipamentos para construção do segmento entre a capital Tóquio e o porto de Yokohama, um dos poucos abertos ao comércio exterior. Em 1871, um ano após o início das obras, foi inaugurado esse trecho, com 29 km de extensão e bitola de 1,067 m (Aoki, 1994a). Em 1890, a malha ferroviária japonesa tinha 2.250 km, dos quais 60% pertencentes a empresas privadas. A guerra sino-soviética de 1894-1895 e os problemas do mercado acionário de 1896 levaram militares e financistas a considerar a possibilidade de estatização das ferrovias, fato que ocorreu em 1906, quando 2.413 km de vias do estado se somaram a 5.213 km de vias privadas, formando uma rede estatal de 7.626 km, em bitola métrica (1,067 m), conforme Aoki (1994b). A malha japonesa prosseguiu com sua expansão, chegando ao final da década de 50 (século XX) com cerca de 26.000 km, dos quais 78% pertencentes à empresa estatal Japan National Railways - JNR, e os 12% restantes distribuídos em sistemas regionais ou urbanos, destinados ao transporte de passageiros e operados em sua maioria por quase duas centenas de empresas privadas (Terada, 2001). Nos anos 50 e 60 (século XX) a JNR mantinha-se lucrativa, ao contrário das ferrovias européias que já mostravam grandes déficits. A explicação para esse fato deve-se à defasagem de dez anos entre a consolidação do rodoviarismo no Japão e na Europa Ocidental Embora notáveis avanços tecnológicos tenham sido verificados no Japão, como o lançamento do trem-bala em 1964, a JNR começou a apresentar prejuízos crescentes nas décadas de 70 e 80 (século XX), sendo que em 1985 esse déficit chegou a 230 bilhões de dólares (25 trilhões de ienes), equivalente à soma de dívidas externas de vários países em desenvolvimento (Iamashiro, 1997). Essa situação levou à privatização da JNR em 1987, com a criação de seis operadoras de passageiros (JRs), distribuídas geograficamente, e uma operadora de carga 29 (JR Freight), sendo que essa última não possui linhas próprias e circula pelas vias de passageiros, numa situação exatamente oposta à dos EUA, onde existem numerosas empresas de carga e uma operadora de passageiros de média e longa distâncias (Amtrak), que, a exceção do corredor nordeste (Nova York – Washington), não possui vias próprias. . Atualmente, a malha japonesa possui cerca de 27.000 km, dos quais 20.000 km operados pelas JRs. Os 7.000 km restantes estão sob a tutela de 40 ferrovias privadas, transportadoras de passageiros nos níveis regional e local. A evolução da participação modal da ferrovia no Japão é mostrada na figura 8, segundo dados de Isashiki (2004), evidenciando claramente seu declínio, não só no transporte de passageiros de média e longa distância (mesmo com os trens de alta velocidade), como também no setor de carga, onde a ferrovia JR Freight tem participação ínfima no mercado de fretes, tendendo, inclusive, a desaparecer. Fonte: Isashiki (2004). Figura 8: Participação da ferrovia na matriz dos transportes no Japão 2.2.3.2 Austrália O desenvolvimento ferroviário na Austrália guarda enormes semelhanças com o brasileiro, em termos de extensão de malha, pluralidade de bitolas e ferrovias dedicadas à exportação de minério de ferro de alta eficiência. As ferrovias australianas começaram a ser construídas na segunda metade do século XIX, quando esse país ainda era constituído por colônias distintas, uma vez que a federação de estados só foi implementada em 1901 (ARTC, 2006). A primeira estrada de ferro começou a operar em 1854, mesmo ano da ligação Praia de Mauá – Guia de 30 Pacobaíba, pioneira no Brasil. A expansão da malha ocorreu inicialmente através da iniciativa privada, em diversas bitolas: • a larga ou irlandesa (1.600 mm) nos estados de Victoria e South Australia; • a padrão (1.435 mm) nos estados de New South Wales e South Australia; • a bitola métrica ou do Cabo (1.067 mm) nos estados de Queensland, Western Australia, South Australia e Tasmania No início do século XX o insucesso financeiro das ferrovias tinha se tornado insustentável obrigando aos estados assumirem seu controle. Entre os anos 30 e 90 (século XX) o governo federal implementou alguns segmentos em bitola padrão, em trechos e virgens e convertendo trechos existentes, objetivando melhorar a conectividade ferroviária. Nos anos 60 e 70 (século XX), mineradoras privadas instalaram-se no Nordeste do país, na região de Pilbara, implantando, de maneira semelhante à Cia. Vale do Rio Doce, ligações mina-porto, todas na bitola padrão, desconectadas do restante da malha e transportando apenas minério de ferro. Nesse mesmo período, as demais ferrovias começam a apresentar déficits, fazendo com que o governo federal se propusesse a administrar o transporte de cargas interestadual, através da National Rail Corporation, gerando o arranjo institucional da figura 9 (Williams et alli, 2005). Estado Operador Área de N. South atuação Wales Victoria South Western Australia Australia Operador de Interestadual carga Intraestadual State Rail Public South Operador da Intraestadual Authority Transport Australia Corporation Rail infra-estrutura Operador de Interestadual e passageiro Intraestadual Queensland Tasmania Queensland TasRail National Rail Corporation WestRail Rail Fonte: Elaboração do autor, com base em Williams et alli (2005). Tabela 5: Arranjo institucional australiano em 1992 Nesse arranjo, onde a participação estatal é dominante, não estão incluídas as denominadas “linhas das mineradoras”, em especial as da região de Pilbara, que sempre foram privadas e verticalmente integradas. Ainda em 1992, o Conselho dos Governos Australianos estabeleceu as diretrizes para uma nova política de competição, em âmbito nacional, onde era destacado que: 31 A separação estrutural de monopólios públicos verticalmente integrados e a remoção de restrições legais promoverão competição e melhoria da eficiência do serviço oferecido à sociedade (Commonwealth of Austrália, 2003). Em 1995, o governo federal, estados e territórios aderem à National Competition Policy (Política Nacional de Competição) com o estabelecimento de normas para um National Access Regime (Regime Nacional de Acesso) e das bases para privatização de empresas públicas. Disso resultou um novo e complexo arranjo institucional mostrado na tabela 6 (Williams et alli, 2005). Diferentemente da situação de 1992, quando as empresas eram geridas pelos poderes públicos confederativo e estadual, em 2005 há um grande avanço da desestatização, com a presença de várias empresas privadas, tais como: • Pacific National - PN; • Australian Railway Group – ARG; • Great Southern Railway; • Conrex. Contudo, a gestão da infra-estrutura, nos casos onde esta foi segregada, permanece fortemente estatizada, seja em nível confederativo pela Australian Rail Track Corporation – ARTC, seja em nível estadual em Queensland. Outro fator importante foi o surgimento de novos e pequenos operadores ferroviários de carga e de passageiro, como Southern Shorthaul Railroad, South Spur Rail Services, Patrick Rail Operations, Specialised Container Transport, FreightLink, Silverton Rail etc. A exemplo da Grã-Bretanha esse movimento reestruturador também deu origem a empresas de leasing de material rodante, como a Chicago Rail Freight Leasing Australia, na área de locomotivas e vagões. 32 Australian Rail Track - ARTC Gestor da infra - estrutura (intraestadual) ARTC (interestadual) Corporation RIC Pacific National Infrastructure Rail National - Rail PN Conrex Pacific South Australia Corporation Pass. Victoria Carga Pass. Railway Group - ARG (interestadual) ARTC (intraestadual) ARG Southern Great Pass. Railroad Australian Carga South Australia Tabela 6: Arranjo institucional australiano em 2005 Fonte: Elaboração pelo autor com base em Williams et alli (2005). Pacific National Carga New South Wales Operador Agente Estados Group - ARG Australian Railway Carga WAR Railway - Australia Western Pass. Western Australia Pass. Rail 33 Queeesland Carga Queensland A malha ferroviária australiana compreende cerca de 37.000 km de linhas, em três bitolas (figura 9), respondendo por 25% do mercado de transporte de carga em toneladas transportadas, valor que passa para 38% quando considerado o momento de transporte, com predomínio quase absoluto de carvão e minério de ferro nos fluxos ferroviários. Fonte: ARTC (2006). Figura 9: Malha ferroviária australiana 2.2.4 América do Sul 2.2.4.1 Argentina A primeira ferrovia argentina foi inaugurada em 1870, interligando a cidade de Córdoba ao rio Paraná, num extensão de cerca de 400km em bitola larga (1.676 mm). A excepcional topografia do país, aliada à intensa exportação de produtos primários deram rápido impulso à construção de novas linhas (ARAR, 2006). Entre 1870 e 1914 foi construída a maior parte da malha ferroviária Argentina, que chegou a possuir 47.000km, a maior já implantada na América Latina e décima do mundo às vésperas da Primeira Grande Guerra, em sua quase totalidade privada, com capitais externos no controle acionário. O período que segue, entre as duas Grandes Guerras, é marcado pela decadência do setor ferroviário, ante o novo dinamismo imposto pelo rodoviarismo, com a assunção, pelo Estado, de algumas ferrovias privadas, com a criação do ente Administración de los Ferrocarriles del Estado. Em 1947, com a persistência da crise ferroviária, em parte 34 derivada da insuficiência de investimentos dos acionistas do exterior, o governo Perón nacionaliza as ferrovias de capital francês, o mesmo ocorrendo no ano seguinte com as de capital inglês. Em 1949, com o setor ferroviário nacionalizado, o sistema ferroviário foi reagrupado em sistemas regionais, que ganharam o nome de vultos da história militar argentina: Ferrocarril Nacional General Bartolomé Mitre, Ferrocarril Nacional General Belgrano, Ferrocarril Nacional General Roca, Ferrocarril Nacional General San Martín e Ferrocarril Nacional General Sarmiento. Esses sistemas eram da Empresa Nacional de Transportes (ENT), que em 1958 mudou seu nome para Empresa de Ferrocarriles del Estado Argentino (EFEA), para posteriormente denominar-se Empresa de Ferrocarriles Argentinos (EFA) e finalmente Ferrocarriles Argentinos - FA. Em 1980, cerca de 13.000 km de linhas da FA já haviam sido erradicadas, com a rede ferroviária passando a ter 34.000 km de extensão. Entre 1989 e 1992 a empresa Ferrocarriles Argentinos é privatizada, juntamente com os sistemas de trens urbanos de Buenos Aires. A tabela 7, mostra o quadro concessional daí derivado para o transporte de carga (Ferrocamara, 2002). Tópico Sistema Denominação Sarmiento / original Roca Data da posse Nov/91 Mitre Roca San Martín Urquiza Mitre Dez/92 Mar/93 Ago/93 Out/93 Não da concessão concedido* Concessionário Ferroexpresso Nuevo Ferrosur - Buenos Mesopotámico original Pampeano - Central FSR Aires al General Fepsa Argentino - Pacífico - Urquiza - NCA BAP MGU Am. Latina Am. Latina Logística Logística Central - Mesopotámica ALL - ALL 5.254 km 2.739 km Concessionário Idem Idem Idem atual Extensão da 4.953 km 4.512 km 3.343 km N.A. N.A. 10.841 km malha (*) Por ausência de interesse privado. Fonte: Ferrocamara (2002). Tabela 7: Quadro concessional das ferrovias de carga argentinas 35 O processo de concessionamento do setor ferroviário à iniciativa privada, na atualidade, teve a Argentina como elemento precursor, com as principais características desse importante processo ilustradas na tabela 8 (Thompson et alli, 2001). Fator Pontagem Critério máxima Experiência do proponente 23 Melhor apresentação 33 Maior valor e melhor qualidade 5 Maior valor 5 Menor pedágio 15 Maior oferta 9 Maior participação (currículos da equipe técnica e plano de negócios) Plano de investimentos básico (quantidade de recursos e qualidade da inversão) Plano de investimentos adicional Valor da outorga Valor do pedágio a ser cobrado aos operadores ferroviários de passageiros Número de empregados da operadora estatal que serão contratados Participação acionária da capitais argentinos Somatório máximo de pontos 100 Fonte: Thompson et alli (2001). Tabela 8: Critérios de pontagem no processo de concessionamento argentino A malha argentina atual é de aproximadamente 34.000 km, em três bitolas (larga 1.676 mm, padrão - 1.435mm e métrica - 1.067 mm), aí incluídas algumas linhas provinciais, a maioria a espera da difícil reativação do transporte regional de passageiros. O volume de transporte é de cerca de 20 milhões de toneladas anuais, liderado pela Nuevo Central Argentino – NCA. 2.2.4.2 Brasil O desenvolvimento ferroviário no Brasil ocorreu, a exemplo dos outros países, através de diversas fases evolutivas, como a seguir detalhado. 36 Pinto (1903), embora restrito à Província (e depois Estado) de São Paulo, divide o desenvolvimento ferroviário, até o período de elaboração de sua obra, em quatro fases: • primeira fase (1835 – 1852): a dos empreendimentos malogrados, que não saíram do papel, muito embora as primeiras legislações estimulando a implantação de ferrovias, de caráter geral ou provincial, já tivessem sido promulgadas no período; • segunda fase (1852 – 1880): de notáveis avanços na implantação de novas ferrovias, em sua maioria estimuladas pelos favores de garantia de juros e de zona privilegiada; • terceira fase (1880 – 1902): ainda marcada pela construção de novas vias férreas com privilégio de zona, porém com muitas empresas já dispensando a garantia de juros em função da pujança da economia cafeeira; • quarta fase (1902 em diante): com a criação do Estado de São Paulo, a ferrovia emancipando-se da proteção do Estado, tornando-se livre a construção de novas vias, com única restrição de respeitarem-se os direitos adquiridos. Convém assinalar que as competências das diversas instâncias de poder, na autorização para realização de obras públicas por empresários, foram estabelecidas na Lei José Clemente, de 29 de agosto de 1828, cabendo: • ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império os empreendimentos na província da capital e interprovinciais; • ao Presidente do Conselho da Província as obras sob jurisdição da respectiva província (posteriormente essa competência foi repassada às Assembléias Legislativas Provinciais que ainda não existiam nessa data); • às Câmaras Municipais as implementações em cidades ou vilas. Essa legislação foi incorporada pela República e perdura até os dias de hoje. Coimbra (1974) divide os ciclos evolutivos de maneira convencional, isto é, conforme períodos históricos bem definidos: Segundo Reinado, República, Revolução de 30, Pós-Guerra e Revolução de 1964. Barat (1978) estabelece uma densa correlação entre etapas de desenvolvimento econômico e a evolução do sistema de transporte, para cada modo, com especial ênfase para o setor de carga. Dourado (1981), seguindo de perto as conceituações de Barat (1978), correlaciona o desenvolvimento ferroviário e a industrialização brasileira, dividindo o primeiro em duas fases: 37 • expansão (1854 – 1930): abrangendo a inauguração da primeira estrada de ferro (Praia de Mauá – Guia de Pacobaíba, situada no atual município de Magé, ao fundo da baía da Guanabara – RJ) e o início da industrialização do país; • decadência (1930 em diante): período em que a industrialização fez cair sobremaneira a participação modal da ferrovia, tornando-a, pelas circunstâncias em que foi concebida, obsoleta ante os novos conceitos e requisitos do transporte terrestre. Embora não sejam suficientemente claros os motivos para delimitação de algumas das fases desenvolvimentistas apontadas, em especial a última delas, David (1985), referindo-se à E. F. D. Pedro II (no império), depois E. F. Central do Brasil (na República), divide o desenvolvimento ferroviário em oito fases: • pré-natal: antes de 1858; • nascimento (1858): inauguração do trecho Estação do Campo – Queimados (na hoje baixada fluminense); • infância (1858 – 1879); • juventude (1879 – 1910); • maturidade (1910 – 1930); • velhice (1930 - 1957): período que culmina com a criação da RFFSA, que incorpora a E. F. Central de Brasil e 17 outras estradas de ferro; • morte e renascimento (1957 – 1985); • nova fase (1985 em diante). Firmino e Wright (2001), analisando a evolução dos mecanismos de financiamento não apenas para as ferrovias, mas para o setor de transporte como um todo, desconsiderando porém o ocorrido no Segundo Reinado e na República Velha, estabelecem os seguintes marcos temporais: • fase I (1930 - 1974): criação de tributos seletivos (Imposto Único sobre Lubrificantes e Combustíveis Líquidos e Gasosos - IULCLG, Taxa Rodoviária Única - TRU, Imposto sobre Serviços de Transporte Rodoviário Interestadual e Internacional - ISTR, etc.), além de alguns pedágios rodoviários, com a vinculação de grande parte desses tributos a fundos de desenvolvimento setorial; • fase II (1974 – 1988): gradual desvinculação setorial dos recursos gerados por tributos seletivos, atingindo negativa e fortemente o setor de transportes; 38 • fase III (1988 em diante): promulgação da Constituição de 1988, marcada por decisões como a do artigo 167 que estabelece a desvinculação de receita de tributos a órgão, fundo ou despesa (com algumas exceções como destinações compulsórias para educação e saúde, taxas, tarifas, pedágios, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições sociais); e a extinção formal dos impostos específicos, muito embora deixe seus sucedâneos tributários com outra denominação, na forma jurídica de impostos gerais (TRU e IPVA, por exemplo). Também Acioli (2005) apresenta um detalhado quadro da evolução do sistema ferroviário brasileiro, com especial destaque para sua correlação com planos de desenvolvimento. Os estudos relatados anteriormente fornecem uma interessante visão do processo evolutivo das ferrovias, porém, para o autor, existe espaço para uma nova correlação, com ênfase à questão do financiamento e abrangendo alguns outros atributos, como ritmo de evolução da malha, empresariedade, responsabilidade financiadora e tipo de financiamento, conforme mostrado na tabela 9. Alguns comentários à tabela 9 são necessários. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que os marcos temporais não podem evidentemente ser considerados de maneira fixa, existindo interpenetração entre os mesmos. E mesmo sob a abrangência de um determinado marco, há fatos que se iniciam em diferentes períodos de tempo. Contudo, em prol da didática, optou-se por uma classificação temporal de mais fácil assimilação. Quanto ao caráter empresarial, é importante ressaltar que por empresas públicas estão consideradas as ferrovias sob administração direta e sob administração indireta (estatais). Ferrovias privadas abrangem as concedidas e também as arrendatárias. Finalmente, com relação ao financiamento dos investimentos, foi feita uma divisão entre aqueles diretamente despendidos pelo poder público e os obtidos pela iniciativa privada, ainda que em bancos de fomento públicos. Nos tópicos seguintes são mais bem detalhadas as fases da tabela 9. 39 Expansão acelerada e generalizada Evolução da Caráter das empresas malha Expansão lenta e Essencialmente privado. generalizada Empresas pulverizadas e insulares. Empréstimos externos, fundos setoriais e recursos fiscais. Empréstimos externos e assunção de dívidas. Garantia de juros restrita, empréstimos externos, emissão de obrigações e recursos fiscais Fundos setoriais e recursos fiscais. Garantia de juros e subvenção quilométrica. Garantia de juros. Financiamento público Tabela 9: Fases do desenvolvimento ferroviário brasileiro Essencialmente privado. Maior grau de integração pela aquisição de pequenas empresas pelas maiores. República Expansão Público e privado (este último Velha acelerada e inclui as arrendatárias). Início generalizada da formação de redes regionais. Era Vargas Expansão lenta e Essencialmente público. generalizada Consolidação de redes regionais. Pós-Guerra e Retração Público. Uma rede nacional e Regime Militar generalizada e outra regional. expansão seletiva Nova Retração Privado. Oligopolista, porém República generalizada sem concorrência entre as empresas. Marcos temporais Regência e Início do Segundo Reinado Segundo Reinado Fonte: Elaboração do autor. VI V IV III II I Fase 40 Limitadas aquisições de material rodante e de certificados de frete futuro. Emissão de obrigações e empréstimos. Emissão de ações e obrigações diversas. Capitais britânicos e norteamericanos. Não-aplicável. Emissão de ações e obrigações diversas. Capitais britânicos. Emissão de ações e obrigações diversas. Capitais britânicos. Financiamento privado 2.2.4.2.1 Detalhamento da fase I (1835 – 1873/74) De acordo com pesquisa feita pelo autor na obra de Coruja Jr. (1886), essa fase inicia-se, na Regência Una, com a Lei Feijó (assim denominada por ter sido assinada pelo Regente Diogo Antônio Feijó), de 31 de outubro de 1835, que autoriza a concessão de ferrovias unindo a capital do Império (Rio de Janeiro) às capitais das províncias de Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul, por um prazo de 40 anos. Alguns incentivos dessa lei são a cessão de terras devolutas ou pertencentes ao governo, direito de desapropriação de terras particulares e isenção de impostos de importação de bens e equipamentos. Tetos tarifários de 20 réis por arroba-légua (precursora da tonelada x quilômetro útil – tku) e de 90 réis por passageiro são fixados nessa lei; sendo ainda limitado o prazo de início das obras após a assinatura do contrato de concessão e também seu ritmo: mínimo de 5 léguas (33km) por ano. Essa lei ainda previa multas diversas no caso do descumprimento do pactuado. Em função do formidável obstáculo natural representado pela Serra do Mar na interiorização do desenvolvimento econômico, da natural opção do capital estrangeiro (sobretudo o britânico) pela América do Norte e da pouca atratividade a investimentos conferida pela Lei Feijó, foi promulgada, no Segundo Reinado, a Lei 641, de 26 de junho de 1852. Esse talvez seja o mais importante diploma legal dessa fase, na medida em que estabelecem novas e mais atrativas bases para financiamento das primeiras estradas de ferro do País. Destaca-se na Lei 641 a instituição da denominada garantia de juros, paga pelo governo ao concessionário para ressarcimento do capital empregado na construção das ferrovias. Os principais direitos e deveres dos futuros concessionários contidos nessa lei eram os mostrados na tabela 10. 41 Direitos a) Obtenção não-onerosa de terras governamentais e competência para desapropriação da faixa de domínio. b) Uso de madeiras e outros materiais ao longo da futura via. c) Isenção de impostos sobre a importação de bens e equipamentos ferroviários. d) Isenção de impostos sobre a importação de carvão mineral (combustível das locomotivas). e) Exclusividade de exploração do serviço ferroviário por 90 anos, em uma área de 5 léguas (33km) para cada lado do eixo da via. f) Recebimento dos cofres públicos de juros de 5% sobre o capital empregado na construção da ferrovia. Fonte: Coruja Jr. (1886). Deveres a) Fixação das tarifas de comum acordo com o governo. b) Redução das tarifas tão logo seja atingido um patamar de rentabilidade a ser fixado de comum acordo com o governo. c) Não-emprego de escravos. d) Prazo para início da implantação do trecho concedido. e) Prazo para conclusão da implantação e início da operação do trecho concedido. f) Pagamento de multas no caso de inadimplência contratual. Tabela 10: Direitos e deveres dos concessionários pela Lei 641 A tabela 10 merece as seguintes considerações adicionais: • os juros, além de incidirem unicamente sobre o capital empregado na construção da via férrea, seriam pagos pelo governo quando os dividendos da empresa ferroviária atingissem um patamar de 8%, segundo uma escala de pagamentos em função da evolução dos referidos dividendos; • o impedimento de contratação de escravos deriva talvez do temor de que as ferrovias, no seu começo, fossem capazes, de um lado, de liberar escravos que trabalhavam no transporte de mercadorias através de um sem-número de tropas de mulas, e, de outro, apropriar-se dessa mão-de-obra excedente. Essa situação poderia, sem sombra de dúvida, inibir a vinda de capitais ingleses para o Brasil, especialmente depois da humilhante decretação do Bill Aberdeen, em agosto de 1845, que, diante da insistência brasileira em manter o escravagismo, concedia ao Almirantado inglês o direito de aprisionar navios negreiros, mesmo em águas territoriais brasileiras, e de julgar seus comandantes; • o governo imperial se reservava o direito de resgatar a concessão, mediante o devido ressarcimento ao concessionário, e também de fiscalizar e garantir a segurança do tráfego. Sob o manto da Lei 641 inicia-se o processo de construção de ferrovias. Os empreendimentos são essencialmente privados, com exceção por conta da E. F. D. Pedro II (posteriormente E. F. Central do Brasil), onde as desavenças do governo com o os 42 responsáveis pela empreitada tornaram-se incontornáveis, forçando a extinção da concessão. Logo no início desta fase, em 1854, os juros de 5% garantidos por essa lei são, em algumas províncias como Bahia (caso da E. F. Bahia ao São Francisco) e Pernambuco (caso da E. F. Recife ao São Francisco), elevados em 2%, com o respectivo pagamento a cargo desses entes. Essas ferrovias têm as províncias como poder concedente (Benévolo, 1953). Essa fase dura cerca de 40 anos, indo do ano de promulgação da Lei Feijó, de 1835, até a promulgação de legislação mais liberal em 1873/74. Considerado apenas o período que vai da inauguração da primeira ferrovia brasileira, em 1854, até a ampla liberalização do setor (1873/74), foram construídos cerca de 1.500km de vias, caracterizando assim uma expansão lenta do sistema ferroviário, com avanço de pouco menos de 80km/ano. Os investimentos externos no período 1860 – 1875 estão razoavelmente concentrados em ferrovias (34% do total), com predominância absoluta de capitais britânicos (94%), segundo dados de Castro (1974), citada em Dourado (1981). 2.2.4.2.2 Detalhamento da fase II (1873/74 – 1889) Essa fase começa com a promulgação da Lei 2450, de 24 de setembro de 1873, complementada pelo Decreto 5564, de 28 de fevereiro de 1874, que amplia e aperfeiçoa a Lei 641 antes dissecada. Pelos novos diplomas legais são introduzidas as seguintes modificações (tabela 11): 43 Tópico Concorrência pública Intermodalidade Lei 641 Não prevista (qualquer empreendedor poderia se candidatar e obter uma concessão ferroviária). Não prevista. Garantia de juros 5% sobre o capital empregado na construção, segundo uma escala de pagamentos e prazo definidos caso a caso. Capital máximo garantido Não previsto. Ressarcimento ao governo de juros ou subvenções pagos Fiança do Império a garantias provinciais Subvenção quilométrica Não previsto. Zona de privilégio Em zona com largura de 33km para cada lado do eixo da via, por 90 anos. Não prevista. Lavra de minas Não prevista. Não prevista. Participação acionária do governo Não prevista. Reversibilidade de bens Domicílio legal da empresa Gratuidades e descontos tarifários Modicidade tarifária. Não prevista. Livre. Não previstas. Não prevista. Lei 2450 / Decreto 5564 Instituído o princípio da concorrência pública no processo de concessionamento. Privilegia as concessões ferroviárias que se interliguem a hidrovias. 7% sobre o capital bona fide empregado na construção, pelo prazo máximo de 30 anos, a empresas que comprovassem receita líquida anual de 4% sobre o capital empregado. Fixado caso a caso para as concessões interprovinciais. Fixado em cem mil contos para a soma das concessões em cada província de que o império fosse avalista. Quando os dividendos superarem 8%, o Tesouro Nacional receberia um porcentual da receita líquida, crescente com o nível de dividendos. Até o limite de 7% para juros e até 20% para a subvenção quilométrica. Não excedente a 20% do capital empregado na construção da estrada, a ser pago à medida que a esta avance, alternativamente à garantia de juros. Mantida. Preferência, em igualdade de condições, para lavra de minas, na zona de privilégio. De até 20% do capital orçado para a construção, com o recebimento de dividendos somente quando a receita líquida tiver atingido 12%. Ao término do prazo contratual. No Império. Para deslocamentos de tropas militares, funcionários públicos, colonos, etc. Redução das tarifas quando os dividendos excederem a 12% em dois anos consecutivos. Fontes: Coruja JR. (1886) e Benévolo (1953) Tabela 11: Principais avanços introduzidos pelas legislações de 1873/74 Note-se, por oportuno, que a Lei Geral 2450 é na realidade uma repetição dos preceitos da Lei 2397, de 10 de setembro de 1873 (datada de alguns dias antes portanto), que tratava especificamente do concessionamento de uma ferrovia na província de São Pedro do Rio Grande do Sul (atual estado do Rio Grande do Sul). Essa legislação é complementada e atualizada pelo Decreto 6995, de 10 de agosto de 1878, que, dentre outras coisas, explicita alguns deveres e direitos do governo e do concessionário, restringe as subvenções e garantias no caso de alterações do projeto original, estabelece condições de caducidade, reduz de 30km para 20km a largura da zona de privilégio (para cada lado do eixo), fixa normas operacionais diversas, impõe as condições de resgate da concessão pelo governo, aumenta a participação do governo nos eventuais lucros da ferrovia (que cessa tão logo tenham sido embolsados os juros ou subvenções pagos), fixa a taxa de câmbio para o capital externo, etc. 44 Outro ponto notável deste último decreto é a instituição da arbitragem para solução de conflitos (algo recentemente reincorporado à ordem jurídica brasileira), da seguinte forma: • dirimição de dúvidas ou conflitos contratuais: três árbitros, sendo um de cada parte e um terceiro escolhido de comum acordo; • dirimição de dúvidas ou conflitos técnicos: quatro árbitros, dois de cada parte; • dirimição de direitos e deveres em geral: o mais antigo membro do Conselho de Estado. Essa fase vai de 1873 a 1889, ano da proclamação da República, quando há uma forte resistência governamental à continuação das garantias e subvenções, sobretudo da parte do novo ministro da Fazenda, Rui Barbosa. Além disso, como será visto no detalhamento da fase III, algumas ferrovias paulistas desistem da garantia de juros para não terem que partilhar lucros com os governos imperial e provincial. Contudo é inegável o crescimento da malha nesse período, que passa dos 1.500km da fase anterior para 9.900km, com empreendimentos essencialmente privados, perfazendo um avanço de mais de 500km/ano (contra cerca de 80km/ano da fase anterior), algo notável ainda hoje em dia, sobretudo diante dos padrões tecnológicos empregados na construção das ferrovias da época. Nessa fase inúmeras ferrovias destacam-se por sua rentabilidade, em especial as ligadas à cafeicultura, que proporcionam enorme lucratividade a seus acionistas. Os investimentos externos no período 1875 – 1885 estão fortemente concentrados em ferrovias (59% do total), com predominância absoluta de capitais britânicos (88%), segundo dados de Castro (1974), citado em Dourado (1981). Destaca-se, ainda, nesta fase II, o indiscutível papel que a cultura cafeeira trouxe ao desenvolvimento ferroviário, com a malha ferroviária paulista tendo alcançado 2.300km (23% do total) em 1889. Se a esse valor for acrescida quilometragem de muitas ferrovias em solo fluminense (o vale do Paraíba, na região de Vassouras era também importante pólo cafeicultor), muito provavelmente se chegaria a um valor de 40% da malha ferroviária brasileira gravitando ao redor desse produto agrícola, na passagem do Império para a República. 45 2.2.4.2.3 Detalhamento da fase III (1889 – 1930) Essa fase tem início com a proclamação da República, em 1889. A partir daí, vários fatos marcam o setor ferroviário de forma indelével, tornando esse período muito diferente dos anteriores. Diversos fatores contribuíram para esse novo cenário. Supersafras de café, ocorridas em 1896, 1901 e 1906, produziram um desastre. Em 1901, o Brasil produziu 16 milhões de sacas, quando o consumo mundial era de 15 milhões, tendo como resultado a queda nos preços do produto e a falência de muitos fazendeiros. Ademais, recursos do Tesouro Nacional foram utilizados para aquisição dos estoques de café a preços superiores aos de mercado, com claros reflexos nas finanças públicas (Bueno, 2003). Outro fator produtor de reflexos negativos na economia foi o fenômeno conhecido como encilhamento, tido por Bueno (2003) como um dos mais desastrosos deslizes da política econômica do Brasil em todos os tempos, fato que tem origem na equivocada atuação do primeiro ministro da Fazenda, Rui Barbosa. Em 1891, a especulação financeira atingiu níveis estratosféricos e redundou na falência de inúmeras empresas, desvalorização cambial e inflação. Ainda segundo aquele jornalista e historiador, a dívida externa, fruto dos eventos antes relatados, disparou e foi outro fator desestabilizador da economia, passando de 30 milhões de libras em 1890, para 44 milhões em 1900 e para 144 milhões em 1913. É claro que as ferrovias não poderiam atravessar essa crise incólumes, sobretudo diante do fato de que muitas estradas de ferro foram mal projetadas e mal construídas, desconectadas entre si, com bitolas diferentes, gerando um custeio elevado e apresentando déficit financeiro crônico, fruto principalmente de estudos de viabilidade econômica incorretos ou mesmo inexistentes (Telles, 1994). Segundo o jornal britânico The Economist, em sua edição de 25 de junho de 1898, apenas duas das cerca de doze empresas ferroviárias britânicas operando no Brasil apresentaram lucros e mesmo assim modestos (Topik, 1992). Esse mesmo autor sustenta que, em 1912, o working ratio (despesa sobre receita) das ferrovias era de 82%, passando para 98% em 1919. Portanto, como elemento marcante desta fase, já em termos ferroviários, tem-se, em primeiro lugar, a intervenção direta do governo no sistema ferroviário, com o resgate de ferrovias, antes privadas, que vinham obtendo maus resultados operacionais. Esse processo inicia-se com E. F. São Paulo e Rio de Janeiro, em 1890, prosseguindo com o resgate da E. 46 F. Dona Tereza Cristina (Santa Catarina) e E. F. Santa Maria ao Uruguai (Rio Grande do Sul), em 1903. Em seqüência, novas estatizações ocorrem, algumas delas mediante a aglutinação de pequenas ferrovias sob a forma de malha. Em 1911, pertenciam ao governo federal a E. F. Central do Brasil, a E. F. Oeste de Minas (MG), a E. F. Cruz Alta ao Ijuhy (RS), e a Rede Sul Mineira. O processo de estatização prossegue com a criação da Rede de Viação Cearense (1913) e da Rede de Viação Férrea da Bahia (1918). Essa aglutinação visou, de um lado, integrar pequenas ferrovias regionalmente procurando-se ganhos de escala, e, de outro, permitir o subsídio cruzado entre trechos mais rentáveis e menos rentáveis. Assim, várias ferrovias resgatadas passam então a ser administradas pelo governo e outras de maior potencial financeiro são arrendadas a empresas privadas. A situação da titularidade das ferrovias, nesta Fase III , é mostrada na tabela 12 (Topik, 1992). Ente Governo federal Governos estaduais Iniciativa privada Propriedade (%) 1889 1914 1930 34 53 59 08 09 66 39 32 Gestão operacional (%) 1889 1914 1930 34 18 29 2 23 66 80 48 Fonte: Topik (1992). Tabela 12: Titularidade e gestão operacional das ferrovias no período 1889 - 1930 Observa-se na tabela 12 um curioso fenômeno: embora a propriedade das ferrovias tenha sido paulatinamente assumida principalmente pelo governo federal através de resgates, esse fato não se verificou plenamente na gestão operacional. A explicação para tal fato advém dos arrendamentos de ferrovias encampadas a empresas privadas, que em geral envolviam redes regionais. A importância e as origens desse processo de arrendamento, que em 1914 abrangia mais de 40% de toda a malha ferroviária, não ficam contudo suficientemente claras sem que se recorra à questão da garantia de juros. Essas garantias alcançavam enormes somas, chegando a representar 30% do orçamento federal de 1898. As razões para o decréscimo das garantias de juros, em abrangência da malha e volume de recursos públicos a elas alocados, devem-se não somente às restrições de sua cessão a novas ferrovias, como principalmente ao fato de que em muitos casos era mais barato contrair um empréstimo externo para encampar uma ferrovia e em seguida arrendá-la à iniciativa privada, do que seguir pagando as referidas garantias. Como exemplo, tem-se que em 1906 47 o presidente Rodrigues Alves resgatou 2.135km de ferrovias privadas, com empréstimo inglês, cujos juros eram inferiores aos das garantias (7% em média), economizando 380.000 libras por ano (Topik, 1992). Note-se, porém, que nesta fase não foram eliminados subsídios a novas ferrovias. O Decreto 8.532, de 25 de janeiro de 1911, permite a concessão de subvenções quilométricas fixas (em função da bitola) para ferrovias ditas coloniais, destinadas a interligar pólos de imigração. Assim, como fato marcante desse período, tem-se a prática generalizada de emissão de apólices da dívida pública e a contração de empréstimos externos para resgate e financiamento dos orçamentos de capital e custeio das empresas ferroviárias do governo. A tabela 13 mostra a situação dos juros pagos por empréstimos feitos pelo Brasil para investimentos em ferrovias, fornecidos pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em 1928. Nessa mesma época, obrigações ferroviárias do governo pagavam aos investidores cerca de 7% a.a. (BFC, 1928). Data do empréstimo 1883 1895 1908-1909 1922 Discriminação Juros anuais (%) Vias férreas 4,5 E. F. Oeste de Minas 5,0 E. F. Itapura - Corumbá 5,0 E. F. Vitória a Minas 5,0 Fonte: BFC (1928). Tabela 13: Empréstimos externos do Brasil em 1928 Ainda com relação à garantia de juros, e em termos de fatos ferroviários marcantes da Fase III, tem-se um interessante movimento reverso de fluxo monetário, com o governo recebendo de volta os juros pagos a ferrovias muito rentáveis, como as de São Paulo. Por esse viés, algumas ferrovias paulistas, como a Santos a Jundiaí, a Paulista e a Mogiana desistem da garantia de juros, uma vez que suas altas rentabilidades as obrigavam a partilhar os lucros com o governo, a título de ressarcimento de garantias de juros já pagas. O caso da E. F. Santos a Jundiaí é exemplar nesse aspecto: inaugurada em 1867, necessitou de garantias até 1889, período a partir do qual a repartição de lucros com o governo, dos lucros excedentes a 8% como regia o contrato, tornou-se desinteressante. Até 1874, essa ferrovia recebeu dos cofres públicos o equivalente a 518.433 libras esterlinas; entretanto, de 1874 a 1889, pagou ao governo o equivalente a 934.457 libras esterlinas, gerando um saldo para as finanças públicas equivalente a 416.014 libras esterlinas. Esse 48 saldo foi rateado entre os governos provincial e imperial, na proporção de 5/7 e 2/7, respectivamente, tendo em vista que 5% da garantia de juros eram pagos pelo governo provincial e 2% dessa mesma garantia eram pagos pelo governo central (Benévolo, 1953). Outro mecanismo de financiamento interessante posto em prática nesta fase foi o derivado do Decreto 1.126, de 15 de dezembro de 1903, que permitia que o pagamento aos empreiteiros de ferrovias fosse feito através de títulos da dívida pública, remunerados a taxas de 5% a.a. em moeda corrente ou a 4% a.a. em ouro, com amortizações de 0,5% a.a., caso da E. F. Madeira – Mamoré, da E. F. Noroeste, etc. (Coimbra, 1974). Embora situados mais no campo político, porém intimamente relacionados à questão ferroviária, dois outros fatos são característicos desta Fase III: o nacionalismo e o sindicalismo. O nacionalismo, iniciado muitos anos antes, com os movimentos liberatórios do julgo português e depois com a independência, e consolidado nas campanhas militares para manutenção da unidade nacional, sobretudo com Caxias, e ainda animado pela Primeira Grande Guerra, volta-se contra a formação de oligopólios ferroviários, como os da Brazilian Railway (BR), Leopoldina Railway e Great Western, que no início do século XX chegaram a operar 60% da malha ferroviária brasileira, através de sucessivas fusões, aquisições e arrendamentos. O temor das práticas oligopolistas dessa empresas, juntamente com o começo dos investimentos estrangeiros em setores mais rentáveis da economia brasileira, como indústria e serviços públicos, tiveram papel importante no resgate de empresas no pós-guerra. O movimento sindical brasileiro, por sua vez, teve talvez sua primeira grande mobilização quando da recusa em se permitir que a E. F. Central do Brasil fosse arrendada à iniciativa privada, como queria o Marechal Deodoro. Esse movimento contagiou o congresso, constituído de cafeicultores que temiam a elevação das tarifas e postaram-se também contra a medida. O presidente, diante desse fato, fechou essa casa legislativa, tendo no entanto que enfrentar um movimento grevista de 14.000 ferroviários (que equivalia a cerca de 2/3 do efetivo das forças armadas), que acabou vencedor. Os investimentos externos no período 1886 – 1913 deixam de estar fortemente concentrados em ferrovias (variando entre 16 e 37% no período), com a predominância absoluta de capitais britânicos deixando de existir, fruto da entrada do capitalismo norteamericano em cena, segundo dados de Castro (1974), citada em Dourado (1981). 49 No período de 1889 a 1930 a malha ferroviária brasileira passa de 9.900km para 32.500km, num avanço de cerca de 450km/ano, semelhante portanto ao também notável ciclo evolutivo da Fase II (500km/ano). Um detalhado panorama das ferrovias em 1926 é mostrado na tabela 14 (Brazil Ferro-Carril, 1928). A Fase III encerra-se com a industrialização, sobretudo com um dos seus principais vetores: o rodoviarismo. Titularidade da União 23.474km (75%) Propriedade do governo federal 18.686km (60%) Administração Arrendadas direta ou indireta Estados Particulares 9.160km (29%) 4.244km (14%) 5.280km (17%) Titularidade dos Estados Concedidas 7.858km (25%) Administração Concedidas direta ou indireta 4.787km (15%) Com garantia de juros 2.335km (7%) Sem garantia de juros 2.451km (8%) 1.947km (6%) 5.910km (19%) Obs.: a) todos os percentuais referem-se ao total geral. b) n.d.: não disponível. Fonte: BFC(1928). Tabela 14: Situação institucional e empresarial das ferrovias brasileiras em 1926 2.2.4.2.4 Detalhamento da fase IV (1930 – 1960) Essa fase, na realidade, não começa exatamente com a Revolução de 30, mas um pouco antes, ainda no governo de Washington Luís, cuja lema era: “governar é abrir estradas”, de rodagem, porém. De qualquer modo, o ano de 1930 é tido por muitos autores (Barat, 1978; Dourado, 1981; David, 1985; e novamente Barat, 1991) como um marco temporal no declínio ferroviário nacional. Nessa fase, que vai desde 1930 a 1960, abrangendo a era Vargas e um breve período do pós-guerra, a malha ferroviária passa de 32.500km para um máximo de 38.340km, atingido no início dos anos 60 (Barat, 1991). Isso significou um avanço de apenas 170km/ano, contra os cerca de 500km/ano verificados nas Fases II e III, configurando o caráter de expansão lenta (relativamente às fases de maior expansão) explicitado na tabela 2, retro. Nesta Fase IV, praticamente todas as ferrovias que ainda restavam sob controle privado, seja sob a forma de concessão integral, seja pela de arrendamento, vão sendo absorvidas ou retomadas pelos governos federal e dos estados, em função de seus desempenhos financeiros inadequados. Está definitivamente estabelecida a competição 50 com o modo rodoviário, fruto não só de importantes e novos mecanismos de financiamento para expansão da malha viária, como também da importação de veículos em larga escala e da implantação da indústria automobilística (Geipot, 1980; p. 15). A tabela 15 ilustra o desenvolvimento desse sistema, em termos de expansão física (Ferreira Neto, 1974). Extensão da malha rodoviária Não-pavimentada Pavimentada 800 0 120.000 300 275.000 1.000 341.000 3.000 500.000 15.000 Ano 1922 1932 1942 1952 1962 Número de veículos 42.000 135.000 197.000 630.000 1.340.000 Fonte: Ferreira Neto (1974). Tabela 15: Expansão física do modo rodoviário As ferrovias não estavam preparadas para este tipo de competição, sobretudo com o caminhão, cujo número pula de 1.500 em 1930 para 400.000 em 1965. Os maus resultados financeiros vieram em seguida. A evolução das taxas de cobertura (receitas totais sobre despesas totais) nesta Fase IV está mostrada na figura 10, onde pode ser claramente vista a deterioração de suas finanças. Fonte: Elaboração do autor com base em IBGE (2003). Figura 10: Evolução da taxa de cobertura (%) É importante ressaltar que o decréscimo das taxas de cobertura financeiras se deu mesmo com o aumento da carga transportada, que variou de 19 milhões de toneladas em 1930 para 54 milhões de toneladas em 1964 (IBGE, 2003). Isso demonstra que, embora 51 transportassem mais, o caminhão transportava muito mais ainda (tabela 16), com grande avanço na carga geral, tradicionalmente de maior rentabilidade que as que permaneceram sendo tipicamente ferroviárias (granéis, produtos siderúrgicos, etc.), pelo seu maior valor agregado e pelo correspondente afretamento ad valorem. Ano Rodoviário 53,1 56,5 57,2 58,6 61,6 65,3 1953 1955 1957 1959 1961 1963 Ferroviário 21,7 18,4 18,2 19,1 17,5 16,5 Aeroviário 0,2 0,2 0,2 0,2 0,1 0,1 Hidroviário 25,0 25,6 24,4 22,1 21,1 15,2 Fonte: IBGE (2003). Tabela 16: Distribuição modal no período 1953 – 1963 (%) Em que pese, contudo, o novo ambiente concorrencial, as ferrovias conseguiram ampliar, ainda que de forma modesta, sua produção e extensão, em especial através de ligações estratégicas, destinadas à interligação norte-sul da malha. Essas novas vias, em especial o Tronco Principal Sul, conectando São Paulo ao Rio Grande do Sul, tinha por objetivo possibilitar a eventual movimentação de tropas rumo à fronteira com a Argentina, e também possibilitar uma alternativa à navegação de cabotagem, que teve diversos navios torpedeados por submarinos alemães durante a Segunda Guerra. Em paralelo, começaram os trabalhos de capacitação da E. F. Vitória a Minas, cuja construção teve início em 1903, e que passou a ganhar extraordinária importância para o escoamento de minério de ferro com a criação da Cia. Vale do Rio Doce, fruto dos acordos de Washington em 1942. Em 1957 é criada a Rede Ferroviária Federal S. A., fruto da absorção de 17 estradas de ferro de propriedade do governo federal, às quais se somariam, alguns anos depois, duas outras ferrovias sob controle do Estado do Rio Grande do Sul. O poder acionário dessa empresa é divido entre governo federal (87%), governos estaduais (10,2%) e municípios (2,6%), conforme Ferreira Neto (1974). Essa reorganização do setor, em busca de maior eficiência, foi fruto de estudos iniciados pela Comissão Brasil EstadosUnidos para o Desenvolvimento Econômico, de 1950. A RFFSA conseguiu imprimir padronizações técnicas e operacionais à sua malha, estabelecendo práticas que até hoje são utilizadas pelas concessionária que a sucederam. Do momento de sua criação (1957), quando passou a contar com em efetivo da ordem de 150.000 empregados, até o período de sua privatização (1996/1998), a RFFSA conseguiu 52 triplicar o volume de carga transportada e reduzir seu efetivo em um terço, denotando grande incremento de produtividade. Cabe ressaltar que foi na década de 50 que começaram as operações de crédito do então BNDE (criado em 1952 e hoje com a letra S em sua sigla) às ferrovias do governo federal, tendo esse processo se beneficiado inicialmente malhas regionais ou estradas importantes como a Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Rede de Viação Cearense, E. F. Central do Brasil e E. F. Leopoldina. Parte dos recursos foram aplicados já sob gestão da também recém-criada RFFSA. O descompasso entre receitas e despesas ferroviárias, contudo, prossegue, levando a um quadro de reorganização, tema da próxima fase. 2.2.4.2.5 Detalhamento da fase V (1960 – 1990) Na Fase V é posto em prática um audacioso plano de eliminação de ramais antieconômicos, iniciado com Jânio Quadros em 1960 e prosseguido pelo Regime Militar até a década de 80, que encolhe a malha da RFFSA em cerca de 8.000km, caracterizando assim uma retração generalizada (IBGE, 2003). No início desta Fase, entretanto, um ambicioso esquema de fortalecimento ferroviário chegou a ser concebido, com a Lei 4102, de 20 de julho de 1962, criando o Fundo Nacional de Investimentos Ferroviários – FNIF, composto por uma alíquota de 3% da receita tributária da União e das taxas de melhoramentos, estas últimas fruto do DL 7.632, de 1945, ratificado pelo Decreto 55.651, de 29 de janeiro de 1965. O Regime Militar, no entanto, modificou esse mecanismo (que não chegou a sequer a vigorar) com o DL 615, de 09 de setembro de 1969, que estabeleceu o Fundo Federal de Desenvolvimento Ferroviário, essencialmente composto pela participação da RFFSA no IUCLG (8%) e por 5% do imposto de importação, sendo que a primeira das fontes de recursos já havia sido prevista no DL 343, de 28 de dezembro de 1967, porém a título de aumento de capital da RFFSA. Essa situação mais uma vez seria alterada, em 1974, com a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento, canalizador de recursos anteriormente vinculados a aplicações setoriais (Barat, 1991). Posteriormente, em 1984, o DL 2178 transfere as dívidas da RFFSA para o tesouro nacional, juntamente com a transferência dos sistemas de trens 53 de subúrbio para a recém-criada Cia. Brasileira de Trens Urbanos – CBTU, lançando assim as bases para uma empresa auto-sustentável (Castro, 1999). Alguns vultosos empreendimentos de caráter seletivo são implantados, em especial aqueles ligados à exportação de minério de ferro ou ao Plano Siderúrgico Nacional, tais como a E. F. Carajás, a Ferrovia do Aço e a capacitação da E. F. Vitória a Minas. Para esta última, os investimentos iniciais incluíam não só uma capacitação para transporte de 20 milhões de toneladas, como modernização das minas do Quadrilátero Ferrífero e a construção do porto de Tubarão (Coelho e Setti, 2000). O Banco Mundial inicia sua participação no setor ferroviário de carga em 1970, ao apoiar o projeto de capacitação da RFFSA no transporte de minério de ferro da mineradora MBR, em Minas Gerais, atualmente feito pela MRS Logística (Cellier, 2002). Essa participação foi ampliada nas obras dos corredores de exportação do Paraná e de Minas Gerais, da mesma RFFSA, nos anos 80. Segundo Lacerda (2002), também o BNDES teve um ativo papel no fomento da atividade ferroviária. No final da década de 60, assinou-se acordo entre o BNDES e a RFFSA para realização de um programa de investimentos no triênio 1968-70, envolvendo R$ 400 milhões. O acordo foi renovado para o triênio 1971-73, com desembolsos de R$ 390 milhões. Ele possibilitou adquirir duzentos vagões para transporte de minério e 147 vagões graneleiros; esses últimos se destinavam a escoar safras agrícolas pela Viação Férrea do Rio Grande do Sul e pela Rede de Viação Paraná–Santa Catarina, mediante recursos próprios do BNDES e recursos do Fundo Especial de Desenvolvimento Agrícola (Fundag). A partir do final da década de 70, o BNDES passou a apoiar um extenso programa da RFFSA para recuperar e modernizar a malha ferroviária, com contrapartidas aos investimentos do BIRD nos corredores de exportação citados no parágrafo anterior e nas obras de conclusão da Ferrovia do Aço. Ainda segundo Lacerda (2002) também a Fepasa, criada em 1971 com a fusão de cinco ferrovias estaduais (Paulista, Sorocabana, Mogiana, Araraquara e São Paulo–Minas), recebeu financiamentos do BIRD e do BNDES para recuperação e modernização de sua malha. A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) obteve o primeiro financiamento do BNDES para obras ferroviárias em 1961, visando a adquirir trilhos e demais materiais para a E. F. Vitória a Minas. Nos anos 80, o BNDES financiou parcialmente a construção da Estrada de Ferro Carajás. 54 Em 1979, o DL 1.691, de 02 de agosto, destina todos os recursos do IUCLG (e também a arrecadação da taxa rodoviária única) a programas energéticos destinados a tornar o país menos vulnerável a crises de petróleo ocorridas alguns anos antes, como o Pró-Álcool, Programa de Desenvolvimento de Carvão, etc., enfraquecendo ainda mais a RFFSA. No final da década de 80, tanto a Fepasa quanto a RFFSA ficaram inadimplentes com o BNDES, em parte porque seus controladores (governo federal e estado de São Paulo), diante de crises financeiras, não puderam manter os pagamentos de normalização contábil (ressarcimento pelos cofres públicos de atividades não-lucrativas exercidas pelas ferrovias) previstos. Como conseqüência, o Banco interrompeu seus desembolsos, o que levou aquelas duas empresas a não mais terem capacidade de investimento. Destaca-se o fato de que nesta Fase V, a substituição de ramais antieconômicos por ferrovias transportadoras de minério de ferro susta o processo de declínio da participação modal da ferrovia, que obtém razoável acréscimo no período 1960 – 1990, ao variar de 18% para 23%, isto é, de 44 milhões para 215 milhões de toneladas, respectivamente (IBGE, 2003). O minério de ferro, sobretudo o de exportação, passa a ser o carro-chefe do transporte ferroviário, sendo responsável por quase 70% do total de cargas transportadas (Marques, 1996). Um resumo dos investimentos federais em rodovias e ferrovias, durante a Fase IV, a partir de detalhado levantamento de Ferreira e Malliagros (1999) é mostrado na figura 11. Fonte: Ferreira e Malliagros (1999). Figura 11: Investimentos federais 1960 - 1990 55 Os dados da figura 11 mostram que não seria correta a tese, comumente divulgada aliás, de que o governo federal teria preterido, de maneira desproporcional, as ferrovias em favor das rodovias. A soma de todos os investimentos rodoviários entre 1960 e 1990 (Fase IV) perfaz R$39,5 bilhões (base 1995), enquanto que o corresponde valor na área ferroviária monta a R$34,8 bilhões de reais (base 1995), implicando numa diferença inferior a apenas 14% em favor das rodovias. 2.2.4.2.6. Detalhamento da fase VI (1990 - ?) Esta fase, que se inicia em 1990, tem relação direta com o quadro econômico do de algumas décadas anteriores, da qual é expoente a de 1980 a 1990, tida por muitos economistas como a década perdida. Nos anos que antecedem esta Fase VI são observados inúmeros problemas econômicos estruturais, tais como o desequilíbrio das finanças públicas, a incapacidade privada de levar adiante projetos relevantes, crises de petróleo (a de 1973, elevando o barril de petróleo de U$ 2,5 para U$ 14; e a de 1979, quando o barril atinge US$ 35), moratória da dívida externa mexicana (em 1982, gerando aversão do capital externo ao risco de países emergentes), sucessivos planos econômicos (Plano Bresser, jun/87; Plano Verão, jan/89; Plano Collor I, abr/90; Plano Collor II, fev/91), altas taxas inflacionárias, etc. Esses problemas econômicos iriam influir de forma decisiva na reestruturação da maior parte dos serviços de infra-estrutura no Brasil. Na RFFSA, os explosivos déficits financeiros, crescentes a cada ano até o pico de 1985, decorreram da estrutura de sua estrutura de financiamento dos investimentos: em 1980, as operações de crédito participavam com 67% das aplicações; em 1984, estas ascenderam a 71%. Ainda no contexto das políticas monetárias do governo federal no combate à inflação, o controle dos níveis tarifários provocou verdadeira erosão dos preços praticados pelas ferrovias. A partir de 1982, isso ocasionou perdas reais nas receitas das empresas e, na RFFSA, ônus adicionais para o Tesouro. Nessa empresa, no transporte de cargas, recuperações dos preços médios por TKU havidas em 1984 e 1985 foram anuladas em 1986. Desde então os preços médios decresceram (Marques, 1996). Com base em dados desse último autor, mostra-se, através da figura 12, que as finanças da RFFSA eram críticas, como também as da Fepasa, esta última dificultada pela diminuição do transporte (7,3 bilhões de tku em 1985 para 6,4 bilhões de tku em 1994), enquanto que na RFFSA houve um ligeiro acréscimo da produção de transporte (37,2 56 bilhões de tku em 1985 para 39,5 bilhões de tku em 1994); demonstrando, neste último caso, que o aumento da produção, por si só, não foi capaz de reverter um grave quadro de degradação operacional. Fonte: Marques (1996). Figura 12: Coeficiente de exploração da RFFSA De acordo com Estachi et alli (2001), as obrigações de universalidade na prestação de serviços, quase sempre de motivação política enfraqueceram essas duas ferrovias, impedindo que nesses casos os fretes se situassem acima dos custos variáveis. O baixo nível de investimento e manutenção de vias e materiais rodantes tornaram-se sérios obstáculos à auto-sustentablidade. Em 1994, RFFSA e Fepasa obtiveram receitas de fretes bastante altas em termos continentais (4.7 e 6.7 centavos de dólar por tku, contra, por exemplo, 2,7 centavos de dólar por tku obtidos pela Conrail, norte-americana), refletindo fraca competição intramodal. Esses altos fretes, contudo, não estavam associados a uma posição financeira sólida, demandando no caso da RFFSA subsídios de mais de US$ 250 milhões/ano, e uma dívida (inclusive com fundos de pensão) de US$ 3 bilhões ao final de 1995. Ainda segundo Marques (1996), menção específica deve ser feita ao pesado endividamento da Fepasa, gerado pela tomada de recursos nas mais diversas modalidades de operações financeiras, nacionais e internacionais, para a implementação de projetos e aquisições de material rodante. A partir de 1982, entrou a Fepasa no ciclo infernal da rolagem da dívida, o qual exigiu desembolsos superiores a US$ 300 milhões anuais. Em dezembro de 1986, a dívida total apurada (principal, juros e encargos financeiros) atingiu US$ 1,8 bilhões, passando para US$ 2,7 bilhões em 1994. Essa dívida da Fepasa tinha uma configuração que, certamente, estava muito além da capacidade financeira da empresa para honrá-la. 57 Diante desse quadro, o governo Collor, buscando a maior participação do capital privado no financiamento e na gestão dos serviços de transporte, incluiu, pelo Decreto no 473/92, a RFFSA no Programa Nacional de Desestatização (PND), instituído pela Lei no 8 031/90, algo que em 1997 foi estendido à Fepasa, após sua federalização, porém já no governo Fernando Henrique Cardoso. O BNDES, como gestor do PND, contratou uma associação de consultores para estudar e formular o modelo de concessão. A RFFSA se viu dividida em seis malhas regionais: Malha Sudeste, Malha Centro-Leste, Malha Sul, Malha Oeste, Malha Nordeste e Ferrovia Tereza Cristina. O processo de transferência para a administração e operação privada teve início em 1996, com a concessão das malhas do sistema RFFSA, e terminou em 1999, com a concessão da Fepasa. No caso da CVRD, quando esta foi privatizada, transferiram-se também as concessões da malha da Vitória–Minas e da Carajás (Lacerda, 2002). Um resumo do processo de privatização é mostrado na tabela 16, a partir de dados de Estachi et alli (2001). Item Oeste Centro Leste Sudeste Tereza Cristina 20/09/96 01/12/96 3 MRS Logística (MRS) 22/11/96 01/02/97 1 Fer. Teresa Cristina (FTC) CSN, MBR e Usiminas Banco Interfinance, MGE e Sta. Lúcia 888,9 Leilão Transferência Proponentes Concessionária 05/03/1996 01/07/96 n.d. Fer. Novoeste (FNV) Principais acionistas Noel Group Preço mínimo (R$) Proposta vencedora (R$) Ágio (%) Pagamento a vista (% preço mínimo) Carência sobre o restante (anos) Parcelas restantes (trimestres) 60,2 14/06/96 01/09/96 2 Fer. Centro – Atlântica (FCA) Mineração Tacumã, Ralph Partners e Judori 316,9 62,4 316,9 3,5 10% Sul Nordeste Paulista 13/12/96 01/03/97 4 Ferrovia SulAtlântica (FSA) Ralph Partners e Judori 18/07/97 01/01/98 4 Cia. Fer. do Nordeste (CFN) CSN, ABS, Taquari e CVRD 10/11/98 01/01/99 2 Ferrovia Bandeirantes (Ferroban) CVRD 16,6 158,0 11,5 233,4 888,9 18,5 216,6 15,7 245,0 0 20% 0 30% 11,3 10% 37,1 20% 37,9 20% 4,9 20% 2 2 1 2 2 3 2 112 112 116 112 112 108 112 Fonte: Estachi et alli (2001). Tabela 16: Quadro-resumo do processo concessional brasileiro Esse quadro institucional sofreu substanciais alterações ao longo dos últimos anos, como por exemplo: 58 • a Ferrovia Novoeste - FNV, juntamente com parte mais central da Ferroban (antigas malhas da Paulista e da Araraquarense) e com a Ferronorte formaram o conglomerado Brasil Ferrovias, recentemente adquirido pela América Latina Logística - ALL; • a Ferrovia Centro – Leste, através de descruzamento de ações entre CSN e CVRD, e alteração no limite da participação acionária (20% originalmente), passou a ter esta última empresa como acionista majoritário; • a MRS Logística, em função da aquisição da MBR e da Ferteco pela CVRD, também passou a ter esta última como acionista majoritário; • a Ferrovia Sul-Atlântica passou a se denominar América Latina Logística – ALL, em função de aquisição de duas ferrovias argentinas (Ferrocarril Mesopotamico – FMGU e Buenos Aires al Pacífico – BAP; posteriormente, após associação com o transportador rodoviário Delara, do Paraná, teve sua denominação mudada para All-Delara; • a Cia. Ferroviária do Nordeste, através de descruzamento de ações entre CSN e CVRD, determinado pelo órgão regulador (ANTT), passou a ter a primeira dessas empresas como acionista majoritário; • a Ferroban cedeu boa parte de sua malha original, através de acordos operacionais, à ALL-Delara (antiga malha da Sorocabana) e à FCA (antiga malha da Mogiana), tendo sido incorporada à Brasil Ferrovias, e esta à ALL. O quadro atual mostra, portanto, uma forte participação da CVRD no setor ferroviário, controlando direta ou indiretamente a E. F. Carajás - EFC, a E. F. Vitória a Minas - EFVM, a Ferrovia Centro-Atlântica – FCA e a MRS Logística, que, juntas, respondem por 87% da produção nacional de transporte ferroviário de cargas (momento de transporte), de acordo com cálculos do autor com base em dados do SIADE (Sistema de Acompanhamento do Desempenho das Concessionárias), mantido pelo ministério dos Transportes. Com a forte demanda sobre o minério de ferro e as expressivas encomendas de vagões da CVRD nos mercados interno e externo, de 2.782 vagões e 105 locomotivas em 2002 e de 2.370 vagões em 2003 (RF, 2003), a tendência é que a participação dessa empresa rapidamente ultrapasse o patamar de 90% do transporte ferroviário no país. Com esse processo de fusões e aquisições, espera-se a redução da inadimplência de algumas ferrovias, em termos de produção de transporte ou de redução de acidentes, itens de controle de desempenho contratuais, como a Ferrovia Novoeste, a Ferrovia Centro-Atlântica, a Cia. Ferroviária do Nordeste e as Ferrovias Paraná (Ferroeste). 59 A essa questão da inadimplência deve se somar ainda outro problema igualmente agudo, o do abandono ou supressão do tráfego em trechos de baixa densidade de tráfego, que segundo Toller-Gomes (2003) atingia 7.000km de linhas, ou cerca de 30% da malha concedida, extensão que equivale a da supressão de ramais antieconômicos da Fase V. O principal agente de financiamento do setor ferroviário privado vem sendo o BNDES, existindo porém restrições desse banco à liberação de mais recursos pela falta de garantias dos concessionários, uma vez que a quase totalidade dos bens operacionais dessas empresas são reversíveis à União findo o prazo concessional. 2.3 RESUMO Forjadas na revolução industrial do século XIX, as ferrovias de uma forma geral e as de carga de maneira específica, assim como inúmeros produtos fabris, apresentam um ciclo vital formado por nascimento (introdução), crescimento, estagnação e declínio. Seu vigoroso crescimento, que propiciou a existência de uma malha de cerca de 1.600.000 km em 1917, teve como pilar central a existência de tração mecânica (locomotiva a vapor) para o transporte terrestre, em substituição à tração animal. A estagnação e o declínio das ferrovias de carga, dentre outros motivos, foram grandemente abaladas por dois fatores básicos: • o surgimento dos veículos rodoviários no século XX, que revolucionou a mobilidade de cargas e pessoas, tal qual a ferrovia o fizera no século XIX; • os maus resultados financeiros da gestão ferroviária, fruto do processo anárquico com que as ferrovias foram implantadas, muitas vezes fomentado pelo único objetivo de ganho capitalista com a implantação e não com a exploração do serviço ferroviário propriamente dito (Santos, 2008). Na América do Norte, o desenvolvimento ferroviário foi fortemente impulsionado pelo capital privado, muito embora o setor público tenha tido relevante participação através do instituto da concessão de terras. No final do século XX, observaram-se nos EUA, Canadá e México fortes movimentos empresariais de privatizações (FNM – México e Canadian National – Canadá), fusões, aquisições e criação de regional e shortlines. Esse continente permanece como possuidor dos mais importantes sistemas ferroviários, seja em volume de transporte, seja na partição modal, seja ainda no desenvolvimento tecnológico a tais sistemas incorporado. 60 Na Comunidade Européia, berço do desenvolvimento ferroviário, as operadoras de carga registram decrescente participação no mercado, existindo até mesmo o temor de venham a desaparecer. Nesse sentido, um amplo programa de reestruturação vem sendo posto em prática, envolvendo a privatização (Grã-Bretanha, Leste Europeu), a interoperalidade (bitolas, voltagem da energia de tração etc.), a intermodalidade e a segregação da infra-estrutura. Na Ásia e Oceania, o intenso desenvolvimento ferroviário dos século XIX e da primeira metade do século XX deu também lugar a um quadro geral de declínio, observamse atualmente apenas expansões na malha chinesa. Outros países, como Austrália, Nova Zelândia e Japão, deram grande ênfase à privatização e à segregação da infra-estrutura, esta sobretudo nos países anglófilos. Na América do Sul, Brasil e Argentina, como as duas maiores economias, foram os que obtiveram maior adesão do capital externo aos projetos de expansão e suas malhas no século XIX e início do século XX. No caso brasileiro, os mecanismos da garantia de juros e da subvenção quilométrica alavancaram fortemente a construção de novas linhas, tendo o Império construído cerca de 9.500 km de trilhos em menos de duas décadas. Esses dois países, possuidores das maiores malhas do continente, estatizaram suas ferrovias nas primeiras seis décadas do século XX, e deram curso a um amplo programa de privatização no final desse mesmo século, contemplando a existência de malhas regionais verticalizadas. Nesses países observam-se atualmente fortes movimentos de consolidação acionária das concessionárias. Em todo o levantamento bibliográfico feito neste capítulo fica patente a necessidade de medidas reestruturadoras por parte de governos e também das operadoras ferroviárias, de sorte a permitir, às ferrovias de carga, melhores condições de competição no mercado e pelo mercado. 61 3 OS PROCESSOS DE REESTRUTURAÇÃO 3.1 PRELIMINARES No capítulo 2, os processos de reestruturação ferroviária foram citados, de maneira superficial e segmentada, já que o objetivo era a descrição da evolução da ferrovia através dos tempos. Nesse capítulo, ao contrário, é feita uma análise mais profunda e consolidada desses processos. A competição gerada pela industrialização levou à necessidade de serviços de transporte mais confiáveis, rápidos e flexíveis, este último requisito envolvendo principalmente rotas e oferta. Dessa maneira, o acréscimo de demanda e as novas necessidades logísticas impuseram enorme pressão no sistema de transportes, redundando numa natural ascensão do rodoviarismo, e de um correspondente declínio da ferrovia, sobretudo o de carga, tema básico deste trabalho. As razões desse declínio, para o caso da carga, vistas de modo sintético por Pietrantonio e Pelkmans (2004) para a Europa Ocidental, são mostradas na tabela 17. Tipicidade Justificativas • Razões exógenas Transformação da indústria: o de grandes estoques para processos just-in-time; o de grandes volumes com baixo valor agregado para pequenos volumes de alto valor agregado. Razões endógenas • Desenvolvimento do rodoviarismo. • Limitada atenção às necessidades dos clientes. • Baixa confiabilidade do serviço de transporte. • Flexibilidade limitada na intermodalidade. • Fragmentação do serviço de transporte nas fronteiras dos países; • Ausência de cabotagem* além das fronteiras dos países. • Falta de transitários de carga (freight forwarders) para otimização da cadeia logística. • Prioridades de tráfego alocadas ao transporte de passageiro sem justificativa econômica. • Falta de informações sobre a carga em trânsito. • Estrutura de custos não transparente, dificultando as análises de rentabilidade dos fluxos de transporte. Fonte: Pietrantonio e Pelkmans (2004). Tabela 17: Causas básicas do declínio ferroviário 62 O declínio ferroviário ou mesmo a sua estagnação afetou sobretudo o crescimento de países em vias de desenvolvimento, sendo claro demonstrativo disso o nível de estoques nesses países ser, em média, de duas a três vezes superior ao dos países industrializados (Guasch e Kogan, 2001). O peso dos déficits públicos gerados pelas ferrovias administradas pelos estados e a competição imposta pelos outros modos de transporte, aliados a uma forte tendência liberalizante na economia, redundaram, no final do século XX e início do século XXI, em diversas medidas reestruturadoras, que por seu turno geraram um novo arcabouço institucional condensado na tabela 18. Nessa tabela despontam os seguintes conceitos: • geometria verticalizada: concentra as funções de operação e gestão da infra-estrutura em que opera, numa estrutura monolítica; • geometria semi-verticalizada: onde os operadores não possuem infra-estrutura e circulam nas vias de terceiros. O acesso a essas vias é mandatório, via regulação, muito embora essas continuem a ser geridas por um operador dominante. Na terminologia inglesa essa situação é denominada de third part access regime ou competitive access. Há uma diferença fundamental em relação ao denominado direito de passagem no Brasil, que na maior parte dos caso é fruto de acordo voluntário entre empresas, e também frente ao open access, a seguir descrito; • geometria horizontalizada: em que a infra-estrutura é segregada da operação, e o acesso é em princípio liberado a qualquer operador, desde que cumpridas exigências técnicas e financeiras. Essa situação é conhecida na língua inglesa como unblunding ou open access. 63 Envolvimento do setor privado Departamento governamental • • Empresa pública • Empresa privada monopolista ou oligopolista • Empresa privada pulverizada • Geometria organizacional dos operadores Verticalizada Semi-verticalizada Horizontalizada Índia, Rússia e China (ministérios) Hungria, Tailândia e Macedônia Europa Oriental, • Amtrack • Europa Chile (EFE) e (EUA),Via Rail Ocidental Austrália* (Canadá) e (exceto GrãConcor (Índia) Bretanha) EUA (Classe I), • Japão (carga) • Grã-Bretanha Canadá (CN e (EW&S), Chile CP), Brasil, (Fepasa), Argentina, Austrália* e México, Peru, Nova Zelândia Guatemala, Bolívia, Chile (Ferronor e FCAB), Panamá, Japão (passageiro), Austrália* e África** EUA e Canadá • Grã-Bretanha (linhas curtas) (passageiro) Obs.: a) Como o caso australiano comporta inúmeras situações, recomenda-se consultar a tabela 6 do capítulo 2. b) Os países africanos que recentemente privatizaram suas ferrovias são: Camarões, Gabão, Costa do Marfim, Madagascar, Malawi, Máli, Moçambique, Quênia, Senegal, Togo, Uganda, Zâmbia. Dezenas de processos privacionistas planejados ou em curso. Fonte: Pesquisa do autor, com base em Kessides (2004). Tabela 18: Arranjos institucionais dos operadores ferroviários Não constam da tabela 18 o arranjo institucional dos gestores da infra-estrutura, caso do acesso livre (open access), posto que esses são atualmente empresas públicas, após as malogradas experiências com gestores privados na Grã-Bretanha (Railtrack) e da Nova Zelândia (New Zealand Rail Limited). Da tabela 18 resultam três macroprocessos reestruturadores principais: • oligopolização/pulverização; • privatização; 64 • segregação da infra-estrutura: acesso mandatório em linha gerida por operador dominante (competitive access) e acesso livre (open access) em linha gerida por empresa de propósito específico. Cada um desses macroprocessos reestruturadores será detalhado em seguida, acompanhado da descrição dos mecanismos regulatórios que possibilitaram sua implementação. 3.2 OLIGOPOLIZAÇÃO E PULVERIZAÇÃO 3.2.1 Oligopolização (Fusões e Aquisições) No final do século XX e início do século XXI, presenciou-se uma onda de fusões e aquisições ferroviárias em vários países do continente americano. Embora essa questão não seja nova no transporte sobre trilhos, as consolidações ocorridas impressionaram pelo vulto e pela celeridade: num curto espaço de tempo o controle acionário milhares de quilômetros de vias férreas trocou de mãos. As fusões e aquisições são em geral do tipo end-to-end, que envolvem dois transportadores ferroviários atuando em regiões distintas, conectando-se em alguns poucos pontos, sem, portanto, significativo paralelismo de linhas. Os motivos econômicos que levam a esse processo de fusões e aquisições são diretamente ligados à economia de escala, quando: • o custo total de uma firma em produzir um determinado produto/serviço é menor do que o somatório do custo total de duas ou mais firmas em produzirem este mesmo produto/serviço; ou, alternativamente, • a expansão da capacidade de produção de uma firma ou indústria causa um aumento dos custos totais de produção menor que, proporcionalmente, os do produto. Como resultado, os custos médios de produção caem, a longo prazo. Na região do NAFTA (North American Free Trade Agreement) esse processo de aquisições e fusões compreendeu os arranjos comerciais mostrados na tabela 19. 65 Ano 1976 1982 1982 1982 1985 1987 1988 1988 1992 1995 1995 1996 1997 1998 1998 1998 2001 2001 2003 2003 Ferrovias intervenientes Central Railroad of New Jersey (EUA), Erie Lackawanna Railroad (EUA), Lehigh and Hudson River Railway (EUA), Lehigh Valley Railroad (EUA), Penn Central (EUA) e Reading Railroad (EUA) Louisville and Nashville Railroad (EUA) e Seaboard Coast Line Railroad (EUA) Norfolk and Western Railroad e Southern Railway (EUA) Western Pacific Railroad e Missouri Pacific Railroad (EUA) Milwaukee Road e Soo Line Railroad (EUA) Baltimore and Ohio Railroad (EUA), Chesapeake and Ohio Railway (EUA) e Seaboard System Railroad (EUA) Denver and Rio Grande Western Railroad (EUA) e Southern Pacific Railroad (EUA) Missouri-Kansas-Texas Railroad (EUA) e Union Pacific Railroad (EUA) Soo Line Railroad (EUA) e Chicago and North Western Railway (EUA) e Union Pacific Railroad (EUA) Atchison, Topeka and Santa Fe Railway e Burlington Northern Railroad (EUA) Southern Pacific Railroad e Union Pacific Railroad Ferrocarriles Nacionales de Mexico - parte privatizada (MX) e Kansas City Southern Railroad (EUA) a) Conrail (42%) (EUA) e CSX Transportation (EUA) b) Conrail (58%) (EUA) e Norfolk Southern Railroad (EUA) Illinois Central Railroad e Canadian National Railway Ferrocarriles Nacionales de Mexico - parte privatizada (MX) e Union Pacific Railroad (EUA) Illinois Central Railroad (EUA) e Canadian National Railway (CA) Wisconsin Central Railroad (EUA), Algona Central Railway (CA) e Canadian National Railway (CA) British Columbia Rail (CA) e Canadian National Railway (CA) Great Lakes Transportation (EUA/CA) e Canadian National Railway (CA) Ferrovia resultante/dominante Conrail (EUA) Seaboard System Railroad (EUA) Norfolk Southern Railroad (EUA) Union Pacific Railroad (EUA) Soo Line Railroad (EUA) CSX Transportation (EUA) Southern Pacific Railroad (EUA) Union Pacific Railroad (EUA) Canadian Pacific Railway (CA) Union Pacific Railroad (EUA) Burlington Northern and Santa Fe Railway (EUA) Union Pacific Railroad (EUA) Kansas City Southern de Mexico (MX/EUA) a) CSX Transportation (EUA) b) Norfolk Southern Railroad (EUA) Canadian National Railway Ferrocarril Mexicano (MX/EUA) Canadian National Railway (CA) Canadian National Railway (CA) Canadian National Railway (CA) Canadian National Railway (CA) Fonte: Dados compilados pelo autor nos sítios das ferrovias. Tabela 19: Fusões e aquisições ferroviárias recentes na área do NAFTA Nos EUA, o processo de concentração do setor ferroviário foi acelerado por uma série de medidas de desregulamentação do setor, consolidadas através do Railroad Revitalization and Regulatory Reform Act, de 1976, e do Stagger´s Rail Act, de 1980. 66 No Canadá, a oligopolização do setor não é fato novo, existindo desde o século XIX. Contudo, as relativamente recentes aquisições de ferrovias norte-americanas pelas canadenses foram facilitadas pelos atos regulatórios citados no parágrafo anterior. Na região do Mercosul esse processo de aquisições e fusões também prosperou. No caos brasileiro, após a desestatização do setor ferroviário de cargas, fruto do Programa Nacional de Desestatização - PND, a maioria das concessões ferroviárias brasileiras, por conta desse processo, acabou ficando basicamente sob o controle de três grandes grupos empresariais. O primeiro grupo, e de longe o mais importante em termos de produção de transporte, é a Cia. Vale do Rio Doce - CVRD, maior produtora e exportadora mundial de minério em Pelotas, e uma das principais produtoras mundiais de manganês e ligas de ferro. A CVRD controla a Estrada e Ferro Carajás e a Estada de Ferro Vitória-Minas, que ligam as regiões produtoras de minério de Carajás e Minas Gerais aos portos de São Luís e Tubarão, respectivamente. Essa empresa também adquiriu o controle da Ferrovia CentroAtlântica - FCA, na região centro-leste do país e tornou-se indiretamente acionista majoritária da MRS Logística, no triângulo econômico Minas Gerais – Rio de Janeiro – São Paulo. O segundo grupo é formado por Taquari Participações e Cia. Siderúrgica Nacional, com o grupo Vicunha sendo o virtual mandatário dessas últimas. Esse grupo controla a Cia. Ferroviária do Nordeste – CFN, que passará por um profundo processo de rearranjo de fluxos de transporte com a construção da Ferrovia Nova Transnordestina. O terceiro grupo é constituído por diversos acionistas, sendo o de maior peso o grupo Garantia. Este grupo detém as seguintes concessões: • malha sul da antiga Rede Ferroviária Federal, inicialmente denominada de Ferrovia Sul Atlântico – FSA e depois América Latina Logística – ALL; • malhas centro-oeste e paulista, da antiga Rede Ferroviária Federal, posteriormente denominadas de Ferrovia Novoeste e Ferrovia Bandeirantes (Ferroban); • Ferrovia Norte Brasil (Ferronorte), nos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso; • Ferrocarril Buenos Aires al Pacífico, da antiga Ferrocarriles Argentinos; • Ferrocarril Mesopotâmico General Urquiza, da antiga Ferrocarriles Argentinos. Os processos de fusões e aquisições envolvem, em sua totalidade, empresas verticalmente integradas, isto é, ferrovias que operam e mantém suas vias permanentes. 67 3.2.2 Cisões sem Segregação da Infra-Estrutura Em movimento em sentido contrário ao das fusões e aquisições, porém diretamente correlacionado a este, tem-se as cisões sem segregação da infra-estrutura, situação que tem gerado o surgimento de pequenas ferrovias, também denominadas de short lines ou linhas curtas, de caráter arterial, que, portanto, alimentam e são alimentadas pelas ferrovias de maior porte. Esse processo reestruturador é também formado por empresas verticalmente integradas, muito embora seja intenso o processo de terceirização de serviços, em especial a manutenção do material rodante, já que as linhas curtas não possuem volume de serviços que justifique a existência de oficinas de locomotivas, por exemplo. O processo de formação das linhas curtas é mais intenso nos EUA e Canadá, sendo em grande parte derivado da assunção, por pequenas empresas, de segmentos ferroviários considerados pouco rentáveis pelas grandes ferrovias. Nos EUA, o processo de surgimento das linhas curtas foi acelerado por uma série de medidas de desregulamentação do setor, consolidadas através do Railroad Revitalization and Regulatory Reform Act, de 1976, e do Stagger´s Rail Act, de 1980. Note-se que essa desregulamentação visou, primariamente, o fortalecimento das grandes ferrovias, muitas delas falidas ou em situação pré-falimentar na década de 70 (século XX), sendo a criação das short lines um subproduto de uma ação maior: o abandono de ramais antieconômicos pelas grandes ferrovias. Observe-se que como resultado de uma ação reguladora tida como demasiadamente rígida e da concorrência imposta principalmente pelo modo rodoviário, após a segunda guerra mundial, as ferrovias norte-americanas enfrentaram sérias dificuldades financeiras, algumas delas tornando-se insolventes e indo à bancarrota. O processo de desregulamentação, citado no parágrafo precedente, foi a alternativa encontrada pelos EUA para evitar a estatização e a existência de subsídios ao setor ferroviário, privado desde sua origem. Os princípios básicos dessa desregulamentação são bastante simples: as ferrovias podem agir como qualquer outra empresa privada, gerenciando seus ativos da forma que melhor lhes convier e estabelecer livremente as tarifas para seus serviços. Segundo ASLRRA (2004), o panorama do setor de linhas curtas e regionais nos EUA é o mostrado na tabela 20 e figura 13, para as quais é pertinente o seguinte glossário: 68 • ferrovia local (classe III): possui menos de 350 milhas de linhas férreas e tem receita anual inferior a US$ 40 milhões; • ferrovia regional (classe II): possui ao menos 350 milhas de linhas férreas e tem receita anual inferior entre US$ 40 milhões e US$ 270 milhões (este último limite a partir do qual a ferrovia é considerada classe I); • operador de pátio e terminal ferroviário: atua na recepção, triagem, decomposição, carga, descarga e recomposição de trens em pátios e terminais ferroviários pertencentes a terceiros. Tipo de operador Local Quantidade 309 Regional Milhas operadas 21.855 Empregados 5.102 31 17.073 7.807 Pátio e terminal 205 7.546 6.779 Total 545 46.474 19.688 Fonte: ASLRRA (2004). Tabela 20: Panorama das ferrovias locais e regionais nos EUA Fonte: ASRRLA (2004). Figura 13: Proprietários das ferrovias locais e regionais nos EUA 69 Já no caso canadense, o Canadian Transportation Act, de 1996, fortemente influenciado pelo Stagger´s Act norte-americano, contém diversas medidas liberalizantes, que permitem as consolidações e desconsolidações empresariais, além de disposições para facilitar a resolução de disputas entre clientes e transportadores, ou para proteção de determinado segmento contra práticas abusivas por parte das ferrovias. Além do estímulo oriundo da possibilidade de abandono de trecho pelas grandes ferrovias, a existência de pequenas ferrovias no Canadá é também facilitada por um mecanismo regulatório de proteção ao cliente ferroviário, denominado Tarifas de Linha Competitiva (Competitive Line Rates - CLR), aplicável quando (Castello Branco e Orrico Filho, 2005): • um cliente tem acesso apenas a uma ferrovia, na origem ou no destino de seu fluxo; e • o transporte entre origem e destino é feito de modo integrado por dois ou mais transportadores. Nessas circunstâncias, o cliente pode solicitar à ferrovia que forneça uma tarifa competitiva para transporte, conforme o caso: • entre a origem e o ponto de intercâmbio (entre duas ferrovias) ou transbordo (entre dois modos) mais próximo; ou • ponto de intercâmbio/transbordo mais próximo ao destino e este. A ferrovia deverá fornecer a tarifa para execução do trecho inicial ou final da cadeia de transporte, mesmo que seja capaz de operar todo o trajeto entre origem e destino, não estando incluídos no mecanismo CLR o transporte ferroviário de contêineres, semireboques rodoviários e de vagões sem lotação total. A máxima extensão para aplicação da CLR é de 50% do total da quilometragem ferroviária entre a origem e o destino ou 1.200km, a que for maior. Caso solicitado pelo cliente, o órgão regulador (CTA) deverá, num prazo máximo de 45 dias, emitir parecer acerca dos seguintes tópicos: • valor da tarifa apresentada pela ferrovia para operação do segmento inicial ou final da cadeia de transporte em discussão, que não poderá ser inferior a seus custos variáveis; • percurso do transporte entre origem e destino; • designação dos pontos de intercâmbio; • modus operandi da ferrovia. 70 Segundo Transport Canada (2005), atualmente o Canadá possui cerca 48 ferrovias locais e regionais, 36 das quais surgidas após o Canadian Transportation Act, de 1996. Essas ferrovias operam 12.871 km de linhas férreas, devendo a esse total serem adicionados 835 km, geridos por operadores de pátios e terminais. 3.3 PRIVATIZAÇÕES No século XIX, começo do desenvolvimento ferroviário, significativa parcela dos empreendimentos foi implementada com capitais privados. Com o decorrer do tempo, já sob a influência da industrialização e do rodoviarismo, ocorreu uma grande estatização do setor, sobretudo após a Primeira Grande Guerra, com a notável exceção das ferrovias norte-americanas. No final do século XX, ocorre um retorno às origens, com o processo de privatização constituindo-se num poderoso instrumento reestruturador, rompendo muitas das amarras burocráticas que engessavam as ferrovias estatais. São muitas as formas de participação do setor privado na área ferroviária, sob diferentes denominações: terceirização, contrato de gestão, arrendamento, franquia, concessão etc. A figura 14 ilustra o espectro crescente de participação privada, segundo Shaw et alli (1996). Empresa ou ente público Terceirização Contrato de gestão Concessões Build, own and operate - BOO Transferência de incumbência através de licença Leasing / affermage Franquia Concessão (inclui Build, operate and transfer - BOT Transferência de incumbência através venda Fonte: Shaw et alli (1996). Figura 14: Espectro crescente da participação privada no setor ferroviário 71 Segundo aqueles autores, o termo "concessões" abrange três formas de participação privada: affermage, franquia e concessão propriamente dita. Nesses casos existem os seguintes aspectos em comum: • o governo define e garante direitos exclusivos a uma empresa privada; • o prazo concessional é fixo (variando entre 5 e 50 anos); • o espaço geográfico de atuação da empresa privada é delimitado; • o risco do negócio é, implicita ou explicitamente, definido no contrato de concessão. As distinções entre os diversos tipos de concessão são as seguintes: • affermage ou leasing: o operador privado aluga o equipamento e a infra-estrutura, assumindo algum risco comercial e tomando as principais decisões e marketing; • franquia: o operador privado oferta o serviço ferroviário da forma prescrita pelo governo, assumindo parte do risco comercial e arcando com o custo do investimento. A autoridade franqueadora retém o poder de decisão em muitos aspectos operacionais, como marketing; • concessão propriamente dita: o operador privado arca com o investimento e com o risco comercial. Os acordos relativos a obras e serviços envolvem a construção ou reabilitação de itens diversos e a operação do sistema ferroviário por um dado período. A seguir é apresentado um panorama das privatizações em todo o mundo, notando-se que a América Latina é, sem sombra de dúvida, a região onde esse processo reestruturador mais prosperou, seja pelo número de países e ferrovias envolvidos, seja pela pujança dos sistemas privatizados. Ressalte-se que Ratton Neto (2000) sustenta que o processo de privatização foi adotado, de forma pragmática pelos diversos governos, em virtude da falência do modelo de exploração estatal, fruto, em primeiro lugar, da incapacidade dos governos de constituírem políticas empresariais para suas ferrovias, e, em segundo lugar, pelo não cumprimento de suas obrigações financeiras com as empresas ferroviárias É importante notar que nesse panorama só estão consideradas as privatizações envolvendo empresas verticalmente integradas, já que a privatização com segregação da infra-estrutura está sendo abordada no subitem que se segue. Em adição, só estão sendo aqui consideradas as ferrovias de carga e as de passageiros de média e longa distâncias, estando excluído o transporte urbano sobre trilhos. 72 No caso brasileiro, o processo de concessionamento ao setor privado foi alavancado pela lei n.º 8.031/90, de 12/04/90, e suas alterações posteriores, que instituiu o Programa Nacional de Desestatização - PND. O processo de desestatização do setor ferroviário foi iniciado em 10/03/92, a partir da inclusão da Rede Ferroviária Federal S.A. RFFSA no PND, pelo Decreto n.º 473/92. Os resultados da privatização na América Latina são alentadores, como bem demonstram os resultados dos momentos de transporte (t x km) da figura 15. Observa-se nesse gráfico a permanente evolução da produção de transporte no período pósprivatização, superior à do período pré-privatização, com exceção do Peru e da Colômbia, sendo que este último se encontra em guerra civil. Ainda assim, nesses últimos paises, foi recuperado o patamar de transporte do ano-base (1985). O rol das privatizações nesse continente é mostrado na tabela 21. Observações: a) ano-base: 1985 (índice 100). b) números entre parênteses na legenda significam o ano do início do processo de privatização. Fonte: Sharp (2005) Figura 15: Evolução da produção de transporte na América Latina (t útil x km) 73 País Argentina Sistema, malha ou segmento ferroviário Rosario-Bahia Blanca Mitre Roca San Martin Urquiza Subtotal Argentina Bolívia Andina Oriental Subtotal Bolívia Oeste Centro-Leste Sudeste Teresa Cristina Brasil Sul Paulista Vitória a Minas Carajás Nordeste Subtotal Brasil Central Chile Setentrional Arica-La Paz Subtotal Chile Colômbia Red Ferrea del Atlantico Red Ferrea del Pacifico México Panamá Nordeste Terminal da Cidade do México Pacífico Norte Ojinanga-Topolobango Coahila-Durango Sudeste Chiapas-Mayab Sudeste - Linha Curta Nacozari Ferrocarril de Panamá Concessionário Data da concessão Ferroexpresso Pampeano Nuevo Central Argentino Ferrosur Roca Buenos Aires al Pacifico1 Ferrocarril Mesopotamico1 1991 1992 1993 1993 1993 Ferroviaria Andina Ferroviaria Oriental 1996 1996 Ferrovia Novoeste1 Ferrovia Centro-Atlântico MRS Logística Tereza Cristina Ferrovia Sul Atlântico1 Ferrovias Bandeirantes1 Cia. Vale do Rio Doce Cia. Vale do Rio Doce Cia. Ferroviária do Nordeste 1996 1996 1996 1997 1997 1997 1997 1997 1998 Empresa Ferrocarril del Pacifico Ferrocarril del Norte Ferrocarril de Arica a La Paz 1995 1996 1997 Ferrocarril Carriles del Norte de Colombia Tren do Occidente Subtotal Colômbia Transportacion Ferroviaria Mexicana 1996 Terminal Ferroviaria del Valle de 1996 México Ferrocarril Mexicano 1997 Ferrocarril Mexicano 1997 GAN/Peñoles 1997 Ferrocarril del Sureste 1998 Unidad Ferroviaria Chiapas-Mayab 1999 Ferrocarril Mexicano 1999 Ferrovias Nordeste2 2000 Subtotal México Panama Canal Railway Company Subtotal Panamá Subtotal América Latina Extensão das linhas (km) 5.163 4.520 4.791 5.493 2.751 22.718 2.274 1.424 3.698 1.621 7.080 1.674 164 6.586 4.236 898 892 4.534 27.685 2.379 2.229 206 4.184 1.493 121 1.302 4.283 297 7.164 943 974 1.479 1.550 320 71 17.081 75 75 60.903 (1) Atualmente América Latina Logística. (2) Concessão a estado. Fontes: Castro (1999), Castro (2002) e Sharp (2005). Tabela 21: Privatizações ferroviárias na América Latina No caso brasileiro, existem dois parâmetros básicos que controlam o desempenho das concessionárias: um, de caráter qualitativo (e inconsistente, pois trens mais longos ao invés de curtos tendem a afetar seu valor), refletido pelo número relativo de acidentes (acidentes por milhão de trens x km), e, outro, de caráter quantitativo, caracterizado pelo momento de transporte (toneladas úteis x km, erroneamente denominado de tku, quando o correto seria tuk). Em que pesem essas inconsistências, conceitual e terminológica, a evolução desses indicadores ao longo tempo mostra, com 74 exceções de alguns trechos de menor significado econômico, um quadro altamente favorável à privatização, como indicado na tabela 21. Quanto aos acidentes, o indicador antes citado passou de 89 para 30 acidentes por ano por milhão de trens x km. Concessionária 1992 Novoeste Ferrovia Centro-Atlântica MRS Logística Tereza Cristina Ferropar ALL Vitória a Minas Carajás Cia. Ferroviária do NE Ferroban Ferronorte Soma 1,9 6,4 20,1 0,1 7,7 42,7 29,9 0,8 6,5 118,1 Produção de transporte (bilhões de tku) 2001 2002 2003 2004 1,5 1,5 1,7 1,2 1,2 5,3 8,1 8,6 7,5 9,5 20,6 27,4 29,4 34,5 39,4 0,1 0,2 0,2 0,2 0,2 0,1 0,4 0,4 0,4 0,3 6,8 12,0 12,8 13,9 14,2 56,6 54,4 57,0 60,5 64,8 41,8 48,0 49,0 52,4 63,6 0,5 0,7 0,8 0,8 0,8 5,0 8,3 8,3 9,2 9,5 1,3 1,9 2,1 2,3 138,3 182,3 170,1 182,6 205,8 1997 2005 1,3 10,7 44,4 0,2 0,3 15,4 68,7 69,5 0,8 2,3 8,0 221,8 Fonte: ANTT (2006). Tabela 22: Evolução da produção de transporte no Brasil (tonelada útil x km) Embora a privatização de sistemas de transporte urbano sobre trilhos não faça parte do escopo deste trabalho, é preciso destacar que Buenos Aires e Rio de Janeiro são, até o presente momento, as duas únicas grandes metrópoles que privatizaram seus sistemas de trens de subúrbio e de metrô. O caso brasileiro é minuciosamente abordado por Rodrigues e Contreras-Montoya (2005), enquanto que as privatizações na América Latina, incluídas as metrópoles antes citadas, são pormenorizadas em Sharp (2005). Na continente africano, o processo de privatização também se encontra em adiantado estado de implementação, como mostrado na tabela 23. País Sistema, malha ou Concessionário Data da Extensão 75 segmento ferroviário Camarões Costa do Marfim / Burkina Faso Gabão Madagascar Malawi Moçambique Moçambique Moçambique República do Congo Senegal / Máli Togo Zâmbia Zimbábue concessão Regifercam Abidjan - Ouagadogou Camrail Sitarail 1998 1995 das linhas (km) 1.100 1.180 Owendo - Franceville Malha Norte Malawi Railway Nacala Beira Ressano Garcia - Marsala SNCZ Transgabonais Madarail Central East Africa Railways CDN Beria Rail NLPI / Spoornet Sizarail1 1999 2003 1999 1999 2000 2002 1995 684 732 787 872 1.022 78 3.641 Dakar - Bamako Taligbo - Lomé Zambia Railways Beltbrigge - Bulawayo Transrail West Africa Cement Company Railway Systems of Zambia Beltbrige Bulawayo Railway 2003 2002 2003 1997 Subtotal África 1.230 19 1.273 345 12.963 (1) Reestatizada em 1997. Fonte: Bullock (2005). Tabela 23: Privatizações ferroviárias na África É interessante observar que o processo de privatização africano se concentra em países menos desenvolvidos, estando ausente nas porções norte e sul desse continente, de países como Argélia, Egito e África do Sul portanto, onde o desenvolvimento ferroviário é economicamente mais importante. Isso talvez explique, em parte, os modestos resultados obtidos com a privatização. É inegável, entretanto, que os trechos concedidos operem de maneira mais eficiente e sejam mais competitivos ante o modo rodoviário (Bullock, 2005). Os investimentos em reabilitação e expansão da malha concedida têm sido grandemente financiados por empréstimos ou doações de organismos internacionais (Banco Mundial, Indian Eximbank, West African Development Bank etc.). Existem, no entanto, sérias dúvidas se esses concessionários poderão, no futuro, sobreviver sem posteriores injeções de recursos públicos (Borgo, 2005; Giros, 205). Na Ásia e Oceania, o processo de privatização foi bastante intenso no Japão, com a subdivisão da Japan National Railways em seis operadores de passageiros regionais e um operador de carga. Este último, curiosamente, não possui linhas próprias, circulando mediante pedágio em vias de terceiros, numa situação análoga à da Amtrak, nos EUA, excetuado o fato de que esta é operadora de trens de passageiros de média e longa distâncias. Decorrida uma década da privatização japonesa, Austrália e Nova Zelândia também se utilizaram dessa medida reestruturadora, como mostrado na tabela 24. Cabe 76 lembrar que o processo australiano envolve uma extensa privatização combinada com segregação da infra-estrutura, a ser adiante tratada. País Sistema, malha ou segmento ferroviário Concessionário Data da concessão Extensão das linhas (km) Austrália West Rail Freight Australian Railway Group 2000 5.300 Subtotal Austrália1 5.300 East Japan Railway Company 7.538 Central Japan Railway Company 1.978 West Japan Railway Company 5.078 1987 Japão Japan National Railways Hokkaido Railway Company 3.176 Shikoku Railway Company 855 Kyushu Railway Company 2.122 0 Japan Railway Freight Company2 Subtotal Japão 20.747 Nova Zelândia NZ Rail Tranz Rail3 1993 4.000 Subtotal Nova Zelândia 4.000 Subtotal Ásia 30.047 (1) Outras empresas foram privatizadas, porém envolvendo a segregação da infra-estrutura, que será adiante tratada. (2) Não possui vias próprias. (3) Reprivatizada em 2003. Fontes: Terada (2001) e Wiiliams et alli (2005). Tabela 24: Privatizações ferroviárias na Ásia e Oceania Os resultados da privatização no Japão são considerados bons, não só pela eliminação do crônico déficit orçamentário da antiga Japan National Railways, como pela sustentabilidade financeira adquirida pelos novos concessionários (Aoki, 1994a; Terada, 2001). Já no caso neozelandês a privatização não se mostrou eficiente, tendo a malha desse país retornado ao poder público, que agora pensa em segregar a infra-estrutura, com a gestão da mesma a cargo do Estado e a operação através da iniciativa privada. Por fim, a experiência de privatização na Austrália é muito mais marcante com o instituto da segregação, do que com a verticalização, algo a ser adiante comentado. 3.4 SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA Durante quase todo o século XX, a estrutura organizacional do sistema ferroviário de carga e de passageiros de média e longa distâncias, nos países mais desenvolvidos, estava essencialmente composta por malhas nacionais, via de regra sob controle do estado, com a exceção dos EUA e Canadá, este último parcialmente, já que a Canadian National era estatal. Eram empresas verticalmente integradas, subdivididas em gerências regionais, por vezes com as áreas de carga e passageiros individualizadas. Do ponto de vista teórico, essas entidades monolíticas estavam assim estruturadas em virtude das economias de escala e de densidade desse modelo derivadas. 77 Na prática, contudo, essa estrutura não permitia transparência nos resultados operacionais de seus diversos fluxos, sendo na maior parte dos casos orientada para a produção de transporte e não para resultados financeiros. Além disso, a cadeia de comando era sempre muito extensa, vertical e horizontalmente, com mínimo foco no cliente. Aos gestores eram sempre confiadas metas de aumento da produção de transporte, sem o correspondente atingimento de metas financeiras. A esse modelo se contrapôs a segregação da infra-estrutura, com a configuração de situações operacionais “acima do trilho” e “abaixo do trilho”. De forma mais rigorosa tecnicamente, já que essa situação espacial pouco significado tem, essas definições compreendem: • “abaixo do trilho”: manutenção da via permanente ferroviária, controle do tráfego (sinalização e telecomunicação), fornecimento de energia elétrica via rede aérea (quando for o caso); • “acima do trilho”: manutenção e operação de veículos ferroviários (carga, descarga e deslocamento). Diferentemente do caso das rodovias, onde o acesso é franco, as ferrovias necessitam de cuidadoso preparo das grades de circulação, uma vez que as condições de ocupação da via são bastante restritas. De uma forma geral, as condições de acesso à infraestrutura ferroviária são objeto de extenso rol de medidas regulatórias. É importante observar que o processo de segregação da infra-estrutura não é um fenômeno isolado nas denominadas public utilities. Ao contrário, trata-se de uma ampliação do que ocorreu nas áreas de telecomunicação e de energia, que, em muitos países também foram reestruturadas, de sorte a partilhar o uso de suas infra-estruturas. Nesse sentido, serviços em rede não são mais vistos como monopólios naturais monolíticos, mas sim algo que engloba atividades distintas com características econômicas inteiramente diferentes. Muitos economistas acreditam atualmente que os serviços em rede devem ser segregados (unbundled), horizontal e verticalmente, com segmentos potencialmente competitivos sob gestão individualizada, nos seguintes componentes dos monopólios (Kessides, 2004): • energia elétrica: transmissão e distribuição segregadas da geração; • telecomunicações: serviços locais segregados dos de longa distância e dos da telefonia celular; 78 • gás: distribuição local sob alta pressurização segregada da produção, transmissão e grande armazenamento; • ferrovia: infra-estrutura ferroviária (via e facilidades afins). Ainda segundo esse mesmo autor, nos segmentos competitivos e contestáveis dos serviços ou infra-estruturas em rede as barreiras de entrada devem ser removidas com a sua segregação, com as estruturas verticalmente integradas só assim permanecendo se insuperável a questão dos custos afundados (sunk costs), e, por conseguinte, a questão da manutenção das condições de monopólio natural. A segregação da infra-estrutura, como visto na tabela 18, anteriormente mostrada, pode envolver dois tipos de arranjos organizacionais: competitive access e open access. No acesso competitivo (competitive access), a via pertence a um operador dominante, que é obrigado, por meio de ato regulatório, a abrigar fluxos de terceiros. Essa situação ocorre, ainda que de maneira incipiente, no Brasil, com as concessionárias de carga sendo obrigadas, por contrato, a permitir a circulação de até dois pares de trens de passageiros por dia. O acesso competitivo difere do “tráfego mútuo” e do “direito de passagem”, práticas habituais no meio ferroviário. No “tráfego mútuo”, uma ferrovia transporta os vagões de outra ferrovia em seu território, ocorrendo em função disso uma partilha de frete entre ambas. Já o “direito de passagem” é uma situação em os trens (e não apenas os vagões) de uma ferrovia circulam no território da outra (run trhrough), mediante o pagamento de pedágio (track right ou trackage right). Em qualquer desses casos o acordo é sempre voluntário, diferenciado, portanto, do acesso competitivo, que tem caráter mandatório. A outra modalidade de segregação da infra-estrutura é do open access ou acesso livre, situação em que a via e facilidades associadas (terminais, rede aérea, sinalização, centro de controle operacional etc.) são separadas da operação ferroviária propriamente dita, ficando sob controle de uma sociedade de propósito específico, governamental ou privada. O acesso à via é matéria não só de atos regulatórios do poder público, como das leis de mercado, em que, por exemplo, slots ou faixas de tráfego são objeto de leilão público. Assim, no caso da segregação tem-se vários operadores ferroviários atuando em diferentes mercados ou regiões geográficas, com seus veículos percorrendo a mesma infraestrutura e pagando, ao proprietário (competitive access) ou ao gestor da infra-estrutura (open 79 access), taxas que levam em consideração, no caso mais completo, os elementos da tabela 25 (CE, 1998). Custos fixos Custos internos Custos externos Capital: Barreiras econômicas de entrada e saída do • serviço da dívida negócio • retorno sobre patrimônio Deterioração do aspecto (intrusão visual) Exploração: • manutenção da infra-estrutura (desgaste temporal, vigilância) • controle da operação • administração Fonte: CE (1998) Custos variáveis Custos internos Custos externos Exploração: Poluição: • controle do tráfego • do meio ambiente, (adicional ao custo em termos locais fixo) (partículas), regionais (óxidos de • manutenção (devido nitrogênio) e globais ao uso da infra(gás carbônico) estrutura) • sonora Acidentes Congestionamento Tabela 25: Custos incidentes sobre uma infra-estrutura de transporte O processo de segregação da infra-estrutura ferroviária, em seu formato mais amplo, teve início na Suécia, em 1988 (Hansson e Nilsson, 1991), com a criação do gestor da infra-estrutura Banverkert. Na década seguinte, esse processo de reestruturação foi adotado na Grã-Bretanha e vem sendo paulatinamente implementado, de maneira compulsória, nos demais países da Comunidade Européia. Como reflexo da reestruturação britânica, os governos regionais e central da Austrália também recentemente implementaram a segregação das suas infra-estruturas ferroviárias. Nas Américas esse modelo não tem sido empregado, com exceção de algumas ferrovias no Chile e no Peru. Deve ser ressaltado o fato de que, numa modesta escala, os operadores de trens de passageiros de média e longa distância nos Eua (Amtrak) e Canadá (Via Rail) utilizam as infra-estruturas das ferrovias de carga naqueles dois países, antes mesmo da Suécia. Igual se deu na ferrovia de carga no Japão, após a privatização da década de 80 (século XX), que, ao contrário do caso da América do Norte, circula nas linhas de passageiros. Essas experiências, contudo, não têm a mesma amplitude dos processos europeu ocidental e australiano. Em termos gerais, o arranjo institucional resultante do processo de segregação da infra-estrutura é o mostrado na figura 16 (Profillidis, 2001). 80 GOVERNO • • • Ministérios Governos locais Órgãos reguladores Operadores • Ferrovias estatais • Novos operadores privados Gestor da infra-estrutura • • Acionistas • Ferrovias estatais • SPE pública • SPE privada Mantenedores Ferrovias estatais Empresas privadas Fonte: Profillidis (2001). Figura 16: Arranjo institucional resultante da segregação da infra-estrutura ferroviária Na Comunidade Européia, o arcabouço legal que deu respaldo à segregação da infra-estrutura ferroviária foi o seguinte: • diretriz 91/440, emendada pela diretriz 2001/12: determinando a separação contábil carga – passageiro e o início do processo de segregação; • diretriz 95/18, emendada pela diretriz 2001/13: sobre as condições de acesso à infraestrutura; • diretriz 96/48: concernente à interoperabilidade das malhas ferroviárias para trens de alta velocidade (compatibilidade de sistemas fixos e de procedimentos de condução de trens); • diretriz 2001/14: atinente aos critérios de tarifação do uso da infra-estrutura; • diretriz 2001/16: complementa a diretriz 96/48, no que respeita aos trens convencionais. A atual situação européia, em termos de gestores da infra-estrutura é a mostrada na tabela 26 (RailNetEurope, 2004). 81 País Gestor Malha (km) Áustria ÖBB Infrastruktur Betrieb 5.672 França Réseau Ferre de France França – Inglaterra Eurotunnel Bélgica Infrabel 3.521 Alemanha DB Netz 35.593 Bulgária National Railway Infrastructure Co. 7.349 República Tcheca Ceské Dráhy 9.499 Dinamarca Banedanmark 2.300 Finlândia Ratahallintokeskus 5.741 Grã-Bretanha Network Rail 30.000 Itália Rete Ferroviaria Italiana 22.000 Hungria Vasúti Pályakapacitás-elosztó 7.885 Eslovênia SZ Infrastructure 1.226 Holanda ProRail 2.800 Espanha Administrador de Infraestructuras Ferroviarias Noruega Jernbanverket Suécia Banverket 12.000 Polônia Polske Linie Kolejowe 19.435 Portugal Rede Ferroviária Nacional 29.000 100 13.118 4.077 2.603 Fonte: RailNetEurope (2004) e pesquisa do autor. Tabela 26: Gestores da infra-estrutura ferroviária na CE Existem diversos estudos sobre a atual situação da Europa Ocidental quanto à segregação da infra-estrutura ferroviária. Um dos mais importantes, constante inclusive de vários relatórios anuais das administrações ferroviárias daquele continente, é o que estabelece um indicador, denominado Rail Liberalization Index – LIB, formulado e calculado por IBM (2005), que, por seu turno, é dependente de três outros indicadores: • Índice Legal (Lex Index): relativo às bases legais para entrada no mercado de novos operadores; • Índice de Acesso (Access Index): concernente às oportunidades e barreiras de entrada na prática (questões operacionais, tarifárias etc.); • Índice de Competitividade (Com Index): que trata da dinâmica da competição no mercado ferroviário. Para 2004, o Rail Liberalization Index – LIB, segundo IBM (2005), para países da CE selecionados, é mostrado na figura 17. 82 Fonte: IBM (2005) Figura 17: Índice de liberalização ferroviário Dados os diferentes estágios de implementação da segregação da infra-estrutura na Europa, sob o regime do open access, não é possível fazer-se um apanhado pormenorizado de seus avanços, muito embora seja inconteste a liderança da Grã-Bretanha nesse processo. Observe-se, ainda, por oportuno, que os processos de cisões de grandes malhas e a criação de regional lines, shortlines e de switching operators (empresas manobradoras em grandes pátios ferroviários), comentados em 3.2.2, retro, são uma modalidade da desverticalização ou unbundling que deu certo, demonstrando, de certa maneira, a viabilidade dessa alternativa reestruturadora. 4 ANÁLISE DA POSSÍVEL SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL 4.1 PRELIMINARES 83 Nesse item serão abordados os elementos de convicção, isto é, os fundamentos que justifiquem uma eventual aplicação da segregação da infra-estrutura no Brasil, a saber: • fundamentos econômicos gerais e específicos; • pesquisa elaborada pelo autor em parceria com o periódico Revista Ferroviária (pesquisa ampla); e • entrevistas feitas pelo autor com autoridades e personalidades de notório saber do meio ferroviário (pesquisa restrita). Procurar-se-á, através dos fundamentos citados, corroborar a tese de que a segregação da infra-estrutura ferroviária apresenta os seguintes benefícios potenciais (não necessariamente em ordem de prioridade): • melhorar a eficiência do sistema ferroviário nacional, com claros resultados positivos na redução do denominado “custo Brasil”; • promover a competição intramodal, eliminando, ainda que parcialmente, “o peso morto dos monopólios” e oferecendo aos clientes cativos alternativas de transporte; • dinamizar a indústria ferroviária nacional, tanto no aspecto de produção de bens, como no de prestar serviços de modernização, reabilitação e manutenção de bens e equipamentos; • fortalecer focos de negócio, com os gestores da infra-estrutura especializando-se cada vez mais nos processos de manutenção da via e do controle de tráfego, e os operadores ferroviários procurando conhecer e atender plenamente as demandas de seus clientes; • atrair novos investidores privados para o negócio ferroviário. É importante observar que os fundamentos citados são, também, referendados pelo trabalho de CNT (2006) junto a 211 clientes ferroviários, em 13 corredores de transporte sobre trilhos em todo o país, que, após cálculos efetuados pelo autor, revelam os seguintes percentuais médios de insatisfação: ● 24% com o alto valor dos fretes praticados; ● 23% com a confiabilidade nos prazos de entrega das mercadorias; ● 26% com a limpeza e estado de conservação de vagões; ● 38% com a oferta de transporte; ● 52% com o tempo da mercadoria em trânsito (transit time). Em adição, essa pesquisa revelou que em oito dos treze corredores pesquisados os clientes possuem, em média, 30% dos vagões em tráfego, e que muitos clientes gostariam de possuir vagões próprios (percentuais de até 43%). Tudo isso não motivado 84 necessariamente por custo, mas por aumento da autonomia e da disponibilidade de transporte ferroviário. No que respeitas as locomotivas próprias de clientes, estas estão presentes em cinco dos treze corredores, em percentagens variando de 5% a 17%. Desejam possuir locomotivas, novamente motivados pela autonomia e disponibilidade, clientes de seis corredores, em percentuais que variam de 7% a 13%. Portanto, o que CNT (2006) deixa claro é que apenas no universo dos clientes ferroviários parece existir em alguns deles o desejo de possuir locomotivas e vagões em troca de maior autonomia e disponibilidade de transporte, algo em que a segregação da infra-estrutura é exatamente o fio condutor. 4.2 FUNDAMENTOS ECONÔMICOS GERAIS Os fundamentos econômicos serão abordados à luz da microeconomia, com destaque para a eficiência afetativa ou alocativa (condição de mercado segundo a qual os recursos são alocados de sorte a maximizar os benefícios derivados de sua utilização, ou, de forma simplificada, o esforço produtivo mais benéfico para a sociedade). Em primeiro lugar, é preciso caracterizar, para uma melhor interpretação da eficiência alocativa, o que sejam excedentes do consumidor e do produtor. O excedente do consumidor é a diferença entre valor que os que os consumidores atribuem às unidades consumidas de algum produto e o preço efetivamente pago pelas mesmas. O excedente do produtor, de forma análoga, ocorre porque todas as unidades da firma são vendidas a preço de mercado, enquanto que seu custo de produção é dado pelo custo marginal, que, exceto para última unidade, é inferior ao valor de mercado. Conforme ilustrado no gráfico da figura 18, para uma situação de concorrência perfeita, o preço e a quantidade de equilíbrio são p0 e q0, respectivamente. O valor que os consumidores atribuem a um determinado produto é dado pela soma das áreas , , e . A quantidade de dinheiro paga é p0 x q0, equivalente às áreas + . Assim, a diferença entre o valor atribuído e o valor efetivamente pago é o excedente do consumidor, dado pela área . 85 1 2 3 Figura 18: Excedentes do produtor e do consumidor As receitas das vendas são também fornecidas por p0 x q0. A área sob a curva de oferta é o custo variável total da firma, valor mínimo pelo qual esta se dispõe a produzir, soma das áreas e . A diferença entre o valor requerido pelos produtos, área , e o valor obtido dá o excedente do consumidor, isto é, a área . O equilíbrio de um mercado competitivo é eficiente na medida em que os excedentes do produtor e do consumidor são maximizados. Isso porque para volumes de produção, aquém de q0, a soma dos dois excedentes é menor que em q0. Como mostrado na figura 19, para um nível de produção q1, mantido o preço p0, o excedente do consumidor é reduzido da área , enquanto que o excedente do produtor é diminuído da área . Fazendo ainda uso da figura 19, vê-se que para produções além de q0, num nível q2 a um preço p0, por exemplo, o excedente do produtor será reduzido da área , uma vez que a firma estará vendendo seus produtos a um preço inferior ao custo variável. De maneira semelhante, o excedente do consumidor diminuirá da área , pois o preço a ser pago estará acima do valor atribuído (acima da curva da demanda). 86 Figura 19: Eficiência alocativa Assim, verifica-se que a eficiência alocativa ocorre num nível de produção de equilíbrio de oferta e demanda, em que a soma dos excedentes do consumidor e do produtor são maximizados. Já num monopólio, o equilíbrio não se dá entre oferta e consumo, já que o monopolista impõe sua vontade no mercado, em virtude de seu poder sobre o mesmo. Uma empresa é um monopólio se é a única vendedora de seu produto e se este não tem substitutos próximos. A causa principal da existência de monopólio são as denominadas “barreiras de entrada”, isto é, custos de produção que têm que ser suportados pela empresa “entrante” num determinado mercado, não incidentes sobre a(s) empresa(s) que nele já atuam. As barreiras de entrada ou de acesso, por sua vez, têm como principal origem os seguintes fatos (Mankiew, 2006): • um recurso-chave é exclusivo de uma única empresa; • uma empresa tem uma concessão do governo, com direito exclusivo de produzir um determinado bem ou serviço. Além disso, as barreiras de acesso podem ocorrer devido à alta escala de produção requerida, exigindo um elevado montante de investimento, enquanto a empresa monopolista já está estabelecida em grandes dimensões e tem condições de operar com baixos custos. Torna-se então muito difícil alguma empresa conseguir oferecer a um preço 87 equivalente à firma monopolista existente. Essa situação torna-se ainda mais difícil para a firma entrante quando parte dos investimentos são caracterizados por custos afundados, ou seja, custos irrecuperáveis caso se queira sair do mercado, tipificados, estes últimos, no caso de ferrovias, por obras de engenharia diversas (túneis, pontes, viadutos, muros de arrimo, sublastro etc.). Devido à existência de empresas dominantes, estas têm o poder de fixar os preços de venda em seus termos, defrontando-se normalmente com demandas relativamente inelásticas, em que os consumidores têm baixo poder de reação a alterações de preços. Conforme indicado na figura 20, num mercado competitivo, o preço seria p0 e a produção q0, com os excedentes do consumidor sendo dado pelas áreas , e . Com a indústria sendo monopolizada, esta opta por uma quantidade de produção (qm) no ponto onde o custo marginal intercepta a receita marginal, com o preço de venda se elevando de p0 para pm. Com isto o excedente do consumidor reduz-se para a área apenas. Os consumidores perdem a área porque a quantidade produzida recuou de q0 para qm. Perdem também área , desta feita para o monopolista, tendo em vista o aumento de preço de p0 para pm. No caso dos produtores, no caso de um mercado competitivo, estes teriam como excedente a soma das áreas e . Contudo, como a produção do monopolista passa de q0 para qm, a área é perdida, algo que é compensado, com sobras, pelo ganho da área aos consumidores, já que pm maximiza o lucro do monopolista. Com isso, além de perda de excedente por parte do consumidor em favor do monopolista produtor, há também, para a economia, perda das áreas e . Essa segunda perda é denominada de peso morto do monopólio, e deriva, em essência, de sua ineficiência alocativa. 88 Figura 20: Ineficiência alocativa do monopólio A respeito, ainda, da ineficiência dos monopólios, convém lembrar as palavras de Adam Smith, no clássico “A Riqueza das Nações”, editado em 1776: Um monopólio conferido a uma empresa ou a uma trading tem o mesmo efeito de uma acordo secreto entre comerciantes ou fabricantes. O monopolista, ao manter o mercado subabastecido nunca suprirá as necessidades plenas da demanda, vendendo suas mercadorias muito acima do seu preço natural, e fazendo crescer seus emolumentos, sejam eles benefícios indiretos ou lucro, muito acima do necessário. O preço do monopolista será sempre o mais alto em qualquer circunstância. O preço natural, ou o preço da livre competição, ao contrário, será sempre o menor, não todo o tempo, mas durante um considerável prazo. No caso das ferrovias de carga, para muitos fluxos um monopólio natural em virtude do fato das economias de escala serem de tal modo importantes que existe apenas espaço para uma empresa operar num dado corredor de transporte, as soluções encontradas pelos governos para lidar com a ineficiência alocativa dos monopólios foram substancialmente as seguintes: ● assumir controle acionário das empresas, promovendo sua estatização, algo que no Brasil ocorreu de maneira pronunciada na República Velha (ver Capítulo 2); ● permitir que as empresas sigam sendo privadas (ou sejam privatizadas, revertendo o movimento do subitem anterior), porém com o seu funcionamento sujeito a algum tipo de controle, em especial o de preços. 89 Sob esse último aspecto ressalte-se o fato de que no Brasil a regulação das ferrovias de carga se dá essencialmente em dois planos: quantitativo e qualitativo. No quantitativo, são estabelecidas metas de produção de transporte; no qualitativo, a redução de acidentes. A segregação da infra-estrutura aparece então como uma solução diferenciada, envolvendo é claro aspectos regulatórios, porém no sentido de que a introdução de novos operadores tende a diminuir os aspectos da ineficiência alocativa antes apontados, uma vez que nesse modelo procura-se passar da situação de monopólio para a situação de mercado competitivo. Em outras palavras, a segregação da infra-estrutura, do ponto de vista microeconômico, é uma das ferramentas que dispõe os reguladores para instauração do ambiente competitivo num ambiente monopolista, tendendo, portanto, a maximizar os excedentes de produtores e consumidores, algo benéfico a toda a sociedade. 4.3 FUNDAMENTOS ECONÔMICOS ESPECÍFICOS 4.3.1 Preliminares Em todo o mundo, os principais setores da infra-estrutura vinham sendo organizados através de monopólios naturais, estatais ou privados, sem espaço para atuação das forças de mercado. Esse tipo de organização tem como doutrina o fato de que uma empresa verticalizada apresenta menores custos de exploração do que o de várias empresas atuado no mesmo setor. Em outras palavras, as economias de escala, de densidade e de escopo do monopólio, isoladas ou conjuntamente, estimulavam a atividade monopolista. Nos anos 80 (século XX) um novo conceito emergiu, no sentido de questionar a eficiência dos monopólios naturais em setores da infra-estrutura. O fim dos monopólios estatais, através da privatização e do unbundling (aqui entendido como a desagregação de funções tradicionalmente integradas em serviços de utilidade pública), deram início a uma nova ordem econômica. Muito embora o marco inicial seja considerado por muitos o desmembramento das dutovias da Standar Oil nos EUA, em 1911, por força do Sherman Act de 1890 (ANP, 90 2000), o livre acesso à infra-estruturas ganhou força com a teoria dos mercados constáveis na década de 80 do século XX, em especial com a contribuição de Baumol et alli (1983). Ainda que isentas de enormes inovações, as duas últimas décadas de século XX incrementaram o interesse pelo unbundling, no rastro da utilização crescente das forças concorrenciais, na regulação do controle dos setores da infra-estrutura, muitos deles estruturados em torno de monopólios / oligopólios de jure ou de facto, sendo que em determinados casos a regulação do acesso (ou a remoção das barreiras de entrada ou saída) ganhou mais importância que a regulação da tarifação (ANP, 2000). Reconheceu-se, dentre outras coisas, que os monopólios naturais abrangiam atividades distintas, dotadas de diferentes características econômicas, que permitiam um mix de competição e de monopólio na oferta de serviços públicos (Kessides, 2004). O unbundling resultou, em primeiro lugar, da possibilidade da introdução da competição, se não no todo, ao menos em alguns andares de monopólios verticalizados, com a função regulatória do Estado passando de um estado passivo (regulação ex post) para um estado de promoção da concorrência (regulação ex ante). Estudos de ordem econômica vislumbraram a obtenção de economias de escala com várias empresas atuando em nichos de mesmo setor, e, também a redução dos custos de transação derivados do desenvolvimento tecnológico, que minimizariam ou até mesmo suplantariam os efeitos das economia de escala, escopo e densidade presentes em setores monopolistas. O unbundling variou conforme o setor e o país, indo desde a criação de um novo negócio ou empresa, à separação contábil das atividades de cada função, passando pela criação de subsidiárias ou coligadas. 4.3.2 O Setor de Telecomunicações Tal como ocorrido em diversos outros países, como EUA, Grã-Bretanha e Nova Zelândia, foram introduzidas no Brasil diversas alterações regulatórias no setor de telecomunicações. A modelagem prevista para o unbundling desse setor no Brasil está mostrada na tabela 27. 91 Serviço Modalidade Concessionária atual Entrante REDE PRÓPRIA Qualquer Utilização de rede Rede própria adquirida Enormes barreira de própria da estatal privatizada entrada, em especial a duplicação da rede existente UNBUNDLING DE LINHA Banda larga Desagregação plena ou full unbundling Aluga a infra-estrutura de acesso até a casa do cliente, menos a eletrônica Fornece a eletrônica do acesso e aluga a infraestrutura Compartilhamento Retém a faixa baixa do Fornece a eletrônica do de linha ou line serviço e aluga a faixa acesso e contrata a faixa alta do serviço alta da concessionária sharing telefônico Fluxo de bits ou bits stream Aluga infra-estrutura de acesso, exceto broad brand remote access BBRAS Contrata sinal até a porta do BBRAS, por ela fornecido, e opera nas dependências da concessionária REVENDA Revenda ou resale Aluga infra-estrutura, inclusive BBRAS Recebe o sinal após BBRAS e opera nas dependências da concessionária UNBUNDLING DE PLATAFORMA Faixa estreita de Desagregação de telefonia plataforma Fornecimento infraestrutura de acesso, facilidade de comutação local e serviço operacional de telefonia Contrata infra-estrutura de acesso, com a concessionária alterando sua base de dados Fonte: Fonseca (2003). Tabela 27: Modelagem prevista para o unbundling das telecomunicações no Brasil A Lei Geral de Telecomunicações – LGT brasileira define diretrizes bem genéricas para a interconexão, deixando regras mais detalhadas para o Regulamento de Interconexão e os contratos de concessão e autorização (Mattos, 2006). Os principais dispositivos legais referentes à interconexão no Brasil são: a) obrigação de se interconectar para todos os operadores; b) não-discriminação em relação aos rivais; e c) livre negociação 92 com a possibilidade de intervenção da ANATEL se requerido por pelo menos uma das partes. Nesse sentido, a ANATEL publicou o Despacho 172/2004 determinando a obrigação de unbundling dos operadores regionais, prevendo dois tipos: • line sharing (compartilhamento de linha) no qual o incumbente é obrigado a ofertar o elemento de rede “fio de cobre” do seu “local loop” para fins da oferta de serviços não associados a voz pelo entrante. O incumbente proprietário do “local loop” permanece provendo serviços de voz através do mesmo fio de cobre, enquanto que o demandante do aluguel entrante poderá ofertar outros serviços, em especial acesso à internet ADSL; • full unbundling (desagregação de rede plena), no qual o incumbente é obrigado a oferecer o fio de cobre de seu “local loop” para a oferta de todos os serviços (inclusive e especialmente voz) e não apenas ADSL. O unbundling no Brasil cria uma obrigação das incumbentes de alugar, para as entrantes, elementos de redes de forma desagregada. Ou seja, além de ser obrigado a alugar determinados elementos de rede, o incumbente não pode fazer um aluguel casado desses elementos. Isso desobriga a entrante de alugar elementos que considera desnecessários, além de evitar ineficientes duplicações de infra-estrutura, ao mesmo tempo em que propicia a introdução da competição de forma gradual. 4.3.3 Os Setores de Eletricidade e de Gás Natural As reformas no setor elétrico começaram no Reino Unido em 1989, com a privatização e unbundling do monopólio estatal verticalizado, com o surgimento de empresas especializadas e reguladas pelo poder público. Outros países também adotaram essa postura reformadora, tais como Nova Zelândia (1993), Colômbia (1994) e o Estado da Califórnia (EUA, 1996), este último após sofrer grave crise energética (Beato e Fuente, 2000). No Brasil o primeiro marco legal de unbundling do setor ocorre em 1995, com a Lei Federal 9075, que prevê o livre acesso às redes de transmissão e distribuição, logo seguida do Decreto Federal 2003/1996, que regulamentou o conceito de produtor independente de energia elétrica. A Comunidade Européia – CE, ao final do século XX e início do XXI, pressionou seus estados-membros a fazerem o mesmo, através de diversas Diretivas, em 93 especial as de números 2003/54/EC (eletricidade, atualizando a de número 96/92/EC) e 2003/55/EC (gás, atualizando a de número 98/30/EC). Resumidamente, os modelos adotados para o unbundling do setor elétrico são os single buyer (comprador individual) e wholesale competition (competição do atacado), conforme Lovei (2000). No modelo de comprador individual, que pode envolver outras possibilidades de arranjos além do mostrado na figura 21, as atividades de geração, transmissão e distribuição, via de regra exercidas anteriormente por monopólio estatal verticalizado, são desagregadas e operadas por diversas empresas privadas, geralmente com a infra-estrutura de transmissão permanecendo sob controle público, com as entrantes na área de transmissão comprando energia das geradoras e revendendo às distribuidoras sob tarifas reguladas pelo poder público. Em casos especiais existe a possibilidade de o consumidor adquirir energia diretamente da geradora. Geração Transmissão Distribuição Consumo Fonte: Lovei (2000). Figura 21: Modelo de comprador único no setor elétrico No modelo de competição do atacado, figura 22, as distribuidoras locais retêm a exclusividade de seus serviços em suas áreas de concessão e adquirem energia de geradores que competem entre si para tal fornecimento. Os consumidores não podem escolher seus fornecedores, excetuados os grandes usuários, que podem contratar diretamente com as geradoras. Embora os grandes consumidores sejam poucos, eles representam uma grande percentagem do consumo. Ao se permitir que os mesmos adquiram energia de geradoras independentes, ocorre uma maior competição no mercado, fazendo com que os preços praticados diminuam, o que acarreta reflexos positivos em toda a cadeia produtiva. 94 Geração Transmissão Distribuição Consumo Fonte: Lovei (2000). Figura 22: Modelo de competição do atacado no setor elétrico No Brasil o setor elétrico está estruturado da seguinte forma (Aneel, 2003): • sistema interligado nacional, que reúne diversas empresas de geração e transmissão de energia, sob gestão do Operador Nacional do Sistema – ONS, que coexiste com alguns sistemas isolados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; • geradoras e co-geradoras, estas últimas termelétricas que produzem calor residual, aproveitável para outros fins energéticos; • transmissoras; • distribuidoras, subdivididas entre concessionárias e permissionárias e autorizadas, com as duas últimas atinentes à atividade rural; • agentes comercializadores de energia elétrica, que não possuem sistemas elétricos e, sob autorização de agência reguladora, atuam no mercado de compra e venda de energia elétrica para concessionários, autorizadas ou consumidores que tenham livre escolha de fornecedor (consumidor livre); • agência reguladora federal (ANEEL) e agências estaduais que atuam por delegação da primeira; • câmara de comercialização de energia elétrica, sucedânea do mercado atacadista de energia, que, como o próprio nome indica, atua na comercialização desse importante insumo. No caso do gás natural, o panorama do unbundling é semelhante ao da energia elétrica em termos de temporalidade e das influência externas que o viabilizaram. Contudo, algumas peculiaridades, como a importação do insumo e a existência de duas instâncias de 95 regulação, fazem do unbundling do sistema de gás natural diferenciado do de eletricidade, como ilustrado na figura 23. Fonte: RG & Strat (2004). Figura 23: Arranjo institucional do sistema de gás natural 4.3.4 Setor de Saneamento Diferentemente dos demais setores de infra-estrutura, o setor de saneamento, inclusive no Brasil, não apresenta grande evolução em termos de unbundling, com exceções ocorrendo por conta de países como Grã-Bretanha, Chile e Austrália. Nesse setor ainda são dominantes as empresas verticalizadas, estatais ou concessionárias privadas. As razões que poderiam para explicar esse diferencial de unbundling seriam: • o caráter de absoluta essencialidade do serviço, que o torna mais sensível a pressões da população no sentido de modicidade tarifária; • o freqüente uso do subsídio cruzado para subsídio às classes menos favorecidas; 96 • as dificuldades de corte do fornecimento do serviço no caso de inadimplência. Contudo, a crescente pressão populacional sobre as cidades, associada à escassez de fontes de abastecimento e à limitada capacidade de investimento de empresas estatais ou órgãos públicos encarregados desse serviço vêm introduzindo a necessidade de mudanças nos arranjos institucionais vigentes, sendo bom exemplo o modelo sugerido pelo Asia Development Bank (1998) aos países em desenvolvimento daquele continente (figura 24). Mercado dos direitos de água Fossas Fonte: Asia Development Bank (1998). Figura 24: Arranjo institucional no sistema saneamento 4.3.5 Setor Aéreo O setor aéreo é na verdade um dos que a questão do unbundling encontra-se em evidência praticamente desde seu início, na medida em que a infra-estrutura aeroportuária é partilhada por diversos operadores. No setor aéreo a introdução da competição difere grandemente de monopólios ou oligopólios verticalizados, caso dos setores anteriormente discutidos e onde o desagregação é fator vital de análise. 97 A competitividade do setor aéreo, segundo Bosh e García-Montalvo (2003), depende de três fatores básicos: i) competição entre empresas aéreas; ii) estruturação dos serviços dos aeroportos; e iii) controle de tráfego aéreo. A participação no mercado de empresas aéreas está quase sempre condicionada à forte regulamentação e medidas protecionistas para empresas nacionais, que limitam a competição em muitas rotas. O controle do tráfego aéreo, muita vezes de baixa confiabilidade, também limita o aumento do tráfego ou inibe a presença de mais operadores ainda que lhes fosse permitido o acesso. A proibição de cabotagem, taxas aeroportuárias e tarifas de combustível discriminatórias e a alocação de slots (faixas de tráfego) contribuem também para a diminuição da competição. Sobre esse último tópico é que surge agora um movimento de unbundling no que respeita à infra-estrutura aeroportuária, no sentido de que as taxas sejam cobradas pelos serviços realmente requisitados pelos operadores e não pelos serviços genericamente disponibilizados. Segundo Tretheway (2007) muitos empresas aéreas low cost – low fare almejam utilizar a infra-estrutura aeroportuária nos horários de vale ou ainda dispensar o uso de pontes rolantes de embarque ou desembarque, fazendo jus, portanto, a menores taxas. Nesse caso está em jogo outro tipo de unbundling: o das taxas aeroportuárias. 4.3.6 Resumo O item 4.3 não tem por objetivo discutir os processos de unbundling de setores da infra-estrutura internacional e nacional, no sentido de sua eficácia ou efetividade. O que se procurou fazer foi simplesmente constatar que todos os setores da infra-estrutura, em uma razoável quantidade de países, inclusive o Brasil, passaram por reformas onde a desagregação de estruturas verticalizadas foi elemento central. Dessa forma, o objetivo deste item foi demonstrar que a segregação da infraestrutura ferroviária está perfeitamente alinhada a processos de unbundling semelhantes ou até mesmo mais complexos, constituindo-se, pois, num dos elementos de convicção de que trata o capítulo 4 desta tese. 98 4.4 PESQUISA AMPLA Em agosto de 2005, foi firmada uma parceria entre o autor e a Revista Ferroviária, o mais antigo periódico do Brasil, no sentido de ser feita uma enquete sobre a segregação da infra-estrutura ferroviária através do sítio daquela revista. Foi formulada ao público que acessava o referido sítio a seguinte questão: “A segregação da infra-estrutura ferroviária, através da qual uma via férrea é disponibilizada para outros operadores além do concessionário, é hoje compulsória na Europa Ocidental. Essa política, deve ser implementada no Brasil?” Para facilitar o trabalho de recolhimento de opiniões, foram destacadas três possibilidades de respostas: • sim, em toda a malha ferroviária; • sim, em segmentos selecionados da malha ferroviária; • não, em nenhum segmento da malha ferroviária. Decorridos seis meses da inserção do questionário, obteve-se a significativa marca de 850 opiniões emitidas pelos visitantes do sítio, que de certa forma pode ser considerado como tendo alguma intimidade com assuntos ferroviários, dada a óbvia segmentação dos assuntos do sítio. Os resultados da aplicação do questionário são mostrados na figura 25. Figura 25: Resultados da enquete no sítio da Revista Ferroviária 99 Como pode ser observada na figura 25, a maior parte dos entrevistados entende que a infra-estrutura pode ser segregada em toda a malha ferroviária brasileira, percepção que obteve grande vantagem porcentual sobre as demais hipóteses. É interessante observar que o posicionamento majoritário pela segregação manteve ao longo do tempo uma tendência de leve ascendência, ao contrário dos que entendem não ser a segregação necessária em nenhum local da malha, cujo comportamento foi sempre descendente. Esse comportamento sugere que o processo de segregação, uma vez melhor conhecido, passou a ser considerado interessante pelo público, posto que no período da pesquisa forma realizados dois eventos pela Revista Ferroviária (seminários “O Cliente e as Ferrovias” e “Negócios nos Trilhos”) onde esse tema foi de alguma maneira explicitado. Os resultados da enquete, em que as opções favoráveis à segregação totalizam quase 90% das respostas, sugerem, portanto, que esse tema deve constar da agenda de discussões sobre eventuais processos de reestruturação do sistema ferroviário nacional, da qual se pretende que este trabalho acadêmico faça evidentemente parte. 4.5 ENTREVISTAS 4.5.1 Justificativa e Metodologia Os resultados da pesquisa no sítio da Revista Ferroviária, embora altamente favoráveis à segregação da infra-estrutura, devem ser analisados com cautela, pois envolveram um universo de pessoas que não podem ser consideradas como especialistas em transportes. Objetivando contornar essa dificuldade, foram efetuadas entrevistas sobre a questão da segregação com personalidades direta ou indiretamente ligadas meio ferroviário, como operadores, reguladores, industriais, consultores, professores, representantes de entidades patronais e agentes de fomento econômico. As entrevistas tiveram como elemento estruturador um questionário, que, por seu turno, teve como base a técnica SWOT (Strenght, Weakness, Opportunities and Treats – Pontos fortes, Pontos fracos, Oportunidades e Ameaças), através da resposta a quatro perguntas básicas: 100 Em relação a uma possível segregação da infra-estrutura ferroviária no Brasil: Admitindo-se que você seja um observador neutro: a) Quais os possíveis pontos fortes dessa medida? b) Quais os possíveis pontos fracos dessa medida? Deixando a neutralidade de lado: c) Quais as possíveis oportunidades que essa medida traria ao seu negócio atual ou ao setor que você representa? d) Quais as possíveis ameaças que essa medida traria ao seu negócio atual ou ao setor que você representa? Ressalte-se que um observador neutro é aquele que procura responder aos questionamentos analisando-os sob uma ótica mais pluralista, enquanto que o observador não neutro procura as respostas tendo como foco exclusivo o seu negócio. Esse trabalho revelou-se uma árdua tarefa, na medida em que muitos potenciais entrevistados declinaram de expor suas idéias, sob o argumento básico de que se tratava de algo novo e polêmico, ainda não discutido no âmbito de suas organizações; outros responderam sob a condição de anonimato. Por esse motivo não será possível listar neste trabalho os nomes dos respondentes. Foram efetuadas dezoito entrevistas, contemplando os seguintes campos de atuação profissional: • consultoria de transportes (4); • academia – engenharia de transportes (4); • indústria ferroviária (2); • jornalismo especializado em ferrovia (1); • banco de fomento econômico (1); • regulação de transporte (2); • indústria de mineração – usuária da ferrovia (1); • indústria moageira de grãos – usuária da ferrovia (1); • concessionária de carga (2). 4.5.2 Resultados Obtidos As cerca de duas dezenas de entrevistas permitiram traçar o seguinte panorama opinativo: 101 a) Pontos Fortes (observador neutro): • acidentes: provável redução ante a necessidade de uma maior qualidade da via permanente para atração de novos operadores; maior atenção às condições de material rodante e à condução de trens, tendo em vista as eventuais multas impostas aos operadores, pelos gestores da infra-estrutura, especialmente no caso de acidentes imputáveis ao estado dos veículos ferroviários ou à sua equipagem; • atendimento: melhoria pelo aumento da concorrência intratrilhos; • financiamento: universalização das parcerias público-privadas na área ferroviária, já que a construção de uma grande variante do traçado, por exemplo, teria como beneficiários vários operadores e não apenas um único como ocorre atualmente, ficando mais bem caracterizado o interesse público de que tratam as Leis Federais 8.987/95 (Lei das Concessões) e 11.079/04 (Lei das PPPs); possibilidade de investimentos públicos diretos, sem caracterização de subsídio ao concessionário privado, em princípio vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, nos casos de open access, posto que nesse caso as ferrovias se assemelhariam a rodovias públicas; • indústria nacional: aumento das encomendas de novos equipamentos de tração e de transporte pela entrada de novos operadores, assim como o correspondente incremento dos serviços de manutenção e reabilitação; aumento do volume de encomendas de bens e serviços na área de via permanente, em função da necessidade de sua maior qualidade; • intermodalidade: maior indução a esse tipo de tráfego, pela possível presença de novos operadores oriundos dos modos rodoviário e hidroviário; • monopólio: desmonte parcial de situação monopolista e de suas naturais impedâncias, com a introdução da concorrência intra-trilhos; • oferta: ampliação pelo ingresso de novos operadores; alternativa para os clientes cativos que se sintam prejudicados pelas atuais condições de transporte (valor do frete, freqüência de trens, tempo de viagem etc.); • produtividade do setor: incremento pela possibilidade da entrada de novos operadores em segmentos ferroviários de baixa densidade de tráfego; • regulação: existência de maior número de benchmarks para balizamento da ação regulatória; 102 • tarifas: diminuição em virtude do incremento da densidade de tráfego, sobretudo no que respeita ao rateio dos custos fixos entre os embarcadores. b) Pontos fracos (observador neutro): • acidentes: dificuldades de apuração; possível tendência do gestor em culpar o operador e vice-versa; ausência de profissionais experimentados para arbitragem; • crédito: razoável para aquisição de vagões (120 meses pelo Finame / BNDES) porém curto quando se trata de locomotivas (60 meses pelo Finame / BNDES); • custo: do aumento dos custos de transação; • foco: perda de foco no negócio, no caso de empresas não operadoras atualmente; • material rodante: caro e escasso para os pequenos operadores; • operação: ausência de experiência dos entrantes, agravada pela inexistência de profissionais de bom nível no mercado; dificuldades na política de treinamento de pessoal pela baixa oferta de cursos e instalações de ensino específicas (simuladores de condução, bancadas de testes de frenagem etc.); • regulação: ampliação de conflitos intra-trilhos; despreparo do órgão regulador em lidar com esse tipo de assunto; morosidade da burocracia brasileira na resolução de conflitos. c) Oportunidades (observador não neutro): ● cliente cativo: possibilidade de deixar de sê-lo; ● financiamento: dinamização do mercado, com diversificação do risco e possível redução de taxas e spreads; ● nicho de mercado: abertura de novas oportunidades no setor de transporte, sobretudo para transportadores rodoviários que enfrentam concorrência desleal dos autônomos, no que respeita a condições do veículo (inexistência de fiscalização), pesos por eixo (ausência de balanças nas rodovias), jornada de trabalho (ausência de leis trabalhistas), exclusão da depreciação no custo do frete etc.; ● oferta: aumento do leque de produtos a serem transportados pelas ferrovias, pela provável especialização dos entrantes; 103 ● serviços: aumento das atividades do setor (consultoria, seguros, manutenção e leasing de material rodante etc.) pela ampliação do universo de clientes. d) Ameaças (observador não-neutro): ● acidentes: possibilidade de aumento pela obsolescência de material rodante dos novos operadores, que não terão condições de adquirir ou alugar equipamentos novos; ● custo: possível aumento nos trechos onde for eliminada a possibilidade de uma real economia de escala; ● corporativismo: natural reação de empregados das concessionárias, alicerçados em estruturas verticalizadas, temerosos de perderem seus empregos; ● regulação: possibilidade das concessionárias valerem-se de firmas pequenas para descumprimento de obrigações patronais acordadas com sindicatos de classe ou desfrutarem de situações fiscais mais favoráveis; possibilidade de recurso à justiça nas solução de pendências de maior vulto; possibilidade de incremento de uma maior ingerência do poder público nas concessionárias atuais, tendo como leit motiv a segregação da infra-estrutura; ● risco de crédito: aumento para empréstimos já concedidos às concessionárias, em virtude da incerteza do sucesso da segregação (caso essa ocorra de maneira intensa). 4.5.3 Análise dos Resultados Como pontos positivos, merecem atenção, além da quebra do monopólio, os potenciais aumentos da oferta e da intermodalidade, eventuais diminuições dos valores dos fretes e a maior possibilidade de aporte de recursos públicos a parcerias público-privadas na solução de gargalos operacionais e de contornos urbanos. Como pontos de convergência, positivistas, as possibilidades do incremento da intermodalidade e do aporte de recursos a PPPs na solução de impedâncias operacionais. Dos pontos negativos relatados emergem como destaques as dificuldades regulatória, creditícia (entrantes) e o aumento dos custos de transação. Esses tópicos são convergentes para a maioria dos entrevistados. Das oportunidades apontadas, surge como pontos principais a possibilidade de remissão do status de cliente cativo, o incremento de um amplo leque de atividades no 104 setor de serviços e a existência de um novo nicho de mercado para transportadores rodoviários. As oportunidades antes citadas não encontram consenso no conjunto de entrevistados, refletindo pontos de vista de atores que não detém concessões de transporte. Das ameaças apontadas, são pontos principais a possibilidade de incremento da ingerência pública nos negócios privados e o corporativismo dos empregados das operadoras hoje verticalizadas. Tal como no caso das oportunidades, as ameaças são fruto de análises de entrevistados ligados às operadoras de carga, não traduzindo, portanto, espírito consensual. 4.5.4 Resumo do Processo de Entrevistas Como balanço final, verifica-se que os resultados das entrevistas mostram que, para uma observação neutra, os pontos positivos superam amplamente os pontos negativos, o que sem dúvida mostra a potencialidade da segregação da infra-estrutura sob essa ótica. Para uma observação não-neutra, com cada entrevistado olhando o seu negócio, as ameaças são equivalentes às oportunidades, demonstrando certo equilíbrio em as duas posições. Olhadas, portanto, no conjunto, as entrevistas tendem a considerar favoravelmente a possibilidade segregação da infra-estrutura, muito embora considerem isso como tarefa não trivial. Como elementos de consenso da segregação da infra-estrutura aparecem a intermodalidade e o estímulo às parcerias público-privadas na solução de problemas operacionais, sobretudo aqueles onde a participação de poder público seja financeiramente ou politicamente indispensável. Pontos fortes e fracos, oportunidades e ameaças, em seus aspectos mais abrangentes e consensuais, serão levados em consideração quando da elaboração dos modelos de implementação da segregação da infra-estrutura ferroviária, de que trata o Capítulo 6. 105 5 ESTUDO DE CASO 5.1 CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE DO SEGMENTO FERROVIÁRIO A ESTUDAR Como corolário ao trabalho desenvolvido no capítulo anterior, elaborou-se um estudo de caso, onde um determinado segmento da malha ferroviária brasileira foi imaginado como tendo sua infra-estrutura segregada. Para tanto, inicialmente foi feita uma avaliação dos possíveis trechos a serem estudados para a implantação da nova proposta, à luz de alguns critérios básicos, que, de um lado, refletiram os acertos de experiências no Exterior, e, de outro, consideraram o atual cenário institucional do sistema ferroviário brasileiro de cargas. Os critérios básicos para seleção do segmento ferroviário a estudar, que, ao ver do autor, são absolutamente inovadores, foram os seguintes: a) Baixa densidade de tráfego A prioridade para a implantação da operação segregada deve considerar as linhas com baixa densidade de tráfego, onde exista folga para a passagem de trens adicionais, sem prejuízo, portanto, à circulação dos trens atuais. De fato, não se vislumbra qualquer factibilidade técnica ou institucional de segregação de vias como as da E. F. Vitória a Minas, pertencente à Cia. Vale do Rio Doce, por exemplo, que com seus 905 km de extensão transporta atualmente cerca de 140 milhões de toneladas, cerca de 40% do total da tonelagem brasileira. As capacidades de vazão de uma via singela evidentemente dependerão, dentre outros fatores, do comprimento dos trens, das condições geométricas do traçado (que por seu turno delimitarão as velocidades dos trens), do sistema de sinalização adotado e do número e disposição dos postos de cruzamento. Uma estimativa feita por Hay (1971), para as ferrovias norte-americanas, mostra os seguintes valores práticos (tabela 28): 106 Tipo de via permanente Via singela Via dupla Sinalização manual 25 a 30 Número de trens / dia Sinalização com circuito de via 40 a 50 90 a 100 Sinalização com CTC (centralized traffic control) 60 a 75 200 Fonte: Hay (1971) Tabela 28: Estimativa da capacidade operativa de ferrovias No caso das ferrovias brasileiras, para efeito deste trabalho, pode ser considerado como de baixa densidade de tráfego o trecho que tem um movimento máximo diário de 20 a 30% do volume teórico máximo de uma via singela com sinalização manual. Em outras palavras, cerca de seis de trens/dia, somados os dois sentidos, considerada uma formação típica contemplando 30 vagões e uma locomotiva em cada trem (podendo haver eventualmente acoplamento de composições). Essa formação deriva da divisão do número médio de vagões pelo de locomotivas, para as ferrovias ditas não mineradoras (onde essa relação é distorcida, para mais), com base em ANTT (2007), cujos resultados são os seguintes: ● ALL: 30 vagões/loco; ● Novoeste: 32 vagões/loco; ● FCA: 24 vagões/loco. b) Boa capacidade de vazão O trecho considerado não deve necessitar de investimentos vultosos para apresentar uma boa capacidade de vazão, pois os recursos iniciais a serem aplicados na ampliação da citada capacidade (duplicação de vias, implantação de postos de cruzamento, sinalização por ATC, etc.) costumam ser elevados, e de certo dificultariam a proposta da segregação. Para aplicação desse critério, considerar-se-á que possuam boa capacidade de vazão os trechos recentemente remodelados ou reabilitados, ou aqueles recentemente implantados ou em vias de implantação. Isso porque os demais trechos, sejam tanto da malha da antiga RFFSA como da antiga FEPASA, que não passaram por uma remodelação, são em geral constituídos por trilhos de baixa inércia (TR-37 ou inferiores), alta taxa de dormentes em mau estado, fixações rígidas, inexistência de placas de apoio, 107 pontes e viadutos com restrição de velocidade etc., conforme experiência vivida pelo autor em seus trabalhos de recuperação de infra-estruturas ferroviárias em quase todo o Brasil. c) Longa distância de transporte Sabe-se, de há muito, que os custos fixos e as operações de ponta (terminais) são bastante elevados no transporte ferroviário. Por outro lado, a baixa resistência ao rolamento e possibilidade de acoplagem de inúmeros veículos rebocados a uma única fonte de tração, torna o transporte ferroviário muito atraente quando em marcha. A título de exemplificação apenas, um vagão GDT (gôndola, bitola larga), pesando 120 tf, se deixado correr livremente, no plano, a partir de uma velocidade de 65 km/h, percorrerá 13 km até parar. Já uma carreta, pesando apenas um terço do vagão (40 tf), nas mesmas condições, em rodovia pavimentada, circulará por somente 1 km antes de cessar seu movimento (Rosa, 2000). Em outras palavras, isso significa que uma ferrovia é, em tese, tanto mais competitiva quanto maior for a distância de transporte envolvida, de sorte que a diluição dos custos fixos e das operações em terminais na quilometragem seja compensada pela maior eficiência energética e pela economia de escala resultante da agregação de várias unidades de transporte num comboio. Portanto, para se tornarem mais competitivas frente ao transporte rodoviário, a operação ferroviária, de uma forma geral, e a proposta de segregação, de forma específica, devem se fixar em longas distâncias de transporte. Para aplicação desse critério, considerar-se-á que a distância de transporte adequada para aplicação da segregação seja maior ou igual à média da distância média de transporte no Brasil, que atualmente é de cerca de 570 km, conforme se depreende da figura 26. Esse valor, inclusive, está coerente com as observações de Hay (1971), relativamente às ferrovias norte-americanas, que considera o patamar de 350 km como o ponto de partida para a competitividade ferroviária frente ao caminhão. 108 Fonte: cálculos do autor com base em ANTT (2007) Figura 26: Evolução da distância média de transporte d) Fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado A experiência européia tem mostrado que os novos operadores de uma via ferroviária segregada capturam parte da demanda do modo rodoviário. No Brasil, a geração de novas cargas para o transporte terrestre tem sido caracterizada pela expansão das fronteiras agrícolas ou da intensificação da atividade mineradora. Portanto, é lícito supor que a viabilização da operação ferroviária numa via férrea existente, de baixa densidade de tráfego (ver critério a), não estaria necessariamente ligada a uma intensificação de atividade mineradora ou ao expansionismo agrícola (já que isso teria sido normalmente apropriado pelo operador atual), mas sim à captura de cargas ao modo rodoviário. Destarte, há necessidade de que o segmento escolhido possua razoável demanda de cargas rodoviárias na sua área de influência, capaz de ser parcialmente captada pela ferrovia através do novo modelo de operação segregada. Para aplicação desse critério, considerar-se-ão como fluxos rodoviários passíveis de captura aqueles que: ● sejam concorrentes aos fluxos ferroviários; ● apresentem uma demanda muito superior ao que se espera capturar no modo ferroviário. Sobre esse último condicionante, estimou-se um percentual máximo inicial de captura de 30% (ver maiores detalhes no item 5.6), com os restantes 70% permanecendo no modo rodoviário. Ademais, estipulou-se que o fluxo mínimo a ser transportado pelo 109 operador entrante corresponderia ao emprego de pelo menos três composições tipicamente formadas por uma locomotiva e 30 (trinta) vagões cada, podendo eventualmente ser ou não acopladas, tomando-se por base a média dos trens usualmente operados em trechos de bitola métrica das ferrovias brasileiras, com uma lotação média dos vagões de 60 toneladas, totalizando 1.800 toneladas de carga (útil) máxima por composição. Isso porque os custos de maquinista, maquinista auxiliar, inspetor de tração, inspetores de estado de material rodante em pátios de carga e descarga (verificação de frisos, calos e trincas de roda, aparelhos de choque e tração, sistema de freio etc.), inspetor de reparo de vagões, inspetor de reparo de locomotivas (ou mestres de oficina, caso esta seja própria) e uma série de outros profissionais que um operador ferroviário deve minimamente possuir precisam ter seus custos diluídos num número razoável de veículos. Considerando-se, numa estimativa inicial, que cada uma das três composições execute, anualmente, 50 viagens carregadas, num regime de ciclo de rotação média entre carga, viagem de ida e volta ao ponto inicial de 7 (sete) dias, ter-se-ia um volume de transporte anual de 90 mil toneladas por composição ao ano, totalizando no conjunto 270 mil toneladas. Isso significa, portanto, que os fluxos rodoviários existentes devem ser pelo menos o triplo disso. Os números do parágrafo anterior foram estimados com base em CNT (2006), onde se observa uma velocidade média de 15 km/hora, típica da malha de bitola métrica brasileira, e um percurso médio de 545 km. Com isso, em termos de viagem (ciclo completo) ter-se-iam três dias de percurso. Adicionando-se um dia para que um trem servindo a um cliente se desloque de forma a poder atender a outro cliente, em outro terminal, e outros três dias para carga, descarga e revista dos trens em pátios, chega-se aos sete dias antes mencionados. Observe-se que esse cálculo não é aplicável a trens de minério de ferro, por exemplo, onde os ciclos de tempo são substancialmente inferiores. e) Trecho com unicidade de gestão A prioridade para a implantação da operação segregada deve considerar as linhas administradas por um único operador dominante ao longo de toda a sua extensão, evitando os conflitos entre administrações diferentes, que tendem a provocar eventuais prejuízos à circulação dos trens. 110 Sobre esse aspecto é importante frisar que atualmente boa parte das ferrovias opera com os sistemas de licenciamento via satélite, nos trechos sem sinalização, onde anteriormente a licença de circulação era conferida através de documento escrito (pode) conferido pelo despachador de cada estação. Nesse novo sistema, que não é fail safe, há necessidade de perfeita ambientação dos maquinistas ao trecho físico e à estrita observância das regras eletrônicas de circulação. Dessa maneira, a presença de um novo operador circulando em diferentes linhas, com também diferentes procedimentos operacionais, certamente constituir-se-ia num óbice à tese da segregação. 5.2 SEGMENTOS FERROVIÁRIOS ELEGÍVEIS PARA ESTUDO Com base nos critérios antes elencados, foram eliminados, em primeiro lugar, os corredores de exportação, de alta densidade de tráfego e razoável extensão, responsáveis por grande parte dos fluxos ferroviários brasileiros, quais sejam: ● Estada de Ferro Carajás, da Cia. Vale do Rio Doce, interligando Carajás (PA) ao porto da Madeira (MA); ● Estrada de Ferro Vitória a Minas, da Cia. Vale do Rio Doce, interligando o Quadrilátero Ferrífero (MG) ao porto de Tubarão (ES); ● Ferrovia do Aço/Linha do Centro, da MRS Logística, interligando o Quadrilátero Ferrífero (MG) ao porto de Guaíba (RJ); ● Ferrovias Norte Brasil/Ferrovias Bandeirantes, atualmente pertencentes à da América Latina Logística, interligando Alto Araguaia (MT) ao porto de Santos (SP); ● Corredor Londrina – Paranaguá (PR), da América Latina Logística; e ● Corredor Santa Rosa/Cruz Alta – porto do Rio Grande (RS), da América Latina Logística. Após uma nova análise dos segmentos restantes, foram considerados elegíveis para a implantação da nova proposta os trechos ferroviários a seguir descritos. a) Corredor Corumbá (MS) – Santos (SP) Trata-se de trecho de 1.758 km em bitola métrica, formado pela linha-tronco da antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, desde a fronteira do Brasil com a Bolívia, nas cercanias de Corumbá (MS), até Bauru (SP), e daí a Santos (SP) pela linha da antiga Estrada 111 de Ferro Sorocabana, atualmente em toda a sua extensão operado pela concessionária América Latina Logística S. A. – ALL. A Estrada de Ferro Noroeste do Brasil teve a construção iniciada em 1905, a partir de Bauru em direção à fronteira com a Bolívia, somente ficando concluída a obra em 1952. Em 1957 foi incorporada à RFFSA e privatizada em 1996 como Ferrovia Novoeste, depois incorporada à holding Brasil Ferrovias e finalmente adquirida a concessão pela ALL em 2006. De Bauru a Santos a linha era parte da antiga Estrada de Ferro Sorocabana - EFS, cuja obra iniciou-se em 1872 nas imediações de Sorocaba em direção a São Paulo. Em contínua expansão e incorporação de outras estradas, a EFS a partir de 1971 passou a fazer parte da FEPASA – Ferrovia Paulista S. A., estadual, sendo privatizada em 1999 como Ferroban - Ferrovias Bandeirantes S. A., depois incorporada à holding Brasil Ferrovias e finalmente adquirida a concessão pela ALL em maio de 2006. Esse Corredor tem como concorrentes transportadores rodoviários na BR-262 e SP-150, SP-160, SP-280 e SP-300, que em conjunto apresentam fluxos de 9.340.000 toneladas anuais nos dois sentidos, conforme cálculos do autor baseados em Geipot (1999). b) Corredor São Paulo (SP) – Uruguaiana (RS) Trata-se do trecho de 2.160 km em bitola métrica entre Tatuí, nas proximidades de Sorocaba (SP), e Uruguaiana, na fronteira entre o Rio Grande do Sul e a Argentina, sob a operação da ALL. A partir desse ponto existem mais 754 km em bitola padrão (1.435 mm), de Paso de los Libres a Buenos Aires, também operados pela ALL. A ALL foi a nova denominação dada à Ferrovia Sul Atlântico, que venceu o processo de privatização da malha sul da Rede Ferroviária Federal em 1997, e passou a operar a malha no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Essa nova denominação foi derivada da aquisição, pelo mesmo grupo empresarial, das concessões das ferrovias argentinas Ferrocarril Mesopotamico / General Urquiza (bitola 1.435 mm) e Ferrocarril Buenos Aires al Pacifico / General San Martin (bitola 1.676 mm), em 1999. Em 1998, por meio de contrato operacional, a companhia assumiu as operações da malha sul paulista pertencente à Ferrovias Bandeirantes - Ferroban. 112 Em julho de 2001, a ALL integrou a Delara Ltda, uma das maiores empresas de logística rodoviária do País, e assumiu as operações e contratos comerciais da empresa no Brasil, Chile, Argentina e Uruguai. Com a aquisição da Brasil Ferrovias e da Novoeste, em maio de 2006, a ALL brasileira consolidou sua posição de maior empresa ferroviária da América do Sul, passando a operar desde o Rio Grande do Sul ao Mato Grosso, num total 11.700 km. O Corredor em análise tem como concorrentes transportadores nas rodovias BR101/116/290, que em conjunto apresentam fluxos de 4.569.000 toneladas anuais nos dois sentidos, conforme cálculos do autor baseados em Geipot (1999). c) Corredor Araguari (MG) – Santos (SP) Trata-se do trecho de 650 km em bitola métrica operado pela Ferrovia CentroAtlântica – FCA, formado pela linha tronco da antiga Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, desde Araguari (MG) até Boa Vista, próximo a Campinas (SP), e daí a Santos pelo regime de direito de passagem, por mais 200 km sobre a linha operada pela concessionária ALL. A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro iniciou a construção de sua linha de bitola métrica a partir de Campinas em dezembro de 1872, em direção à cidade de Mogi Mirim, inaugurando o primeiro trecho em 1875. A Mogiana, como era mais conhecida, continuou a crescer sempre em busca das regiões de cultura cafeeira, construindo vários ramais que passariam a ser conhecidos como "ramais cata-café". Em sua expansão chegou a Ribeirão Preto em 1883. Em 1971 foi incorporada à Fepasa e privatizada em 1999 como Ferroban, sendo em 2001 autorizada pelo Ministério dos Transportes a transferência do trecho para a FCA, como parte de um processo de reestruturação acionária e operacional da Ferroban, constituindo a atual “Malha Paulista”. Esse Corredor tem como concorrentes transportadores nas rodovias BR-050 e SP-150/160/348/330, que em conjunto apresentam fluxos de 6.585.000 toneladas anuais nos dois sentidos, conforme cálculos do autor baseados em Geipot (1999). d) Nova Transnordestina 113 Trata-se de um projeto novo prevendo a ligação ferroviária em bitola larga (1.600 mm) entre a fronteira agrícola no sul do Piauí e os portos de Pecém, no Ceará, e Suape, em Pernambuco, com a construção de 646 km e a recuperação de 1.150 km de via da CFN – Companhia Ferroviária do Nordeste. Atualmente estão em andamento apenas as obras do trecho de Missão Velha (CE) a Salgueiro (PE), com 110 km, iniciadas em julho de 2006. Esse Corredor tem como concorrentes transportadores nas rodovias BR020/230/232/316, que em conjunto apresentam fluxos de 372.000 toneladas anuais nos dois sentidos, conforme cálculos do autor baseados em Geipot (1999). e) Ferrovia Norte-Sul A Ferrovia Norte-Sul, em bitola larga (1.600 mm), idealizada por Paulo de Frontin no início do século XX, como extensão da E. F. Central do Brasil (que em seu projeto inicial previa a interligação do Rio de Janeiro a Belém do Pará), foi iniciada em 1987, em Açailândia, no Maranhão, somente chegando a Aguiarnópolis, em Tocantins, em 2002. Essa ferrovia, que interligará Goiás, Tocantins, Maranhão e Pará, terá, quando concluída, 1.980 km de extensão. A Ferrovia Norte-Sul está sendo implantada pela VALEC - Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., empresa pública, do Ministério dos Transportes, que detém a concessão para sua construção e operação. O trecho inicial da Ferrovia Norte-Sul, de Açailândia a Aguiarnóplis, com 215 km, está em operação comercial pela Estrada de Ferro Carajás, permitindo o acesso ao porto de Itaqui, em São Luis (MA), distante 513 km de Açailândia pela E. F. Carajás. O expressivo volume de investimento necessário à total implantação da Ferrovia Norte-Sul - cerca de R$ 2,5 bilhões – levou a VALEC a buscar um novo modelo de captação de recursos que viabilize a construção dos demais trechos do projeto. Os trabalhos de modelagem apontaram para a adoção do modelo de subconcessão, tendo como objeto inicial a construção do trecho ferroviário Araguaína (TO) – Palmas (TO), com 359 km de extensão, e a operação comercial do trecho com 720 quilômetros entre Açailândia (MA) e Palmas (TO). Em 27 junho de 2006, a VALEC iniciou o processo de licitação, na modalidade leilão, para contratar a subconcessão para exploração comercial deste trecho, cabendo ao 114 licitante vencedor a operação, conservação, manutenção, monitoração, melhoramentos e adequação do trecho ferroviário durante trinta anos. Em setembro de 2007 essa subconcessão foi ganha pela CVRD, com lance de R$ 1,478 bilhão. Os recursos provenientes desta outorga serão utilizados pela VALEC para a construção dos demais trechos da Ferrovia Norte-Sul, entre os quais, o trecho compreendido entre as cidades de Araguaína e Palmas, no Tocantins, com extensão de 359 quilômetros. Esse Corredor tem como concorrentes transportadores nas rodovias BR010/135/222, que em conjunto apresentam fluxos de 1.740.000 toneladas anuais nos dois sentidos, conforme cálculos do autor baseados em Geipot (1999). f) Ferroanel Norte em São Paulo Trata-se do futuro trecho norte do Ferroanel em São Paulo, SP, com cerca de 65 km de extensão, destinado a desviar o tráfego de trens diretos de carga da MRS Logística em bitola larga do centro da cidade, liberando as linhas da CPTM - Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, e facilitando a interligação ferroviária de bitola larga entre o Vale do Paraíba e o interior do estado de São Paulo. O projeto encontra-se ainda em fase de discussão entre os diversos setores de governo federal e do Estado de São Paulo, sem previsão de data de implantação, prevendose a possibilidades de aplicação da PPP, tendo como principal beneficiária a MRS Logística. Há intenso fluxo rodoviário, de difícil mensuração, em rotas paralelas ao Ferroanel, posto que este circunda a região metropolitana de São Paulo. g) Ferroanel Sul em São Paulo Também se encontra em início de discussão a construção do trecho sul do Ferroanel, com cerca de 35 km de extensão, interligando a MRS com a ALL na região de Embu Guaçú. Da mesma forma que o trecho norte, prevê-se a possibilidade de aplicação da PPP, e também neste caso seria principal beneficiária a MRS Logística. Há intenso fluxo rodoviário em rotas paralelas ao Ferroanel, também de difícil mensuração, posto que este circunda a região metropolitana de São Paulo. 115 5.3 SELEÇÃO DO SEGMENTO A ESTUDAR A tabela 29 mostra a análise dos trechos-candidatos em relação aos critérios de elegibilidade que definirão, no seu conjunto, a viabilidade ou não da operação no regime de segregação da infra-estrutura. Critério Capacidade de Distância de vazão transporte 1 – Corumbá - Santos Atende Atende Atende Fluxo rodoviário significativo Atende 2 – São Paulo - Uruguaiana Atende Atende Atende Atende Atende 3 – Araguari - Santos Atende Atende Atende Atende Não atende 4 – Nova Transnordestina Atende Atende Atende Não atende Atende 5 – Ferrovia Norte-Sul Atende Atende Atende Não atende Atende 6 – Ferroanel Norte em SP Não atende Atende Não atende Atende Atende 7 – Ferroanel Sul em SP Não atende Atende Não atende Atende Não atende Trecho Densidade de tráfego Unicidade de gestão Atende Tabela 29: Elegibilidade de segmento ferroviário para estudo de caso Com relação à tabela 29, cabem as seguintes notas explicativas sobre o atendimento ou não a cada critério: Corredor Corumbá – Santos a) Trecho com baixa densidade de tráfego (atende à condição): especialmente no segmento entre Corumbá e Bauru (antiga EFNOB) a linha apresenta grande ociosidade. De Bauru a Mairinque (SP), via Botucatu (SP) e Sorocaba (SP), existe algum movimento. Somente entre Mairinque e Santos há maior tráfego, porém a linha é dupla na Serra do Mar. b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): os segmentos nas antigas EFNOB e EFS passaram por diversas obras de melhoria da capacidade de transporte nas décadas de 1970 e 1980, e a linha na Serra do Mar foi totalmente remodelada na mesma época. c) Trecho com boa quilometragem (atende à condição): trecho com extensão total de 1.758 km em bitola métrica (sendo mista na Serra do Mar). d) Trecho com fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (atende à condição): na região, especialmente no segmento de Campo Grande a Santos pelas diversas 116 rodovias passa uma grande tonelagem de carga nos dois sentidos, especialmente no de exportação. e) Trecho com unicidade de gestão (atende à condição): desde a aquisição da holding Brasil Ferrovias pela ALL em maio de 2006 todo o trecho é operado por uma única administração ferroviária. Corredor São Paulo – Uruguaiana a) Trecho com baixa densidade de tráfego (atende à condição): com exceção do segmento entre Uvaranas (Ponta Grossa) e Engenheiro Bley, no Estado do Paraná, com tráfego médio, todo o restante do trecho de Tatuí (nas proximidades de Sorocaba) a Porto alegre, e de lá a Uruguaiana, tem um tráfego leve. O mesmo ocorre na linha de bitola 1.435 mm na Argentina entre Paso de los Libres e Buenos Aires. b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): os segmentos entre Tatuí e Porto Alegre fazem parte do Tronco Sul, construído por etapas em condições técnicas modernas ao longo do século XX, inclusive com previsão na plataforma e no gabarito para bitola larga. Entre Porto Alegre e Uruguaiana foram construídas diversas variantes para retificação do traçado nas décadas de 1970 e 1980. No segmento argentino, mesmo não tendo passado por obras de vulto nas últimas décadas, o baixo nível de tráfego e as condições geométricas de um relevo plano garantem uma capacidade de transporte razoável. c) Trecho com boa quilometragem (atende à condição): trecho com extensão total de 2.160 km em bitola métrica e com 754 km em bitola 1.435 mm na Argentina. d) Trecho com fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (atende à condição): na região do Tronco Sul segue paralelo às rodovias BR-101 e BR-116, ambas com forte tráfego de cargas entre o Sul e o Sudeste do Brasil, em boa parte também se integrando com a fronteira argentina em Uruguaiana e Paso de los Libres e daí a Buenos Aires. e) Trecho com unicidade de gestão (atende à condição): desde a aquisição das concessões das ferrovias argentinas em 1999 e da aquisição da Brasil Ferrovias pela ALL em maio de 2006 todo o trecho é operado por uma única administração ferroviária. Corredor Araguari – Santos 117 a) Trecho com baixa densidade de tráfego (atende à condição): o segmento entre Araguari (MG) e Boa Vista (SP) tem baixa densidade de tráfego, e entre Boa Vista e Santos, na ALL, o tráfego é maior, porém a linha é dupla na Serra do Mar. b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): os segmentos entre Araguari e Boa Vista e daí a Mairinque fazem parte do Tronco Sul, construído por etapas em condições técnicas modernas na década de 1970, inclusive com previsão na plataforma e no gabarito para bitola larga. E a linha da ALL na Serra do Mar foi totalmente remodelada na mesma época. c) Trecho com boa quilometragem (atende à condição): trecho com extensão total de 850 km em bitola métrica (sendo mista na Serra do Mar). d) Trecho com fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (atende à condição): na região segue paralelo às rodovias SP 330 e SP 348, ambas com forte tráfego de cargas entre o Triângulo Mineiro e o Planalto Central e o litoral paulista. e) Trecho sem unicidade de gestão (não atende à condição): o segmento entre Araguari e Boa Vista é operado pela Ferrovia Centro-Atlântica, e o segmento entre Boa Vista e Santos pela ALL, desde a aquisição da Brasil Ferrovias em maio de 2006. Corredor da Nova Transnordestina a) Trecho com baixa densidade de tráfego (atende à condição): considerando-se como ainda em construção, estima-se que tão logo entre em operação a densidade de tráfego seja baixa, pelo menos nos primeiros anos. b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): sendo uma obra nova, com modernas condições técnicas, terá boa capacidade de transporte. c) Trecho com boa quilometragem (atende à condição): interligando o sul do Piauí com os portos de Pecém, em Fortaleza, e Suape, no Recife, terá a extensão total de 1.796 km de linhas novas e recuperadas. d) Trecho sem fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (não atende à condição): na região ao longo da Nova Transnordestina não são comuns as rodovias com demanda expressiva de transporte. e) Trecho com unicidade de gestão (atende à condição): é prevista a operação de todo o trecho considerado pela CFN – Companhia Ferroviária do Nordeste. Corredor da Ferrovia Norte-Sul 118 a) Trecho com baixa densidade de tráfego (atende à condição): considerando-se como ainda em construção, com apenas os primeiros segmentos em operação, é natural que a densidade de tráfego seja baixa, pelo menos nos primeiros anos. b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): sendo uma obra nova, com modernas condições técnicas, tem boa capacidade de transporte. No entanto o trecho da EFC de Açailândia (MA) a São Luis (MA) já se apresenta parcialmente congestionado. c) Trecho com boa quilometragem (atende à condição): já contando com 215 km em operação entre Açailândia a Aguiarnóplis (TO), mais 513 km da EFC até São Luis, a ferrovia terá, quando concluída, 1.980 km de extensão. d) Trecho sem fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (não atende à condição): na região ao longo da Ferrovia Norte-Sul não são comuns as rodovias com demanda expressiva de transporte. e) Trecho com unicidade de gestão (atende à condição): tendo em vista o processo de subconcessionamento ganho pela CVRD em 2007. Corredor do Ferroanel Norte em São Paulo a) Trecho com baixa densidade de tráfego (não atende à condição): mesmo considerandose na ocasião como um trecho de construção recente, já no início de operação deverá apresentar uma alta densidade de tráfego, em virtude da demanda reprimida de transporte ferroviário na região da grande São Paulo, especialmente na travessia entre o Ramal de São Paulo da MRS e a linha da ALL em direção ao interior do estado. b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): sendo uma obra nova, com modernas condições técnicas, terá boa capacidade de transporte. c) Trecho com pequena quilometragem (não atende à condição): contando com apenas 65 km entre as imediações das estações de Pinheirinho (no Ramal de São Paulo) e Campo Limpo (próximo a Jundiaí). d) Trecho com fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (atende à condição): na região da grande São Paulo se concentra o principal nó rodoviário brasileiro, com forte tráfego de cargas entre as diversas regiões do Brasil. e) Trecho com unicidade de gestão (atende à condição): por se localizar na região de concessão da MRS Logística S. A., interligando duas de suas linhas (Ramal de São Paulo e linha de Santos a Jundiaí), prevê-se que o trecho seja operado unicamente pela MRS. 119 Corredor do Ferroanel Sul em São Paulo a) Trecho com baixa densidade de tráfego (não atende à condição): mesmo considerandose na ocasião como um trecho de construção recente, já no início de operação deverá apresentar uma alta densidade de tráfego, em virtude da demanda reprimida de transporte ferroviário na região da grande São Paulo, especialmente na travessia entre o Ramal de São Paulo da MRS e a linha da ALL em direção ao porto de Santos. b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): sendo uma obra nova, com modernas condições técnicas, terá boa capacidade de transporte. c) Trecho com pequena quilometragem (não atende à condição): contando com apenas 35 km entre as imediações das estações de Rio Grande da Serra (na linha entre Paranapiacaba e São Paulo) e Evangelista de Souza (na linha de Mairinque para a Baixada Santista). d) Trecho com fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (atende à condição): na região da grande São Paulo se concentra o principal nó rodoviário brasileiro, com forte tráfego de cargas entre as diversas regiões do Brasil e o porto de Santos. e) Trecho sem unicidade de gestão (não atende à condição): por se localizar na região limite entre duas concessões, interligando as linhas da MRS e da ALL (antiga Ferroban), existem dúvidas sobre qual a operadora final, e de qualquer forma em pelo menos numa das extremidades existirá uma estação limite de uma operadora para outra. Dos trechos analisados, somente os Corredores Corumbá – Santos e São Paulo – Uruguaiana atendem a todos os critérios de elegibilidade. Dentre os dois trechos previamente selecionados, será desenvolvido o estudo no Corredor Corumbá – Santos, tendo em vista seu maior potencial de atração de novos operadores ferroviários, caso a segregação da infra-estrutura prospere, tendo em vista: • o incremento da produção de grãos no Centro-Oeste; • a perspectiva de transporte do minério de ferro de Urucum (MS), estimulada pelo forte incremento de preços FOB (Brasil) do minério ferro, que variou de US$ 12 em 1980 para US$ 36 nos dias atuais; • a possibilidade de operador turístico ferroviário no Pantanal Mato-Grossense. Ademais, esse trecho é de alguma forma concorrente com outro trecho da ALL: a ligação entre Alto Araguaia (MT) e Santos, em bitola larga, que possui parque de material rodante e condição de via muito superiores ao do trecho Corumbá – Santos. Em virtude dos recursos aplicados pela ALL na aquisição de novas ferrovias, e consideradas as maiores 120 atratividades do trecho de bitola larga sobre o de estreita, parece lógico que a concessionária prefira investir onde os resultados sejam mais pronunciados e mais rápidos, ou seja, na linha de bitola larga. Isso evidentemente abre espaço para que novos operadores se insiram na linha de bitola estreita, com a ALL se remunerando por fretes próprios e também pelo trackright. O trecho a estudar possui a extensão total de 1.758 km, dos quais 1.299 km de Corumbá a Bauru e 459 km de Bauru a Santos. 5.4 NOTAS ADICIONAIS SOBRE O CORREDOR CORUMBÁ – SANTOS Em 2004, o Porto de Santos movimentou 67 milhões de toneladas, sendo 58 milhões no comércio exterior e 9,6 milhões na cabotagem. O Estado de São Paulo foi responsável por 71% da tonelagem exportada e 80% da tonelagem importada por Santos, em 2004 (Lacerda, 2002). O porto respondeu também por valores expressivos das exportações de Mato Grosso do Sul. Entre os produtos com grande movimentação em Santos, três destacam-se como tipicamente ferroviários: soja, açúcar e álcool. O corredor Corumbá – Santos, atendendo à Bolívia, Mato Grosso do Sul e interior de São Paulo poderá vir a desempenhar um papel mais relevante que o atual, sobretudo no escoamento de produtos de importação e exportação de Bolívia e do Mato Grosso do Sul, visto que as opções de transporte para essas regiões são limitadas, posto que se encontram a grande distância de portos marítimos alternativos e que a hidrovia do rio Paraguai apresenta limites ambientais e físicos (calado em períodos de vazante) ao transporte em grande escala. A baixa utilização do transporte hidroviário torna o Mato Grosso do Sul dependente dos portos das Regiões Sul e Sudeste para as suas trocas com o exterior. Em 2004, 79% do valor das exportações de Mato Grosso do Sul foi movimentado pelos portos de Santos (39%), Paranaguá (22%) e Itajaí (18%). Os portos fluviais de Corumbá e de Porto Murtinho responderam por apenas 11% do valor das exportações do estado. As importações de Mato Grosso do Sul são realizadas em sua maior parte por via aérea, pelo aeroporto de Corumbá, por onde entraram 69% do valor das importações do estado, em 2006. Os portos fluviais do estado praticamente não operaram na importação nesse ano. 121 Não obstante as suas limitações, a hidrovia do Rio Paraguai é importante via de integração regional, utilizada para escoar soja da Bolívia e do Centro-Oeste brasileiro, além do minério de ferro produzido na região de Corumbá. Em 2004, o Mato Grosso do Sul exportou 1,7 milhão de toneladas de minério de ferro e 345 mil toneladas de soja pelo rio Paraguai. As exportações de soja da Bolívia, pela hidrovia do Rio Paraguai, são da ordem de 1 milhão de toneladas anuais. O maior potencial para alavancar investimentos no transporte ferroviário do Estado de Mato Grosso do Sul e da Bolívia são as reservas de minério de ferro das regiões de Corumbá e de Mutún, consideradas entre as maiores da América do Sul. No entanto, as restrições ao escoamento do minério pelo rio Paraguai e a precariedade da logística ferroviária têm inibido os investimentos nas atividades de mineração e siderurgia no Mato Grosso e na Bolívia. A exportação de minério de ferro do Mato Grosso do Sul e da Bolívia por Santos é dificultada pela falta de terminais adequados para o embarque de minério de ferro no porto santista. A utilização da ALL para o transporte de grandes volumes de minério de ferro e de produtos siderúrgicos poderia tornar a ferrovia rentável e viabilizar os investimentos necessários na sua infra-estrutura e em equipamentos de transporte. Na Baixada Santista o trecho ferroviário na margem direita do porto de Santos é operado, desde 2000, por um consórcio formado por MRS e ALL, a Portofer, como resultado de um contrato de arrendamento de instalações, equipamentos e vias férreas assinado com a Companhia Docas de São Paulo (Codesp), visando racionalizar o tráfego das composições ferroviárias. Levantamentos do autor junto à Portofer mostram que o tempo de permanência dos vagões no porto passou de 120 horas, em 1998, para 29 horas, em 2004. A Portofer também estima que a capacidade ferroviária do porto, se superados os entraves à movimentação ferroviária, seja de mais de 40 milhões de toneladas anuais. A margem direita é responsável por quase 60% da movimentação do porto. Sua capacidade de transporte de cargas ferroviárias é de 18 milhões de toneladas anuais, mas os terminais só têm capacidade de movimentação ferroviária de 8 milhões, atualmente, e de 14 milhões se superados os entraves atuais. A margem esquerda movimenta atualmente quase 20 milhões de toneladas. A capacidade atual de transporte de cargas ferroviárias na margem esquerda é de 17 milhões de toneladas anuais, entretanto os terminais só podem movimentar 8 milhões de cargas ferroviárias. 122 A capacidade de transporte ferroviário na margem esquerda poderia ser aumentada para até 25 milhões de toneladas anuais, se os terminais tivessem capacidade para movimentar toda essa carga ferroviária. Para incrementar a capacidade de movimentação de cargas ferroviárias nos terminais do porto são necessários investimentos tanto por parte dos arrendatários dos terminais quanto pela administração portuária. Está em andamento a implantação da bitola mista pela MRS em cerca de 16 km, entre os pátios de Perequê e Valongo, com o objetivo de permitir o acesso à margem direita do porto aos trens em bitola métrica, sem que eles tenham que percorrer as áreas urbanas de São Vicente e Santos. Esse investimento teve origem numa resolução da ANTT autorizando inicialmente a Ferroban (antes de sua aquisição pela ALL) a construir uma segunda via, em bitola mista, na faixa de domínio da MRS, entre os pátios de Perequê e Valongo. Como a Ferroban não executou a obra no prazo acordado, a MRS ficou autorizada a implantar um terceiro trilho na via atual. A resolução também autorizou a circulação de trens da MRS em vias da Ferroban no acesso aos pátios e terminais de Pederneiras e Campinas, no interior de São Paulo. Além de investimentos em infra-estrutura, são necessárias definições regulatórias sobre o compartilhamento de malhas entre as concessionárias. A resolução ANTT 945, de 4 de maio de 2005, determinou a implantação do regime de direito de passagem para a circulação de cargas da ALL (na época ainda como Brasil Ferrovias) na malha da MRS nos trechos Perequê a Conceiçãozinha (25 km) e Perequê a Valongo (16 km). Anteriormente a essa resolução, os vagões da Brasil Ferrovias, para alcançar os terminais do Porto, eram tracionados pelas locomotivas da MRS, o que acarretava aumento do tempo necessário para realizar o transporte. 5.5 FLUXOS RODOVIÁRIOS E FERROVIÁRIOS NA ÁREA DE ABRANGÊNCIA DO CORREDOR ESCOLHIDO Inicialmente foram definidas as áreas de abrangência das rodovias e ferrovias integrantes do corredor Corumbá – Santos com base na lógica da concorrência entre os vários eixos de circulação no Estado de São Paulo, e por extensão no Mato Grosso do Sul. Como as principais rodovias e ferrovias adentrando o território dos dois Estados historicamente sempre exerceram forte influência nas regiões que as margeiam, atraindo as 123 demandas de cargas até uma certa distância transversal, foram traçadas linhas de contorno dividindo estas áreas de abrangência localizadas entre cada um dos dois importantes eixos rodoviários e ferroviários vizinhos e concorrentes. Desta forma foi considerado ao norte o eixo concorrente das ferrovias de bitola larga (antigas Estrada de Ferro Santos a Jundiaí, Companhia Paulista, Estrada de Ferro Araraquara e Ferronorte) e das rodovias Anhangüera (SP-330), dos Bandeirantes (SP-348) e Washington Luiz (SP-310). Ao sul foi considerado o eixo concorrente dos ramais ferroviários da Estrada de Ferro Sorocabana no litoral sul e em direção a Ourinhos e Presidente Epitácio, e da rodovia Regis Bittencourt (BR-116). A forma geográfica ilustrada das linhas de contorno, incorporando as rodovias concorrentes, para ambos os casos está ilustrada na figura 27. Eixo ferroviário Figura 27: Delimitação das áreas de abrangência do corredor ferroviário Com relação aos fluxos rodoviários, na área de influência do Corredor Ferroviário, foi considerado o somatório dos fluxos existentes entre os nós ao longo das principais rodovias e mais as secundárias paralelas, que pela lógica representam um conjunto único de escoamento das cargas a ser captado. No caso ferroviário, pela inexistência de linhas paralelas na mesma região de influência, foram considerados os fluxos medidos diretamente em cada trecho entre as principais cidades e entroncamentos. 124 5.6 ESTIMATIVA DOS NOVOS FLUXOS FERROVIÁRIOS PASSÍVEIS DE CAPTAÇÃO PELOS NOVOS OPERADORES FERROVIÁRIOS No Corredor em estudo, as variações futuras do fluxo de cargas ferroviárias não devem ter como base de cálculo unicamente o desempenho passado. Isso porque as ocorreram constantes mudanças de administração na Ferrovia Novoeste (Bauru – Corumbá) desde sua constituição em 1996, e também pela concentração das prioridades de ação comercial e geração de transporte na linha de bitola larga do corredor da Ferronorte, através das antigas ferrovias Araraquarense e Paulista, adotadas pelos novos gestores da holding Brasil Ferrovias, de 2002 a 2006, em detrimento do corredor de bitola métrica das antigas ferrovias Novoeste e Sorocabana. No entanto, a análise dos resultados gerais de desempenho das ferrovias brasileiras demonstra que no período pós-privatização, de 1998 a 2005, o transporte ferroviário em toneladas úteis no Brasil cresceu em 51,58 % (Revista Ferroviária, 2000 e 2006), se consideradas todas as cargas menos minério de ferro e soja, contra um crescimento no Produto Interno Bruto nacional de apenas 19,76 %, (Ipeadata, 2007), podendo-se inferir que ocorreu transferência de cargas da rodovia para a ferrovia. Foi desconsiderado o minério de ferro (bruto e em pelotas), por não ser ainda uma carga expressiva no corredor (muito embora existam possibilidades de aproveitamento de Urucum, no MS) e também não ser considerado como uma carga captável à rodovia, e nem o complexo de soja (em grãos, farelo e óleo), tendo em vista a enorme expansão dos cultivares em todo o país e também devido ao fato de que expressiva parte dessa produção foi captada pela Ferronorte, em bitola larga, que saltou de zero em 1998 para 8 milhões de toneladas úteis transportadas em 2005. Portanto conclui-se que o processo de privatização, mesmo não contemplando acréscimos na malha existente, mas apenas através de melhor gestão e reequipamento, foi capaz de captar novas cargas numa proporção muito maior que a variação do PIB. Nesse sentido, pode-se inferir que em torno de 30% do acréscimo de transporte na ferrovia, em toneladas úteis, foram resultado de captação à rodovia. Com base nestes fatos foi elaborado um novo diagrama unifilar ferroviário (figura 28) considerando a nova captação de mais 30 % de transporte, para ser adotado como base para futuros cálculos. 125 Figura 28: Diagrama unifilar da demanda ferroviária 5.7 ESTIMATIVA DOS CUSTOS DA OPERAÇÃO FERROVIÁRIA SEGREGADA A segregação da infra-estrutura ferroviária pressupõe a execução de diversas funções pelo operador entrante, não apenas por razões de economia como também para atingir um maior grau de eficiência, ao manter sob um gerenciamento único todas as etapas vitais do processo, desde a operação direta até a manutenção corrente do material rodante, ficando a cargo do gestor da infra-estrutura ferrovia apenas o compromisso de coordenar e dar condições de tráfego na linha aos trens de terceiros. Desta forma caberão ao operador entrante todos os custos diretos de administração, operação e manutenção dos trens, mais os custos de direito de passagem ou trackright sobre a via segregada. 5.7.1 Premissas Básicas Do trecho total com a extensão de 1.758 km, sendo 1.299 km de Corumbá a Bauru e 459 km de Bauru a Santos, será excluído num primeiro cenário o trecho de Corumbá a Campo Grande, com 428 km, devido à baixa demanda rodoviária atual a ser 126 captada pela ferrovia, resultando numa extensão a estudar de 1.330 km entre Campo Gande e Santos. Com uma velocidade média de 18 km/h, a viagem total será de 74 horas, sendo o ideal considerar quatro dias para cada sentido, mais um dia de carga e descarga em cada extremidade, totalizando uma rotação de 10 dias. Portanto num ano ter-se-á com segurança 35 viagens completas para cada trem, admitida para fins de simplificação a ausência de sazonalidade. Pelo quadro de demanda ferroviária (figura 28) é a seguinte a estimativa de parcela de captação de cargas da rodovia para a ferrovia, em cada segmento (em milhares de toneladas úteis anuais): • Santos – Mairinque: 163 (import.) e 846 (export.); • Mairinque – Bauru: 193 (import.) e 558 (export.); • Bauru – Três Lagoas: 196 (import.) e 275 (export.); • Três Lagoas – Campo Grande: 190 (import.) e 315 (export.); • Campo Grande – Corumbá: 23 (import.) e 56 (export.). Neste caso poderá ser considerada como demanda no trecho de Campo Grande a Santos, para importação 163.000 t/ano, e para exportação 275.000 t/ano. Considerando-se a utilização dos vagões no transporte em ambos os sentidos, o material rodante poderá ser dimensionado para sentido de maior tonelagem: exportação de 275.000 t/ano. As cargas a serem consideradas no trecho de Campo Grande a Santos, neste primeiro cenário poderão ser, dentre outras: a) no sentido de exportação: soja, farelo de soja, óleo de soja. b) no sentido de importação: calcário para agricultura, fertilizantes, contêineres com carga geral. Num segundo momento poderá ser o projeto estendido a Corumbá, para o transporte no sentido de exportação para a região do Estado de São Paulo (consumo doméstico e exportação por Santos), envolvendo ferro gusa e vergalhões de aço a serem produzidos pela siderúrgica da MMX em Corumbá. 127 5.7.2 Aquisição de Material Rodante Para fins de dimensionamento dos vagões, com a utilização típica no trecho de vagões com 20 t/eixo, portanto com 80 t de peso bruto, pode ser considerada a lotação média de 60 t / vagão, tanto no caso de vagões hopper fechados (para soja, farelo de soja, calcário para agricultura, fertilizantes etc.), quanto vagões tanques (para óleo de soja) ou vagões pranchas (para contêineres com carga geral), ilustrados como exemplos nas figuras 29, 30 e 31. Figura 29: Exemplo de vagão hopper fechado para cargas a granel (Daniel Trevisan, via Internet) 128 Figura 30: Exemplo de vagão plataforma para contêineres (Daniel Trevisan, via Internet) Figura 31: Exemplo de vagão tanque para óleo de soja (Daniel Trevisan, via Internet) Para uma rotação de 10 dias, em um ano, serão 35 viagens completas, e cada vagão transportará no período 2.100 t. Sendo considerada a utilização em ambos os sentidos, e portanto o material rodante dimensionado para sentido de exportação, como de maior tonelagem, com 275.000 t/ano, serão necessários 131 vagões efetivamente em operação, formando-se uma frota total de 146 vagões, já com a previsão de 10 % de imobilização média para manutenção. 129 Utilizando-se trens com uma formação típica de 24 vagões tracionados por uma locomotiva (podendo haver acoplamento de composições, neste caso mais de um bloco de vagões e locomotivas na mesma proporção), como habitualmente operado ao longo do trecho estudado (ANTT, 2007), serão necessárias 6 locomotivas de linha e pelo menos duas de manobra (na origem, já que no destino a Portofer executa esse papel), perfazendo uma frota total de 10 locomotivas (sendo oito de linha e duas de manobra), já com a previsão de 20 % de imobilização média para manutenção (uma vez que se imagina o uso de locomotivas de segunda-mão). O custo unitário dos vagões, levantado pelo autor junto a fornecedores de material rodante, está na faixa de R$ 250.000,00 para tanque, de R$ 180.000,00 para hopper fechado, e de R$ 150.000,00 para plataforma, sendo que para fins deste estudo será considerado o valor de R$ 180.000,00 como médio, também por ser predominante na frota atual da Novoeste o hopper fechado. Quanto às locomotivas diesel-elétricas, de segunda-mão e em bom estado de conservação, com potência da ordem de 3.000 hp (superiores às GE U20C comumente encontradas no Brasil), podem ser encontradas unidades nos EUA e no México na faixa de custo unitário de aproximadamente R$ 1.000.000,00 (incluindo reforma, adaptação e rebitolagem no Brasil), especialmente nos modelos GE C40-8, C40-8W (ambas “Dash 8”), C30-S7N, C30-S7R (ambas “Super Seven”). A rebitolagem justifica-se pelas diferenças entre a bitola na área do NAFTA (1.435 mm) e a bitola métrica do corredor em estudo. Esse valor foi apurado com base em Valor Econômico (2007), que ao fazer um retrospecto dos investimentos da ALL em 2007, informou ter sido R$ 105 milhões o gasto com 104 locomotivas importadas modelo GE C30. Observe-se que o custo de R$ 1.000.000,00 aplica-se a locomotivas de linha (potências de 3.000hp). Para as locomotivas de manobra (potências da ordem de 1200 hp), a estimativa é que custem 60% do valor das de linha. Considerando-se que o estoque de locomotivas C30-7 e C36-7 (“Dash 7”), como as que as Ferrovias brasileiras importaram até agora, já esteja esgotado, outra opção poderá ser a dos modelos GM SD40, SD40-2, SD40T-2, SD45, SD45-2, SD45T-2 e SD50, como ilustrado na figura 5.9. 130 Figura 32: Locomotivas estocadas para venda nos EUA (Paul Duda, via Internet) No caso de locomotivas novas de 3.000 HP o custo unitário está na faixa de R$ 4.000.000,00 a 4.500.000,00. 5.7.3 Manutenção do Material Rodante Para manutenção das locomotivas de linha o custo médio anual é de R$ 150.000,00 por unidade, correspondendo a aproximadamente 15% do custo de aquisição de uma locomotiva usada, segundo informações colhidas com técnicos vinculados à indústria de locomotivas. Para locos de manobra será considerado um valor anual de R$ 90.000,00. Para manutenção dos vagões, pode ser considerado o custo médio anual de R$ 9.000,00 por unidade, correspondendo a aproximadamente 5% do custo de aquisição de um vagão novo segundo informações colhidas com técnicos vinculados à indústria de vagões. 131 5.7.4 Combustível e Lubrificantes Conforme exposto no item 5.7.2, serão realizadas 35 viagens completas por ano. Considerando-se o percurso total de e 1.330 km entre Campo Grande e Santos, ou 2.660 km de ida e volta, chega-se a 93.100 km percorridos por cada locomotiva por ano. Ajustando-se esse valor para percursos não comerciais (ida a oficinas, depósitos, postos de abastecimento etc.) chega-se a 100.000 km/ano/locomotiva. Para um consumo de cerca de 5 litros por km e uma frota de 6 locomotivas de linha, chega-se a um consumo anual de óleo diesel de 3 milhões de litros. Adicionando-se a esse valor 10% para as manobras e o equivalente em lubrificantes, tem-se um valor final de 3.300.000 litros/ano. A um custo médio de R$ 1,665 o litro, aplicado um redutor de 10%, típico de grandes clientes, para o valor médio de revenda praticado no Sudeste, de R$ 1,85 o litro, segundo dados da ANP (2007), o gasto final nessa rubrica seria de R$ 5,5 milhões/ano. 5.7.5 Pessoal Operativo Estima-se que as locomotivas atuem no regime de monocondução, com uma média de quatro maquinistas por máquina, por período de 24 h. Para um parque operativo de oito máquinas, ter-se-ia aproximadamente 32 maquinistas. Com isso a equipe operativa seria composta por: ● trinta e dois maquinistas (salário médio de R$ 1.800,00 com encargos sociais) ● dois fiscais de tração (salário médio de R$ 2.700,00 com encargos sociais); ● dois engenheiros de operação e manutenção (salário médio de R$ 8.100,00 com encargos sociais); ● dois técnicos em manutenção, para acompanhar reparos em oficinas de terceiros (salário médio de R$ 1.800,00 com encargos sociais); ● seis artífices de mecânica para inspeção de trens em pátios (salário médio de R$ 1.080,00 com encargos sociais). A folha anual seria de portanto R$ 1.100.000,00, considerados os encargos sociais incidentes sobre os salários. 132 5.7.6 Administração Para custeio da administração e das atividades comerciais podem ser considerados 15 % dos custos totais intrínsecos, isto é, internos ao processo de produção de transporte (itens 5.7.3, 5.7.4 e 5.7.5). 5.7.7 Trackright O “trackright” é o pagamento pelo direito de passagem que um operador faz à ferrovia dominante do trecho considerado, para fins de remuneração pelos custos de manutenção e operação da via e dos sistemas de sinalização e controle, não considerados os custos de operação e manutenção do material rodante e de tração. A título de exemplo, a Ferrovia Centro-Atlântica pagava à Central Logística o valor R$ 14,00/mil tkb para passagem nos subúrbios do Rio de Janeiro até meados do ano de 2007. Esse valor foi objeto de muita discussão, uma vez que era baseado em custos médios e não em custos marginais. Considerando-se que a segregação do trecho em estudo, por ser na modalidade do “third part access”, em que há um operador dominante, a quem interessa a partilha dos custos de manutenção da via, pode-se imaginar como válida uma redução de 20% no valor antes apresentado, isto é, R$ 11,2/mil tkb. De acordo com as premissas básicas indicadas no item 5.7.1, tem-se que a tonelagem líquida em exportação é estimada em 275.000 t/ano; e a tonelagem líquida de importação estimada em 163.000 t /ano; No caso dos vagões, para um transporte de 275.000 t / ano num sentido, serão 4.583 vagões em tráfego, totalizando uma tara de 91.660 t / ano em cada sentido; No caso das locomotivas, para um transporte de 275.000 t / ano num sentido, serão 191 locomotivas em tráfego (24 vagões por loco), pesando em média 120 t cada unidade, totalizando uma tara de 22.920 t / ano em cada sentido. A tabela 30 explicita os cálculos do momento bruto de transporte anual. 133 Tonelagem líquida de exportação (tu) 275.000 Tonelagem líquida de importação (tu) 163.000 Tara dos vagões nos dois sentidos 183.320 Tara das locomotivas nos dois sentidos Tonelagem bruta total (tb) Tonelagem-quilômetro bruta em 1.330 km (tkb) 45.840 667.160 887.322.800 Tabela 30: Momento bruto de transporte anual (tkb) A tonelagem bruta total anual será de 924.031 tkb, que, a um custo de R$ 11.20/mil tkb, totaliza R$ 9,940 milhões/ano em pagamento de direito de passagem ao operador dominante. 5.8 ESTIMATIVA DAS RECEITAS 5.8.1 Receitas de Fretes Para fins de cálculo da tarifa e da receita obtida com o transporte, em 2006 a Ferrovia Novoeste S. A., operadora de parte do trecho considerado (de Campo Grande a Bauru) apresentou um produto médio de R$ 68,05/mil tku (ANTT, 2006b). É oportuno lembrar que está ocorrendo um realinhamento de preços nesse corredor, uma vez que o produto médio era de apenas R$ 29,26/mil tku em 2002. Considerando-se a tonelagem útil transportada em ambos os sentidos, de 438.000t, na extensão total de 1.330 km, chega-se a 582.540.000 tku, e aplicando-se a tarifa média de R$ 68,05/mil tku, antes descrita, obtém-se a receita anual total de R$ 39.641.847,00. 5.8.2 Deduções da Receita Do valor arrecadado devem ser deduzidos os chamados tributos diretos. Primeiramente, tem-se a contribuição para o PIS/PASEP, que, além das duas regras gerais de apuração (incidência não-cumulativa e incidência cumulativa), possui ainda diversos regimes especiais de apuração. No regime de incidência cumulativa a base de cálculo é o total das receitas da pessoa jurídica, sem deduções em relação a custos, despesas e encargos. 134 Nesse regime, a alíquota da Contribuição para o PIS/PASEP é de 0,65%. No regime de incidência não-cumulativa é permitido o desconto de créditos apurados com base em custos, despesas e encargos da pessoa jurídica. Nesse regime, a alíquota da Contribuição para o PIS/PASEP é de 1,65%. Existem ainda regimes especiais, cuja característica comum é alguma diferenciação em relação à apuração da base de cálculo e/ou alíquota, com a maioria dos regimes especiais se referindo a incidência especial em relação ao tipo de receita e não a pessoas jurídicas. No presente estudo adotar-se-á o valor de 0,65% incidente sobre a receita. Em segundo lugar, tem-se a COFINS. Trata-se de um tributo cobrado pela União sobre o faturamento bruto das pessoas jurídicas, destinado a atender programas sociais do Governo Federal. Sua alíquota, que era de 2%, foi aumentada para 3% em fevereiro de 1999. São contribuintes da COFINS as pessoas jurídicas de direito privado em geral, inclusive as pessoas a elas equiparadas pela legislação do Imposto de Renda, exceto as microempresas e as empresas de pequeno porte submetidas ao regime do SIMPLES (Lei 9.317/96). A partir de 01.02.1999, com a edição da Lei 9.718/98, a base de cálculo da contribuição é a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevante o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas. No presente estudo adotar-se-á o valor de 3% incidente sobre a receita. Resta ainda o ICMS, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, de competência dos Estados e do Distrito Federal. Sua regulamentação constitucional está prevista na Lei Complementar 87/1996 (a chamada “Lei Kandir”), alterada posteriormente pelas Leis Complementares 92/97, 99/99 e 102/2000. No presente estudo será adotada a alíquota média de 9%. Com isso, as deduções da receita atingem a 12,65% (PIS/PASEP + COFINS + ICMS), o que representa cerca de R$ 5 milhões/ano, fazendo com que a receita líquida seja de R$ 34,6 milhões. 5.8.3 Depreciação O valor da depreciação será calculado em 5% a.a., suposta, dessa forma, valor de salvamento de 25% ao final do 150 ano do projeto. Observe-se que a depreciação só consta 135 do fluxo para efeito do cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro, não interferindo nos demais cálculos. 5.8.4 Contribuição Social sobre o Lucro A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL foi instituída pela Lei nº 7.689, de 1988 e posteriormente alterada pela Lei nº 8.034, de 12 de abril de 1990, Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, Lei nº 8.541, de 23 de dezembro de 1992, Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, Lei nº 9.065, de 20 de junho de 1995, de Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995). A CSLL é destinada ao financiamento da seguridade social, é devida por todas as pessoas jurídicas domiciliadas no País e as que lhe são equiparadas pela legislação do imposto de renda e tem como base de cálculo o lucro líquido do período de apuração antes da provisão para o imposto de renda, ajustado com as adições determinadas e exclusões admitidas, conforme legislação de regência e alíquota de 9% (nove por cento), valor adotado neste estudo. 5.8.5 Imposto de Renda As disposições tributárias do IRPJ aplicam-se a todas as firmas e sociedades, registradas ou não. As empresas públicas e as sociedades de economia mista, bem como suas subsidiárias, são contribuintes nas mesmas condições das demais pessoas jurídicas (Constituição Federal, art. 173 § 1º). As pessoas jurídicas, por opção ou por determinação legal, são tributadas por uma das seguintes formas: simples, lucro presumido e lucro real, que será a forma simplificadora adotada no presente estudo. A base de cálculo do imposto, determinada segundo a lei vigente na data de ocorrência do fato gerador, é o lucro real, presumido ou arbitrado, correspondente ao período de apuração. Como regra geral, integram a base de cálculo todos os ganhos e rendimentos de capital, qualquer que seja a denominação que lhes seja dada, independentemente da natureza, da espécie ou da existência de título ou contrato escrito, bastando que decorram de ato ou negócio que, pela sua finalidade, tenha os mesmos efeitos do previsto na norma específica de incidência do imposto. A alíquota aplicável a pessoa 136 jurídica, seja comercial ou civil o seu objeto, é de 15% (quinze por cento) sobre o lucro real, apurado de conformidade com o Regulamento. 5.8.6 Lucro Líquido Para se obter o lucro líquido foi observada a seguinte marcha de cálculo (com base no art. 187 da Lei nº 6.04, de 1976, e alterações): = receita bruta das vendas e serviços; (-) deduções das vendas, os abatimentos e os impostos; = receita líquida das vendas e serviços; (-) custo das mercadorias e serviços vendidos = lucro bruto; (-) as despesas com as vendas; (-) despesas financeiras, deduzidas das receitas; (-) despesas gerais e administrativas; (-) outras despesas operacionais; = lucro ou prejuízo operacional; (+) receitas não operacionais; (-) despesas não operacionais; = lucro líquido do exercício antes da provisão para o Imposto de Renda; (-) contribuição social sobre o lucro; (-) provisão para o Imposto de Renda; = lucro líquido do exercício. 5.9 AVALIAÇÃO FINANCEIRA 5.9.1 Questões Básicas O fluxo de caixa do estudo de caso foi construído com base nas informações constantes dos itens 5.7 e 5.8. Além disso foram supostos os seguintes parâmetros: ● prazo do projeto: 15 anos; ● taxa de desconto (para cálculo do valor presente líquido): 10% a.a.; 137 ● crescimento de receitas e despesas: 5% a.a., após o terceiro ano. Com relação ao prazo do projeto, o mesmo foi estabelecido com base em várias considerações. Em primeiro lugar, as concessões metroferroviárias brasileiras envolvem prazos de 20 anos (metrô RJ), 25 anos (trens de subúrbio RJ) e 30 anos (ferrovias de carga). Esses prazos foram estabelecidos, fundamentalmente, com base no período de tempo necessário à amortização dos investimentos pelo concessionário, aliado ao fato de que são elevadas as barreiras de saída do negócio, em virtude dos custos afundados existentes. Como no presente estudo de caso os volumes de investimento são significativamente menores, sobretudo pelo fato de não estar em jogo a recuperação da via permanente, e além disso as barreiras de saída são também menores, pois bastaria vender ou alugar o material rodante a outros operadores, julga-se que um período de 15 nos seja suficiente para o horizonte do projeto. Além disso, o prazo de 15 anos é também compatível com a vida útil das locomotivas que estarão sendo adquiridas (supostas de segunda-mão) e com os horizontes de projeto de empreendedores privados que atuam na Grã-Bretanha, por exemplo, que resistem a trabalhar com prazos de retorno maiores diante da possibilidade de turbulências políticas e econômicas. Uma taxa de desconto de 12% é usualmente utilizada em avaliações econômicas de projetos no âmbito de bancos de fomento como BID, BIRD e BNDES. Em avaliações financeiras, o valor dessa taxa no Brasil era, no passado, substancialmente maior, diante da comparação com a remuneração oferecida pelos títulos públicos federais. Atualmente, essa remuneração oscila ao redor de 10% a 12%. Deduzindo-se desse valor 20% do imposto de renda e uma inflação anual de 5%, a remuneração líquida oferecida pelos títulos públicos seria de cerca de 4% a.a. Dessa maneira, uma taxa de desconto de 10%, que evidentemente incorpora riscos do negócio, seria duas vezes e meia superior a de alternativas de baixo risco, como os títulos públicos, o que determina sua razoabilidade. O crescimento de receitas e despesas foi estimado em 5% a.a., decorridos três anos de início da operação. O crescimento das despesas está evidentemente ligado à inerente obsolescência do material rodante com o decorrer do tempo. Já o aumento das receitas baseia-se na correlação direta entre PIB e transporte, com o percentual de aumento compatível com o crescimento do PIB em 2007. 138 5.9.2 Figuras de Mérito - Caso Básico O caso básico da avaliação deste estudo, do ponto de vista financeiro, está mostrado na tabela 31, com a sua construção obedecendo ao prescrito nos itens 5.6, 5.7 e 5.8. As figuras de mérito do caso básico são as seguintes: ● taxa interna de retorno financeiro – TIRF: 18,8% ● valor presente líquido: R$ 22,3 milhões 5.9.3 Figuras de Mérito – Análise de Sensibilidade O caso básico foi submetido a uma análise de sensibilidade, segundo os seguintes critérios: • situação A: aumento de 15% dos valores de aquisição do material rodante; • situação B: aumento de 10% nos valores do custo ajustado; • situação C: diminuição de 10% nos valores do lucro líquido ajustado; • situação D: aumento de 20% no trackright; • situação E: aumentos de 10% nos valores de aquisição do material rodante e de 5% no valores do custo ajustado; • situação F: aumento de 10% no trackright e de diminuição de 5% nos valores do lucro líquido ajustado. 139 9.940.000 9.940.000 1.394.100 1.394.100 35.480.000 20.628.100 20.628.100 35.480.000 20.628.100 20.628.100 39.642.000 5.014.713 34.627.287 2.483.600 2.892.932 4.821.553 26.912.802 26.912.802 6.284.702 -35.480.000 18,83% 22.567.234 II – Receitas 1. Fretes 2. Deduções da receita bruta 3. Receita líquida 4. Depreciação 5. Contribuição social sobre o lucro 6.Imposto de renda 7. Lucro líquido 8. Lucro líquido ajustado III – Fluxo de caixa TIR VPL 6.284.702 39.642.000 5.014.713 34.627.287 2.483.600 2.892.932 4.821.553 26.912.802 26.912.802 1.200.000 180.000 1.314.000 5.500.000 1.100.000 2 8. Track right 9. Administração e comercialização 10. Custo total 11. Custo total ajustado 1 1.200.000 180.000 1.314.000 5.500.000 1.100.000 8.000.000 1.200.000 26.280.000 0 ITEM I – Custos 1. Aquisição de locos de linha 2. Aquisição de locos de manobra 3. Aquisição de vagões 4. M anutenção de locos de linha 4. M anutenção de locos de manobra 5. M anutenção de vagões 6. Combustível e lubrificantes 7. Pessoal operativo 1.200.000 180.000 1.314.000 5.500.000 1.100.000 4 6.598.937 39.642.000 5.014.713 34.627.287 2.483.600 2.892.932 4.821.553 26.912.802 28.258.442 1.200.000 180.000 1.314.000 5.500.000 1.100.000 6 1.200.000 180.000 1.314.000 5.500.000 1.100.000 7 6.928.884 39.642.000 5.014.713 34.627.287 2.483.600 2.892.932 4.821.553 26.912.802 29.671.364 7.275.328 39.642.000 5.014.713 34.627.287 2.483.600 2.892.932 4.821.553 26.912.802 31.154.933 7.639.095 39.642.000 5.014.713 34.627.287 2.483.600 2.892.932 4.821.553 26.912.802 32.712.679 9.940.000 9.940.000 9.940.000 1.394.100 1.394.100 1.394.100 20.628.100 20.628.100 20.628.100 22.742.480 23.879.604 25.073.584 1.200.000 180.000 1.314.000 5.500.000 1.100.000 5 1.200.000 180.000 1.314.000 5.500.000 1.100.000 9 1.200.000 180.000 1.314.000 5.500.000 1.100.000 10 8.021.049 39.642.000 5.014.713 34.627.287 2.483.600 2.892.932 4.821.553 26.912.802 34.348.313 8.422.102 39.642.000 5.014.713 34.627.287 2.483.600 2.892.932 4.821.553 26.912.802 36.065.729 8.843.207 39.642.000 5.014.713 34.627.287 2.483.600 2.892.932 4.821.553 26.912.802 37.869.015 9.940.000 9.940.000 9.940.000 1.394.100 1.394.100 1.394.100 20.628.100 20.628.100 20.628.100 26.327.264 27.643.627 29.025.808 1.200.000 180.000 1.314.000 5.500.000 1.100.000 8 Tabela 31: Fluxo de caixa do estudo - caso básico 6.284.702 39.642.000 5.014.713 34.627.287 2.483.600 2.892.932 4.821.553 26.912.802 26.912.802 9.940.000 9.940.000 1.394.100 1.394.100 20.628.100 20.628.100 20.628.100 21.659.505 1.200.000 180.000 1.314.000 5.500.000 1.100.000 3 1.200.000 180.000 1.314.000 5.500.000 1.100.000 12 9.285.367 39.642.000 5.014.713 34.627.287 2.483.600 2.892.932 4.821.553 26.912.802 39.762.466 9.749.636 39.642.000 5.014.713 34.627.287 2.483.600 2.892.932 4.821.553 26.912.802 41.750.589 9.940.000 9.940.000 1.394.100 1.394.100 20.628.100 20.628.100 30.477.099 32.000.954 1.200.000 180.000 1.314.000 5.500.000 1.100.000 11 1.200.000 180.000 1.314.000 5.500.000 1.100.000 14 1.200.000 180.000 1.314.000 5.500.000 1.100.000 15 39.642.000 5.014.713 34.627.287 2.483.600 2.892.932 4.821.553 26.912.802 46.030.025 39.642.000 5.014.713 34.627.287 2.483.600 2.892.932 4.821.553 26.912.802 48.331.526 140 10.237.118 10.748.973 11.286.422 39.642.000 5.014.713 34.627.287 2.483.600 2.892.932 4.821.553 26.912.802 43.838.119 9.940.000 9.940.000 9.940.000 1.394.100 1.394.100 1.394.100 20.628.100 20.628.100 20.628.100 33.601.001 35.281.051 37.045.104 1.200.000 180.000 1.314.000 5.500.000 1.100.000 13 A tabela 32 mostra o quadro-resumo das análises de sensibilidade, do ponto de vista financeiro. Os resultados de cinco das seis situações testadas (A, B, D, E e F) mostraram taxas internas de retorno superiores à taxa de desconto, e portanto valores presentes líquidos positivos, variando de R$ 0,95 milhão a R$ 17,2 milhões. A situação mais crítica fica por conta da redução mais contundente do lucro líquido ajustado (C), mas que ainda assim produz uma taxa interna de retorno da ordem de duas vezes a rentabilidade real de títulos públicos. Figuras de Mérito TIRF (%) VPL (R$) A 16,06% 17.245.234 B Análise de Sensibilidade - Casos C D 11,51% 3.514.555 8,98% -2.290.169 11,80% 4.205.520 E 13,79% 10.043.436 F 10,42% 957.676 Tabela 32: Análise de sensibilidade 5.9.4 Conclusão da Avaliação Financeira do Estudo de Caso O estudo de caso mostrou que, numa primeira aproximação, o projeto de segregação da infra-estrutura no Corredor Campo Grande (MT) – Santos (SP) é viável do ponto de vista financeiro, tendo em vista a obtenção de taxas internas de retorno atraentes quando comparadas a alternativas de investimento. Observe-se, por oportuno que este Corredor é possuidor de uma grande potencial, quando da exploração em larga escala das jazidas de minério de ferro da região de Corumbá (MS), o que torna ainda mais interessante a questão da segregação, pois neste caso as mineradoras poderiam, a exemplo da Vale do Rio Doce (atualmente denominada apenas de Vale), possuir e conduzir trens dedicados. O estudo de caso ratifica, portanto, as observações do Capítulo 4, no sentido da viabilidade da implantação da segregação da infra-estrutura ferroviária no Brasil. 5.10 AVALIAÇÃO ECONÔMICA 5.10.1 Preliminares Nesse trabalho acadêmico, o conceito de avaliação econômica está ligado ao modo como a sociedade avalia um projeto. Isso a difere da avaliação financeira, que é uma 141 visão do ponto de vista de caixa ou tesouraria dos atores intervenientes (empreendedor, financiador etc.), e também da avaliação social, aqui entendida como a visão de um projeto pelos estratos menos favorecidos de uma sociedade. Uma avaliação econômica, no seu formato mais trivial, parte do caso básico estudado na avaliação financeira, transformando receitas e despesas baseadas em valores de mercado em benefícios e deseconomias lastrados em preços-sombra (shadow prices). Aos elementos antes citados agregam-se as externalidades, positivas ou negativas, ligadas a duas grandes vertentes: • ambiental (poluição sonora, poluição visual, degradação de áreas de conservação etc.); e • operacional (tempo de viagem, gasto com combustível, gasto com conservação de vias, custo de acidentes etc.). Para o presente estudo de caso, considerou–se que os preços-sombra equivalham a 75% dos valores de mercado, fruto da desconsideração, nos primeiros, de tributos (julgada uma transferência entre membros de uma mesma sociedade) e da depreciação. Esse percentual foi adotado pelo autor em avaliações dos projetos financiados pelo Banco Mundial, para a expansão dos metrôs de Belo Horizonte e Recife, ao final da década de 90 (século XX). Como o estudo de caso em pauta é essencialmente desenvolvido no meio rural, entendeu-se serem pouco relevantes as questões de poluição sonora e visual. Além disso, como o que está em jogo é essencialmente a transferência de cargas do modo rodoviário para o ferroviário, a partir de infra-estruturas consolidadas, não faz sentido pensar-se em áreas de conservação degradadas. A questão do tempo de viagem também não será objeto de maiores considerações, uma vez que uma eventual maior velocidade média do caminhão em relação ao trem, quando em marcha, seria compensada pelo maior gasto de tempo pelos veículos rodoviários nas operações nos terminais intermodais, relativamente aos veículos ferroviários, em conferências de documentação, inspeção sanitária e pesagem. O custo dos acidentes, por seu turno, também será posto de lado, uma vez que esse assunto tem muito mais relevância quando se comparam alternativas de transporte de passageiros nos modos rodoviário e ferroviário. Dessa maneira, restam, para inclusão no fluxo de caixa da avaliação econômica, os gastos com combustível, com conservação de vias e de veículos e com a operação destes últimos, que poderiam ser caracterizados como diminuição dos custos operacionais. 142 Essa diminuição, favorável à ferrovia, pode ser calculada com base num diferencial de 30% do valor do frete em favor desta, a preços de mercado, ou de 22,5% em preços-sombra (75% de 30%). Considerando-se o momento de transporte do item 5.8.1 (582.540.000 tku) e uma redução de custos de operacionais de 22,5% sobre os fretes de anuais de R$ 39.641.847,00, chega-se a uma externalidade positiva anual de R$ 8.919.416,00. Essa externalidade, no entanto, deve, a favor da segurança, ser reduzida em 50%, uma vez que parte dos fluxos a serem captados não têm origem e destino em terminais intermodais, mas sim em instalações comerciais ou industriais de maior porte, acarretando a necessidade de uma “ponta” rodoviária adicional no caso do transporte ferroviário. Dessa maneira, a externalidade positiva (a favor da ferrovia) a ser considerada no fluxo de caixa será de R$ 4.459.708,00 anuais. Para o cálculo do valor presente líquido será adotada uma taxa de desconto de 12% a.a., tendo com referência a taxa cobrada no cálculo do pagamento de dívida pública interna, aqui considerada com um dos melhores usos alternativos dos recursos públicos. 5.10.2 Fluxo de Caixa e Figuras de Mérito Aplicando-se as premissas do item anterior ao caso básico da avaliação financeira, foram obtidos os seguintes resultados: • Taxa interna de retorno econômico (TIRE): 34,05% • Valor presente líquido (taxa de desconto de 12% a.a): R$ 43.162.481,00 5.10.3 Conclusão da Avaliação Econômica do Estudo de Caso Os resultados mostram que o projeto de segregação do estudo de caso é, do ponto de vista econômico, ainda mais viável que do ponto de vista financeiro, chegando-se a uma TIRE de 34,05%, contra uma TIRF de 16,6%, para casos básicos. Esse resultado não só embasa os necessários esforços do poder concedente para viabilização da segregação da infra-estrutura ferroviária ora proposta para o segmento estudado, com também sugere a necessidade da realização de novos estudos de segregação para outros corredores. 143 6 SUGESTÕES PARA IMPLANTAÇÃO DA SEGREGAÇÃO DA INFRAESTRUTURA NO BRASIL 6.1 ASPECTOS LEGAIS A CONSIDERAR 6.1.1 Preliminares Como discutido no Capítulo 4, os monopólios apresentam uma ineficiência alocativa, ao produzirem abaixo da quantidade ótima, gerando aquilo que os economistas denominam de “peso morto”. Concomitantemente, pode ocorrer, em trechos ferroviários subutilizados por exemplo, uma ineficiência produtiva. Outros aspectos negativos poderiam se somar, como o tratamento discriminatório contra clientes cativos e a ausência de oferta de transporte para determinados fluxos de mercadorias. Seria natural, portanto, que o poder concedente enxergasse na segregação da infra-estrutura uma ação regulatória mitigadora dos problemas apontados. Isso dentro do conceito de regulamentação, que, segundo Anuatti Neto (2004), representa “o conjunto de regras particulares ou de ações específicas implementadas por agências administrativas para interferir diretamente no mecanismo de alocação do mercado, ou, indiretamente, alterando as decisões de oferta e de demanda de consumidores e produtores. Nesse sentido a segregação poderia ser vista como uma ferramenta de correção de rumo, posto que o regime de concessões ferroviárias brasileiras assemelha-se, para muitos fluxos (reais e potenciais), a monopólio natural, caracterizado economicamente como falha de mercado, algo que ocorreu historicamente porque as tecnologias de produção do transporte apresentavam fortes economias de escala para os tamanhos de mercado relevantes. Essa correção encontra respaldo no fato de que só em situações especiais se justificam direitos de exclusividade, pelo que a Comunidade Européia, por exemplo, tenta implementar certa concorrência na operação. No Brasil, espera-se que a questão da segregação venha a ser discutida pelo Poder Concedente e não necessariamente só pela Agência Reguladora (ANTT), pois governar não deve ser confundido com o ato de regular, da mesma forma que política pública não deve ser confundida com política regulatória, embora em alguns setores a regulação seja 144 responsável pela implementação das políticas públicas, ou seja, pode existir uma relação de complementaridade. Governar é indicar rumos e perseguir objetivos. Regular é equilibrar meios, interesses, necessidades e possibilidades num dado segmento da vida econômica e social, de modo a imprimir, a cada momento, as marcas de uma política pública democraticamente construída (Marques Neto, 2002). As políticas públicas são as metas ou princípios da ação governamental definidos para atingir interesses públicos relevantes. É o próprio ato de governar, cabendo à política regulatória a execução de tais metas ou princípios. Essa execução se dá através da ponderação a respeito da necessidade e da intensidade da intervenção, escolhendo meios e instrumentos para atingir de forma eficiente seu fim, que é a realização da política pública setorial. Com o intuito de embasar sugestões para o projeto de segregação da infraestrutura ferroviária são destacados a seguir os principais aspectos legais envolvidos, sob a ótica do concedente e do concedido. 6.1.2 Embasamento Legal da Segregação da Infra-Estrutura do Ponto de Vista do Poder Concedente Os serviços públicos no Brasil são regidos por um vasto sistema de atribuições de direitos, no qual procurar-se-á situar a questão da segregação da infra-estrutura, sob o ponto de vista do poder concedente. a) Constituição Federal A Constituição Federal, em seu artigo 21, diz ser competência da União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território. Ressalte-se que quando o transporte se realiza apenas no território de um estado e a malha não integra as linhas federais – aquelas previstas nas Leis nº 5.917/73 e 9.060/95 - a competência administrativa e regulamentadora passará a ser realizada pelos governos estaduais, os quais figurarão como poder concedente nas concessões, permissões e 145 autorizações de exploração do serviço. O texto constitucional prescreve ainda, no artigo 175, que a prestação de serviços públicos (onde se inclui o setor ferroviário de cargas) é incumbência do Poder Público, diretamente, ou sob regime de permissão ou concessão. Embora seja regida por um contrato, a concessão envolve a prestação de um serviço público, sendo função do Poder Público regulamentar os objetivos, a forma de execução do serviço, a fiscalização e os direitos e deveres das partes, entre outros aspectos. Inerente ao texto constitucional aparece o princípio do interesse público. Devido à imprecisão de sua definição, o interesse público precisa ser concebido através de uma decisão válida da Administração Pública, através da observância dos princípios constitucionais e administrativos, pois são a única justificativa plausível para os atos do Estado. Cabe lembrar que o interesse da Administração Pública não é público, pois o interesse público não pode ser confundido com seu titular. O Estado é apenas o instrumento de realização dos interesses públicos. Logo, o interesse é público não porque é atribuído ao Estado, mas é atribuído ao Estado por ser público, conforme observa Medauar (1992). O interesse público identifica-se com o bem comum, que é o fundamento e limitação do poder político; fundamento, porque o poder se constitui para atingir o bem comum; e limitação, porque, sendo seu objetivo o bem da pessoa humana, o Estado só deve intervir na esfera da liberdade individual, atendendo ao princípio da subsidiariedade, respeitando o equilíbrio entre a liberdade do indivíduo e a autoridade do Estado. Sempre que o indivíduo ou o grupo sozinho possa agir, o Estado não deve intervir; o bem como se exprime através da lei, não uma lei puramente formal, mas sim uma lei que atenda ao bem comum. Dos parágrafos precedentes emergem portanto dois pontos principais: • a caracterização do serviço ferroviário como serviço público, de competência do Estado para seu provimento; • a noção do interesse público, diretamente ligado ao bem comum. Caso a segregação da infra-estrutura venha a ser considerada, num determinado momento e para um determinado trecho, algo ligado ao bem comum, e em se tratando de um serviço público, não há dúvida de a implantação dessa medida reestruturadora pelo Estado teria respaldo constitucional. 146 b) Defesa da Concorrência Embora o artigo 170 da Constituição estabeleça alguns princípios da ordem econômica, é na Lei 8.884, de 11 de junho de 1994, que é tratada a prevenção e repressão de infrações à ordem citada, tendo como base os princípios de liberdade de iniciativa, da livre concorrência, da função social da propriedade, da defesa do consumidor e repressão ao abuso econômico. De fato, o artigo 20 da referida lei aponta como infrações os atos, mesmo aqueles que não surtem o efeito pretendido, direcionados a: ● limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; ● dominar mercado relevante de bens e serviços; ● aumentar arbitrariamente os lucros; ● exercer de forma abusiva posição dominante. Atualmente dois grandes grupos empresariais controlam a porção mais dinâmica malha ferroviária brasileira, fruto de um intenso processo de realinhamentos acionários, contrário aos princípios esgrimidos nos editais de licitação, que estipulavam em 20% a parcela acionária máxima de um determinado grupo privado numa ferrovia. Isso provavelmente constitui-se numa dominação de mercado, que tende a ser maior à medida que as ferrovias superam a natural fase inicial de rearranjo e ajustes e partem para a expansão de seus negócios. Nesse contexto, a segregação da infra-estrutura poderia ser vista como medida atenuadora dessa dominação. c) Defesa do Consumidor O papel do Estado na promoção da defesa do consumidor está presente no artigo 5 da Constituição Federal. No entanto é na Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, que as disposições constitucionais são mais bem definidas, algo complementado pelo Decreto 1.306, de 9 de novembro de 1994, e pelo Decreto 2.181, de 20 de março de 1997. Primeiramente é importante caracterizar o fato de que os clientes ferroviários são consumidores desse modo de transporte. Isso posto, verifica-se que algumas práticas das operadoras ferroviárias brasileiras envolvendo, por exemplo, elevações tarifárias para 147 clientes cativos e privilegiamento de clientes na oferta de transporte (com alguns clientes sendo obrigados a adquirir vagões para escamento de seus produtos), são facilmente enquadráveis no arcabouço legal em apreciação, razão pela qual a segregação da infraestrutura poderia ser enquadrada como uma medida em defesa do consumidor. d) Princípio da Eficiência Em relação à busca da eficiência administrativa, cabe destacar a definição do princípio da eficiência previsto na Constituição Federal, que para Meirelles (2002) é "o mais moderno princípio da função administrativa", garantindo a presteza, perfeição e rendimento funcional da atividade desempenhada. A eficiência no trato das coisas públicas significa a obrigação do agente público agir com eficácia real e concreta, isto é, do administrador aplicar, sempre, no desempenho de suas atividades públicas, as medidas ou soluções, dentre as previstas em abstrato no ordenamento jurídico, mais positivas (operativas, razoáveis, racionais e de maior eficácia) para a realização satisfatória das finalidades públicas almejadas pela sociedade. Ainda, adequada se faz a conceituação de eficiência, trazida de forma plena por Costodio (1999): Do exposto até aqui, identifica-se no princípio constitucional da eficiência três idéias: prestabilidade, presteza e economicidade. Prestabilidade, pois o atendimento prestado pela Administração Pública deve ser útil ao cidadão. Presteza porque os agentes públicos devem atender o cidadão com rapidez. Economicidade porquanto a satisfação do cidadão deve ser alcançada do modo menos oneroso possível ao Erário público. Tais características dizem respeito quer aos procedimentos (presteza, economicidade), quer aos resultados (prestabilidade), centrados na relação Administração Pública/cidadão. Como explanado no Capítulo 4, a ineficiência dos monopólios poderia ensejar uma contramedida, como a segregação da infra-estrutura, embasada no princípio da eficiência. 148 6.1.3 Embasamento Legal Segregação da Infra-Estrutura do Ponto de Vista do Concessionário A seu favor, e contra a segregação involuntária da infra-estrutura, os concessionários dispõem de alguns importantes balizamentos jurídicos a seguir descritos. a) Princípio da Proporcionalidade Meirelles (2002) se refere a esse princípio, implícito na Constituição, como o da proibição do excesso, algo que irá aferir a compatibilidade entre os meios e os fins adotados, evitando abusos ou restrições excessivas pela Administração Pública, capazes de causar lesões aos direitos fundamentais. A proporcionalidade seria a relação custo-benefício da medida tomada pela administração e a doutrina determina três requisitos para identificar este princípio: ● adequação das medidas da Administração Pública para alcançar o fim pretendido; ● necessidade de se verificar se não existe um meio menos gravoso de se obter o mesmo fim; ● ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido. É, portanto, não só um limite à discricionariedade do Administrador Público, mas significa que este não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente, na consecução de seus objetivos, ainda que decorrentes do interesse público. Assim, do mesmo modo que quando a Administração aplica uma sanção exacerbada a um concessionário ou quando incorre em deixa de dar licença ambiental em tempo razoável, também causando prejuízos a um empreendedor privado, incorre em descomedimento. A Lei Federal 9784/99, que regula o processo administrativo da administração pública federal, determina a observância do critério de adequação entre meios e fins e veda a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao interesse público. A razoabilidade evita a incongruência na aplicação das normas jurídicas. Deve haver um padrão lógico para a elaboração dos atos. Sundfeld (2000) prescreve que a proporcionalidade é a expressão quantitativa da razoabilidade, sendo inválido o ato desproporcional em relação à situação que o gerou ou à finalidade que pretende atingir. 149 Ao Administrador Público, portanto, não caberá, com base em seus conceitos pessoais, valorar situações concretas. Deve fazê-lo utilizando os valores do homem médio, às necessidades da coletividade, à legitimidade, à economicidade, a relação de custos e benefícios, ou seja de proporcionalidade. Dessa maneira, o princípio da proporcionalidade poderia ser esgrimido pelos concessionários ante um processo de segregação involuntário. b) Princípio da Segurança Jurídica Cabe ao Administrador Público zelar pela estabilidade e pela ordem nas relações jurídicas como condição para que se cumpram as finalidades do ajuste contratual que condiciona o processo concessional. É dessa estabilidade que se fará, por exemplo, a convalidação de atos irregulares na origem, bem como o oferecimento de prazos para o saneamento de falhas, tendo em vista a relação a respeitabilidade mútua entre concedente e concedido. O princípio da segurança jurídica está espelhado na Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XXXVI, sob o enunciado de que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. A segurança jurídica consiste no conjunto de condições que torna possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida, encontrando ainda respaldo expresso no art. 2º, inciso IV, parágrafo único, da Lei 9.784/99, que exige a “atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé”. Em adição, Di Pietro (2002) sustenta, em relação ao princípio da segurança jurídica, que: A segurança Jurídica tem muita relação com a idéia de respeito à boa-fé. Se a Administração adotou determinada interpretação como a correta e a aplicou a casos concretos, não pode depois vir anular atos anteriores, sob o pretexto de que os mesmos foram praticados com base em errônea interpretação. Se o administrado teve reconhecido determinado direito é evidente que a sua boa-fé deve ser respeitada. Se a Lei deve respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, por respeito ao princípio da segurança jurídica, não é admissível que o administrado tenha seus direitos flutuando ao sabor de interpretações jurídicas variáveis no tempo. 150 É um dos alicerces do Estado de Direito e é a boa-fé dos administrados ou da proteção da confiança, que visa a estabilidade das relações jurídicas. No Direito de Concessões, a instabilidade jurídica pode ser identificada nos seguintes casos, conforme lição de Junqueira (2004): A instabilidade jurídica e regulatória pode se traduzir, por exemplo, na quebra de contratos, na captura dos reguladores por interesses que contrários aos marcos regulatórios, demora nas decisões regulatórias e judiciais, na tentativa do regulador se arvorar em legislador, por decisões regulatórias que não observem os princípios básicos que regem a Administração Pública ou que revoguem atos jurídicos perfeitos, por decisões judiciais divorciadas da realidade econômica, legal e jurídica, por processos regulatórios em que não seja observado o pleno exercício do direito de defesa dos envolvidos, falta de motivação das decisões etc. Destarte, é também no princípio da segurança jurídica que poderão encontrar abrigo os concessionários em favor da manutenção do status quo. 6.1.4 Nota sobre as Parcerias Público-Privadas Por estar a quase totalidade da malha ferroviária brasileira já concedida, é importante, para o raciocínio aqui desenvolvido, caracterizar, desde já, que as parcerias público-privadas, de que trata a Lei Federal 11.079/2004, são também modalidades de concessão, sob as formas administrativa ou patrocinada, não devendo ser confundidas com a privatização, que é a venda de ativos públicos ao setor privado; nem com a concessão comum, assim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987/1995, posto que esta não envolve contraprestação pecuniária paga pelo parceiro público ao privado. Complementando, a concessão patrocinada é uma modalidade da concessão de serviço público, em que o aporte de recursos públicos pode chegar a 70% da remuneração total do parceiro privado (podendo superar esse montante se houver autorização legislativa), com o restante sendo obtido através de receitas próprias do concessionário, em especial a tarifa cobrada do usuário. Já na concessão administrativa, toda a remuneração fica a cargo do parceiro público. Além disso, ao contrário dos demais contratos administrativos, em que a garantia é sempre assumida pelo particular, na PPP são previstas pesadas garantias a cargo do poder 151 público, em benefício do parceiro privado, através de um instrumento denominado fundo garantidor. A tudo isso soma-se a idéia de compartilhamento de riscos entre os parceiros público e privado no caso de ocorrência de áleas extraordinárias. Assim, a principal diferença entre a concessão patrocinada, concessão administrativa e a concessão comum está na forma de remuneração: na concessão comum ou tradicional, a forma básica de remuneração é a tarifa, podendo constituir-se de receitas alternativas, complementares ou acessórias ou decorrentes de projetos associados; na concessão patrocinada, soma-se à tarifa paga pelo usuário uma contraprestação do parceiro público; e na concessão administrativa toda a remuneração do parceiro privado advém do setor público. Note-se que a concessão administrativa é de mais difícil conceituação devido à redação ambígua do art. 2º, § 2º, da Lei 11.079, que a descreve como “a prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens”. Embora o dispositivo fale em prestação de serviços (aproximando-se do contrato de empreitada), na realidade o contrato pode também ter por objeto a execução de serviços públicos que não admitam a cobrança de tarifa. Chega-se a essa conclusão pela redação do artigo 4º, inciso III, da Lei, que só proíbe a delegação das funções de regulação, jurisdicional, poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado; em conseqüência, como a concessão patrocinada depende, parcialmente, de remuneração do usuário, os serviços públicos que não comportam essa remuneração, terão que ser objeto de concessão administrativa, que é inteiramente remunerada pelo parceiro público. 6.2 ARRANJOS INSTITUCIONAIS SUGERIDOS O sistema ferroviário brasileiro, para fins de análise dos aspectos legais relativos a uma eventual segregação de sua infra-estrutura, pode ser dividido nos seguintes agrupamentos: • linhas existentes e já concedidas; • contornos e variantes em linhas existentes já concedidas; • linhas em construção e a construir, ainda não concedidas. Nos subitens que se seguem serão sugeridos arranjos institucionais da segregação da infra-estrutura com base nos agrupamentos antes citados. 152 6.2.1 Linhas Existentes e Concedidas Os contratos de concessão em vigor, foram, em sua esmagadora maioria, firmados entre a União e as operadoras privadas. As exceções importantes ficam por conta da Ferrovia Paraná Oeste – Ferroeste, que tem com poder concedente o governo do Paraná, e a Ferrovia Norte-Sul, que tem como concessionária uma empresa estatal: a Valec. Esta, por seu turno, através de uma subconcessão, cedeu os direitos exploratórios à CVRD. Por sua relevância só serão aqui tratados os primeiros. A operação ferroviária, nos trechos concedidos, é conferida com exclusividade ao operador ferroviário vencedor do leilão de desestatização, excetuadas as seguintes situações: trens de passageiros: obrigatoriedade de assegurar, a qualquer operador ferroviário, durante a vigência do contrato, a passagem de até 2 (dois) pares de trens por dia, em trechos com densidade de tráfego mínima de 1,5 milhões de TKU/km de linha/ano; trens cargueiros: obrigatoriedade de garantir tráfego mútuo ou direito de passagem a outros operadores, mediante celebração de contrato. Saliente-se que no tráfego mútuo os vagões da ferrovia A são tracionados por locomotivas da ferrovia B, quando em território desta, com a remuneração de B sendo em geral feita através de partilha de frete. Já o direito de passagem (run-trough) assegura que os trens completos da ferrovia A adentrem as linhas da ferrovia B, pagando a esta uma espécie de pedágio (track rights). Os contratos de concessão permitem ainda que possam ser terceirizadas atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido. A inserção da segregação da infra-estrutura nas linhas existentes e concedidas de maneira impositiva pelo poder concedente, ainda que plenamente justificável dos pontos de vista técnico, financeiro e econômico ensejaria as discussões legais elencadas nos subitens 6.1.1 a 6.1.3. As possibilidades de segregação, como dito anteriormente, se subdividem em dois grupos: open access e third part access. Para linhas já concedidas, objetivando-se evitar disputas jurídicas, o melhor modelo seria o third part access, onde o concessionário atual manteria o status de operador dominante, e permitiria, a seu exclusivo juízo, o acesso de outros operadores privados à sua malha. 153 Esse posicionamento, contudo, dificilmente ocorrerá sem que, paralelamente, o Poder Concedente estimule essa prática. As entrevistas com gestores qualificados descritas no Capítulo 4 dão conta de que há certo temor, dos concessionários, em que a segregação represente uma maior ingerência do poder público em seus negócios. Portanto, a incentivação mencionada, acrescida de garantias jurídicas adequadas, tenderia a compensar os riscos apontados. Nessa linha, sugere-se que os concessionários que venham a adotar a segregação em algumas de suas linhas, no regime de third part access, tenham a oportunidade de praticar o que poderia ser denominado de “diferimento da outorga”. Por esse mecanismo, os concessionários poderiam investir os valores de outorga/arrendamento devidos por um determinado período de tempo, retornando esses pagamentos findo o período citado, acrescidos de juros e correção monetária. O valor presente (ou futuro) do fluxo de encaixes do governo federal permaneceria inalterado. Essa lógica vem sendo usada por muitos estados na atração de novas indústrias, caso típico do Estado do Rio de Janeiro, onde foi implantado o Fundo de Desenvolvimento Social - FUNDES, em que o ICMS adicional gerado por novos empreendimentos é retido pelo investidor na fase inicial de operação e posteriormente pago aos cofres públicos. Os recursos da outorga diferidos seriam necessariamente aplicados em investimentos. O governo federal, tendo em vista a unicidade do valor presente do fluxo de pagamentos da outorga, não ganharia nem perderia nada num primeiro momento. Ocorre, no entanto, que essa proposta contém uma série de vantagens intrínsecas, quais sejam: ● os investimentos da concessionária aumentariam seu fluxo de transportes lucros e portanto maior recolhimento do imposto de renda; ● a entrada de novos operadores ferroviários dinamizaria a indústria ferroviária, que ainda se ressente de um fluxo de encomendas variável (e por isso pratica preços ainda considerados elevados), o que seria benéfico para todas as operadoras ferroviárias; ● aumento dos fluxos ferroviários e redução do custo Brasil. Assim, fica caracterizada a primeira proposta de segregação: adoção do third part access em linhas concedidas, em especial as que observem os critérios de seleção do Capítulo 5, com a concomitante adoção de incentivo aos concessionários através do diferimento da outorga. 154 O arranjo institucional para esse caso é o mostrado na figura 33. Por esse arranjo, o órgão regulador manifesta (ou recebe manifestação) de interesse na segregação da via férrea num determinado trecho, analisa a viabilidade do projeto e, em caso positivo, estabelece regras gerais de acesso e de diferimento da outorga. Concomitantemente, novos entrantes e operador dominante firmam acordo de trackright. Manifestação de interesse Potenciais novos operadores ANTT Acordo Concessionário (operador dominante) Solicitação de diferimento de outorga para um certo projeto Avaliação do projeto (S) Viável? Regras de acesso e de diferimento de outorga Figura 33: Arranjo de segregação no caso de vias já concedidas 6.2.2 Contornos e Variantes em Linhas Existentes e Concedidas A malha ferroviária brasileira, de caráter centenário em muitos casos, tem hoje uma série de conflitos urbanos com as cidades, em especial as que se desenvolveram no entorno da via férrea. Esses conflitos são caracterizados basicamente pela presença de passagens em nível, sem contar com a partição física da urbe, quando a via férrea é segregada. Em termos de passagens em nível, tem-se catalogadas (existem muitas PNs clandestinas) 12.400 unidades no Brasil, o que representa a impressionante cifra de uma PN a cada 2,3 km de linha férrea. 155 Esses entraves urbanos deram origem a uma extensa lista de reivindicações das prefeituras, no sentido de serem construídos contornos ferroviários, retirando os trilhos do seio das cidades. Claros exemplos disso, são os projetos do Plano de Aceleração do Crescimento, lançados pelo Governo Federal em 2007, em que se prevê a construção de contornos em: ● Cachoeira / São Félix (BA); ● Barra Mansa (RJ); ● São Paulo (tramo norte do Ferroanel) e Araraquara (SP); ● Guarapuava (PR); ● São Francisco do Sul e Joinville (SC). Além dos contornos, Governo Federal tenta solucionar alguns importantes gargalos operacionais, como, por exemplo, Camaçari – Aratu (BA) e Serra do Tigre (MG), na malha da Ferrovia Centro-Atlântica. Assim, para contornos e variantes, considerada a problemática legal antes discutida, e nos casos onde comprovadamente seja inviável financeiramente seu equacionamento pelo concessionário, poder-se-ia utilizar o arranjo institucional indicado na figura 34. PPP patrocinada Construção e manutenção DNIT SPE (parceiro privado) Contorno ou variante (infra-estrutura) Uso Concessionário da malha Pagamento de trackright (take or pay) ampliado ANTT Acordo de third part access em outro trecho julgado viável Figura 34: Arranjo de segregação no caso variantes e contornos da malha concedida 156 Por esse modelo, seria celebrado um contrato de concessão, na modalidade de parceria público-privada patrocinada, em que o parceiro privado construiria e faria a manutenção do contorno ou variante, assegurando uma determinada capacidade de vazão ao concessionário. O concessionário, por seu turno, pagaria um direito de passagem ampliado ao parceiro privado da PPP, cujo valor seria função de pelo menos três fatores: ● do desgaste físico que seus trens trariam à via férrea, inclusive a depreciação; ● uma parcela da redução de custos operacionais dos fluxos existentes à data da construção do contorno ou variante, para estes desviado; ● uma parcela da rentabilidade dos novos fluxos que venham a transitar pelo contorno ou variante. Para o primeiro fator, o valor a ser pago pelo concessionário à SPE (sociedade de propósito específico, exigência da Lei Federal 11.079/2004) poderia ser estipulado com base na TKB (tonelada x quilômetro bruta, considerando tara e carga dos veículos ferroviários) transitada, assegurado à SPE um valor ou patamar mínimo, haja ou não fluxo (take or pay), caracterizado esse fato como elemento de atração da iniciativa privada ao negócio, além de redutor do gasto público. A partir do patamar mínimo de tráfego, a cobrança seria feita com base na TKB adicional trafegada até se atingir a capacidade de vazão pactuada no contrato de PPP. Para o segundo fator, seriam calculadas as economias resultantes da operação ferroviária, com fluxos existentes, nas situações com e sem projeto, tais como redução de acidentes, consumo de combustível, transit time etc., sendo 50% do resultado líquido apurado apropriado pela SPE, como forma indireta de redução do aporte de recursos públicos à mesma. Significaria, portanto, que o poder concedente estaria participando dos resultados do negócio, pressuposto básico de uma PPP. Para o terceiro fator, seriam aplicados os mesmos conceitos do segundo fator, com o aporte de recursos públicos à SPE diminuindo à medida que os fluxos transitados aumentem acima do valor existente à época da construção da variante ou contorno. É preciso lembrar que aporte de recursos públicos à SPE seria feito para compensar os investimentos do parceiro privado que não pudessem ser remunerados via pagamento do direito de passagem ampliado pelo concessionário. Note-se, por oportuno, que, por esse mecanismo, os aportes de recursos ao parceiro privado (SPE) tendem a ser decrescentes no tempo, sendo tanto menores quanto 157 maior for o desempenho da concessionária, razão pela qual a escolha do contorno ou variante deve levar em conta não só aspectos urbanísticos, mas também o potencial de crescimento de tráfego ferroviário. Por fim, é preciso destacar que o cálculo da capacidade de vazão do contorno ou variante deve levar em conta as necessárias janelas de manutenção da SPE, uma vez que nesse tipo de arranjo a qualidade da via tem um significado especialíssimo. Destaque-se ainda o fato de no arranjo em questão constam o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes – DNIT, a quem cabe a implantação de novas ferrovias, a Agência Nacional de Transportes Terrestres, cuja missão principal, nesse caso, seria a de negociar, com o concessionário, a segregação da infra-estrutura em outro ponto de sua malha, porém de acordo com a situação descrita no item 6.2.1. Essa negociação tem sua razão de ser. Segundo o artigo 10 da Lei Federal 11.079/2004, a contratação de parceria público-privada será precedida de licitação na modalidade de concorrência. Isso significa a dizer que o aporte de recursos públicos ao parceiro privado estará vinculado, diretamente, à disputa entre os proponentes pelo negócio; em outras palavras, será o mercado que ditará o valor a ser recebido pelo parceiro privado. No modelo em discussão, o mercado certamente ditará o valor dos serviços de implantação e conservação da variante ou contorno urbano, mas o que a concessionária pagará como direito de passagem será uma decisão unilateral. E o que o governo pagará ao parceiro privado será exatamente a diferença entre os valores antes citados. Dessa maneira, o aporte de recursos públicos estará vinculado não integralmente a uma decisão de mercado, decorrente de uma licitação, mas estará atrelado, em parte, a uma decisão arbitrária da concessionária. É evidente que o valor a ser pago por uma concessionária, assim como o valor de qualquer concessão, pode ser estimado com auxílio de consultoras. Mas, diferentemente de uma licitação pura, onde o valor estimado é submetido às forças do mercado, no modelo proposto essas forças só atuarão em parte do processo. Dessa maneira, estaria ocorrendo algo que o autor denomina de falta licitabilidade plena, ante a ausência das forças de mercado na definição do valor do trackright. Seria então para compensar esse fato que o Poder Público obrigaria o concessionário a aderir ao esquema de third part access, como forma compensatória. 158 Destarte, o Poder Público estaria abrindo mão de algo, porém em troca da ampliação do processo de segregação, sobretudo nos segmentos de baixa densidade de tráfego e de alta demanda rodoviária em rotas concorrentes, sob o manto do denominado princípio da razoabilidade, que segundo Meirelles (2002) é: ... é uma diretriz de senso comum, ou mais exatamente, de bom-senso, aplicada ao Direito. Esse bom-senso jurídico se faz necessário à medida que as exigências formais que decorrem do princípio da legalidade tendem a reforçar mais o texto das normas, a palavra da lei, que o seu espírito. Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. 6.2.3 Novas Linhas Nos novos segmentos ferroviários, existe a necessidade de se distinguir aqueles que resultem de uma ampliação de um corredor existente, como por exemplo Alto Araguaia Rondonópolis – Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, que faz parte da concessão da Ferronorte, dos que não tem nenhuma relação direta com a s concessões atuais. Para os primeiros, valem os conceitos discutidos em 6.2.1, retro, enquanto que os últimos serão a seguir tratados. A construção de novos segmentos ferroviários dificilmente ocorre sem o aporte de recursos públicos. Exemplos recentes disso são: • a Ferronorte, em que a ponte rodoferroviária sobre o rio Paraná, de 3.770m, na divisa de S. Paulo com o Mato Grosso do Sul, foi construída com recursos da União e do Estado de São Paulo; • a Nova Transnordestina, em que o poder público concede empréstimos a juros subsidiados (FNDE e FINOR), além de responsabilizar-se pelas desapropriações da faixa de domínio. O caso do Projeto Grande Carajás é emblemático a esse respeito. Trata-se um complexo mina – ferrovia – porto, implantado entre 1979 e 1984, nos estados do Pará e Maranhão, destinado ao escoamento para exportação de matéria prima da província 159 mineral da Serra dos Carajás (PA). Seu custo foi da ordem de US$ 3 bilhões, distribuído conforme a figura 35. Outros 10,00% Porto 14,00% Ferrovia 56,00% Mina 20,00% Fonte: ICEE (1998) Figura 35: Divisão dos investimentos em Carajás A amortização desses investimentos, calculada de forma bastante simplificada, pode ser dada pela expressão: P = [I x (1+i)n] / [(1+i)n – 1] sendo: p: a anuidade do empréstimo; I: o investimento (US$ 3 bilhões); i: a taxa de juros (estimada em 5% a.a., de acordo com Batista, 2004); n: o período de amortização (adotado o valor de 20 anos). Com esses valores, o valor da anuidade é de US$ 240 milhões por ano. O autor tendo trabalhado como consultor da CVRD teve acesso à estrutura clássica de custos daquela empresa nos anos 80/90, que era de: US$ 2 – mina, US$ 8 – ferrovia; e US$ 2 porto, para um preço FOB (Tubarão – ES) de US$ 15. Assim, considerando-se que apenas US$ 2 estariam liberados para pagamento dos investimentos, haveria necessidade da produção anual de 120 milhões de toneladas de minério, apenas para o serviço da dívida. E a Estrada de Ferro de Carajás em toda sua história jamais atingiu esse patamar de transporte (muito embora isso possa vir a ocorrer nos próximos anos em função do consumo chinês), tendo durante muitos anos se situado 160 na casa do 40 a 50 milhões de toneladas anuais. Daí se infere uma importante conclusão, que corrobora a tese da necessidade da quase sempre necessidade de aporte de recursos públicos a empreendimentos ferroviários de porte, a de que o pagamento da dívida de Carajás se deu pela não concessão de dividendos ao acionista majoritário (União). Retomando a questão das novas linhas, sempre que houver o aporte de recursos públicos a segregação seria compulsória. Nesse caso o modelo proposto é o mostrado na figura 36. PPP patrocinada Construção e manutenção DNIT SPE (parceiro privado) Nova ligação ferroviária Uso Operadores (novos e atuais) Pagamento de trackright (take or pay) ANTT Rodovias concorrentes Ações de apoio à eqüidade concorrencial Figura 36: Arranjo de segregação no caso novas linhas A proposta de segregação compulsória, através de PPP patrocinada, aduz uma série de vantagens, quais sejam: 161 • viabilização de novos segmentos ferroviários num menor espaço de tempo, dado o aporte de recursos públicos; • implantação da concorrência intra-trilhos, com reflexos positivos no valor dos fretes; • partilha com o parceiro privado de lucros crescentes, que poderão, inclusive, anular os aportes de recursos públicos ao projeto; • estimular a eqüidade na concorrência trem - caminhão. Sobre esse último aspecto, convém frisar que, sendo parceiro do negócio ferroviário, o governo tenderá a tratar a disputa concorrencial entre modos de modo mais equânime. Pelo modelo apresentado, o parceiro privado do negócio ferroviário, com o apoio do DNIT e da ANTT, implantaria sistemas de pedágio, controle de peso, controle do estado de manutenção de veículos, jornada de trabalho etc., nas rodovias concorrentes ao trecho ferroviário segregado, de sorte a que a eqüidade concorrencial esteja presente. Essa, portanto, a diferença entre uma PPP convencional e uma PPP otimizada, ora proposta, em que regras de isonomia concorrencial são estabelecidas, intra e extramodos. 6.3 SUGESTÕES PARA TARIFAÇÃO DE VIAS SEGREGADAS 6.3.1 Preliminares Segundo Orrico Filho e Pereira (1997), tarifa de serviço público é um caso particular do estabelecimento do preço, pela autoridade pública, do valor de troca de um bem ou serviço aplicado aos produtos ou serviços que dependem de delegação específica da autoridade para sua produção. Fica evidente que essa definição aplica-se à cobrança de trackright, numa via segregada, posto que é parte integrante da estrutura de prestação de serviço público, no caso o ferroviário. O presente item trata da tarifação da via permanente, em regime de trackright, estando o texto que se segue subdivido em cinco partes: aspectos conceituais da tarifação da infra-estrutura; práticas de tarifação da infra-estrutura; proposta para piso tarifário do trackright no Brasil; proposta para teto tarifário do trackright no Brasil; 162 proposta para valores intermediários de trackright no Brasil. Essa subdivisão tem como fator motivador o fato da tarifação da infra-estrutura ser algo polêmico e complexo, que impossibilita a recomendação de critério universal, ainda que isso estivesse embasado solidamente em conceitos matemáticos econômicos. A proposta acadêmica, nesse caso, é a de estabelecer diretrizes básicas para o ordenamento da tarifação da via. 6.3.2 Aspectos Conceituais A tarifação do uso infra-estrutura deve, em primeiro lugar, levar em os gastos com os ativos ali alocados, como mostrado na tabela 33. Ativo Componentes Gastos de capital* Gastos de manutenção Gastos de operação** 1. Infra-estrutura da via permanente Cortes, aterros, obras- Construção de-arte correntes e especiais Controle de vegetação, limpeza dos dispositivos de drenagem, reforço de estruturas etc. n.a. 2. Superestrutura da via permanente Trilhos e acessórios, dormentes, lastro, sublastro, aparelhos de mudança de via etc. Construção e as grandes renovações Correção da n.a. geometria, substituição de componentes gastos, ajustes e lubrificações de peças e equipamentos etc. 3. Sistemas de sinalização, eletrificação e telecomunicação Circuito de via, rede aérea, terceiro trilho, fibra ótica, equipamentos do centro de comando e controle, gps etc. Implantação e modernizações Correção de mau funcionamento, retensionamento de rede aérea, substituição de peças e componentes desgastados etc. 4. Pátios e terminais Edificações e facilidades diversas Construção Manutenção predial e Vigilância e operação de equipamentos de facilidades, diversos fornecimento de energia etc. Fornecimento de energia e alocação de pessoal às áreas de planejamento operacional e de comando e controle (*) Inclui depreciação. (**) Nesses gastos deve estar considerado o relativo à atividade de socorro a trens acidentados, cuja envergadura tende a ser maior do que em empresas verticalizadas, sobretudo no caso de múltiplos entrantes, que não admitirão ver seus fluxos interrompidos por problemas causados por terceiros. Tabela 33: Ativos da infra-estrutura ferroviária e seus gastos típicos 163 A Diretiva 2001/14 da União Européia estabeleceu os seguintes princípios básicos de tarifação da infra-estrutura ferroviária: ● as tarifas devem estar correlacionadas aos custos diretamente incorridos na oferta da infra-estrutura ao tráfego ferroviário; ● a inclusão nas tarifas de custos relacionados à escassez de oferta em períodos de congestionamento é permitida; ● as tarifas podem incluir a cobertura de custos ambientais, desde que algo semelhante esteja sendo imposto aos modos competidores da ferrovia; ● mark-ups (sistema de preços que aumenta percentualmente o valor do preço final da mercadoria ou serviço por meio de uma percentagem) ou sobretarifas baseadas em princípios da eficiência, transparência e não-discriminação podem ser aplicadas para recuperação de custos totais, se as condições e mercado o permitirem. Caso isso não seja possível, as tarifas deverão cobrir apenas os custos diretamente relacionados à passagem do trem; ● tarifas elevadas podem ser cobradas para cobertura de gastos de investimentos com base nos custos de longo prazo, desde que incrementada a eficiência das condições da oferta da infra-estrutura; ● para prevenir discriminação, tarifas para usos equivalentes da infra-estrutura têm que guardar semelhança entre si; ● descontos são somente permitidos na medida em que economicidades de custos administrativos são repassadas aos operadores ferroviários, ou para encorajar o uso de segmentos com baixa densidade de tráfego, devendo, neste último caso, ser extensivos a todos os usuários desse segmento. Em resumo, a tarifação da infra-estrutura comumente adotada leva em consideração os aspectos da tabela 33 e das diretrizes da Comunidade européia, redundando em abrigar custos: ● operacionais relativos ao planejamento, acompanhamento e controle da operação do tráfego ferroviário; ● de manutenção e renovação da via permanente ferroviária e dos sistemas fixos conexos (sinalização, eletrificação e telecomunicação); ● de fornecimento de energia elétrica, algo que no Brasil está restrito ao transporte urbano sobre trilhos e à cremalheira do segmento Santos - Jundiaí (SP), ou óleo diesel; ● de administração. 164 A esses custos podem ser adicionados os relativos ao congestionamento e à escassez da oferta da infra-estrutura (Nash e Fowkes, 2003), este último entendido como o custo de oportunidade do operador B, que não pode circular com seus trens, na medida em que a janela de tráfego foi sido alocada ao operador A. Com base nesses custos, foram desenvolvidas pelos diversos gestores da infraestrutura, quatro metodologias principais de tarifação, quais sejam : • custos marginais; • precificação de Ramsey; • custos (médios) plenamente distribuídos (fully distributed costs – FDC); • tarifação multiparte. Metodologia do Custo Marginal A metodologia do custo marginal implica em determinar como os custos de manutenção da infra-estrutura variam com a densidade de tráfego e também podem incorporar os efeitos do aumento da carga por eixo. Esta última situação é típica das malha de trens de subúrbio de São Paulo, operada pela CPTM, em que o custo marginal envolve não só a passagem de trens cargueiros adicionais da MRS, como também os efeitos do aumento de 21,5 tf (passageiro – carro motor) para 30tf (carga – loco ou vagão) na carga por eixo. O custo marginal de um serviço é o custo adicional incorrido para produzir uma unidade adicional. O custo marginal é, também, a redução de custo possível ao se produzir uma unidade a menos do serviço. Portanto, o custo marginal representa o custo de oportunidade para o transportador daquela produção adicional, ou seja, o valor dos recursos adicionais empregados, se estes vierem a ser utilizados numa atividade alternativa. O custo marginal pode envolver duas situações: a de curto prazo e a de longo prazo. Quando se está tomando uma decisão a respeito do custo incremental de um serviço específico, dada a capacidade existente, o custo variável de curto prazo incluirá somente os custos adicionais de produção impostos por aquele serviço. Isso raramente implicará na inclusão de custos fixos substanciais. Em contraste, quando se está tomando uma decisão de longo prazo referente à recuperação ou ampliação de uma parte de sua malha, o custo variável relevante (de longo prazo) incluirá todos os custos fixos, mesmo aqueles que venham a se tornar irrecuperáveis ou afundados uma vez incorridos (BPL, 1997). 165 O custo marginal de longo prazo representa, portanto, o custo adicional da passagem de um trem adicional quando do ajuste das condições da infra-estrutura para que isso possa ocorrer. O custo marginal de longo prazo, para uma unidade extra de tráfego, pode ser igual ao custo marginal de curto prazo se existir folga na capacidade de oferta de infra-estrutura a um custo mínimo, em particular a de slots. A expansão ou a adequação da infra-estrutura, esta última através de novos sistemas de sinalização, por exemplo, que permitam acomodar mais tráfego sem acréscimo das linhas físicas, implicará na necessidade de inclusão nas tarifas dos custos dessas expansões ou readequações, levando ao conceito de custo marginal de longo prazo. Precificação de Ramsey O gestor da infra-estrutura pode diferenciar as taxas de oferta de slots segundo a região, o horário e o cliente. Essa ótica engloba os denominados preços de Ramsey, em que as margens sobre custos unitários em cada segmento são inversamente proporcionais à respectiva elasticidade- preço da demanda. Os preços de Ramsey tentam cobrir eventuais déficits financeiros derivados da aplicação de custos marginais de curto prazo. Por essa metodologia, os custos marginais são majorados para determinados clientes que não têm outra opção que não utilizar a ferrovia para escoar seus produtos (clientes cativos) e minorados para aqueles que possuem outra opção modal. A precificação de Ramsey, contudo, não é fácil de ser implementada, especialmente devido à ação de órgãos reguladores. Esse implementação requer conhecimento sobre a elasticidade-preço de cada fluxo, numa grande gama de mercados. Além disso, os clientes (entrantes) costumam relutar em revelar sua disposição em arcar com tarifas elevadas, prevalecendo, em muitos casos, a filosofia de “tarifar aquilo que o mercado estiver disposto a pagar”, através de negociações marcadas pelo processo de tentativa e erro. Os preços de Ramsey costuma ser considerados apropriados nos casos em que a ferrovia pretende avançar no market share do serviço de transporte, em especial nos casos onde existam clientes cativos e se deseje captar cargas ao modo rodoviário. 166 Custos Plenamente Distribuídos Os custos plenamente distribuídos têm como ponto de partida o custo marginal de curto prazo, com os custos eventualmente não cobertos por este último distribuídos segundo parâmetros selecionados, tais como quilômetros de via, tonelada x quilômetro útil, tonelada x quilômetro bruta etc. Isso tem feito desta metodologia algo simples e fácil de implantar, pois não leva em consideração a elasticidade-preço da demanda ou qualquer outra forma de diferenciação da demanda em virtude do produto transportado, região ou período do dia. Contudo, os custos plenamente distribuídos têm contra si o fato de penalizarem clientes que permaneçam no sistema após a saída de outros, além de tornarem excessivamente elevados os custos de entrantes, o que dificulta sobremaneira a captura de cargas ao modo rodoviário, por exemplo. Tarifação Multiparte Esse tipo de tarifação, superior em valor a dos custos marginais e diferentemente dos critérios anteriores, procura taxar cada slot com seu custo marginal e cobrir eventuais déficits (sobretudo os derivados de investimentos na ampliação da oferta) com uma taxa fixa, que o operador tem de pagar durante um determinado período de tempo (entrance fee). Existe um grande número de combinações nesse tipo de tarifação, existindo a do tipo linear (não varia com a demanda) e a do tipo não-linear (varia com a demanda). A mais simples envolve uma taxa fixa (sem diferenciação entre operadores) e uma taxa variável, associada ao custo marginal. Uma das dificuldades dessa metodologia reside na determinação desse valor fixo, de modo que isso, de um lado, não influencie a demanda dos operadores, e, de outro, não configure discriminação contra algum entrante de menor pujança econômica que não possa arcar com esse valor. Esse tipo de tarifação é por outro lado interessante quando se deseja alocar o risco de capital aplicado em investimentos aos clientes, através de uma taxa fixa, o que tem levado à sua adoção nos casos onde elevados custos fixos necessitam ser gerenciados. 167 6.3.3 Práticas de Tarifação da Infra-Estrutura Há uma grande diversidade nas metodologias aplicadas à tarifação da infraestrutura, existindo grande número de casos em que os custos de manutenção e expansão da infra-estrutura ferroviária são subsidiados. ECMT (1998) resume os seguintes princípios básicos a serem adotados na tarifação da infra-estrutura: a tarifação e investimento devem estar correlacionados, especialmente onde o congestionamento esteja presente, com os valores tarifários preferivelmente baseados no na demanda; os custos fixos devem ser cobertos, e quaisquer subsídios sociais que resultem em majoração tarifária devem ser direcionados ao usuário final; o uso de sistema tarifário multiparte representa uma ótima oportunidade de excluir os fluxos que não podem arcar com custos fixos elevados, com a tarifa mínima correspondendo aos custos marginais de curto prazo; a precificação deve ser transparente, simples e lastrada num bom sistema de informações. Peter (2003) e Thompson (2001) evidenciam diversos modelos praticados na Europa, mostrando que os mesmos, ainda que dentro de uma mesma metodologia, variam grandemente, com sofisticadas abordagens econométricas presentes. Nash et alli (2006) analisam a estrutura de tarifação da infra-estrutura na GrãBretanha e concluem que sua principal deficiência reside na ausência de uma taxa que reflita a escassez de capacidade. Destacam que uma maneira de alocar a referida escassez aos diferentes tipos de trem seria através da identificação dos respectivos custos de oportunidade, embora considerem isso como algo complexo. Na tabela 34 (Nash, 2005; Nash e Matthews, 2006) são apresentados os tipo de taxas cobrados pelo uso da infra-estrutura ferroviária, podendo ser observado o tratamento especial que alguns gestores conferem ao uso de obras-de-arte especiais (pontes e viadutos). É importante ressaltar que no Brasil existem vários segmentos ferroviários com restrição de velocidade justamente no caso de pontes e viadutos muito antigos, com componentes estruturais próximos da fadiga. A diminuição da velocidade dos veículos ferroviários se faz necessária posto que a carga dinâmica é função desse parâmetro. 168 Taxas País Metodologia Fixas Toneladas Trensxkm Rotas ou brutasxkm rotasxkm Outras Alemanha FC– Áustria MC+ Bélgica FDC– Bulgária MC+ Dinamarca MC+ Finlândia MC+ França MC+ Grã-Bretanha MC+ Congestionamento e pontes Eslovênia FC Hungria FC Itália FC– Letônia FC Holanda MC Noruega MC+ Portugal MC Romênia FC Suécia MC+ Suíça MC+ Tipo de veículo Nós de tráfego Ponte Oresund Nós de tráfego Obs.: Fontes: Nash (2005); Nash e Matthews (2006). Tabela 33: Estruturas de precificação da infra-estrutura na Europa Com relação à tabela 33 cabem ainda as seguintes observações (Impastato e Vivaldi, 2005): 169 • FC é o custo médio plenamente distribuído, como discutido no subitem anterior; • MC é o custo marginal; • o sinal (+) representa mark-up, onde a tarifação pelo custo marginal é aumentada para reduzir ou eliminar eventuais subsídios do poder público; • o sinal (–) significa que a tarifação é pelo custo médio, reduzida de compensação feita pelo poder público. Segundo Nash e Matthews (2006), a tarifação por trem x km de carga varia entre 1 a 8 euros, com a moda ao próxima a 3 euros. De vinte e três países pesquisados, Impastato e Vivaldi (2005) informam existir recuperação total dos gastos da operação e manutenção da infra-estrutura em apenas três (Estônia, Letônia e Lituânia). Na França, Alemanha e Grã-Bretanha, onde o ferroviarismo é mais expressivo, o porcentual de recuperação desse gasto se situa ao redor de 70%. 6.3.4 Proposta para Piso Tarifário no Brasil Os atuais contratos de concessão das ferrovias de carga prevêem que o piso tarifário, para o transporte de mercadorias, não seja inferior aos custos variáveis de longo prazo. Em princípio não se imagina que a tarifação da via permanente, pelo seu uso, possa seguir curso diferente. Contudo, é preciso observar essa questão sob dois ângulos: o do curto prazo e o do longo prazo. Antes disso, é oportuno fazer uma analogia entre, por exemplo, a oferta de uma indústria e a oferta de infra-estrutura ferroviária. No primeiro caso, a oferta é claramente identificada pelo quantidade de produtos fabricados. Já no segundo caso, poder-se-ia conceber a oferta de uma rede de slots (janelas de tempo em segmentos físicos da via permanente), que evidentemente possuem um custo derivado de investimentos e de atividades de operação (controle do tráfego) e de manutenção a cargo de seu operador. Para simplicidade do raciocínio será entendida como unidade de produção, no caso da segregação da infra-estrutura, uma janela de tempo num dado segmento da via permanente. Além disso, em prol da simplicidade da análise, é preciso que se considere, também, a existência de trens-tipo circulando nesse segmento. Assim, uma unidade de produção corresponderia a uma janela de tráfego ofertada para um dado trem-tipo, duas unidades de produção a duas janelas de tráfego ofertadas para um trem-tipo, e assim 170 sucessivamente. Tal qual uma fábrica, o número de janelas ofertadas (seria limitado às instalações físicas disponíveis (sistemas de sinalização, pátios de cruzamento, número de vias etc.). O número de janelas de tráfego ou slots deverá considerar, no caso de operador dominante (third part access), trens próprios e de entrantes. No caso de open access, apenas os entrantes. No curto prazo, o ponto de igualamento, isto é, o melhor ponto de produção, é dado no ponto onde a curva do custo marginal intercepta a do custo médio, que define a tarifa mínima e a quantidade de janelas de tráfego a serem praticadas pelo gestor da infraestrutura. Nesse ponto o custo médio é mínimo e é igual à tarifa, e o gestor estará apenas igualando receitas e despesas. Contudo, devido ao fato de que receitas e despesas estão igualadas, o gestor da infra-estrutura poderá continuar a operar. O ponto de saída ou limite mínimo tarifário será dado, no curto prazo, no ponto onde a curva custo variável interceptar a do custo marginal. Para tarifas compreendidas entre o ponto de igualamento e o ponto de saída, o gestor cobre seus custos variáveis e parte dos fixos, algo que pode perdurar por em certo espaço de tempo, dependendo de sua saúde financeira. Contudo, abaixo para tarifas aquém da do ponto de saída, sequer os custos variáveis são cobertos. Assim o limite tarifário mínimo (e a correspondente oferta de slots), no curto prazo, seria aquele onde o custo variável médio de curto prazo se iguala ao custo marginal de curto prazo. Para o longo prazo, o porte das instalações fixas na via permanente pode variar, podendo ser expandido com a duplicação de trechos, a construção de variantes em trechos de rampas íngremes ou de raios de curva apertados, implantação de novos postos de cruzamento, introdução de sistemas de sinalização mais eficazes etc. Da mesma forma, essas instalações podem ser retraídas, com a eliminação de facilidades não mais necessárias à acomodação dos fluxos de transporte. Com isso, os custos fixos do curto prazo transformam-se em variáveis no longo prazo. No longo prazo, a tarifa mínima, que permite o funcionamento do gestor da infra-estrutura, é dada pelo ponto de igualamento, interseção da curva do custo marginal de longo prazo com a do custo médio (só formado por custos variáveis) de longo prazo. Diferentemente do curto prazo, quando a produção, ainda com alguma perda, pode ocorrer porque não há outra saída, no longo prazo, a tarifação de slots tem alternativas, como a redução dos mesmos, a readequação das instalações fixas etc. 171 Assim o limite tarifário mínimo (e a correspondente oferta de slots), no longo prazo, seria aquele onde o custo variável médio de longo prazo se iguala ao custo marginal de longo prazo. A duração do acordo de trackright e o nível de investimento a cargo do gestor da infra-estrutura, dente outros fatores, deverão determinar a adoção de regras de curto ou de longo prazo. Como se está tratando de piso tarifário, portanto, a proposta aqui formulada é a de que este equivalha ao custo marginal de curto prazo. Observe-se, por oportuno, que em caso de ociosidade e não necessidade de grandes investimentos na via férrea (uma das premissas do presente trabalho para o sucesso da segregação da infra-estrutura) os custo marginais de longo prazo são equivalentes aos de curto prazo. 6.3.5 Proposta para Teto Tarifário no Brasil Os atuais contratos de concessão das ferrovias de carga estabelecem tetos tarifários, fixados essencialmente em função dos valores praticados pela RFFSA, à época de sua privatização, os quais periodicamente são reajustados para fazer frente à inflação do período. A experiência canadense, em especial a prescrita no Canadian Transportation Act, de 1996, prevê, para um teto de receita no transporte de grãos (revenue cap). Esse teto é calculado levando-se em conta inflação, a tonelagem transportada e a distância média de transporte. Nem todos os movimentos de grãos do Oeste canadense são elegíveis para aplicação do teto das receitas ferroviárias, existindo limitações em certas rotas. Mais de 50 tipos de grãos podem usufruir desse mecanismo protecionista (CTA, 2000). Na composição do teto tarifário, objeto de cálculo pelo órgão regulador, são computados, dentre outros, os seguintes itens: ● receitas de fretes; ● quantias recebidas pela ferrovia para assegurar suprimento de vagão na safra; ● receitas acessórias da ferrovia. Por outro lado, são excluídos do cômputo do teto de receita no caso canadense: • incentivos ou descontos dados pelas ferrovias aos clientes; • penalidades ou multas impostas pelas ferrovias aos clientes; • taxa de sobreestadia (demurrage) para vagões da ferrovia retidos pelo cliente. 172 Nos EUA, as ferrovias sofreram um agudo processo de desregulamentação aportado pelos Railroad Revitalization and Regulatory Reform Act, de 1976, e do Stagger´s Rail Act, de 1980, cujos princípios são bastante simples: as ferrovias podem agir como qualquer outra empresa privada, gerenciando seus ativos da forma que melhor lhes convier e estabelecer livremente as tarifas para seus serviços. Nesse país, as tarifas são fixadas livremente, com a introdução do conceito de valor do serviço, que significa que a tarifa pode ser fixada de acordo com o que o cliente esteja disposto a pagar, não estando necessariamente lastrada no custo do serviço de transporte propriamente dito, dentro de uma concepção semelhante à da tarifação ad valorem, em que o frete tem por base o valor da mercadoria a transportar. Há, no entanto, uma exceção com relação aos níveis tarifários, nos casos em que a ferrovia exerça uma dominação do mercado, definida na legislação norte-americana como ausência de competição com outros transportadores ou modos de transporte, para determinado deslocamento de mercadoria e correspondente nível tarifário. Isso porque as ferrovias norte-americanas praticam a denominada da precificação de Ramsey, situação em que os clientes são tarifados na razão inversa da elasticidade da demanda até que uma razoável lucratividade seja obtida, isto é, há uma sobretarifa para os clientes cativos, de sorte a compensar a inabilidade das estradas de ferro em aumentar os fretes de clientes que facilmente possam optar pelo caminhão ou por qualquer outro tipo de transporte alternativo. Nesse sentido, e visando a razoabilidade tarifária, o Surface Transportation Board - STB, adotou alguns critérios para tetos tarifários. Dentre eles, e com possível aplicabilidade ao presente estudo, despontam os seguintes (STB, 2006): R/VC180 (revenue-to-variable cost percentage above 180) Situação em que se mede relação entre a receita do frete e o custo variável do transporte de um determinado fluxo, verificando se este valor supera 180%. Caso isso ocorra, fica o cliente elegível para contestar o valor tarifário ante o STB; 173 Benchmark Elaborado através de uma análise de cima para baixo, ou seja, da tarifa para os fatores de produção, em que o órgão regulador verifica se o cliente da ferrovia não está pagando tarifas diferenciadas e superiores às pagas por outros clientes em fluxos similares; Patamar Mínimo de Rentabilidade Calculado anualmente pelo STB para todo o setor ferroviário, cujo valor anual é da ordem de 10%. Esse parâmetro corresponde à taxa de retorno sobre o investimento (return on investment – ROI), relação entre a receita líquida e o ativo diminuído dos passivos de funcionamento (fornecedores, impostos, salários, dividendos, contas a pagar, etc.), no período de apuração. Pelo STB, uma ferrovia é considerada como tendo receitas adequadas quando apresenta um ROI pelo menos igual ao custo de capital da empresa, considerados capitais próprios e de terceiros. Stand Alone Cost Test Method - SAC O SAC, o mais popular dos critérios citados, é uma análise de baixo para cima, isto é, dos fatores de produção para a tarifa, onde é calculada a receita que uma nova e hipotética ferrovia teria que obter no transporte do fluxo em discussão, ausentes, portanto, as barreiras de entrada e de saída, que são exatamente a origem dos denominados monopólios naturais. Para o cálculo da tarifa virtual, essa ferrovia não só operaria sob condições ótimas (sem ineficiências), como também não forneceria subsídios cruzados a outros fluxos. A tarifa real não poderá, por conseguinte, ser superior à tarifa virtual obtida pelo método SAC. Normalmente, cabe ao cliente apresentar ao STB, para análise, o projeto e os custos operacionais da ferrovia virtual, assumindo-se a hipótese que os investimentos feitos serão recuperados pela ferrovia durante a vida útil dos ativos necessários ao transporte do fluxo em discussão (em geral 20 anos). 174 O uso do SAC, contudo, em face de seu elevado custo e do tempo requerido à sua apuração, é considerado inapropriado para solução de problemas envolvendo pequenos clientes, como também fluxos sazonais ou dispersos. Proposta Nas experiências européia e australiana não foram encontrados elementos definidores de tetos tarifários. Assumindo-se que a tarifação geral de um frete ferroviário engloba os custos da via permanente e dos sistemas fixos a ela associados, e que seus princípios gerais podem ser aplicáveis ao trackright, verifica-se que os critérios elencados no arcabouço regulatório norte-americano poderiam servir de guia preliminar para o estabelecimento de um teto tarifário para o uso da infra-estrutura ferroviária por terceiros no Brasil. O autor não endossa a prática canadense, em que o órgão regulador arbitra tarifas, na medida em que isso significaria uma indesejada intromissão do setor público no setor privado. Essa arbitragem deveria ocorrer apenas nos casos de intermediação de conflito, e mesmo assim através de órgão ou pessoa física de notório saber, escolhido de maneira consensual entre as partes, como previsto na Lei Federal 9.307/96. 6.3.6 Sugestão para Tarifas Intermediárias no Brasil A idéia central é a de que as tarifas para uso da infra-estrutura sejam livremente negociadas entre entrantes e gestores, tendo em vista a dispersão de resultados e metodologias aplicáveis ao tema. Exceção deverá ser feita ao caso de eventuais parcerias público-privadas, onde o poder público poderá fixar, previamente à outorga de um determinado segmento ao parceiro privado, regras ou valores para o trackright. Essa livre negociação ocorreria dentro dos patamares mínimos e máximos descritos nos subitens 6.3.4 e 6.3.5. Sugere-se que a resolução de um eventual impasse tarifário deva se dar através de arbitragem, num período de 30 ou 60 dias, dependendo da complexidade e do valor do trackright em disputa, cabendo ao órgão regulador fixar regras para isso. 175 Sugere-se que, nos casos mais complexos, sejam usados até três árbitros, e que a decisão final dos mesmos seja considerada como também sendo o ponto de vista do órgão regulador. O rito processual sugerido, para os casos em que não haja acordo prévio entre as partes, poderia se dar essencialmente da seguinte forma: • notificação, pelo operador gestor da infra-estrutura, de que o primeiro pretende submeter determinada tarifa à arbitragem; • entrega à ANTT da oferta final de pagamento de trackright, pelo operador; • entrega à ANTT da contraproposta do gestor da infra-estrutura, no prazo máximo de 10 (dez) dias, contados do evento anterior; • envio, pela ANTT, das duas propostas de preços ao(s) árbitro(s), num prazo máximo de 5 (cinco) dias contados do evento anterior; • decisão, pela arbitragem, do valor de trackright considerada adequado, que deverá, em princípio, valer pelo período mínimo de um ano, podendo, conforme acordo prévio entre as partes, ser retroativo a determinada data; • divisão do pagamento das custas da arbitragem pelo operador e gestor da infraestrutura em partes iguais. Sugere-se, contudo, que a livre negociação, além de obedecer aos requisitos de piso e teto tarifário antes formulados, compreenda um sistema multiparte composto por um valor variável e parcelas fixas. Para as parcelas fixas, recomenda-se que estas levem em conta, além da remuneração de investimentos necessários a eventuais expansões e melhorias, dois problemas inerentes à malha ferroviária brasileira clássica: sinalização e eliminação de passagens em nível; manutenção preventiva de pontes e viadutos com considerável parcela de vida útil já consumida; e remoção de invasões da faixa de domínio por populações lindeiras. Essas parcelas fixas serão, inclusive, ao ver do autor, um estímulo a que operadores dominantes venham se interessar pelo tema segregação. As parcelas variáveis deverão estar ligadas ao custo marginal de curto prazo. Sob esse aspecto será necessário que desgastes e outros gastos de manutenção estejam consolidados numa mesma base referencial, através de correlações com: 176 • tonelagem (bruta ou útil) equivalente ou virtual, função do tipo de veículo circulante, que leve em conta as cargas estáticas e dinâmicas, e também outros parâmetros, como o comprimento da base rígida, a capacidade de inserção do truque em curva, o tipo de suspensão (primária, secundária etc.), estado de conservação (calos em rodas etc.); • quilometragem equivalente ou virtual, onde o comprimento real de uma via é acrescido por meio de coeficientes que levam em consideração o número de curvas, o número de aparelhos de mudança e transposição de vias etc.; • momento de transporte equivalente ou virtual, produto dos dois parâmetros antes relatados. 6.4 SUGESTÕES DE CONDICIONANTES DE ACESSO 6.4.1 Preliminares A operação ferroviária em vias segregadas deverá, sem dúvida alguma, obedecer a um conjunto de regras mais amplas e rigorosas que num ambiente operacional verticalizado. O gestor da infra-estrutura, seja ele operador o dominante ou não, terá que obter um alto padrão de segurança naquilo que lhe compete: controle do tráfego e qualidade da via permanente. Já os operadores, por seu turno, terão que ter esmero no padrão de manutenção do seu material rodante e na condução dos trens. Afora a segurança, serão intervenientes no acesso as questões de discriminação e financeira, já que a existência da segregação pressupõe um ambiente francamente concorrencial. Nos itens seguintes esse assunto será abordado de forma mais específica, com várias sugestões para sua implementação, ressaltado o fato de que gestor e operador deverão estar habilitados junto à ANTT, para plena execução de suas atividades. 177 6.4.2 Licença do Gestor e do Operador Tanto o gestor da infra-estrutura (caso não seja o operador dominante) como o operador entrante deverão demonstrar, junto à ANTT, sua habilidade em executar suas missões, apresentando relatório que contenha, no mínimo, os seguintes indicativos de compatibilidade com os serviços a serem prestados: • objeto social da empresa; • experiência prévia de membros-chave de sua equipe de trabalho; • capital social; • situação financeira estável. Outros requisitos financeiros, em especial os relativos a adimplências com obrigações trabalhistas, sociais e com o fisco federal deverão também ser considerados, podendo-se nesse caso recorrer ao prescrito na Lei Federal 8.666 e suas alterações. Caberá à ANTT conceder a licença para operador e gestor ferroviário (caso este não seja, obviamente, operador dominante). 6.4.3 Certificação em Segurança Operacional Gestor de infra-estrutura (caso não seja operador dominante) e operador entrante deverão ser certificados, por organismo acreditado junto ao Sistema Brasileiro de Certificação – SBC, no que respeita aos seguintes tópicos: • gestor e operador: existência e uso de normas operacionais (regulamento geral de operação, inspeção de via, inspeção de veículos ferroviários, inspeção de trens em pátios etc.); • gestor e operador: existência de treinamento em controle de emergências (transporte de material perigoso, socorro a ocorrências ferroviárias em geral etc.) • gestor: segurança do sistema de controle operacional (falha segura, redundância etc.); • operador: segurança do material rodante (freios, faróis, buzina, aparelho de choque e tração, rodas etc.). Os certificados deverão fazer parte da documentação de habilitação de gestor e de operador junto à ANTT. Para maiores detalhes sobre essas práticas recomenda-se consulta ao trabalho de Castello Branco e Ferreira (2002). 178 6.4.4 Certificação de Compatibilidade Da mesma forma que no item anterior, o organismo certificador deverá atestar os seguintes quesitos do operador, como elemento de sua habilitação junto à ANTT: • compatibilidade do material rodante com o segmento físico ferroviário, em termo de bitola, gabarito dinâmico, rampa máxima, raio mínimo, tamanho máximo de composição para inserção em postos de cruzamento etc.; • conhecimento das equipagens de trens acerca das condições geométricas da via, dos sistemas de sinalização física e de controle de tráfego utilizados etc. 6.4.5 Acordos Operacionais O órgão regulador deverá também ser informado dos seguintes arranjos operacionais firmados entre operador e gestor (estejam os mesmos delineados ou não em eventuais editais de licitação para seleção de gestor da infra-estrutura): • condições de acesso do operador a postos de abastecimento, pátios, terminais e centros de manutenção de material rodante eventualmente acessáveis a parti do trecho segregado; • condições de acesso a “slots” (faixas de tráfego), em termos de horários, freqüências, atrasos permissíveis, tarifas praticadas, multas e penalidades diversas. As tarifas de acesso, especialmente nos casos de postos de abastecimento, poderão se subdivididas em taxa de ocupação de via e litro de combustível fornecido. Essa providência se revela importante nos casos onde não haja desacoplamento de locomotivas e os trens em abastecimento ocupem razoáveis extensões de via. 6.4.6 Práticas Não-Discriminatórias Será necessário que as tarifas pelo uso da infra-estrutura, assim como as condições de acesso a slots ou faixas da grade horária, sejam estabelecidas: • de modo não discriminatório pelo gestor da infra-estrutura (open access ou third part access); • não configurem subsídio indireto ou cruzado aos fluxos do operador dominante(third part access). 179 Nesse sentido, será fundamental a participação da ANTT como interveniente no processo, para assegurar a não discricionaridade citada. Nos casos do open access ou do third part access será importante que o acesso às faixas da grade horária seja feito através de leilão ou instrumento licitatório análogo, sob responsabilidade do gestor da infra-estrutura, de modo claro e transparente, com regras claras e precisas, sob supervisão da ANTT. As tarifas praticadas deverão ser homologadas pela ANTT, podendo as partes recorrer (operador e gestor) em casos especiais ao sistema de arbitramento, tal como estabelecido pela Lei Federal 9.307, de 23 de setembro de 1996. 6.4.7 Apuração e Responsabilização de Acidentes Numa via segregada, a questão da apuração e responsabilização por acidentes, sobretudo os de maior gravidade, é de crucial importância. A Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT considera acidente ferroviário grave aquele que envolve o transporte ferroviário de passageiros, de produtos perigosos, conforme Decreto nº 98.973/90 e Resolução ANTT nº 420/04, ou acarrete uma das seguintes conseqüências: I - morte ou lesão corporal grave que cause incapacidade temporária ou permanente à ocupação habitual de qualquer pessoa; II - interrupção do tráfego ferroviário: a) por mais de 2 (duas) horas em linhas compartilhadas com o serviço de transporte ferroviário urbano de passageiros; b) por mais de 6 (seis) horas no serviço de transporte ferroviário de passageiros de longo percurso ou turístico; c) por mais de 24 (vinte e quatro) horas em linhas exclusivas para o transporte de cargas; III - prejuízo igual ou superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais); IV - dano ambiental; e V - outros danos de impacto à população atingida. A apuração dos acidentes em empresas verticalizadas é normalmente feita pelas mesmas. 180 Nos EUA, os acidentes de maior gravidade são apurados também pela Federal Railway Administration e os casos que resultem em morte ou grandes perdas materiais contam também com a participação do National Transportation Safety Board. Na Grã-Bretanha, os acidentes mais importantes são objeto de investigação por parte do Her Majesty Railway Inspectorate – HMRI, subordinado ao órgão regulador (Office of Rail Regulation – ORR). São objeto de imediata informação ocorrências semelhantes às solicitadas pela ANTT, acrescidas de outras peculiaridades (HMRI, 2008). Num cenário de segregação da infra-estrutura no Brasil, um modelo para apuração de acidentes precisaria considerar, de um lado, a questão institucional, e, de outro, a questão operacional. Do ponto de vista institucional, verifica-se que a o órgão regulador necessitaria constituir um corpo de especialistas em investigação de acidentes ferroviários, o que não seria tarefa fácil, diante do grau de especialização requerido aos profissionais desse corpo. Também o DNIT carece de profissionais ferroviários com esse perfil. Dessa forma, o instituto da arbitragem, previsto pela Lei Federal 9.307/96, seria o mais adequado à apuração das responsabilidades da ocorrência ferroviária, sempre que não houvesse acordo entre o gestor da infra-estrutura e o operador. Além da apuração da responsabilidade, seria necessário estabelecer os encargos financeiros do responsável, seja pela reparação de instalações fixas, seja pelo atraso causado ao tráfego ferroviário de outros operadores. O destacado no parágrafo precedente será vital para a viabilidade do processo de segregação. A hipótese de um operador vir a ser responsabilizado pelos encargos financeiros mencionados anteriormente é extremamente desestimulante, tendo em vista, inclusive, os elevados prêmios para cobertura de seguros que certamente iriam viger no cenário de segregação. O modelo proposto neste trabalho acadêmico, para apuração e responsabilização de acidentes é o mostrado nas figuras 37 e 38. 181 Figura 37: Arranjo para apuração de acidentes 182 Figura 38: Arranjo para responsabilização por acidentes No modelo proposto para apuração e responsabilização de acidentes existiriam as seguintes figuras: Comissão Mista de Apuração de Acidentes: formada por igual número de representantes do gestor da infra-estrutura e do(s) operador(es) envolvido(s) na ocorrência; 183 Árbitro (para apuração de acidentes): sorteado, na presença das partes, a partir de uma lista que contenha todos os árbitros listados nos contratos de operação firmados entre o gesto e cada operador, e pago por aquele que for considerado responsável; Árbitro (para fixação dos montantes a serem pagos pelo indenizante): escolhido por votação do Comitê Gestor de Acidentes, através de maioria simples, a partir de uma lista tríplice apresentada pelo órgão regulador (ANTT), e pago pelo indenizante; Comitê Gestor de Acidentes: formado um representante de cada um dos seguintes órgão e entidades: concessionárias ferroviárias, operadores ferroviários independentes, usuários das ferrovias, e presidido por representante do órgão regulador. Fundo de Resseguro: a ser criado com recursos da outorga das concessões ferroviárias, existentes e futuras, gerido pelo Comitê Gestor de Acidentes, destinado a prover cobertura para ocorrências danosas de grandes proporções, provenientes da acumulação de sinistros conseqüentes de um mesmo evento ou de uma série de eventos com o mesmo nexo causal. Sobre o Fundo antes citado, este seria um elemento de extraordinário estímulo às vias segregadas, atuando como uma espécie de resseguro para as seguradoras da exploração ferroviária, ajustando com as mesmas um limite de perdas, denominado Limite de Catástrofe, a partir do qual seriam recuperados os prejuízos excedentes. Essa recuperação seria feita através de recursos não-reembolsáveis disponibilizados pelo Fundo, para os casos de casos de força maior, situações imprevisíveis e geralmente resultantes de convulsões da natureza, como inundações, avalanches etc. Já para os casos fortuitos, situação que decorre de fato alheio à vontade da parte, mas proveniente de fatos humanos, o Fundo poderia prover recursos reembolsáveis ao responsável pelo acidente, nos montantes que excedessem certo limite de perdas, desde que o responsável pelo acidente demonstre, junto ao Comitê Gestor de Acidentes, ter tido comportamento exemplar em termos de ações destinadas à prevenção de acidentes. 184 7 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES 7.1 CONCLUSÕES Este trabalho acadêmico teve como ponto de partida a busca de soluções para a baixa eficiência existente em parte da malha ferroviária brasileira, de transporte de carga, tipificada, dentre outros fatores, por: • ausência de oferta de transporte ferroviário para significativo leque de produtos e rotas; • abandono ou desativação de cerca de 30% da rede ferroviária nacional. Destacou-se o fato de que muitos fatores colaboraram para que o problema citado, dentre eles: a excessiva concentração dos fluxos ferroviários em uma pequena gama de granéis; a necessidade de rápido encaixe financeiro por parte das concessionárias, para fazer frente ao pagamento de outorgas e aos financiamentos para recuperação de suas malhas e equipamentos de transporte, bastante deteriorados do ponto de vista físico, no período pré-concessão; a orientação geográfica (interior - litoral) e a pluralidade de bitolas, que inibe a intramodalidade e o aumento das distância média de transporte. Pôde ser mostrado, portanto, que o sistema ferroviário brasileiro, embora revigorado pelo processo de reestruturação via privatização, tem como problemas básicos a concentração de fluxos em poucas commodities e rotas, acarretando a significativa inexistência de oferta de transporte mais barato para produtos que não o minério de ferro e soja, e a conseqüente subtilização ou abandono de vários segmentos da malha. Como uma das possibilidades de atenuação da problemática antes citada, estudouse a segregação da infra-estrutura ferroviária, através da seguinte metodologia de trabalho: • retrospectiva do processo de declínio da ferrovia ante os modos de transporte competidores; • revisão das principais medidas reestruturadoras adotadas mundialmente para reversão ou minoração do declínio antes citado, em especial o unbundling; • elaboração de pesquisa de opinião sobre o unbundling; • entrevistas qualificadas sobre a adequação dessa medida reestruturadora com autoridades, especialistas e clientes da área de transporte de carga, em especial o ferroviário; • estudo e simulação de caso de segmento ferroviário com livre acesso; 185 • modelagem do setor ferroviário para segregação da infra-estrutura. Através de uma ampla revisão bibliográfica, mostrou-se que as ferrovias de carga de todo o mundo vêm experimentando um contínuo processo de declínio, com o desaparecimento de uma extensão de mais de 600.000 km, numa redução de 30% desde o pico de 1917. Nos Estados Unidos e Canadá, onde proporcionalmente ocorreu o maior recuo da extensão das linhas ferroviárias, o processo de perda de carga sobretudo para o caminhão foi em parte revertido pelas mega fusões nos EUA e aquisições de ferrovias norte-americanas pelas canadenses. Um outro importante fenômeno institucional ocorreu nesses dois países: a criação de ferrovias curtas (shortlines) e de ferrovias regionais (regional lines), que alimentam e são alimentadas pelas operadoras de maior porte. Na Europa Ocidental, os processos de reestruturação das ferrovias, objetivando dar-lhes maior eficiência e competitividade, teve como linha-mestra o unbundling ou segregação da infra-estrutura, situação na qual a operação nesse modo de transporte tende a assemelhar à de uma rodovia, com vários operadores servindo-se de uma mesma via permanente. Inicialmente posta em prática na Suécia na década de 80 (Século XX), a segregação foi amplamente adotada na Grã-Bretanha alguns anos depois, e tornada compulsória para todos os membros da União Européia. Os resultados europeus mostram que essa medida reestruturadora ainda enfrenta forte oposição das ferrovias estatais, verticalizadas, sendo que seu avanço mais expressivo na Alemanha, dentre os países que compulsoriamente foram obrigados a implementá-la. Na Ásia e Oceania, a privatização da ferrovia estatal japonesa foi a maneira encontrada para o desenvolvimento ferroviário, enquanto que Austrália e Nova Zelândia foram mais além, combinando privatização e segregação da infra-estrutura. Na América do Sul, as duas maiores economias, Brasil e Argentina, privatizaram suas malhas, adotando o critério da regionalização e mantendo a verticalização. Em ambos os casos, foram verificados importantes resultados operacionais e financeiros positivos, comparativamente ao período pré-concessional. Dessa maneira, a partir desse panorama ferroviário mundial, procurou-se estudar a possibilidade de se implantar no Brasil a segregação da infra-estrutura ferroviária, objetivando-se: • melhorar a eficiência do sistema ferroviário nacional, com claros resultados positivos na redução do denominado “custo Brasil”; 186 • promover a competição intramodal, eliminando, ainda que parcialmente, “o peso morto dos monopólios” e oferecendo aos clientes cativos alternativas de transporte; • dinamizar a indústria ferroviária nacional, tanto no aspecto de produção de bens, como no de prestar serviços de modernização, reabilitação e manutenção de bens e equipamentos; • fortalecer focos de negócio, com os gestores da infra-estrutura especializando-se cada vez mais nos processos de manutenção da via e do controle de tráfego, e os operadores ferroviários procurando conhecer e atender plenamente as demandas de seus clientes; • atrair novos investidores privados para o negócio ferroviário. A viabilidade da segregação da infra-estrutura ferroviária no Brasil foi analisada através dos seguintes elementos: ● fundamentos econômicos gerais e específicos; ● pesquisa elaborada pelo autor em parceria com o periódico Revista Ferroviária (pesquisa ampla); ● entrevistas feitas pelo autor com autoridades e personalidades de notório saber do meio ferroviário (pesquisa restrita); e ● estudo de caso. No que respeita aos fundamentos econômicos gerais, demonstrou-se que a manutenção do monopólio de ferrovias verticalizadas sobre algumas mercadorias e rotas é indesejável para a sociedade, tendo em vista a existência do “peso morto do monopólio”, em que parte do excedente do consumidor é apropriado pelo excedente do produtor. No que tange aos fundamentos econômicos específicos, evidenciou-se a presença do unbundling em diversos setores da infra-estrutura que atuam sob a forma de rede, tais como os setores de telecomunicações, energia, saneamento e aeroportuário. A pesquisa ampla, com aplicação de questionário via internet, no sítio da Revista Ferroviária, obteve a marca de 850 respondentes, com sua quase totalidade (90%) aprovando a segregação. Obviamente, esses resultados devem ser vistos com cautela, tendo em vista não só a tipologia dos respondentes, com também a inexistência de rigor na apuração das respostas. Um balanço final das entrevistas com público-alvo qualificado, envolvendo cerca de duas dezenas de pessoas e a técnica SWOT (strenghts, weaknesses, opportunities and treats), mostraram que os pontos positivos (fortes) da segregação superaram amplamente os pontos negativos (fracos), o que sem dúvida mostra a potencialidade da segregação da 187 infra-estrutura. As ameaças são equivalentes às oportunidades, demonstrando certo equilíbrio em as duas posições. Olhadas, portanto, no conjunto, as entrevistas tendem a considerar favoravelmente a possibilidade segregação da infra-estrutura, muito embora considerem isso como tarefa não trivial. Como elementos de consenso da segregação da infra-estrutura aparecem a intermodalidade e o estímulo às parcerias público-privadas na solução de problemas operacionais, sobretudo aqueles onde a participação de poder público seja financeiramente ou politicamente indispensável. Pontos fortes e fracos, oportunidades e ameaças, em seus aspectos mais abrangentes e consensuais, foram levados em consideração quando da elaboração dos modelos de implementação da segregação da infra-estrutura ferroviária. Como complemento aos argumentos pró-segregação, foi elaborado um detalhado estudo de caso, envolvendo o Corredor Campo Grande (MT) – Santos (SP). Esse segmento foi escolhido após o estabelecimento de critérios de elegibilidade, que se acredita ser uma contribuição inédita deste trabalho acadêmico à discussão da segregação da infra-estrutura ferroviária, quais sejam: • baixa densidade de tráfego; • boa capacidade de vazão; • longa distância de transporte; • fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado; • trecho com unicidade de gestão. No segmento em pauta simulou-se uma operação ferroviária em via segregada, e verificou-se que, numa primeira aproximação, o projeto de segregação da infra-estrutura obteve taxas internas de retorno financeiro atraentes quando comparadas a alternativas de investimento. De maneira análoga, a avaliação econômica do projeto mostrou taxa interna de retorno econômico bastante robusta, mostrando, assim, sua viabilidade tanto do ponto de vista privado (financeiro), como do ponto de vista da sociedade (econômico). Observe-se, por oportuno, que este Corredor é possuidor de uma grande potencial, quando da exploração em larga escala das jazidas de minério de ferro da região de Corumbá (MS), o que torna ainda mais interessante a questão da segregação, pois neste caso as mineradoras (MMX e Vale) poderiam possuir e conduzir trens dedicados. 188 O estudo de caso ratificou, portanto, as observações do Capítulo 4, no sentido da viabilidade da implantação da segregação da infra-estrutura ferroviária no Brasil. Como consolidação do trabalho acadêmico, foi feito um exaustivo esforço para elaborar um novo modelo de exploração ferroviária, evocando aspectos jurídicos e operacionais, contendo propostas para segregação em: • linhas existentes e concedidas, envolvendo a modalidade de segregação conhecida como third part access; • contornos ferroviários e variantes do traçado geométrico em linhas existentes e concedidas, contemplando o third part access e a parceria público-privada patrocinada (tal com definida na Lei Federal 11079/2004); • novas linhas, abrangendo, dentre outros elementos a parceria público-privada patrocinada e a modalidade de segregação conhecida como open access. Em adição foram estabelecidas diretrizes básicas para tarifação de vias segregadas, com estabelecimento de critérios para piso tarifário, teto tarifário e situações intermediárias. Complementarmente, formam estabelecidos condicionantes legais e operacionais de acesso, envolvendo tópicos como: ● licença do gestor e do operador; ● certificação em segurança operacional; ● certificação de compatibilidade; ● acordos operacionais; ● práticas não-discriminatórias; ● acidentes – marcha de apuração; ● acidentes – marcha de responsabilização. 7.2 RECOMENDAÇÕES O aprimoramento do setor ferroviário brasileiro, ao ver do presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferrroviários – ANTF (Fontana, 2008), implica em suplantar dez fatores que considera críticos, a saber: a) eliminação de gargalos operacionais (trechos ferroviários com excessivas rampas ou com ocupação da faixa de domínio por habitações subnormais); b) expansão da malha; c) fornecedores (desenvolvimento da indústria nacional e desoneração das importações); d) fomento à intermodalidade; e) necessidade de formação acelerada de recursos humanos; f) revisão da 189 regulamentação (contratos de concessão e aparato regulatório); g) solução dos passivos ambientais, trabalhistas e cíveis da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA; h) segurança (em especial no que respeita às passagens em nível); i) tecnologia (desenvolvimento de pesquisas e normalização técnica); e j) tributação (vinculação da CIDE às suas origens e redução da taxa de juros de financiamentos). Já para o governo federal (Valor Econômico, 2008), existe uma preocupação com o custo dos fretes ferroviários e foi desenhado um plano para aumentar a competição no setor. Não se pensa tomar nenhuma medida de impacto no curto prazo, mas acelerar os estudos para a concessão de 4.100 quilômetros de trilhos em bitola larga que devem acirrar a concorrência entre as operadoras de ferrovias. Consideram ainda as autoridades de transporte federais que o setor ferroviário de carga é dominado por três empresas - ALL, Vale e CSN - cujas malhas não competem entre si. Por isso, avaliam que os valores do frete ferroviário acabam tomando como referência os preços cobrados pelos transportadores rodoviários - bem mais altos. Como não há concorrência, o governo acredita que as concessionárias cobram preços acima do que poderiam, apenas um pouco mais baixos do que aqueles cobrados para o transporte rodoviário. Tem-se então que a problemática brasileira no setor ferroviário de cargas, afora questões menores envolvendo tributação, solução de passivos, formação de mão-de-obra etc., envolve essencialmente a aplicação de recursos públicos para expansão da malha ou solução de gargalos da infra-estrutura, sem que se questione a eficiência com que o atual sistema ferroviário nacional opera. É exatamente no sentido inverso ao do simples incremento dos investimento públicos no setor que se insere o presente trabalho acadêmico, ao propor a segregação da infra-estrutura ferroviária, de maneira seletiva e casuística, ao sistema ferroviário nacional, tendo como elemento motor o aumento de sua eficiência alocativa. Não se trata aqui de contestar a necessidade de mais recursos públicos para o setor, mas sim de propor que isso seja feito concomitantemente com o aumento da eficiência da malha existente, onde, à luz da argumentação aqui apresentada, a segregação da infra-estrutura sem dúvida poderá ter lugar de destaque. 190 7.3 SUGESTÕES PARA TRABALHOS FUTUROS Como sugestão de ordem geral, sugere-se que o estudo de possibilidades da operação ferroviária em vias segregadas seja abordado pelo Plano Nacional de Logística e Transportes, recentemente elaborado pelo governo federal, que se encontra ainda em numa versão preliminar. Como esse documento se reveste de plano diretor, seria a oportunidade do debate da segregação vir a ser aprofundado. Como sugestão de caráter específico, sugere-se o desenvolvimento de teses e dissertações tratando da complexa questão que é a tarifação de infra-estruturas. Resultados desses trabalhos acadêmicos seriam particularmente úteis na revisão qüinqüenal de rodovias pedagiadas e nas discussões sobre trackright, estas últimas no âmbito ferrovia – ferrovia, em que o órgão regulador seja instado a atuar. 191 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AAR, 2005. Railroad facts. Association of American Railroads, Washington, D.C., 84p. ACIOLI, R., 2005. Mecanismos de financiamento das ferrovias brasileiras. Tese de dissertação de mestrado, Coppe/UFRJ, Rio de Janeiro, 195p. ADB, 1998. Water supply sector report. Asia Development Bank, Manila, Filipinas, 74p. ANEEL, 2003. Atlas de energia elétrica do Brasil. Agência Nacional de Energia Elétrica, Brasília, DF. ANNUATI NETTO, F., 2004. Regulamentação dos mercados. In: PINHO, D. B. e VASCONCELLOS, M. S. (Org.). Manual de economia. Saraiva, São Paulo, p. 227 - 243. ANP, 2000. Livre acesso remunerado a infra-estruturas: conceitos e experiência internacional. Conjuntura e Informação, no.8, dezembro-janeiro. ANP, 2007. 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