O DIREITO DE ASILO: É A EUROPA UMA “TERRA DE ASILO”? ARMANDO R. DIAS RAMOS Sumário: I – INTRÓITO. II - RESENHA HISTÓRICA. 1 - O surgimento do instituto de asilo no Direito Internacional.2 – O instituto de asilo no Quadro Legislativo Europeu.3 – A Instituição de Asilo na União Europeia. III – Q UE GARANTIAS “OFERECE” A EUROPA AOS ASILADOS? V – CONCLUSÕES “O direito de asilo é uma instituição milenar destinada a proteger os direitos dos estrangeiros que são forçados a abandonar os seus países de origem, por motivos de segurança, liberdade e/ou sobrevivência.” CONSTANÇA URBANO DE SOUSA * I - INTRÓITO O direito de asilo remonta aos primórdios da humanidade. Se atendermos ao velho testamento encontramos referência a esta instituição milenar quando Deus disse a Moisés para fugir com o seu povo do Egito para Israel devido à opressão a que estavam sujeitos pelo Rei.1 Também no novo testamento encontramos referências ao direito de asilo quando o Rei Herodes mandou matar todas as crianças do sexo masculino e um anjo avisou José para fugir com a sua família, Maria e o menino, para Nazaré e ficassem por lá. 2 Poderemos definir asilo como um local inviolável onde uma pessoa se refugia para escapar a um perigo ou a uma perseguição.3 O direito de asilo encontra-se consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, vinculando individualmente os Estados Membros à Convenção de Genebra de 28 de julho de 1951 e ao Protocolo de 31 de janeiro de 1967, relativamente ao estatuto de refugiados. Refere o art. 18.º deste documento que “[É] * In, O Direito de Asilo, Janus OnLine 2004, UAL, Lisboa, disponível on-line em http://www.janusonline.pt/2004/2004_3_3_5.html#dados [acedido em 2 de outubro de 2013] 1 Livro do Êxodo, 3, 14-17 “Ele disse-me: visitei-vos e vi como vos tratam no Egipto. Por isso resolvi: transferir-vos-ei da opressão do Egipto para a terra dos canaeus, heteus, amorreus, ferezeus, heveus e jebuseus; para uma terra que mana leite e mel.” 2 São Mateus, 2, 13-15. 3 Dicionário on-line da Priberam. NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação. garantido o direito de asilo, no quadro da Convenção de Genebra de 28 de Julho de 1951 e do Protocolo de 31 de Janeiro de 1967, relativos ao Estatuto dos Refugiados, e nos termos do Tratado da União Europeia e do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (a seguir designados "Tratados")”. Desde logo se colocam diversas questões, às quais tentaremos dar resposta ao longo do nosso trabalho de investigação. Será o “direito de asilo” referente a um direito de um indivíduo ou a um direito do Estado? Poderá confundir-se o direito de asilo com as migrações de povos que procuram uma vida melhor, ou que simplesmente procuram em países mais desenvolvidos o refúgio para uma sobrevivência mais condigna? Ultimamente a Europa tem estado aos olhos do mundo pelas piores razões, no tocante às diversas mortes que têm ocorrido ao larga da ilha de Lampedusa, na Itália. Efetivamente emigrantes oriundos do norte de África, buscando melhores condições de vida, tentam a todo o custo entrar na Europa. Nem sempre estas incursões são bem sucedidas, a par do elevado preço que têm que pagar pela viagem, que por vezes chega a ser com a própria vida, arriscam entrar na Europa, com o fito de melhorarem as suas vidas.4 Mais recentemente assistimos à entrada forçada de sírios em território português, supostamente com documentos falsos, vindos de um voo oriundo da Guiné-Bissau. Donde, com fortes suspeitas, estariam também envolvidos numa rede de tráfico de seres humanos5. Será por isso a Europa uma “terra de asilo”? É assim a Europa um território apetecível porquanto, com a abolição de fronteiras, uma vez entrado num país facilmente se pode movimentar para todos os países que efetivamente fazem parte do Acordo de Schengen6. 4 A este respeito atente-se nos naufrágios que ocorrem quase todas as semanas, com maior incidência para o corrido em 3 de outubro de 2013, onde vieram a morrer mais de 130 pessoas. Entre outros meios de comunicação que denunciaram esta situação veja-se as notícias nacionais publicadas no DN, em http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=3456173&seccao=Europa; no Jornal Público, em http://www.publico.pt/mundo/noticia/marinha-italiana-ja-resgatou-120-sobreviventes-de-mais-umnaufragio-ao-largo-de-lampedusa-1608859#/0, mas também na imprensa estrangeira, na CNN em http://edition.cnn.com/2013/10/08/world/europe/italy-lampedusa-boat-sinking/; no Jornal El Mundo, em http://www.elmundo.es/elmundo/2013/10/12/internacional/1381597844.html, entre outros [acedidos em 13 de outubro de 2013]. 5 Entre outras notícias, publicadas por diferentes meios de comunicação social, destacamos a publicada no Jornal Público, acessível em http://www.publico.pt/sociedade/noticia/sirios-foram-encaminhadospor-uma-rede-para-portugal-1615895 [acedido em 11 de dezembro de 2013]. 6 O Acordo de Schengen assinado entre a Alemanha, a Bélgica, a França, o Luxemburgo e os Países Baixos, em 14 de Junho de 1985, visa suprimir gradualmente os controlos nas fronteiras comuns e instaurar um regime de livre circulação para todos os nacionais dos Estados signatários, dos outros Estados da Comunidade ou de países terceiros. A convenção de Schengen completa o acordo e define as condições de aplicação e as garantias de realização desta livre circulação. Foi assinada em 19 de Junho de 1990 pelos referidos cinco Estados- 2 Iremos por isso verificar que Refugiado e Asilado são dois termos distintos e que não se confundem no âmbito do Direito Internacional. Que formas existem de um indivíduo poder solicitar o estatuto de asilo e quais as prerrogativas que os Estados possuem para recusar/aceitar a quem solicita este estatuto? Ainda ao longo desta nossa investigação iremos analisar o quadro legislativo da União Europeia e as medidas que foram sendo implementadas para uniformizar as medidas de proteção de quem efetivamente solicita asilo na UE. II - RESENHA HISTÓRICA 1 - O surgimento do instituto de asilo no Direito Internacional Poderemos afirmar que a laicização do instituto de asilo se deu no séc. XVI. É nesta época que a igreja deixa de ter a faculdade de conceder asilo transferindo-se aos poucos para as “mãos” do Estado.7 De tal modo que no século seguinte passa a ser uma “obrigação do Estado”8. Foi CHRISTIAN WOLFF o grande impulsionador da ideia de que o asilo deveria ser uma prerrogativa do Estado. Segundo este autor, que defendia esta ideia em 1758, “os exilados devem ser recebidos pelas nações às quais pedem um novo domicílio, a menos que haja razões particulares que se lhes oponham: quando essas razões são Membros, mas só entrou em vigor em 1995. O Acordo e a Convenção de Schengen, bem como os acordos e as regras conexos constituem o «acervo de Schengen». Desde 1999, o acervo de Schengen foi integrado no quadro institucional e jurídico da União Europeia por força de um protocolo anexo aos Tratados. Ao longo do tempo, os Acordos de Schengen foram alargados: a Itália assinou os acordos em 1990, a Espanha e Portugal em 1991, a Grécia em 1992, a Áustria em 1995, a Finlândia e a Suécia em 1996, a Dinamarca também em 1996, mas com um estatuto especial, e a República Checa, Estónia, Letónia, Lituânia, Hungria, Malta, Polónia, Eslovénia e Eslováquia em 2007. A Irlanda e o Reino Unido apenas participam parcialmente no acervo de Schengen, tendo mantido, nomeadamente, os controlos nas suas fronteiras. De igual modo, a Bulgária, o Chipre e a Roménia aplicam apenas parcialmente o acervo de Schengen dado que a supressão dos controlos fronteiriços destes países deve ser efectuada através de decisão do Conselho da União Europeia. Quatro Estados terceiros fazem igualmente parte do espaço de Schengen, embora a sua participação no processo de decisão seja limitada: a Islândia e a Noruega, desde 1996, e a Suíça e o Listenstaine desde 2008. No que respeita aos Estados candidatos à adesão à União Europeia, no momento da sua adesão devem ter aceite integralmente o acervo de Schengen. In http://europa.eu/legislation_summaries/glossary/schengen_agreement_pt.htm [acedido a 13 de outubro de 2013]. 7 LUÍS CARLOS ZARATE, El Asilo en el Derecho Internacional Americano, Iqueima, Bogotá,1957, p. 21. 8 DIEGO LÓPEZ GARRIDO, El Derecho de Asilo, Trotta, Madrid, p. 8. 3 manifestas, eles não têm direito a obter... o domicílio que pedem; e, se eles experimentam uma recusa são obrigados a conformar-se”9. Contudo nos finais do Séc. XIX e inícios do Séc. XX não existiam padrões universais para os grandes fluxos migratórios que se viriam a verificar após a I Grande Guerra. Efetivamente a Europa viu um enorme fluxo migratório e toda uma série de problemas que se agudizava sem precedente10. Da recém criada Sociedade das Nações nasceu também o Gabinete Internacional Nansen e, ainda antes do terminus da II Grande Guerra, em 1943, sob a égide da Administração das Nações Unidas nascia o Auxílio e Restabelecimento (ANUAR), com o objetivo de prestar assistência de emergência a milhares de refugiados e deslocados11. Estavam dados os primeiros e fulcrais passos para a criação do Alto Comissariado para os Refugiados (ACNUR), através da resolução 310 (IV) de 3 de dezembro de 1949 da Assembleia das Nações Unidas 12. Daqui nasceu a Convenção de Genebra, adotada em 1951 e que é, ainda hoje, considera a trave mestra das atividades da ACNUR. É neste diploma de direito internacional que encontramos uma referência ao direito de asilo, reconhecendo a instituição de asilo como uma consequência do estatuto de refugiado. Já no decurso de 1966 a Assembleia-geral das Nações Unidas apresenta um protocolo adicional à Convenção de Genebra. Este protocolo consagra o Estatuto de refugiado e é também conhecido como o Protocolo de Nova Iorque. É referido, no preâmbulo deste Protocolo, que é “desejável que todos os refugiados abrangidos na definição da convenção (...) possam gozar de igual estatuto”. Estabelecendo o art. 1.º, n.º 3, que “o presente protocolo será aplicado pelos Estados sem qualquer limitação geográfica”. Donde resulta que mesmo aqueles Estados, que não assinaram nem 9 CHRISTIAN WOLFF, Principes du Droit de la Nature et des Gens, 1758, Trad. Formey, 1988, Paris, PUCaen, 3.º Vol., Liv. IX, Ch. II, XXI. 10 Diz-nos ADRIANO MOREIRA que as duas grandes guerras foram qualificadas de mundiais, mas esqueceram-se de qualificar como mundiais os seus efeitos e exclusivamente ocidentais pelas causas, Ciência Política, 6.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2001, pp. 405-416. 11 Por todos, TERESA CIERCO, A Instituição de Asilo na União Europeia, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 25 a 44. 12 O Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados é, desde 15 de junho de 2005, António Guterres. Mais informações sobre o ACNUR e a sua missão em http://www.acnur.org/t3/ [acedido em 14 de outubro de 2013]. 4 vieram a ratificar a Convenção de Genebra, podem aderir ao Protocolo de Nova Iorque. Impõe-se, antes de analisarmos o quadro legislativo europeu, fazer já a distinção entre o refúgio e o instituto de asilo. Para CARLIER “refúgio e asilo são institutos distintos: o primeiro depende do aval do Estado em enquadrar determinadas situações específicas do “asylum seeker”, no âmbito da definição de refugiado”13. 2 – O instituto de asilo no Quadro Legislativo Europeu O Conselho da Europa é sem dúvida a mais antiga organização política do continente europeu. Desde a sua fundação, em 1949, que traçou um rumo na defesa dos direitos inalienáveis do ser humano. Foi assim que no ano seguinte á sua formação, em 1950, se procedeu á assinatura da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Neste diploma não se encontram diretamente referencias ao direito de asilo ou de refugiado, mas verifica-se que a Convenção é aplicável a todos aqueles que se encontrem no território dos países signatários, ou seja, aplica-se, por sua vez, aos que solicitam refúgio ou asilo 14 . Posteriormente surgiram os Protocolos adicionais, que aí sim incluem o direito de asilo, nomeadamente o Protocolo adicional n.º 4 (1963), que no seu art. 4.º proíbe as expulsões coletivas de estrangeiros; bem como o Protocolo adicional n.º 7 (1984), que no seu art.º 1.º enuncia as condições para a expulsão de estrangeiros. Diversas recomendações surgiram do seio do Conselho da Europa dos quais destacamos apenas os mais importantes15: - o Acordo Europeu sobre a Transferência da Responsabilidade relativa a Refugiados (1980) e a Recomendação sobre Harmonização de Procedimentos Nacionais Relativos ao Asilo (1981); - a Recomendação relativa à Proteção de Pessoas que satisfazem os Critérios da Convenção de Genebra e que não são Formalmente Reconhecidas como Refugiados (1984); 13 JEAN-YVES CARLIER, Réfugiés Refusés, Brussel, 1986, p. 146, apud JOSÉ NORONHA RODRIGUES, Políticas de Asilo e de Direito de Asilo na União Europeia, 2006, p. 6, in repositório da Universidade dos Açores, acessível em https://repositorio.uac.pt/handle/10400.3/1149 [acedido em 15 de outubro de 2013] 14 Neste sentido TERESA CIERCO, ob. cit., p. 67. 15 Acompanhando de perto TERESA CIERCO, ob. cit., pp. 68-69. 5 - a Recomendação 1088 (1988) relativa ao direito de asilo territorial, alínea 6, onde a Assembleia Parlamentar exprime o seu desejo de “... salvaguardar plenamente o direito de asilo territorial”, o que mostra vontade em perseguir os trabalhos de harmonização do direito de asilo territorial nos Estados membros do Conselho da Europa; - a Recomendação 1237 (1994) relativa á situação dos pedidos asilo indeferidos, onde a Assembleia Parlamentar manifestou o direito de toda a pessoa “... perante a perseguição ou quando a sua vida ou integridade estejam ameaçadas, procurar e beneficiar de asilo”. Mas constatou igualmente que “... em virtude do princípio da soberania nacional, a decisão de conceder asilo cabe ao Estado de acolhimento”. 3 – A Instituição de Asilo na União Europeia No seio da agora União Europeia (anteriormente CEE e posteriormente CE) surgiram políticas que desembocaram na livre circulação de pessoas e bens. Falar do direito de asilo implica necessariamente falar da circulação de pessoas por todos os países da União Europeia. Como veremos infra não existem políticas uniformes, no seio da UE, relativas à atribuição ou não de asilo aos seus requerentes. Isto implica que se um Estado conceder o direito de asilo, a um cidadão de país terceiro, este possa, a partir de então, circular livremente por todo o espaço europeu, denominado Schengen. Decorria o ano de 1986 quando os Estados-Membros decidiram cooperar em relação à entrada de cidadãos de países terceiros na União Europeia e ao direito de circulação e de residência na UE. Foi, assim, constituído um grupo ad hoc imigração, o qual funcionava na base do método intergovernamental puro, completamente estranho aos tratados e a estrutura da então Comunidade Económica Europeia. Com o Tratado de Maastricht, formalmente em vigor desde 1993, estabeleceram-se regras comuns para os cidadãos que transpusessem as fronteiras externas da UE e para a política de imigração16. Foi com este Tratado, também denominado Tratado da União 16 Nas palavras de FRANCISCO LUCAS PIRES, Schengen e a Comunidade de Países Lusófonos, in Corpus Ius Gentium Coninbrigae, Revista da Faculdade de Direito de Coimbra, Coimbra Editora, 1997, p. 24, “Dir-se-ia que, enquanto no interior da União Europeia a qualidade de “estrangeiro” dos cidadãos de outros Estados-membros é amaciada, como que em recurso, pela nova conquista da (con)cidadania europeia com que Maastricht ungiu uns e outros, já, no plano externo, os nacionais de 6 Europeia (TUE) que o direito de asilo foi expressamente mencionado, o que não tinha acontecido nem no Tratado de Roma, nem no Ato Único.17 Contudo o grande progresso do direito humanitário dos refugiados deu-se com a Convenção de Dublin (sobre a determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num Estado Membro), assinada em 15 de junho de 1990. Foram os grandes fluxos migratórios que antecederam o Tratado de Maastricht, tais como a deslocação das pessoas afetadas pela guerra da ex-Jugoslávia, entre outros, que levaram alguns Estados Membros a conferir a concessão de um estatuto de refugiado ao abrigo da Convenção de Genebra. Estas concessões dependiam de cada Estado Membro, não havendo regras uniformes sobre a concessão do estatuto de refugiado ou de asilo. De tal modo que caso um cidadão de país terceiro visse recusado o seu pedido de asilo poderia proceder a novo pedido em outro Estado Membro da União Europeia. Neste sentido era urgente definir estratégias políticas que dessem resposta a estes problemas e, acima de tudo, dessem respostas à questão da repartição de responsabilidades pelo acolhimento de deslocados. Tornara-se insuficiente os trabalhos e decisões ad hoc por cada Estado Membro, face à difícil coordenação ao nível europeu. Durante os anos de 1997 e 1998 foram publicados no JOCE propostas de ação comum relativas à repartição de responsabilidades relativas ao acolhimento e estadia dos beneficiários de proteção temporária, bem como revisões das mesmas 18. É com o Tratado de Amesterdão, em vigor desde 1 de maio de 1999, que é estabelecido a comunitarização das matérias relativas à proteção temporária, patente no art. 63.º, nº. 2, do Tratado da Comunidade Europeia. É também por força deste Tratado que foi atribuído o objetivo da UE se desenvolver como “um espaço de liberdade segurança e justiça, em que seja assegurada a livre circulação de pessoas em terceiros Estados tornar-se-iam, ao contrário, duplamente “estrangeiros”, peneirados, primeiro, através da fronteira comum e, depois, das fronteiras nacionais dos vários Estados-membros.” 17 O artigo C do tratado refere que “A União dispõe de um quadro institucional único, que assegura a coerência e a continuidade das ações empreendidas para atingir os seus objetivos, respeitando e desenvolvendo simultaneamente o acervo comunitário. A União assegurará, em especial, o conjunto da sua acção externa no âmbito das políticas por si adoptadas em matérias de relações externas, de economia e de desenvolvimento...” 18 Neste sentido as publicações no JOCE n.º C 268, de 04 de abril de 1997; n.º C 268, de 27 de agosto de 1997 e n.º L 114, de 01 de maio de 1999. 7 conjugação, com medidas adequadas em matéria de controlos na fronteira, asilo e imigração, bem como de prevenção e combate à criminalidade” 19. Em reunião extraordinária, realizada em 15 e 16 de outubro de 1999, na cidade de Tampere, o Conselho Europeu debateu a criação de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça na União Europeia. Contudo não foram abordadas as questões de criação de um sistema comum de asilo ou de uma política comum simples, tendose apenas concordado que o futuro sistema de asilo seria baseado no estrito e integral cumprimento da Convenção de Genebra 20. Decorrente do Tratado de Amesterdão foi decidido proceder-se à criação de um sistema informático de comparação de impressões digitais de requerentes de asilo e outros nacionais de países terceiros que atravessem irregularmente as fronteiras externas da União. Foi assim criado o sistema EURODAC21, substituindo a Convenção de Dublin, em 2003, pelo Regulamento de Dublin aplicável a todos os Estados Membros, bem como a partir de 2006 à Dinamarca, tendo a Convenção ficado obsoleta. A Diretiva 2001/55/CE, do Conselho, de 20 de junho, estabeleceu as normas mínimas em matéria de concessão de proteção temporária no caso de afluxo maciço de pessoas deslocadas e a medidas tendentes a assegurar uma repartição equilibrada do esforço assumido pelos Estados-Membros ao acolherem estas pessoas e suportarem as consequências decorrentes desse acolhimento. Previa-se nesta diretiva, no art. 17.º, que os beneficiários da proteção temporária tivessem a oportunidade de 19 CONSTANÇA URBANO DE SOUSA, A protecção temporária enquanto elemento de um sistema europeu de asilo. A proposta de diretiva comunitária sobre a protecção temporária, Revista da Faculdade de Direito da UNL, Ano II, n.º 3, 2001, pp. 266-267. 20 A primeira fase do sistema europeu comum de asilo foi concluída com a adoção dos instrumentos legais relevantes previstos nos Tratados, incluindo a Diretiva 2005/85/CE, que constituiu uma primeira medida em matéria de procedimentos de asilo. 21 EURODAC denominação de European Dactyloscopy. Este sistema permite aos Estados Membros identificarem os requerentes de asilo, bem como as pessoas que foram detidas por terem transposto ilegalmente uma fronteira externa da União. Através da comparação de impressões digitais, os Estados Membros podem verificar se um requerente de asilo ou um estrangeiro que se encontre ilegalmente no seu território já formulou um pedido noutro Estado Membro (de forma a resolver o problema dos pedidos de asilo múltiplos – fenómeno conhecido por asilo-shopping), ou se esse requerente de asilo já entrou ilegalmente no território da União. O EURODAC compõe-se de uma unidade central gerida pela Comissão Europeia, de uma base de dados informatizada contendo impressões digitais e meios eletrónicos de transmissão entre os Estados-membros e a base de dados central. Para além das impressões digitais, os dados transmitidos pelos Estados-membros incluem, nomeadamente, o Estadomembro de origem, o lugar e a data do pedido de asilo, se for caso disso, o sexo e um número de referência, bem como a data da recolha das impressões e a data da transmissão dos dados à unidade central. As informações são recolhidas relativamente a todas as pessoas com mais de 14 anos de idade e são introduzidas na base de dados diretamente pela unidade central. Síntese online em: http://europa.eu/legislation_summaries/justice_freedom_security/free_movement_of_persons_asylum_ immigration/l33081_pt.htm [acedido em 18 de dezembro de 2013]. 8 requerer um pedido de asilo em qualquer altura, até ao termo do regime de proteção temporária. Ainda assim nada foi legislado sobre os mecanismos ou uniformização de critérios relativamente ao pedido e proteção de asilo. Defendia CONSTANÇA SOUSA, aquando da discussão do projeto de Diretiva, que “apesar da existência de algumas deficiências de previsão normativa, esta Diretiva, a ser aprovada num futuro próximo, representa um passo importante para a instituição de um sistema europeu de protecção humanitária, que complemente os sistemas nacionais de asilo, cujos aspectos substantivos e processuais serão objecto de uma aproximação legislativa”22. Foi com as Diretivas 2004/83/CE, de 29 de abril e a 2005/85/CE, 2 de dezembro, que se estabeleceram, respetivamente, as normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respectivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida, bem como os procedimentos das normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados-Membros. O Tratado de Lisboa aboliu o III Pilar e remeteu a cooperação em assuntos de polícia, lei criminal e civil, vistos, asilo e imigração para uma competência partilhada, agora denominada área de liberdade, justiça e assuntos internos23. É na versão consolidada do Tratado de Funcionamento da União Europeia que se estabelece um capítulo referente às políticas relativas aos controlos nas fronteiras, ao asilo e à imigração. Estabelece o art. 78.º TFUE que a União desenvolve uma política comum em matéria de asilo, de proteção subsidiária e de proteção temporária, destinada a conceder um estatuto adequado a qualquer nacional de um país terceiro que necessite de proteção internacional e a garantir a observância do princípio da não repulsão24. 22 CONSTANÇA URBANO DE SOUSA, A protecção temporária... Ob. cit., p. 279. O Reino Unido e a Irlanda mantêm o direito de opt-out em propostas legislativas apresentadas pela Comissão em matéria de vistos, asilo e imigração. 24 O princípio da não repulsão ou comummente também designado por princípio do non-refoulement é um princípio básico e pedra angular do Direito Internacional dos Refugiados, consagrado no artigo 33.º da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 – Convenção de Genebra. Segundo esse artigo, o princípio do non-refoulement é definido da seguinte forma: “Nenhum dos Estados Membros expulsará ou repelirá, de maneira alguma, um refugiado para as fronteiras dos territórios em que a sua vida ou a sua liberdade seja ameaçada em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo social a que pertence ou das suas opiniões políticas”. Por todos, BRUNA VIERA DE PAULA, O princípio do non-refoulement, sua natureza, jus cogens e a proteção internacional 23 9 Já no decurso do corrente ano de 2013 foi publicado no JOUE, n.º L 180, de 29 de junho, a diretiva 2013/32/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto internacional. Esta Diretiva veio revogar a Diretiva 2005/85/CE, relativamente aos Estados-Membros vinculados pela mesma e impor a sua transposição até 20 de julho de 2015. III – QUE GARANTIAS “OFERECE” A EUROPA AOS ASILADOS? As políticas de asilo estão na ordem do dia. Não são somente os casos de Itália, na ilha de Lampedusa – Itália, ou de Portugal, com os supostos sírios que desembarcaram, no presente mês de dezembro, no aeroporto da Portela, que levantam problemas à União Europeia sobre os pedidos de asilo 25. Já no decurso do ano 2000 foi realizada em Lisboa, nos dias 15 e 16 de junho, uma conferencia europeia subordinada ao tema “Em direção a um sistema comum europeu de asilo”. Os problemas que assolam a europa são de tal modo diferentes, no que à matéria de asilo dizem respeito (e que aqui nos interessam para o nosso trabalho de investigação), que urge definir políticas que possam ser aceites por todos os Estados-Membros, sem que uns sejam prejudicados e outros beneficiados. Entre os diferentes conferencistas presentes na conferência a que aludimos supra, alguns de renome internacional, encontrava-se OTTO SCHILY, então Ministro do Interior da República Federal da Alemanha, que defendia que “[N]ão podemos ignorar que as condições, por exemplo, em Espanha, França e Portugal são bastante diferentes das condições na Alemanha, atendendo à situação geográfica e aos laços históricos daqueles países. Devemos ter sempre estes factos em consideração. Daí o não ser possível uma congruência total. Do que necessitamos é de harmonização, não de uma dos refugiados, pp. 51 a 67, disponível on-line no endereço http://www.corteidh.or.cr/tablas/r28151.pdf [acedido em 5 de dezembro de 2013]. 25 Segundo noticia publicada no jornal semanário “Sol”, que cita estatísticas do Gabinete Eurostat, a UE recebeu mais de 100 mil pedidos de asilo no 2.º semestre deste ano. Disponível em http://sol.sapo.pt/inicio/Internacional/Interior.aspx?content_id=87471 [acedido em 5 de dezembro de 2013]. Dados mais completos publicados em dezembro de 2013, referentes até outubro de 2013, podem ser acedidos no site do Eurostat, onde se verifica que em Portugal 38% dos pedidos de asilo são de cidadãos oriundos da Síria, seguidos de 15% de cidadãos Guineenses, http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_OFFPUB/KS-QA-13-012/EN/KS-QA-13-012-EN.PDF [acedido em 10 de dezembro de 2013]. 10 uniformidade total. Terá de ser um conjunto de regras que preencha os requisitos inerentes aos princípios humanitários inabaláveis em que assenta a própria União Europeia, isto é, um conjunto de regras que não descure os princípios humanitários”26. Efetivamente a UE não tem poder para conceder asilo, no seu espaço geográfico, a pessoas perseguidas no seu país de origem. Compete as autoridades nacionais de cada Estado Membro, onde é apresentado o pedido, uma decisão sobre o mesmo. A harmonização das políticas sobre o Direito de Asilo deverão ser as metas a atingir pela UE, essencialmente porque os países periféricos da UE têm maior propensão para receberem pedidos de asilo que os países que não têm fronteiras externas. Entre estas políticas de harmonização deverão ser tomados em linha de conta, por todos os países membros da UE, os critérios que levam à atribuição do pedido de asilo, o tempo necessário para deferir/inferir um pedido de asilo, em que condições permanecerão os requerentes de pedido de asilo até obterem uma decisão, como e de que formas deverão ser repatriados os requerentes que viram o seu pedido de asilo recusado, etc... Efetivamente estão a ser dados passos a caminho de uma uniformização, mas, salvo melhor entendimento, mais poderia ser feito a nível da UE. Pese embora se tenha criado, em setembro de 2000, um Fundo Europeu para os Refugiados, apenas se tentou “tapar o sol com a peneira”, não resultando daí qualquer solução efetiva para o problema. Desta forma os países com mais pedidos de asilo ou entradas ilegais no espaço europeu, recebem um apoio monetário para fazer face ás despesas inerentes aos cuidados que têm de ser prestados com estes cidadãos de países terceiros. Mas nada garante aos requerentes uma estadia mais prolongada ou outras condições mais favoráveis, como a procura de emprego, por exemplo. As políticas europeias, tendo por trave mesta a Convenção de Genebra, revelam-se insuficientes. Hoje, mais que nunca, existem grandes fluxos migratórios, seja para fugir de condições adversas dos seus país de origem, seja na busca de locais que permitam uma maior estabilidade de sobrevivência. A facilidade com que se vai de um país a outro, com o incremento da rapidez dos meios de transporte, leva a que a 26 Conferência organizada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal, aquando da Presidência do Conselho da UE de Portugal. Atas da conferência disponíveis no endereço http://www.sef.pt/documentos/56/actas-coferencia%20portugues1.pdf [acedido em 23 de novembro de 2013]. 11 Convenção seja criticada face ao complexo sistema que não permite dar uma resposta mais célere aos desafios atuais.27 Se atentarmos à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia apenas encontramos a remissão, no art. 18.º - sobre o direito de asilo, para as normas vigentes de direito internacional, ou seja, para a Convenção de Genebra 28. Não poderemos esquecer a época em que surgiu a Convenção de Genebra. Ela reflete a conturbada “guerra fria” que se tinha instalado no momento da sua adoção. A definição de refugiados está limitada por exigências de uma persecução e por uma enumeração rígida das causas de persecução admissíveis. 29 Atualmente muitos são os motivos invocados, por cidadãos de países terceiros, para solicitarem um pedido de asilo, muito embora a grande maioria sejam rejeitados pelos países da UE, por força das decisões de interpretação, por via do reenvio prejudicial, das normas europeias efetuadas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)30. 27 ANA MARIA GUERRA MARTINS, Estudos de Direito Europeu e Internacional dos Direitos Humanos: O Direito de Asilo na União Europeia, Almedina, Coimbra, 2005. p. 227. 28 Como refere ANDREIA SOFIA PINTO OLIVEIRA, O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa, Âmbito de Proteção de um Direito Fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 159, “O Direito da União Europeia tem, até agora, sempre partido da aceitação do direito de asilo com o âmbito subjetivo com que está consagrado no art. 1.º da Convenção de Genebra. Em todos os instrumentos comunitários que se referem ao direito de asilo, o conceito de referência na delimitação do âmbito subjetivo é o da Convenção de Genebra.” 29 FRANÇOIS CREPEAU, Droit d’Asile, De l’hospitalite aux controles migratoire, Editions Bruylant, Editions de l’ Université de Bruxelles, 1995, pp. 315 – 319. 30 A título de exemplo: ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (GRANDE SECÇÃO), DE 27 DE JUNHO DE 2006 – Processo C540/03, Parlamento Europeu contra Conselho da União Europeia « Política de imigração – Direito ao reagrupamento familiar de filhos menores de nacionais de países terceiros – Diretiva 2003/86/CE – Proteção dos direitos fundamentais – Direito ao respeito pela vida familiar – Obrigação de tomar em consideração o interesse do filho menor; DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (SÉTIMA SECÇÃO), DE 19 DE DEZEMBRO DE 2008 (pedido de decisão prejudicial do Verwaltungsgerichtshof – Áustria) – Deniz Sahim/Bundesminister für Inneres (Processo C-551/07) “ Artigo n.º 104.º, n.º 3, do Regulamento de Processo – Diretiva 2004/38/CE – Artigos 18.º CE e 39.º CE – Direito ao respeito da vida familiar – Direito de residência de um nacional de um país terceiro que entrou no território de um Estado-Membro como requerente de asilo e seguidamente casou com uma nacional de outro Estado-Membro”; ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (SEGUNDA SECÇÃO), DE 4 DE MARÇO DE 2010 - (pedido de decisão prejudicial de Raad van State – Países Baixos) – Rhimou Chakroun/Minister van Buitenlandse Zaken (Processo C- 578/08) -(Direito ao reagrupamento familiar – Diretiva 2003/86/CE – Conceito de recurso ao sistema de assistência social – Conceito de reagrupamento familiar – Constituição da família); Entre nós veja-se, meramente a título de exemplo sobre os mais variados pedidos de asilo, a caso de uma menor que requer asilo em Portugal com o argumento que irá ser obrigada a casar com um homem muçulmano. Concluiu o Tribunal que apenas se trata de uma questão de ordem familiar, de ordem meramente privativa e insuscetível de preencher o conceito de asilo ou sequer autorização de residência por razões humanitárias. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/beb8e2410ef8acbf80257bb800504c 95?OpenDocument [acedido em 15 de dezembro de 2013]. 12 Entre o pedido de asilo e a decisão da sua concessão ou não, há um hiato de tempo em que os requerentes são deixados à sua sorte na nova sociedade onde se pretendem integrar. Muitos ficam reclusos da sua liberdade, por serem colocados em centros de acolhimento temporário. Centros estes que muitas das vezes se encontram sobrelotados, com condições mínimas de higiene e alimentação e sem outras atividades que não sejam a televisão e contactos virtuais através de telemóvel31. As garantias vertidas em papel, emanadas dos órgãos da União Europeia, acabam por esbarrar em burocracias e revelam-se ineficazes. Efetivamente o afluxo de refugiados à Europa cresce a cada dia que passa 32. A única garantia que os requerentes de asilo têm como efetiva é a que diz respeito à não repulsão 33. Segundo o artigo 42.º (1) da Convenção de 1951 e o artigo 7.° (1) do Protocolo de 1967, são proibidas reservas ao Artigo 33.º dessa Convenção o que acentua o seu caráter de regra internacional. Contudo, em face das situações que os requerentes de asilo chegam à Europa, podem ser recambiados para os países seguros por onde passaram anteriormente à sua chegada. IV – CONCLUSÕES Em jeito de conclusão poderemos afirmar que a Europa se encontra no caminho de uma tendencial uniformização no que às políticas de asilo diz respeito. 31 MARIA CRISTINA SANTINHO, Afinal, que asilo é este que não nos protege?, Etnográfica [online], 2013, vol.17, n.º 1, pp. 5-29. Disponível em: http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S087365612013000100001&lng=pt&nrm=iso [acedido em 20 de dezembro de 2013]. 32 A este respeito veja-se o documento da Alta Comissária do Comité Executivo do ACNUR – 46.º Sessão – 1995, Proteção Internacional em Situações de Influxo em Larga Escala, onde é referido que “Um amplo e renovado consenso sobre a necessidade da solidariedade internacional, neste contexto, só pode reforçar e melhorar a implementação dessa solidariedade. Em particular, torna-se urgentemente necessário prever mecanismos que fortaleçam a capacidade nacional dos Estados mais afectados pelo acolhimento de refugiados, onde essa capacidade se encontra comprometida. Para além disso, devem reconhecer-se as implicações na segurança dos Estados de acolhimento provocadas por fluxos em massa de refugiados. Uma resposta internacional efectiva necessita de se apoiar no carácter exclusivamente humanitário e civil e na obrigação dos refugiados e das autoridades de acolhimento se absterem de qualquer actividade que prejudique a segurança nos campos e acampamentos de refugiados”. Documento disponível on-line, no site da ACNUR, em http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/documentos/?tx_danpdocumentdirs_pi2%5Bmode%5D=1 &tx_danpdocumentdirs_pi2%5Bfolder%5D=155&tx_danpdocumentdirs_pi2%5Bfclick%5D=,145,148 ,153 [acedido em 15 de dezembro de 2013]. 33 Non-refoulement. 13 Efetivamente, se por um lado as políticas da UE definidas nos Tratados, mormente a partir do Tratado de Amesterdão e que culminou com o Tratado de Lisboa, e, por outro, as legislações plasmadas em Diretivas, emanadas dos órgãos da UE, tendem a estabelecer uniformidade nos critérios de concessão/recusa do estatuto de asilo, a prática acaba por ser bem diferente. Nestes diplomas são previstos uma panóplia de procedimentos a adotar e a sua forma processual de os instruir. Prevê-se quem poderá solicitar asilo e em que condições. Apregoam-se chavões universais de Direitos Humanos, contemplando-se Direitos, Liberdades e Garantias conquistados ao longo de muitas décadas. Mas que sucede depois realmente? Que “terra” é esta que não está suficientemente preparada para receber aqueles que se dirigem e lhes pedem “abrigo”? Não podemos esquecer que quem foge de uma guerra deixa para trás toda uma vida. Por vezes apenas conseguem trazer a roupa do corpo, sem mais nada que lhes possa valer. Ora um cidadão de um país estrangeiro que chegue nestas condições à europa não traz consigo qualquer tipo de identificação é motivo mais que suficiente para que lhe seja negado o estatuto de asilo. Exigível, para efeitos de pedido de asilo será um documento que identifique não só a origem dessa pessoa como também a própria pessoa. A deslocação de massas para as paragens europeias, onde se busque por melhores condições de vida, mormente uma paz social e estabilidade económicofinanceira, leva a que cada vez mais elas se verifiquem. Já aqui o referirmos, neste nosso estudo, que a facilidade de deslocação jacente ao avanço tecnológico dos transportes, encurtaram distâncias e fazem “sonhar” aqueles que procuram uma vida melhor. Ainda que assim não seja, vejam-se as condições precárias com que muitos emigrantes do norte de áfrica chegam a Lampedusa, por exemplo, já para não falar nas quantias avultadas que são pagas a redes ilegais de tráfico de seres humanos. Mas tudo em vista de uma réstia de esperança, com vista a atingir o “elo dourado europeu”. Terra de novas oportunidades... Pelo que há quem “hipoteque” a sua própria vida para atingir a Europa e aqui se estabelecer. Nesse aspeto a UE tem lutado fortemente contra as redes ilegais de tráfico humano e, diga-se, de forma bastante eficaz. A cooperação policial e judiciária tem dado os seus frutos no combate ao crime organizado e desmantelado redes de criminosos que, sem qualquer escrúpulo pela dignidade do ser humano, traficam e exploram os seus semelhantes, sem olhar aos efeitos provocados, visando apenas o 14 seu lucro. E o que sucede aos que conseguem atravessar o limiar mínimo desta humilhação e tentam entrar na Europa, requerendo o estatuto de asilado? Que destino lhes aguarda? Ultimamente temos assistido, através de diversos órgãos de comunicação social, como já fizemos referência supra, que existem pontos nevrálgicos onde afluem maiores massas de entradas de cidadãos e aí requerem estatuto de asilados. Bem recentemente foram denunciadas as condições a que ficam estes indivíduos. Chegados a um país da UE aguarda-os um longo caminho na espera de uma decisão. Os centros de acolhimento estão sobrelotados. Por outro lado, pelo menos em Itália as imagens comprovam isso, utilizam-se procedimentos humilhantes da dignidade de qualquer ser humano. O facto de obrigar os cidadãos de países estrangeiros a ficarem nus, em fila indiana, para posteriormente serem pulverizados com produtos químicos é algo a que já assistimos no passado, mormente aquando da segunda guerra mundial. Não abona a favor da Europa este tipo de procedimentos quando se defendem valores e arquétipos do Ser Humano, da dignidade pessoal e universal que deve ser dada a cada pessoa. Recolher os cidadãos num centro de acolhimento, negando-lhes o direito a uma vida melhor, com base em diversos factos, tais como já terem passado por um país seguro, local onde aí deveriam ter solicitado o estatuto de asilo, ou remetê-los para outros países onde exista uma paz social, não abona a favor de uma Europa que se diz livre e cooperante em matérias de cidadania, comércio e trabalho. É certo que a Europa ao acolher estes cidadãos poderá ficar sobrecarregada de encargos sociais. É certo que por norma estes cidadãos não possuem competências técnico-profissionais que possam desenvolver uma atividade, sem que estejam dependentes de subsídios estatais. Mas haverá aqui uma responsabilidade dos Estados Membros europeus em atribuir subsídios a estes cidadãos? Somos da opinião que não. Acima de tudo todos os cidadãos deverão ser livres e escolher o país que mais lhes apraz para viverem a sua vida em condições melhores relativamente aquelas em que se encontram. A expulsão de um país apenas deverá ocorrer se existirem práticas de crime. O direito de asilo deverá somente ser requerido e utilizado quando se verifiquem casos concretos de comprovada perseguição, seja ela política, de género, ou outra. A Europa não é uma “terra de asilo” porquanto não acolhe todos aqueles que tentam a sua mudança de vida. Não se olha para estes indivíduos como cidadãos universais, que têm direito a uma vida melhor e mais condigna, mas apenas sob o 15 prisma da vitimização e da despesa que eventualmente poderão ocasionar com a sua estadia, mais ou menos prolongada, no seio da União Europeia. BIBLIOGRAFIA CIERCO, TERESA, A Instituição de Asilo na União Europeia, Almedina, Coimbra, 2010. CREPEAU, FRANÇOIS, Droit d’Asile, De l’hospitalite aux controles migratoire, Editions Bruylant, Editions de l’ Université de Bruxelles, 1995 LÓPEZ GARRIDO, DIEGO, El Derecho de Asilo, Trotta, Madrid, 1991. MARTINS, ANA MARIA GUERRA, Estudos de Direito Europeu e Internacional dos Direitos Humanos: O Direito de Asilo na União Europeia, Almedina, Coimbra, 2005. p. 227. MOREIRA, ADRIANO, Ciência Política, 6.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2001. OLIVEIRA, ANDREIA SOFIA PINTO, O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa, Âmbito de Proteção de um Direito Fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009. 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