Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Química Departamento de Química Analítica Programa de Pós Graduação em Química Área de Concentração: Química de Resíduos AVALIAÇÃO DA SOLUBILIDADEM EM LÍQUIDO PULMONAR SIMULADO DOS METAIS PRESENTES NO REJEITO GERADO POR UMA INDÚSTRIA METALÚRGICA DE ZINCO Rosilda Maria Gomes de Lima Tese submetida ao corpo docente do Departamento de Química Analítica do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de DOUTOR EM CIÊNCIAS. IQ/UFRJ Rio de Janeiro, RJ – Brasil 2012 ii iii Este trabalho foi realizado sob a orientação dos Professores Dr. Júlio Carlos Afonso, do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Dra. Kenya Moore de Almeida S. D. Cunha, do Departamento de Engenharia Civil da Universidade do Novo México. iv Existe somente uma idade para a gente ser feliz, somente uma época na vida de cada pessoa em que é possível sonhar e fazer planos e ter energia bastante para realizá-los a despeito de todas as dificuldades e obstáculos. Uma só idade para a gente se encantar com a vida e viver apaixonadamente e desfrutar tudo com toda intensidade sem medo nem culpa de sentir prazer. Fase dourada em que a gente pode criar e recriar a vida à nossa própria imagem e semelhança e vestir-se com todas as cores e experimentar todos os sabores e entregar-se a todos os amores sem preconceito, nem pudor. Tempo de entusiasmo e coragem em que todo desafio é mais um convite à luta que a gente enfrenta com toda disposição de tentar algo novo, de novo e de novo, e quantas vezes for preciso. Essa idade tão fugaz na vida da gente chama-se PRESENTE. (autor desconhecido) v AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por tudo que consegui até aqui e, com sua benção, ainda conseguirei. Aos meus pais Isaac Gomes de Lima e Maria Paula de Lima, pela minha existência, que tanto contribuíram, com muito sacrifício, pela minha educação e pelo meu caráter. Ao meu grande amigo Reginaldo José Farias da Silva, pela dedicação e afeto. Ao meu muito querido orientador e grande amigo Prof. Júlio Carlos Afonso. A Luana Gomes Carneiro, bióloga e bolsista de doutorado da CNEN/IRD e a Dra. Maristela Santos da CNEN/IRD, que com sua inestimável ajuda no levantamento dos dados experimentais tornou possível à realização desta tese. A Professora Kenya Dias da Cunha, coorientadora e idealizadora desta tese. A aluna Stella Salin da PUC-Rio, pela ajuda na irradiação das amostras no acelerador Van der Graarf. Ao José Luis Mantovano, Valdir Gante e ao Cláudio Vianna pelas análises por fluorescência de raios x. Em especial, ao Prof. Jari Nóbrega Cardoso, do IQ/UFRJ, exemplo de professor e figura humana que sempre considerei como grande mestre, pelos momentos excepcionais que passamos na etapa de obtenção dos créditos. As bibliotecárias do Instituto de Engenharia Nuclear, Luana Sales e Maria Bernarda Teixeira Duarte pela inestimável ajuda na obtenção dos artigos científicos para referência neste estudo. vi Ao Instituto de Engenharia Nuclear pelo apoio a este trabalho. Agradeço, enfim, a todos aqueles que colaboraram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho. vii RESUMO de LIMA, Rosilda Maria Gomes. AVALIAÇÃO DA SOLUBILIDADE EM LÍQUIDO PULMONAR SIMULADO DOS METAIS PRESENTES NO REJEITO GERADO POR UMA INDÚSTRIA METALÚRGICA DE ZINCO. Orientadores: Prof. Dr. Julio Carlos Afonso e Kenya Moore de Almeida Silva Dias da Cunha. Rio de Janeiro: UFRJ/IQ, 2012. Tese (Doutorado em Química) O presente estudo avalia a solubilidade em líquido pulmonar simulado de partículas de metais geradas pela ação do intemperismo sobre o rejeito sólido estocado a céu aberto, pertencente a Cia Mercantil Ingá, localizada na Ilha da Madeira, Baia de Sepetiba, Rio de Janeiro. Amostras de bioindicadores transportados para a região e coletados alguns meses depois indicaram que os habitantes da Ilha da Madeira tem estado expostos a elementos-traços como zinco, cádmio, mercúrio e chumbo, produzidos no processamento industrial dos minérios hemimorfita e willemita para obtenção de lingotes de zinco. Ensaios de solubilidade do rejeito sólido em líquido pulmonar simulado (LPS) numa base temporal variando de 10 minutos a 1 ano e determinadas quantitativamente por PIXE (Particle Induced X Ray Emission), comprovam que os habitantes podem estar contaminados com estas substâncias. Os parâmetros específicos de solubilidade obtidos nos estudos experimentais para os metais Zn, Cd, Cr, Ni e Mn presentes na fração de dissolução rápida no líquido pulmonar simulado foram 0,945; 0,473; 0,226; 0,3 e 0,497 respectivamente, e os tempos de seus respectivos valores de meia vida de dissolução para a fração rápida foram fr = 2,082 dias; fr = 0,09 dias; fr = 0,37 dias; fr = 0,332 dias e fr = 0,99 dias e para a fração de dissolução lenta foram fr = 146,95 dias; fr = 63 dias; fr = 86,64 dias; fr = 79,66 dias e fr = 59,84 dias. Esses valores indicam que esses metais apresentam uma absorção moderada no líquido pulmonar simulado e podem ser classificados como tipo M, conforme orientação da Comissão Internacional de Proteção Radiológica (ICRP). O uso dos parâmetros de solubilidades permitiu uma representação mais realista do comportamento cinético da escória dentro do corpo humano e, consequentemente, uma avaliação mais realista de risco do trabalhador devido à inalação de aerossóis contendos os metais Zn, Cd, Cr, Ni e Mn. viii ABSTRACT de LIMA, Rosilda Maria Gomes. EVALUATION OF SOLUBILITY IN SIMULATED LUNG FLUID OF METALS PRESENT IN THE SLUDGE FROM A METALLURGICAL INDUSTRY TO PROEDUCE METALLIC ZINC. Advisors: Prof. Dr. Julio Carlos Afonso and Kenya Moore Almeida Silva Dias da Cunha. Rio de Janeiro: UFRJ/IQ, 2012. (D.Sc. in Chemistry) The objective of this study was to determine the solubility parameters (rapid and slow dissolution rates, rapid and slow dissolution fractions) metal particles present in a pile of sludge accumulated under exposure to weathering from the Cia Mercantil Ingá, located at the Ilha da Madeira, Sepetiba Bay, Rio de Janeiro. Plant samples collected in the neighboring of the pile and bioindicators placed in the region and collected after some months indicated that the inhabitants of Ilha da Madeira have been exposed to trace elements such zinc, cadmium, mercury and lead, produced during the processing of zinc minerals (hemimorphite - Zn4(OH)2Si2O7.H2O, and willemite - Zn2SiO4). A static dissolution test in vitro was used to determine the solubility parameters using a simulated lung fluid (SLF), on a time basis ranging from 10 min to 1 year. The metal concentrations in the sludge samples and in the SLF were determined using Particle Induced X-rays Emission (PIXE). In conclusion, this study confirms the harmful effects on the neighboring population of the airborne particles containing these metals that came from the sludge. The solubility parameters obtained for Zn, Cd, Cr, Ni and Mn present in the rapid dissolution fraction in SLF were 0.945; 0.473; 0.226; 0.300 and 0.497, respectively, and the corresponding times for half life of dissolution of the rapid fraction were fr = 2.082 days; fr = 0.09 days; fr = 0.37 days; fr = 0.332 days ad fr = 0.99 days; for the slow dissolution fraction times were fr = 146.95 days; fr = 63 days; fr = 86.64 days; fr = 79.66 days and fr = 59.84 days. These values indicate that these metals present a moderate absorption level in SLF, and may be classified as M type, according to the International Commission on Radiological Protection (ICRP). The use of solubility parameters allowed a better description of the kinetic behaviour of the sludge in the human body and, therefore, a better evaluation of the worker’s risk du to inhalation of airbone particles containing Zn, Cd, Cr, Ni and Mn. ix SUMÁRIO CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO 16 1.1 – Objetivo 19 CAPÍTULO 2 – REVISÃO DA LITERATURA 20 2.1 – Comportamento biocinético de materiais particulados 22 2.2 – Modelo pulmonar sugerido na publicação 66 da Comissão 24 Internacional de Proteção Radiológica 2.2.1 – Modelos de deposição 25 2.2.2 – Mecanismos de liberação 26 2.3 – Medidas in vitro de taxa de dissolução 28 2.4 – Líquido pulmonar simulado (LPS) 30 2.4.1 – Fatores que afetam os testes de solubilidade em LPS 2.5 – Bioindicadores 32 32 2.5.1 – Biomonitoramento com plantas superiores 34 2.5.2 – Tillandsia Usneoides L. 35 2.6 – A área de estudo 37 2.7 – A Cia Mercantil e Industrial Ingá 38 2.8 – Processamento dos minérios de zinco da Cia Mercantil e Industrial 39 Ingá 2.9 – Principais elementos no passivo da Cia Mercantil e Industrial Ingá e 43 suas implicações ambientais e na saúde humana CAPÍTULO 3 – MATERIAIS E MÉTODOS 50 3.1 – Origem das amostras 50 3.2 – Amostras utilizadas nos ensaios de solubilidade em LPS 51 3.3 – Preparação do líquido pulmonar simulado 52 3.4 – Preparação das amostras e realização dos ensaios em LPS 52 3.5 – Determinação da solubilidade 56 3.6 – Exposição da Tillandsia Usneoides 57 3.7 – Técnicas analíticas 60 3.7.1 – Preparação das amostras de Tillandsia Usneoides 60 x 3.7.2 – Preparação das amostras solubilizadas em LPS 3.8 – Metodologias baseadas na radiação x 61 61 3.8.1 – Fluorescência de raios x por dispersão de energia (EDXRF) 62 3.8.2 – PIXE 63 3.8.3 – Difração de raios x (DRX) 73 CAPÍTULO 4 – RESULTADOS E DISCUSSÃO 73 4.1 – Análise química dos rejeitos 73 4.2 – Análise das amostras de bioindicadores 78 4.3 – Caracterização das amostras utilizadas nos ensaios de solubilidade 79 4.4 – Testes de solubilidade in vitro 83 4.4.1 – Análise dos metais no líquido pulmonar simulado (LPS) 83 4.4.2 – Determinação dos parâmetros de solubilidade 86 4.2.3 – Determinação dos valores dos parâmetros de dissolução 89 CONCLUSÕES 96 REFERÊNCIAS 98 APÊNDICE A 121 APÊNDICE B 122 xi LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Principais tipos de deposição de partículas no sistema 23 respiratório Figura 2 - Modelo pulmonar ICRP 66 25 Figura 3 - Rotas de liberação de partículas no trato respiratório 26 Figura 4 - Modelo de transporte de partículas – ICRP 66 27 Figura 5 - Tillandsia Usneoide L. 36 Figura 6 - Vista panorâmica do porto de Itaguaí 37 Figura 7 - Vista aérea da Ilha da Madeira 38 Figura 8 - Vista do passivo ambiental da Cia Ingá 39 Figura 9 - Processo hidrometalúrgico para obtenção de zinco utilizado na 42 Cia Ingá Figura 10 - Amostras de diferentes colorações recolhidas na pilha de 51 rejeitos Figura 11 - Esquema mostrando os pontos de coleta das amostras 51 Figura 12 - Amostras coletadas nas diferentes fatias da pilha de rejeitos 52 Figura 13 - Esquema simplificado do arranjo experimental para o estudo in 55 vitro Figura 14 - Arranjo experimental utilizados nos ensaios de solubilidade 56 Figura 15 - Tillandsia Usneoides em seu habitat no Sítio da Baleia 58 Figura 16 - Coleta de amostras de Tillandsia Usneoides 59 Figura 17 - Pontos de exposição da Tillandsia Usneoides 59 Figura 18 - Esquema simplificado do processo de emissão de raios x por 62 fluorescência Figura 19 - Vista frontal do equipamento de raios x SHIMATZU 800 HS 63 Figura 20 - Esquema simplificado do processo de emissão de raios x 64 induzidos por prótons – PIXE xii Figura 21 - Esquema simplificado do arranjo experimental utilizado no 65 PIXE Figura 22 - Arranjo experimental da linha do PIXE no acelerador Van der 66 Graaff Figura 23 - Curva de eficiência absoluta do detector de raios x 70 Figura 24 - Curva do limite de detecção do método PIXE para elementos 71 leves Figura 25 - Curva do limite de detecção do método PIXE para elementos 71 pesados Figura 26 - Concentração relativa dos elementos presentes nas amostras 73 de diferentes colorações coletadas na pilha de rejeitos da Ingá. Figura 27 - Espectro por fluorescência de raios x dos elementos pesados 74 presentes na pilha de rejeitos Figura 28 - Espectro por fluorescência de raios x dos elementos leves 75 presentes na pilha de rejeitos Figura 29 - Difratograma do resíduo branco. Os picos correspondem a 77 Fe2O3 (A), CaSO4 (B) e CaSO4.1/2 H2O (C). Figura 30 - Difratograma do resíduo preto. Os picos correspondem a Fe 2O3 77 (A) e SiO2 (B). Figura 31 - Difratograma do resíduo vermelho. Os picos correspondem a 77 Fe2O3 (A) e ZnSO4.H2O (B). Figura 32 - Elementos encontrados na tillandsia usneoide após 40 dias de 79 exposição absorvendo os aerossóis da área de estocagem de rejeitos. Figura 33 - Elementos encontrados nas fatias da pilha de resíduos 80 Figura 34 - Concentração dos elementos presentes na amostra usada nos 82 ensaios de solubilidade em LPS Figura 35 - Concentração de metais do LPS 85 Figura 36 - Comportamento dos elementos solubilizados em LPS 85 provenientes do resíduo da Cia. Mercantil e Industrial Ingá Figura 37 - Curva de solubilidade da massa de zinco acumulada dissolvida 86 xiii em LPS Figura 38 - Curva de solubilidade da massa de cádmio acumulada 87 dissolvida em LPS Figura 39 - Curva de solubilidade da massa de manganês acumulada 87 dissolvida em LPS Figura 40 - Curva de solubilidade da massa de cromo acumulada 88 dissolvida em LPS Figura 41 - Curva de solubilidade da massa de níquel acumulada 88 dissolvida em LPS Figura 42 - DRX do resíduo combinado 90 xiv LISTA DE TABELAS Tabela 1 Composição iônica do líquido pulmonar simulado (LPS) e 54 intersticial humano Tabela 2 Teor dos elementos presentes nas amostras utilizadas nos 81 ensaios de solubilidade Tabela 3 Concentração acumulada de elementos no LPS 84 Tabela 4 Parâmetros de solubilidade determinados para zinco, níquel, 89 cromo, cádmio e manganês presentes no resíduo Tabela 5 Valores de meia-vida para as taxas de dissolução rápida e 89 lenta Tabela 6 Dados de solubilidade para sulfatos anidros e hidratados de 91 Zn, Cd, Cr, Ni e Mn xv CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO Com o advento da revolução industrial, na Inglaterra, por volta de 1800, o meio ambiente passou a ser mais exposto a resíduos e substâncias tóxicas decorrentes dessa nova era econômica. Essencialmente, os resíduos são subprodutos da crescente demanda por insumos e bens diversos produzidos pelas indústrias. Os problemas causados pelos resíduos, em sua maior parte dispostos no meio ambiente sem tratamento adequado, impactam de forma adversa os diferentes ecossistemas naturais. A aceleração, a partir do final da II Guerra Mundial, do desenvolvimento industrial e do crescimento urbano desordenado foi acompanhada de um substancial aumento da poluição ambiental, fazendo com que, nas últimas décadas, a sociedade viesse a se preocupar de forma mais efetiva em avaliar e controlar os riscos devido à exposição a compostos orgânicos, metais pesados e radionuclídeos naturais para seres humanos e o meio ambiente (Roser et al, 1962; Costa Ribeiro et al., 1975; Carvalho et al., 1988; Dias da Cunha et al., 1998a, 1998b; Dias da Cunha et al., 2000; Mafra et al., 1991; Chen Xing-Na et al., 1993; Narayana et al., 1995; Papastefanou, 1996; Wang et al., 1996; Azeredo, 1998). Os metais ocorrem naturalmente na crosta terrestre nos mais variados teores sem que, em geral, causem danos ambientais ou ao ser humano, por estarem na forma de compostos insolúveis e relativamente estáveis nos ambientes em que se encontram. No entanto, quando um metal se concentra a partir de determinados níveis pode haver danos à flora e fauna (incluindo seres humanos). Este fato pode ocorrer devido a processos antrópicos ou naturais (vulcanismo, erosões causadas por ventos, água, etc.). Os processos naturais como a lixiviação e o transporte de aerossóis são os principais responsáveis pela dispersão dos elementos no meio ambiente (Hinds, 1982). A presença de poluentes de origem antrópica (oriundos das atividades humanas) já foi identificada em regiões remotas do planeta, como na Antártica, onde se observou partículas contendo cromo, níquel, cobre, zinco, vanádio e chumbo na fração fina de aerossóis (Artaxo et al,1992; Dalia, 2002) e depositadas em camadas de gelo (Dias da Cunha et al, 2004). 16 Dentre as fontes de poluição antrópica se destacam os processos industriais, o uso de fungicidas e pesticidas e a queima de combustíveis fósseis. Dentre os diversos setores da economia que geram resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, as mineradoras, são as que mais têm contribuído para o aumento da poluição ambiental. Os processos de extração e beneficiamento de minérios e estocagem de resíduos produzem efluentes que podem ser dispersos para o meio ambiente e, quando inalados e/ou ingeridos por trabalhadores e/ou pela população local podem causar sérios danos à saúde. A rigor a principal causa do aumento da exposição de populações a metais é o beneficiamento de minérios contendo esses elementos, seguido pelas indústrias que os processam para obtenção dos mesmos ou de seus compostos (Pulford et al, 2009; Mackenzie et al, 2002; Macklin et al, 2006). O comportamento de metais como zinco, chumbo, cádmio, mercúrio, arsênio, cromo e vanádio no meio ambiente e em seres humanos vem sendo largamente estudado (Pfeiffer, 1989; Lacerda et al, 1993; Lacerda et al, 1997; Peters et al, 1997; Guimarães et al, 1999; de Matos et al, 2000; Machado et al, 2001). No entanto, poucos são os dados disponíveis sobre a solubilidade destes metais no trato respiratório. É raro, também, estudos de efeitos combinados de elementos metálicos, quaisquer que sejam, no meio ambiente e na saúde humana. O comportamento das substâncias tóxicas no meio ambiente e os efeitos sobre o ser humano estão associados às características do meio em que se encontram, às concentrações e às propriedades físico-químicas dos elementos (Apostolli, 1998). As principais vias de contaminação do ser humano são a inalação e a ingestão. O efeito da exposição do ser humano ao metal depende também das características fisiológicas do indivíduo. Na interação dos metais com os organismos vivos podem-se distinguir duas fases principais: fase toxicocinética (metabolismo) e fase toxicodinâmica (efeito). O comportamento biocinético dos metais no corpo humano é função de parâmetros fisiológicos, bioquímicos e físico-químicos. Após a inalação ou ingestão do metal, seu comportamento no organismo é influenciado pelas reações químicas que ocorrem nas diferentes partes do corpo humano, sendo as mesmas dependentes da especiação do elemento introduzido no organismo. A idade, as condições de saúde e hábitos alimentares do indivíduo influenciam no processo de absorção dos metais. Para avaliar os riscos devidos à inalação de partículas contendo metais, é necessário determinar o tamanho das mesmas (o que determina o local de deposição 17 da partícula no trato respiratório), a concentração e a cinética das partículas ao penetrarem no trato respiratório (ICRP, 1979). A forma química determina a solubilidade da partícula no líquido pulmonar e o comportamento biocinético do elemento (Watson, 1983; Snipes, 1994; ICRP, 1994). O comportamento biocinético das partículas pode ser simulado levando em consideração suas propriedades físicas e as propriedades morfológicas e fisiológicas do trato respiratório (Lippmann et al, 1969; Lippmann, 1970; Barnes, 1971; Morgan et al., 1983; ICRP, 1994). Uma vez depositadas no trato respiratório, as partículas são removidas por dois mecanismos de depuração: a remoção mecânica e a dissolução. O processo de depuração por dissolução-absorção é aquele no qual ocorre a dissociação dos constituintes da partícula, fenômeno esse que depende de sua composição química (Watson, 1983; Snipes, 1994; ICRP, 1994). As partículas inaladas podem também ser removidas do trato respiratório superior por remoção mecânica graças a movimentos ciliares; desse modo, elas são deglutidas e transferidas para o trato gastrointestinal. Uma outra possível fonte de contaminação é a ingestão de alimentos. A absorção de metais pelos alimentos pode ocorrer devido à contaminação do solo ou à deposição de partículas nos alimentos durante o cultivo, estocagem ou preparo. Desse modo, a ingestão de alimentos deve ser considerada na avaliação do risco, pois os metais podem ser introduzidos através do trato gastrointestinal. Como na inalação, o comportamento biocinético dos elementos dependerá de parâmetros físicos, químicos e biológicos, estudos realizados sugerem que os compostos dos elementos presentes nas partículas do aerossol diferem daqueles encontrados nos alimentos, onde já foram metabolizados pelas plantas ou animais, podendo estar em uma forma mais solúvel do que nas partículas do aerossol (Cooper, 1985). A população dos Estados Unidos ingere, em média, 100 mg/dia de solo através da inalação, ingestão de alimentos ou água contaminados por partículas transportadas pelo ar (Linsalata et al., 1986). Os dados existentes na literatura sobre o comportamento biocinético dos metais baseiam-se em estudos com voluntários, vítimas de acidentes e principalmente com animais, sendo a especiação dos elementos determinada através de medidas indiretas (Harrison et al., 2001). Estes estudos mostram que a análise de amostras de fluidos biológicos de indivíduos expostos fornece importantes informações sobre o comportamento dos metais. A excreção fecal caracteriza a incorporação via ingestão enquanto que a excreção urinária caracteriza a incorporação sistêmica. 18 OBJETIVOS O objetivo deste estudo é a determinação da solubilidade em líquido pulmonar simulado de partículas geradas pela ação do intemperismo natural sobre o rejeito sólido estocado a céu aberto pertencente uma indústria de produção de lingotes de zinco e cádmio, localizada na Ilha da Madeira, Baia de Sepetiba, Estado do Rio de Janeiro. Essa empresa, cuja falência foi decretada em 1998, tinha como principal atividade a produção de zinco de alta pureza e cádmio. Seus estoques de resíduos, acumulados durante mais de 30 anos, contaminaram e ainda ameaçam e fragilizam o equilíbrio ecológico da Baía de Sepetiba. Objetivos específicos Identificar e quantificar os metais presentes na pilha de resíduos; Determinar a presença de metais e outros elementos na atmosfera da região próxima ao entorno da pilha de rejeitos com o auxílio de bioindicadores. Determinar a solubilidade dos metais presentes, principalmente Zn e Cd, em líquido pulmonar simulado (LPS) variando a base temporal entre 10 min e 360 dias. 19 CAPÍTULO 2 REVISÃO DA LITERATURA Os processos associados à mineração são fontes de geração de partículas em suspensão que se dispersam no ar, expondo os trabalhadores e as populações próximas a essas indústrias ao risco de inalação e ingestão desses particulados. Partículas sólidas e líquidas em suspensão no ar são definidas como aerossóis. O tamanho destas partículas pode variar de 0,001 a 100 μm (Hinds, 1982). O transporte de partículas exerce um papel importante em nosso ecossistema. A fertilização de diversas espécies de plantas ocorre através do transporte de pólen, porém os aerossóis também são responsáveis pelo transporte de vírus, bactérias, fungos e, principalmente de partículas de poluentes. As fontes geradoras de aerossóis podem ser naturais, como o solo, a evaporação de águas de rios, lagos e oceanos, processos de respiração das plantas e fenômenos naturais, como erupção de vulcões, dentre outros. Dentre as fontes antrópicas, destacam-se os processos industriais, como a mineração, os processos de beneficiamento, a siderurgia, a liberação dos gases emitidos pela queima de combustível nos veículos automotores e as queimadas nas áreas rurais. As partículas de aerossóis podem ser transportadas por longas distâncias através das correntes atmosféricas, influenciando na qualidade do ar e nas condições climáticas locais, regionais e/ou globais. A intensidade desses efeitos vai depender das propriedades físicas e químicas do aerossol (Bowen, 1973). Os aerossóis também podem ser classificados em primários e secundários. Os aerossóis primários são aqueles formados por partículas provenientes diretamente da fonte, enquanto os aerossóis secundários são formados por partículas ou aglomerados resultantes de reações químicas que ocorrem na atmosfera (Seinfeld, 1986). As partículas transportadas pelo ar possuem tamanhos, forma, composição química e propriedades ópticas diferentes dependendo do processo de geração. A determinação da distribuição dos tamanhos das partículas requer o emprego de técnicas específicas para cada faixa de tamanho. Esta medida é importante em diversos estudos, como o efeito do particulado nas mudanças climáticas ou na avaliação do risco devido à inalação das partículas (Seinfeld, 1986). 20 A via respiratória é a via de maior importância para toxicologia ocupacional. A grande maioria das intoxicações ocupacionais é decorrente da aspiração de substâncias contidas no ar ambiental. A área da superfície pulmonar total é de aproximadamente 90 m2, a superfície alveolar de 50 a 100 m2, e o total de área capilar é cerca de 140 m2. O fluxo sanguíneo contínuo exerce uma ação de dissolução muito eficaz e muitos agentes químicos podem ser absorvidos rapidamente a partir dos pulmões. Os agentes passíveis de sofrerem absorção pulmonar são os gases, vapores e os aerossóis. Essas substâncias poderão sofrer absorção, tanto nas vias aéreas superiores, quanto nos alvéolos. Geralmente, não é dada muita atenção à absorção destes compostos nas vias aéreas superiores. Deve-se considerar, no entanto, que, muitas vezes, a substância pode ser absorvida na mucosa nasal, evitando sua penetração até os alvéolos. A retenção parcial ou total dos agentes no trato respiratório superior está ligada à hidrossolubilidade da substância. Quanto maior a sua solubilidade em água, maior será a tendência de ser retido no local. Visto sob este ângulo, a umidade constante das mucosas que revestem estas vias constitui um fator favorável. Há, no entanto, a possibilidade da ocorrência de hidrólise química, originando compostos nocivos, tanto para as vias aéreas superiores, quanto para os alvéolos. Isto é importante porque os produtos formados, além dos efeitos irritantes, favorecem também a absorção deles ou de outros agentes pela mucosa já lesada. Assim, nem sempre, a retenção de gases e vapores nas vias aéreas superiores é sinônimo de proteção contra eventuais efeitos tóxicos. A determinação da solubilidade de compostos no trato respiratório é um parâmetro muito importante na avaliação dos efeitos tóxicos desses compostos. Os estudos de dissolução de compostos via inalação podem ser realizados in vitro e in vivo. Os ensaios in vivo leva a uma série de questões conflitantes de ordem científica, ética, legislativa, humanitária e econômica. Por exemplo, a utilização de animais, para estudos de identificação de perigos potenciais de produtos químicos, exige várias regulamentações que se destinam a proteger os animais de laboratório de dor desnecessária, angústia, sofrimento ou dano duradouro (Sabbioni e Balls, 1995). 21 Os ensaios in vitro vem despertando um crescente interesse no estudo da toxicologia dos metais. Eles podem oferecer uma base mais mecanicista para a compreensão de efeitos tóxicos sistêmicos de órgãos em nível celular e molecular (Sabbioni e Balls, 1995). 2.1 - Comportamento biocinético de materiais particulados Para avaliar os riscos devido à incorporação de partículas é necessário determinar as taxas de deposição, a concentração e a cinética dessas partículas ao penetrarem no trato respiratório (Barnes, 1971; Cooke, 1974; Morgan et al., 1983; Lippmann et al., 1969; Lippmann, 1970). As partículas inaladas são depositadas no tecido pulmonar como resultado de processos físicos, anatômicos e fisiológicos, que podem ocorrer durante qualquer parte do ciclo respiratório. Entre os fatores que afetam a deposição, destacam-se o diâmetro aerodinâmico, a forma, a higroscopicidade e a carga elétrica da partícula. Os fatores físicos determinam a extensão da sedimentação, impactação, difusão e precipitação eletrostática das partículas depositadas. A anatomia e a geometria do trato respiratório são importantes fatores biológicos que determinam os principais sítios de deposição. A deposição ocorre durante a inspiração, mas também pode ocorrer durante a expiração (WH0, 2001). As taxas de deposição das partículas variam de acordo com vários fatores, dentre eles: idade, condições de respiração, volume respirado e se a respiração é oral ou nasal. Devido às características de seletividade do trato respiratório, as partículas com diâmetros aerodinâmicos entre 3 e 4 μm são depositadas, preferencialmente, nas vias aéreas superiores e na região traqueobronquial. As partículas com diâmetro aerodinâmico abaixo de 2,5 μm são depositadas, preferencialmente, na região pulmonar (Task Group, 1966, Lippmann et al., 1969; Lippmann, 1970). A deposição de partículas nessa região não é aleatória, sendo influenciada por fatores físicos. Existem três mecanismos principais de deposição das partículas inaladas no trato respiratório como se observa na Figura 1: impactação, sedimentação e difusão (Lima, 2008; Heyder, 2004). Os mecanismos de deposição de partículas por impactação e sedimentação predominam para partículas com diâmetros aerodinâmicos iguais ou maiores que 0,1 m. 22 Deposição total Difusão Difusão Sedimentação Sedimentação Impactação Diâmetro de particulas (µm) Figura 1: Principais tipos de deposição de partículas no sistema respiratório: difusão, difusão-sedimentação e sedimentação-impactação. O risco devido à incorporação de metais pode ser estimado através de modelos matemáticos que representam o comportamento metabólico do metal. Usualmente, esses modelos matemáticos são desenvolvidos considerando o tipo de incorporação, a concentração do metal, e a forma química do elemento, e em casos de inalação, a solubilidade do metal no pulmão. A interpretação dos dados de bioanálise constitui uma forma de avaliar a incorporação de metais por seres humanos. Os modelos biocinéticos permitem avaliar as concentrações presentes nos órgãos e as frações excretadas pelas fezes e urina em função do tempo. Estes modelos biocinéticos foram desenvolvidos pela Comissão Internacional de Proteção Radiológica (ICRP) para descrever o comportamento dos elementos (radioativos ou não) e seus compostos no corpo humano. O modelo proposto pela publicação nº 30 da ICRP (ICRP 30, 1979), é um modelo geral que descreve o corpo humano dividindo-o em compartimentos, que representam os órgãos e tecidos. Após a incorporação do radionuclídeo, metal ou composto que pode ocorrer através do trato respiratório (inalação), do trato gastrintestinal (ingestão) ou através da pele (absorção), uma fração é transferida para o sangue e outros fluidos biológicos, caracterizando uma incorporação sistêmica, podendo se depositar temporariamente em vários compartimentos até ser eliminado pela urina, fezes ou suor. Os parâmetros deste modelo estão baseados no Homem de referência (Apêndice A), descrito em detalhes na publicação n o 23 (ICRP 23, 1975). 23 A publicação nº 30 da ICRP (ICRP 30, 1979) considera três modelagens que simulam, respectivamente: sistema respiratório, que compreende as regiões nasofaringeal, traqueo-bronquial, pulmonar e linfática; o sistema gastrintestinal, formado pelos compartimentos do estômago, intestino delgado, intestino grosso superior e intestino grosso inferior; e o sistêmico que leva em consideração a distribuição e a retenção de radionuclídeos nos órgãos e tecidos do corpo, após a entrada dos compostos químicos no sangue. As três modelagens juntas representam a retenção e distribuição de compostos químicos no corpo. (Pereira, 2006). Os modelos sistêmicos propostos pela publicação nº 30 da ICRP, são modelos simples, unidirecionais e não consideram a recirculação. Uma vez incorporado, seja por inalação ou ingestão, uma fração do radionuclídeo é transferida para o sangue e distribuída para os órgãos de preferencial deposição e para a excreção. A disponibilidade de informações sobre a anatomia e fisiologia do trato respiratório e também sobre deposição, liberação e efeitos biológicos causadas pelas partículas radioativas depositadas no pulmão, mostrou que a publicação nº 30 da ICRP deveria ser revisada (Pereira, 2006). 2.2 - Modelo pulmonar proposto na publicação 66 da International Commission on Radiological Protection – ICRP O modelo proposto na publicação supracitada (ICRP, 1994) leva em consideração informações sobre a deposição e retenção de material particulado entre 0,6 nm e 100 m, distribuição e absorção de gases inalados, mecanismos de liberação mecânica, influência do fumo, poluentes no ar e doenças do trato respiratório. Faz considerações para diferentes faixas etárias (recém-nascido, 1 ano, 5 anos, 10 anos, 15 anos e indivíduo adulto), sexo e é aplicável, tanto para inalação de gases, quanto de particulados. O modelo divide o trato respiratório em duas regiões principais (Figura 2): extratorácica e torácica. A região extratorácica é composta pelas passagens respiratórias: anterior (nariz) e posteriores (laringe, faringe e boca). 24 Erro! Figura 2: Modelo pulmonar proposto na ICRP 66 2.2.1 – Modelos de deposição O modelo de deposição avalia a fração de um determinado aerossol que se deposita em cada região do trato respiratório para todos os tamanhos de interesse prático (0,6 nm – 100 µm). Para a região extratorácica (ET), as medidas de eficiência de deposição estão relacionadas ao tamanho do particulado e ao fluxo de ar inalado, e são classificadas por dimensões anatômicas para permitir a avaliação da deposição em diferentes grupos (sexo, idade e etnia). Para a região torácica (figura 2), um modelo teórico de transporte de gases e deposição de partículas é usado para calcular a deposição nas regiões bronquial (BB), bronquiolar (bb) e alveolar (AI) e quantificar os efeitos do tamanho dos pulmões dos indivíduos e a taxa de respiração. No modelo de deposição de partículas, as regiões são tratadas como uma série de filtros, durante a inalação e a exalação, e a eficiência é avaliada, 25 considerando que propriedades aerodinâmicas e termodinâmicas do aerossol atuam de maneira competitiva. Os parâmetros de deposição são estabelecidos para quatro níveis distintos de atividade: dormindo, sentado, sob exercício leve e sob exercício pesado. 2.2.2 - Mecanismos de liberação As rotas de liberação de partículas no trato respiratório são apresentadas na Figura 3. Assume-se que as partículas depositadas na passagem nasal (ET1) são removidas por meios extrínsecos, como o assoar do nariz. Em outras regiões os mecanismos de liberação competem entre si, são eles: o transporte de partículas para o trato gastrointestinal e para os nódulos linfáticos (liberação mecânica) e a absorção no sangue. Figura 3: Rotas de liberação de partículas no trato respiratório O modelo assume que a taxa de transporte de partículas é a mesma para qualquer material inalado, de acordo com o modelo de compartimentos que descreve o transporte de qualquer material no trato respiratório, conforme apresentado na Figura 4. Nesse modelo, o material que se deposita em (ET 1) é liberado para o meio ambiente. Na região (ET2), o material que chega, em sua maior parte, é liberado rapidamente para o trato gastrointestinal e uma pequena fração (0,05%) fica retida nas suas paredes (ETseq). Na região torácica, o material é depositado nas regiões bronquial (BB) e bronquiolar (bb) e removido pelo movimento mucociliar. A deposição na região AI foi dividida em três compartimentos, assumindo-se 30% em AI1, 60% em AI2 e 10% em AI3. Os processos de liberação mecânica das partículas são responsáveis pelo transporte superficial, que representa o processo rápido de remoção mucociliar para o sistema gastrintestinal, 26 proveniente das regiões bronquial e bronquiolar e um processo de remoção mais lenta proveniente da região AI. Esses transportes mecânicos de liberação competem com a absorção do material pelo sangue. Figura 4: Modelo de transporte de partículas pelos compartimentos (ICRP, 1994) O processo de absorção dos compostos pelo sangue é composto de dois estágios, dependentes do tempo. O primeiro estágio é a absorção das partículas que já estão dissolvidas (fase rápida) e o segundo é a absorção pelo sangue das partículas que são progressivamente dissociadas e dissolvidas. De acordo com o grau de absorção pelos fluidos corporais, os compostos podem ser classificados em: Tipo F (rápido) – compostos que são prontamente absorvidos pelo sangue. Há uma significativa absorção na região ET2, a parte mais interna da região extratoráxica, e na região BB. Parte do material inalado permanecerá no muco até ser deglutido e não será absorvido pelo epitélio. Para tais compostos a ICRP considera que, na ausência de dados experimentais específicos, a taxa de dissolução rápida é Sr = 100 d -1 (t1/2 »10 minutos). Tipo M (moderado) – compostos com taxa intermediária de absorção. Para tais compostos o percentual rapidamente absorvido é na ordem de 10%, e o tempo de retenção na fase lenta é da ordem de 100 dias. Isto é representado pela fração dissolvida rapidamente por fr = 0,1; Sr = 100 d -1; e a taxa de dissolução então é Ss = 0,0005 d-1. Tipo S (lento) – compostos relativamente insolúveis. A ICRP assume que, para esse tipo de composto, a fração absorvida na fase rápida é igual a 0,1%. 27 Para os 99,9% restantes a taxa de absorção para o sangue é 0,0001 d -1. Isto é representado por fr = 0,001; Sr = 100 d -1; Ss = 0,0001 d-1. A fase rápida é observada imediatamente após a inalação, quando o composto é considerado insolúvel (tipo S) uma significante fração é absorvida lentamente como resultado da ligação com componentes do trato respiratório (ICRP 66, 1994). A fração prontamente absorvida do composto é denominada fr e a taxa de dissolução na fase rápida é Sr. A fração remanescente (1 - fr) dissolve mais lentamente com a taxa Ss. Baseado no que foi descrito, a avaliação da exposição a partículas que possam conter substâncias tóxicas exige a determinação das taxas em que os materiais são transferidos para o sangue, o tempo de retenção, e o tempo de depuração no trato respiratório e o tempo de meia vida de dissolução. O modelo matemático adotado pela ICRP para representar a distrubuição do metal após a incorporação via inalação considera a solubilidade dos compostos no fluido pulmonar. O cálculo do risco devido à inalação é necessário para classificar os compostos como de rápida, moderada ou lenta dissolução no pulmão (ICRP, 2002). A dissolução do material pode ser afetada pela natureza da partícula e do solvente, bem como da forma de contato entre o soluto e o solvente. As propriedades químicas dos cátions e dos anions constituintes do material particulado são os fatores que mais afetam a solubilidade. As propriedades texturais que afetam a dissolução do material incluem a área superficial especifica e a forma cristalina do mesmo. Ainda deve ser considerado no estudo de solubilidade o pH do meio em que se encontra a partícula (Moss et al., 1980). A taxa de dissolução no líquido pulmonar de um elemento ou composto determina a fração deste que será absorvida em um intervalo de tempo. Nos estudos sobre a toxicologia de um elemento ou substância esta taxa determina a fração inalada que estará disponível para absorção sistêmica. 2.3 - Medidas in vitro de taxa de dissolução Os estudos sobre a taxa de dissolução são multidisciplinares e podem ser in vitro ou in vivo. Os estudos in vitro simulam as condições de absorção em laboratório enquanto que em estudos in vivo utilizam cobaias. 28 A taxa de dissolução no trato respiratório de diferentes metais vem sendo estudada e os fatores que afetam essas taxas, como temperatura, pH, granulometria da amostra, foram publicadas por Kanapilly et al. (1973), Moss et al. (1980), Eidson et al. (1989, 1994) e Cubster et al. (1994). Testes in vitro são frequentemente utilizados como um método de seleção para a classificação dos materiais de acordo com suas solubilidades, e os resultados são utilizados para formular modelos na hipótese de os dados de dissolução in vivo ainda não estarem disponíveis. Os testes in vitro utilizam soluções simuladoras dos fluidos corporais, como o Líquido Pulmonar Simulado (LPS), para estimar a taxa de dissolução e a fração do material que é dissolvida de acordo com o tempo de contato com o LPS. Para a situação de monitoramento ocupacional, principalmente onde um grande número de amostras deve ser analisada, os testes in vitro produz ótimos resultados quando o objetivo é determinar a fração rapidamente solúvel (f r) para o composto de interesse. (Stradling, 1995). Existem diversos métodos, entre os quais se destacam: Método estático Nesse sistema, que é considerado de mais fácil implementação (Ansoborlo et al., 1998), a amostra é colocada em um recipiente no qual a solução pode passar pelas paredes e as partículas ficam retidas. O recipiente poroso é imerso em um outro maior contendo uma solução; após determinados intervalos de tempo determina-se a parte dissolvida numa solução oriunda da amostra. Um meio filtrante muito usado é o do tipo filtro sanduíche (Kanapilly et al., 1973; Eidson e Mewhinney, 1981; Dennis et al., 1982; Cubster et al., 1994; Ansoborlo, 1998). Segundo Stradling et al. (1989; 1996), filtros do recipiente poroso tem porosidade de 0,1 m. Membranas de polipropileno promovem a exposição das duas faces dos filtros à amostra de um lado e à solução do outro. Método batelada Neste método a amostra é agitada com a solução à temperatura controlada em intervalos de tempo pré-selecionados. Após esse procedimento a solução é 29 separada e analisada. A suspensão é filtrada (Kalkwarf, 1983; Ansoborlo et al., 1989). Uma alternativa é a centrifugação da mistura, sendo a solução sobrenadante analisada (Dennis et al., 1982). Nesse teste há um contato direto entre o material e a solução. Este método é facilmente implementado em análise de rotina. Método dinâmico (flow–through) Nesse sistema a solução passa através de uma membrana filtrante onde a alíquota para análise é coletada de tempos em tempos (Kanapilly e Goh, 1973; Kanapilly et al., 1973; Cooke e Holt, 1974; Kalkwarf, 1983; Allen et al., 1981; Duport et al., 1991). Ar é injetado para facilitar a mistura e simular as condições de oxidação na região pulmonar. Essa técnica não é fácil de ser implementada em rotina, pois um grande volume de solução é necessário, muito embora ela possa ser recirculada. Método de fluxos paralelos (parallel-flow) A solução passa do filtro para um coletor de filtrado (Kanapilly et al., 1973; Ansoborlo et al., 1989, 1990). A maior parte da solução não passa pelo filtro, pois há uma difusão da amostra. Assim como no sistema anterior, uma grande desvantagem é o grande volume da solução necessário, mas uma importante vantagem é a estabilidade da taxa de fluxo por vários dias. 2.4 - Líquido Pulmonar Simulado (LPS) As taxas de dissolução dependem de vários fatores, porem um dos mais importantes é a composição da solução na qual as partículas entram em contato. Os estudos iniciais relatados na literatura foram realizados com amostras de plasma real, mas as dificuldades associadas à deterioração bacteriana do plasma impediam a obtenção de resultados fidedignos. Por isso, fluidos simuladores são utilizados nos estudos da atualidade. Existem diferentes arranjos experimentais e soluções de sais para simular a interação mecânica de particulados com o ambiente pulmonar. A maioria dos experimentos são realizados em pH fisiológico (7,3), concentrações de 30 CO2 pulmonar (5% vol.), e temperaturas de 25ºC (ambiente) ou 37 0C (a do corpo humano). As soluções mais comuns utilizadas para simular o líquido pulmonar são: os soros simulados ultrafiltrados (SUF), fluido simulador do soro (SLF) e a chamada solução de Gamble (Gamble, 1967; Cooke et al., 1974; Moss, 1979; Kalkwarf, 1983; Dennis et al., 1982; Avhadaluna, 1984; Ansoborlo et al., 1989, 1992, 1998; Duport et al., 1991). A solução de Gamble é um tipo de fluido pulmonar simulado, ou uma solução que imita os fluidos liberados pelas células alveolares. O fluido enche o espaço entre as células alveolares e atua para reduzir a tensão superficial da água nos pulmões, facilitando as trocas gasosas (Daniel and Orgeig, 2003). A solução foi desenvolvida pela primeira vez em 1942 como um método in vitro para determinar a toxicidade de compostos nos pulmões e foi validado para compostos radioativos utilizando testes in vivo (Damon et al., 1984). Nos raros estudos publicados, a solução de Gamble foi utilizada para avaliar a bioacessibilidade de compostos industriais e artificiais, incluindo o cádmio (Koshi, 1979), a sílica (Scholze e Conradt, 1987) e compostos presentes nas partículas de aerossóis, absorvidas no processo de inalação (Davies e Feddah, 2003). Solos naturais e poeiras também têm sido avaliados, sobretudo, partículas radioativas (Garger et al., 2003) e uma publicação recente sobre contaminação por chumbo em solos (Wragg & Klinck, 2007). A solução de Gamble original era uma mistura de água e sais inorgânicos incluindo cloretos, carbonatos e fosfatos, mas a maioria dos pesquisadores modificaram a solução para incluir proteínas e outros componentes orgânicos, por estarem presentes nos fluidos alveolares. No entanto, a adição de proteínas podem afetar os resultados a reprodutibilidade, devido à putrefação no laboratório (Takaya et al., 2006). O tempo de residência no pulmão para as partículas devem ser levados em conta quando se realiza dissoluções com fluidos pulmonares simulados, estudos realizados por Wragg e Klinck determinou um mínimo de 100 horas para fornecer uma estimativa razoável de bioacessibilidade do metal nos pulmões (Wragg & Klinck, 2007). Uma das principais desvantagens de se utilizar a solução de Gamble é a falta de literatura sobre o assunto. O método tem ainda de ser validado para a maioria dos compostos. No entanto, a toxicidade e reatividade dos compostos nos pulmões é altamente dependente da sua solubilidade em fluidos pulmonares. 31 2.4.1 - Fatores que afetam os testes de solubilidade com LPS Nos testes de solubilidade alguns fatores devem ser observados, tais como: granulometria da amostra, temperatura e pH. Quanto à granulometria, alguns autores recomendam usar amostra peneirada com granulometria menor que 400 mesh (diâmetro < 37 μm) (Mansur, 1988; Duport, 1991; Reif, 1994; Santos, 1997; Lima, 2007). Essa granulometria de 0,037 mm (400 mesh) ou 37 μm é o tamanho máximo das partículas abaixo do qual são considerados suficientemente pequenas para permanecerem em suspensão no ar formando aerossóis (Laurel et al., 2007). Segundo Kanapilly (1973), não são determinantes as variações na temperatura entre a ambiente (25 oC) e a controlada em 37 ºC, com base em estudos com minérios, incluindo os radioativos. No ambiente pulmonar, o pH situa-se em torno de 7,4. Por esse motivo todos os testes realizados com LPS o pH é ajustado para esse valor. Nos sistemas em que a renovação é continua, o pH é ajustado com borbulhamento de ar contendo 5% vol. de CO2 (Kanapilly, 1973; Fisher, 1993), correspondendo ao CO 2 no ar de saída dos pulmões, ou com O 2 contendo 5% vol. de CO2 (Twining, 1993). Nos processos estático e dinâmico, com e sem renovação de LPS, o pH é ajustado com adição de HCl 0,5 mol.L-1 (Dennis, 1982; Thein, 1982). 2.5 - Bioindicadores Bioindicadores são animais e/ou vegetais que podem incorporar substâncias, especialmente metais, ou modificar seu comportamento devido a mudanças no meio ambiente. A observação dessas modificações e a determinação da concentração dessas substâncias nesses organismos têm sido largamente usadas nos estudos para monitorar o meio ambiente (Loppi et. al., 1998). As espécies bioindicadoras são altamente sensíveis à poluição, elas revelam informações sobre o ambiente através das mudanças ocorridas no organismo e/ou nas comunidades ou populações, ou ainda pela presença de determinadas substâncias nos tecidos do organismo (Loppi et. al., 1998; Wolterbeek, 2001). Essas espécies podem ser classificadas em bioindicadores passivos ou ativos. São 32 passivos, aqueles que se encontram presentes no sistema que se deseja estudar, e ativos, os que são introduzidos deliberadamente no sistema (Sloof, 1995). Algas, peixes e moluscos se encontram entre os organismos mais utilizados nos estudos da qualidade das águas de rios, lagos e mares. Os moluscos, devido à sua limitada mobilidade, fácil identificação e capacidade de concentrar metais têm sido largamente empregados nos estudos de impacto ambiental. Diversos tipos de moluscos têm sido utilizados como bioindicadores de contaminação por metais. Em Cuba, os moluscos Tarebia granifera Lamark foram utilizados para identificar contaminação por metais pesados nos rios da cidade de Pinar del Rio (Pedrero, 2000); os moluscos Perna perna foram utilizados para determinar concentrações de metais pesados na Baía de Guanabara (Lima, 1997). Por outro lado, nos estudos de qualidade do ar, as espécies vegetais são as mais usadas. Um exemplo é a determinação de concentrações de metais em folhas de Bauhinia blakeana (flor nacional de Hong Kong) ao redor de templos e monastérios dessa cidade (Lau & Lau, 2001). As espécies vegetais tipicamente empregadas são fungos, liquens, cascas de árvores e folhas de plantas (Wolterbeek, 2001). Nos ecossistemas florestais os elementos presentes no ar são absorvidos principalmente pelas folhas das plantas, mas os elementos transportados pela raiz podem dificultar a interpretação dos dados analíticos com respeito às partículas depositadas (Loppi, 2000). Desta forma, folhas e cascas de árvores recebem a contribuição dos elementos a-bsorvidos pela raiz da planta. Já os liquens (associações simbióticas de fungos com algas verdes microscópicas) e os musgos absorvem os nutrientes diretamente da atmosfera e da água (Loppi, 1998). Os liquens crescem em solos, rochas, árvores e estruturas artificiais, sendo encontrados tanto em regiões de climas tropicais e subtropicais, como nas regiões de clima extremo como o Ártico, a Antártica e os desertos (Lyman, 1996). Desde meados do século XIX eles têm sido utilizados como bioindicadores nos estudos da qualidade do ar. Em 1866, Wylliam Nylander foi o primeiro a associar o desaparecimento dos liquens com a poluição. A tolerância do líquen à poluição varia com a espécie e as características climáticas (Lyman, 1996). A avaliação da qualidade do ar empregando liquens é interessante devido às suas múltiplas aplicações, permitindo realizar transplantes para avaliar efeitos de impacto ambiental e fazer estudos retrospectivos do meio ambiente, como o 33 realizado por Sloof (1996) ao comparar o conteúdo de metais no líquen Parmelia coperata, coletado em 1996, com exemplares da mesma espécie coletados em 1980, em Toscana, Itália. No Brasil, embora já tenham sido identificadas cerca de 2800 espécies diferentes de liquens, o emprego destas espécies como bioindicadores é escasso. A qualidade do ar em diferentes regiões de São Paulo foi avaliada determinando-se a concentração de metais na espécie Canoparmelia texana (Coccaro et al., 2000; Saiki et al., 1997). As principais vantagens do uso de bioindicadores nos estudos para avaliar a qualidade do ar são: a facilidade de coleta, o baixo custo e a obtenção de informações sobre o passado da região. Outra vantagem é a possibilidade de determinar uma distribuição espacial das concentrações de poluentes em liquens coletados a diferentes distâncias e direções da fonte (Saiki et al., 1997; Carreras, 2001). No entanto esta técnica não fornece informações sobre a concentração no ar dos elementos ou sobre a faixa de tamanhos das partículas. 2.5.1 - Biomonitoramento com plantas superiores As plantas superiores, em sua grande maioria, possuem raízes fincadas no solo e capturam os poluentes presentes na atmosfera através da casca, talos, folhas e flores. O uso destas plantas é mais indicado para o biomonitoramento de substâncias orgânicas e inorgânicas, sobretudo no tocante à contaminação de solos (Schulz et al., 1984). Essas plantas representam uma importante ligação com a cadeia alimentar por serem organismos autotróficos. As exceções são as Bromeliaceae, nativas da América do Sul, cuja subfamília Tillandsioideae, que compreende várias espécies epífitas, apresenta um crescimento lento e uma extraordinária capacidade de retenção de nutrientes e água da atmosfera, mostrando também possuir enorme capacidade para bioacumulação de metais pesados (Pignata et al., 2002; Wannaz et al., 2005; Husk et al., 2004). As plantas superiores são utilizadas principalmente para a determinação de impactos decorrentes de contaminações por metais pesados. Para o monitoramento de metais pesados presentes em aerossóis atmosféricos de áreas onde há deposição de metais a céu aberto, o uso de plantas superiores que não utilizam o solo como substrato é preferível, devido à facilidade de padronização das condições para obtenção de resultados comparáveis em locais diferentes e também épocas 34 diferentes, evitando principalmente o acúmulo de elementos-traço provenientes do solo. 2.5.2 - Tillandsia Usneoides L. A Tillandsia Usneoides L. é uma bromélia da família das Monocotiledôneas (peculiares da flora neotropical), subfamília tillandsioideae. Estas plantas (Brighina et al., 1997) são epífitas aéreas, pois sua sobrevivência depende totalmente do ar e da água atmosféricos, não se fixando através de raízes ou outras estruturas similares. Estas plantas apresentam uma elevada superfície de exposição, e é isto que permite a absorção e acumulação de elementos presentes na atmosfera; outro fato relevante é que esta espécie apresenta um crescimento bastante lento, permitindo um ótimo biomonitoramento da qualidade do ar. Em toda a América Latina, as espécies Tillandsia e todas as epífitas vivem em árvores ou substratos inertes tais como fios de eletricidade, galhos secos, estruturas metálicas, construções etc, devido às escamas absorvedoras presentes na superfície das folhas. Por meio dessa estrutura epidérmica pluricelular que, em diferentes graus de complexidade e efetividade funcional, caracteriza todos os membros das bromélias, as Tillandsia absorvem água e nutrientes diretamente do ar; suas raízes não desempenham papel absorvedor (característica das plantas terrestres) e têm somente a função de ancorar a epífita ao substrato. Em face dessas razões, essas plantas são muito apropriadas para monitoramento da poluição atmosférica; a capacidade da Tillandsia para sobreviver em condições extremas está baseada nas suas características morfológicas e fisiológicas. Alguns autores recomendam o uso de várias espécies de Tillandsias, como T. caput medusae, T. recurvata, T. schiedeana, T. usneoides, T. capillaris e T. aeranthos. Ainda segundo esses autores a área superficial e a extensão das asas nas folhas das Tillandsia, que variam com a espécie, são os principais fatores da ação biomonitora das mesmas (Brighina et al., 1997; wannaz et al., 2005; Flores, 1987; Schrimpff, 1984). A Tillandsia Usneoides L. (Figura 5), vulgarmente conhecida como barba de bode, é uma epífita aérea largamente distribuída e representativa da família das Bromeliaceae tropical e subtropical. A Tillandsia Usneoides L. apresenta alta superfície de exposição, devido à sua forma e estrutura, o que permite a 35 acumulação de elementos atmosféricos, é adaptável a regiões secas e quentes, podendo ser largamente utilizada como bioindicador em áreas tropicais e subtropicais (Calasans & Malm, 1997; Macintire et al., 1952) Figura 5:Tillandsia Usneoides L. Um dos trabalhos mais importantes realizados com esse biomonitor foi realizado por Husk et al. (2004), que monitoraram ao longo de 25 anos (entre 1973 e 1998) a variação das concentrações de diversos metais pesados no estado norteamericano da Flórida. Esses estudos justificam o uso desta planta como bioindicadora por acumulação de metais oriundos de poluição atmosférica. Diversos estudos foram realizados no Brasil no biomonitoramento da poluição atmosférica com a Tillandsia Usneoide L. nos últimos anos, sobretudo no biomonitoramento de metais pesados presentes na atmosfera. Destacam-se a avaliação do risco à exposição ocupacional por contaminação com mercúrio metálico na cidade do Rio de Janeiro (Calasans & Malm, 1997; Amado Filho et al., 2002), e a contaminação do ar atmosférico da cidade de São Paulo com concentrações elevadas de Al, As, Ba, Cr, Sb, Ti, V, Zn, Hg e outros elementos-traço (Figueiredo et al., 2001; Figueiredo et al., 2004). 36 2.6 – A área de estudo A Baía de Sepetiba pertence ao litoral do Estado do Rio de Janeiro, nela se situa a Restinga de Marambaia, que a delimita ao Oceano Atlântico. A Baía de Sepetiba, corpo de águas salinas e salobras, recebe a cada ano cerca de 1,2 milhão de m3 de sedimentos. O lixo, o esgoto e os contaminantes oriundos de rejeitos industriais vêm provocando o assoreamento dos corpos hídricos da região. Em comparação com os outros setores industriais, o setor metalúrgico é o de maior relevância, tanto em função da quantidade do material quanto no impacto poluidor nas águas e sedimentos da Baía de Sepetiba, com o lançamento de efluentes líquidos e resíduos tóxicos sem o devido tratamento (Torres, 2003). Nessa baía encontra-se o antigo Porto de Sepetiba, hoje Porto de Itaguaí (Figuras 6 e 7), que foi inaugurado em 1982. Ele ocupa uma área de 10,4 milhões de m2 no Município de Itaguaí, ao sul e a leste da Ilha da Madeira. A ampliação e expansão do canal de acesso visando sua adequação para o recebimento de navios cada vez maiores exigiu a realização de obras de dragagem para o aprofundamento do canal, o que significou uma intervenção potencialmente poluidora no ambiente natural. Neste porto, o terminal de minérios inclui o pátio de estocagem de minério de ferro da Companhia Portuária Baía de Sepetiba (CPBS), empresa coligada à Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), de carvão metalúrgico e coque de hulha da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e alumina e cimento portlant da Valesul Alumínio S.A. (Julianelli, 2008). Figura 6: Foto panorâmica do Porto de Itaguaí 37 Figura 7: Vista aérea da Ilha da Madeira, onde se localiza o Porto de Itaguaí e a Cia Mercantil e Industrial Ingá (www.naval.com.br, setembro de 2009) 2.7 - A Cia Mercantil e Industrial Ingá Localizada no município de Itaguaí, Ilha da Madeira, a Cia Mercantil e Industrial Ingá (Grupo Industrial Domício Gondim Barreto), que tinha como principal atividade a produção de zinco de alta pureza, iniciou sua produção por volta de 1962 através do uso do minério silicatado hemimorfita (Zn4Si2O7)(OH)2 e willemita (Zn2SiO4), oriundos da região de Vazante (Minas Gerais). Essa produção gerou grandes quantidades de resíduos, representado hoje o maior passivo ambiental do estado do Rio de Janeiro, um dos maiores do país e, por isso, o maior risco potencial de agressão ao ecossistema da região (Magalhães, et al., 2000). Seus estoques de resíduos, acumulados durante quase 30 anos, contaminaram e ainda ameaçam e fragilizam o equilíbrio ecológico da Baía de Sepetiba (Figura 8), devido a elementos como zinco, cádmio, mercúrio e chumbo, os quais poluem o solo, a água e atingem o manguezal local. Em 1998 foi decretada a falência da Cia Mercantil e Industrial Ingá, que foi condenada em novembro de 2000 pela justiça por contaminação da água com metais 38 pesados lançados na Baía de Sepetiba. A empresa deveria, segundo as exigências judiciais, construir um aterro industrial e remover, em sessenta dias, os cerca de três milhões de toneladas de resíduos químicos deixado na Ilha da Madeira (Figuras 7 e 8), o que não ocorreu até o final de 2009 (Villas Boas et al., 2008). Até 2008, a Cia Mercantil e Industrial Ingá, encontrava-se sob intervenção Federal, o que limitava a atuação do Estado (FEEMA, 2008) disponível em http://www.feema.rj.gov.br/baiasepetiba.asp?cat=75, acesso em junho de 2009. Com a aquisição de toda a área pela Usiminas, os trabalhos de envelopamento e isolamento dos resíduos da massa falida deveriam ter sido reiniciados. Figura 8: Vista aérea do passivo ambiental da Ingá (http://urutau.proderj.rj.gov.br, setembro de 2009) 2.8 – Processamento dos minérios de zinco da Cia Mercantil Ingá Levando-se em conta que o zinco é obtido principalmente a partir de sulfetos, especialmente a blenda de zinco (ZnS), toda a tecnologia mundial de extração de zinco é voltada para eles. Desta forma, foi necessário o desenvolvimento de um processo para o beneficiamento do minério nacional silicatado. No depósito de Vazante o mineral predominante é a willemita, silicato de zinco (Zn 2SiO4), ocorrendo ainda a hemimorfita (também designada como calamina), em quantidade 39 significativa, Zn4(Si2O7)(OH)2. Estes minérios estão associados a rochas carbonáticas. Os teores de zinco variam entre 16% e 39% m/m, contendo ainda cerca de 30% m/m de sílica (SiO2). A Cia. Ingá utilizou o processo hidrometalúrgico desenvolvido pelo químico Hugo Radino, para a calamina (Barone, 1973). Esse processo era constituído de sete etapas: 1) Moagem: era utilizado um moinho com moagem lenta por via úmida (adição de água), obtendo-se uma polpa para o processo de lixiviação. Nesta etapa junto com o minério era adicionada pirolusita. 2) Lixiviação: adicionava-se ácido sulfúrico à polpa em batelada; além do Zn as outros componentes eram também solubilizadas, tais como Fe, Si, As, Sb, Co, Ni, Mg, Al, Cd. Nesta etapa o Fe(II) era oxidado a Fe(III) pela adição de pirolusita, adicionada na etapa anterior. 2 FeSO4(aq) + 3 ZnO(s) + MnO2(s) + 2 H2SO4(aq) + H2O → 2 Fe(OH)3(s) + 3 ZnSO4(aq) + MnSO4(aq) 3) Neutralização: na reação de lixiviação era utilizado um excesso de ácido sulfúrico de modo que, ao final da reação, o excesso de ácido é neutralizado pela adição de leite de cal (suspensão aquosa de Ca(OH)2), ocorrendo também a precipitação do Fe(OH)3 e de impurezas como As, Sb e Si na forma de sais de cálcio de seus respectivos oxoânions . 4) Filtração: operação executada em filtro-prensa onde o lixiviado rico em ZnSO 4 era separado do resíduo. 5) Purificação: nesta etapa, antes do processo eletrolítico para obtenção do zinco metálico, ocorria a eliminação de algumas impurezas, as quais influenciavam desfavoravelmente o rendimento do processo eletrolítico. A eliminação de cobre, cobalto, níquel e cádmio era feita através da cementação com zinco em pó. Este processo se dava em duas etapas: na primeira etapa ocorre a eliminação do Cd. Na segunda etapa, ocorre a eliminação do Co, As e do Ni pela adição de zinco em pó, sulfato de cobre e arseniato de sódio. Estas duas etapas produzem duas 40 tortas distintas que são os rejeitos do processo hidrometalúrgico somados aos sólidos da etapa de filtração, origem de todo histórico do passivo ambiental da Cia Mercantil e Industrial Ingá. O filtrado obtido era enviado para o processo eletrolítico. 6) Eletrólise: a recuperação do zinco por eletrólise era efetuada pela aplicação de uma corrente elétrica através de ânodos de chumbo-prata (0,4 % m/m de prata) e cátodos de alumínio (99,5 % m/m), levando à deposição do zinco metálico no cátodo. Gás oxigênio é liberado no ânodo. Zn2+(aq) + 2 e- → Zn0(s) 2 H2O → O2 + 4 H+ + 4 eA obtenção do zinco por células eletrolíticas é afetada por vários fatores, os quais devem ser estritamente controlados. Entre eles podemos citar: superfície do eletrodo, concentração de íons, pureza do eletrodo metálico, tipo de precipitado, temperatura, presença de coloides, presença de substâncias orgânicas, densidade da corrente e impurezas no eletrólito. Aditivos orgânicos tais como cola, ácido tânico e goma arábica são frequentemente usados para aumentar a eficiência da corrente de uma célula de zinco e para melhorar as características físicas do produto final. Às vezes sais do próprio metal são usados para a mesma finalidade. Os aditivos se combinam com as impurezas, arrastando-as juntamente com a lama anódica. O zinco era removido do cátodo a cada 24 h. O zinco obtido por este processo é muito puro (99,995 % m/m), contendo menos de 50 mg.kg -1 de impurezas, sendo o chumbo a principal. Finalmente o zinco obtido na forma de placas será enviado à fundição. 7) Fundição: as placas de Zn obtidas na etapa de eletrólise eram fundidas em fornos sob rigoroso controle da temperatura e sob vigorosa agitação; o material fundido é resfriado sob a forma de lingotes. A Figura 9 mostra o fluxograma do processo hidrometalúrgico de obtenção de lingotes de zinco a partir do minério de Vazante. 41 Figura 9: Processo hidrometalúrgico para obtenção de Zn utilizado na Cia. Mercantil e Industrial Ingá. 42 No processo de extração do metal, era produzido um resíduo sólido rico em impurezas contidas no minério e também outros obtidos na purificação do lixiviado sulfúrico (etapa 5). Estes resíduos continham basicamente os elementos cádmio (Cd), chumbo (Pb), manganês (Mn), cromo (Cr), níquel (Ni), cobalto (Co), zinco (Zn), arsênio (As), silício (Si), alumínio (Al), cobre (Cu) e ferro (Fe). Segundo a norma NBR 10004 da ABNT, este resíduo deve ser classificado como perigoso, ou seja, resíduo classe I. O resíduo era disposto no pátio da indústria, sem condições apropriadas de armazenamento, aume20ntando os riscos de contaminação do ambiente, principalmente por Cd, As e Zn. 2.9 - Principais elementos no passivo da Cia Mercantil e Industrial Ingá e suas implicações ambientais e na saúde humana Dadas as inter-relações das populações humanas e o ambiente natural, não é adequado tratar em separado saúde e meio ambiente. A união destas duas áreas é uma tendência em nível mundial no trato desse tipo de questão (Pinto, 2005). Segundo Diaz (1999), saúde ambiental se refere aos aspectos da saúde e qualidade de vida humana determinados por fatores ambientais, sejam estes físicos, químicos, biológicos ou sociais. Refere-se também à teoria e à prática de avaliação, correção, controle e preservação daqueles fatores que, presentes no ambiente, podem afetar potencialmente de forma adversa a saúde humana de gerações presentes e futuras. No contexto ambiental e de saúde humana, uma das principais situações de risco devido aos processos que envolvem substâncias químicas está na possibilidade de contaminação por agentes tóxicos. Na literatura atual encontram-se os “metais pesados” são geralmente elementos-traço que ocorrem na natureza, de um modo geral, em concentrações na ordem de ng.kg -1. A denominação elemento-traço é mais aceita atualmente devido à não distinção entre metal e não-metal e sua ocorrência em baixas concentrações. Alguns metais são essenciais à dieta humana, tais como Zn, Mo, Mn, Fe e Cu, e também são importantes no metabolismo dos organismos aquáticos; participam ainda de processos fisiológicos como fotossíntese, cadeia respiratória e fixação de nitrogênio. Porém, mesmos esses elementos essenciais, quando em concentrações acima das necessárias podem ser tornar tóxicos (Pinto, 2005). 43 Embora a população não habite a área da Companhia Mercantil e Industrial Ingá, as consequências que os elementos ali presentes podem causar ao homem são contundentes, pois a contaminação cumulativa do cádmio provoca sérias doenças no organismo humano, podendo se acumular lentamente nos ossos, fígado, rins, pâncreas e tireoide. Já o zinco, também cumulativo, causa sérios problemas fisiológicos, principalmente nos peixes, tornando-os impróprios para o consumo. O homem, ao se alimentar sistematicamente desses peixes contaminados, pode adquirir problemas de pele e nas mucosas (Pinto, 2005). Os dados de monitoramento da qualidade das águas da Baía de Sepetiba confirmam a contaminação dos sedimentos por elementos-traço, em concentrações muito elevadas, principalmente cádmio e zinco. Os demais metais, como chumbo, cromo, cobre, níquel e mercúrio apresentam, esporadicamente, níveis elevados de concentração, devendo ser adotadas medidas de controle para monitoramento ambiental (Magalhães, et al., 2000). O zinco em quantidades adequadas é um elemento essencial e benéfico para o metabolismo humano, sendo que a atividade da insulina e diversos compostos enzimáticos dependem da sua presença. A deficiência do zinco em animais pode conduzir a atraso no crescimento. A presença de zinco é comum nas águas naturais. Os padrões para águas de abastecimento público indicam 5,0 mg/L como valor máximo permissível (Pinto, 2005). Concentrações superiores conferem sabor e uma certa opalescência a águas alcalinas (Baird, 1998). A ingestão excessiva de zinco pode causar efeitos tóxicos, o pâncreas é aparentemente o órgão mais afetado, seguido dos ossos (aves e mamíferos). Os sintomas são anorexia, depressão, diarréia, vontade de comer e beber em excesso e em casos mais sérios, convulsões e morte (Guidry, 2008). A inalação de vapores de Zn causa grande irritabilidade e lesões ao sistema respiratório (Brito Filho, 1988). O arsênio é amplamente distribuído na biosfera. A água do mar não poluída contém 2–3 µg.L-1, a crosta terrestre possui uma concentração média de 2 µg.kg -1, e a concentração em organismos marinhos varia de 1 a mais de 30 µ.g -1 (Barra et al., 2000). Os principais modos de intoxicação por arsênio ocorrem via ingestão de água contaminada. A intoxicação por arsênio pode resultar em efeitos tóxicos, agudos ou crônicos, relativos a exposições curtas ou longas, respectivamente, ocasionando diferentes patologias (Borba et al., 2004). 44 Na Europa, o níquel é incluído na Lista II da Comissão Européia (Diretório de Substâncias Perigosas) e por causa de sua toxicidade, persistência e potencial para bioacumulação. A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica os compostos de níquel no Grupo I (cancerígenos para humanos) e o níquel metálico no Grupo II (possível cancerígeno para humanos). O níquel pode ser introduzido no ambiente por fontes naturais e antrópicas. No ser humano e demais mamíferos a poeira inalável contendo níquel, induz pneumonite aguda, disfunções no sistema nervoso central, problemas de pele como dermatite e câncer de pulmão e da cavidade nasal (Guidry, 2008). O chumbo é conhecido pela humanidade há mais de 5 mil anos e ocorre numa variedade de minérios, sendo a galena (PbS) a mais importante fonte primária e principal fonte comercial (ATSDR, 1995). Ocorre também associado a outros minérios, principalmente os que contêm zinco. A contaminação por chumbo de origem antrópica resulta de operações de mineração e metalurgia, combustão de chumbo na gasolina (chumbo tetraetila, antidetonante), fundições de metais, fábrica de baterias e indústrias químicas. Nos oceanos a concentração de chumbo varia com a profundidade, em águas superficiais os valores médios mundiais variam de 3 a 20 pmol L-1 e em águas profundas os valores médios mundiais variam de 14 a 150 pmol L-1. O chumbo ocorre naturalmente em plantas e resulta de processos de captação e incorporação. Assim como em outros compartimentos ambientais, a medida dos níveis originais de chumbo em plantas é dificultada pela contaminação generalizada dos diferentes biomas terrestres, através de décadas de uso do metal, no qual se inclui a aplicação direta de agentes químicos contendo chumbo na agricultura e a contaminação por fertilizantes. Do ponto de vista da toxicidade crônica ao homem, a administração diária de 1 mg do metal é suficiente para determinar a intoxicação por chumbo. Uma vez absorvido o chumbo passa à corrente sanguínea e mais de 95% fica ligado aos eritrócitos, causando aumento da fragilidade e redução do tempo de vida das células. O chumbo possui grande afinidade por ossos, bioacumulando-se com o tempo de exposição. A quantidade máxima que o homem pode suportar em seu organismo normalmente é estimada em 165 mg. A intoxicação em indivíduos adultos manifesta-se por anemia, irritação excessiva, constipação, cegueira noturna, cólicas e excesso de urina. Os sintomas 45 em crianças incluem irritabilidade, perda de apetite, vômitos ocasionais, dor abdominal intermitente. O cobre é um micronutriente essencial que participa de uma série de funções fisiológicas nos animais e vegetais, integrando a estrutura de algumas proteínas e enzimas que participam na defesa contra a ação de radicais livres e na respiração celular, além de atuar como co fator enzimático (Schuler et al., 2000). A toxicidade do cobre pode ser atribuída a disfunções resultantes de interações inapropriadas entre o metal e estruturas celulares. A exposição aguda ao cobre pode acarretar irritação nos olhos, nariz e garganta, espessamento e esverdeamento da pele, irritação das fossas nasais, úlceras e carcinoma pulmonar. A ingestão excessiva de cobre pode acarretar ainda cirrose, hepatite, convulsões, alterações psiquiátricas, distúrbios comportamentais, psicose, cataratas, defeitos tubulares renais, arritmia, osteoporose, doença degenerativa das juntas, etc. (Ramos, 2005). Desta forma, apesar do cobre ser tratado como um elemento vital, este pode representar um perigo para a natureza, quando presente em concentrações elevadas, devendo então seu lançamento para o ambiente estar sob controle. Quimicamente o cádmio é similar ao zinco e esses dois metais geralmente participam de processos geoquímicos juntos. Entre os metais pesados que despertam maior preocupação do ponto de vista ambiental, o Cd tem sido incluído em listas de controle ambiental prioritário. O envenenamento agudo por cádmio se caracteriza por aumento da pressão sanguínea, danos nos rins, destruição dos testículos e destruição das células vermelhas sanguíneas. A inalação de poeira de oxido de cádmio resulta em edema e morte do tecido pulmonar. Por ser similar ao zinco, o cádmio pode substituir o mesmo em algumas enzimas, alterando suas estruturas e impossibilitando a atividade catalítica (Manaham, 2000; Eisler, 2000). Estudos laboratoriais com camundongos e ratos demonstraram conclusivamente que a injeção de cádmio causa tumores nos testículos. Entre os humanos, as evidencias ainda não são suficientemente conclusivas. O cádmio realmente é tido como um agente cancerígeno associado ao câncer de pulmão em humanos (Guidry, 2008). A exposição humana à cromose dá pela inalação do ar contaminado e pela ingestão de água e alimentos contaminados. As doenças decorrentes da exposição a cromo(III) e (VI) incluem câncer pulmonar e de estômago em trabalhadores de 46 indústrias produtoras de compostos de cromo, e fábricas de produção de pigmentos. Em trabalhadores de galvanoplastia ocorre ulceração e perfuração de septo nasal, ulcerações nas mãos e dedos, incidências de disfunções renais, dentre outros sintomas. Existem riscos tanto para ingestão de baixas quanto de altas concentrações de cromo, a faixa de concentração que preenche os requisitos biológicos e previne a toxicidade é bastante estreita. O resultado da maioria dos estudos indica que o Cr(VI) é mais tóxico que o Cr(III). Na maioria dos países são estabelecidos níveis de risco mínimo (NRM) para exposição a aerossóis contendo cromo hexavalente, o NRM é uma estimativa de exposição humana diária a substâncias perigosas, presentes no meio ambiente, sem o risco considerável de se observar efeitos adversos durante um determinado tempo de exposição. A Agency for Toxic Substances and Disease Registry estabeleceu NRM de 5 x 10-5 mg/m3 a névoas contendo ácido crômico e a outros aerossóis contendo Cr(VI) (ASTDR, 2000). A exposição humana ao alumínio tem aumentado em função da solubilidade e biodisponibilidade de plantas e ambientes aquáticos, incrementado por chuvas ácidas e emissões industriais. Não existem evidências que o alumínio tenha alguma função essencial em animais ou humanos. No que concerne a toxicidade no organismo por exposição excessiva há relatos de encefalopatias graves em pacientes com insuficiência renal crônica atribuída às altas concentrações de alumínio presentes na água usada na preparação de procedimentos para diálise. Níveis de alumínio no cérebro e em outros tecidos de indivíduos afetados foram consistentemente elevados. O excesso por ingestão de alumínio também afeta o esqueleto pela redução da formação óssea, resultando em osteoporose. O silício é o segundo elemento mais abundante da crosta terrestre, não é encontrado livremente na natureza, mas ocorre principalmente na forma de óxido e silicatos. A hemimorfita e wilemita são exemplos de silicatos minerais. O silício e seus compostos inorgânicos comuns não são tóxicos, passam pelo sistema digestivo completamente intactos. A inalação de suas partículas, porém, pode causar pneumocomiose e silicose (Dias, 2001), que leva à perda da capacidade pulmonar, além de tosse, infecções, dispnéia e distúrbios cardíacos. 47 O manganês é um elemento essencial para seres vivos, desempenhando um papel importante no sistema nervoso, na mineralização dos ossos, no metabolismo energético e de proteínas, na regulação metabólica e na proteção celular. Entretanto, a exposição crônica a este metal, principalmente durante estágios embrionários ou pós-natais, pode induzir diversos eventos tóxicos, onde o sistema nervoso central é o alvo principal. Alta exposição ao manganês tem sido associada a doenças tais como mal de Alzheimer, esclerose lateral amiotrófica, mal de Parkinson, esquizofrenia, e autismo. O ferro, elemento essencial a todas as formas de vida, é um componente chave na manutenção do equilíbrio celular. Muitos processos biológicos são intermediados por enzimas que requerem o ferro com co-fator para o seu funcionamento. Tanto a deficiência quanto o excesso de ferro são prejudiciais ao organismo humano. A deficiência de ferro leva à anemia hipocrômica microcítica, à alteração do metabolismo muscular e a disfunção do sistema imunológico. Quando a sobrecarga do ferro é prolongada ocorre acúmulo de hemossiderina nos tecidos produzindo hemossiderose e hemocromatose, que se caracteriza por pigmentação da pele, lesão pancreática com diabetes, cirrose hepática, carcinoma hepático e atrofia das gônadas (Ganong, 1993; Omara et al., 1998). A exposição humana ao ferro pode dar-se através do ar, alimentos e bebidas e exposição ocupacional. O cobalto, assim como todos os micronutrientes essenciais, apresenta duas zonas de exposição incompatíveis com a vida: tanto a deficiência como o excesso podem levar a doenças ou à morte (National Research Council, 1989; Mertz et al., 1994). Para a população em geral, a dieta representa a principal fonte de exposição ao Co. Não existe recomendação oficial para ingestão diária de Co, exceto no que se refere à vitamina B12 (National Research Council, 1989). A variedade de elementos envolvidos neste estudo de caso mostra quanto insidiosas podem ser as consequências de uma contaminação ambiental e o comprometimento da saúde causadas pela má gestão de uma atividade econômica. Em se tratando de um dos maiores passivos ambientais do país, o estudo da interação dos compostos dos metais presentes na pilha de rejeitos com o trato respiratório trará importantes informações que podem balizar outros estudos de caso em ambientes tropicais como o do presente estudo, e ainda corroborar estudos já realizados. O concurso de diversas técnicas analíticas e metodologias de avaliação 48 de impacto ambiental é necessário para se chegar a um conjunto de dados confiável e interpretável. 49 CAPÍTULO 3 MATERIAIS E MÉTODOS 3.1 – Origem das amostras Obteve-se, junto a Usiminas em fevereiro de 2009, autorização para coleta de amostras da pilha de resíduos da Cia Mercantil e Industrial Ingá. Informações obtidas de antigos funcionários constam que os resíduos eram estocados com utilização de dragas mecânicas e eram distribuídos de forma aleatória; à medida que a altura da pilha aumentava ela era aplainada e compactada, de modo que mais resíduos pudessem ser colocados. Isso aconteceu durante toda a vida útil da fábrica (1962-1998). Com o objetivo de se conhecer a área de estudo e as principais substâncias químicas envolvidas várias amostras foram coletadas, em maio de 2009. Foi possível distinguir com clareza as diferentes colorações da pilha: resíduos pretos e brancos depositados no topo da pilha de resíduos, e marrom claro a marrom avermelhado, sendo esta última, a cor característica da pilha. Foram coletadas amostras de topo em posições aleatórias, apenas em função de suas cores, raspando a superfície com uma espátula em vários pontos da pilha de resíduos das três colorações observadas com o objetivo de se determinar a causa das diferentes colorações. Foram coletadas 10 amostras de 15 g de cada coloração. A figura 10 mostra as diferentes colorações das amostras recolhidas na pilha úmida. 50 Figura 10: Amostras de diferentes colorações recolhidas na pilha de resíduos 3.2 – Amostras utilizadas nos ensaios de solubilidade em Líquido Pulmonar Simulado Devido ao tamanho da pilha de resíduos e considerando seu formato aproximado de um pentágono, esta foi dividida em cinco partes, conforme a Figura 11. II I III IV V Figura 11: Esquema mostrando os pontos de coleta das amostras. Foram recolhidas 6 amostras de cada fatia, aproximadamente 15 g de amostra de cada ponto a uma profundidade de 5 cm, essa pouca profundidade foi considerada partindo da premissa que os aerossóis são formados a partir do topo da pilha de resíduos, e também porque a partir de resultados em amostras coletadas previamente a coloração se apresentava homogênea. As seis amostras de cada parte foram misturadas com auxílio de um misturador helicoidal, fabricado pela Marconi, colocadas em estufa a 100ºC durante 2 h, moídas em moinho pulverizador de panela marca Herzog, modelo HSM 100 e peneiradas a 0,037 mm (400 mesh) (Figura 12). 51 Figura 12: Amostras coletadas nas diferentes fatias da pilha de resíduos 3.3 - Preparação do Líquido Pulmonar Simulado (LPS) A solução utilizada nesse estudo é a solução de Gamble (Gamble, 1962), que pode ser considerada como uma solução padrão para líquido pulmonar. A composição iônica desta solução é similar à do líquido intersticial pulmonar e à do plasma sanguíneo (Kalkwarf, 1983). As composições iônicas do Líquido Pulmonar Simulado e do líquido pulmonar são apresentadas na Tabela 1. Os sais utilizados para a preparação do líquido pulmonar simulado foram de grau PA (Merck). 3.4 - Preparação das amostras e realização dos ensaios em LPS As amostras foram peneiradas em peneiras de 0,037 mm (400 mesh) e homogeneizadas. Uma amostra de 0,05 g de cada amostra foi adicionada a 50 mL da solução de LPS e mantida sob agitação magnética por 1 min em temperatura ambiente (~25oC), não existe consenso na literatura quanto a relação entre a massa da amostra e o volume de LPS utilizados nesses experimentos, os valores encontrados nas diversas publicações em que foram usados massas sólidas os valores variam de 10 µg a 500 mg para volumes de 20 mL a 200 ml de LPS (Cooke et al., 1974; Dennis et al., 1982), entretanto a relação de 100 µg de amostra para 52 100 mL de LPS é a relação mais comumente utilizada (Dias da cunha et al., 2011; Dias da Cunha et al., 2010; Lima, 2004). Cada solução foi transferida para um recipiente de Teflon e mantida fechada com um sistema de rosqueamento. Da mesma solução inicial de LPS foi retirada uma alíquota de 50 mL e mantida como controle, utilizando-se o mesmo sistema. As amostras da solução foram coletadas em uma base temporal de 10 min, 30 min, 1 h, 2 h, 4 h, 6 h, 12 h, denominadas de fração rápida, e uma base temporal, denominada fração lenta com 1 dia, 3 dias, 5 dias, 7 dias, 14 dias, 21 dias, 30 dias, 60 dias, 90 dias,120 dias, 160 dias, 210 dias, 280 dias e 360 dias. Os ensaios foram realizados em triplicata. 53 Tabela 1: Composição iônica do líquido pulmonar simulado (LPS) e intersticial humano (Kalkwarf, 1983) Líquido pulmonar (meq L-1) LPS (meq L-1) Ca2+ 5,0 5,0 Mg2+ 2,0 2,0 K+ 4,0 4,0 Na+ 145,0 145,0 Total de cátions 156,0 156,0 HCO3- 31,0 31,0 Cl- 114,0 114,0 H5C6O73- (citrato) 1,0 1,0 H3C2O2- (acetato) 7,0 7,0 HPO42- 2,0 2,0 SO42- 1,0 1,0 Proteína 1,0 não contém 156,0 156,0 Íon Total de ânions Seguindo a inalação de partículas de aerossóis insolúveis, os alvos prioritários no corpo humano são os pulmões. A dose no pulmão será, em geral, dependente do compartimento pulmonar depositado, do tamanho das partículas, densidade e taxa de solubilidade nos fluidos pulmonares. No entanto, o líquido pulmonar simulado modela a solução original bem aproximada em termos de composição iônica, pH, e condições gerais (Moss, 1979). 54 A figura 13 mostra o esquema simplificado do arranjo experimental para o estudo in vitro na determinação da solubilidade das amostras em LPS. Recipiente teflon = 47 mm e V = 120 mL Filtro Nuclepore 0,1 µm Suporte de filtro Válvula para controle de fluxo Bécher Figura 13: Esquema simplificado do arranjo experimental para o estudo in vitro da determinação da solubilidade das amostras em líquido pulmonar simulado. Tanto no sistema estático quanto nos sistemas dinâmicos (descritos em detalhe no ítem 2.3 do capítulo 2), os resultados obtidos por alguns autores em ensaios de solubilidade de radionuclídeos em LPS, foram bastante parecidos (Moss et al., 1980; Eidson et al., 1994). O sistema de batelada foi escolhido nesse caso por ser o sistema de mais fácil implementação (Arsobolo et al., 1998). O pH é o fator mais determinante e deve se mantido próximo a 7,4, o que é facilmente conseguido no sistema de batelada. Nos sistemas dinâmicos o pH do LPS é ajustado com borbulhamento de CO2. Embora em qualquer sistema escolhido inicialmente o pH seja ajustado com HCl 0,5 mol L-1(Dennis, 1982; Thein, 1982). A figura 14 mostra o arranjo experimental utilizado (modelo estático) para o estudo in vitro da solubilidade em líquido pulmonar simulado. 55 Figura 14: Arranjo experimental utilizado para os ensaios de solubilidade em LPS. 3.5 - Determinação da solubilidade Os experimentos in vitro representam valores que correspondem à cinética de dissolução dos compostos. A razão entre a fração dissolvida e a fração não dissolvida foi quantificadas baseadas nos dados experimentais correspondentes às frações de dissolução rápida (ƒr) e às frações de dissolução lenta (fs). A taxas (lenta e rápida) de dissolução “λ” no tempo t são obtidas através da relação λ = ln 2/t. O percentual não dissolvido é definido como um percentual de massa do metal não dissolvido no LPS, em relação a massa inicial do metal presente na amostra de resíduo. As frações e as taxas de dissolução são determinadas, através de uma função que compreende o somatório de duas exponenciais que envolvem duas constantes de frequência de primeira ordem e dois coeficientes fracionários. O ajuste foi realizado utilizando-se o programa Origin® 6.0 (Microcal Software Inc.). A função que representa a fração do metal não dissolvido e do metal dissolvido é dada pelas equações a seguir: yu = fr exp(- λrt) + fsexp(- λst) (1) y = 1 - yu (2) onde: 56 yu = é a fração não dissolvida fr = é a fração de dissolução rápida λr = é a taxa de dissolução rápida (frequência de dissolução rápida) fs = é a fração de dissolução lenta λs = é a taxa de dissolução lenta (frequência de dissolução lenta) t = é o intervalo de tempo para a dissolução y = é a fração dissolvida Considerando-se o corpo como um único compartimento que elimina sua atividade por intermédio da excreção urinaria, pode-se determinar que uma curva exponencial do tipo Ae" é suficiente para reproduzir os dados experimentais de corpo inteiro. Obtendo-se o valor de λ encontra-se o valor da meia vida de dissolução. Esta pode ser definida como sendo o intervalo de tempo necessário para que o número de partículas presentes em cada tempo num único compartimento seja reduzido à metade como resultado de um processo que não seja o decaimento radioativo isotópico (Brownell et al., 1968) T1/2 vida dissolução = In 2/λ (3) 3.6 - Exposição da Tillandsia Usneoides As amostras de tillandsias usneoides foram coletadas em uma área de Mata Atlântica, situada em propriedade particular chamada Sítio da Baleia, que fica localizada no costão de Grumari, município do Rio de Janeiro (zona oeste). Trata-se de uma área de proteção ambiental, pouco atingida por poluentes aéreos e materiais particulados. As figuras 15 e 16 mostram as amostras de tillandsias em seu habitat e o processo de coleta. Na área de estudo foi empregado o biomonitoramento ativo, que consiste da transferência das tillandsias coletadas nos locais não poluídos para área de realização do monitoramento. Uma amostra de controle foi mantida no ambiente de coleta. As amostras foram colocadas em galhos de árvores nativas da área de estudo e sobre estruturas metálicas localizadas no pátio da falida Cia Mercantil e 57 Industrial Ingá. Após 40 dias de exposição, as amostras foram coletadas e analisadas. Figura 15 - Tillandsia usneoides no seu habitat, no Sítio da Baleia, costão de Grumari, Rio de janeiro Figura 16 - Coleta das amostras de Tillandsias usneoides 58 A figura 17 mostra os pontos escolhidos no entorno do pátio da Cia Mercantil Industrial Ingá para a exposição das tillandsias. Figura 17 – Exposição da Tillandsia usneoide 3.7 - Técnicas analíticas As amostras foram analisadas por três técnicas: Fluorescência de Raios X (FRX), Difração se Raios x (DRX) e Emissão de Raios x Induzido por Próton (PIXE), descritas a seguir. 3.7.1 – Preparação das amostras de tillandsias usneoides No laboratório, as amostras foram secas em estufa a 50oC durante 7 dias, sendo depois calcinadas em mufla a 400oC, durante 72 h. Foram utilizados, em média, 25 gramas de massa verde. Ao final da calcinação, houve uma perda de massa de cerca de 98%. A massa obtida após a calcinação, foi dissolvida numa solução de HF/HNO3 1:10 e levadas ao forno de microondas em potência máxima até a secura. A seguir o resíduo seco foi retomado com 1 mL de HNO 3 0,1 M. Uma alíquota de 2 μL dessa amostra foi transferida para o centro de um alvo construído com um filme Mylar® de polipropileno com 1,5 µm de espessura, sendo seca por lâmpada de raios infravermelhos. As amostras de tillandsias usneoides foram 59 analisadas pela técnica de PIXE, por apresentar concentrações abaixo dos limites de quantificação para a FRX. Para a preparação das amostras foram, necessários vários experimentos até que fosse estabelecida uma rota que não deixasse resíduo, após a retomada final com HNO3 0,1 M. Não existe consenso quanto à questão da lavagem da planta, antes do preparo das amostras para análise. Na tillandsia usneoides, as folhas e o talo são recobertos por escamas, que são responsáveis pela maior parte da absorção de água e de aerossóis. A lavagem pode remover a maior parte dos resíduos e particulados absorvidos para o interior dessas escamas (Brighina et al.,1997). O procedimento geralmente adotado para a preparação das amostras é a não lavagem das folhas (Quevauviller, 1995), principalmente com o gênero tillandsia, o que garante que os elementos provenientes de deposições secas também sejam medidos (Calasans & Malm, 1997; Brighina et al., 1997; Amado Filho et al., 2002; Husk et al., 2004). 3.7.2 – Preparação das amostras solubilizadas no LPS Após o término de cada experimento o líquido foi filtrado em membrana de Nuclepore 0,1 m e transferido para um béquer de Teflon. Os volumes de líquido filtrado foram, então, reduzidos para 10 mL sobre uma placa aquecedora a 600C. A redução de volume foi necessária para garantir a identificação dos elementos presentes em concentrações abaixo do limite de detecção das técnicas analíticas utilizadas, para a determinação dos elementos solubilizados no LPS. Para a análise por fluorescência de raios x, a irradiação da amostra é feita diretamente no líquido obtido após a evaporação sobre placa de aquecimento. Para a análise por PIXE, 2 µL da amostra foram transferidos para um filme de polipropileno de 1,5 µm de espessura e secas sob lâmpada de raios infravermelhos. 3.8 – Metodologias baseadas na radiação x Os raios x são empregados nas mais variadas linhas de pesquisa, sendo algumas delas: (1) a difratometria de raios x, responsável pela análise da estrutura e constituição de muitas substâncias químicas complexas, possibilitando a 60 identificação da composição mineralógica da amostra, e a (2) fluorescência de raios x, que proporciona a determinação da composição química de elementos presentes em amostras. A fluorescência de raios x (XRF – X-Ray Fluorescence) é uma técnica analítica multielementar e não destrutiva usada para obter informações qualitativas e quantitativas da composição elementar das amostras. Esta metodologia está baseada na produção e detecção de raios x característicos emitidos pelos elementos constituintes da amostra, quando irradiada com elétrons, prótons, raios x ou raios y de energia apropriada. A XRF basicamente divide-se em duas variantes analíticas: a mais comum, baseada na dispersão por comprimento de onda (WDXRF), e a dispersão por energia (EDXRF). As variantes da técnica EDXRF, além da convencional, são: (1) a fluorescência de raios x por reflexão total (TXRF – Total Reflection X-Ray Fluorescence), possuindo vantagens como emprego de quantidades diminutas das amostras (da ordem de 5 µL) e menores valores de limites de detecção em relação à EDXRF convencional; (2) a microfluorescência de raios x (µ-XRF), sendo a única a fornecer informações sobre a distribuição elementar na amostra. Nestas técnicas e variantes, normalmente se utiliza raios x de elementos alvo (Mo, Rh etc.), e mais recentemente raios x da luz síncrotron. E uma técnica pouco difundida, mas de grande interesse devido aos seus baixos limites de detecção é a emissão de raios x induzida por prótons (PIXE – Proton Induced X-Ray Emission). 3.8.1 – Fluorescência de raios x por dispersão de energia (EDXRF) A fluorescência de raios x por dispersão de comprimento de onda (EDXRF) é uma técnica instrumental não destrutiva, multielementar, que não requer prétratamento químico elaborado, de baixo custo, fornecendo resultados rápidos e que permite determinar a concentração de elementos em uma amostra utilizando a intensidade dos raios-x característicos de cada elemento que a constitui (Figura 18). Esta técnica tem adquirido um importante papel nos dias de hoje, devido à possibilidade de detecção simultânea de vários elementos numa ampla faixa de número atômico e concentrações. 61 Figura 18 – Esquema simplificado do processo de emissão de raios x por fluorescência A figura 19 mostra o equipamento de Fluorescência de Raios-x utilizado nas determinações semiquantitativas, o carrossel de amostras e o computador com o programa de interpretação dos dados. O equipamento empregado foi o modelo EDX 800 HS, Shimadzu, com tubo de ródio, com voltagem aplicada de 50 KV e amperagem de 1000 µA, detetor de Si – Li resfriado com nitrogênio líquido. Os limites de detecção para os elementos mais pesados é da ordem de 1 ppm (mg kg-1), para os elementos ditos leves tais como Ca, K, Mg e Na e, os limites de detecção são mais altos, em torno de 10 ppm. As análises foram realizadas na Divisão de Química do Instituto de Engenharia Nuclear. 62 Figura 19 - Vista frontal do equipamento de raios x Shimatsu EDX 800 HS 3.8.2 - PIXE O PIXE (Particle Induced X ray Emission) se baseia na emissão de raios x característicos induzidos pela colisão de partículas carregadas. Os elementos presentes na amostra são identificados e quantificados através da análise dos espectros de raios x característicos emitidos pela amostra. Este método vem sendo utilizado na identificação e quantificação de elementos traços com número atômico Z >11 (sódio - Johansson e Johansson, 1976) em diferentes áreas de estudo tais como: geologia, arqueologia, biologia, ciência dos materiais e nos estudos ambientais, para quantificação de metais presentes em amostras de solo, água e partículas transportadas pelo ar (de Pinho, 1979; Flores et. al., 1993). Quando uma partícula carregada incide sobre um alvo, existe a probabilidade de que um elétron de uma camada mais interna seja ejetado de sua órbita como resultado da colisão da partícula com o átomo da amostra. A ejeção do elétron resulta na criação de uma vacância e deixa o átomo num estado excitado. O relaxamento do átomo ocorre quando um elétron de uma camada ou subcamada imediatamente superior preenche a vacância. Se a vacância for produzida nas camadas mais internas K e L, quando o elétron da camada mais externa preenche a 63 vacância, libera-se energia, que pode ser cedida a outro elétron ou emitida na forma de fótons (raio x). Esse raio x se deve ao fato dos fótons emitidos serem monoenergéticos e revelarem detalhes da estrutura atômica do elemento químico, assim sua energia e intensidade relativa permitem a identificação do elemento de origem. O esquema do processo de emissão de raios x induzidos pela colisão de partículas carregadas e mostrado na figura 20: Figura 20 - Esquema simplificado do processo de emissão de raios x induzidos pela colisão de partículas carregadas e o espectro de PIXE A demanda pelo PIXE no campo das ciências ambientais aumentou muito nos últimos anos, por conta da necessidade da analise de amostras de aerossóis compostas por elementos de número atômico (Z) elevado (Johansson, 1976; De Pinho et al., 1979; Artaxo et al., 1992; Flores et al., 1993; Dias da Cunha et al., 1995). Em relação aos diversos métodos espectrométricos o PIXE tem algumas vantagens importantes: a seção de choque para a excitação dos átomos com feixe de prótons de baixa energia não varia muito com Z se comparado ao método de ativação neutrônica. Em combinação com um método de concentração o método de PIXE é capaz de determinar elementos de interesse em níveis de mg kg-1, μg kg-1 e mesmo abaixo (Johansson, 1995). Assim, esse método torna-se uma importante ferramenta de pesquisa para determinação de elementos-traço no meio ambiente assim como em organismos humanos e tecidos. As amostras foram irradiadas com feixe de prótons de 2,0 MeV e uma corrente de 20 nA. O feixe de prótons é obtido no acelerador eletrostático Van de Graaff de 64 4,0 MV da PUC-Rio. Na figura 21 é apresentado um esquema simplificado do arranjo experimental. Detector Si-PIN Colimador Feixe de Protóns Copo de Faraday Alvo Figura 21 - Esquema simplificado do arranjo experimental utilizado para o PIXE As amostras são fixadas em um disco suporte com capacidade de 39 alvos, que se localiza perpendicularmente à direção do feixe de prótons (figura 22). A pressão interna na câmara de espalhamento é inferior a 2 x 10-6 torr. No arranjo experimental foram utilizados dois colimadores de 4 e 5 mm e a carga integrada no copo de Faraday situado após o alvo. A carga e o tempo de irradiação foram contados utilizando um Timer Counter Ortec EG7G modelo 994. Os raios x característicos emitidos pelos elementos presentes nas amostras foram detectados por um detector do tipo Si-PIN, com janela de berílio, marca Ampitex, modelo XRT100. Os espectros de raios x foram analisados em um analisador multicanal (marca NORLAND) e armazenados em um computador conectado à saída do multicanal. 65 Figura 22 - (a) Arranjo experimental da linha de PIXE no acelerador Van der Graaff (b)Detalhe do suporte de amostras O número (NX) de raios x emitidos por unidade de volume depende da seção de choque do elemento para produção de raios-X por prótons de energia E, do número de átomos do elemento presentes na amostra e do número de prótons que incidem sobre a amostra (de Pinho, 1979). Deste modo, dN X é dado por: dN X X E P x, y n x, y, z dv (2) onde: dv é o elemento de volume; n (x, y, z) é o número de átomos do elemento por unidade de volume; P (x, y) é o número de prótons por unidade área do feixe incidente com energia X (E) – seção de choque do elemento para produção de raios X devido a prótons de energia E; Uma fração do número total de raios x induzidos na amostra é auto-absorvida. Esta fração pode ser quantificada considerando-se a espessura da amostra (z) e o coeficiente de atenuação da amostra ( ). A fração de raios x detectada pelo detector depende da geometria o arranjo experimental. Como a amostra e o detector estão em vácuo (10 -6 torr), pode-se desprezar a atenuação dos raios x pelo meio. Deste modo, o número de raios x é dado por: dN X X E e z 4 P x, y n x, y, z dv (3) onde: Ω é o ângulo sólido do detector; t é a espessura do alvo; 66 é o coeficiente de absorção linear da amostra; é a eficiência do detector. Como a seção de choque para a produção de raios x, X E , depende da energia do próton incidente a espessura “t” da amostra, esta deve ser fina o suficiente de modo que o efeito de perda do próton incidente seja pequeno, podendo ser desprezado. Nesta aproximação pode-se também desprezar o efeito de absorção dos raios x emitidos. No caso de alvos finos a seção de choque produção de raios x para prótons incidindo com uma energia E 0, X E0 X de E sendo E a energia do próton depois de atravessar o alvo. Supondo-se um feixe de prótons com densidade homogênea, o número de prótons por seção reta do feixe é dado por: P x, y P S (4) onde: P – número total de partículas do feixe; S – área do feixe; Deste modo, o número total de raios x emitidos pela amostra por unidade de volume é dado por: NX 4 X E0 P S n x, y, z dx dy dz (5) O número total (N) de átomos de um elemento num volume (V) é dado por: Ν = ∫[n(x, y, z)dxdydz] (6) N se relaciona com a massa (M) do elemento presente na amostra através da seguinte expressão: N M Na A (7) 67 onde: M – massa do elemento; Na – número de Avogrado; A – massa atômica do elemento. Assim o número de raios x produzidos por um feixe de prótons com energia E o é: Nx 4 x E0 Q M 2,66 10 9 S A (8) onde: M é a massa do elemento presente na amostra ( g); 4 é o ângulo sólido do detector (esterorradianos), S é a área coberta pelo feixe (mm2), Q é a carga total que atravessa a amostra ( C), x E0 é a seção de choque do elemento para a produção de raios X induzida por prótons de energia E0 (barns). Para se identificar e quantificar os elementos presentes na amostra é preciso conhecer a contribuição de cada um deles no espectro de raios x total. A análise é feita com espectros padrões, que são obtidos a partir da irradiação de amostras monoelementares de elevado grau de pureza, nas mesmas condições que a amostra analisada. 3.8.2.1 - Calibração A curva de eficiência absoluta é determinada, irradiando-se alvos padrões conhecidos nas mesmas condições experimentais das amostras. Este procedimento, descrito em detalhes na literatura, evita a necessidade de correções devido à geometria do arranjo experimental (Paschoa, et al., 1977; Dias da Cunha, 1988). A curva de eficiência absoluta está representada na figura 23. 68 EFICIENCIA ABSOLUTA 1E-5 1E-6 Regressão Polinomial Y = A + B1*X + B2*X^2 + B3*X^3 + B4*X^4 1E-7 Parametros Valores Erro -----------------------------------------------------------A 0,83151 5,09915 B1 -2,12181 2,33986 B2 0,66949 0,39745 B3 -0,06552 0,02962 B4 0,00209 8,17707E-4 1E-8 1E-9 1E-10 1E-11 1 10 Energia (keV) Figura 23 - Curva de eficiência absoluta do detector de Raios-X. 3.8.2.2 - Limite de detecção O limite de detecção do método PIXE foi determinado pela equação abaixo: LMD 3 * N XBg (9) onde NXBg é o número de contagem da radiação de fundo na região de interesse. O limite de detecção do método PIXE para cada elemento depende da energia das partículas incidentes, da seção de choque dos elementos irradiados e do arranjo experimental. Devido a variação da seção de choque foram determinadas duas curvas de limite de detecção, uma para os elementos leves (Z ≤ 42), identificados pelas linhas Kα e outra para os elementos pesados (Z ≥ 43), identificados pelas linhas Lα. Nas Figuras 24 e 25 são apresentadas as curvas dos limites de detecção para os elementos de linhas de energia Kα e Lα, respectivamente. 69 100 [ng] 10 1 0,1 0,01 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 Energia [Kev] Figura 24 - Curva do limite de detecção do método PIXE, para os elementos leves (Z 42), identificados pelas linhas de energia Kα. [ng] 1 0,1 2 4 6 8 10 12 14 16 Energia keV Figura 25 - Curva do limite de detecção do método PIXE, para os elementos pesados Z 43), identificados pelas linhas de energia L α. A uniformidade do feixe foi obtida com o sistema de colimadores utilizado. Assim, ao se garantir que toda amostra estava dentro da área do feixe, foram eliminadas as incertezas associadas à não uniformidade do feixe e não 70 homogeneidade da amostra. 3.8.2.3 - Análise de espectros Os espectros multielementares, obtidos das amostras, foram analisados com auxílio do computador, usando-se programa FITU que foi desenvolvido para este fim no laboratório Van der Graaff, Departamento de Física da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. A contribuição de cada elemento presente na amostra foi determinada comparando-a ao espectro padrão. O espectro padrão é obtido, irradiando-se, nas mesmas condições experimentais das amostras, um alvo do elemento de interesse. O espectro padrão (espectro monoelementar) é sobreposto ao espectro da amostra (espectro multielementar). O alvo padrão é normalizado em relação à contribuição do elemento no espectro da amostra e em seguida é subtraída a contribuição do elemento no espectro da amostra. Os espectros dos elementos com Z ≤ 42 são normalizados em relação às linhas Kα e Kβ e os espectros dos elementos mais pesados Z ≥ 43 são normalizados em relação às linhas Lα e Lβ. 3.8.2.4 - Incertezas do método As principais fontes de erro no método PIXE são a espessura do alvo, a não homogeneidade do feixe, o aquecimento da amostra e a sobreposição de picos no espectro de diferentes elementos. A espessura não nula das amostras ocasiona a diminuição da energia dos prótons ao penetrar no material, causando uma variação na seção de choque de ionização e consequentemente, no número de raios x emitidos. A absorção desses raios pela própria amostra é também causada pela espessura das amostras. Estes efeitos podem conduzir a uma quantificação errônea dos elementos presentes. Efetuando-se as correções para amostras grossas ou preparando-se amostras suficientemente finas, para que a perda de energia e a auto-absorção possam ser consideradas desprezíveis, o erro pode ser negligenciado (Johansson & Johansson, 1976). 71 A distribuição dos elementos na amostra geralmente não é homogênea. É por esta razão que se precisa utilizar um feixe homogêneo para bombardear as amostras. A utilização de um difusor produz um feixe com uma distribuição aproximadamente gaussiana, e atravessando o colimador, com um diâmetro menor do que a largura da gaussiana permite que só a parte central do feixe atinja a amostra. Desta forma é possível conseguir um feixe uniforme, de modo que a taxa de raios x emitidos por cada elemento corresponda apenas ao número de átomo do mesmo presente na amostra (de Pinho et al., 1979). Quando um feixe muito intenso incide sobre a amostra, pode provocar aquecimento e perda de massa de elementos voláteis. Para eliminar esta fonte de incerteza deve ser utilizado feixe de baixa intensidade. Ao analisar o espectro de raios x de amostras multielementares se observa a sobreposição de linhas de raios x dos elementos presentes. Para elementos com numero atômico entre 20 e 50 é frequente encontrar a sobreposição da linha K β de um elemento com número atômico Z com a linha K α do elemento com número atômico Z + 1. Enquanto que para elementos com número atômico maior que 50 a sobreposição ocorre entre as linhas L α e Lβ (de Pinho et al., 1979). 3.8.3 – Difração de raios x (DRX) A técnica da difração de raios x foi utilizada para identificar as fases cristalinas presentes nas amostras de resíduos coletadas e utilizadas nos ensaios com LPS. As amostras analisadas foram preparadas conforme descrito no item 3.4 e secas em estufa a 100 oC. Os difratogramas de raios x foram obtidos pelo metodo do pó em um difratômetro Shimadzu, Modelo XRD-6000 no Laboratório de Raios x do Instituto de Engenharia Nuclear. Utilizou-se nesta operação um contador cintilador de NaI, com um tubo de raios x operado sob tensão de 40 kV e corrente de 30 mA, e as exposições de dose foram feitas com radiação de Cu Kα, com velocidade de varredura de 4° min-1, e ângulo 2(θ) variando de 5° a 80o. 72 CAPÍTULO 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1 – Análise química dos resíduos As amostras coletadas em fevereiro de 2009 na pilha de resíduos foram analisadas pelo método da fluorescência de raios x para avaliação da concentração dos elementos presentes. A Figura 26 mostra um gráfico de colunas com os resultados obtidos por essa técnica em função das diferentes colorações das amostras recolhidas na pilha. Resíduo branco Resíduo preto Resíduo vermelho 100 10 µg/g 1 0,1 0,01 1E-3 P Mg Al Si S K Ca Ti Cr Mn Fe Ni Zn Cu Sr Rb Zr Pb Cd Elementos Figura 26: Concentração relativa dos elementos presentes nas amostras de diferentes colorações coletadas na pilha de resíduos. As Figuras 27 e 28 mostram, respectivamente, o espectro de fluorescência de raios x para elementos pesados e elementos leves (a partir do sódio) presentes na pilha de resíduos. Embora se refiram ao resíduo vermelho, as concentrações relativas aos resíduos branco e preto se assemelham muito, reflexo da presença dos mesmos elementos em todos eles. 73 Figura 27: Espectro por fluorescência de raios x dos elementos pesados presentes no resíduo vermelho. 74 Figura 28: Espectro por fluorescência de raios x dos elementos leves presentes no resíduo vermelho. 75 O resíduo preto observado em vários pontos da superfície da pilha é devido à presença de ferro. O minério de ferro presente é a magnetita, confirmado através de análise por difração de raios x; ele foi trazido pelos ventos diretamente do Porto de Itaguaí, que é atualmente um terminal de minérios, que inclui o pátio de estocagem de minério de ferro da Companhia Portuária Baía de Sepetiba (CPBS), empresa coligada à Companhia Vale do Rio Doce (CVRD); do carvão metalúrgico e coque de hulha da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e alumina da Valesul Alumínio S.A. Essa é a característica que diferencia o resíduo preto dos demais resíduos. A presença dos sulfatos de cálcio anidro e hemi-hidrato, no caso do resíduo branco, tem correspondência com a cor desse resíduo, pois esses compostos são brancos. Mais exatamente, os silicatos e os sulfatos precipitados na etapa de ajuste do pH com cal, somados ao carbonato de estrôncio utilizado na etapa de precipitação do chumbo (Delmonte, 2010), etapa que antecede a eletrólise, são os compostos que conferem a coloração branca observada em algumas regiões da superfície da pilha de resíduos. Esta é a característica que diferencia o resíduo branco dos demais resíduos. As nuances de coloração variando de marrom claro a marrom avermelhado lembrando a coloração de um tijolo, conforme apresentado na figura 12 são decorrentes do processo de filtração utilizado, quando o processo de filtração é por filtro rotativo, a coloração tende ao marrom claro e quando decorrente do processo de filtração com filtro prensa tende ao marrom avermelhado (Delmonte, 2010). No filtro prensa o percentual de umidade no rejeito é muito menor, em comparação com o filtro rotativo. Essa é a característica que diferencia o resíduo vermelho dos demais. Face à sua origem, o resíduo vermelho é o mais abundante dentre todos. As figuras 29 a 31 mostram os espectros de difração de raios x dos três resíduos - branco, preto e vermelho. Os difratogramas têm em comum a presença de óxido de ferro(III), particularmente destacado no caso do resíduo preto, fato esse em consonância com a origem desse resíduo, discutida anteriormente. O difratograma do resíduo vermelho apresenta uma importante característica: a presença de sulfato de zinco, oriundo do processamento dos minérios de zinco. A questão deste sal ser monoidratado se refere à sua menor solubilidade em água, em relação aos demais sulfatos de zinco hidratados (Weast, 1982). A partir do exposto nos parágrafos anteriores, pode-se concluir que os resíduos foram depositados no local da pilha atual uns sobre os outros, sem qualquer processo 76 de mistura ou homogeneização induzido. A ação do vento e da chuva promoveu uma certa mistura entre eles, levando à presença dos mesmos elementos em todos os tipos de resíduos identificados na pilha. Intensidade (u. a.) C 4000 B C A B A A B A 2000 A B A A A B A B A A 0 10 20 30 40 50 60 70 2 (θ) Figura 29: Difratograma do resíduo branco. Os picos correspondem a Fe 2O3 (A), Intensidade (u. a.) CaSO4 (B) e CaSO4.1/2 H2O (C). 6000 A A A 4000 A B B 2000 B A A A A A B B B 0 10 20 30 40 50 60 70 2 (θ) Figura 30: Difratograma do resíduo preto. Os picos correspondem a Fe2O3 (A) e SiO2 (B). B Intensidade (u. a.) B B B 4000 A B B A A A B B A A A B A 2000 0 10 20 30 40 50 60 70 2 (θ) Figura 31: Difratograma do resíduo vermelho. Os picos correspondem a Fe2O3 (A) e ZnSO4.H2O (B). 77 4.2 – Análise das amostras de bioindicadores Amostras de bioindicadores tillandsias usneoides, inseridas na área da Cia Mercantil e Industrial Cia Industrial e Mercantil Ingá, confirmaram a presença de vários metais na atmosfera do local onde se encontra a pilha de resíduos. A Figura 34 mostra as concentrações de elementos nas amostras de bioindicadores, coletadas a uma distância de 5 m e de 100 m da massa de resíduos, após 40 dias de exposição e analisadas pelo método PIXE, em comparação com uma amostra de controle mantida no local de coleta das tillandsias. Tanto a amostra de controle quanto as amostras transferidas para o local de estudo se mantiveram verdes durante os 40 dias de duração do experimento, indicando suas condições fisiológicas e metabólicas capazes de acumular elementos da atmosfera. Julianelli (2008) realizou um estudo detalhado da caracterização dos aerossóis gerados pela ação intempérica sobre o rejeito sólido inspecionado estocado a céu aberto, determinando a concentração elementar e o tamanho aerodinâmico das partículas. A caracterização foi realizada em amostras de ar e também determinou os elementos presentes nas partículas transportadas pelo ar e depositadas nas folhas das árvores, no entorno da área da Cia Mercantil e Industrial Ingá. A análise das amostras realizada pelo método PIXE mostraram a presença de Al, S, K, Ca, Ti, V, Cr, Mn, Fe, Co, Cu, Zn e Cd. Os resultados das amostras de tillandsias usneoides apresentados na Figura 32 confirmam os resultados de amostras coletadas por Julianelli e demonstram que a população está efetivamente exposta a aerossóis contendo partículas de metais oriundas da pilha de resíduos sob análise. 78 100 m da área de processo 5 m da área de processo amostra de controle 10 1 0,1 µg/g 0,01 1E-3 1E-4 1E-5 1E-6 K Ca Ti Cr Mn Fe Cu Zn Cd Pb Elemento Figura 32: Elementos encontrados na tillandsia usneoide após 40 dias de exposição absorvendo os aerossóis da área de estocagem de resíduos. Embora seja assumido que a área onde as tillandsias usneoides foram coletadas seja uma área sujeita a poucos poluentes por ser de proteção ambiental, alguns elementos foram encontrados, são eles: K, Ca, Ti, Cr, Mn, Fe, Cu e Zn. A presença do potássio se explica pela absorção dos aerossóis marinhos, bem como o cálcio. O titânio e o cromo, provavelmente são transportados pelos ventos de áreas onde existem construções de edifícios e obras em geral onde o uso de cimento e tintas são comuns. O zinco e o cobre se originam do próprio metabolismo da floresta de mata atlântica onde o Costão do Grumari está inserido. O ferro se origina dos contrafortes que separam as regiões do Grumari e Guaratiba, esses contrafortes apresentam teores de ferro maiores em comparação a outras regiões montanhosas do estado do Rio de Janeiro. Os elementos Cd e Pb não foram encontrados na amostra de controle. 4.3 - Caracterização das amostras utilizadas nos ensaios de solubilidade em LPS As fatias I, II, III, IV e V, coletadas para essa finalidade, foram misturadas formando um lote único, com o objetivo de formar uma amostra representativa do teor 79 médio dos elementos presentes. A figura 33 apresenta a análise por Fluorescência de Raios x, onde os mesmos elementos foram encontrados em todas as fatias, apresentando variações nas suas concentrações. I II III IV V 100 mg/g 10 1 0,1 0,01 Ca S Pb Fe Mg Si Zn Cr Sr P Cd Ni Rb Ti Elemento Figura 33: Elementos encontrados nas fatias da pilha de resíduos. As amostras de resíduo utilizadas nos ensaios de solubilidade em líquido pulmonar simulado (LPS) foram analisadas pelo método PIXE para determinação da composição elementar. Os elementos encontrados nas amostras utilizadas nos ensaios de solubilidade e suas concentrações são apresentados na Tabela 2 e na Figura 33. Foram encontrados os elementos K, Ca, Ti, V, Cr, Mn, Fe, Ni, Cu, Zn, As, Rb e Cd. Na técnica de PIXE foi utilizada uma folha de alumínio, conforme descrito no capítulo 3, que funciona como filtro de raios x de baixa energia, por essa razão, os elementos P, Mg, Si, S e Sr que são mostrados no espectro de fluorescência de raios x não são determinados no método PIXE. Os elementos presentes no resíduo estão presentes no minério original ou foram adicionados na etapa do processo hidrometalúrgico para obtenção de lingotes, conforme descrito detalhadamente no capítulo 2, item 2.8. A grande concentração de Fe nas amostras coletadas junto a Cia Mercantil e Industrial Ingá indica que partículas contendo Fe (magnetita) foram 80 transportadas pelo vento por meio de aerossóis do porto de Sepetiba conforme explicado no item anterior, somado à concentração presente no minério calamínico. Cabe salientar que a presença de vanádio(V) indica que a população também está exposta a aerossóis provenientes da queima de diesel produzidos pelos veículos de carga que circulam pelo porto de Itaguaí (Julianelli, 2008; Neves, 2005). Tabela 2 – Teor dos elementos presentes nas amostras utilizadas nos ensaios de solubilidade em LPS. Elemento Concentração, µg/g-1 K 6,224 x 10-2 Ca 1,877 x 10-1 Ti 2,028 x 10-2 V 8,760 x 10-3 Cr 1,588 x 10-2 Mn 6,636 x 10-2 Fe 3,216 x 10+4 Ni 8,210 x 10-3 Cu 4,520 x 10-3 Zn 1,092 x 10+3 As 3,289 x 10-2 Rb 3,772 x 10-2 Cd 2,441 x 10-1 81 10000 1000 100 10 1 µg/g 0,1 0,01 1E-3 1E-4 1E-5 1E-6 1E-7 K Ca Ti V Cr Mn Fe Ni Cu Zn As Rb Cd Elemento Figura 34: Concentração dos elementos presentes na amostra usada nos ensaios de solubilidade em LPS. Os altos teores encontrados para o Zn e o Cd nessas amostras se explicam pelo próprio processo de beneficiamento e processamento hidrometalúrgico dos minérios, gerando grandes quantidades de resíduos, incluindo metais pesados e impurezas de outros metais. O minério utilizado apresentava um teor médio de 23% m/m de zinco e 0,03% m/m de cádmio. Na etapa de flotação, estes elementos eram concentrados e podiam apresentar valores de até 45% m/m em Zn e 0,06% m/m de cádmio. Após a etapa de beneficiamento físico do minério, o minério era tratado com ácido sulfúrico e, após filtração, produzia o principal rejeito sólido que podia apresentar até 7% em massa de zinco e 0,01% de Cd, e era depositado no entorno da área de produção, formando a pilha de resíduos atual. Delmonte (2010) realizou um estudo de caracterização da pilha de resíduos e a análise granulométrica indicou textura variando de franco-siltosa a silte, com tamanho de partículas variando de 0,2 µm a 50 µm, similares à areia na forma e composição mineral, se apresentado suave e sedosa ao toque. Os ensaios de permeabilidade realizados segundo a norma ABNT NBR-14545 (2000), indicou valores para os coeficientes de permeabilidade entre 1,0 x 10-4 e 5,0 x 10-6 cm s-1. De acordo com a classificação de permeabilidade de Terzaghi e Peck (1967), esses valores indicam um grau de permeabilidade de baixa à praticamente impermeável, 82 indicando que os contaminantes têm dificuldade de percolar. A granulometria do resíduo é muito baixa, e as partículas provenientes da pilha de resíduos têm facilidade de permanecer em suspensão nos aerossóis formados a partir da região que contém a pilha (Laurel et al, 2007). 4.4 - Testes de solubilidade in vitro 4.4.1 – Análise dos metais no Líquido Pulmonar Simulado (LPS) Na preparação da solução de Gamble foram utilizados reagentes de grau analítico PA. Os elementos achados, quando da determinação da composição elementar (Figura 35) são, na verdade, impurezas encontradas nos reagentes utilizados e estavam dentro da especificação do fabricante, exceto Ca e K, constantes nos seus rótulos e boletins de garantia. A composição do LPS está apresentada na Tabela 1 do capítulo 3. As concentrações de K e Ca estão de acordo com a composição do LPS. O procedimento de preparo das amostras e dos ensaios com LPS estão descritos detalhadamente no item 3.4 do capítulo 3. Na Tabela 3 são apresentados os elementos selecionados para esse estudo que foram solubilizados e as quantidades relativas solubilizadas cumulativamente no LPS em cada base temporal. Os ensaios foram realizados em triplicata re a tabela 3 apresenta o valor médio, os valores de desvio padrão são apresentados no apêndice B. Os contaminantes de interesse considerados foram os metais zinco, cádmio, cromo, manganês e níquel devido às suas altas concentrações nas amostras coletadas e aos seus efeitos tóxicos em potencial à saúde humana. Conforme avaliação da exposição dos contaminantes detectados na área da Cia Mercantil e Industrial Ingá, publicado por Guidry (2008), esses elementos foram encontrados em toda a área, incluindo águas superficiais e subterrâneas, solos, manguesais, lagoas e área industrial. As vias de exposição consideradas foram: ingestão, inalação e contato dérmico com o solo; ingestão e contato dérmico com água superficial e ingestão e contato dérmico com a água subterrânea. Os receptores são os moradores residenciais da Ilha da Madeira e os trabalhadores da Cia Industrial e Mercantil Ingá. 83 O quociente de perigo não carcinogênico (HQ) foi ultrapassado para as vias de exposição por ingestão e inalação de solo por trabalhadores da Cia Industrial e Mercantil Ingá. A inalação de solo se apresentou como a via mais crítica (Guildry, 2008). Tabela 3 – Concentração acumulada de elementos no LPS Fração de massa acumulada Tempo (dias) Cr Mn Ni Zn Cd 0,00694 0,02216 0,06513 0,06325 0,06972 0,10443 0,08333 0,05981 0,09871 0,10071 0,15682 0,30886 0,16666 0,10368 0,13849 0,14661 0,16968 0,36012 0,25 0,14606 0,17787 0,19664 0,18871 0,39379 0,5 0,18901 0,23410 0,23611 0,21045 0,46583 1 0,23063 0,29259 0,27459 0,23180 0,49639 5 0,27558 0,46317 0,33025 0,82113 0,51624 7 0,31918 0,50634 0,36755 0,91057 0,51624 14 0,36669 0,58253 0,41694 0,92131 0,51854 21 0,41965 0,65092 0,45661 0,93321 0,58641 30 0,48151 0,69923 0,52437 0,94522 0,62697 60 0,54707 0,73476 0,58251 0,94846 0,69259 90 0,68659 0,79156 0,64687 0,95775 0,81693 120 0,75078 0,86912 0,77542 0,96652 0,85086 160 0,83962 0,91144 0,84397 0,97600 0,87729 210 0,91591 0,95100 0,88345 0,98387 0,97136 280 1 1 0,94834 0,98763 1 360 1 1 1 1 1 84 0,25 0,20 µg/L 0,15 0,10 0,05 0,00 K Ca Cr Mn Cr Fe Ni Zn Elemento Figura 35: Concentração de metais do LPS Na Figura 36 é apresentado um gráfico que mostra o comportamento dos metais solubilizados no LPS, com base na Tabela 3. A velocidade de dissolução é muito próxima para todos os elementos até aproximadamente 15 h de exposição, quando então começa uma diferenciação entre eles, na ordem Zn > Mn ~ Cd > Cr ~ Ni. 1 µg/L Cr Mn Ni Zn Cd 0,1 0 50 100 150 200 250 300 350 Tempo (dias) Figura 36: Comportamento dos elementos solubilizados (base cumulativa) em LPS provenientes do resíduo da Cia Mercantil e Industrial Ingá. 85 4.4.2 - Determinação dos parâmetros de solubilidade Os experimentos in vitro representam valores que correspondem à cinética de dissolução dos compostos. A taxa de dissolução para a fração rápida foi determinada, considerando-se os intervalos a seguir: 10 min, 30 min, 60 min, 120 min, 240 min, 360 min e 720 min. As amostras empregadas para a obtenção das taxas de dissolução da fração lenta foram coletadas nos intervalos: 1, 3, 5, 7, 14, 21, 30, 60, 90, 120, 160, 210, 280 e 360 dias. As razões entre as frações dissolvidas e não dissolvida foram quantificados com base nos dados experimentais correspondentes as frações de dissolução rápida (ƒ r) e as frações de dissolução lenta (fs). As curvas de solubilidade que representam os elementos Zn, Cd, Mn, Cr e Ni provenientes da pilha de resíduos da Cia Mercantil e Industrial Ingá são apresentados nas Figuras 37, 38, 39, 40 e 41, respectivamente. y = 0.94477*exp(0.3324t) + 0.05523*exp(0.00472t) Fração de zinco não dissolvido 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 0 50 100 150 200 250 300 350 400 Tempo[dias] Figura 37: Curva de solubilidade da massa de zinco acumulada não dissolvida em LPS 86 Fração de cádmio não dissolvido 1,0 y = 0.47335*exp(7.6799t) + 0.52665*exp(0.0110t) 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 0 50 100 150 200 250 300 350 400 Tempo [dias] Figura 38: Curva de solubilidade da massa de cádmio acumulada não dissolvida em LPS. y=0.49673*exp(0,7025t)+0.50327*exp(0,01158t) Fração de manganês não dissolvido 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 0 50 100 150 200 250 300 350 400 Tempo [dias] Figura 39: Curva de solubilidade da massa de manganês acumulada não dissolvida em LPS. 87 y=0.22568*exp(1,8718t)+0.77432*exp(0,00785t) Fração de cromo não dissolvido 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 0 50 100 150 200 250 300 350 400 Tempo [dias] Figura 40: Curva de solubilidade da massa de cromo acumulada não dissolvida em LPS. y=0.29969*exp(2,09t)+0.70031*exp(0,0087t) Fração de níquel não dissolvido 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 0 50 100 150 200 250 300 350 400 Tempo [dias] Figura 41: Curva de solubilidade da massa de níquel acumulada não dissolvida em LPS. 88 4.2.3 - Determinação dos valores dos parâmetros de dissolução Os parâmetros experimentais fr (fração de dissolução rápida), fs (fração de dissolução lenta), λr (taxa de dissolução rápida) e λs (taxa de dissolução lenta) foram determinados para o zinco, cádmio, manganês, cromo e níquel presentes na pilha de resíduos de acordo com as equações 1 e 2, descritas no item 3.5 do Capítulo 3, e são apresentados na Tabela 4. Tabela 4 – Parâmetros de solubilidade determinados para zinco, níquel, cromo, cádmio e manganês presentes no resíduo Metal fr r (d-1) fs s (d-1) Zinco 0,945 0,332 0,055 0,005 Niquel 0,300 0,332 0,700 0,009 Cromo 0,226 1,872 0,774 0,008 Cádmio 0,473 7,680 0,527 0,011 Manganês 0,497 0,703 0,503 0,012 Os valores de meia-vida foram calculados para esses metais de acordo com a equação 3, descrita no item 3.5 do Capítulo 3 e são apresentados na tabela 5. Tabela 5: Valores de meia- vida para as taxas de dissolução rápida e lenta Metal t1/2 de dissolução rápida (d) t1/2 de dissolução lenta (d) Zinco 2,082 146,95 Niquel 0,332 79,66 Cromo 0,370 86,64 Cádmio 0,090 63,00 Manganês 0,990 59.84 89 O zinco mostrou uma fração de dissolução rápida bastante elevada (0,945, o mais elevado de todos os metais), indicando que a maioria do elemento foi rapidamente dissolvido no LPS (Figura 36), embora a correspondente meia-vida de dissolução (2,082 dias) seja elevada (Tabela 5) e λ r seja o menor dentre todos os elementos (Tabela 4). Dados de DRX do resíduo combinado utilizado nos ensaios com LPS (Figura 41) apresentam duas fases cristalinas significativas: Fe2O3 e ZnSO4.H2O (os outros elementos não foram detectados devido às suas abundâncias muito baixas nas amostras). O difratograma da Figura 41 se assemelha em muito ao da Figura 31 para o resíduo vermelho, visto que ele é o resíduo dominante na pilha de resíduos. De acordo com dados da Tabela 6, (Weast, 1982), a solubilidade do sulfato de zinco é elevada (especialmente o heptaidratado), mas o monoidrato é menos solúvel que os demais sulfatos do metal. Esta característica somada a um alto teor de zinco no resíduo pode explicar a sua λ r baixa. A fração de dissolução rápida de zinco está associada à presença de sulfatos de zinco ao passo que a fração de dissolução lenta provavelmente está associada às espécies silicato originadas do minério. A meia-vida para a fração de dissolução lenta, está perto de 150 dias (também o valor mais elevado para todos os metais), que concorda com o valor baixo de λs (Tabela 4), indicando que após a inalação, uma pequena Intensidade (u. a.) quantidade de zinco permanece no pulmão por longo tempo antes de ser dissolvida. 6000 A B B 4000 B A B B B A A B B A A A B A 2000 0 10 20 30 40 50 60 70 2-teta (º) Figura 41: DRX do resíduo combinado. Os picos representam: Fe2O3 (A) e ZnSO4.H2O (B). 90 Tabela 6: Dados de solubilidade para sulfatos anidros e hidratados de Zn, Cd, Cr, Ni e Mn (Weast, 1982) Composto Zn g/100 mL H2O XSO4 solúvel Cd Mn Ni g/100 mL H2O g/100 mL H2O g/100 mL H2O 755 (0ºC) 520 (5ºC) 293 (0ºC) 350 (20ºC) [ZnSO4.H2O] XSO4.7H2O 965 (20ºC) solúvel 1720 (10ºC) 756 (15ºC) XSO4.6H2O solúvel 1130 (0ºC) 1474 (5ºC) 625 (0oC) [3CdSO4.8H2O] O zinco é um elemento essencial para o metabolismo humano, sendo fundamental para a produção de insulina, podendo o organismo desenvolver os vários tipos de diabetes se não for produzido esse hormônio e outros diversos compostos dependem da presença de zinco. O pâncreas pode sofrer efeitos tóxicos sérios pela ingestão excessiva de zinco bem como os ossos em aves e mamíferos. Podem causar sintomas tais como anorexia, depressão, diarréia, vontade de comer e beber em excesso e em casos mais sérios, convulsões e morte (Guidry, 2008). A inalação de vapores de Zn causa grande irritabilidade e lesões ao sistema respiratório (Brito Filho, 1988). A principal via de incorporação para compostos de zinco é a ingestão através dos alimentos. Dados de ingestão máxima diária são facilmente encontrados na literatura com faixas variando entre 4,6 a 18,6 mg ao dia, enquanto dados quantitativos de absorção via inalação quase não estão disponíveis, embora seja comprovado que o zinco acumulado por exposição ocupacional de trabalhadores indicou ocorrência de absorção pelo trato pulmonar, através de exames de sangue e urina (Hamdi, 1969; Trevisan et al., 1982). Os raros dados encontrados na literatura para parâmetros de solubilidade referem-se a um estudo in vitro utilizando LPS, onde os autores determinaram a taxa de dissolução do ZnO de pureza analítica em solução de Gamble em dois diferentes pHs onde foi usado o líquido simulado 91 extracelular (pH = 7,4) e o líquido pulmonar intracelular (pH = 4,5). Os valores diferem muito dos valores encontrados em nossos estudos. Embora o cádmio (Figura 37) e o manganês (Figura 38) apresentem valores comparáveis para as frações de dissolução rápida, os seus valores de meia-vida são bastante diferentes (bem como as suas taxas de dissolução rápida). Já os valores de taxa de dissolução lenta (λs) são baixos, mas eles não diferem muito entre si (Tabelas 4 e 5). Em particular, o cádmio apresenta a maior taxa de dissolução rápida. Sulfatos de cádmio e manganês são muito solúveis em água (Tabela 6). Essa taxa de dissolução rápida relativamente alta para o cádmio e tempo de meia vida baixo, quando comparada aos outros elementos presentes na escória é bastante preocupante quando se leva em conta a toxicidade deste elemento. O cádmio está classificado na categoria 1 de elementos carcinogênicos ao ser humano humanos, e sua inalação aumenta sobremaneira o risco de câncer pulmonar (IPCS, 1992). Esse elemento é mais eficientemente absorvido pelos pulmões (25-60%) do que pelo sistema gastrointestinal (5-10%). Sua solubilidade via inalação é dependente da solubilidade, tamanho das partículas e do local onde é depositado no trato respiratório (RAIS, 1991). Os resultados obtidos para cádmio no presente trabalho indicam um valor alto biodisponível para absorção sistêmica e o tempo de meia-vida relativamente baixo indica que esse elemento pode se bioacumular, após translocação para os diversos órgãos e tecidos por exposição continuada. Tendo em conta a toxicidade do cádmio, o resíduo em estudo pode representar efeitos nocivos à saúde, confirmando assim os seus efeitos sobre o habitante da vila e / ou os trabalhadores da planta que inalaram partículas do ar produzidas a partir desse resíduo. (Julianelli, 2008; Pitassi, 2009). O manganês (Mn) está presente nesse resíduo devido à adição de pirolusita (MnO2) em excesso na etapa do processo de lixiviação do minério com H 2SO4, o óxido de manganês (IV) era reduzido a MnSO4 conforme a reação que se segue: MnO2 + 4H+ + 2e- ═ Mn2+ + 2H2O E0 = + 1,23 V 92 O excesso de pirolusita permaneceu no resíduo. Os resultados obtidos demonstraram que a fração de dissolução rápida (f r = 0,497) corresponde ao MnSO4, formado na etapa de lixiviação. Esse composto apresenta uma alta taxa de dissolução (r = 0,703 d-1). Os resultados obtidos para a fração de dissolução lenta correspondem ao MnO2 que não reagiu com o H 2SO4, permanecendo como pirolusita numa fase sólida. A exposição ocupacional ao manganês e seus compostos tem sido bastante estudada e valores máximos permitidos para partículas em suspensão contendo esse elemento estão publicados na literatura por vários órgãos internacionais de controle ambiental, sendo da ordem de 1 mg m-3 por 8 h de exposição diária (Martins e Lima, 2001). Os pulmões, o sistema nervoso central e o sistema reprodutivo são os órgãos do corpo afetados pela inalação de partículas contendo manganês. É sabido que os compostos solúveis desse elemento (sobretudo cloretos e sulfatos) desaparece da corrente sanguínea muito rapidamente, apresentando uma meia-vida plasmática de 0,5 a 5 min, sendo excretado na urina, quando a via de incorporação é por inalação. Não se deve confundir tempo de meia-vida de dissolução com meia-vida plasmática; esta última refere-se ao tempo de decaimento à metade de um elemento no sangue (já translocado do compartimento pulmonar para o sangue), a partir do momento que este atinge o clearance de concentração (Siqueira, 1984). Portanto, os compostos solúveis são rapidamente excretados pelo organismo, não causando danos por exposição em curto prazo. Os relatos de doenças causadas pelo manganês citam a contaminação interna por seus compostos insolúveis, principalmente, o MnO2, que, após ser inalado e translocado para o sistema sanguíneo, se aloja preferencialmente no cérebro e ossos, permanecendo por longos períodos nesses órgãos. Não são conhecidos os mecanismos que o corpo usa para excreção do manganês, mas sabe-se que é dependente da concentração de ferro no organismo (WHO, 1999). O níquel (Figura 40) apresentou o valor mais baixo para a fração de dissolução rápida, e também uma baixa meia-vida de dissolução nesta situação (0,332 dias). Os seus sulfatos são menos solúveis em água do que aqueles correspondentes dos outros metais (Tabela 6). A sua meia-vida para a fração de dissolução lenta foi apenas ligeiramente maior do que para o cádmio e manganês, provavelmente, a natureza desta fração é semelhante para estes três metais. 93 Os compostos de níquel são classificados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no grupo I correspondente a compostos potencialmente cancerígenos para o ser humano. Níquel e seus compostos são absorvidos pelo trato respiratório, essa absorção aumenta com o aumento da solubilidade dos compostos (IPCS, 1991). Os pulmões translocam os compostos solúveis mais rapidamente, porém, tanto compostos de níquel solúveis quanto os insolúveis nos fluidos pulmonares podem causar inflamação. A reação é mais rápida para os compostos solúveis (Benson et al., 1986). Entretanto, os compostos insolúveis são muito lentamente removidos dos fluidos pulmonares, acumulando ao longo do tempo, podendo levar ao desenvolvimento de tumores no pulmão. As normas de exposição a poeiras contendo níquel por trabalhadores limita em 0,1 mg m-3 para os compostos solúveis e 1 mg m-3 por 8 horas de exposição diária para compostos insolúveis (NOHSC, 1995). O cromo (Figura 39) encontra-se na maior parte das listas nacionais e internacionais de metais de elevada toxicidade, para os quais se aplicam rígidos procedimentos de controle (ASTDR, 2000). O cromo ocorre na hemimorfita e na welemita como impureza em substituições isomórficas de macroelementos constituintes da rede cristalina destes minérios, onde sua concentração pode variar de 1 a 40 µg g-1 (Alloway, 1994); a concentração de cromo em efluentes descartados no meio ambiente permitida pela União Europeia e pela USEPA é inferior a 2 mg L-1 (Baral e Engelken, 2002). No Brasil, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), por meio da Resolução 397, de 3 de abril de 2008, limita a concentração de cromo(VI), no máximo, em 0,1 mg L-1, e 1,0 mg L-1 em cromo(III), seguindo os critérios da comunidade internacional. A concentração de cromo total encontrada no resíduo foi de 16 mg.kg-1, o que leva a uma concentração da ordem de 150 vezes maior que o permitido pelo CONAMA. No processo hidrometalúrgico que era utilizado para obtenção do zinco de alta pureza, o concentrado do minério era lixiviado com H 2SO4 na presença de pirolusita, o pH era ajustado entre 2 e 3 com cal e filtrado, gerando a torta de descarte, que formou a massa de resíduos ao longo de mais de 30 anos (Silva, 2005; Delmonte 2010). Este meio reacional, embora oxidante, não era suficiente para oxidar o cromo(III) presente no minério flotado a cromo(VI), conforme demonstrado nas equações de oxirredução a seguir: 94 MnO2 + 4H+ + 2e- ═ Mn2+ + 2H2O 2Cr3+ + 7H2O ═ Cr2O7= + 14H+ + 6e- 3MnO2 + 2Cr3+ + H2O ═ 3Mn2+ + Cr2O7= + 2H+ E0 = + 1,23 V E0 = - 1,33 V E0 = - 0,10 V O cromo(III) possui toxicidade apenas em elevadas concentrações (Anderson, 1997), e levando-se em conta que a principal via de introdução dos compostos de cromo é a pulmonar. O cromo na concentração em que se encontra no resíduo e, consequentemente, nos aerossóis formados a partir deste, se torna extremamente perigoso para o homem, principalmente as formas insolúveis. O comportamento do cromo no LPS deve ser atribuído ao cromo(III) presente na forma de sulfato, (Cr2(SO4)3, (Cr2(SO4)3.xH2O), sendo que a forma anidra é bem menos solúvel em água do que as formas hidratadas. 95 CONCLUSÕES As técnicas de fluorescência e difração de raios x permitiram detectar e identificar as diferenças em termos de composição química e fases cristalinas dos três tipos de material existentes na pilha de resíduos da Cia Industrial e Mercantil Ingá (preto, branco e vermelho). Na composição da amostra representativa das diferentes amostras tomadas, a primeira apresenta características próximas do resíduo vermelho por ser este o predominante na pilha de resíduos. Além do óbvio essa pilha é basicamente composta pelos resíduos dos minérios de zinco processados e dos próprios processos de obtenção do zinco -, a análise química evidenciou a presença de elementos de fontes externas (Fe e V), fato esse relacionado à exposição direta da pilha de resíduos às intempéries naturais (chuva, vento etc.). Embora se reconheça que não foi feito um estudo pormenorizado, as amostras de tillandsias usneoides comprovaram o impacto ambiental e à saúde da população causados pelos aerossóis gerados a partir da pilha de resíduos em estudo, corroborando estudos da literatura envolvendo esta mesma pilha sob outras óticas de estudo. A técnica PIXE se revelou apropriada para estudos face aos limites de detecção muito baixos, e aos teores dos elementos de interesse presentes nas tillandsias. Os testes de solubilidade em líquido pulmonar simulado (LPS), através de ensaios in vitro em sistema estático revelaram um comportamento substancialmente diferente daquele assumido pela planta industrial da Cia Industrial e Mercantil Ingá: que os compostos presentes na pilha de resíduos eram estáveis e apresentavam baixa mobilidade no solo e na água. Os compostos de zinco, níquel, cromo, cádmio e manganês apresentaram duas frações de dissolução: rápida (Zn > Mn ~ Cd > Ni ~ Cr) e lenta. Segundo a ICRP 66, de acordo com o grau de absorção dos metais pelos fluidos corporais, os compostos dos elementos supracitados podem ser classificados em compostos do tipo M, de absorção moderada, em que 10% dos compostos apresentam meia-vida de até 10 min, e os restantes 90% com uma meia vida de até 140 dias. Consequentemente, esses compostos podem ser transferidos a partir dos pulmões para os fluidos corporais e, em seguida, metabolizados pelo 96 corpo humano, confirmando o caráter tóxico da pilha de resíduos, como demonstrado em alguns estudos anteriores. As frações de dissolução rápida do zinco, níquel, cromo, cádmio e manganês são associados a espécie sulfato hidratadas, provenientes da etapa de digestão dos minérios de zinco com H2SO4. A fração de dissolução lenta para esses metais está associada às espécies sulfato na forma anidra, silicatos (oriundos dos minérios originais) e óxidos (caso do manganês - MnO2). Estudos deste porte e detalhamento, embora possam exigir um tempo considerável para a sua consecução, são raros no Brasil, e um estudo envolvendo um passivo ambiental do porte como o da Cia Industrial e Mercantil Ingá serve como exemplo para que regiões mineradoras (em atividade ou que venham a entrar em operação), indústrias de processamento de minérios e indústrias que fabricam materiais metálicos possam ter um monitoramento ambiental mais apurado, prevenindo impactos ambientais e danos à saúde de seus funcionários e da população do entorno. O estudo com biomarcadores (como as tillandsias) pode ser mais detalhado, envolvendo amostragens em períodos mais regulares e em mais locais no entorno da fonte de geração de aerossóis contendo metais. Como em todos os estudos envolvendo toxicologia ambiental, os ensaios in vitro devem ser corroborados e validados por meio de ensaios in vivo, para que os dados obtidos possam servir de referência para estudos de toxicologia ocupacional. 97 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Allen, M.D.; Briant, J.K.; Moss, O.R. et al. Dissolution characteristics of LMFBR fuelsodium aerosols. Health Physics, 40: 183-193, 1981. Amado Filho, G.M.; Andrade, L.R.; Farina, M.; Malm, O. Hg localization in Tillandsia usneoides L. (Bromeliaceae), an atmospheric biomonitor. Atmospheric Environment, 36: 881-887, 2002. Anselmo, M.B. Desenvolvimento de um Sistema de Mistura para Tratamento de Efluentes em Depósito de Resíduos. Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2011. Ansoborlo, E.; Chalabreysse, J.; Escallon, S. Etude de l’influence des différents paramètres sur la solubilité in vitro de composés industriels ou diuranates d’ammonium calcinés. Radioprotection, 24: 3-123, 1989. 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Tempo 0,00694 0,08333 0,16666 0,25 0,5 1 5 7 14 21 30 60 90 120 160 210 280 360 Zinco 0,000739797 0,007354346 0,003894663 0,007336968 0,016269988 0,009787237 0,011522712 0,005456272 0,004099036 0,00760862 0,002003597 0,008442962 0,00718662 0,001741379 0,003843176 0,010684002 0,009049083 0 Cádmio 0,002320711 0,004185547 0,0085539 0,004668651 0,002103735 0,008942108 0,004536827 0,007094392 0,006552225 0,004403646 0,003260966 0,003366616 0,006588695 0,004951121 0,010515137 0,007420081 0 0 Cromo 0,001517399 0,013708242 0,064652681 0,006326002 0,023020332 0,009683037 0,014702554 0,013146908 0,003809423 0,00374992 0,001566174 0,021799288 0,008750437 0,001323102 0,006344021 0,009927948 0 0 Níquel 0,004565359 0,004922103 0,000701498 0,004812858 0,001218647 0,001747598 0,001964052 0,003089903 0,003938477 0,024478355 0,002212442 0,007497206 0,002803373 0,001701294 0,005469177 0,002586987 0,001334016 0 Manganês 0,003906495 0,001276715 0,002392551 0,005441296 0,002253886 0,005423403 0,0051603 0,006960374 0,003058545 0,000910604 0,002144691 0,003425318 0,001336712 0,0098767 0,007651588 0,007014984 0 0 122