GAZETA DO POVO 13 Curitiba, segunda-feira, 22 de março de 2010 Vida Pública DIÁRIOS secretos Editor responsável: Fernando Martins – [email protected] EMPREGOS EM PROFUSÃO Máquina de contratar respostas SEM Em três anos, 1,8 mil pessoas ingressaram na Assembleia, duas por dia útil. Mesmo com demissões, saldo positivo foi de 762 servidores, ou 31% do quadro de pessoal Karlos Kohlbach, Katia Brembatti, James Alberti e Gabriel Tabatcheik ❚ O ritmo de contratação de funcionários na Assembleia Legislativa do Paraná foi alucinante entre os anos de 2006 e 2008. Durante esses três anos, nada menos que 1.846 pessoas foram providas para cargos em comissão, sem necessidade de passar por concurso público. É como se a Assembleia tivesse contratado duas pessoas por dia útil, em média, durante o período. Todas essas nomeações constam dos cerca de 700 diários oficiais da Casa aos quais a Gazeta do Povo e a RPC TV tiveram acesso. Esse ritmo acelerado de contratações, no entanto, teve uma interrupção brusca. Segundo os documentos obtidos pela reportagem, nenhuma pessoa foi admitida entre 1.º de janeiro e 31 de março de 2009 – vésperas da divulgação da lista de funcionários da Assembleia. A primeira vez na história que a Casa divulgou a relação de seus servidores foi 1.º de abril do ano passado. Na ocasião, foi chamada pelos deputados de “lista da transparência”. O número de exonerações também foi bastante alto entre 2006 e 2008 – 1.084. Ainda assim, o saldo de contratações ficou positivo: a Assembleia aumentou seu quadro de pessoal em 762 servidores no período. Isso significa que, em apenas três anos, a Casa contratou 31% dos servidores que oficialmente tem (2.457). Assim como as contratações, as demissões também recuaram drasticamente no primeiro trimestre de 2009: houve apenas uma exoneração nesse período. Gabinetes campeões Entre 2006 e 2008, os gabinetes que mais contrataram foram os que detêm prestígio e poder na Casa: os da presidência, da primeira-secretaria e da administração. Esses três departamentos nomearam, juntos, 524 pessoas. Significa que, a cada dez pessoas contratadas pela Assembleia no período, três foram destinadas para esses gabinetes. A primeira-secretaria – responsável pela administração da Casa como um todo – foi a campeã de nomeações: 192 no período analisado. O atual primeiro-secretário, Alexandre Curi (PMDB), estánocargodesde2007.Antesdele,NereuMoura, também peemedebista, ocupou a função. Entre 2006 e 2008, apenas 30 pessoas foram exoneradas pela primeira-secretaria – um sal- OS CAMPEÕES Entre todos os gabinetes da Assembleia Legislativa, os que mais contrataram funcionários entre 2006 e 2008 foram aqueles que detêm maior poder na Casa. 1º 192 contratações Primeira-secretaria Deputados Nereu Moura (2006) e Alexandre Curi (2007-2008) 2º 177 contratações 3º 155 contratações Administração José Ary Nassif Presidência Hermas Brandão (2006) e Nelson Justus (2007-2008) Os três parlamentares que mais contrataram no período, segundo os diários da Assembleia, são de partidos diferentes: 1º 48 contratações 2º 44 contratações 3º 38 contratações Nereu Moura (PMDB) Luiz Fernandes Litro (PSDB) Ênio Verri (PT) Fonte: diários oficiais da Assembleia Brandão (na época no PSDB) e a partir de 2007 passou para a responsabilidade do deputado Nelson Justus (DEM). Durante os três anos analisados, foram contratadas 155 pessoas para trabalhar nesse gabinete e houve 31 demissões. O saldo revela que, atualmente, há pelo menos 124 funcionários à disposição do comandante da Casa. Esse número é quase dez vezes superior ao determinado pela nova lei que reestruturou a Assembleia: pela norma, a presidência pode ter apenas 15 cargos. Procurado pela reportagem, o deputado Nereu Moura, que comandava a primeira-secretaria em 2006, disse não acreditar que o setor chegou a ter 100 funcionários. “Nas salas tinha uns 10, 12”, afirmou. Mas ele admitiu que muitas vezes autorizou a contratação de servidores para a primeira-secretaria, mas que na verdade não trabalhavam lá. “Se o diretor-geral [Abib Miguel] precisava de alguém, ele o convidava e mandava para a gente assinar [a contratação].” Apesar de autorizar a contratação de servidores que não trabalhariam na primeira-secretaria, Moura disse que os funcionários contratados efetivamente trabalhavam.“Mas onde atuavam não dá para saber”, reconheceu. Ele ainda disse que, ao contrário dos servidores nomeados para os gabinetes parlamentares, que muitas vezes atuam nas bases eleitorais, o serviço exercido pelos funcionários da primeira-secretaria, em tese, deveria ser sempre realizado dentro do prédio da Assembleia, pois é essencialmente administrativo e não político. O deputado Alexandre Curi, que comanda atualmente a primeira-secretaria, foi procurado pela reportagem para comentar as contratações no setor, mas não quis falar sobre o assunto. O diretor administrativo, José Ary Nassiff, informou que não poderia dar entrevista sem autorização da presidência da Assembleia. E o deputado Nelson Justus não quis falar sobre o assunto. Deputados campeões Infografia: Gazeta do Povo do positivo de 162 servidores disponíveis. Esse número é muito maior do que o previsto na Lei n.º 16.390/2010, que entrou em vigor na semana passada. Pela nova norma, a primeira-secretaria poderá ter apenas 14 cargos em comissão. Em segundo lugar em número de contratações está o gabinete de administração, chefiado por José Ary Nassiff. Foram 177 contratações e apenas 28 demissões no período, o que resulta em 149 funcionários adicionais – além daqueles que já serviam no departamento antes de 2006 e que permanecem no cargo até hoje. A nova lei que reestrutura o quadro de pessoal da Assembleia, no entanto, permite um número maior de funcionários comissionados para o setor de administração: 360 pessoas. O terceiro setor que mais contratou funcionários entre 2006 e 2008 foi o gabinete da presidência, que em 2006 era chefiado por Hermas O levantamento da Gazeta do Povo e da RPC TV mostra ainda que, no período entre 2006 e 2008, os parlamentares que mais se destacaram no número de contratações foram Nereu Moura (PMDB), Luiz Fernandes Litro (PSDB) e Ênio Verri (PT). O peemedebista nomeou 48 pessoas. O tucano, 44. E Verri, 38. Os que mais exoneram servidores são, pela ordem, Neivo Beraldin (PDT), com 74; o ex-deputado Geraldo Cartário (PMDB), com 63; e Luiz Fernandes Litro, com 47. Nesse entra e sai na Assembleia, quatro pessoas se destacam pela quantidade de vezes que foram admitidas e exoneradas do quadro de pessoal da Casa. Em três anos, Cristiano Hotz, Rodrigo Soppa, Sergio Furquim Filho e Suelena Terezinha Piekarski Claudinho foram nomeados, cada um deles, três vezes e exonerados duas vezes. Destes, apenas o advogado Cristiano Hotz aparece na lista de funcionários da Casa divulgada em abril do ano passado. Os outros podem ter sido exonerados. Mas, se isso ocorreu, foi por meio de diários avulsos não numerados, aos quais a reportagem não teve acesso. “Se o diretor-geral [Abib Miguel] precisava de alguém, ele o convidava e mandava para a gente assinar [a contratação].” Nereu Moura (PMDB), ex-primeiro-secretário da Assembleia, afirmando que o departamento era inchado por culpa de Abib Miguel. Gabinete da administração fez 81 contratações num dia ❚ Em apenas um dia, 1.º de fevereiro de 2007, a Assembleia Legislativa nomeou nada menos que 81 pessoas para cargos em comissão vinculados ao gabinete da administração. O setor é da responsabilidade de José Ary Nassiff, que está na mesma função desde 1983. Nassiff é um dos participantes da Comissão Especial de Enquadramento e Recadastramento de Funcionários da Assembleia Legislativa, criada no último dia 11 pelo presidente da Casa, Nelson Justus. A criação da comissão foi anunciada no mesmo dia em que a Gazeta do Povo e a RPC TV começaram a fazer questionamentos sobre a estrutura de servidores da Assembleia, com base nos cerca de 700 diários oficiais a que a reportagem teve acesso. Das 81 nomeações feitas em 1.º de fevereiro de 2007, 10% beneficiaram parentes de deputa- dos estaduais. Zenita Maria Ilkiv, mãe do deputado Pedro Ivo Ilkiv (PT), foi contratada para o gabinete da administração. Também conseguiram trabalho nesse dia Alan Von Holleben, primo de Péricles de Mello (PT); e Elcio Antonio Strapasson, Everton Seccon Strapasson e José Renato Strapasson, parentes de Edson Strapasson (PMDB). Os filhos do deputado Ademir Bier (PMDB) – Fernanda Fabíola e Luís Henrique Bier – também aparecem na lista das nomeações. As contratações de várias dezenas de pessoas não é, em si, um ato ilegal. O que chama a atenção é o número de nomeações em um só dia, sem que o setor tivesse sofrido algum corte drástico de pessoal. Pelo menos é isso o que mostram os diários oficiais da Assembleia dos meses anteriores. Os documentos da Casa revelam que, durante todo o ano de 2006, somente duas pessoas foram exoneradas do gabinete da administração. No ano seguinte, foram 16 pessoas demitidas – mas todas depois de abril. O diretor de administração da Assembleia, José Ary Nassiff, foi procurado para comentar essas contratações. Mas informou que só poderia falar com autorização do presidente da Casa, deputado Nelson Justus. Deputado teve 59 servidores ❚ O deputado Neivo Beraldin (PDT) exonerou 53 servidores num único dia. Uma edição do diário oficial, de outubro de 2006, mostra que Beraldin, com essas demissões, ficou com apenas seis funcionários. Ou seja, em seu gabinete estavam lotados, até agosto de 2006, 59 pessoas. A demissão em massa feita por Beraldin ocorreu dias após ele não ter sido reeleito na disputa de outubro de 2006 – ficou como suplente. Ele voltou à Assembleia em maio de 2009, em substituição ao deputado cassado Carlos Simões (PR). Beraldin declarou que não se lembra precisamente de quantos funcionários chegou a ter na época. “Mas eu acredito que eu não tinha 50 servidores no gabinete.” Ele ressaltou que, no tempo em que comandou a CPI do Banestado, chegou a contratar 17 técnicos, mas que mesmo nessa época não alcançou meia centena de funcionários à disposição. Desde o início da publicação da série Diários Secretos, algumas medidas foram anunciadas pela direção da Assembleia Legislativa, mas ainda há muitas questões que não foram esclarecidas: Os diários oficiais da Assembleia eram escondidos de forma deliberada a mando de quem? O diretor de arquivo da Assembleia, Walter Kraft, sem saber que estava sendo gravado, admitiu que os diários oficiais da Casa eram escondidos de forma deliberada, para que a população e a imprensa não tivessem acesso às decisões internas do Legislativo. Por que há atos da Assembleia que não aparecem nos diários oficiais que a reportagem teve acesso? Há atos secretos na Assembleia? Do que tratam essas decisões. Levantamento da Gazeta do Povo e da RPC TV mostra que há 2.178 atos secretos da Assembleia, de 1º de janeiro de 2006 a 31 de março de 2009. Quando a Assembleia vai publicar os diários oficiais na internet? Na quarta-feira passada, o presidente da Casa, Nelson Justus (DEM), determinou que todos os documentos sejam colocados na internet para consulta pública. Mas ainda não há uma data definida. No ano passado, quando o portal da transparência foi lançado, Justus disse que a publicação dos diários na internet não iria acontecer. Por que a demora em publicar os documentos na internet? Legislativos de vários estados divulgam, há muito tempo, os diários oficiais nas suas páginas da internet. Nesse caso estão as assembleias do Rio Grande do Sul, de São Paulo e de Santa Catarina, por exemplo. O governo estadual e federal e a prefeitura de Curitiba também publicam seus diários oficiais, há muitos anos. Há um esquema de fraude nas aposentadorias de servidores da Assembleia? Nos últimos dez anos, pelo menos 23 servidores Casa se aposentaram por invalidez. O número é elevadíssimo, pois, no período, foram apenas 79 aposentadorias. Como a Assembleia paga salários acima do limite previsto pela lei? Entre janeiro de 2004 e abril de 2009 foram pagos salários acima do teto legal do Legislativo paranaense (R$ 20 mil) a 73 pessoas. Mesmo com a divulgação da lista de funcionários pela Assembleia, ninguém tinha conhecimento de que muitas das pessoas listadas não trabalham na Casa? Os deputados costumam alegar que pagam agentes políticos que atuam em seus redutos eleitorais. Mas a reportagem encontrou casos de servidores que vivem em Santa Catarina e Goiás. Por que a Assembleia não adota medidas efetivas de controle da presença dos servidores? A série de reportagens Diários Secretos revelou muitos servidores fantasmas, algo recorrente no Legislativo do Paraná há muitos anos. Por que há tantos casos de nomeações de servidores retroativas ou antecipadas? Diários aos quais a reportagem teve acesso mostram que há um caso de nomeação publicada em 2008, mas valendo a partir de 2001. Segundo especialistas, esse tipo de ato é totalmente irregular. Como o diretor-geral da Assembleia, Abib Miguel, conseguiu manter-se por mais de duas décadas no cargo, ter montado um suposto esquema de apadrinhamento e de desvio de recursos públicos sem que nenhum deputado soubesse? Documentos obtidos pela reportagem mostram que Abib montou um grande esquema para beneficiar amigos e sócios com dinheiro público. Essas pessoas receberam cerca de R$ 11 milhões em depósitos feitos pela Assembleia entre 2004 e 2009. Quem recebeu o dinheiro pago pela Assembleia que muitas pessoas nomeadas afirmam não ter recebido? Dentre os nomeados há taxista, garçom, pedreiro, empresário, advogada. Alguns dizem nunca ter trabalhado para a Assembleia. Outros nem sequer moram no Paraná. Por que o nome de pelo menos 36 servidores da Assembleia foram omitidos da lista de servidores da Casa divulgada em abril do ano passado? O grupo de funcionários recebeu salários no período, mas não apareceu na lista, levantando suspeitas de que seus nomes foram retirados de forma deliberada. Levantamento da Gazeta do Povo e da RPC TV indica que o número de servidores que sumiu da lista pode ser ainda maior: 607. Por que há setores administrativos da Assembleia com tantos servidores? Há necessidade disso? Levantamento da Gazeta do Povo e da RPC TV descobriu que a primeira-secretaria tem 125 servidores à disposição e a presidência, 73.