O técnico, a pessoa e o burnout no
Hospital Dr. José Maria Antunes
Júnior - Estudo exploratório
ALEXANDRA SEABRA (*)
ISABEL LEAL (*)
Uma das áreas de grande impacto na psicologia da saúde, tem sido sem
dúvida o stresse profissional e o burnout, a sua relação com a saúde e a
doença, qualidade de vida e prestação de serviços na saúde.
Segundo o relatório da Agência Européia de Segurança e Saúde no
Trabalho (2000), o stresse profissional é a segunda causa de absentismo da
União Européia, apresentando uma importante carga na economia e na
saúde dos profissionais e das organizações. Esta preocupação levou a
Agência Européia a dedicar a semana européia em 2002 para a Segurança e
(*) Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lisboa.
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4." CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE
a Saúde no Trabalho ao lema «Contra o stresse no trabalho, trabalhe contra o
stresse».
Uma das conseqüências do stresse profissional é o conceito de Burnout.
Introduzido em 1974 por Freudenberger e desenvolvido mais tarde por
Maslach e Jackson (1981). Segundo estas autores, o burnout é um
construc-to teórico multidimensional, comum a várias áreas profissionais,
nomeadamente onde existe uma relação de ajuda, de que é exemplo o
técnico de saúde e o seu contexto, onde pessoas, sofrimento, tecnologia e
organização de saúde se interligam condicionando o bem estar dos
profissionais e da instituição.
O Síndroma de Burnout apresenta diferentes dimensões, que são a
exaustão emocional - existe um aumento da intensidade emocional associado a uma sensação de estar exausto do e no trabalho, com falta de recursos
emocionais para lidar e resolver a situação do e no trabalho, pode apresentar
manifestações física e psíquicas - a despersonalização - atitude e conduta
inflexível e impessoal que condiciona a prestação do serviço e a relação
com o outro, resulta normalmente do fracasso da fase anterior, sendo um
mecanismo para evitar o aumento de sentimentos desagradáveis como a
impotência e a desesperança - e por último, a realização pessoal -que
enquanto dimensão do burnout, trata de baixa realização pessoal com um
sentimento de grande descrença em relação ao trabalho, de que este não
merece a pena, com diminuição das expectativas pessoais e baixa auto estima.
Vários tem sido os modelos explicativos do aparecimento e desenvolvimento do Síndroma de Burnout, tal como múltiplos são os factores que
influenciam e medeiam a avaliação cognitiva do stressor de forma ao indivíduo saber como lidar com ele, existem diferenças individuais, factores
culturais, variáveis psicológicas (donde se distingue os estilos de coping, ou
seja, estratégias desencadeadas e utilizadas pelo indivíduo para responder e
gerir determinadas exigências internas ou externas). Para além destas variáveis, o suporte social é considerado uma variável moderadora do stresse,
nomeadamente o suporte social no trabalho e a sua importância no Síndroma de Burnout.
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O TÉCNICO, A PESSOA E O BURNOUT NO HOSPITAL DR. JOSÉ MARIA ANTUNES JÚNIOR
O Hospital Dr. José Maria Antunes Júnior (HDJMAJ), mandado construir por D. Maria em 1570, antigo Sanatório do Barro, é um Hospital especializado, desde 1992, em Tuberculose e Infecciologia, inserido no Centro
Hospitalar de Torres Vedras.
O objectivo do nosso estudo era verificar se existia Burnout enquanto
conceito multidimensional, nos técnicos de saúde (médicos e enfermeiros)
do HDJMAJ, ou seja, se apresentavam elevados níveis de exaustão emocional e de despersonalização e baixos níveis de realização pessoal (Hl). Verificar o papel e o tipo de relação das estratégias de coping utilizadas pelos
técnicos de saúde e o Burnout (H2) e o papel e tipo de relação entre o suporte social no trabalho e as dimensões do Burnout (H3). Tratou-se de um
estudo correlacionai de caracter exploratório, onde as variáveis principais
eram as dimensões do síndroma de burnout, estratégias de coping utilizadas
pelos técnicos de saúde e o suporte social a que estes têm acesso, foram
ainda controladas outras variáveis.
MÉTODO
Participantes
A amostra é constituída por 33 técnicos de saúde (8 médicos e 25 enfermeiros) dos 49 técnicos existentes na Instituição. Foram excluídos 16 técnicos por não possuírem critérios de inclusão na amostra (ter formação acadêmica em medicina ou enfermagem, trabalhar no HDJMAJ há mais de um
ano e dentro das actividades a exercer na instituição, estar em contacto com
o utente do internamente e trabalhar em equipa num dos serviços de internamente). Caracterizando a amostra, sexo - 39,4% masculino e 60,6% feminino; Idade - apresentou uma média estatística de 34,85 com um desvio
padrão de 7,09; estado civil - o casamento predominava sobre o solteiro/divorciado (63,6%); anos na profissão apresentou uma média estatística 10,1.
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4." CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE
Material
Foram utilizados: uma entrevista estruturada onde se pretendeu o controlo
de várias variáveis que foram, sexo, idade, estado civil, categoria profissional, habilitações literárias, anos na instituição, tipo de contrato, funções
de chefia, rotatividade e contacto com o utente; Maslach Burnout Inventory
(MBI) de Maslach e Jackson (1981) avalia as dimensões de exaustão emocional, despersonalização e realização pessoal através de 22 itens; a Escala
de Modos de Reagir (EAMR) de Luisa Figueira e col. (1990), construída
em Portugal na área da saúde e constituída por 25 itens, que cobrem estratégias orientadas para o problema (comportamentais activas e cognitivas
acti-vas), estratégias de evitamento e estratégias focadas na emoção; e por
último a Sub Escala de Relacionamento do Work Enviroment Scale, de
MOOS (1986), que avalia o envolvimento com o trabalho, coesão entre
colegas e apoio do supervisor, em 30 itens. Os instrumentos na nossa
amostra, e o Alfa de Cronbach, demonstraram que a sub escala de
Relacionamento do Work Enviroment Scale, não apresentou valores
aceitáveis de consistência interna, invalidando assim a nossa H3 do estudo O Síndroma de Burnout apresentado pelos técnicos de saúde do HDJMAJ,
nas suas diferentes dimensões apresenta relações com o suporte social no
trabalho, a que o técnico tem acesso.
RESULTADOS
Após análise descritiva da amostra e das características dos instrumentos, aplicamos o Coeficiente de Spearman, intra escalas e inter escalas, verificando:
- A existência de Síndroma de Burnout enquanto conceito
multidimen-sional, com resultado significativo para p<0,05 com
rs=-0,34, entre as dimensões de despersonalização e realização pessoal
o que vai ao encontro do constructo multidimensional de burnout.
Segundo o Modelo
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O TÉCNICO, A PESSOA E O BURNOUT NO HOSPITAL DR. JOSÉ MARIA ANTUNES JÚNIOR
de Golembiewski e col. (1986) a amostra encontra-se na fase 3 de
burnout, ou seja a fronteira entre o nível baixo e intermédio do
síndro-ma de burnout podendo-se aceitar Hl.
- Relação entre as diferentes dimensões de Burnout e as diferentes es
tratégias de coping, verificamos as seguintes relações significativas;
dimensão despersonalização do Síndroma de Burnout encontra-se
correlacionada com as estratégias de coping, evitamento e focada na
emoção, respectivamente rs=0,55 para p<0,05 e rs=0,43 parap<0,01,
o que vai ao encontro dos autores que afirmam que a dimensão des
personalização surge como uma estratégia para lidar com a exaustão
emocional e que não sendo uma estratégia adequada não se encontra
negativamente correlacionada com a mesma.
- Sabendo que as estratégias focadas na emoção, nomeadamente no
caso do stresse crônico, como é o caso do Burnout e as estratégias de
evitamento, enquanto estratégias de não resolução de problemas,
quando associadas a estratégias com um foco mais activo, podem tor
nar-se mais eficazes. Verificamos no nosso estudo que existe corre
lação positiva entre as estratégias comportamentais activas e as de
evitamento e as estratégias de evitamento com as focadas na emoção,
(respectivamente para p<0,01 com rs=0,45 e rs=0,63), o que pode
reforçar a idéia que a dimensão de despersonalização é uma estratégia
ineficaz para lidar com a exaustão emocional, uma vez que estas es
tratégias se encontram correlacionadas com a dimensão de desperso
nalização. Podemos então aceitar H2, que diz existir relação entre as
diferentes dimensões do Síndroma de Burnout e as estratégias de co
ping utilizadas pelos técnicos de saúde.
- Quando aplicamos o Teste de Mann Whitney às variáveis de controlo
obtivemos valores discriminativos nas variáveis; idade (o grupo etário
com idade inferior ou igual a 35 anos apresentou mais exaustão emo
cional o que vai ao encontro do modelo de Edewich e Brosky onde o
entusiasmo e as expectativas associadas à fase inicial da carreira pro
fissional no confronto com a realidade causam frustração e exaustão
emocional), tal como nas variáveis casados/união. Os enfermeiros
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4° CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE
apresentaram mais exaustão emocional que os médicos, mas também
utilizaram mais estratégias activas em conjunto com estratégias
focadas na emoção, o que vai ao encontro de outros estudos.
Foi construído um Modelo compreensivo para os técnicos de saúde onde
se integrou os resultados obtidos no estudo.
DISCUSSÃO
Apesar das limitações do estudo, nomeadamente dos instrumentos utilizados e das suas capacidades métricas, podemos concluir que existe
Síndroma de Burnout, enquanto conceito multidimensional, numa fase precoce, e que as estratégias de coping utilizadas pelos técnicos se encontram
relacionadas com o mesmo. Não foi possível avaliar o suporte social no trabalho, mas também não foi contrariada a H3. Verificou-se a existência de
outras variáveis que interferem em todo este processo.
É fundamental a realização de mais estudos, para melhor compreensão
do Stresse/burnout, demonstrando a importância da psicologia em geral e
da saúde em particular, enquanto elementos da equipa mulüdisciplvnar dos
Serviços de Saúde Ocupacional, de forma a sensibilizar, prevenir e intervir,
nestas áreas, contribuindo para um melhor funcionamento da saúde em
geral.
REFERENCIAS
European Agency for Safety and Health at Work (2000). Research on Work - related stress. Luxembourg. Maslach, C., & Jackson, S. (1981). The
measurement of expenenced burnout.
Journal of Occupational Behaviour, 2,99-U3.
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