1 DIREITO AO TRABALHO DO APRISIONADO/A: ENTRE A CONTINUIDADE E A DESCONTINUIDADE Maria Flávia Vieira Batista1 Maria Celeste Reis Fernandes de Souza2 RESUMO Este artigo tem como Objetivo Geral discutir questões do trabalho da pessoa em situação de prisão. Propõe-se uma abordagem sobre: Direito ao trabalho no contexto prisional. Pretende-se discutir sobre o direito, continuidade e descontinuidade; buscase compreender/refletir as implicações conferidas ao trabalho e suas implicações para as relações familiares. Trata-se de um estudo de natureza descritiva. Utilizou-se como instrumento documental uma entrevista da SEDS3, que trás a experiência de trabalho de um detento da Penitenciária José Maria Alkimim, de Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte. Considera-se que o trabalho não deve ser considerado como um bônus, uma benesse propiciada pela circunstancia de um mega evento, como a copa do mundo, mas se inscreve no campo do direito e explicita os embates da constituição desse direito no sistema prisional entre a necessidade de continuidade da oferta de oportunidades de trabalho e a fragmentação. Conclui-se que a importância conferida ao trabalho se estende para o processo de ressocialização, alcança a manutenção da vida das famílias para além dos muros da prisão, permitindo acesso básico a bens, serviços e produtos e principalmente o respeito e dignidade das famílias dessas pessoas, prevenindo que se submetam as mazelas do sistema capitalista perverso devido a situação de prisão. Palavras-chave: mega evento- trabalho- educação- sistema prisional 1 Assistente Social da Unidade Prisional – MG. Mestranda do Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território – GIT da Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE, Docente do Curso de Pós Graduação Elaboração de Projetos Sociais da Universidade de Viç[email protected] 2 Doutora em Educação pela UFMG , Pedagoga,Secretária Adjunta da Secretaria de Educação da Cidade de Governador Valadares- MG-e-mail:[email protected] 3 Secretaria de Estado de Defesa Social. 2 INTRODUÇÃO A notícia a seguir foi divulgada em um periódico de grande circulação e ganhou repercussão na mídia nacional ao abordar a questão do trabalho de um detento de uma unidade prisional, ecoando assim, preocupações postas desde o advento da Lei de Execução Penal, editada em 1984, e que preconiza o direito ao trabalho de pessoas em situação de privação de liberdade. Detento ganha prêmio de funcionário do mês do Mineirão. Um dos 18 detentos que trabalham nas obras do Estádio Governador Magalhães Pinto (Mineirão) foi escolhido como o funcionário destaque do mês de outubro, entre os mais de mil trabalhadores da obra. Francisco das Chagas Queiroz, conhecido entre todos os operários como Chiquinho, tem 52 anos e cumpre pena no regime semiaberto na Penitenciária José Maria Alkimim, de Ribeirão das Neves, na região metropolitana. Chiquinho começou na obra como funcionário da limpeza e hoje foi promovido a apontador, ficando responsável por fiscalizar as frentes de trabalho e levar informações à gerência. O cargo é função de confiança e de coordenação de outros profissionais. “(prevsito na PEL o elogia é um bônus)É uma satisfação muito grande ter o trabalho reconhecido pelos colegas. Principalmente porque estou na obra há apenas três meses. ( valorização da pessoa)Este prêmio nos valoriza e me incentiva a trabalhar cada vez melhor”, ressalta Chiquinho, afirmando que pretende se afirmar no emprego para continuar trabalhando no estádio, inclusive, durante a Copa do Mundo. A escolha do funcionário do mês das obras do Mineirão acontece mediante votação de todos os operários. ( ressocialização se dá pela via do trabalho) Incentivo Para a coordenadora social do consórcio Minas Arena, empresa responsável pelas obras do Mineirão, Maria Cristina Aires, a premiação do destaque do mês é um incentivo aos funcionários que desempenham o trabalho com excelência, são exemplos de “pontualidade, assiduidade, de respeito às normas de segurança e de meio ambiente”. Já o diretor de Trabalho e Produção da Subsecretaria de Administração Prisional (Suapi), da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), Helil Bruzadeli destaca que a homenagem é uma resposta do preso à oportunidade de trabalho. “O Estado está contribuindo para o processo de transformação e inclusão social dessas pessoas que, após deixarem o sistema prisional, terão plena condição de batalhar por uma vaga no mercado de trabalho e garantir renda para uma nova vida” Fonte:http://globoesporte.globo.com/futebol/copa-do-mundo/noticia/2011/11/detentoganha-premio-de-funcionario-do-mes-na-obra-do-mineirao.html acesso em:12/11/2012 às 09:50. O mote da reflexão construída por nós neste artigo foi desencadeado a partir da leitura dessa reportagem que trata das obras do Estádio Governador Magalhães Pinto (Mineirão), obras necessárias para a realização de um megaevento – a copa do mundo de 2014, e a participação do trabalho de detentos da Penitenciária José Maria Alkimim, de Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte, nessa preparação. Desse modo ao articularmos trabalho de pessoas em situação de privação de liberdade no contexto preparatório para um megaevento pretendemos ampliar 3 nossa análise para o direito ao trabalho dessas pessoas, que tem oscilado desde a promulgação da LEP entre continuidade e descontinuidade. Essas reflexões são fruto de experiências profissionais no âmbito do sistema prisional e dos estudos empreendidos em uma pesquisa em desenvolvimento que tem como propósito compreender a constituição das experiênciasde educação e trabalho de pessoas em situação de privação de liberdade de uma Unidade Prisional do Estado de Minas Gerais4. Então temos compreendido a prisão como território delimitado por normas, regras, valores, leis, redes, violência, relações de poder, (RAFFESTIN, 1993; FOUCAULT, 1984; 1987; 2006). Tomar a prisão como território é reconhecer a temporalidade histórica que marca o nascimento e fortalecimento do sistema prisional, os ordenamentos legais que regularizam o sistema prisional e que normatizam a vida de cada instituição, o advento dos direitos humanos, as questões enfrentadas na atualidade com o aumento da violência e da criminalidade, as relações sistema prisional, comunidades nas quais estão inseridas,a sociedade, as relações entre sistema prisional e vulnerabilidade familiar, a questão do direito a educação e o aspecto que destacamos neste artigo: o direito ao trabalho. Trabalho no contexto prisional – direito, continuidade e descontinuidade. A reportagem que ilustra o início deste artigo ao relatar sobre a inserção do trabalhador “Chiquinho” e destacar sua ascensão de funcionário de limpeza, promovido a apontador e finalmente “responsável por fiscalizar as frentes de trabalho e levar informações à gerência” – um cargo portanto, de confiança evoca um certo modo de compreender tanto o trabalho, quanto aqueles que o exercem em situação de privação de liberdade.LEP busca assegurar os direitos a assistência da pessoa em situação de privação de liberdade (material, espiritual, social, jurídica, educacional, laboral) e reforça a garantia dos direitos civis – direito à vida, propriedade, a segurança, aos registros públicos, etc.; direitos sociais: direito ao trabalho, 4 Pesquisa em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação Stricto sensu, Metrado em Gestão Integrada do Território – GIT da Universidade Vale do Rio- UNIVALE. 4 remuneração justa, a proteção ao trabalho; direitos políticos – direito de exercer voto direto, secreto, de igual valor para todos, ser elegível e ser eleito. Os conjuntos de todos esses direitos embasam a conjectura dos direitos humanos. Portanto, a garantia efetiva do direito ao trabalho e a educação no sistema prisional envolve diferentes questões: do acesso, da oferta, dos valores conferidos pela sociedade, de modo geral, ao trabalho e a educação, da compreensão sobre esses direitos a “pessoas que não os usufruíram em situação de liberdade”, dos aspectos econômicos envolvidos na proposição de atividades laborais e do trabalho, das relações familiares etc.. Enfim significa discutir o objeto da questão social5 de forma mais amplas e nas quais a marca da vulnerabilidade6 e da desigualdade comparecem. Portanto, o acesso ao trabalho pelo “trabalhador Chiquinho” não deve ser considerado como um bônus, uma benesse de um mega evento, como a copa do mundo, mas se inscreve no campo do direito e explicita os embates desse direito no sistema prisional entre a necessidade de continuidade da oferta de oportunidades de trabalho e a fragmentação do trabalho que se constitui em experiências episódicas como a oportunidade que se apresenta na preparação deste megaevento. Por sua vez, expressa a importância da oportunidade de se inserir, ainda que temporariamente em uma atividade profissional e a dignidade conferida pelo ato de se tornar um trabalhador, ser reconhecido pelos colegas, e ao mesmo tempo mostra a sua aspiração em continuar trabalhando:“É uma satisfação muito grande ter o trabalho reconhecido pelos colegas. Principalmente porque estou na obra há apenas três meses. Este prêmio nos valoriza e me incentiva a trabalhar cada vez melhor”, ressalta Chiquinho, afirmando que pretende se afirmar no emprego para continuar trabalhando no estádio, inclusive, durante a Copa do Mundo. A escolha do funcionário do mês das obras do Mineirão acontece mediante votação de todos os operários” 5 “A questão social é aspirada na perspectiva de aglutinar os problemas sociais que atingem a humanidade num contexto de totalidade do processo histórico. Tais situações eram e são decorrentes de uma contradição que se consolida com o desenvolvimento da sociedade capitalista: trabalho versus capital.O serviço social se apropriou da discussão ,estendendo –se a compreender –seu objeto a partir da concepção difundida.” CARVALHO e IAMAMOTO (1983, p.77) 6 Nesse contexto identificamos como umas das mais complexas marcas da vulnerabilidade social a “privação de liberdade”, pois ela fragiliza vínculos afetivos e familiares, e acentua-nos cada vez mais ferindo o que está no SUAS- Sistema Único da Assistência Social que é a Proteção Social Básica para as famílias. Contribuindo, portanto para que as famílias das pessoas em situação de aprisionamento se tornem mais vulneráveis pelo distanciamento espacial,pela violação do direitos, e pela ruptura de vínculos afetivos e familiares. 5 O trabalhador sintetiza o que propõe a LEP em seu capítulo III, artigo 28 “o trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.” (BRASIL, 1984).Neste contexto o trabalho é discriminado entre: trabalho externo e interno. Para que as pessoas em situação de privação de liberdade possam realizar atividade externa /interna, faz-se necessário que seja realizado a reunião da Comissão Técnica de Classificação – CTC, por equipe interdisciplinar composta por: Assistente Social, Psicólogo, Advogado, Coordenador de Segurança, Diretor Geral, Enfermeiro, Gerente de Produção, Pedagogo, Setor de Inteligência. A CTC tem como objetivo identificar questões específicas da vida interna do aprisionado como disciplina, responsabilidades, aptidão, questões familiares, saúde, formação educacional, traçar perfil sociocultural e/ou profissional, identificar interesse pelo trabalho na e fora da unidade, votar benefícios, planejar e propor acompanhamento e atendimento ao detento. Ainda,no artigo 31 da LEP com relação ao trabalho interno “o condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade” e com relação ao trabalho externo, a mesma lei afirma que “a prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de um sexto da pena”, o que demonstra claramente a importância conferida ao trabalho no sistema prisional. De acordo com as relações internas de um sistema prisional de responsabilidade da SUAPI7- o que possibilita a inserção desse detento e de tantos outros detentos no trabalho externo, é sua conduta carcerária e seu regime semiaberto, se tornando elementos importantes para acesso ao beneficio, ao reconhecer socialmente o cumprimento do Regulamento do Sistema Prisional. O 7 A Superintendência de Administração Prisional – SUAPI abarca hoje aproximadamente 135 unidades prisionais no Estado de Minas Gerais, incluindo, portanto as novas UP recentemente inauguradas sendo, portanto distribuídas pelo estado com mais de 50.000 detentos. No entanto a SUAPI é responsável por gerir vagas entre complexos penitenciários, penitenciárias, presídios, casas de albergados, hospitais e centros de apoio. Além disso, o Estado mantém 2.497 vagas em Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC). Para se ter uma ideia, até o final de 2002, o Estado contava com 5.381 vagas prisionais distribuídas em apenas 17 unidades. Hoje, cerca de 80% dos presos de Minas Gerais (aproximadamente.40mil) estão sob custódia daSUAPI.https://www.seds.mg.gov.br/index.phpoption=com_content&task=view&id=341&Itemid=165 acesso em 09/11/2012 ás 17:56hs. 6 trabalho do “preso” contribui de forma política com a sociedade de maneira geral e há uma contribuição direta para o evento da copa do mundo no Brasil, com possibilidade de construção de uma nova identidade individual/coletiva, fazendo com o mesmo se reconheça na reforma do estádio como alguém que constrói relações identitárias com o objeto de trabalho a partir de novas oportunidades, ou novas relações sociais com o trabalho, e que ultrapassam os muros da prisão. Tais relações ultrapassam as condições objetivas8 e alcança as condições subjetivas e alcança as condições subjetivas das relações.No trabalho o “preso9” busca-se a construção de uma “nova” identidade, assumir o compromisso/responsabilidade com o crime praticado, principalmente porque há investimento na Política de Segurança Pública pela via da prisão, e essa implementação de política torna-se oneroso para o Estado. Com base no Relatório Carcerário do ano 2009 que o utiliza como base teórica 10% do Produto Interno Bruto é destinado a violência no País, seja no seu aspecto preventivo ou curativo, em contrapartida esse percentual se mostra bem inferior quando se refere a educação brasileira, deixando uma lacuna nos resultados no processo de ressocialização;na prisão, se dá pela via do trabalho e pela educação, colocando em xeque as políticas sociais de educação,trabalho e renda. Embasados na LEP: Quando se refere ao trabalho na prisão com caráter remunerativo, o detento deve ressarcir o Estado, as despesas que o mesmo obteve durante o período em que esteve vinculado á prisão. O ressarcimento é realizado pela via do trabalho remunerado: Ou seja, na situação de trabalho, 50% do valor da remuneração é destinado ao detento, 25% para o pecúlio10 e 25% é destinado ao 8 Condições objetivas são aquelas relativas a produção material da sociedade, são condições postas na realidade material. Por exemplo: a divisão do trabalho, a propriedade dos meios de produção, a conjuntura, os objetos e os campos de intervenção, os espaços- sócio- ocupacionais, as relações e as condições materiais de trabalho. Condições subjetivas. A instrumentalidade, como uma propriedade sócio histórica da profissão por possibilitar o atendimento das demandas e o alcance dos objetivos profissionais e sociais constitui-se numa condição concreta de reconhecimento social da profissão. 9 Em alguns momentos do texto nos referirmos aos sujeitos como “presos” de forma intencional, não temos nesse contexto o objetivo de excluir de forma pejorativa as pessoas que se encontram com seus corpos aprisionados, ou seus familiares,mas provocar nos leitores desse trabalho o movimento de reflexão dos direitos sociais e do respeito a partir do cotidiano desses sujeitos que se encontram à margem da sociedade e segregados do convívio social. 10 É uma poupança podendo o detento retirar esse valor quando do término do cumprimento da pena 7 Estado para ressarcir as despesas que o Estado assumiu com o “preso” durante o período da situação de prisão. Essa perspectiva de ressarcimento tem valor legal na (LEP:1984)Quando inserido no universo do trabalho,o detento busca a remição da pena,interage socialmente, mantém as despesas familiares, e é preparado a buscar um novo olhar social ,buscando prevenir que ocorra reincidência de crime praticado permitindo muitas vezes uma nova roupagem para os efeitos do território da prisão. Com relação ao trabalho, o Ministério da Justiça apresenta dados referentes a população custodiada no Sistema Penitenciário. Segundo dados divulgados no sítio eletrônico (http://portal.mj.gov.br/11), a população custodiada no sistema prisional é de 513.802 pessoas (Homens: 93%; Mulheres: 7%). As tabelas a seguir mostram o número de pessoas em situação de aprisionamento que trabalham: o tipo de atividade que exercem e se o trabalho realizado é na unidade prisional (interno) ou fora dos muros da prisão (externo). Tabela 01 – Trabalho interno exercido por pessoas em situação de privação de liberdade. Número de Pessoas Atividade laboral/Setor 33.996 Apoio ao estabelecimento penal 24.184 Parceria com a iniciativa privada 2.834 Parceria com órgão do estado. Parceria com paraestatais (Sistema S 281 e ONGs) 12.704 Trabalhos artesanais 1.026 Atividades rurais 4. 005 Atividades industriais Tabela 02 – Trabalho externo exercido por pessoas em situação de privação de liberdade Número de Pessoas Atividade laboral/Setor 8.482 Parceria com a iniciativa privada 2.573 Parcerias com órgãos do estado Parceria com paraestatais (Sistema S 559 e ONGs) 11 Acesso em 23/10/2012. 8 2.573 Trabalhos artesanais 391 Atividades rurais 1.208 Atividades industriais Os dados acima apresentam as possibilidades de trabalho para as pessoas em situação de aprisionamento. Do número total de pessoas nessa situação (513.802), 79.030 pessoas trabalham em atividades laborais internas e externas, o que representa apenas 18, 45% da população prisional (respectivamente 15,78% em atividades internas e 3,07% em atividades externas).O trabalho no interior da prisão, para própria manutenção do funcionamento da UP é o que aparece nos dados como sendo exercido por um maior número de pessoas em situação de privação de liberdade e destaca-se, nesse conjunto de atividades laborais (internas e externas) sendo as internas em sua maioria em UP menores são atividades artesanais. Com relação a essas atividades, observamos que nem sempre é fácil a comercialização das mesmas, como constatamos em nossas incursões como pesquisadoras no sistema prisional. Observamos ainda que o dado referente ao número de presos que trabalham fora do contexto prisional (3.07%) mostra as dificuldades de abertura de campos de trabalho para pessoas em situação de privação de liberdade fora dos muros da prisão. As reflexões apresentada referentes aos dados sobre o trabalho no contexto da prisão e a situação de trabalho externo vivenciada pelo “trabalhador Chiquinho” mobiliza-nos a conceituar “trabalho” enquanto uma categoria central, pois no cotidiano do sistema prisional, o trabalho se constitui como um dos elementos fundantes para a efetivação do processo de ressocialização, conforme assegura a LEP. Em nosso contexto de discussão faz se necessário conceituar o significado do “trabalho”. O mesmo tem sua gênese na palavra latim que é tripalium um instrumento usado no cultivo agrícola, mas que também servia como instrumento de tortura (ALBORNOZ 1994, TOMAZI 2000). Assim, o trabalho tem sua gênese vinculado a questão da tortura e ao sofrimento. Marx aborda em sua obra O capital que “Em sentido genérico, atividade através da qual o homem modifica o mundo, a natureza, de forma consciente e voluntária, para satisfazer suas necessidades básicas (alimentação, habitação, vestimenta etc..). É através do trabalho que o homem “põe em movimento 9 as forças de que seu corpo é dotado... a fim de assimilar a matéria, dando- lhe uma forma útil ávida. Para o autor o trabalho é uma categoria central para o homem, pois ao transformar a natureza em objeto ele se auto- transforma. O objetivo do homem ao transformar a natureza em objeto é atender às suas necessidades básicas como: comer, vestir, viver, sendo um ser que sua atividade por ser racional diferencia-se da atividade animal. O animal por ser irracional, não planeja suas atividades, sendo as atividades humanas previamente idealizadas antes mesmo de se ter um resultado do trabalho. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e, portanto idealmente (MARX, 1988, p. 298). Sabe-se que nas sociedades feudais o trabalho era visto como forma de sustento, não existia, portanto nenhuma relação de exploração com o homem. A apropriação da terra era uma forma hierárquica, e os servos desenvolviam as atividades de trabalho com o único objetivo de proteção, alimentação e manutenção da vida, e não era permitido a mobilidade social. Nesse período o excesso de produção não era visto como produção da mais – valia,12 era destinado aos nobres como forma de troca pela proteção.Devido as mudança no processo produtivo, os burgos se inserem no contexto da comercialização, e mais adiante servirá como as primeiras iniciativas para inserção no processo de exploração das relações capitalistas. Hoje, portanto, devido às mudanças advindas de um processo de industrialização13 brasileiro houveram mudanças de cunho social, não somente na substituição do homem pela 12 Conceito fundamental utilizado por Marx para sublinhar a exploração imposta ao proletariado pelo proprietário dos meios de produção; a força de trabalho dos operários é o único valor de uso capaz de multiplicar o valor. Ao vender sua força de trabalho ao empregador, em troca de um salário, ela torna um valor da troca como qualquer mercadoria: “o valor da força de trabalho é determinado pela força de trabalho pela quantidade de trabalho necessária à sua produção” Todavia o empregador prolonga ao máximo a duração do trabalho do operário. Este sobretrabalho cria um sobreproduto, uma mais-valia que não é paga ao trabalhador, que lhe é subtraída e marca a sua exploração. Quando a mais-valia é aumentada pela introdução de máquinas mais aperfeiçoadas, por um controle maior da produção individual ou por uma aceleração de ritmo de trabalho, falamos de mais-valia relativa. E o único modo, segundo teoria marxista,de se acabar com a mais valia ,é substituir a sociedade privada coletiva dos meios de produção. Japiassu, Hilton,1996.Dicionário básico de filosofia. 13 Para maior aprofundamento sobre o processo de industrialização no Brasil sua Formação Econômica do Brasil. Do autor Celso Furtado. 10 máquina, mas mudanças nas próprias relações sociais capitalistas. Relações essas que podemos chamar de relações coisificadas. São relações de exploração do trabalho, onde o homem deixa de ser sujeito, para ser objeto e nessa perspectiva ele se torna coisa, ou mais um produto para o sistema capitalista, contraditório e perverso, pois atende a lógica do mercado. No universo da mercantilização o proletariado possui como único produto para venda a sua força de trabalho, se diferenciando portanto dos donos dos meios de produção. Assim, estabelece nessa relação uma exploração e domínio do trabalhador quanto às suas escolhas, seus desejos, interesses, sua autonomia em relação ao trabalho. Há portanto, o controle por parte dos donos de produção com o trabalhador assalariado. O trabalhador nesse contexto, passa a ser controlado até mesmo em sua postura, interferindo diretamente no seu aspecto subjetivo, através dos controle dos movimentos do próprio corpo, visando cada vez mais o aumento da produção do trabalhador e a manutenção do movimento da economia pela via da mais valia e do acúmulo do grande capital. O art. 46 da LEP explicita que “O trabalho externo será supervisionado pelo serviço social penitenciário mediante visita de inspeção ao local de trabalho”. Objetivase com tal supervisão profissional acompanhar o trabalho da pessoa em situação de prisão, compreender seu processo de readaptação com as pessoas que se encontram externo à prisão, observar o grau de satisfação e aceitação com o trabalho, contribuir com o processo de interação social e a construção de novos valores, autonomia e emancipação, optar por escolhas. Aqui, a perspectiva do trabalho profissional do Assistente Social,não tem como objetivo o controle do detento, imposição de regras e normas ou cobranças e vigilância por causa do crime cometido, mas trabalhar o processo socioeducativo das pessoas aprisionadas. Descontinuidade das relações de trabalho na prisão Nesse contexto, propõe-se discutir questões do direito ao trabalho: continuidades e descontinuidade. Tendo por base a LEP(1984) o preso condenado tem direito ao trabalho em caráter obrigatório, mas no cotidiano da prisão muitas vezes essa forma de inclusão se dá de forma precária, ao perceber que muitos não tem 11 carteira assinada, vale transporte, cestas básicas e outros benefícios, como: auxíliocreche, abono,13º salário enquanto direitos trabalhistas, sendo que um aspecto importante a ser considerado, é a descontinuidade do trabalho. Como trabalho parcial provisório, instável, temporal para atender a determinado período especifico do ano, como no caso da reportagem que é a base documental para esse trabalho, contribuir com o sustento das famílias, de forma esporádica e não contínua, fragmentando assim o compromisso com a manutenção da vida para além da prisão. Sabe-se que a dualidade Detento/Prisão constitui –se numa relação extremamente complexa com suas multifaces, sendo faces que envolvem a reeducação pela via da ressocialização,faces que envolvem relação de poder e outras que envolvem as ações praticadas de forma desumana. Para ANTUNES, 2002:49 “Observa-se no universo do mundo do trabalho no capitalismo contemporâneo, uma múltipla processualidade: de um lado verificou-se uma desproletarização do trabalho industrial,fabril,nos países do capitalismo avançado,com maior ou menor repercussão em áreas industrializadas do Terceiro Mundo.Em outras palavras,houve uma diminuição da classe operária industrial tradicional.Mas,paralelamente,efetivou-se a expansão do trabalho assalariado ,a partir da enorme ampliação do assalariamento no setor de serviços ;verificou-se uma significativa heterogeneização do trabalho, expressa também através da crescente incorporação do contingente feminino no mundo operário;vivencia também a uma subproletarização intensificada,presente na expansão do trabalho parcial,temporário,precário,subcontratado,”terceirizado”que marca a sociedade no capitalismo avançado.” No contexto da prisão,o valor atribuído a mão- de obra é inferior ao valor do salário mínimo vigente, considerado o mínimo para o sustento das despesas. O trabalho na UP não possui uma visão unilateral, simplesmente porque não é e não se constitui exclusivamente como um posto de trabalho, mas abarca parcialmente a mão de obra prisional. Ao pensarmos na “questão do trabalho”,estendemos esse olhar para além dos muros da prisão,ou seja, para as famílias das pessoas em situação de aprisionamento. Devido a situação de prisão, muitas famílias, sem opção de escolha, acirram suas vulnerabilidades sociais, econômicas, de saúde, moradia, educação e privam muitas vezes do acesso a cultura, alteram ou modificam as relações sociais. Alteram a dinâmica interna de seus “lares”, 12 sendo que após a saída de um membro ou mais membros do mesmo grupo familiar para a prisão existem a necessidade de se reorganizar e redefinir papéis sociais, dentro desse grupo familiar para conduzir a vida de seus membros. Utiliza-se nesse contexto a palavra “lar” ou “lares” para diferenciar da “casa”. Ao atribuir “lar” dizemos que foram estabelecidos relações quer, seja a partir do afeto e da vivência/convivência e a “casa” que se constitui como pura e simplesmente o aspecto geográfico,como forma de apropriação do “espaço”, sem pensar na dimensão das relações que foram estabelecidos em um tempo e espaço,predomina as relações afetivas e o senso de pertencimento, a partir de relações coletivas, que foram estabelecidas a partir do contato,do diálogo, da troca e assim reproduzindo novas relações sociais estabelecidas, tendo por base as relações permeadas antes da situação de prisão. Devido a situação de prisão, muitas vezes, famílias /membros elegem membros para assumir responsabilidades de outras natureza. Quando nos referimos aos filhos pequenos /crianças devido ao processo de formação social enquanto sujeitos,muitas crianças elegem outros membros para se tornarem referencias materna /paterna, refletindo sobre os seus membros de forma bruta, grotesca, não planejada com suas consequências e os efeitos do território da prisão sobre as vida de muitas famílias. Por prisão pensamos naquelas pessoas que encontram com seus direito de liberdade de ir e vir cerceado pelos muros, pelas grades, pela arquitetura do presídio, seja nas camas e pias de cimento,seja no controle da água para o racionamento,seja na imposição/controle do horário do banho de sol, seja na limitação geográfica das celas, pelo controle do alimento que adentra a unidade, pelo controle dos pertences e no controle do corpo de quem é o tempo todo “observado” ou “vigiado” de forma clara, pelo cerceamento, seja físico ou moral . Percebe-se aqui a descrição das territorialidades, incluindo nesse contexto uma relação de poder que se estabelece entre Estado e as famílias da prisão. Na relação família- prisão, o que existe é uma apropriação do espaço que no domicilio do “preso”se faz no imaginário,na memória e no tempo onde tenta trazer para a “cela”,seja nas fotografias/ lembranças de relações vividas, de momentos de: dor, prazer, alegrias,tristezas, nos momentos mais simples e nos mais complexos, seja naquilo que há de demais peculiar e de maior representação simbólica/afetiva para o “detento”.Nessa apropriação do espaço imaginado o detento 13 trazer ´para a” cela” na memória o “concreto pensado”[...]a territorialidade adquire um valor bem particular,pois reflete a multidimensionalidade do “vivido” territorial pelos membros de uma coletividade pelas sociedades em geral. Os homens vivem ao mesmo tempo o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais ou produtivas. Quer que se trate de relações existenciais ou produtivas, todas são relações de poder e ou produtivas, visto que há interação entre os atores que procuram modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais […] RAFESTAIN, 1993, P.158. Relações estas que são restabelecidas entre a liderança dos presídios, que utiliza do discurso midiático do Estado para cumprir regras, normas, imposições e legislações visando a manutenção da ordem vigente. Ao discutirmos as relações entre instituição prisional, detentos/as, vulnerabilidade e assumirmos a prisão como um território, compreendemos as relações de poder como discute Foucault em seus estudos. Para Foucault, “o poder” só existe em ato, “ação sobre a própria ação” (FOUCAULT, 1995, p. 243) e tem lugar nas relações entre pessoas, entre grupos, entre pessoas/grupos, entre culturas, entre modos de vida. Relações de poder microfísicas, “conjunto de ações que se induzem e se respondem uma às outras” (ibidem, p. 240) e que se inserem “na vida cotidiana, nas relações entre os sexos, nas famílias, entre os doentes e os médicos” (FOUCAULT, 2006, p. 233), nas prisões, de modo especial (entre os/as detentos/as; entre os/as responsáveis pela vigilância, entre mulheres e homens, entre as normas prisionais, os agentes e aqueles que devem cumpri-las). CONCLUSÃO Certamente podemos evocar aqui, ao pensarmos nessas famílias a inclusão precária das mesmas. Por inclusão precária recorremos a Martins (1997) que utiliza este termo para se contrapor a “naturalização” da exclusão. A exclusão não é uma categoria abstrata, e os pobres vivem situações de inclusão precária em seus direitos sociais básicos: saúde, alimentação, educação e moradia. Certamente, essa inclusão precária é acentuada pela vivência da situação de aprisionamento. É possível constatar a questão da pobreza (muitas vezes os deslocamentos necessários são distantes e não 14 há recursos para os mesmos); na escassez de roupas, alimentos e outros itens de sobrevivência levados pelas famílias na ocasião das visitas; na preocupação expressa dos/das presos/as com a situação de filhos e filhas. Aqui visualizamos a necessidade e importância conferida ao trabalho, para dispensar os cuidados com a família e subvencionar suas despesas.Para o detento trabalhar significa participar do universo que o acesso necessita ser permitido. “A prisão começa bem antes de suas portas. Desde que você sai de suas casas.” FOUCAULT, 2006:27 Assim, percebe-se - que não somente o detento cumpre sua pena, ela também se estende a suas famílias e o que existe no entanto muitas vezes é o cumprimento de uma pena mais que legal,mas a pena social. Nas coisas das famílias, nas pessoas, na sociedade, ou seja, nos lugares que transitam na busca pelo emprego, nas escolas por onde filhos/esposas/maridos frequentam, no lazer e no espaço da cultura. Há de fato preconceito, estigma e exclusão reforçando a morte social, essa morte social, não se limita ao detento mas, se estende de toda e de qualquer forma para as famílias. E nessa perceptiva pensar a família, significa pensar na sua marca de vulnerabilidade, que se torna cada vez mais forte/presente/visível devido a situação de prisão. No ato da prisão, família é quem busca recursos e alternativas para solucionar a vida do “preso”,busca muitas vezes assumir a responsabilidade do Estado, seja na busca pelo acesso a políticas sociais restritas, fragmentadas,inoperantes e insuficientes e que muitas vezes não atendem de forma satisfatórias aquelas pessoas que se encontram na prisão.Seja na busca por soluções no âmbito jurídico,social, saúde ou econômica e nesse momento de busca pelo acesso, a família se faz viva e presente de forma efetiva na busca de uma resposta dessa expressão da questão social. 15 REFERÊNCIAS ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho : Ensaios sobre as metamorfoses e centralidade do mundo do trabalho.8ª ed.Editora da UNICAMP,1993. BRASIL. Senado Federal. LEP: Lei de Execução Penal - Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984. <http://www6.senado.gov.br/legislacao>. Acesso em: 09 maio 2012. _____. Ministério da Justiça. Sistema Prisional. 2006. http://www.portal.mj.gov/data/pages. Acesso em: 25 set.2011. 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