EXERCÍCIO DE ANÁLISE HISTORIOGRÁFICA
Autores: Vários – Tema Central: Revolução de Avis (1383 / 1385)
Aluno: Márcio Amêndola de Oliveira
Disciplina: HISTÓRIA IBÉRICA I – 1º Semestre NOTURNO (2007)
Professora: Dra. Vera Lúcia de Amaral Ferlini
Orientador: Prof. Rodrigo Ricúpero (aula de 27/04/2007).
REVOLUÇÃO DE AVIS (1383 / 1385)
A Revolução de Avis, um evento histórico de formação do atual Estado português, teve seu desfecho
em apenas dois anos. Apesar de, na escala historiográfica ser considerado um episódio de
curtíssima duração, esta revolução alteraria em definitivo os rumos de Portugal, com reflexos
sentidos por muitas gerações.
Para o historiador Fortunato de Almeida, em sua História de Portugal (Coimbra, 1922), a Revolução
de Avis seria um ‘interregno’ (evento de transição, ou em que a Coroa permanece vaga). Segundo o
autor, com a morte de D. Fernando, rei de Portugal, sua esposa Dr. Leonor Teles assumiu a coroa,
em meio a uma grave crise econômica, mas pouco depois abdicou em favor de sua filha, Beatriz,
casada com o rei de Castela, D. João (13 de janeiro de 1384). O fato causou grande revolta entre o
povo português e os burgueses locais, que passaram a apoiar a revolta liderada pelo Mestre de Avis,
D. João. Um episódio importante, citado pelo autor é a trama do assassinato do Conde de Ourém,
João Fernandes Andeiro, conspirador e aliado da Rainha, o que desencadeou os fatos seguintes.
Com a entrada em Portugal de D. João de Castela e a posse do trono de Portugal, através de sua
aliança familiar (era casado com a filha da Rainha abdicante), o Mestre de Avis iniciou a reação,
contando com seus apoiadores, entre os quais Nuno Álvares, que em 6 de abril de 1384 impôs uma
severa derrota aos Castelhanos, numa batalha realizada na localidade denominada Atoleiros. Mesmo
em número inferior, as forças de Álvares conseguiram matar ou expulsar todos os espanhóis.
O Rei de Castela, tentando consolidar seu domínio, cercou a cidade de Lisboa em 8 de fevereiro de
1383 e recebeu grande apoio marítimo de seu País. Portugal contava, por sua vez, com o apoio –
ainda de modesto– de naus Inglesas, enviadas por Ricardo II, que tinha todo interesse em
enfraquecer o poder real de Castela. Entre maio e agosto de 1384 várias escaramuças aconteceram
entre portugueses e castelhanos no certo a Lisboa. João de Castela tentou um acordo de paz, até
que um filho seu e de Beatriz pudesse assumir a coroa de Portugal, o que foi prontamente recusado
pelos portugueses, que não concebiam a coroa nas mãos de um estrangeiro. O cerco acabou mais
de 4 meses depois de seu início, quando os espanhóis foram atacados pela peste (inclusive
deixando a rainha enferma). Era 14 de outubro de 1384.
Aproveitando-se do recuo dos castelhanos, D. João, mestre de Avis, com seu aliado Nuno Álvares,
tomaram várias províncias no solo português, até então sob influência do reino de Castela. Iniciou-se
uma ‘batalha’ jurídica sobre os direitos de parentela, sendo até questionado o casamento de D.
Leonor e a legitimidade da paternidade da herdeira Beatriz, bem como a desobediência do reino de
Castela ao Papa Urbano IV. Em seguida, foram refutados os filhos de D. Pedro I com Inês de Castro
(D. Diniz e D. João). Finalmente, em 6 de abril de 1385 foi aclamado novo Rei o Mestre de Avis,
como desejavam os revoltosos. O novo monarca passou a chamar-se D. João I, nomeando Nuno
Álvares como seu chefe militar. Para o autor, o povo teve grande importância na realização da
Revolução, como na nomeação e sustentação do novo monarca, através de um Conselho com
reuniões anuais, fato inédito nas Monarquias de então. O novo Rei tinha um desafio: recuperar das
mãos castelhanas dezenas de vilas e castelos dominados pelo inimigo, além de expulsar
aproximadamente 9 mil soldados fiéis a João de Castela. Seguiram-se várias batalhas, entre as
quais a de Trancoso e de Aljubarrota. Em Trancoso a vitória portuguesa foi esmagadora. Passados
alguns meses, João de Castela invade Portugal (8 de julho de 1385) e em pouco tempo reunia mais
de 44 mil homens (32 mil eram combatentes), enquanto que Portugal dispunha apenas de
aproximadamente 6.500 homens. Em 14 de agosto deu-se então a batalha de Aljubarrota. O grande
número de castelhanos não foi suficiente para que o Rei de Castela fosse vitorioso. Os portugueses
expulsaram o inimigo numa batalha cruenta, e Fortunato de Almeida (o autor), num rompante
patriótico, afirma: “Aquela meia hora de combate firmara a independência nacional”.
No dia 17 de agosto, doente, febril, João de Castela foge para Santarém, e toma um barco em
direção a Sevilha. Com o abandono de Santarém, os portugueses retomam a cidade.
O autor forma um verdadeiro épico, no qual o patriotismo e a bravura dos portugueses seria o fato
fundador da nação, dando ênfase ao grande apoio popular que teria havido ao movimento, sob a
liderança incontestável do Mestre de Avis e seu braço militar, Nuno Álvares. Outros autores vão
imprimir novas visões a esta ‘história segundo Fortunato’.
Em seu texto, Oliveira Martins destaca mais a questão da luta pela Independência como ‘mola’
central dos acontecimentos, e não apenas um episódio heróico. Destaca também a ação de Nuno
Álvares, de nobreza inferior, mas com grande ímpeto militar, que viria a tornar-se figura central no
novo reinado, e João das Regras, representante da nascente burocracia, homem das leis, vindo do
povo, em busca de seu ‘enobrecimento’.
Antonio Sérgio Breve, fugindo da visão ‘heróica’ muito em voga no regime ditatorial de Salazar,
destaca a verdadeira ‘guerra’ interna que impulsionou a Revolução de Avis: um embate entre a
nascente burguesia marítima e agrária, contra a decadente nobreza, aliada dos interesses de
Castela. Para ele, a Revolução de Avis foi uma autêntica revolução burguesa, já que a burguesia
mercantil assume a frente da revolução, derruba uma rainha e levou o Mestre de Avis ao trono. D.
João I, mais tarde (1415) seria o responsável pela conquista de Ceuta.
Jaime Cortesão analisa os protagonistas dos eventos que levaram à Revolução de Avis: uma
Geração Nova, de intelectuais e dirigentes urbanos, a Nobreza Militar (aristocracia tradicional, que
tinha mais a perder), e uma elite dirigente (nobre). De outro lado, o povo, que particularmente nas
regiões mais urbanizadas começava a ascender socialmente, através dos negócios do comércio
marítimo. Uma questão controversa em Cortesão, seria, segundo ele, os ‘fatores democráticos’
envolvendo a revolução, ou seja, uma participação popular legitimada pela defesa de Portugal das
mãos do invasor castelhano. A Revolução de Avis seria, então, uma conquista do povo, o que é um
exagero, já que não se mexeu no poder absoluto do Estado monarquista (fosse a partir de Castela
ou de Portugal).
João Ameal, um dos autores da corrente ‘salazarista’, retoma a questão heróica da Revolução de
Avis, indo ainda mais além em seu ufanismo, ressaltando os aspectos morais do embate: ‘o exemplo’
de cima para baixo, ou seja, da elite dirigente para o povo, a ‘grande’ noção de justiça dos
revolucionários, a ‘responsabilidade severa’ (o soberano severo, mas justo), e a ‘ética da realeza’
nascente.
Joel Serrão destaca o caráter social da Revolução. Fala do embate dos fidalgos contra a ‘raia míuda’
(trabalhadores, entre os quais artesãos, pequenos agricultores, etc), acrescida ao longo da
revolução, da burguesia comercial. Lembra também que Portugal vivia uma crise demográfica,
causada pela Peste Negra, o que pressionava os salários e gerava conflitos entre os trabalhadores e
a nobreza. Apesar deste componente popular de revolta, para o autor, o povo teve uma participação
‘subordinada’ na Revolução, não se apresentando com um ideal próprio. Daí a manutenção do
regime monárquico pós-revolução. A princípio, as revoltas populares por melhores condições de
trabalho teriam sido impulsionadoras das ações do Mestre de Avis, para em seguida, a nova
burguesia tomar as rédeas da Revolução.
Raimundo Faoro, único brasileiro entre os historiadores citados neste Exercício, analisa os
resultados da Revolução sobre os agentes envolvidos. Segundo o autor, há uma nítida perda de
poder da Nobreza tradicional. O poder absoluto do Monarca sai fortalecido, e uma nova burguesia
em ascensão passa a ter grande destaque na vida de Portugal. Mas, a grande vitoriosa foi a Coroa
portuguesa, através de D. João I (Mestre de Avis), já que o sistema de poder político do Rei foi
preservado, ampliado, não sendo confiado aos burgueses.
Borges Coelho, autor marxista, ressalta a questão da luta de classes e tenta estabelecer a grau de
influência popular no rumo dos acontecimentos. Para ele, a Revolução de Avis foi o germe inaugural
de uma certa consciência de classe da burguesia nascente, deixando de ser um povo ‘por si’, para
tornar-se ‘para si’. Mas esta consciência teve um limite, já que a ‘Revolução Burguesa’ acabou não
acontecendo. Não houve um projeto de tomada do poder pelos burgueses, o que acabou viabilizando
o estabelecimento de um novo Poder Absoluto, agora centrado na figura de um monarca
genuinamente nacional.
Oliveira Marques, um dos maiores medievalistas de Portugal, afirma que a vitória de João I na
Revolução de Avis foi o fato fundador da expansão comercial do País, através das navegações. Para
ele, o conflito entre os burgueses e os latifundiários marcaria aquela época.
Álvaro Cunhal, um dos líderes da Revolução dos Cravos (que derrotou Salazar), exagera em sua
linha marxista na análise da Revolução de Avis, mas também segue a linha de Borges Coelho, ao
lembrar que em 1383-85, a burguesia não destruiu, nem poderia destruir a ordem feudal, nem logrou
expulsar a classe territorial-militar, mas ao menos momentaneamente, partilhou o poder. Marcou o
início da ascensão burguesa e da decadência da nobreza. Também destaca que os controladores do
comércio marítimo conseguem se aproveitar ao máximo do momento histórico, levando o país ao
desenvolvimento de seu comércio internacional, o que permitiu a Portugal ascender a primeira
potência mercantil e marítima do mundo.
José Mattoso, outro importante medievalista português, lembra do caráter de ‘interregno’ da
Revolução de Avis (período sem monarca, apenas de ‘passagem’ no processo histórico). Para o
autor, este episódio marcaria para sempre as relações Espanha x Portugal, marcando, mesmo em
curta duração, uma nova geopolítica, de longa duração, que seria a Independência de Portugal e
suas conseqüências históricas subseqüentes.
De uma maneira geral, os autores tendem a dar extrema valoração à Revolução de Avis, numa
espécie de análise ‘patriótica’ da história. Autores como Fortunato de Almeida carregam as tintas no
apoio popular que a Revolução teria recebido, mas sempre colocando o Mestre de Avis e Nuno
Álvares como os grandes heróis de Portugal independente. As batalhas descritas pelo autor tomam
proporções épicas. Outros autores de linha marxista lembram, de um lado, da participação popular
nas pressões por melhores salários, bem como sobre o Mestre de Avis, para que enfrentasse o
poder despótico da Rainha. Também ressaltam o nascimento de uma nova Burguesia Comercial,
como bem lembra Antônio Borges Coelho, que exagera ao afirmar que teria havido uma ‘Revolução
Burguesa Nacional’, quando na verdade o poder absoluto de um rei foi preservado.
Concluo que, por meio de muitos agentes sociais envolvidos (povo, elite comercial e parte da
nobreza local), o fator mais importante a ser destacado é o da Independência de Castela, como fato
desencadeador dos eventos posteriores. Iniciava-se ali, naquele ‘interregno’, como queiram, as
condições que levaram ao fortalecimento de uma burguesia que financiaria e participaria dos sonhos
imperiais extramarinos da nova Coroa Portuguesa, primeiramente, em direção às Índias Orientais e,
posteriormente, ao domínio sobre o Atlântico.
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