ESTIMATIVA DE DISTRIBUIÇÃO RADIAL DE VENTO E PRESSÃO ATMOSFÉRICA DO FURACÃO CATARINA POR MEIO DA APROXIMAÇÃO EMPÍRICA DA EQUAÇÃO DE BERNOULLI Raquel Silva Lima 1 - INFRAERO Augusto José Pereira Filho 2 - IAG/USP RESUMO Este trabalho compreende uma análise da distribuição radial do vento e pressão atmosférica do furacão Catarina por meio de uma adaptação empírica da Equação de Bernoulli. Dados de pres- são atmosférica e intensidade do vento na superfície próximos do aglomerado ocular do furacão fo- ram de 973,6hPa e 41ms-1, respectivamente. A estrutura radial do vento e pressão concorda com as observações de superfície disponíveis. ABSTRACT This work analysis radial wind and surface pressure distribution of hurricane Catarina based on an empirical form of Bernoulli’s equation. The lowest surface pressure and maximum wind intensity close to the eye was 973.6hPa and 41ms-1, respectively. These measurements were used to compute the full radial structure of the hurricane. Estimated radial winds and pressure agree well with available surface data. Palavras-Chave: Catarina, perfil de vento, equação de Bernoulli. INTRODUÇÃO Vórtices ciclônicos de centro quente são eventos raros na porção Sul do Oceano Atlântico. Por isso, o furacão Catarina (Fig. 1) tem sido tratado como o primeiro furacão do Brasil, que se formou na região de oclusão de um sistema frontal, associado a um cavado em altos níveis. A rara formação de sistemas semelhantes a furacões no Oceano Atlântico Sul é atribuída à temperatura da superfície do mar, geralmente abaixo da temperatura mínima para a formação de furacões, e cisalhamento vertical do vento, normalmente mais intenso que o valor máximo para a sua formação. O ciclone tropical em questão, foi um sistema híbrido que se formou a partir de um sistema baroclínico em decaimento, o que o difere dos furacões típicos. O início do desenvolvimento deste sistema, enquanto vórtice axissimétrico, ocorreu no dia 23 de março de 2004 sobre a porção Sul do Oceano Atlântico, intensificando-se até alcançar ventos superiores a 41 m s-1 (ventos de um furacão de categoria 1) na madrugada do dia 28 (CIMSS, comunicado via internet), sendo este o período de interesse deste trabalho. 1 Infraero/CMA. Aeroporto Internacional de Guarulhos. Rod. Helio Smidt, s/nº - prédio de interligação, 1º andar – Sala AIS. [email protected] 2 IAG/USP. Rua do Matão, 1226. São Paulo-SP, Brasil. 05508-900. [email protected] Figura 1 - Imagem do satélite Terra (com resolução de 1 km), das 13:55Z do dia 27/03/2004. Neste artigo, pretende-se realizar uma análise da distribuição radial de vento e pressão atmosférica do sistema, utilizando um modelo de vento e pressão em superfície de furacões, baseado na adaptação empírica da Equação de Bernoulli. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA A equação de Bernoulli é derivada da equação de Euler (KUNDU, 1990), que em escoamento barotrópico, isotérmico e isentrópico, pode ser escrita como ∂u i r r ∂ 1 dp + B = (u × ω )i (1); B ≡ u 2 + ∫ + gz (2) ∂t ∂xi 2 ρ onde B é uma constante denominada equação de Bernoulli. Esta equação indica conservação de energia específica do fluido, onde o primeiro termo do lado direito é a energia cinética, o segundo é o trabalho exercido sobre o fluido, e o terceiro é a energia potencial (todos por unidade de massa). Estas energias podem ser convertidas de uma forma para outra ao longo de uma linha de corrente, desde que sua soma permaneça constante (STULL, 2000). Num escoamento horizontal, tem-se: 1 2 dp u ∝ −∫ ρ (3). 2 Variações de pressão são proporcionais a variações de velocidade no fluido e vice-versa. Stull (2000) apresenta uma formulação empírica da Equação de Bernoulli para obter o campo de vento e pressão na fase madura de um furacão. Nesta fase, o vento tangencial é considerado ciclostrófico, isto é, a força do gradiente de pressão é balanceada pela força centrífuga. A variação máxima da pressão (DPm) é dada pela diferença entre a pressão no centro do sistema (Pc) e a pressão do ambiente externo, ou pressão do ambiente não perturbado (P∞ = 101,3kPa), enquanto a variação de pressão (DP) é definida pela diferença entre a pressão no centro do furacão e a pressão a uma distância R do centro (P(R)): DPm = P∞ − Pc (4) e DP = P( R ) − Pc (5), onde R é a distância radial ao centro do sistema. A razão entre a variação da pressão e a variação máxima de pressão é dada por: ⎧ ⎡ 4 ⎛ R0 ⎞ ⎤ ⎪⎢1 − ⎜ ⎟⎥, R > R0 DP ⎪⎣ 5 ⎝ R ⎠⎦ =⎨ (6), DPm ⎪ 1 ⎛ R ⎞ 4 ⎪ 5 ⎜⎜ R ⎟⎟ , R ≤ R0 ⎩ ⎝ 0⎠ com R0 sendo o raio crítico, onde são encontrados os valores máximos de vento tangencial. À medida que a pressão ao nível do mar decresce, o vento tangencial máximo Vm no aglomerado ocular aumenta (STULL, 2000). Desta forma, pela aproximação empírica da Equação de Bernoulli indicada por Stull (2000), define-se o vento tangencial máximo como: Vm = a(DPm ) 1 2 (7), onde, a = 20 (m s-1) kPa1/2. Supondo o vento ciclostrófico (STULL, 2000), isto é, supondo que o siste- ma esteja na fase madura, 1 Δp Vt 2 = (8), ρ R R então a razão entre o vento e o vento tangencial máximo pode ser calculada por 2 V ⎛V ⎞ ⎛V ⎞ = ⎜ t ⎟ +⎜ r ⎟ Vm ⎝ Vm ⎠ ⎝ Vm ⎠ 2 (9), onde Vt/Vm é a relação do vento tangencial com o vento tangencial máximo e Vr/Vm é a relação do vento radial com o vento tangencial máximo ⎧⎛ R ⎪⎜ 0 Vt ⎪⎝ R =⎨ Vm ⎪⎛ R ⎪⎜⎜ R ⎩⎝ 0 1 ⎞ 2 ⎟ , R > R0 ⎠ 2 ⎞ ⎟⎟ , R ≤ R0 ⎠ ⎧ ⎪− Vr ⎪⎪ (10) e Vm = ⎨ ⎪ ⎪− ⎩⎪ R0 R ⎡1 ⎢ + ⎣5 R R0 ⎡1 ⎛ R ⎢ ⎜⎜ ⎢⎣ 5 ⎝ R0 1 ⎛ Ws ⎞⎛ R0 ⎟⎜ ⎜ 2 ⎝ Vm ⎠⎜⎝ z i 3 ⎞⎤ ⎟⎟⎥ , R > R0 ⎠⎦ ⎞ 1 ⎛ W ⎞⎛ R ⎟⎟ + ⎜ s ⎟⎜⎜ 0 2 ⎝ Vm ⎠⎝ z i ⎠ ⎞⎤ ⎟⎟⎥ , R ≤ R0 ⎠⎥⎦ (11), com Ws a velocidade média de subsidência no centro do sistema, (–0,2ms-1) e zi a profundidade da camada limite atmosférica (1km). A partir destas informações, foi feita a comparação entre a variação da pressão e a conseqüente alteração no vento, comparando os resultados dos cálculos com os dados observados. MATERIAIS E MÉTODOS Para esta análise foram utilizados dados de pressão em superfície e vento da estação meteorológica do Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina (CIRAM) de Barragem São Bento (Siderópolis), comparando-os aos resultdos obtidos a partir do modelo baseado na adaptação empírica da equação de Bernoulli (STULL, 2000). Figura 2 - Mapa dos danos causados pelo furacão, com indicação da intensidade dos danos. (Fonte: Defesa Civil do Estado de Santa Catarina). A estação meteorológica está instalada na cidade de Siderópolis, em Santa Catarina, com coordenadas 28º36`S de latitude, 49º33`O de longitude e 135m de altitude, onde os danos foram considerados fracos pela Defesa Civil do estado de Santa Catarina (Fig. 2). Figura 3 - Refletividade (dBz) obtida do radar de Precipitação (PR) do satélite TRMM, no dia 27/03/2004. Os valores são conforme indicados na escala a direita. Os números na horizontal representam a longitude, e na vertical, a latitude (Figura cedida por Marcelo Barbio Rosa). A intensidade do vento foi estimada de acordo com as equações acima. Utilizou-se R da ordem de 6 vezes R0, estimado em 68,4 km, distância radial do centro do vórtice até a banda de máxima refletividade com maior área (Fig. 3). Os dados e métodos descritos são utilizados na próxima seção para caracterizar o vórtice, detalhar os processos envolvidos no seu desenvolvimento e desenvolver então um modelo conceitual da evolução do sistema. RESULTADOS Foram feitas análises dos dados observados de vento e pressão em superfície da estação meteorológica em Siderópolis (SC). A Fig. 4a mostra a evolução temporal da pressão atmosférica na superfície com resolução de 1 hora. A maior variação foi de -4,9hPa, seguida de uma variação de pressão de 4,8 hPa apenas três horas depois. Às 0300 UTC do dia 28/03, a pressão atingiu 973,6hPa. Houve um aumento da pressão atmosférica na superfície às 0400 UTC, uma hora após o menor registro de pressão atmosférica. 1000 6 1000 45 40 995 4 995 985 0 980 -2 990 30 25 985 20 15 Pressão (hPa) 2 Vento (m/s) Pressão (hPa) 990 Variação da Pressão (hPa) 35 980 10 975 -4 975 5 26/03/04 27/03/04 28/03/04 29/03/04 26/03/04 28/03/04 18:00 12:00 06:00 00:00 18:00 12:00 06:00 00:00 18:00 12:00 27/03/04 Data e Hora (UTC) Pressão 06:00 00:00 18:00 12:00 06:00 970 00:00 0 18:00 12:00 06:00 00:00 18:00 12:00 06:00 00:00 18:00 12:00 06:00 00:00 18:00 12:00 06:00 -6 00:00 970 29/03/04 Data e Hora (UTC) Variação da Pressão Vento (a) Pressão (b) Figura 4 – Distribuição gráfica dos dados de superfície observados em Siderópolis (SC) de 26/03/2004, data da formação do olho, às 0000 UTC, até 29/03/2004, dia do decaimento total do vórtice, às 2300 UTC, em intervalos de 1 hora: (a) Pressão Atmosférica (curva rosa) e sua variação (curva azul) (hPa); e (b) Pressão Atmosférica (hPa, curva azul) e vento (m s-1, curva rosa). A Fig. 4b é a ilustração da evolução temporal da intensidade do vento e da pressão, e de acordo com os dados de Siderópolis, os ventos máximos chegaram a 40,8ms-1 no dia 28/03. (Ressalta-se que os anemômetros apresentam erros consideráveis para ventos extremos [STULL, 2000].) Nota-se que os horários de máxima intensidade do vento e mínima pressão coincidiram, sugerindo que o centro do sistema não passou sobre a estação meteorológica, uma vez que o olho do vórtice é uma região de calmaria (ANTHES, 1983, AHRENS, 1994). Esta também ratifica a teoria exposta por Stull (2000), que à medida que a pressão ao nível do mar decresce, o vento tangencial máximo no aglomerado ocular aumenta, validando a aproximação empírica da equação de Bernoulli qualitativamente. Desta forma, pode-se estimar a intensidade do vento tangencial supondo este equilíbrio ciclostrófico. 1 1,2 45 0,9 40 1 0,8 35 0,7 30 0,5 0,6 0,4 V/Vm DP/DPm 0,6 Vento (m/s) 0,8 25 20 15 0,4 0,3 10 0,2 0,2 5 0,1 0 0 0 -6 -5,5 -5 -4,5 -4 -3,5 -3 -2,5 -2 -1,5 -1 -0,5 0 0,5 1 1,5 R/R0 DP/DPm 2 2,5 3 3,5 4 4,5 5 5,5 6 0:00 3:00 8:00 12:00 15:00 21:00 0:00 3:00 26/03/04 8:00 12:00 15:00 18:00 27/03/04 21:00 0:00 3:00 5:00 28/03/04 Hora (UTC) V/Vm Vel. Siderópolis Vel. Stull (2000) (a) (b) Figura 5 – (a) Distribuição do vento em relação ao vento máximo (V/Vm, curva azul) e variação da pressão em relação a variação máxima da pressão (DP/DPm, curva rosa) segundo Stull (2000). A escala a esquerda é referente a pressão, a da direita refere-se ao vento, e a escala horizontal é referente a distância radial do ponto a partir do centro do sistema, sendo R0 o raio crítico; (b) Distribuição temporal de intensidade do vento baseado em Stull (2000) (linha rosa) e registrado na estação meteorológica em Siderópolis (SC). As escalas horizontais indicam data e hora (UTC) e a escala vertical indica intensidade do vento (ms-1). A Fig. 5a mostra o perfil radial do vento calculado para o vórtice axissimétrico estudado. Nota-se que, onde R/R0 (razão entre a distância ao centro do sistema e o raio crítico) tem módulo igual a 1, há uma queda relativa de pressão e o vento é máximo, tal qual observado na Figura 4b. Ou seja, o centro do sistema não passou pela cidade de Siderópolis, que estava situada em um ponto na região do aglomerado ocular. A Fig. 5b ilustra o vento estimado a partir das equações de Stull (2000), e o vento na estação da cidade de Siderópolis, das 0000 UTC do dia 26/03 até as 0500 UTC de 28/03 (lembrando que às 1200 UTC o sistema já havia dissipado do dia 28/03). O vento ciclostrófico é válido em altitude (HOLTON, 1992), mais especificamente acima da Camada Limite Planetária (CLP), onde não é considerada a desaceleração por atrito. Embora esta consideração tenha sido feita na adaptação da equação de Bernoulli, é importante para justificar os valores mais intensos do vento calculado pelo modelo do que o lido na estação de superfície. Ainda assim, a equação empírica para estimativa de intensidade do vento é uma boa aproximação do vento registrado. CONCLUSÕES Os dados de vento e pressão da estação meteorológica de Barragem São Bento, em Siderópolis (SC) foram comparados com um modelo conceitual simples (STULL, 2000) de forma satisfatória. Este modelo, que é uma aproximação da distribuição radial destas variáveis em um furacão, também indicou que o olho do sistema não passou por aquela localidade. Notou-se que o comportamento das variáveis foi o mesmo, tanto nos resultados do modelo, quanto nos dados observados, indicando grandes variações de pressão nos instantes de maior intensificação do vento. Observou-se também que, embora os resultados quantitativos não tenham sido idênticos, indicando vento lido por instrumento menos intenso que o estimado pelo modelo, os dados registrados na região de ocorrência do fenômeno tiveram evolução temporal bastante semelhantes ao esperado para um furacão. AGRADECIMENTOS Agradecemos ao Dr. Reinaldo Haas pela colaboração e a Meteor. Ana Cristina Palmeira pelas discussões. O segundo autor agradece o apoio do CNPq às suas pesquisa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AHRENS, C. D. Meteorology Today, 5 ed. St. Paul, USA: West Publishing Co., 1994. p.428-447. ANTHES, R. A. Tropical Cyclones, Their Evolution, Structure and Effects. Meteorological Monographs, 19, 41, 1982. 208p. HOLTON, J. R. An Introduction to Dynamic Meteorology, 3.ed. California, USA: Academic Press., 1992. p.304-308. KUNDU, P. K. Fluid Mechanics, California, USA: Academic Press., 1990. 638p. STULL, R. Meteorology for Scientists and Engineers. 2 ed., California, USA: 2000. p.357-379.