Processos de aprendizagem para uma sociedade de interação mediatizada 1 José Luiz Braga 2 Resumo: O artigo tem como ponto de partida uma concepção de midiatização como processo interacional de referência, em instauração na sociedade contemporânea. Percebendo os desafios postos por essa situação, procura refletir sobre a aprendizagem requerida para que o cidadão tenha, nesse âmbito, uma socialização relevante. O principal eixo do artigo é o propósito de observar os espaços de sociedade e de processualidade edu cacional nos quais respostas e encaminhamentos para essa formação sejam desenvolvidos. Propõe, então, a necessidade de articular experiências e reflexões nos seguintes âmbitos: dispositivos sociais de crítica midiática; experiências educacionais em forte vinculação com contextos imediatos; reflexão educacional teorizante e/ou transversal aos contextos; e uma percepção – de campo comunicacional – das características e desafios estabelecidos pela midiatização em seu desenvolvimento como processo interacional de referência. Palavras-chave: Midiatização, Aprendizagem Midiática, Educação para os Meios A questão Em artigo anterior, apresentado no Seminário Prosul , em Bogotá 3, considerei que a mediatização, em curso na sociedade, pode se caracterizar como o desenvolvimento de uma processualidade interacional ampla, em vias de suplantar a cultura escrita enquanto principal referência para as interações sociais. Além de indicar algumas características dessa mediatização como processo interacional de referência , observava também “lacunas”: que se põem como outros tantos desafios com que a sociedade se defronta nessa transição. Assumindo aquelas características e desafios, a questão em que se concentra o presente artigo é a de refletir sobre processos educacionais - de formação e de socialização que a situação comporta. Os objetivos principais de formação e socialização devem se voltar para favorecer e estimular conhecimentos e competências (práticas e sociais) que assegurem uma boa inserção de indivíduos e grupos n essa sociedade “em construção”. Mas justamente porque se trata de 1 O presente artigo está sendo apresentado no Seminário Prosul de Mediatização em formulação preliminar, com a expectativa de que o debate e as objeções apontem aspe ctos a exigir revisões e aprofundamento. Agradecerei, igualmente, indicações de leituras complementares. 2 Professor Titular no PPG em Ciências da Comunicação da Unisinos. 3 “Mediatização como processo interacional de referência” (2006). 1 uma sociedade em construção, os processos educacionais e formadores devem se preocupar, ainda, com dois outros objetivos: - um direcionamento social dos próprios processos de interação na referência mediática (considerados “lacunares” – no sentido de que representam desafios para os quais não temos ainda respostas sociais satisfatórias ) em um sentido humano, cultural, social, ético e político apreciável; - uma ampliação do conhecimento comunicacional sobre as características e desafios postos pela transição em que os “processos mediatizados” vão se tornando a referência básica para a interação social. O presente artigo não pode ter a pretensão de oferecer respostas a essa questão ampla – excessivamente abrangente e complexa, e que envolve perspectivas de longo prazo. Mas parece possível pensar em alguns encaminhamentos e, sobretudo, refletir sobre âmbitos em que respostas sejam procuradas . * * * Nossa “questão de horizonte” solicita uma perc epção sobre experiências concretas, na sociedade, que diversificadamente se voltam para o trabalho de educar no espaço das questões mediáticas, tarefa referida pela expressão habitual “educação para os meios”. Os processos educativos fazem parte das ativi dades sociais que, de modo mais amplo, trabalham no enfrentamento d aquelas situações “lacunares” – geradoras de desafios concretos à processualidade social, na sociedade em mediatização. Refletindo em visada macro sobre essa sociedade (como fizemos no art igo anterior), desenvolve-se o interesse por uma preparação social igualmente abrangente do cidadão, através de uma formação “transversal” à diversidade social, que forneceria a todos uma base comum de conhecimentos para o enfrentamento desse processo – pois sendo abrangente, nos envolve a todos. Constatamos, entretanto, que essa formação “de base” não ocorre. Embora múltiplas proposições formadoras, no âmbito da comunicação mediatizada, tenham como eixo de sua programação a formação do cidadão (o que é ef etivamente uma visada relevante), não parece 2 que tenhamos encontrado ainda 4 um programa básico “mínimo” de fornecimento geral. O nível mais apreensível dessa formação de base seria a hipótese, que alguns defendem, de se oferecer nas escolas de 1º ou 2º gra u uma disciplina de “educação para os meios” , correspondente às idéias e conceitos fundamentais com que todo cidadão deveria contar, como ponto de partida, para envolver -se e enfrentar as condições de sociedade marcadas pela presença mediática. Sobre essa base mínima, cada indivíduo poderia, então, desenvolver conhecimentos, competências e habilidades práticas diversificadas, em função de suas próprias necessidades e interesses. Entretanto, a ausência de uma “disciplina” deste tipo não decorre simplesmente de resistências burocráticas à mudança, por parte dos sistemas educacionais do país. Bem mais fundamental é o fato de que dificilmente nos poríamos de acordo sobre os eixos e visadas de tal formação. O risco seria o de termos uma disciplina que, no conjun to das escolas, geraria seja um caos impressionista e dispersivo, seja uma concentração burocratizada de “padrões” cristalizados, aquém não só das efetivas necessidades sociais, mas sobretudo dos conhecimentos práticos e das experiências vividas no dia -a-dia dos jovens em suas permeações mediáticas. Se não encontramos essa formação básica, deveríamos concluir que a sociedade se acha atravessada por um espontaneísmo disperso, entregue ao caso a caso de uma socialização meramente conjuntural e dependente das experiências subjetivas individuais? Âmbitos de formação e socialização Observamos, inversamente, todo um trabalho social de enfrentamento. Conhecemos a grande variedade de experiências educativas que vêm sendo desenvolvidas pelo menos desde os anos 70, a partir de preocupações diversas sobre a incidência da mídia no espaço social, estimuladas por uma justa preocupação defensiva; e mais recentemente, com a visada de tornar pessoas e grupos competentes para interação com ambiente s mediatizados e/ou através de processos de mídia. Essa diversidade decorre das concepções sobre a mídia e sobre os sentidos sociais desta, das diferentes preocupações pedagógicas, dos objetivos educacionais, mas também da 4 Mesmo nos países de formação educacional muito mais avançada e estruturada que no Brasil. 3 variedade de circunstâncias específicas dos educandos que exigem reflexão e formação . Como observa Geneviève Delaunay -Jacquinot (2002), o trabalho educacional sobre os meios envolve “práticas [...], concepções de educação e de mídias mais freqüentemente implícitas que explícitas, assim como contextos sociais, pol íticos, educativos e culturais extremamente variados e em constante evolução” (tradução nossa). Em sua tese de doutoramento (1998), José Martinez-de-Toda, percebendo essa variedade, faz um amplo trabalho de sistematização, em que agrega a variedade de prop ostas, conceitos e experiências em seis grandes conjuntos, organizados com base no tipo de sujeito (educando) que têm como meta . Os conjuntos são organizados em torno dos seguintes: o sujeito mediaticamente “alfabetizado”; o sujeito consciente; o sujeito ativo; o sujeito crítico; o sujeito social; e o sujeito criativo. Martinez-de-Toda propõe reunir os seis tipos de sujeitometa encontrados nas experiências e propostas, articula ndo-os enquanto dimensões relevantes em uma formação completa. 5. A própria necessidade de tal trabalho organizador evidencia o estado de abrangência complexa em que a questão ainda se encontra. Por isso mesmo, o trabalho de articulação proposto por Martinez-de-Toda é precioso, fornecendo uma visão abrangente de questões pertinentes ao sujeito (como indivíduo e como parte de grupos) no que se refere aos modos de sua inscrição em uma sociedade “mediatizada”. Por outro lado, o sujeito-meta complexo proposto não parece corresponder ao tipo de formação básica/mínima, de função transversal, caracterizador dos requerimentos mínimos de cidadania. Ao contrário, corresponderia a um modelo ideal “máximo” de cidadania. Voltaremos a essa questão. O fato é que, apesar da diversidade – que não nos parece dispersão caótica, mas sim um processo decorrente da própria variedade de questões em pauta (conceituais e práticas, sociais e de aprendizagem) – pode-se constatar que a sociedade, correlatamente aos deslocamentos interacionais em que se encontra, a partir das incidências mediáticas, vem se preparando e ativamente testando suas possibilidades de formação. A variedade demonstra, também, que estamos ainda (enquanto sociedade) aprendendo os processos midiáticos em suas potencialidades (e também em seus riscos) como processo interacional de referência. Em fase de implantação de uma processualidade interacional que tensiona dialeticamente os processos básicos vigentes, de cultura escrita, a sociedade ainda 5 Estamos elaborando outro artigo em que discutiremos detalhadamente a perspectiva de Toda e sua contribuição para a Educação para os Meios. 4 aprende o que deve ensinar . Essa situação histórica coloca exigências especiais para o desenvolvimento dos programas pedagógicos. Uma aprendizagem social Aquém da praxiologia educacional, outros procedimentos sociais também resultam em aprendizagem. Embora, na prática, os dois níveis mantenham relações de fluxo, convém distinguir conceitualmente “process os educacionais” e “aprendizagem social”. Na primeira dessas duas alternativas, a intencionalidade formadora é preponderante 6. Corresponde a procedimentos planejados, a seleção de competências previstas, a objetivos pré-figurados, à presença, com algum de staque, da função-de-ensino – para a qual se exigem conhecimentos e experiência prática e educacional relativa aos meios. A aprendizagem social, por sua vez, seria aquela em que a sociedade aprende através dos próprios processos práticos, ativos, tentativ os, de política do cotidiano (individual ou grupal) de enfrentamento dos desafios e dificuldades que concretamente se põem no cotidiano. Aqui, o aprender se destaca efetivamente do ensinar. A educação pressupõe um saber já aprendido – assumido, constituído, sistematizado. Com todas as ressalvas para a questão educacional (forte) de que não há ensino válido sem uma correlata aprendizagem pelo “ensinante”, a situação “escola” pede a existência de um papel bem definido de “conhecedor” (em algum nível, teórico ou prático, superficial ou profundo). Mesmo afastando-se de objetivos meramente “transmissivos ”, espera-se que o ensinante compreenda o gap existente entre a situação inicial do aprendiz e a situação pretendida, ainda que “em aberto” para a diversidade e para os móveis pessoais de quem aprende. Mesmo quando o professor é definido como “facilitador”, dispõe sempre , como ponto de partida, de um conhecimento aprendido anterior – que é o ponto ou ângulo que faz daquele indivíduo (ou grupo) o que tem maiores co ndições probabilísticas de “facilitar”. Nas áreas em que não dispomos de conhecimentos suficientemente consolidados, os processos de aprendizagem social são mais freqüentes e diversificados – porque são vinculados aos contextos imediatos em que se desenvol vem, e porque são tentativos. Além 6 Isso não significa que todos os procedi mentos no âmbito educacional sejam previstos e sistematizados. Em torno de um eixo organizador intencionado e dirigido, elaboram -se processos flexíveis e tentativos. 5 disso, são aportes relevantes (ao lado dos esforços mais abstratamente reflexivos e teorizantes) para o desenvolvimento do próprio conhecimento educacional referente. Encontramos tal aprendizagem nos âmbitos em que os usu ários da mídia se defrontam com esta em seu uso cotidiano. Há aprendizagem social nos terrenos da recepção – mesmo na simples defrontação com produtos comerciais da mídia, aprendem -se processos, recebe-se informação, cotejam-se referências diversas, desenv olve-se a percepção do relativismo das verdades pela simples confluência de informações culturais diversas. Essa aprendizagem se amplia, particularmente, na medida em que a recepção de uso se inscreva em âmbitos de interação sobre os produtos. Sabemos, pelos estudos de recepção, que os usuários dos meios são ativos: o gesto mesmo de selecionar preferências assim como os processos interpretativos são acionados pelas mediações sócio-culturais em que o usuário permeia. Competências pessoais e, particularmente, processos de socialização vão sendo desenvolvidos, com base em inserções anteriores – fazendo com que as interações de usuários (recepção) já resultem em aprendizagem. Há também aprendizagem social na produção/criação – particularmente (a) quando os processos profissionais ou de empresa mediática geram gêneros e formatos em sua busca infinda de “capturar” o pólo receptor; (b) quando oferecem modos e modelos interacionais que possam ser apropriados; (c) quando são efetivamente apropriados e transformados pa ra produções outras; (d) e finalmente, mais ainda, quando essa experimentação/criação produtiva é diretamente realizada em setores não -industriais da sociedade (para as quais a expressão em voga nos anos 70 e 80, era “produção alternativa”) – pela variação tentativa e pela concretude (contextualização forte) dos processos produtivos. Com o desenvolvimento crescente das redes informatizadas, a interação diretamente mediatizada, assim como o acesso ao acervo das informações mais diversificadas estimulam e desenvolvem competências que ultrapassam a “recepção ativa”, manifestando -se em processos de produção (de mensagens, de caminhos de busca, de materiais textuais e visuais). 6 Ressalvas e superação Algumas ressalvas podem ser feitas quanto à validade e à co nsistência de tal “formação”. A aprendizagem social, em tais processos difusos, apresenta limites: uma grande parte da formação e da socialização aí estimuladas se concentra nos objetivos pessoais dos usuários ou se refere a uma formação de competências me ramente temáticas. Aquisições de competências propriamente interacionais permanecem, provavelmente, no nível de práticas mudas (e por isso pouco transferíveis), não reflexivamente percebidas pelo usuário. Uma aprendizagem dependente das circunstâncias pess oais em que as pessoas se envolvem na sua vida prática seria espontaneísta, individualizante, relacionada a talentos pessoais. Mesmo quando o sujeito individual dessa socialização pragmática dela tire conseqüências relevantes , seria dispersiva, de reduzido interesse em nível propriamente social. Como assinala Jacques Piette (2001), o “conhecimento bem real que o jovem tem das mídias não significa necessariamente que seja um utilizador crítico” (tradução nossa). Em que condições os limites expressos nas ressalvas acima são ou podem ser superados? Percebemos alguns espaços em que essa superação ocorre. Uma parte da aprendizagem que decorre da inscrição socializadora do indivíduo se torna, por sua vez, aprendizagem social , seja porque já é gerada de modo colet ivo, seja porque pode se manifestar socialmente como aporte, exigência ou desafio. Não ficamos sempre no nível da aprendizagem “muda” – há a tendência crescente de que as práticas “se pensem” e se expressem, tanto mais quando sejam decorrentes de processos interacionais. Os conhecimentos da “sabedoria prática” são cada vez menos íntimos e mais compartilhados. Os estudos de recepção se voltam, coerentemente, para uma observação das condições sociais “anteriores” em que se dá o encontro do usuário com os pro dutos da mídia. As mediações sócio-culturais (que correspondem ao mundo da vida ), fornecem pontos de vista e sistemas de percepção segundo os quais o receptor exerce preferências e interpreta. Creio que não se tem enfatizado suficientemente, aí, a potencia lidade de as construções interpretativas elaboradas por setores da recepção se tornarem, por sua vez, sociais . Na “passagem ao social” de alguns dos processos daquela aprendizagem difusa sobre a mídia, alguns ângulos, objetivos e procedimentos tendem a se organizar de modo reiterado, 7 oferecendo modos e espaços segundo os quais se observa e critica a mídia. Tais dispositivos são, assim, essencialmente sociais – ultrapassando o gesto da recepção e oferecendo, com sua circulação social, um elemento propriamen te comunicacional de retorno. Os dispositivos sociais de crítica mediática Uma questão pertinente de estudo, em nossa preocupação com a circulação social do conhecimento sobre a mídia, é a de como tais significados produzidos pelo usuário ultrapassam a esfera individual ou micro-grupal, dentro de uma lógica de sociedade em que a midiatização se torna o processo interacional de referência . Estudamos essa questão no livro “A sociedade enfrenta sua mídia” (Braga, 2006) – em que constatamos a existência de u m “terceiro sistema”, ao lado dos processos de produção/emissão midiática; e dos processos de recepção. Trata-se do sistema social de interação sobre a mídia – em que esta, não só por seus temas, mas particularmente por sua processualidade comunicacional, se torna objeto de reflexão e troca de idéias e informações entre participantes sociais. Há então uma outra circulação na sociedade, além daquela produzida pelo aparato industrial e tecnológico mediático – é aquela em que a própria mídia é o objeto do comentário. No estudo referido, consideramos que da qualidade desse terceiro sistema depende largamente a qualidade dos processos segundo os quais a produção e a recepção se articulam – e a qualidade da interação social em sociedade mediatizada. Dentre os processos segundo os quais a sociedade “fala sobre a mídia”, assinalamos a particular importância do que chamamos de “dispositivos sociais de crítica mediática” (DSCM). Centramos nossa investigação em dispositivos críticos como os de media criticism, as críticas cinematográficas, debates sobre a mídia, estudos analíticos, depoimentos profissionais, sites de análise e denúncia. A permeação em tais DSCM se caracteriza como principal possibilidade de “aprendizagem social”, nos termos aqui expressos. Quando desenvolvemos a pesquisa referida, embora não tenhamos feito investigações específicas nessa direção, percebemos que experiências concretas de educação para os meios se caracterizariam como uma ordem especial de dispositivos sociais de crítica mediática. O trabalho educacional é um dos âmbitos de escolha em que tais processos superadores da 8 dispersão do conhecimento sobre a mídia (através da circulação das interpretações críticas e de uma passagem ao social) tem boas condições de se realizar. No presente estudo, em que estamos interessados nos processos de formação e socialização da interacionalidade mediatizada, convém distinguir os DSCM difusos na sociedade (resultando em aprendizagens contextuais, embora sem intencionalidade educativa formalizada) e os dispositivos propriamente educativos. Assinalada a diferença, é preciso perceber, por outro lado, a continuidade entre os DSCM não -educacionais e os processos com intencionalidade educativa. Nos DSCM gerais da sociedade, encontramos tipicamente uma relação cont extual imediata com determinados âmbitos da processualidade mediática (informação jornalística, entretenimento, cinema, modos pelos quais a mídia se refere a mi norias, referências formadoras ou inculcadoras); etc. Sobre tais aspectos, setores sociais desen volvem – através de uma relação de “contigüidade -e-tensionamento” – uma observação interessada. O trabalho crítico decorrente organiza pontos de vista, critérios, reflexões organizadas; desenvolve âmbitos de interlocução social, fazendo circular suas persp ectivas e posições. 7 No âmbito das atividades educacionais sobre a mídia , constatamos pelo menos dois níveis, historicamente complementares , de experiências e de desenvolvimento de conhecimentos. Em um desses níveis são desenvolvida s, por diferentes setore s sociais interessados (grupos comunitários, setores da sociedade civil, igrejas, etc.), experiências sociais formadoras voltadas para as necessidades sociais concretas dos grupos humanos com que interagem, buscando fornecer -lhes as bases para um trabalho interpretativo e/ou produtivo sobre a mídia. Com tais experiências, a sociedade aprende no concreto. São fornecidas, em estreita vinculação com o contexto sócio-cultural e seus interesses, bases para a experiência vivida; percepções sociais e culturais de valor; encaminhamentos práticos e criativos; pistas básicas para a reflexão; referências materiais; compreensão contextual . Pode-se dizer, então, que uma parte ao menos das experiências de educação para a mídia se desenvolve perto das 7 Desde o início do século XX, as perspectivas da Escola Ativa se voltaram para o valor da s relações entre os processos educacionais e a experiência vivida. Ver nesse sentido Hameline, Jornod e Belkaïd (1995). 9 aprendizagens sociais (ou seja: estão mais próximas das circunstâncias de “aprendizagem social” que da aprendizagem escolar abrangente e de enfoque reflexivo). Em outro nível menos diretamente contextualizado, o sistema escolar formal busca depurações transversais, maior form alização conceitual, abrangência, generalidade. Procura fornecer bases analíticas, sustentabilidade teórica, encaminhamentos refletidos (método), explicações processuais, questionamento em busca de elucidação e avanço. Sobretudo, deveria formar pessoas com percepção abrangente, que possam “atualizar” com eficiência essa formação abrangente em interações formadoras direcionadas e concretas. Podemos então sugerir uma seqüência contínua de processos de aprendizagem sobre mediatização, em uma dimensão na qual, em um extremo, temos um máximo de contextualização imediata e menor grau de organização pedagógica do aprender; e no outro extremo, inversamente, preocupações contextuais mais distantes ou mais abrangentes, e visadas mais focadas no educacional : (a) os dispositivos sociais de crítica mediática “difusos”, sem intencionalidade ou planejamento pedagógico expresso (embora certamente exercendo, como constatamos na investigação referida, uma funcionalidade formadora e socializadora); (b) experiências de “educaç ão para os meios”, dos mais diversos recortes, caracterizadas por uma preocupação expressamente formadora, mas diretamente vinculadas às condições sociais concretas para as quais aquela formação é percebida como socialmente necessária ; e (c) formações educacionais sobre processos comunicacionais gerais da processualidade da mediatização. Essa dimensão, na verdade, seria contínua – as diferentes experiências podem se situar em qualquer ponto, em toda a extensão de variações. Parece-nos que, do conjunto de tais processos, em suas relações de fluxo e em seus aportes mútuos, é que podemos pretender uma ampliação do próprio conhecimento comunicacional sobre a mídia (por um lado) e um aperfeiçoamento dos modos pelos quais a sociedade, tornando-se contextualmente mais esclarecida e mais competente para tratar com “sua mídia”, enfrente segundo seus melhores interesses aqueles desafios abordados em nosso artigo anterior. As atividades dos DSCM difusos na sociedade são, pela própria crítica que desenvolvem, âmbitos de experimentação diretamente social de processos de interpretação e de enfrentamento na interação mediática. As experiências de educação para a mídia que 10 funcionam em termos de forte contextualização social imediata desenvolvem atividades próximas às dos demais DSCM – podendo aprender com estes no que se refere a pontos de vista, a metas e critérios, na geração de proce ssos críticos como conhecimento. Um trabalho educacional “sistematizador” buscaria nestas experiências (e em outras , não expressamente educativas – mas críticas) o seu processo de geração de percepções e encaminhamentos, para gerar conceitos, teoria, depuração, sistematização, e aí produzir “programas pedagógicos” mais abrangentes. Assim, ensinar os meios parece estar sendo uma boa tática de s ociedade para aprender os meios. A proximidade com as condições concretas “pede” um trabalho reflexivo necessariamente articulado com os procedimentos educacionais dirigidos por tais condições concretas e pelo ensino a ser aí desenvolvido. O âmbito abrangente para desenvolvimento de respostas Se nossas reflexões estão adequadamente encaminhadas, no que se refere à mediatização da sociedade, estamos em uma circunstância histórica na qual, não dispomos ainda de conhecimentos sistematizados e abrangentes sufi cientemente organizados e consensuais sobre as lógicas interacionais da mídia para gerar programações pedagógicas “gerais e básicas” (transversais a todos). Os esforços educacionais estariam ainda , adequadamente, trabalhando nas proximidades de contextos i mediatos de aprendizagem social, para buscar aí a variedade de circunstâncias concretas na quais as potencialidades, as dificuldades e os desafios se evidenciam. Haveria, ainda, alguma dificuldade para generalizar programas pedagógicos, pois estes não são facilmente transferíveis para situações sociais diversificadas ou abrangentes (formação de base). Com essa perspectiva, o trabalho sistemático de Martinez -de-Toda desenvolve uma especial produtividade – porque através da percepção abrangente e organizada que oferece, viabiliza uma compreensão sobre requisitos que a sociedade, por seus educadores e pesquisadores, tende a atribuir a uma formação para os meios. Uma tarefa que resta a desenvolver, entretanto, é a de distinguir , dentro dessa percepção abrangente, quais seriam os requerimentos mais especificamente voltados para a processualidade interacional mediática; e quais as solicitações determinadas por circunstâncias outras, dos contextos imediatos ou amplos. 11 Percebemos, na maioria das experiências e das visadas teóricas sistematizadas por Martinez-de-Toda, uma presença forte de motivações sociais que, de pontos diversos da sociedade, determinam preocupações com a mídia e seus processos. Assim, questões políticas, culturais, éticas, de criatividade artíst ica e cultural, problemas de minorias, de setores excluídos, etc., comandam as relações de contigüidade e tensionamento com a mídia, fazendo perceber as necessidades críticas, formadoras e de socialização dinâmica. A tal ponto que tais elementos, que podemos chamar de “mais-que-a-mídia”, compõem uma parte relevante das experiências formadoras e das propostas praxiológicas em educação para os meios. De certo modo, o sujeito-meta complexo resultante da agregação das seis dimensões de Toda, corresponde ao cidadão integral almejado para uma sociedade em mediatização. É nesse ângulo que percebemos a proposta como um “modelo ideal máximo” – visão certamente positiva pelo trabalho de compreensão abrangente. Quando se trata de fazer uma passagem a processos concret amente formadores, porém, o modelo máximo oferece uma dificuldade prática: uma parte significativa dos aportes não se refere propriamente a um trabalho concentrado de formação e socialização em processos mediáticos. Correspondem, antes, a insumos educacion ais que seriam melhor desempenhados nos âmbitos da filosofia, da ciência política, da sociologia, dos conhecimentos de lingüística, da cultura, das artes – e da própria Educação como disciplina de conhecimento e praxiologia. Incluir todos estes aspectos “ mais-que-a-mídia” em uma formação para a sociedade mediatizada corresponderia a tentar refazer, dentro da educação para os meios, um arco formador que a Escola, em princípio, já faz (ou deveria fazer) na formação ampla do cidadão. Por outro lado, simplesm ente excluir tais considerações gerais “de sociedade” e de socialização da formação para os meios, arriscaria esvaziar a substância motivadora e crítica do processo de aprendizagem, transformando esse trabalho em mero repasse de questões técnicas, práticas de produção e exercícios superfi ciais de leitura interpretativa. Reconhecendo o nível “mais -que-a-mídia”, decorrente das motivações sociais que fazem avançar muitos dispositivos sociais de crítica mediática (entre estes, experiências concretas de formação educacional vinculadas a contextos imediatos), precisaríamos então de desenvolver visadas articuladoras gerais. Trata-se então de, percebendo as exigências contextuais e decididamente levando -as em conta, evitar perder-se nas prevalências para cuja form ação outros âmbitos (como os 12 daquelas disciplinas acima referidas) seriam mais adequado s. No ângulo propriamente comunicacional de uma formação para os meios , estaríamos então preocupados justamente com as características interacionais e com os desafios po stos pela interacionalidade mediática em construção. Nesse sentido, o que propomos em nosso artigo sobre Mediatização poderia ser produtivamente relacionado com as dimensões sistematizadas por Toda – com duas visadas praxiológicas complementares. Em uma delas, trata-se de assumir (preliminarmente) aquelas características e desafios dos processos interacionais da mediatização como conceitos mais gerais para “testar” e organizar as motivaçõe s sociais “mais-que-mediáticas” – analisando o que estas oferecem para uma formação coerente com aqueles conceitos; e percebendo como podem ser pensadas para atender às características e para enfrentar os desafios propriamente interacionais. Na segunda visada praxiológica, complementar necessária da primeira, trata -se de esquadrinhar a variedade de motivações, de critérios, de processos críticos concretos, de interlocuções buscadas nestes ambientes de DSCM (educacionais ou não) para realimentar e desenvolver, em abrangência e profundidade, nosso conhecimento sobre as carac terísticas gerais da mediatização como processo interacional de referência; e sobre os desafios postos por essa transição e pelas situações ainda não claramente percebidas. Na articulação de tais espaços – dos DSCM; das experiências concretas e contextualizadas de Educação para os Meios; dos estudos reflexivos sobre uma educação geral do cidadão no âmbito mediatizado; e de uma compreensão continuadamente desenvolvida dos processos interacionais mediáticos abrangentes – estaria o âmbito de preferência em que encontraremos dados e estímulos para refletir e agir em direção a uma formação e socialização para a sociedade de interação mediatizada. 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