ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA
DEPARTAMENTO DE ESTUDOS
CAEPE 2011
MONOGRAFIA (CAEPE)
Rede Brasileira de Radiocomunicação Segura: uma opção
nacional
Código do Tema: 14/333
Delegado de Polícia Federal
José Luiz Povill de Souza
JOSÉ LUIZ POVILL DE SOUZA
REDE BRASILEIRA DE RADIOCOMUNICAÇÃO SEGURA:
uma opção nacional
Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia
apresentada ao Departamento de Estudos da
Escola Superior de Guerra como requisito à
obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos
de Política e Estratégia.
Orientador: Engenheiro Simon Rosental.
Rio de Janeiro
2011
C2011 ESG
Este trabalho, nos termos de legislação
que resguarda os direitos autorais, é
considerado propriedade da ESCOLA
SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É
permitido a transcrição parcial de textos
do trabalho, ou mencioná-los, para
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Os conceitos expressos neste trabalho
são de responsabilidade do autor e não
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_________________________________
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Souza, José Luiz Povill de.
REDE BRASILEIRA DE RADIOCOMUNICAÇÃO SEGURA: uma
opção nacional / Delegado de Polícia Federal José Luiz Povill de
Souza. Rio de Janeiro: ESG, 2011.
43 f.: il.
Orientador: Engenheiro Simon Rosental
Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como
requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política
e Estratégia (CAEPE), 2011.
1. Radiocomunicação. 2. Compartilhamento de infraestrutura de
rede. 3. Gestão participativa. 4. Interoperabilidade. I.Título.
Dedico esta monografia a três pessoas, minhas
duas filhas Fernanda e Eloah, exemplos de
dedicação ao estudo e minha esposa Roseli,
exemplo de apego à família.
Aos
amigos
da
Turma
Segurança
e
Desenvolvimento, por um ano de convivência que
vale por uma vida.
Aos Professores, pela oportunidade de conhecer
o Brasil.
Aos Funcionários da ESG, pela gentileza em
todos os momentos.
À Direção, pela perseverança em manter as
tradições da Escola.
O dom da fala foi concedido aos homens não para que eles
enganassem uns aos outros, mas sim para que expressassem
seus pensamentos uns aos outros.
Santo Agostinho
RESUMO
A radiocomunicação constitui uma ferramenta importante para as atividades das
forças de defesa social. Em situações críticas, uma equipe de salvamento ou de
preservação da ordem necessita estar conectada a um centro de comando
operacional para providenciar auxílio externo, se necessário, e, ao mesmo tempo,
com todos os seus componentes para repassar instruções sobre os procedimentos.
Ao longo dos anos, cada órgão de defesa desenvolveu suas próprias redes de
radiocomunicação, seguindo um modelo de investimento proposto para a telefonia e
radiodifusão, no qual a concorrência entre fabricantes e fornecedores era fator
primordial à melhoria da qualidade dos equipamentos e serviços oferecidos à
população. No Brasil, a independência entre as três esferas de poder definida pelo
sistema federativo e o incentivo à livre concorrência, favoreceu a criação de redes
isoladas a partir de tecnologias incompatíveis, o que dificulta a integração das forças
em operações conjuntas. A recente estruturação da rede de radiocomunicação da
Polícia Federal em âmbito nacional tornou-se um estímulo à concepção de um
projeto federativo que contemple a interoperabilidade de redes, a integração dos
órgãos das três esferas administrativas, o compartilhamento da infraestrutura e a
gestão participativa de recursos. As soluções adotadas em diversos países servem
de paradigmas e indicam as tendências para os próximos anos, considerando as
novas tecnologias, os modelos de gestão apropriados ao sistema federativo e a
diversidade de aplicações. Portanto, este estudo aborda aspectos históricos da
radiocomunicação e propõe a criação de uma rede nacional para uso das forças de
defesa social aproveitando a infraestrutura do sistema de comunicação da Polícia
Federal do Brasil.
Palavras Chave: Radiocomunicação. Compartilhamento de infraestrutura de rede.
Gestão participativa. Interoperabilidade.
ABSTRACT
Radio communication is an important tool for the activities of the forces of social
defense. In critical situations, a rescue team or a team for order maintenance needs
to be connected to an operational command center in order to provide external aid, if
necessary, and, at the same time, with all its components in order to pass instruction
about the procedures. Over the years, each defense institution has developed its own
radio networks, following a model of investment proposed for telephony and
broadcasting, in which competition between manufacturers and suppliers was a key
factor to improve equipment and services offered to the population. In Brazil, the
independence between the three branches of power is defined by the federal system
and incentivates free competition, favoring the creation of isolated networks based in
incompatible technologies, which makes it difficult to integrate the forces in joint
operations. The recent re-structure of the radio network of the Federal Police in
national level became a stimulus for the design of a federal project contemplating
interoperability of networks, integration of three levels of administrative organs,
sharing of infrastructure and participatory management of resources. The solutions
adopted in various countries serve as paradigms and indicate the trends for the next
years, considering new technologies, proper management models for the federal
system and diversity of applications. Therefore, this study covers historical aspects of
radio and proposes the creation of a network to be used by all national defense
forces infrastructures, taking advantage of the social communication system of the
Federal Police of Brazil.
Keywords: Radio communication. Network infrastructure sharing. Participative
management. Interoperability
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
QUADRO 1
Esquema da estrutura da rede de radiocomunicação segura da
Polícia Federal ...................................................................................19
QUADRO 2
Esquema da estrutura da rede de radiocomunicação segura da
Alemanha............................................................................................23
QUADRO 3
Esquema da estrutura da rede de radiocomunicação segura da
França............................ ....................................................................26
QUADRO 4
Esquema da estrutura da rede de radiocomunicação segura da
Espanha........................ .....................................................................27
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ............................................................................................... 10
2
2.1
2.2
2.3
2.4
BREVE HISTÓRICO DAS TELECOMUNICAÇÕES
TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL IMPÉRIO ............................................. 11
TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL REPÚBLICA ........................................ 12
A COMUNICAÇÃO SEM FIOS: UM PIONEIRO NO BRASIL ......................... 13
MARCO LEGAL: UMA QUESTÃO DE OPORTUNIDADE .............................. 13
3
3.1
3.2
3.2.1
3.3
3.4
3.5
3.5.1
3.5.2
3.5.3
3.5.4
CENÁRIO ATUAL
A RADIOCOMUNICAÇÃO NOS ÓRGÃOS DE DEFESA SOCIAL:
DIVERSIDADE DE SOLUÇÕES ..................................................................... 15
REDE DA POLÍCIA FEDERAL ........................................................................ 16
Dificuldades relevantes do projeto ............................................................. 17
INICIATIVAS E PROJETOS OFICIAIS: UMA NOVA PERSPECTIVA ............. 18
PARCERIAS COMUNITÁRIAS: O PODER DA COMUNICAÇÃO................... 20
AS GRANDES REDES GOVERNAMENTAIS NO MUNDO ............................ 22
A experiência alemã ..................................................................................... 22
A experiência francesa ................................................................................. 24
A experiência espanhola .............................................................................. 25
A experiência norte-americana .................................................................... 27
4
4.1
4.2
4.3
CENÁRIO PROSPECTIVO
COMARTILHAMENTO DE SISTEMAS .......................................................... 28
OPERAÇÃO CONJUNTA E COORDENAÇÃO INTEGRADA ......................... 29
REDES DO FUTURO ..................................................................................... 30
5
5.1
5.2
5.3
5.4
5.5
5.5.1
5.5.2
5.5.3
5.5.4
5.5.5
5.6
PROPOSTA DE UMA REDE BRASILEIRA DE RADIOCOMUNICAÇÃO
VENCENDO AS BARREIRAS DO SISTEMA FEDERATIVO .......................... 32
PADRONIZAÇÃO TECNOLÓGICA: UMA QUESTÃO DE GOVERNANÇA .... 33
APROVEITANDO A BASE INSTALADA ......................................................... 34
ARCABOUÇO JURÍDICO-REGULATÓRIO ................................................... 35
VANTAGENS OPERACIONAIS ...................................................................... 36
Comunicação nos centros de gerenciamento de crise ............................. 36
Segurança das transmissões ...................................................................... 36
Comunicação nos centros de comando e controle integrados ................ 37
Expansão planejada do sistema .................................................................. 37
Logística de manutenção ............................................................................. 37
IMPACTOS PROVÁVEIS NA SEGURANÇA PÚBLICA .................................. 38
6
CONCLUSÃO ................................................................................................. 39
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 41
10
1
INTRODUÇÃO
No ano em curso, o Departamento de Polícia Federal finalizará a instalação
da rede INTEGRAPOL de radiocomunicação digital com cobertura em todas as
capitais do País. Durante a implantação, foi possível perceber que diversas forças
estaduais de segurança e representações regionais de órgãos federais congêneres
não dispunham de sistemas com as mesmas potencialidades.
A configuração da INTEGRAPOL, por sua vez, permite tanto a expansão da
capacidade de cobertura, como o compartilhamento da infraestrutura com outros
órgãos públicos, sem prejuízo da qualidade ou da confiabilidade das informações
transmitidas. Desde que ocorram alguns investimentos de ampliação do parque
tecnológico e se definam protocolos de serviços.
Paralelamente, os governos de diversos países têm reforçado a integração
dos órgãos de defesa social, como forma de ampliar a capacidade de resposta em
situações de catástrofes naturais, agravadas pelas mudanças climáticas e ocupação
intensiva do solo e, em ações de segurança pública, em face do recrudescimento do
crime organizado e do terrorismo.
Uma das providências comuns dos países que seguem o modelo de
integração é a construção de redes seguras de radiocomunicação para seus órgãos
de segurança pública, através da padronização de protocolos que garantam a
interoperabilidade entre equipamentos e tecnologias, ou por meio de investimento
direto em infraestrutura de rede.
O objeto deste estudo consiste na identificação de fatores conjunturais que
indiquem um caminho viável para a construção de uma rede nacional de
radiocomunicação segura, que facilite a operação conjunta dos órgãos de segurança
e, consequentemente, potencialize a capacidade do Estado brasileiro de prover
segurança às pessoas e instituições, aproveitando a rede da Polícia Federal como
embrião de um projeto nacional.
A base de pesquisa está centrada em notícias, apresentações, discursos,
normas e projetos que expressam o reconhecimento das vantagens de uma rede
governamental para a segurança pública, em contraste com a ausência de iniciativas
neste sentido, até agora verificada.
11
2
BREVE HISTÓRICO DAS TELECOMUNICAÇÕES
A transmissão de conhecimentos por meio da fala é uma das mais antigas
habilidades desenvolvidas pelo Homem. Silvana Gontijo em sua obra intitulada O
Livro de Ouro da Comunicação (2004, p. 14) descreve:
houve um tempo em que comunicação à longa distância era o som da voz
humana ecoando pelos vales, e a tecnologia mais avançadas significava um
jeito melhor de lascar a pedra. E o mundo, por mais vasto que fosse,
acabava no horizonte, onde a vista alcançava.
Outras formas de comunicação foram importantes para o desenvolvimento
da cultura, como o gesto, o desenho, a comunicação visual e a escrita. Porém, na
visão da historiadora, “a linguagem oral foi a aquisição mais valiosa de toda a
humanidade” (GONTIJO, 2004, p. 15).
A distância entre os interlocutores constituía o principal obstáculo à
comunicação verbal. Por muitos séculos, os sinais visuais serviram como principal
meio de comunicação em longas distâncias. O exemplo mais expressivo é o sistema
de faróis que orientava os navegantes.
Na metade do século XIX, o pintor e físico norte-americano Samuel Morse
desenvolveu um código para telégrafos elétricos dando início à exploração comercial
de uma descoberta tecnológica que inaugurou a era das telecomunicações por
ondas eletromagnéticas.
2.1
TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL IMPÉRIO
Entre 1852, ano da inauguração da primeira linha de telegrafo elétrico no
Brasil ligando o palácio da Quinta da Boa Vista ao quartel da Polícia e 1870, quando
o inglês Charles Bright recebeu autorização do Imperador para instalar e operar
linhas que ligariam o norte ao sul do Brasil, todas as iniciativas de instalação de
telégrafos permaneceram nas mãos do governo.
Sob o pretexto de expandir o serviço de telegrafia, que dependia do
lançamento de cabos submarinos e consequentemente de investimentos pesados e
novas tecnologias, o poder público lançou mão de concessões de exploração.
Porém, manteve a propriedade das linhas de transmissão.
12
Em relação à telefonia, as iniciativas de exploração experimentaram maior
liberdade. Em 1879, três anos após a invenção do telefone, a empresa americana
Bell Telephone Co recebeu concessão para construir e operar linhas na capital do
Império. Durante os anos que se seguiram, apesar da importância comercial, o
Império apenas exerceu o poder normativo sobre a rede, que por definição legal era,
de fato, sua propriedade.
A telegrafia no Brasil, no entanto, desenvolveu-se sobre marcos regulatórios
que se alternavam. Ora o governo monopolizava a construção e a manutenção das
linhas para explorar diretamente os serviços através de seus órgãos, ora terceirizava
a exploração através de concessões, principalmente quando os investimentos
necessários superavam a capacidade do Império.
2.2
TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL REPÚBLICA
O fim da Monarquia no Brasil e o estabelecimento do sistema federativo
acrescentaram novas variáveis no panorama das comunicações, sintetizadas no
livro que reproduz a história da EMBRATEL:
o princípio de descentralização político-administrativa, presente na
Constituição de 1891, foi o principal responsável pela emergência de um
conjunto de medidas referentes à área de telecomunicações, cujo traço
comum era a atuação do setor privado em mercados fragmentados. Sob a
égide da nova Carta, as unidades da federação passaram a dispor de
políticas próprias para as telecomunicações e muitos estados reproduziram
este espírito descentralizador para os municípios (BRASIL, 1998, p.11).
Nas décadas seguintes, o Brasil experimentou um crescimento acelerado
nas telecomunicações. A telegrafia contou com o espírito desbravador de Cândido
Rondon, na vanguarda da Comissão Construtora de Linhas Telegráficas do Mato
Grosso ao Amazonas, enquanto a Repartição Geral dos Telégrafos, em outra frente,
projetava novas linhas ao Sul e ao Oeste. Em 1928, a rede perfazia um total de
55.859 km, com 1.350 estações.
Diferente sorte acompanhou o desenvolvimento da telefonia nas primeiras
décadas do século XIX. Empresas estrangeiras conduziam todo o processo de
implantação da infraestrutura, concentrando os investimentos nos grandes eixos da
economia, por onde os lucros eram certos.
13
Em 1929, a CTB (iniciais do nome aportuguesado da Brazilian Telephone
Company, constituída da unificação das subsidiárias da Light) administrava 42.353
linhas instaladas na cidade do Rio de janeiro, 51.954 linhas no Estado de São Paulo,
5.843 linhas no Estado do Rio de Janeiro e 3.059 linhas em Minas Gerais.
2.3
A COMUNICAÇÃO SEM FIOS: UM PIONEIRO NO BRASIL
Outras tecnologias de comunicação eram pesquisadas paralelamente à
telefonia e à telegrafia por fios metálicos. Na radiocomunicação utilizavam-se ondas
eletromagnéticas para transmissão de sinais através do ar. O Padre brasileiro
Roberto Landell de Moura patenteou nos Estados Unidos da América, no início do
século XX, aparelhos capazes de emitir e captar ondas eletromagnéticas,
precursores do telefone e telégrafo sem fios.
Em decorrência de interesses militares, a radiotelegrafia foi monopolizada
pelo estado, servindo principalmente às comunicações marítimas.
A radiodifusão, outra inovação da época, teve um início marcado pela
transmissão de programas culturais em prol do lazer e da integração nacional. Após
1932, quando foi autorizada a propagandas comerciais dos patrocinadores, a
radiodifusão transformou-se em um poderoso instrumento de divulgação de serviços
e produtos de mercado.
2.4
MARCO LEGAL: UMA QUESTÃO DE OPORTUNIDADE
Enfim, da leitura dos fatos históricos precedentes, é possível perceber que a
expansão dos serviços de telecomunicação por meio de fios metálicos (telegrafia e
telefonia) ocorreu com base em posturas governamentais distintas da expansão dos
serviços associados à emissão de ondas eletromagnéticas (radiotelegrafia e
radiodifusão).
Em certos períodos, a falta de domínio tecnológico e a percepção do atraso
em relação aos outros países pressionaram a abertura do setor à iniciativa privada,
permitindo o estabelecimento de empresas estrangeiras no Brasil.
Em outros, a exacerbação do poder central e a pressão popular sobre a
necessidade de redução das diferenças regionais conduziram à predominância da
14
estatização do setor de telecomunicações, com a instituição de monopólios e
restrições aos investimentos externos e privados.
Por último, o movimento neoliberal, revitalizado na década de 90 com o fim
das barreiras impostas durante o período da guerra-fria, definiu o atual modelo,
calcado na livre competição e na diversidade de operadoras, como expressa a Lei
Geral de Telecomunicações (BRASIL, 1997):
Art. 6° Os serviços de telecomunicações serão organizados com base no
princípio da livre, ampla e justa competição entre todas as prestadoras,
devendo o Poder Público atuar para propiciá-la, bem como para corrigir os
efeitos da competição imperfeita e reprimir as infrações da ordem
econômica.
Restou ao governo a regulação do setor de forma a evitar a deterioração dos
serviços e o preço abusivo.
Atualmente a Anatel, autarquia especial independente, regula os serviços de
telecomunicações no Brasil, com a missão de promover o desenvolvimento e dotar o
País de infraestrutura moderna que ofereça serviços de qualidade a preços justos.
15
3
CENÁRIO ATUAL
3.1
A RADIOCOMUNICAÇÃO NOS
DIVERSIDADE DE SOLUÇÕES
ÓRGÃOS
DE
DEFESA
SOCIAL:
A comunicação é uma ferramenta primordial na condução de missões de
salvamento e segurança. Esta afirmação pode ser comprovada pela simples
observação das rotinas operacionais. Uma equipe de campo ou um grupo de
especialistas podem ser acionados através da telecomunicação, sem a necessidade
de que estejam em uma base fixa, estabelecendo um canal de comunicação seguro
e estável entre o local da operação e um centro de comando. Em situações de
desastre ou incidente de segurança uma informação oportuna pode salvar vidas e
evitar riscos comuns profissionais.
A opção pelo rádio ocorreu há muitos anos, certamente em razão dos baixos
custos, considerando-se, todavia, as características acima mencionadas, pois o
telefone convencional traz a limitação de transmitir mensagens apenas de um ponto
fixo a outro e o telégrafo, o inconveniente da necessidade de codificação e
decodificação de sinais.
A Lei Geral das Telecomunicações, entretanto, reproduzindo as mesmas
premissas que valorizaram a competição e a diversidade de investimentos, como
garantia de qualidade e preços baixos dos serviços, principalmente, após a
privatização do setor, acabou por incentivar a construção de redes federais,
estaduais e municipais sem o estabelecimento de um padrão tecnológico que
facilitasse o compartilhamento de recursos e a integração dos órgãos de defesa
social:
Art. 2° O Poder Público tem o dever de:
I - garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a
tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas;
II - estimular a expansão do uso de redes e serviços de
telecomunicações pelos serviços de interesse público em benefício da
população brasileira;
III - adotar medidas que promovam a competição e a diversidade
dos serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade
compatíveis com a exigência dos usuários;
IV - fortalecer o papel regulador do Estado;
V - criar oportunidades de investimento e estimular o
desenvolvimento tecnológico e industrial, em ambiente competitivo;
VI - criar condições para que o desenvolvimento do setor seja
harmônico com as metas de desenvolvimento social do País (BRASIL,
1997).
16
Estas particularidades,
perceptíveis
pela
multiplicidade
de soluções
adotadas ao longo dos anos, continuam produzindo os mesmos efeitos na
atualidade. Pois, alguns estados que investiram recentemente em novos sistemas de
radiocomunicação, substituindo a tecnologia analógica pela digital, sequer ajustaram
seus projetos, uns com os outros, ou mesmo com a União, para buscar simetrias
que facilitassem as operações integradas de suas forças de defesa ou a
racionalização dos custos de manutenção do sistema.
3.2
A REDE DE POLÍCIA FEDERAL
Em 2005, a Polícia Federal iniciou a primeira fase da implantação de uma
rede de radiocomunicação digital nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro e
Distrito Federal. Adquirida dentro dos programas PROMOTEC e PRO-AMAZÔNIA, a
rede INTEGRAPOL, como é chamada pelos policiais, foi concebida para substituir a
rede analógica antiga, levando em conta os requisitos fixados pela Divisão de
Telecomunicações da Polícia Federal, entre eles: a possibilidade transmitir dados,
uso de protocolo aberto (tecnologias não proprietárias), sistema de localização de
veículos, criptografia ponta a ponta, reconhecidos casos de sucesso em uso por
forças de segurança e possibilidade de compartilhamento com outras instituições.
A tecnologia TETRAPOL foi selecionada em processo especial que contou
com a assessoria da Fundação ATECH, empresa especializada em soluções
tecnológicas. As tecnologias concorrentes foram a TETRA e a APCO 25, que
juntamente com o TETRAPOL integram o conjunto de protocolos empregados em
sistemas profissionais de radiocomunicação.
A rede INTEGRAPOL recebeu investimentos na ordem de 100 milhões de
dólares americanos para a aquisição de equipamentos e serviços. Em seu formato
final serão instaladas 98 estações rádio base, nove centros de controle e uma
plataforma de treinamento para capacitação de técnicos brasileiros. Até o final de
2011, quando o projeto estiver concluído, 9.000 terminais estarão ativos em todo o
Brasil.
17
3.2.1 Dificuldades relevantes do projeto
É importante abordar as dificuldades do projeto inédito na Administração
Pública Federal. A partir delas será possível a comparação das vantagens e
desvantagens do compartilhamento da infraestrutura com outros órgãos de defesa
social que estejam planejando implantar redes de radiocomunicação próprias nos
próximos anos.
As dificuldades foram relatadas pelo gerente do projeto em sua monografia
de conclusão do Curso Especial de Polícia, ministrado na Academia Nacional de
Polícia (CAVALLIN, 2007). Resumidamente, foram:
a) Baixa precisão das informações levantadas pelas equipes de campo
sobre a localização dos melhores sítios, gerando retrabalho na fase de
engenharia de rádio e atrasos no cronograma.
b) Dificuldades no processo de negociação com os proprietários dos sítios
escolhidos, por falta de uma legislação que obrigue a cessão para fins de
utilidade pública.
c) Alterações constantes no projeto de rádio engenharia, devido ao
insucesso da negociação de alguns sítios previamente escolhidos.
d) Ausência de software adequado para predição em novos estudos de
cobertura.
e) Falta de mão de obra especializada em tecnologia TETRAPOL nos
quadros da Polícia Federal na fase inicial da implantação.
f) Interferências de outras fontes emissoras detectadas apenas na fase de
implantação ou ativação. Houve neste caso a necessidade de
acionamento da Agência Nacional de Telecomunicações.
g) Aprovação das obras civis de adequação dos sítios que envolvem
serviços de engenharia, pareceres jurídicos e autorizações de ambas as
partes envolvidas na negociação.
h) Instalação e configuração dos links que ligam as estações rádio base aos
centros de comando, em razão da localização dos sítios e inexperiência
das operadoras com os protocolos de comunicação dos equipamentos.
18
Estrutura da rede INTEGRAPOL
3.3
INICIATIVAS E PROJETOS OFICIAIS: UMA NOVA PERSPECTIVA
No ano de 2006, a alta Administração Pública Federal enviou uma
mensagem ao Congresso Nacional, no qual são apresentadas as metas e desafios
do governo para aquele ano.
Entre outras ações e projetos destacam-se alguns referentes à Segurança
Pública, dentre eles os investimentos realizados na implantação da Rede de
Comunicação da Polícia Federal nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e
Brasília:
[...] é importante lembrar, ainda, que a Rede de Radiocomunicação Digital
(TETRAPOL), que está sendo implantada, atuará como base tecnológica do
sistema de radiocomunicação dos órgãos de segurança pública nos
Estados, permitindo transmissão de voz e dados de forma segura,
integrando as polícias estaduais à Polícia Federal e Rodoviária Federal.
Assim os investimentos em tecnologia de ponta realizados pela PF não
atendem apenas ao órgão, mas proporcionam o desenvolvimento da base
tecnológica do Sistema Único de Segurança Pública (BRASIL, 2006, p.
143).
No trecho transcrito da mensagem fica evidente a intenção do governo de
associar a implantação da rede da Polícia Federal ao Sistema Único de Segurança
19
Pública - SUSP, lançado em 2003, que tem como um dos objetivos a integração das
ações dos órgãos de segurança pública.
Em outro trecho da mensagem, o ideal de integração é reforçado com a
disponibilização de ferramentas de combate à criminalidade aos estados e
municípios e o incentivo à adesão ao Sistema de Integração Nacional de
Informações de Segurança Pública e Justiça – INFOSEG, que disponibiliza, aos
órgãos cadastrados, dados sobre inquéritos, armas de fogo, veículos roubados e
mandados de prisão. Atualmente a REDE INFOSEG possui cerca de 120 mil
usuários.
Reunidos no Rio de Janeiro, os governadores da Região Sudeste emitiram
uma carta ao Presidente da República propondo algumas providências para a
melhoria dos sistemas de segurança pública nos quatro estados. Dentre elas, a
“intensificação da integração dos serviços de informação federais e estaduais, com a
participação ativa, além Polícia Federal, das Forças Armadas, COAF, Banco Central
e Receita Federal” e complementa:
repasse financeiro de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública,
conforme valores solicitados e relativos a projetos concretos apresentados
para o aperfeiçoamento e treinamento profissional dos policiais e aquisições
de equipamentos necessários, por exemplo, para modernização da Polícia
Técnica-científica e para o sistema de radiocomunicação digital
(HARTUNG, 2007, grifo do autor).
No texto da carta, os governadores pontuaram questões consideradas
fundamentais para as políticas de segurança pública em cada um de seus estados. A
integração dos serviços de informação e a modernização dos sistemas de
radiocomunicação são dois dos seis itens descritos. O que deixa transparecer a
percepção das vantagens do trabalho integrado dos órgãos policiais, de controle e
fiscalização, bem como o senso comum de que a radiocomunicação constitui uma
ferramenta de apoio valiosa para o sucesso das operações policiais e de
fiscalização.
Embora, a integração dos sistemas de informação e comunicação seja um
tema recorrente nos discursos oficiais das Autoridades federais e estaduais, a ponto
de constar como um dos princípios do Programa de Governo Eletrônico, conforme
se lê, na página do Ministério do Planejamento:
20
a natureza federativa do Estado brasileiro e a divisão dos Poderes não pode
significar obstáculo para a integração das ações de governo eletrônico.
Cabe ao Governo Federal um papel de destaque nesse processo,
garantindo um conjunto de políticas, padrões e iniciativas que garantam a
integração das ações dos vários níveis de governo e dos três Poderes
(BRASIL, 2011).
O governo do Estado do Espírito Santo, em março deste ano, divulgou em
sua página oficial um projeto de modernização do sistema de radiocomunicação que
serve aos órgãos estaduais de segurança pública, de onde se destacam algumas
importantes características para este estudo:
O Governo do Estado investiu R$ 5.928.472,08 na atualização e ampliação
do sistema integrado digital de radiocomunicação da Segurança
Pública, com as aquisições de rádios transceptores digitais portáteis,
estações fixas e móveis, que garantirá ao setor um sistema de comunicação
moderno e de qualidade, além da garantia da segurança das informações
policiais por meio dos recursos de criptografia.
O objetivo do novo projeto de telecomunicações da Segurança Pública
Estadual é maximizar os índices de desempenho e eficácia no atendimento
direto à população. Além disso, o novo sistema irá tornar a comunicação
policial, de voz e dados, completamente segura e imune à interceptação
de terceiros nas suas frequências, como ainda hoje tem ocorrido.
O projeto contemplou a aquisição de rádios transceptores digitais portáteis,
estações fixas e móveis, o que garantirá à Segurança Pública da Região
Metropolitana da Grande Vitória, no prazo de 30 dias, que todas as viaturas
do policiamento ostensivo da Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de
Bombeiros Militar a eficácia do sistema de comunicação digital
(ESPIRITO SANTO, 2011)
Nota-se que, apesar da previsão de interoperabilidade entre as forças
estaduais, o projeto é essencialmente regional. Não há orientações para uma futura
integração com outros sistemas de radiocomunicação da União ou de outro estado.
3.4
PARCERIAS COMUNITÁRIAS: O PODER DA COMUNICAÇÃO
As vantagens dos sistemas integrados tornaram-se conhecidas pelas
pessoas comuns e passaram a fazer parte de soluções regionalizadas para os
problemas de segurança pública.
Em reportagem intitulada “Cidade Universitária do Fundão sofre com
sequestro-relâmpago”, publicada no site de notícias G1, o prefeito da Universidade
citou como uma das medidas de segurança uma ronda de patrulhas que
21
compartilham com o batalhão de Polícia Militar da área o mesmo sistema de
radiocomunicação:
nós temos nossas ações, mas não são suficientes. Isso aqui não é uma ilha
de tranquilidade. É impossível controlar quem entra e quem sai, afirma,
enumerando as medidas adotadas pela prefeitura, como a ronda feita por
seis carros da Divisão de Segurança, que circulam das 6h às 23h, com
sistema de radiocomunicação integrado com o batalhão da área [...]
(FREIRE, 2009, grifo do autor).
A Polícia Militar de Minas Gerais seguindo o exemplo de um projeto lançado
com sucesso na cidade de Recife/PE buscou, no compartilhamento de seu sistema
de radiocomunicação com porteiros de condomínios, uma forma de reduzir a
criminalidade local. Como explica um trecho da notícia:
o chamado projeto-piloto será implantado no bairro Coração Eucarístico.
Caso mostre-se eficiente, será ampliado para outras regiões. Através de
uma rede de radiocomunicação interligando os condomínios e a
PMMG, os porteiros, devidamente treinados, irão informar aos policiais a
ocorrência de ações criminosas. Com tal auxílio, espera-se que o trabalho
dos policiais torne-se ainda mais eficiente, com consequente diminuição do
número de crimes nas ruas e dentro dos prédios da região (MINAS
GERAIS, 2008, grifo do autor).
O governo do Mato Grosso do Sul, em 2009, lançou um programa de
segurança comunitária envolvendo a Secretaria de Estado de Justiça e condutores
de taxi. Por meio de rádios cedidos aos taxistas de Campo Grande espera-se o
estabelecimento de canais ágeis de comunicação de ocorrências e informações
úteis à polícia.
O Programa de Segurança Comunitária tem por finalidade propiciar
imediata e instantânea radiocomunicação entre os condutores de táxi
associados ou conveniados às suas respectivas entidades de classe e
o Ciops da Sejusp, de ocorrências e informações que exijam atuação
pronta dos órgãos de segurança pública e defesa social (PANTANAL
NEWS, 2009, grifo do autor).
A Secretaria Coordenadora de Justiça e Defesa Social de Alagoas
inaugurou, em 2006, um sistema de radiocomunicação para intercâmbio de
informações entre a rede hoteleira do litoral norte e o Batalhão de Polícia Militar de
Maragogi, na expectativa de que a criação de um canal direto de comunicação entre
empresários e a Polícia Militar traria mais segurança ao setor:
22
a cúpula da Secretaria Coordenadora de Justiça e Defesa Social e o
comando do 6º Batalhão, situado no município de Maragogi, inauguram
nesta sexta-feira, às 10 horas, o sistema de radiocomunicação, que vai
permitir um intercâmbio direto entre a Polícia Militar de Alagoas e o
ramo da hotelaria do litoral Norte (AGÊNCIA ALAGOAS, 2006, grifo do
autor).
Em todos os exemplos acima, a comunicação direta e compartilhada é citada
como um fator de melhoria no policiamento e, consequentemente, da segurança em
locais público e instalações privadas.
3.5
AS GRANDES REDES GOVERNAMENTAIS NO MUNDO
Nas últimas décadas, vários países construíram suas próprias redes de
radiocomunicação digital para uso das forças públicas de defesa social, seguindo
padrões que tendem à universalização, ou melhor, a construção de redes públicas,
independentes do setor privado, que permitam a integração dos órgãos de
segurança a partir da convergência de tecnologias de transmissão de voz e dados e
a unificação de centros de comando operacionais.
Para o alcance das propostas deste trabalho, serão abordadas quatro
experiências recentes de construção de redes nacionais de radiocomunicação cujas
características mais se aproximaram à rede da Polícia Federal.
3.5.1 A experiência alemã
Em viagem a serviço, representando a Polícia Federal nas tratativas iniciais
de um acordo entre Brasil e Alemanha sobre parceria em matéria de segurança
pública, o autor pôde conhecer a solução adotada pelo governo alemão que resultou
a implantação de um sistema público de radiocomunicação segura.
A rede de radiocomunicação da Alemanha – BOSNET - foi idealizada há dez
anos para ser única, segura e integrada. Os investimentos foram repartidos entre os
estados da Federação, ou seja, cada um arcou com os custos da aquisição das
estações de retransmissão instaladas em seus territórios e terminais utilizados pelos
órgãos locais. O contrato para fornecimento e instalação dos equipamentos foi
definido processo licitatório, no qual se sagrou vencedora a empresa alemã EADS
com a tecnologia TETRA.
23
O governo federal alemão criou em 2007 a BDBOS (Federal Agency for
Digital Radio Of security Authorities and Organizations) para coordenar a
implantação, garantir a operacionalidade e uniformidade tecnológica da BOSNET.
Toda rede analógica antiga será substituída pela rede TETRA ao final do
projeto em 2012, quando estarão ativadas aproximadamente 4.000 Estações Rádio
Base, com cobertura de 100% do território da Federação. Está prevista a distribuição
de 500.000 (quinhentos mil) rádios por todo País.
Por questões técnicas, optou-se em habilitar apenas os recursos de
transmissão de voz pela rede digital. Na visão dos alemães, a transmissão de dados
mostrou-se pouco eficaz na prática e, por isso, os dispositivos móveis de acesso aos
sistemas corporativos ou de troca de arquivos eletrônicos operam por meio dos
serviços disponibilizados pelas operadoras de telefonia.
Estrutura da rede BOSNET
24
3.5.2 A experiência francesa
Na França, o sistema de radiocomunicação estatal está subdividido em três
redes: a RUBIS que atende à Gendarmerie, força policial militar do País; a
ACROPOL que atende às outras forças de segurança; e, a ANTARES que serve ao
corpo de bombeiros. A duas primeiras utilizam o padrão TETRAPOL e a ANTARES,
até o ano de 2008, era estruturada em tecnologia analógica, a partir de quando se
iniciou um projeto de unificação com a rede ACROPOL, com o objetivo de integrar os
serviços de corpo de bombeiros e de urgências médicas através de uma rede digital.
À nova rede serão incluídas inovações como cobertura de sinal em túneis e
linhas do metrô, uso de equipamentos móveis de última geração para transmissão
de dados e localização de equipes, redundância de conexões críticas por meio de
satélites, em caso de falhas na internet.
A decisão de integração teve como um dos motivos o fato do governo estar
investindo em duas redes distintas com sobreposição de cobertura e desperdício de
recursos, pois a rede ANTARES necessitava de atualização tecnológica, de forma a
atender melhor as necessidades dos bombeiros.
No final do projeto, estarão utilizando a mesma rede, as autoridades
governamentais, a Polícia Nacional (equipamentos móveis), a Defesa Civil, a
Assistência Médica, os Serviços Penitenciários e de Gestão de Estradas. O sistema
integrado terá cerca de 200 mil usuários com cobertura em 90 por cento do território
francês.
25
Estrutura da rede francesa
3.5.3 A experiência espanhola
No
ano
de
2000,
o
governo
espanhol
criou
o
Sistema
de
Radiocomunicaciones Digitales de Emergencia del Estado – SIRDEE, após concluir
estudos que demonstravam que as redes públicas gozavam de pouca segurança e
capacidade de transmissão, as coberturas das redes existentes eram limitadas e os
centros operacionais obsoletos.
A Empresa EADS Telecom fora contratada para fornecer os equipamentos
na tecnologia TETRAPOL e a Empresa Telefonica de Espanha ficou responsável
pela infraestrutura da rede. Após cinco anos, a cobertura atingira 550 mil Km2 do
território espanhol e 180 mil km2 de mar adjacente, incluindo as Ilhas Canárias. No
total, 58.090 terminais operam em todo País.
O sistema oferece serviços como: chamadas em grupo, chamadas
individuais, chamadas de emergência, conexão com redes de telefonia pública e
redes externas digitais ou analógicas, entre outros típicos das redes digitais. O
governo da Espanha tinha como meta estabelecer um modelo único de rede
26
troncalizada para uso das forças de segurança e de atendimento a emergências,
com possibilidade de integrar outros sistemas e modernizar a doutrina operacional.
No modelo de administração, a gestão operacional e a gestão técnicoadministrativa foram separadas em dois centros: um trata das questões
operacionais, como controle de usuários e fiscalização das transmissões e outro,
das
atividades
mais
complexas,
disponibilidade dos serviços.
Estrutura da SIRDEE
como
supervisão,
configuração
rede
e
27
3.5.4 A experiência norte-americana
Os EUA há décadas estabeleceram protocolos para os sistemas de
radiocomunicação das agências de governo e instituições de segurança pública com
a finalidade de assegurar maior segurança às comunicações, disciplinar o uso do
espectro e incentivar a competição entre empresas fabricantes de equipamentos de
telecomunicação.
Participaram da definição dos protocolos entidades públicas e privadas, num
amplo debate entre especialistas e usuários. Com o passar do tempo, o padrão
adquiriu consistência e tornou-se mundialmente conhecido por APCO 25, atualmente
adotado em todo território americano. A tecnologia também é utilizada em algumas
metrópoles brasileiras como São Paulo e Belo Horizonte.
Uma das vantagens de se usar um protocolo aberto, acessível às empresas
especializadas do ramo é a possibilidade de concorrência nas compras
governamentais e, consequente, redução dos custos de implantação e manutenção
das redes.
Em uma reunião entre secretarias de segurança pública e o Departamento
de Polícia Federal ocorrida em 2009, discutiu-se as premissas básicas para a
criação do Sistema Integrado de Radiocomunicação Críticas e Emergências do
Brasil – SIRCE-BR com vistas a criar condições para a interoperação das redes
regionais e locais, seguindo o exemplo do APCO 25. Porém não se tem notícias
sobre algum projeto posterior derivado desta iniciativa.
28
4
CENÁRIO PROSPECTIVO
4.1
COMPARTILHAMENTO DE SISTEMAS
A evolução dos meios de telecomunicação no Brasil foi significativamente
influenciada pela capacidade do setor gerar lucros ou servir a propósitos políticos,
militares ou sociais. A alternância histórica dos marcos legais denuncia essa
característica. Ora o governo tomava frente nos investimentos, com a justificativa de
tornar acessível à população as novidades tecnológicas, ora abria as portas à
iniciativa privada, com o argumento de que a livre concorrência seria benéfica à
redução de custos e à qualidade dos serviços.
Esta particularidade, de certa forma, repercutiu nos processos de
desenvolvimento das redes de radiocomunicação dos órgãos de defesa social. Pois,
as autoridades, ao longo das últimas décadas, não demonstraram empenho algum
em estabelecer políticas sistemáticas ou padrões oficiais que facilitassem
futuramente a convergência tecnológica dos sistemas, como fizeram os Estados
Unidos da América. Nem mesmo, estruturaram redes públicas nacionais, como
fizeram Espanha, Alemanha e França, com as tecnologias TETRA ou TETRAPOL.
Entretanto, nos dias atuais, novos conceitos de governança orientam as
aplicações
de
Tecnologia
da
Informação
e
Comunicação.
Destaca-se
a
interoperabilidade, entendida como a capacidade de intercâmbio de informações
entre sistemas distintos. Um dos requisitos vitais nos projetos de manutenção
evolutiva de sistemas informatizados com fim de reduzir o retrabalho e agilizar a
tomada de decisão.
Neste sentido, o Decreto n. 6.932, de 11 de agosto de 2009 fixou diretrizes
quanto à obrigatoriedade de compartilhamento de informações, atuação integrada e
sistêmica e aplicação de soluções tecnológicas que propiciam o compartilhamento
de informações, materializando definitivamente a intenção do governo em integrar
ações de seus órgãos em favor do cidadão e valorizar os princípios da
racionalização dos gastos públicos.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o
art. 84, inciso VI, alínea “a”, da Constituição,
DECRETA:
o
Art. 1 Os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal observarão as
seguintes diretrizes nas relações entre si e com o cidadão:
29
I - presunção de boa-fé;
II - compartilhamento de informações, nos termos da lei;
III - atuação integrada e sistêmica na expedição de atestados, certidões e
documentos comprobatórios de regularidade;
IV - racionalização de métodos e procedimentos de controle;
V - eliminação de formalidades e exigências cujo custo econômico ou social
seja superior ao risco envolvido;
VI - aplicação de soluções tecnológicas que visem a simplificar
processos e procedimentos de atendimento ao cidadão e a propiciar
melhores condições para o compartilhamento das informações;
VII - utilização de linguagem simples e compreensível, evitando o uso de
siglas, jargões e estrangeirismos; e,
VIII - articulação com Estados, Distrito Federal, Municípios e outros
poderes para a integração, racionalização, disponibilização e simplificação
de serviços públicos prestados ao cidadão (BRASIL, 2009, grifo do autor).
Portanto, novos projetos de sistemas governamentais devem incorporar, por
orientação normativa, a convergência tecnológica em favor da interoperabilidade,
como condição básica para a maior integração das ações dos órgãos públicos e
racionalização de custos de investimento e manutenção.
4.2
OPERAÇÃO CONJUNTA E COORDENAÇÃO INTEGRADA
A percepção das vantagens da ação integrada dos órgãos de defesa social
para fazer frente aos grandes problemas da Nação atingiu o ápice com o movimento
de retomada de bairros cariocas do domínio de traficantes. A partir da incursão de
forças federais e estaduais, civis e militares no Complexo do Alemão, as expressões
“operação conjunta” e “coordenação integrada” foram consagradas definitivamente,
como na reportagem abaixo:
os criminosos impuseram o terror no Complexo do Alemão por quase 30
anos. Bastaram duas horas de operação da Polícia, Marinha e Exército,
para o estado retomar o morro e devolver a área à população. Eram 2.700
homens das polícias, da Marinha, do Exército. Uma tropa unida e coordenada
por uma central de inteligência. Com blindados da Marinha as forças de
segurança surpreenderam os bandidos no Morro do Alemão (CAPUCCI, 2010,
grifo do autor).
Na mesma proporção, durante a operação de treinamento militar Amazônia
2011, empregaram-se os dois conceitos com semelhantes abrangências:
como em uma guerra real, cerca de 4,5 mil militares da Marinha, do Exército e
da Aeronáutica realizam, desde o dia 23 de maio, operação conjunta em sete
municípios e uma comunidade indígena da Amazônia. E, nesse teatro de
operações, os militares treinam também o sistema de comunicação das três
Forças. Desde a sala de direção do exercício, local onde são coordenadas as
30
atividades realizadas, os militares unificam e aperfeiçoam a comunicação com
a tropa (BRASIL, 2011, grifo do autor).
Em campanhas nacionais ou em operações de salvamento também se
verifica a preocupação com a centralização do comando operacional. Como
expressam noticiários recentes:
Por iniciativa do Ministério da Justiça, será lançada hoje a nova campanha
nacional de desarmamento. O objetivo do Ministério e das instituições e
organizações da sociedade civil que vão atuar em conjunto é recolher o
maior número de armas em todo o Brasil. Para tanto, a campanha traz
novidades em relação às realizadas anteriormente, como a inutilização da
arma já no ato da entrega e a ampliação dos postos de recolhimento
(CORREIO DO ESTADO, 2011, grifo do autor).
A maior parte das aeronaves decola de um campo de futebol transformado
em base aérea integrada. O comando da operação, que conta com seis
helicópteros, é do major da Força Nacional de Segurança Roberto do Canto.
Com 23 anos de Polícia Militar do Rio Grande do Sul, Canto reconhece que
esta é a maior missão de sua carreira. „Essa missão, com certeza, é a mais
complexa. A maior em termos de tragédia e a que demandou maior
concentração de esforços e integração entre vários órgãos. A experiência
é muito válida para que a gente possa, cada vez mais, ir aperfeiçoando a
forma de atuar, em conjunto, entre inúmeras forças‟, afirmou Canto
(TERRA NOTÍCIAS, 2001, grifo do autor).
A atuação conjunta dos órgãos das três esferas administrativas e a
unificação de centros de coordenação e comando operacional tem marcado a
formulação de políticas de enfrentamento nas grandes questões públicas.
Por outro lado, o avanço da Ciência da Computação e dos meios de
comunicação tem facilitado a diversas soluções adotadas pelos órgãos em eventos.
4.3
REDES DO FUTURO
Os
países
que
optaram
recentemente
em
desenvolver
redes
de
radiocomunicação segura em seus territórios seguiram certos conceitos comuns,
que indicam uma tendência mundial. Independência dos sistemas privados de
telecomunicação, compartilhamento de infraestruturas, capacidade de integração de
vários órgãos e cuidado com a segurança da informação são alguns deles.
A evolução tecnológica dos últimos anos permite a construção de sistemas
de radiocomunicação com todas as características desejadas. Entretanto, a iniciativa
31
de desenvolvê-los depende, sobretudo, da vontade política dos governos centrais e
da cooperação dos governos locais.
Os três padrões mais utilizados no mundo para a construção de redes
governamentais: TETRA, TETRAPOL e APCO-25, foram analisados em artigo
publicado pela Coordenação de Projetos da Universidade Federal de Santa
Catarina, que concluiu:
a escolha de um padrão de radiocomunicação digital deve levar em conta
não as características técnicas disponibilizadas, mas sim quais são as
características que possuem importância para o usuário da rede, bem como,
a relação custo benefício do sistema, e principalmente as condições
financeiras não somente para adquirir o sistema, mas principalmente, qual a
previsão do custo de manutenção deste sistema; e para finalizar deve-se
avaliar qual o ciclo de vida estimado para terminais e infraestrutura (SILVA,
2004, não paginado).
O estudo demonstra através de análises comparativas que tecnicamente os
três padrões de radiocomunicação atendem às principais necessidades dos órgãos
de segurança pública. Assim, a escolha por um ou outro depende apenas das
vantagens apresentadas na fase de planejamento de um projeto específico para este
fim.
Para cada padrão, há diversas empresas e instituições que trabalham
fornecendo equipamentos e serviços técnicos, sendo comum a realização de fóruns
mundiais para troca de experiências e apresentação de novos acessórios para usos
especiais. Informações sobre os fornecedores e eventos podem ser obtidas nos
endereços:
http://www.project25.org/membership/membership-directory
;
http://www.tetramou.com./PageRender/about/themembers.htm
;
http://www.tetrapol.com/community/references.html
Todos estes fatores apontam que as redes de radiocomunicação
governamental do futuro utilizarão uma das tecnologias mencionadas, até que
apareça outro padrão mais avançado e conquiste semelhante posição no mercado.
32
5
PROPOSTA DE UMA REDE BRASILEIRA DE RADIOCOMUNICAÇÃO
5.1
VENCENDO AS BARREIRAS DO SISTEMA FEDERATIVO
Até pouco tempo atrás, as questões relacionadas à segurança pública eram
tratadas exclusivamente nos âmbitos estaduais e municipais, com exceção daquelas
em que havia interesse da União, em face do bem protegido. Esta divisão de
competências, própria dos sistemas federativos favoreceu o aparecimento de
variados modelos de policiamento.
Assim, estados e municípios buscaram soluções de comunicação
apropriadas às necessidades de seus órgãos de segurança, considerando as suas
capacidades financeiras, sem seguir, contudo, nenhum modelo padronizado ou
protocolo oficial.
Atualmente, os métodos de controle da criminalidade e atuação em locais
de desastre são orientados pelo senso comum de que, pela conjugação de esforços
dos vários órgãos de defesa social, é possível obter melhores resultados, como
mostram os noticiários pesquisados.
Embora os discursos estejam afinados em torno das vantagens do
compartilhamento dos meios logísticos disponibilizados aos órgãos de defesa, há
entraves no processo decisório que dificultam a composição dos interesses políticos
e financeiros em torno de projetos comuns, mesmo que estes impliquem claramente
em racionalização de esforços.
O reconhecimento de que a segurança pública é um fator importante para o
equilíbrio da vida social e uma condição essencial ao desenvolvimento do País foi o
primeiro passo rumo às recentes iniciativas do governo federal na área de segurança
pública, a começar pela criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública SENASP com a função de implementar programas, promover a integração e
estimular a modernização e reaparelhamento dos órgãos de segurança pública.
A SENASP conta com o apoio da Força Nacional de Segurança Pública –
FNSP, criada em 2004, para socorrer os estados em questões de urgência e
emergência que ultrapassem a capacidade de resposta ou mereçam ação mais
rigorosa.
A Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública- ENASP e o
Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – PRONASCI, ambos os
33
instrumentos de controle da criminalidade e articulação de esforços dos órgãos,
visam complementar as medidas do governo federal na área da segurança, em
apoio aos estados e municípios brasileiros.
Nesta mesma linha, a implantação da rede INTEGRAPOL da Polícia Federal
pode ser percebida como outro passo para a consolidação do entendimento de que
um projeto voltado à melhoria dos serviços prestados pelo Poder Público deve ser
abrangente, envolvendo todas as esferas administrativas.
Enfim, os motivos que inviabilizavam, até pouco tempo, o planejamento
comum e a ação integrada dos órgãos de segurança, aos poucos estão perdendo
força, em razão das ações do governo federal que passou a considerar a segurança
da população uma responsabilidade de todos os entes federativos.
5.2
PADRONIZAÇÃO TECNOLÓGICA: UMA QUESTÃO DE GOVERNANÇA
Os
grandes projetos de
construção de
redes governamentais de
radiocomunicação convergem para os três padrões estabelecidos há mais de uma
década e que contam com o aporte de empresas que se especializaram em produzir
bens de telecomunicação ou material de defesa. São padrões abertos, não
proprietários, que podem ser utilizados por qualquer empresa que se disponha a
investir em radiocomunicação digital.
Uma questão a ser enfrentada é a inexistência de empresas nacionais que
atuem na fabricação, instalação e manutenção da infraestrutura de redes que
utilizem um dos padrões reconhecidos.
Mantida a pluralidade de tecnologias analógicas e digitais, como vem
ocorrendo, provavelmente não haverá um mercado consumidor atraente para as
grandes de empresas do setor.
Assim como ocorreu nos países estudados, a
oficialização de um padrão para redes de radiocomunicação no Brasil traria a
certeza de um potencial mercado consumidor, incentivando a instalação de filiais de
empresas estrangeiras ou mudanças nas linhas de produção de empresas
nacionais.
A adoção de padrões tecnológicos nos países europeus não significou
desestímulo da concorrência em benefício de determinado grupo empresarial, como
poder-se-ia argumentar. Pois, pode-se notar em cada evento promovido pelas
34
organizações de usuários e fornecedores das tecnologias padronizadas, que novos
equipamentos estão sendo desenvolvidos por uma variedade de empresas.
A vantagem da padronização, portanto, reside em deixar claro ao
empresariado quais os produtos e tecnologias são aceitáveis nas compras
governamentais, com a garantia de que cada produto comercializado poderá ser
adquirido e integrado na rede para ampliação da sua eficiência e cobertura.
5.3
APROVEITANDO A BASE INSTALADA
A rede de radiocomunicação da Polícia Federal foi construída para operar
com a tecnologia TETRAPOL, a mesma utilizada com sucesso nas redes francesa e
espanhola. A INTEGRAPOL irá integrar todas as Superintendências Regionais da
Polícia Federal, num um único sistema nacional. Sua estrutura está dimensionada
para alcançar outras cidades distantes das capitais, assim que novos investimentos
permitirem a sua ampliação.
Em sua concepção inicial a rede teria a função de servir como base
tecnológica para o sistema de radiocomunicação dos órgãos de segurança pública
dos estados como parte do Sistema Único de Segurança Pública, conforme a
Mensagem do Presidente Lula ao Congresso Nacional.
Algumas situações de uso repassadas diretamente ao autor pelo chefe da
Divisão de Telecomunicações - DITEL, o Engenheiro de Telecomunicações Fabiano
Mendes Fernandes, que estão registradas em documentos oficiais arquivados na
Polícia Federal indicam o potencial da rede para o compartilhamento e uso em
missões críticas.
As principais são: cobertura da visita do Papa Bento XVI; posse da
Presidente Dilma Rousseff; Jogos Militares Mundiais; visita do Presidente Barack
Obama; desastre na região serrana do Rio de Janeiro; 40ª reunião de Cúpula dos
Presidentes do MERCOSUL, em Foz do Iguaçu; retomada do Complexo do Alemão;
e, queda do voo 447 da Air France.
Na apresentação da rede INTEGRAPOL para a Presidente da República
Dilma Rousseff, O chefe da DITEL ressaltou que para atender às cidades sedes dos
jogos da Copa do Mundo, integrando as equipes envolvidas na segurança dos
atletas, autoridades e estádios, seria necessário investir em estudos de
redimensionamento de tráfego; aquisição de terminais de radiocomunicação e
35
acessórios; eventual acréscimo de mais estações rádio base e canais, considerando
o aumento de usuários; incremento de links de comunicação; autorização de mais
frequências; treinamento dos novos usuários; e, normatização do uso da rede por
várias organizações (FERNANDES, 2011, não paginado).
O conjunto de discursos, programas e ações governamentais constitue,
juntamente com as semelhanças entre a rede da Polícia Federal e as modernas
redes estrangeiras, justificativa suficiente para o aproveitamento da base instalada
da INTEGRAPOL no território nacional, como embrião de uma rede brasileira de
radiocomunicação. Justificativa que se perfaz tanto pela redução dos custos, como
no aproveitamento da experiência acumulada pela Polícia Federal, após uma
década de planejamento e execução do projeto de implantação.
5.4
ARCABOUÇO JURÍDICO-REGULATÓRIO
A adoção de um padrão tecnológico oficial que sirva de elemento integrador
das redes públicas de radiocomunicação exige um ato formal de governo, cuja
legitimidade resida na participação de todos os grupos interessados na definição das
características ideais, considerando, sobretudo, as redes preexistentes, a topografia
brasileira e as necessidades particulares dos órgãos de defesa social.
Após a definição da base tecnológica por um instrumento legal, o próximo
passo seria a instituição do arcabouço jurídico-regulatório, fixando-se as regras de
gestão e de uso da rede.
A divisão de tarefas e de responsabilidades adotada na organização das
redes estrangeiras estudadas serve como paradigma, com algumas adaptações à
realidade brasileira. Neste sentido, o governo federal poderia criar uma agência
especial para coordenar a implantação e garantir a uniformidade tecnológica e a
operacionalidade da rede, a exemplo da BOSNET alemã.
Duas instâncias administrativas constituídas preferencialmente no formato
de comitês, conforme o modelo da SIRDEE espanhola, poderiam tratar: uma, da
gestão técnico-administrativa e outra, da gestão operacional. Estes comitês seriam
compostos de servidores indicados pelos órgãos usuários.
36
5.5
VANTAGENS OPERACIONAIS
5.5.1 Comunicação nos centros de gerenciamento de crise
As vantagens de uma rede nacional podem ser avaliadas por mais de um
ponto de vista. A mais importante, sem dúvida, é a capacidade de facilitar a ação
conjunta de diversas instituições por meio de um único serviço de comunicação.
Por exemplo, no desastre ocorrido na região serrana do Rio de Janeiro
várias equipes de salvamento foram formadas com componentes da defesa civil, das
forças armadas, dos bombeiros e de pessoas voluntárias, que se deslocavam por
terra e pelo ar. Todas estas equipes necessitavam de apoio externo para prestar
socorro às vítimas e, para tanto, contavam com seus próprios sistemas de
comunicação. Entretanto, uma operação com tal complexidade e envergadura
requer, dentro da melhor doutrina, a formação de um centro de gerenciamento de
crise, de onde as decisões sobre acionamento de ambulâncias, hospitais, perícias,
resgate aéreo ou outros recursos logísticos possam ser oportunamente realizadas. A
existência de uma rede comum de radiocomunicação, neste caso, facilita as
atividades do centro, permitindo a distribuição de tarefas sem perda de tempo.
5.5.2 Segurança das transmissões
Outra vantagem significativa está relacionada com a segurança da
comunicação em operações policiais, principalmente quando estão envolvidas
diferentes organizações. A ação de retomada do Complexo do Alemão no Rio de
Janeiro representou bem uma situação em que a comunicação segura entre forças
estaduais e federais é fundamental para o sucesso da operação. Centenas de
equipes poderiam receber instruções sigilosas de um centro de comando integrado.
A criptografia presente nas redes digitais impede a interceptação por
terceiros, evitando, portanto, que a ação policial deixe de contar com o elemento
surpresa, condição primordial para evitar a reação dos criminosos.
37
5.5.3 Comunicação nos centros de comando e controle integrados
A tendência mundial de integração dos centros operacionais dos órgãos de
defesa social tem sido acompanhada pelo desenvolvimento de softwares que
permitem o controle do posicionamento das equipes disponíveis. Pouca vantagem
seria obtida, se estas equipes não pudessem ser acionadas através do mesmo
centro operacional que recebe um chamado. Em um único acidente de trânsito pode
ser necessário o acionamento de ambulâncias, bombeiros, guardas de trânsito e
polícia judiciária. Daí outra valia do sistema único de radiocomunicação: permitir a
comunicação de um operador com todas as equipes acionadas e também entre elas.
A sinergia constituída pela interação das atividades dos diferentes órgãos que se
complementam umas às outras está presente na maioria dos discursos de
especialistas voltados à segurança pública, na atualidade.
5.5.4 Expansão planejada do sistema
A padronização tecnológica também propicia um melhor planejamento para
a expansão futura da rede. Esta característica é mais importante para os países que
não contam com recursos suficientes para um projeto nacional abrangente. Neste
caso, redes regionais implantadas posteriormente podem ser integradas à rede
nacional à medida que entrem em funcionamento, sem a necessidade do uso de
componentes
de
interconexão
que,
por
vezes,
deterioram
os
sinais
e
funcionalidades do sistema.
5.5.5 Logística de manutenção
Os
países
que
optaram
por
construir
redes
governamentais
de
radiocomunicação seguiram conceitos modernos de gestão de recursos de
Tecnologia da Informação e Comunicação. Um destes conceitos consiste na
racionalização da logística de manutenção. Um parque formado por equipamentos
padronizados favorece a contratação de suporte técnico, bem como, o ganho de
escala na aquisição de sobressalentes.
38
5.6
IMPACTOS PROVÁVEIS NA SEGURANÇA PÚBLICA
Há
algum
tempo,
autoridades
vem
demonstrando
publicamente
a
preocupação com a crescente onda de crimes que atinge as cidades e o interior do
País. Este fenômeno parece ser universal, pois tal comportamento é perceptível em
outros países, indicando que a humanidade passa por uma fase de ascensão da
violência.
Dentre as medidas anunciadas, ao lado dos investimentos no combate direto
ao trio de crimes: tráfico de drogas, tráfico de armas e terrorismo, que assolam até
mesmo a soberania dos estados, há outras que são vistas com bons olhos por todos
especialistas em segurança pública, ou pelo menos estão incluídas nos discursos
oficiais, em face da boa repercussão que provocam. São as ações de modernização
dos equipamentos disponibilizados às forças policiais.
Modernizar o armamento, a viatura, os sistemas de informação e de
comunicação significa, na compreensão comum, alcançar um patamar acima de
qualidade, seja pela melhoria dos serviços prestados, seja pela redução dos riscos
profissionais.
A segurança pública, entretanto, é uma equação de muitas variáveis. Não há
como antecipar resultados de uma medida isolada apenas com estudos
comparativos e teóricos. Faz-se necessário o acompanhamento de um conjunto de
indicadores por um tempo prolongado. Entretanto, pode-se especular que a
agilidade, a segurança das comunicações e a atuação coordenada de vários órgãos
otimizadas por um sistema de comunicação seguro e unificado trarão condições
melhores aos estados e municípios de organizarem centros de atendimento ao
cidadão contanto com a atuação integrada dos diversos órgãos de defesa social.
A proposta de implantação de uma rede nacional de radiocomunicação
segura no Brasil tem por base a evidente carência demonstrada nas pesquisas
efetuadas, o caminho seguido por outros países e o sucesso confirmado da rede
INTEGRAPOL implantada pela Polícia Federal.
39
6
CONCLUSÃO
Nos últimos anos, autoridades públicas e segmentos da sociedade civil têm
demonstrado crescente preocupação com os altos níveis de criminalidade, bem
como, com a proporção de vítimas em desastres causados pela ação humana ou
intempérie.
Entre as soluções frequentemente apontadas pelos governadores e
responsáveis pela segurança pública figuram a integração dos diversos órgãos que
atuam na defesa social e a modernização dos equipamentos de comunicação.
Seguindo na mesma trilha, diversos países optaram em construir redes
governamentais de radiocomunicação independentes dos sistemas privados de
telecomunicação. Este fenômeno, intensificado nas últimas décadas, em razão do
desenvolvimento de novas tecnologias digitais de transmissão de sinais é um reflexo
também
da
evolução
dos
conceitos
de
governança
que
valorizam
o
compartilhamento de recursos e a interoperabilidade de sistemas como pilares da
eficiência e eficácia em projetos de Tecnologia da Informação e Comunicação.
Com as informações reunidas e analisadas nesta pesquisa é possível
concluir que a criação de uma rede brasileira de radiocomunicação segura, nos
moldes das redes implantadas na Alemanha, França e Espanha poderá satisfazer as
necessidades do Brasil relacionadas à precariedade dos sistemas de comunicação
existentes em grande parte dos estados e municípios.
Rede INTEGRAPOL, implantada pela Polícia Federal, possui quase todas as
características e potencialidades das redes governamentais estrangeiras e poderia
servir de base tecnológica para a criação de um sistema nacional de
radiocomunicação. Esta era a intenção do governo federal no início do projeto e a
visão de futuro que permanece presente na Polícia Federal, pelo que denota a
apresentação preparada para a atual Presidente da República.
Faltam, então, iniciativas que façam convergir para um único projeto os
investimentos na modernização dos sistemas isolados de radiocomunicação,
transformando as intenções divulgadas pela imprensa em ações concretas.
Há exemplos de sucesso em diversos países que também são organizados
no sistema federativo. Portanto, a independência dos estados é um óbice que pode
ser vencido com projeto tenha como fundamento as vantagens operacionais e a
racionalização dos custos de implantação e manutenção.
40
Enfim, a opção nacional por uma rede brasileira de radiocomunicação
segura, com aproveitamento da infraestrutura instalada da rede INTEGRAPOL e do
conhecimento acumulado pelos servidores técnicos da Polícia Federal, durante os
últimos dez anos, pode representar um significativo avanço no relacionamento entre
os entes federativos, principalmente na prestação de serviços que tenham por
objetivo a proteção da vida e a preservação da ordem pública.
41
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